III Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia: Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI GT 06 – Democracia, violência e conflitos sociais. A Lógica da Ação Coletiva e a Busca pela Cidadania: uma análise de associações quilombolas de Salvaterra –Marajó/ PA SANTOS, Suziane Palmeira dos¹ – [email protected] CARDOSO, Luis Fernando Cardoso e² – [email protected] VALENTE, Osvaldo Rosa³ – [email protected] Manaus (AM) – 26 a 28 de Setembro de 2012 ______________________________ ¹Discente do curso de Ciências Sociais, bolsista do projeto PROEX/ MEC ²Doutor em Antropologia Social e docente da Universidade Federal do Pará ³Mestre em Sociologia e docente da Universidade Federal do Pará A Lógica da Ação Coletiva e a Busca pela Cidadania: uma análise de associações quilombolas de Salvaterra-Marajó/ PA SANTOS, Suziane Palmeira dos CARDOSO, Luis Fernando Cardoso e VALENTE, Osvaldo Rosa Resumo Este trabalho consiste em uma análise sobre a organização e atuação de associações quilombolas localizadas no meio rural do município de SalvaterraMarajó/PA. Metodologicamente usou-se revisão bibliográfica, entrevistas estruturadas e não estruturadas junto aos lideres e membros das associações, ademais utilizou-se dados estatístico do CENSO, realizado junto as comunidades quilombolas. Observou-se que essas organizações coletivas quilombolas contribuem para aprofundar a qualidade do regime democrático brasileiro, na medida em que facilita a conquista da cidadania pelas populações remanescentes de quilombo. Palavras chaves: associações quilombolas; democracia; cidadania. 1. INTRODUÇÃO A configuração social do Brasil apresenta uma ampla diversidade étnica, racial e cultural, mas a exclusão social de determinados grupos, principalmente de populações rurais, a exemplo as comunidades quilombolas, ainda faz parte da nossa realidade social. Contabiliza-se que há mais de 2 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo territorio brasileiro, a Amazônia, – onde erroneamente imaginou-se que o processo de escravidão não apresentou muita implicação; tem se revelado um campo de surgimento de autodefinição quilombola. Segundo pesquisas, somente no estado do Pará, existe 240 comunidades quilombolas, e ainda há muitos grupos que estão em processo de reconhecimento enquanto comunidade quilombola. Ainda assim, ressalta LEITE (2010) esses grupos são marcados pela invisibilidade. A ordem jurídica hegemônica marcada original e principalmente pelo reconhecimento do indivíduo como o sujeito universal e básico do direito não encontrou lugar para os grupos rurais negros no Brasil. Excluídos das leis que ordenam o Estado, esses grupos tornaram-se invisíveis e, o que é ainda mais grave, quando visíveis apenas surgiam como “invasores de terras”, “ocupantes ilegais” de propriedades rurais sobre as quais diziam ter direito, mas que não estavam devidamente reconhecidas. A verdade é que nem poderaim sê-lo, dado que o a titularidade é sempre individual e não de uma comunidade. Tal situação é a expressão máxima da desigualdade social e também da violência simbólica de que tais grupos são vítimas. Tal situação muda um pouco com o reconhecimento de comunidades quilombolas pela CF de 88, como veremos mais adiante. E é nesta nova conjuntura, que analisaremos a organização e atuação de associações quilombolas localizadas no meio rural do município de Salvaterra- Marajó/PA. O objetivo mais imediato é verificar de que modo essas associações se formam, se originam e se organizam. Numa perspectiva mais ampla, nosso objetivo é verificar como elas têm contribuído para eficácia e estabilidade do governo democrático na configuração política brasileira. Teóricos da democracia como John Stuart Mill e Robert Dahl asseveram que a característica primordial de uma democracia é a constante sensibilidade do governo em relação às preferências de seus cidadãos. Deste modo ajustamos neste trabalho a perspectiva de Dahl com os conceitos de eficácia e estabilidade propostos por Robert Putnam, o qual observa que para se obter um adequado desempenho, uma instituição democrática deve ser simultaneamente sensível e eficaz: sensível às demandas de seu eleitorado e eficaz na utilização de recursos limitados para atender tais demandas. Ressalta-se que um grande desafio ao nosso governo democrático reside em sua sensibilidade em relação às manifestações cada vez mais freqüente no cenário juridicopolitico dos ditos direitos insurgentes apontados por Silva (1994). O autor observa que é comum o desempenho de movimentos sociais e a criação de novas figuras legais determinarem o surgimento de novos sujeitos de interesses, cujos procuram articular suas ações com o intuito de alcançar determinados fins. Mancur Olson, um estudioso da ação coletiva afirma que as organizações formais, como associações contribuem na luta de determinados grupos, por obtenção de benefícios coletivos. A partir disso empregamos aqui algumas definições e conceitos defendidos pelo autor. A perspectiva do economista norte-americano assinala que a maioria das ações praticadas por um determinado grupo, ou até mesmo em nome deste coletivo, se dá através de uma organização, e tal organização busca a realização de interesses comuns. O ponto de vista de Olson inaugurou uma nova corrente interpretativa da ação coletiva, denominada teoria da Mobilização de Recursos. Alguns classificam tal perspectiva como utilitarista, na medida em que, conforme o teórico, as ações coletivas derivam do desejo de concretização de demandas. Portanto para Olson o provimento de benefícios coletivos é a função fundamental das organizações em geral. Deste modo, analisaremos a atuação destas quatro associações quilombolas: Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado, encontradas em Salvaterra-Marajó/ PA, e assim demonstraremos a maneira como estes grupos de indivíduos, que se autodefinem quilombolas, buscam a efetivação de seus interesses dentro de uma configuração social que legalmente goza de um governo democrático, mas que legitimamente revela-se excludente. Ademais, de modo que as ações coletivas estão estritamente relacionadas com o funcionamento das instituições, cabe ressaltar aqui a relevância da perspectiva do neo-institucionalismo. Monteiro (2001) aponta que o neo- institucionalismo assume que as instituições capacitam ou restringem em grande medida as ações individuais ou de grupos de indivíduos, influenciando os resultados e alterando seus objetivos. Tendo em vista que as instituições são canais legais de implementação de decisões (Levi, 1990), cabe investigar aqui em que proporções a atuação de organizações formais de comunidades quilombolas, implica não somente a busca da realização de seus propósitos, mas também em que medida esta atuação colabora para o aprimoramento do regime democrático brasileiro. 2- Comunidades Quilombolas no Brasil: aspectos históricos Desde 1988 o termo quilombola no Brasil, vem despertando agudas discussões, pois foi a partir da inclusão do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 88, que se começou de maneira mais instigada a inserção das comunidades quilombolas como objeto de estudo. “Depois do ano de 1988, no entanto, acontecimentos externos aos debates propriamente acadêmicos irão interferir na produção antropológica voltada para os chamados "estudos raciais", no sentido de incentivá-la e de alterá-la. Nesse ano, o "Artigo 68" das disposições transitórias criou a possibilidade de se reconhecer às "comunidades remanescentes de quilombos" o direito sobre as terras que ocupam e, apesar de ainda não se ter lhe dado uma definição jurídica e institucional, seus efeitos sociais se fizeram sentir quase que imediatamente, pela mobilização de ONG's, aparelhos de Estado, profissionais de justiça e setores da área acadêmica, entre outros, nem sempre, todavia, em perfeito acordo, mesmo quando imbuídos de uma perspectiva política comum. Com isso, o campo de estudos sobre negros passa a ter de responder a novas demandas originadas da luta política [...].” (ARRUTI, 1997,p.13). Ademais, corrobora o autor, pode-se dizer que tais comunidades são cientificamente um objeto indefinido, pois não há como falar deles sem tentar classificá-los, seja como remanescente, agrícolas, rurais, nômades etc. Entretanto o importante não é tentar adjetivar as populações quilombolas, pois o que está em debate não é a existência destas formações sociais e nem a validade de suas demandas, o importante é pensar o quanto uma classificação seria capaz de fornecer reconhecimento social a essas populações. “Está em jogo o quanto de realidade social o conceito será capaz de fazer reconhecer. Qual parcela da realidade ganhará, por meio deste reconhecimento, uma nova realidade, jurídica, política, administrativa e mesmo social” (ARRUTI, 2008, p. 2). O artigo 68 do ADCT/CF-88 “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos.” Possibilitou o reconhecimento de comunidades como remanescente de quilombo, constituindo assim um novo sujeito social, um novo sujeito político etnicamente diferenciado a partir dos direitos promulgados através do artigo citado. Assim como a inclusão do artigo 68 na constituição suscitou discussões acerca da categoria, os recentes estudos sobre a presença de negros na Amazônia também tem provocado debates, pois esses estudos vêm revelando cada vez mais a presença de afrodescendentes na região. Por um longo período se pensou que a escravatura não teria apresentado implicações significativas na Amazônia, devido anteriormente, fontes historiográficas relativos à escravidão africana na região amazônica, registrarem o fracasso da implementação da agricultura de plantation² no local. Segundo Vicente Salles (1971) diferentemente das outras regiões da colônia, onde se desenvolveu largamente o sistema de plantation como nas regiões canavieiras, cafeeiras, algodoeiras e também nas de mineração do ouro, na Amazônia a economia baseava-se na extração de drogas do sertão e alguns produtos naturais. No entanto, no Baixo Rio Amazonas, a força de trabalho escrava foi utilizada nas fazendas de cacau e gado. Ademais Salles aponta para a presença do negro especificamente no Pará, afirma que até 1820 totalizavam 38.000 escravos africanos no norte do território brasileiro. Nesse sentido tem se observado que a Amazônia tem se revelado um campo propício para o surgimento de uma diversidade de autodefinições, na medida em que a região abriga um quadro especifico de identidades coletivas, denominadas de povos da floresta. “A Amazônia é palco do entrelaçamento de uma pluralidade de autodefinições, denominados “povos e comunidades tradicionais” ou conforme informações de 1988-92 “povos da floresta,” que compõe um quadro especifico de identidades coletivas. Seringueiros, indígenas, ribeirinhos, piaçabeiros, peconheiros, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas e pescadores artesanais, antes de estarem referidos às atividades econômicas, tornaram-se identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais.” (ALMEIDA JUNIOR, 2005,P.1) 2.1 – Ressemantização de um conceito Recentemente – principalmente após a promulgação do artigo 68 da ADCT/CF 88, o conceito quilombo tem sido discutido de forma a buscar uma ressemantização. Há uma literatura especializada, ARRUTI (2008), ALMEIDA (1989), que busca reconhecer o conceito quilombo como grupos fluidos e heterogêneos que se autodefinem através de um sentimento de pertencimento. Deste modo o conceito mais bem empregado e aceito contemporaneamente é o do antropólogo Fredrik Barth (1976). O autor destaca que o termo quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Não se trata de grupos homogêneos e isolados, e nem tão pouco populações constituídas a partir de uma referência histórica comum, estabelecida a partir de vivencias e valores compartilhados. Na realidade são grupos étnicos conceitualmente caracterizados pela antropologia como um tipo organizacional que atribui pertencimento através de normas e meios empregados para indicar afiliação ou exclusão (ABA, 1994). “O quilombo continua, portanto a ser o objeto de redefinições sucessivas em numerosos trabalhos procurando incansavelmente alargar o campo de aplicação do vocábulo, sem todavia renunciar a conserva-lhe uma especificidade” (BOYER, 2009, P.143) 3- Quilombos no Marajó Uma considerável parte de africanos trazidos para a Amazônia, na condição de escravos, aproximadamente no final do século XVII, foi impelida às fazendas da Ilha do Marajó, com a finalidade de serem “braços fortes” no trabalho com o gado, na agricultura, pesca e ademais atividades produtivas solicitadas pelos fazendeiros. Uma das características aplicadas ao surgimento de quilombos é a precedente formação de agrupamentos de negros que haviam fugido das fazendas onde eram obrigados ao trabalho em regime de escravidão. De modo que era grande a perseguição a esses rebelados, muitos dos quais eram novamente presos e punidos pela fuga, os locais escolhidos para a formação de tais comunidades geralmente eram regiões de difícil acesso. “A constituição de mocambos ou quilombos é um dos fatores característico sistema escravocrata. Longe de serem uma exceção ou formas pontuais de resistência, as fugas aconteceram paralelamente e de maneira permanente durante todo o período escravocrata” (PEREIRA, 2008.p 31). Ademais, ressalta Cardoso (2012) A deserção não foi a única forma usada pelos subjugados para constituírem espaços de liberdade e garantirem sua reprodução sociocultural. No Oeste do Pará, mais especificamente na Ilha de Marajó, localiza-se a cidade de Salvaterra – nosso campo de estudo. No município de Salvaterra há 15 comunidades que hoje se autodefinem como remanescentes de quilombos, buscando retomar os territórios expropriados por fazendeiros, e também outros direitos sociais. As comunidades em Salvaterra, certificadas pela Fundação Cultural Palmares são: Deus Ajude, Bacabal, Bairro Alto, Boa Vista, Mangueiras, Paixão, Pau Furado, Providência, Salvá, Siricari , Vila União, Caldeirão, Santa Luzia, Rosário e São Benedito da ponta. Acevedo Marin (2005), ao realizar um levantamento em 11 das 15 comunidades do município de Salvaterra, mostra que nelas vivem 1.916 habitantes, ou seja, número igual a 35% da população rural do município. Portanto, uma porcentagem considerável de indivíduos que apresentam demandas especifica enquanto cidadãos. Daí muitos se organizarem e usarem uma categoria – quilombola – como meio de alcançar objetivos. Para Carneiro da Cunha (1986) a identidade étnica deve ser entendida fundamentalmente como uma organização política. Logo podemos inferir que os diversos grupos quilombolas podem escolher determinados elementos culturais para constituir uma identidade quilombola. Esses elementos acrescenta Pereira (2008) podem ser externos: textos acadêmicos, jurídicos, presença de militantes ou outros que discursam sobre a questão e esferas de debate político em torno do tema. E ainda internos, como: historia social do grupo transmitida pelos mais velhos. Ademais estes elementos irão orientar uma parte da conduta política e social do grupo. Neste artigo iremos delimitar nosso estudo, analisando exclusivamente a atuação de quatro associações (Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado) das quinze comunidades quilombolas formalizadas no município salvaterra. 4- Associações Quilombolas de Salvaterra Em 2003 as comunidades quilombolas de Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado em Salvaterra/ Marajó criaram associações para representá-los legalmente, como define o Decreto Constitucional 4.887/2003, a fim de garantir direitos perante o Estado. “Nos últimos vinte anos, os descendentes de africanos, chamados negros, em todo território nacional, organizado em Associações Quilombolas reivindicam o direito a permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para e sustento, bem como o livre exercício de suas praticas, crenças e valores consideradas em sua especificidade” (LEITE 2000, p.334). Uma das características similar a estas associações: Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado, é a sua antiga luta pela titulação de terras, este sempre foi o objetivo principal das organizações. Antes da composição das associações as comunidades se sentiam incapazes de reivindicarem seus direitos territoriais, e nem tinham conhecimentos de como proceder para tal. Foi então a partir da iniciativa de pesquisadores da UFPA, os quais levaram equipes para Salvaterra, para a realização de um levantamento histórico sobre populações quilombolas na região, que se descobriu a existência desses grupos no município. Depois de constatada a evidência de quilombos na região, as comunidades foram alertadas acerca de seus direitos constitucionais, após isto as comunidades se autodefiniram como remanescente de quilombo e assim se organizaram para constituir associações utilizando a significação quilombola. “E aí a primeira comunidade a ser visitada aqui para trabalhar esse projeto, esse assunto de quilombolas, foi Mangueiras, por causa daquela professora Zélia Mador, ela é filha de Mangueiras. Então quando surgiu esse direito para os quilombolas remanescentes, ela manda uma pessoa direto de Belém, direto pra Mangueiras, foi ate a Maria do Carmo. Então foi em Mangueiras que começou. Eles acham que os escravos que vieram fugidos, subiram o rio adentro, esse rio que vem da Bahia do Guajará ele vai embora até chegar em Mangueiras, eles acham que lá que começou. De lá que os negros foram procurando terras para fazer suas casas, onde chegaram na Boa vista onde o rio segue, chegaram em Santa Luzia, chegaram no Bairro Alto e ai foram adentrando. Aí então eu comecei a frequentar, nós começamos a frequentar, as comunidades começaram, as comissões vinham de Belém dar palestras, encontro de mulheres negras e nós começamos a participar e começamos a se interessar e também nós pudéssemos ser incluídos nesse sistema “E então a doutora Rosa veio, e então uma comunidade só poderia ser chamada de quilombola se existisse nas comunidades remanescentes, se depois da pesquisa feita, fosse encontrado famílias que fossem remanescentes de quilombos, de escravos né. E aqui quem fez foi a doutora Rosa Acevedo, ela veio aqui com a comissão dela e fez essa pesquisa, como fez em Bacabal, como fez em Mangueiras, como fez em Boa vista, Rosário, Paixão, e nós fomos. Ela encontrou pessoas aqui na comunidade que eram remanescentes, inclusive nós, a nossa família” (Liderança da associação quilombola de Bairro Alto) A titulação de terras às comunidades quilombolas é emitida em nome de uma associação que representa o grupo. Logo a associação deve ser legalmente constituída assim como previsto no Decreto 4.887/2003, art. 17 parágrafo único. Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado fundaram suas associações quilombolas em 2003, mas só tiveram seus respectivos certificados de terra após um considerável período de lutas. A Fundação Cultural Palmares (FCP) –responsável por formalizar a existência dessas comunidades, só forneceu o certificado à comunidade de Bacabal em 2006, Bairro Alto em 2010, Mangueiras (2006) e Pau Furado em 2010. A princípio as associações surgiram para reivindicar o direito a terra, mas ao longo do tempo o grupo foi demandando outros direitos, como afirma uma das lideranças do grupo. “A associação tinha outros objetivos, mas esse (a titulação de terras) era um deles, sempre foi um deles, foi o direito a terra. Todas as reuniões que eu ia, todos os encontros que eu ia. Fui ao encontro da OAB em Belém que a dona Rosa me levou, sempre eu colocando essa necessidade, sempre foi essa a maior necessidade nossa, foi terra.” (Liderança, Associação Quilombola de Bairro Alto). Segundo a IACOREQ (Instituto de Assessoria as Comunidades Remanescentes de Quilombos) a luta das comunidades quilombolas do Brasil reside na conquista da regularização de seus territórios como o primeiro passo para a conquista da cidadania, mas a conquista da cidadania não é apenas a terra e o território. Junto com estes vem o reconhecimento de seus direitos, enquanto grupo étnico com especificidades. Ao longo do seu estabelecimento, as associações quilombolas de Salvaterra além de buscarem a efetivação seus direitos territoriais, vão também tomando frente a outras questões sensíveis às suas comunidades. “Eu diria hoje que tem outras coisas, nosso foco principal é o território, mas tem outras coisas, pra mim tem a saúde, a educação, a moradia, o território. Nosso direito em torno de tudo e até mesmo a parte do preconceito, porque muitas das nossas comunidades já sofreram...” (Liderança da Associação Quilombola Bacabal) As comunidades quilombolas de salvaterra já constituíram diversas associações. O gráfico abaixo apresenta uma pesquisa desenvolvida pelo CENSO 2012, sobre a existência de associações no município. Portanto, a associação quilombola não é a única e nem a primeira forma de organização política constituída legalmente nas comunidades. Conforme Cardoso (2012) várias associações já a antecederam, principalmente porque as políticas e programas governamentais direcionados aos grupos rurais sejam camponeses ou pescadores, solicitam uma instituição jurídica para que possam firmar contrato de concessão de recursos as atividades dos grupos. Entretanto, conforme alguns representantes do grupo, as associações quilombolas apresentam algumas especificidades, que concedem mais força às lutas das comunidades. Entrevistador: A senhora acha que essa associação Remanescente Quilombo é mais atuante, é mais forte que essas outras? E por que a senhora pensa que poderia ser mais? Liderança:“Acho que poderia ser, mas de acordo com os privilégios que uma associação quilombola tem, junto ao governo. Então se ela for trabalhada e correr atrás, muitos benefícios nós vamos ter para a comunidade. (Comunidade de Bairro Alto) Ademais acrescentamos: “Por isso que eu te falo que Mangueiras agente se organizou. Essa organização é pra isso, pra gente vê se consegue recurso, pra que ele gere renda, emprego pra pessoas sobreviverem de alguma forma. A associação Quilombola dá mais força sim. Hoje agente entende que nós quilombolas temos uma grande força... associação quilombola é o todo. O objetivo mesmo da associação é se organizar pra trazer benefícios.” (Membro da Associação Quilombola de Mangueiras) As demais organizações existentes nas comunidades quilombolas de salvaterra priorizavam somente um grupo (pescadores, agricultores, moradores etc), portanto apenas uma unidade social, tomava a frente da organização. Havia uma verticalização na organizão. As lideranças das associações anteriores foram acusadas de terem usufruído privilégios em detrimento aos demais sócios. As lideranças das associações quilombolas de Bacabal, Mangueiras, Pau Furado e Bairro alto são em grande parte do sexo feminino, são donas de casas, professoras, lavradouras e agricultoras. Essas mulheres se dedicam aos negocios públicos das comunidades, são assiduas nas reuniõe, ademais algumas participam de outros movimentos sociais como, Grupo de Mulheres e partidos politicos. “As mulheres estão à frente de quase todas as comunidades, da maioria, e os homens que estão, não estão dando conta do recado, entendeu? O único homem que eu posso dizer que tá levando à frente, de igual pra igual, é aqui, Caldeirão, e São Benedito, são as duas lideranças homens que vão ali e lutam igual a gente, mas os outros acabam não entendendo, não sabem repassar direito, chega na plenária eles ficam calados, do jeito que eles chegam eles saem, e as mulheres não. Nós somos quatorze comunidades já identificadas, articuladas, e dez eram lideranças femininas e quatro homens.” (Liderança da comunidade de Mangueiras) Nota-se que o estabelecimento das associações quilombolas, criou novas expectativas para todos, na medida em que os desejos das comunidades se intercruzaram. O objetivo principal das associações é projeto comum de todos, ou seja, a conquista do território ancestral e a implementação de políticas públicas, que deveria subsidiar todo o processo de titulação das terras. Deste modo essas organizações politicas revelam-se uma arena de debates onde se observa a aglutinação dos interreses de todos os membros das comunidades quilombolas , e portanto palco de participação politica. Ressalta-se que a constituição, atuação e organização desses grupos que representam as comunidades quilombolas de salvaterra está relacionado a um conjunto de experiências ligadas às suas demandas históricas, expectativas, frustrações e o acirramento de disputas políticas na conjuntura brasileira. 5- A relevância da Ação coletiva Os primeiros apontamentos sobre as teorias da ação coletiva sugiram nos Estados Unidos com teóricos como Charles Tilly e Hebert Mead. Mas foi a teoria da mobilização de recursos, do economista norte-americano Mancur Olson que inaugurou uma perspectiva diferenciada as ciências sociais acerca da ação coletiva. Para o autor o comportamento dos grupos não segue a mesma lógica do comportamento individual supostamente racional e auto-interessado. Segundo Olson(1999) algumas vezes, um grupo tem de constituir uma organização formal para poder lutar pela obtenção de um benefício coletivo. Ademais é caracteristico da maioria das organizações, e com certeza de praticamente todas as organizações com um importante aspecto econômico, é a promoção dos interesses de seus membros. Os moradores da comunidades quilombolas de salvaterra entendem que para reaverem seus direitos frente ao Estado é necessario constituir grupos de “pressão,” que se caracterizam por mobilizar politicamente seus participes e promover direitos sociais à população quilombola do municipio. Olson (1999) observa que as organizações devem promover interesses comuns, das organizações rurais espera-se que lutem por uma legislação favorável a seus membros. A organização e atuação das associações quilombolas de Bacabal, Mangueiras, Pau Furado e Bairro alto, não apresentam a mesma dinâmica, mas o movimento em sí se caracteriza pela busca de interesses. “Porque sempre é diferente, sempre tem alguma coisa que impera, mas os direitos são os mesmo, eles seguem o mesmo critério e seguem a mesma lei, o que é pra uma é pra todas, né.” (liderança da Associação Quilombola de Pau furado) Outro teórico que dá sua contribuição à análise da teoria da ação coletiva é Robert Putnam, segundo o autor, as instituições governamentais recebem subsídios do meio social e geram reações a esse meio. A perspectiva de Putnam é denominada de culturalista, pois entende que o sucesso dos espaços democráticos dependem das características da sociedade civil. Para o autor em todas as sociedades o dilema da ação coletiva dificulta as tentativas de cooperação para benefícios mútuos. A cooperação voluntaria dependeria do capital social, que diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas que contribuem para aumentar a eficiência de um sistema democrático. Segundo Putnam (2006) a comunidade cívica se caracteriza por cidadãos atuantes e imbuídos de espírito publico, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração. Nesse sentido nota-se que as comunidades quilombolas de Salvaterra apresentam certas características de uma comunidade cívica, como confiança e colaboração. “Aqui agente ainda tem o costume dos antigos, que é confiar. Apesar de que já fomos alertados pelo CEGEN, que agente não se... na expressão da palavra não se abra assim, contar tudo, né[...]agente acredita que pessoas saem de suas propriedades com a boa vontade de ajudar, esclarecer alguma coisa que nós também não sabemos, que agente precisa saber.Vocês sabem que agente mora em comunidade distante, pouco ler o jornal, né? Agora que agente tem uma televisão, que já vê um pouco as coisas que acontecem, e agente gosta quando pessoas vêm trazer, porque ai agente vendo um com outro, agente entende melhor”. (Liderança da Associação quilombola de Bacabal) Deste modo, podemos asseverar que em parte o êxito das associações quilombolas de Salvaterra se dá pelo fato da organização possuir características que despertam em seus membros qualidades como confiança e colaboração. Outra abordagem dada à ação coletiva é a neo-institucionalista, proposta por autores como James Marche (1989) e Johan Olsen (1989). O pressuposto da teoria institucionalista é que o desenho e as características das instituições explicariam os resultados do processo de democratização. “A organização da vida política é importante, e as instituições influenciam o fluxo da história (...) as decisões tomadas no âmbito das instituições políticas modificam a distribuição de interesses, recursos e preceitos políticos, na medida em que criam novos atores e identidades, incutem nos atores as noções de êxito e fracasso, formulam regras de conduta apropriada e conferem a certos indivíduos, e não a outros, autoridade e outros tipos de recursos. As instituições influenciam a maneira pela qual indivíduos e grupos se tornam atuantes dentro e fora das instituições estabelecidas, o grau de confiança entre cidadãos e lideres, as aspirações comuns da comunidade política, o idioma, os critérios e os preceitos partilhados pela comunidade, e o significado de conceitos como democracia, justiça, liberdade e igualdade.” (OLSEN;MARCH apud PUTNAM, 2006,p.33) A partir da constituição das associações quilombolas de Bacabal, Mangueiras, Pau furado e Bairro alto os seu participes foram influenciados a participarem dos negócios públicos da comunidade. “Eu digo assim, que com a nossa associação quilombola agente não tamo cem porcento ainda né, na parte da organização política, mas tamo setenta porcento melhor.” (membro da Associação quilombola de bacabal) A partir do exposto lembramos que não tomamos partido exclusivamente de nenhuma das duas perspectivas (culturalista e institucionalista) acerca da ação coletiva; antes ressaltamos que neste estudo sobre as organizações quilombolas de Salvaterra, observamos que nas associações analisadas, emergi um diálogo entre ambas abordagens. 6- Associações: uma contribuição à democracia O teórico da democracia Giovanni Sartori aponta que usualmente o regime democrático é compreendido como o governo do povo, mas o autor ressalta que na medida em que o principio da maioria pode incorrer na exclusão das minorias, é problemático entender a o regime democrático como o governo do povo. A partir disso ele propõe que a categoria povo seja entendida como a maioria e mais a minoria. A finalidade desse principio é evitar a concessão de todo o poder seja às maiorias ou às minorias. Na perspectiva de Sartori a democracia evidência (e não evidência) diversas unidades formadoras da teia de processos de tomada de decisão. Deste modo há uma fragmentação do poder. O autor adverte que essas unidades de decisão, são pequenos grupos que apresentam certa durabilidade e são institucionalizados. Ademais são coletivos de interação face a face que tomam decisões em relação ao fluxo de resoluções. O cientista político denomina esses grupos por comitês. Conforme Sartori (1994) todas as decisões tomadas por qualquer sociedade política são antes examinadas, discutidas e propostas por um comitê, o governo é um comitê. Somente nos grupos pequenos a participação implica num tomar parte significativo e os comitês representam a parcela da população participativa. Ademais os comitês, ou seja, os pequenos grupos organizados e institucionalizados são propensos a se proliferar no regime democrático, possibilitando a construção de um ambiente político plural e competitivo. Isso nos leva asseverar que as associações quilombolas de Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado (na medida em que se apresentam como um canal onde há grandes probabilidades das reivindicações mais intensamente demandadas por essa minoria serem atendidas), têm contribuído para eficácia e estabilidade do governo democrático brasileiro. “Diz-se que as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático, não só por causa de seus efeitos “internos” sobre o indivíduo, mas também por causa de seus efeitos “externos” sobre a sociedade.” (PUTNAM; 1999 P.103). É relevante ressaltar aqui a teoria democrática defendida por Robert Dahl (1997), pois o autor aponta que o regime democrático se caracteriza por ser inclusivo e aberto à contestação pública. O termo democracia é entendido como um sistema político que tem, em suas características, a qualidade de ser inteiramente ou quase inteiramente responsivo a todos os seus cidadãos. Um governo responsivo segundo Dahl é aquele que atende as demandas de seus cidadãos. A característica primordial de uma democracia é a constante sensibilidade do governo em relação às preferências de seus cidadãos. Nesse sentido podemos afirmar que num país plurietnico como o Brasil é necessário a existência de associações que permitam a inclusão de diversos grupos na vida política. São viáveis a constituição de organizações que permitam aos seus membros um posicionamento diante da atuação Estado. A forma como o governo trata as demandas dos seus cidadãos ainda é muito precário, um adequado governo democrático, que defendemos aqui, caracteriza-se por ser simultaneamente sensível e eficaz: sensível às demandas de seu eleitorado e eficaz na utilização de recursos limitados para atender tais demandas. 6- Conclusão Entender a relevância da criação, organização e atuação dessas associações quilombolas (Bacabal, Bairro Alto, Mangueiras e Pau Furado) é um procedimento complexo, pois envolve uma serie de conjunturas. Mas, sobretudo a dificuldade dos quilombolas serem reconhecidos enquanto grupo étnico detentor de demandas especificas e igualmente cidadãos brasileiros. Entretanto cabe ressaltar que o papel dessas organizações é imprescindível para a realização de suas demandas territoriais, econômicas e culturais. O teórico Robert Michels décadas atrás assegurou em seu clássico estudo que a democracia é inconcebível sem organizações. Portanto podemos sustentar que essas associações quilombolas de Salvaterra são suportes da democracia, na medida em que possibilitam o envolvimento de seus partícipes com as principais questões políticas do grupo, promovendo a cidadania (direitos e deveres iguais para todos) na medida em que esses indivíduos são impulsionados a participarem dos negócios públicos e assim se apropriam de bens sociais por eles mesmos criados. Nessas associações são reforçados laços de confiança e cooperação, ademais são locais de (re) produção de percepções acerca de (in)justiça, liberdade e direitos. É a partir dessas percepções que o grupo se organiza e luta pela conquista de suas demandas frente a atual conjuntura política brasileira. Referências Bibliográficas ABA, Associação Brasileira de Antropologia. Documento do grupo de trabalho sobre comunidades negras rurais (Rio de Janeiro, 17-18 de outubro de 1994) ACEVEDO MARIN, Rosa Elisabeth. 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