UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA: HEPATOLOGIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HEPATOLOGIA MESTRADO IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS TRANSPLANTES HEPÁTICOS: A EXPERÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO Adriana Gonçalves da Silva Machado Porto Alegre 2011 ADRIANA GONÇALVES DA SILVA MACHADO IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS TRANSPLANTES HEPÁTICOS: A EXPERÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre como requisito para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Ajácio Bandeira de Mello Brandão Porto Alegre 2011 i Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M149i Machado, Adriana Gonçalves da Silva Impacto da implantação do escore MELD na alocação de fígados e nos resultados dos transplantes hepáticos : a experiência de um centro brasileiro / Adriana Gonçalves da Silva Machado. – Porto Alegre, 2011. 82 f. : il. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Programa de PósGraduação em Hepatologia, 2011. Orientação: Prof. Dr. Ajácio Bandeira de Mello Brandão 1. Transplante de fígado. 2. Escore MELD. 3. Alocação de fígados I. Título. II. Brandão, Ajácio Bandeira de Mello. CDD 617.556 205 92 Eleonora Liberato Petzhold CRB 10/1801 ii Agradecimentos − Ao grupo de transplante hepático adulto do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre − equipe Dr. Guido Cantisani − pelo tempo de convívio e pela confiança em mim depositada para a realização deste estudo. − Ao Programa de Pós-Graduação em Hepatologia da UFSCPA, pela oportunidade de aprendizado. − Ao meu Orientador Dr. Ajácio Bandeira de Mello Brandão, pela capacidade de dividir sua experiência e seu conhecimento. − Aos pacientes que fizeram parte deste estudo, meu carinho e respeito. − Aos colegas da Pós-Graduação, pela parceria neste longo caminho. − Aos meus pais, pelo amor, carinho e dedicação incondicionais bem como pela oportunidade de estudo e crescimento sempre a mim ofertada. − Aos meus amigos queridos que me acompanharam e por isso fazem parte desta importante conquista. Muito Obrigada iii RESUMO O MELD é um acurado preditor de mortalidade de pacientes cirróticos, tendo sido instituído como ferramenta para alocação de fígados no Brasil em 2006. No entanto, seu impacto na alocação de órgãos bem como na mortalidade em lista de espera e após transplante não é bem conhecido em nosso meio. Objetivos: avaliar o impacto na mortalidade em lista da implantação do escore MELD na alocação de fígados e na mortalidade após transplante em um centro no sul do Brasil. Pacientes e Métodos: foram estudados pacientes adultos, com hepatopatia crônica, em lista de espera para um primeiro transplante hepático com doador falecido. Foram constituídas duas coortes, antes e após a adoção do escore MELD, conforme a data de inclusão em lista de espera. Os pacientes foram seguidos por um período mínimo de 18 meses para avaliação dos desfechos de interesse (óbito/ transplante hepático). Resultados: a gravidade dos pacientes em lista de espera para TxH, avaliada pelo escore MELD da data de inclusão, foi similar nas duas coortes. O risco de mortalidade em lista de transplante correlacionou-se com o aumento progressivo do escore MELD, sendo que o acréscimo de uma unidade aumentou em 20% o risco de morte (HR: 1,2; IC 95%: 1,14-2,26; p < 0,001). As taxas de mortalidade em lista para TxH foram de 30,9% na era pré-MELD e de 21,7% na era pós, sem diferença estatística significativa. Em relação aos pacientes transplantados nos períodos em estudo, verificou-se maior taxa de transplantes na era pós-MELD (40% versus 52%, p = 0,002). Os homens foram transplantados com maior frequência no segundo período (p = 0,041). Quando excluídos os pacientes transplantados por carcinoma hepatocelular, as médias do escore MELD na data do transplante foram significativamente maiores no período pós-MELD (p < 0,01). Os valores do escore MELD na data do transplante não se correlacionaram significativamente com a sobrevida após o procedimento. No período de seguimento de 18 meses após transplante foram observadas taxas de mortalidade de 25,4% na era pré-MELD e de 20% na era pós-MELD, sem diferença estatisticamente significativa. iv Conclusão: a implantação do escore MELD foi associada com menor mortalidade em lista de espera, em comparação à observada na era pré-MELD. Por outro lado, apesar de na era MELD terem sido transplantados pacientes mais gravemente enfermos do que no período precedente, as taxas de sobrevida póstransplante foram similares. Palavras-chave: Alocação de fígados; Escore MELD; Transplante hepático. v ABSTRACT Meld is an accurated predictor of mortality in cirrhotic patients and was adopted like a tool for liver allocation in Brazil in 2006. However the impact in liver allocation and in waiting list and post liver transplantation mortality still unknown in your country. Objectives: to evaluate the impact of MELD score adoption in liver allocation and post liver transplantation mortality in Brazil. Patients and Methods: adult patients with cirrhosis in waiting list for their first liver transplantation with deceased donor were studied. Patients were grouped in two cohorts, before and after MELD score implantation, based in their waiting list inclusion date. Follow up had a minimum of 18 months for end-point evaluation (death and liver transplantation). Results: severity of illness in patients waiting for liver transplantation, evaluated by MELD score value at the time of placement on the list, was similar in both eras. Mortality risk while waiting for liver transplantation correlated well with MELD score values. An elevation of one point in MELD score value raised mortality risk in 20% (HR: 1.2; CI 95%: 1.14-2.26; p < 0.001). Waiting list mortality was 30.9% in preMELD era and 21.7% in post-MELD era, without statistical significance. In the set of liver transplantation, a raise in transplant rate was observed in the post-MELD period (40% versus 52%, p = 0.002). In the post-MELD era, women were less likely than men to receive a liver transplant, p = 0.041. When patients with carcinoma hepatocelular were excluded of the analysis, MELD score values in the day of liver transplantation were significantly higher in the post-MELD period (p < 0.01). MELD score in the day of liver transplantation did not correlate well with post-transplant survival. During the 18 months of follow up, after liver transplantation, mortality rate was 25.4% in the pre-MELD era and 20% in the post-MELD era, without statistical significance. Conclusion: MELD score implantation was associated with reduction in waiting list mortality, which was observed in the post-MELD era. On the other hand, despite of sicker patients were transplanted in the post-MELD era, mortality rate after liver transplantation in both periods was similar. Key words: Liver allocation; Liver transplantation; MELD score vi Lista de Tabelas e Figuras do Artigo Tabela 1 Características e desfechos dos grupos de pacientes em lista de espera para transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós-implantação do escore MELD.....................................................70 Tabela 2 Distribuição dos motivos de exclusão de lista de espera para transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pósimplantação do escore MELD ..................................................................................................71 Tabela 3 Ocorrência de óbito em pacientes submetidos a transplante hepático (TxH) e em lista de espera comparando os períodos pré e pós-implantação do escore MELD.....................................................72 Tabela 4 Características e desfechos dos grupos submetidos a transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós implantação do escore MELD ..................................................................................................73 Figura 1 Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida em lista de espera para transplante hepático (TxH) entre os períodos pré e pós-implantação do escore MELD...........................................................................74 Figura 2 Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida após transplante hepático (TxH) entre os períodos pré e pósimplantação do escore MELD ..................................................................................................75 vii Lista de Abreviaturas ABTO Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos APACHE II e III Acute Physiology and Chronic Health Evaluation System CTP Child-Turcotte-Pugh D-MELD Produto da Idade do Doador pelo MELD Pré-Operatório EMERALD Erasmus Model for End-Stage Resistant-Therapy All Etiology Liver Disease iMELD Integrated Model for End-Stage Liver Disease MELD Model for End-Stage Liver Disease MELD-XI Model for End-Stage Liver Disease excluíndo RNI MELD-Na Model for End-Stage Liver Disease With Incorporation of Sodium MESO Model for End-Stage Liver Disease to Sodium Index OMS Organização Mundial da Saúde OSF Organ System Failure RNI Razão Normatizada Internacional ROC Receiver Operating Characteristic SNT Sistema Nacional de Transplantes SOFA Sequential Organ Failure Assessment TGP Alaninoaminotransferase TIPS Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt TxH Transplante Hepático UKELD United Kingdom Model for End-Stage Liver Disease UNOS United Network for Organ Sharing UTI Unidade de Terapia Intensiva viii Sumário Resumo ...........................................................................................................................................................................iv Abstract ...........................................................................................................................................................................vi Lista de Tabelas e Figuras ..............................................................................................................................vii Lista de Abreviaturas ...........................................................................................................................................viii 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................11 2 REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................................................................15 2.1 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS ................................................................................15 2.2 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS EM HEPATOPATIA CRÔNICA E EM TRANSPLANTE HEPÁTICO ............................................................................15 2.2.1 Classificação de Child-Turcotte-Pugh ..........................................................................................16 2.2.2 Classificação de Child-Turcotte-Pugh modificada ...............................................................17 2.2.3 Modelo da Universidade de Emory ................................................................................................17 2.2.4 Escore EMERALD (Erasmus Model for End-Stage Resistant-toTherapy All Etiology Liver Disease) ...............................................................................................18 2.2.5 Escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease) ............................................................18 2.2.5.1 MELD e pacientes cirróticos .............................................................................................................20 2.2.5.1.1 MELD na avaliação pré-operatória de cirróticos ............................................................21 2.2.5.1.2 MELD na avaliação de cirróticos gravemente enfermos ou internados em unidades de tratamento intensivo ..........................................................22 2.2.5.1.3 MELD na avaliação de cirróticos em lista de espera para transplante hepático ...........................................................................................................................23 2.2.5.2 MELD e alocação de órgãos ............................................................................................................24 2.2.5.3 MELD e sobrevida após transplante hepático......................................................................25 2.2.5.4 Exceções no escore MELD ...............................................................................................................29 2.2.5.5 Variantes do escore MELD................................................................................................................31 2.2.5.5.1 Delta-MELD...........................................................................................................................................31 2.2.5.5.2 MELD-Na (Model for End-Stage Liver Disease With Incorporation of Sodium) ..............................................................................................................32 2.2.5.5.3 iMELD (Integrated Model for End-Stage Liver Disease) ou MELD integrado .................................................................................................................................33 2.2.5.5.4 Re-weighted MELD ou MELD atualizado .........................................................................33 2.2.5.5.5 ReFit MELD e ReFit MELDNa .................................................................................................34 ix 2.2.5.5.6 MELD-XI (Model for End-Stage Liver Disease excluindo RNI) .........................35 2.2.5.5.7 D-MELD (Produto da idade do doador pelo MELD pré-operatório)..........................35 2.2.5.6 Limitações do escore MELD e seus derivados....................................................................36 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA INTRODUÇÃO E DA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................................................40 4 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................................................................55 5 OBJETIVOS..............................................................................................................................................................56 5.1 OBJETIVO GERAL ..........................................................................................................................................56 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .....................................................................................................................56 6 ARTIGO: Impacto da implantação do escore MELD na alocação de fígados e nos resultados dos transplantes hepáticos: A experiência de um centro brasileiro ...............................................................................58 RESUMO .............................................................................................................................................................58 ABSTRACT .......................................................................................................................................................59 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................60 PACIENTES E MÉTODOS.....................................................................................................................61 ANÁLISE ESTATÍSTICA.........................................................................................................................62 RESULTADOS................................................................................................................................................63 DISCUSSÃO ....................................................................................................................................................65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................................76 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS .................................................79 8 ANEXO 1 .....................................................................................................................................................................82 x 11 1 INTRODUÇÃO Cirrose é definida como doença hepática crônica, caracterizada histologicamente pela presença de fibrose e formação de nódulos regenerativos difusos que levam à desorganização angioarquitetural do parênquima hepático.1 Como resultado de dano tecidual crônico (viral, metabólico ou autoimune), ocorre acúmulo progressivo de tecido fibrótico no fígado. Os principais grupos de agentes etiológicos da cirrose podem ser classificados em: • Metabólicos: secundários a erros inatos do metabolismo, acometendo principalmente crianças e adultos jovens. São exemplos: doença de Wilson, hemocromatose, deficiência de alfa-1-antitripsina, galactosemia e tirosinemia, dentre outros. • Virais: compreendidos aqui o vírus da hepatite B, associado ou não ao vírus delta, e o vírus da hepatite C. • Resultantes de esteato-hepatite não-alcoólica. • Secundários ao consumo de álcool. • Induzidos por toxinas e fármacos: metildopa, metotrexate e isoniazida, dentre outros. • Autoimunes: consequência da história natural de hepatite autoimune. • Biliares: cirrose biliar primária, cirrose biliar secundária e colangite esclerosante. • Decorrentes da obstrução do fluxo venoso hepático. • Criptogênicos: cerca de 10% dos casos de cirrose têm etiologia desconhecida.2 Inicialmente, os pacientes não apresentam complicações clínicas, ou seja, a cirrose é compensada. Nestes casos, a sobrevida média estimada é de nove anos, podendo ser superior a doze anos caso os pacientes persistam compensados.3, 4 Com o passar do tempo, os pacientes apresentam complicações clínicas e passam para a fase de cirrose descompensada, caracterizada pelo aparecimento de complicações como hemorragia variceal, ascite, peritonite bacteriana espontânea, 12 encefalopatia hepática ou icterícia, cujas taxas variam de 5% a 7% ao ano.3-5 Dez anos após o diagnóstico, a probabilidade de descompensação é de 60%.3-5 A maioria das complicações está diretamente relacionada ao grau de hipertensão portal, principalmente quando a pressão portal for superior a 10 mmHg.3-5 Estudo avaliando cirróticos observou que, na ocasião do diagnóstico, 37% dos casos estavam clinicamente compensados e 63% apresentavam alguma descompensação clínica.6 Dos pacientes com cirrose compensada, 70% estavam completamente assintomáticos e os demais apresentavam queixas menores e inespecíficas, como dispepsia e astenia.6 No grupo de pacientes descompensados, o achado clínico mais frequente foi ascite, presente em 78% deles.6 Nos compensados, a progressão para doença descompensada foi de 10% ao ano e a sobrevida em seis anos de 54%, superior à dos pacientes descompensados que foi de 21%. Nestes últimos, a taxa de mortalidade foi maior no primeiro ano, ao final do qual apenas 60% dos pacientes permaneciam vivos.6 Em toda a coorte, a sobrevida média em cinco anos foi de 40%. Uma vez desenvolvido o primeiro episódio de descompensação, as complicações tendem a acumular-se e a expectativa de vida se reduz marcadamente.6 A gravidade da doença fica bem explicitada pela observação de que cirróticos, quando admitidos em unidades de tratamento intensivo (UTI), apresentam mortalidade em curto prazo entre 49% e 89%.7, 8 Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cirrose é a nona causa de mortalidade entre 15-44 anos; a quinta causa entre 45-59 anos e a décima causa nos maiores de 60 anos. O impacto da doença está aumentando e a OMS prevê que, em 2015, cirrose será a nona causa de morte no mundo ocidental.9 Desta forma, a monitorização da progressão da doença hepática é necessária, pois tem papel importante em seu manejo, avaliação e aplicação das medidas terapêuticas bem como na predição de complicações e morte. Aí reside o desafio do hepatologista da atualidade: aperfeiçoar o manejo clínico de uma população para a qual o único tratamento definitivo é o transplante hepático (TxH). Transplante hepático é um tratamento muito bem sucedido, com taxas de sobrevida de 86,9% em um ano e de 73,4% em cinco anos nos Estados Unidos e de 81% e 62% na Europa, respectivamente.10, 11 13 No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), de janeiro de 2010 a março de 2011, a taxa de sobrevida dos pacientes após TxH foi de 75% em cerca de 450 dias nos 1.442 transplantes realizados, sendo 1.324 com doadores falecidos.12 No Rio Grande do Sul, na experiência do Grupo de Transplante Hepático da Santa Casa de Porto Alegre, a sobrevida em um ano foi de 81,1% e de 61% em 14 anos, em média, utilizando doadores falecidos.13 Além de prolongar a vida, o transplante hepático também objetiva melhorar a qualidade de vida dos pacientes, o que tem sido conseguido, segundo resultados de metanálise publicada no final da década de 1990.14 É importante também considerar que os benefícios do transplante hepático não devem ser avaliados apenas pelo aumento da sobrevida e da qualidade de vida daqueles que se submetem ao procedimento. De fato, a necessidade de manter os pacientes em lista vivos até o transplante teve como consequências avanços no manejo clínico de pacientes também fora de lista de transplante, sendo exemplos as terapêuticas intervencionistas locais para tratamento do hepatocarcinoma, o manejo da hemorragia digestiva, o tratamento de intercorrências infecciosas, o uso de terapia dialítica e as internações em UTI, dentre outros. Nos seus primórdios, o transplante era considerado um procedimento experimental para o qual havia poucos candidatos. O critério para seleção de doadores era o de morte cardiopulmonar. Como não se dispunha de meios para preservação do órgão, eram transplantados pacientes internados nos mesmos centros de transplante ou em hospitais próximos. Desta forma, não havia problema relacionado à alocação de órgãos. A percepção pela comunidade médica e pela população dos avanços obtidos nas últimas décadas nos resultados do transplante hepático resultou em que mais pacientes são referendados para lista de espera. Como o número de doadores não aumentou na mesma proporção, ocorreu um enorme desequilíbrio entre o baixo número de órgãos disponíveis para a realização dos transplantes e o elevado número de enfermos que necessitam de transplante hepático. Por exemplo, em janeiro de 2005, no Brasil, havia 6.288 pacientes em lista de espera para transplante hepático, sendo que nesse ano foram realizados apenas 956 procedimentos.15 14 Nos Estados Unidos, em 2009, havia cerca de 16.000 candidatos em lista de espera, número muito superior aos 5.000 transplantes realizados nesse mesmo ano.10, 16 Em 2010, foram realizados 6.291 transplantes hepáticos, sendo 6.009 com doadores falecidos.17 Na Europa e nos Estados Unidos, atingiu-se um platô com realização de cerca de 5.000 a 6.000 transplantes/ano.10, 11 No Brasil, na última década, houve um significativo aumento no número de transplantes hepáticos, que passou de 204 em 1996 para 1.334 em 2009 e para 1.413 em 2010. No período de janeiro a março de 2011, foram realizados 288 transplantes, sendo 21 deles no Rio Grande do Sul.12, 18 Uma das consequências da desproporção entre a oferta e a demanda de órgãos é a alta taxa de mortalidade em lista de espera para transplante. Para tentar minimizar o problema, em 1998, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos expediu um mandato definindo que os fígados de doadores falecidos deveriam ser alocados com base na gravidade da doença hepática e no risco de mortalidade, com menor ênfase no tempo de espera em lista.19 Nessa época, o escore de Child-TurcottePugh (CTP) foi adotado como sistema de priorização para alocação de órgãos.20 Como os pacientes eram subdivididos em apenas três categorias de gravidade, ainda assim o tempo de espera em lista era fator determinante para diferenciar tais pacientes.20 Desta forma, ficou claro que o escore CTP não era adequado para ordenar os pacientes em lista de espera. Assim, em fevereiro de 2002, foi adotado, nos Estados Unidos, um novo modelo prognóstico de gravidade − o escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease) − como sistema de priorização em lista de espera para transplante hepático. O escore MELD é calculado com os resultados de três exames objetivos e reproduzíveis: bilirrubina total, creatinina e RNI (razão normatizada internacional) do tempo de protrombina,21-23 e estima bastante bem a mortalidade de pacientes com hepatopatia crônica por diferentes etiologias. Seu uso, nos Estados Unidos, como estratégia de ordenamento da lista de espera conseguiu reduzir a mortalidade em lista de espera, sem diminuir a sobrevida pós-transplante.24 No Brasil, o escore MELD foi adotado pelo SNT (Sistema Nacional de Transplantes) como critério para alocação de órgãos em maio de 2006, com efetiva implantação em julho do mesmo ano.25 No entanto, ainda não há informações consolidadas sobre o impacto da introdução desse escore na alocação de enxertos no país e na mortalidade dos pacientes após transplante hepático. 15 2 REVISÃO DA LITERATURA Nesta revisão bibliográfica serão analisados os escores prognósticos empregados para estimar a gravidade da hepatopatia crônica bem como seu emprego na alocação de enxertos de doadores falecidos. Será dada ênfase ao escore MELD como preditor de mortalidade de pacientes adultos tanto em lista de espera para transplante hepático quanto após o procedimento. Serão analisados aspectos gerais do escore, suas vantagens, desvantagens, limitações e possíveis modificações para um melhor desempenho na alocação de órgãos. 2.1 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS Os modelos prognósticos são ferramentas úteis para estimar a gravidade das doenças bem como a sobrevida dos pacientes, sendo utilizados para definir as intervenções terapêuticas específicas mais adequadas.26 Esses modelos são desenvolvidos para avaliar o efeito das variáveis de interesse em desfechos específicos como, por exemplo, mortalidade. Diversos modelos prognósticos vêm sendo aplicados na prática médica. Alguns direcionados à avaliação do estado geral de saúde do paciente, como o APACHE III (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation System), e outros são mais especificamente relacionados a determinadas doenças. 2.2 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS EM HEPATOPATIA CRÔNICA E EM TRANSPLANTE HEPÁTICO A necessidade de diferenciar o grupo de pacientes hepatopatas, bem como de indicar procedimentos terapêuticos com segurança e estabelecer prognóstico da enfermidade e suas complicações, tornou necessária a aplicação de modelos prognósticos na avaliação dos cirróticos.26 16 O escore ideal para predizer o prognóstico de hepatopatas crônicos e ser amplamente utilizado deveria ter os seguintes atributos: variáveis objetivas, facilmente reproduzíveis e relevantes na história natural da enfermidade em estudo, bem como aplicabilidade em grupos heterogêneos de cirróticos, capacidade para distinguir gravidade de doença em um contínuo e ser validado em diversos subgrupos de pacientes com doença hepática crônica.26 Os dois modelos mais comumente utilizados no cuidado de hepatopatas crônicos são o CTP e o mais recentemente descrito, o MELD.26 2.2.1 Classificação de Child-Turcotte-Pugh A classificação de Child-Turcotte foi um dos primeiros sistemas de estratificação de risco na avaliação de cirróticos. Inicialmente descrito para predizer o desfecho dos pacientes submetidos à cirurgia para hipertensão portal, foi criado de forma empírica, incorporando os seguintes parâmetros: albumina sérica, bilirrubina sérica, estado nutricional, ascite e encefalopatia hepática.27 Seu principal inconveniente foi a falta de objetividade de algumas das variáveis em estudo. Desta forma, em 1972, Pugh et al.28 substituíram o estado nutricional pela avaliação do tempo de protrombina, expresso em segundos, o que tornou CTP um pouco mais objetivo. Cada um dos cinco parâmetros em estudo recebe de 1 a 3 pontos cuja soma perfaz o valor total do escore que varia entre cinco e quinze pontos. Os pacientes são subclassificados em três grupos: A (5 a 6 pontos), B (7 a 9 pontos) e C (acima de 9 pontos).28 A classificação CTP foi muito utilizada em estudos descritivos e em ensaios clínicos, considerada como bom índice prognóstico de sobrevivência, sendo validada e consolidada nos anos 1980 e 1990.26 Estudo de revisão apontou que o escore CTP é bom preditor de desfecho em pacientes com complicações relacionadas à hipertensão portal − presença de ascite, ruptura de varizes esofágicas −, descompensações de cirrose por hepatite C, cirrose biliar primária, cirrose alcoólica, colangite esclerosante e síndrome de Budd-Chiari. Ademais, é útil para avaliar o risco de ressecção cirúrgica de hepatocarcinoma e cirurgias não hepáticas.29 17 Apesar das diversas limitações, como uso de variáveis subjetivas, escolha empírica dos valores de corte em cada categoria e pouca capacidade discriminatória devido a pontuações com limites inferiores e superiores definidos (efeito teto), desde 1997 esta classificação vinha sendo utilizada na alocação de órgãos em TxH.26, 29 2.2.2 Classificação de Child-Turcotte-Pugh modificada Huo et al. propuseram redefinir o escore de CTP e avaliar sua capacidade para predizer mortalidade em pacientes cirróticos. O estudo consistiu na criação de uma classe D: albumina < 2,3 g/dl, bilirrubina > 8 mg/dl e tempo de protrombina > 11 segundos. Ele foi comparado ao CTP convencional e ao escore MELD, utilizando como desfecho mortalidade em três e seis meses. A área sob a curva aos três e seis meses foi de 0,89/0,89 para o CTP modificado, de 0,87/0,83 para o MELD e de 0,80/0,75 para o CTP original, respectivamente. O CTP modificado apresentou melhor capacidade de predição de mortalidade em cirróticos do que o CTP original e foi pelo menos semelhante ao escore MELD. Assim, o CTP modificado pode ser considerado um modelo capaz de predizer mortalidade a curto e médio prazo em pacientes cirróticos.30 2.2.3 Modelo da Universidade de Emory Com o objetivo de criar novos modelos prognósticos para avaliação de cirróticos, a Universidade de Emory desenvolveu um escore para predição da sobrevida dos pacientes submetidos ao TIPS (Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt), que incluía TGP (alaninoaminotransferase), bilirrubina e encefalopatia hepática pré-TIPS. Um ponto é atribuído para cada item se: TGP > 100 U/l, bilirrubina > 3 mg/dl e encefalopatia pré-TIPS não relacionada a sangramento. Dois pontos são atribuídos à necessidade de realização de TIPS de urgência por sangramento variceal. A soma da pontuação atribui o risco individual de cada paciente: alto risco entre quatro e cinco pontos, risco moderado entre um e três pontos e baixo risco quando sem pontos.31 18 Schepke et al.32 compararam o potencial preditor de cada um dos três escores MELD, CTP e Emory, em hepatopatas submetidos à colocação de TIPS. O MELD foi superior ao Emory, mas apenas discretamente melhor do que o CTP como preditor de sobrevivência a longo prazo. 2.2.4 Escore EMERALD (Erasmus Model for End-Stage Resistant-to-Therapy All Etiology Liver Disease) O escore EMERALD foi criado na Holanda, com intuito o de predizer a mortalidade de pacientes em lista de espera para transplante hepático e estabelecer prioridades na alocação de órgãos.33, 34 Sua fórmula inclui como variáveis creatinina sérica e níveis de bilirrubina total: 10,1 ln (ln (bilirrubina em µmol/l)) + 8, 9 ln (ln creatinina em µmol/l) A avaliação inicial sugere que tanto o EMERALD quanto o MELD apresentam adequada capacidade preditora de mortalidade em três meses nos pacientes listados para transplante hepático, com uma estatística-c de, respectivamente, 0,85 e 0,86.33 A grande vantagem deste escore é a de não empregar em seu cálculo a RNI, cuja utilização no MELD é motivo de críticas. 2.2.5 Escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease) O MELD é utilizado para avaliação das doenças hepáticas crônicas e foi desenvolvido prospectivamente e validado para predizer a mortalidade de pacientes cirróticos, sendo calculado da seguinte forma:21, 35 MELD: 3,8 (Ln bilirrubina sérica mg/dl) + 11,2 (Ln RNI) + 9,6 (Ln creatinina sérica mg/dl) + 6,4 O modelo original é um sistema numérico contínuo com escores variando de valores negativos a valores positivos infinitos, sendo que escores mais elevados denotam maior mortalidade.21, 35 Na prática clínica, a maioria dos pacientes tem 19 escores entre 0 e 60.16 Como a presença de escores negativos seria capaz de criar confusão para os pacientes, que poderiam entender que um valor negativo indicaria risco de morte e não maior sobrevida, a UNOS (United Network for Organ Sharing) efetuou pequenas mudanças no cálculo do escore.16 Assim, valores de creatinina, bilirrubina e tempo de protrombina inferiores a um são arredondados para um, sendo seis o valor mínimo do MELD.16 No intuito de evitar o favorecimento de pacientes com doença renal intrínseca, o valor máximo de creatinina utilizado no cálculo de escore MELD é de quatro, sendo o mesmo atribuído para os pacientes em terapia dialítica.16 A pontuação máxima do escore considerado para alocação de órgãos pela UNOS é de 40 e, como regra geral, os pacientes com escores mais elevados têm seus valores atualizados com maior frequência.16 O inicialmente chamado Maio End-Stage Liver Disease foi criado em 2000 utilizando dados de uma população de 231 pacientes cirróticos oriundos de quatro centros norte-americanos submetidos eletivamente à colocação de TIPS.35 Destes, 110 morreram no seguimento, sendo que 70% das mortes ocorreram durante os três primeiros meses.35 Usando o modelo de azares proporcionais de Cox, foi possível identificar que bilirrubina, creatinina, RNI do tempo de protrombina e etiologia da doença hepática foram preditores de sobrevida três meses pós-procedimento.35 Posteriormente, o escore foi validado em população independente de pacientes holandeses também submetidos ao TIPS.22 Estudos subsequentes confirmaram a capacidade do escore MELD de predizer a sobrevida dos pacientes cirróticos submetidos ao TIPS.32, 36-39 Entretanto, em apenas um estudo, o MELD foi superior ao CTP, apresentando nos demais trabalhos desempenho semelhante.36 A sobrevida dos pacientes submetidos ao TIPS depende, fundamentalmente, da gravidade da doença hepática subjacente.22 Assim sendo, foi testada a hipótese de que o escore poderia indicar o prognóstico de pacientes com doenças hepáticas de etiologia e gravidade diferentes, independentemente do fato de necessitarem, ou não, de TIPS.22 Neste sentido, foi realizado estudo com distintas populações de cirróticos não submetidos ao TIPS (n = 2.278) para avaliar a acurácia do agora chamado MELD (Model for End-Stage Liver Disease).22 Quatro populações independentes foram avaliadas: cirróticos internados na Clínica Mayo por descompensação da doença, pacientes ambulatoriais com doença hepática não colestática atendidos em Palermo, Itália, pacientes com cirrose biliar primária atendidos em ambulatórios da 20 Clínica Mayo e, finalmente, uma coorte histórica (1984-1988) de pacientes cirróticos não selecionados da mesma clínica e avaliados em período no qual não havia transplante hepático disponível.40-43 Constituíram critérios de exclusão do estudo: diagnóstico de hepatocarcinoma, uso recente de álcool, doença renal intrínseca e sepse.22 O escore MELD foi preditor acurado de sobrevida em três meses nos quatro grupos de pacientes, com estatística-c de 0,87 para pacientes internados, de 0,80 para pacientes ambulatoriais, de 0,87 para pacientes com cirrose biliar primária e de 0,78 para a coorte histórica.22 A estatística-c, equivalente à área sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristic), indica a probabilidade de que, entre pacientes escolhidos de forma aleatória, aqueles com escore MELD mais elevados tenham maior probabilidade de morrer, em três meses, do que os com escores inferiores. A estatística-c com valor 1 corresponde a acurácia perfeita. Resultado acima de 0,7 indica que o teste tem utilidade clínica. Quando superior a 0,8, há excelente acurácia. Desta forma, uma estatística-c de 0,8 significa que, em oito de dez vezes, um paciente com escore MELD mais elevado tem maior probabilidade de morrer em três meses do que pacientes com escores inferiores. Valores iguais ou inferiores a 0,5 indicam que o resultado pode dever-se ao acaso.44 A inclusão da etiologia da doença hepática no escore MELD adicionou algumas dificuldades, como no caso dos pacientes com múltiplas causas de hepatopatia (por exemplo, álcool associado a hepatite viral). A modificação do escore com a exclusão dos fatores etiológicos não alterou significativamente a acurácia em predizer a sobrevida em três meses.45 A adição ao escore de complicações relativas à hipertensão portal, como ascite, encefalopatia, sangramento de varizes e peritonite bacteriana espontânea, não aumentou sua acurácia.22, 45 Provavelmente, tais condições estão associadas à maior gravidade da doença hepática, já contemplada pelo escore. 2.2.5.1 MELD e pacientes cirróticos As doenças hepáticas terminais são responsáveis por mais de 75.000 mortes ao ano nos Estados Unidos e são a sexta causa mais comum de morte em americanos entre 45 e 54 anos de idade.46 21 No Brasil, em 2002, a taxa de óbitos por cirrose na população, correspondente aos códigos K70.3 (cirrose hepática alcoólica), K74.3 (cirrose biliar primária), K74.4 (cirrose biliar secundária) K74.5 (cirrose biliar sem outra especificação) e K74.6 (outras formas de cirrose hepática e as não especificadas) do CID-10 (Código Internacional de Doenças), atingiu 7,75/100 mil habitantes, enquanto que, no Rio Grande do Sul, foi de 11,21/100 mil habitantes, a maior dentre os estados, comprometendo principalmente homens e pessoas com 60 anos ou mais.47 Dados de 2007 revelam que os códigos K74.0 (cirrose e fibrose hepáticas) e K70.0 (doença alcoólica do fígado) representaram 0,9% e 0,85% das mortes, totalizando 1,75% dos registros de óbito. Em nosso estado, tais códigos representaram 1,6% dos registros no ano de 2006.47 Pacientes com cirrose descompensada têm sobrevida limitada e o transplante hepático é o único tratamento definitivo para prolongar a vida destes doentes.30 A sobrevida em três meses dos 282 pacientes cirróticos internados na Clínica Mayo entre 1994 e 1999 por descompensação clínica foi avaliada pelos escores MELD e CTP com estatística-c48 de 0,87 e 0,84, respectivamente.22, 45 O MELD foi pelo menos igual ao CTP na predição da mortalidade dos cirróticos além de possuir a vantagem de utilizar variáveis objetivas, reproduzíveis e facilmente disponíveis.45 Revisão de 118 estudos avaliando a história natural e os fatores prognósticos de sobrevivência em cirróticos evidenciaram que os escores MELD e CTP são reconhecidos preditores de sobrevida a longo prazo de pacientes com doença descompensada.4, 49, 50 Estudo europeu que avaliou uma coorte de 129 cirróticos com seguimento de um ano concluiu que o escore MELD é excelente preditor de sobrevida a curto e médio prazo e que seu desempenho é no mínimo equivalente ao do CTP.51 Ademais, escores MELD mais elevados relacionam-se diretamente com função hepática mais pobre.51 2.2.5.1.1 MELD na avaliação pré-operatória de pacientes cirróticos Os pacientes cirróticos representam uma população de maior risco perioperatório, independentemente do tipo de procedimento em questão, com mortalidade intra-hospitalar entre 10% a 20%.29, 52, 53 A elevada mortalidade deve-se à descompensação da cirrose, principalmente após cirurgias abdominais, e ao risco 22 aumentado de infecções bacterianas.29 Neste contexto, os marcadores prognósticos têm papel importante na decisão terapêutica a ser proposta. O escore CTP é utilizado há mais de duas décadas na seleção de pacientes cirróticos candidatos a procedimentos cirúrgicos. Mais recentemente, o escore MELD ganhou espaço na predição de mortalidade cirúrgica, não relacionada a transplante hepático.52 Os resultados são relativamente bons: para escores inferiores a 20, o acréscimo de um ponto aumenta o risco de mortalidade em 1%.52 Escores MELD superiores a 20 apresentam um aumento de 2% nas taxas de mortalidade, para cada ponto acrescido.52 Em relação ao tipo de procedimento, as cirurgias intra-abdominais apresentam maior mortalidade, com taxas de até 25%.29 A estatística-c do escore MELD para predizer mortalidade em 30 dias é de 0,72 na população cirrótica submetida a procedimentos cirúrgicos em geral e de 0,8 quando considerado somente o subgrupo de procedimentos abdominais.29, 54 O risco de descompensação grave com insuficiência hepática aguda após hepatectomia deve ser antevisto. Foi demonstrado que a persistência de níveis de protrombina abaixo de 50% (RNI em torno de 1,7) e aumento nos níveis de bilirrubina acima de 50 µmol/L no quinto dia de pós-operatório estão associados com risco de mortalidade precoce de 60%.55 2.2.5.1.2 MELD na avaliação de cirróticos gravemente enfermos ou internados em unidade de tratamento intensivo O prognóstico de pacientes cirróticos internados em unidades de cuidados intensivos é geralmente muito ruim, principalmente em se tratando de falência múltipla de órgãos.29, 49, 56 Estudo realizando análise multivariada demonstrou que pacientes cirróticos Child C, com necessidade de ventilação mecânica e com disfunção renal com valores de creatinina sérica maiores que 1,3 mg/dl apresentam sobrevida de 2% nas primeiras 72 horas após internação em unidade de tratamento intensivo.57 Neste contexto, a capacidade de predizer a mortalidade deste grupo de pacientes é útil no sentido de aperfeiçoar a utilização de recursos visto que o manejo agressivo não está indicado para todos os pacientes cirróticos gravemente enfermos.29 23 Cholongitas et al.8 avaliaram taxas de mortalidade em seis semanas de 312 pacientes cirróticos com média de idade de 49,6 anos com insuficiência respiratória como a principal causa de transferência para unidades de tratamento intensivo. Os pacientes com três ou mais falências orgânicas apresentaram taxas de mortalidade de 90%. O escore SOFA58 (Sequential Organ Failure Assessment) teve o melhor valor preditivo com estatística-c de 0,83 quando comparado com APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation System)59 e CTP (0,78 e 0,72, respectivamente). Esse trabalho avaliou pela primeira vez o escore MELD em pacientes cirróticos internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva), sendo a estatística-c deste escore de 0,81, similar ao do SOFA e superior ao do APACHE II. A semelhança na capacidade preditora entre os escores MELD e SOFA pode ser parcialmente explicada pela presença de variáveis comuns entre eles, como bilirrubina e creatinina. Além disso, ambos constituem-se de variáveis relacionadas com mais de uma falência orgânica, por exemplo: hepática e renal.8 Cholongitas et al.60 compilaram 21 estudos publicados nos últimos 20 anos, com o objetivo de comparar os modelos prognósticos gerais de unidades de tratamento intensivo (APACHE II e III, SOFA e OSF − Organ System Failure) com os modelos prognósticos relacionados à doença hepática (MELD e CTP). Os modelos prognósticos gerais de intensivismo foram melhores preditores de mortalidade do que o CTP.60 O escore MELD foi avaliado em apenas um estudo, mas demonstrou boa capacidade discriminatória, com estatística-c de 0,81. Os escores que avaliam disfunções orgânicas (OSF e SOFA) foram superiores quando comparados com APACHE II e III (área sob a curva entre 0,83-0,94 vs 0,66-0,88, respectivamente).60 2.2.5.1.3 MELD na avaliação de cirróticos em lista de espera para transplante hepático Estudo retrospectivo avaliou a capacidade do MELD em predizer a mortalidade em três meses de 311 pacientes incluídos em lista de espera nos Estados Unidos, entre novembro de 1999 e junho de 2000. A área sob a curva do escore MELD foi de 0,82, sugerindo que sua adoção como critério para alocação de órgãos poderia ter impacto significativo na redução do número de mortes de pacientes em lista de espera para transplante hepático.62 Outros trabalhos norte- 24 americanos também observaram o benefício da implantação do MELD na predição da mortalidade em lista de espera para transplante hepático.23, 63, 64 Estudos comparando a acurácia dos escores CTP e MELD como preditores de sobrevida em cirróticos em lista de espera para transplante hepático demonstraram pelo menos equivalência, se não superioridade do MELD.23, 51, 62, 66-82 Embora sem diferença estatisticamente significativa, estudo de Gotthardt et al.,83 identificou o escore CTP como melhor preditor de descompensação da doença hepática e de mortalidade em lista de espera para transplante hepático em relação ao escore MELD (estatística-c de 0,73 e 0,68, p = 0,091). A acurácia do modelo MELD em predizer mortalidade nos pacientes em lista de transplante hepático foi validada também em outros países, como Espanha,66 Inglaterra,67 Canadá,68 Brasil,69 Israel,70, 71 Lituânia72 e Austrália.84 2.2.5.2 MELD e alocação de órgãos Tendo sido demonstrada a acurácia do MELD em predizer mortalidade em três meses de pacientes em lista de espera para transplante hepático e por ter ele incorporado três parâmetros laboratoriais (creatinina, bilirrubina total e RNI) sendo, portanto, objetivo, foi escolhido para ordenar pacientes na lista de espera nos Estados Unidos em 2002 e, no Brasil, em 2006. Desta forma, com a adoção do escore MELD, instituiu-se a política de transplantar os pacientes mais gravemente enfermos em primeiro lugar. Estudo utilizando a base de dados UNOS comparou os desfechos em um ano do transplante hepático com doadores falecidos realizados em dois períodos, antes e depois da era MELD. Na era pós-MELD, houve diminuição de 3,5% das mortes em lista de espera, aumento de 10,2% no número de transplantes com doador falecido e redução de 12,0% no de pacientes incluídos em lista de espera, em comparação à era pré-MELD.24 Três anos mais tarde, um estudo prospectivo realizado nos Estados Unidos com informações extraídas da base de dados UNOS mostrou que o escore MELD foi capaz de prever 83% dos óbitos de pacientes em lista de espera para transplante hepático.65 Diversos estudos relataram a redução no tempo de espera para o transplante hepático,24, 64, 84-89, 90-93 bem como a diminuição de pacientes excluídos 25 de lista por progressão da doença hepática de base.23, 24, 49, 63, 86, 89, 90, 91 A implantação do escore MELD não somente diminuiu o tempo de espera em lista e a exclusão de pacientes, como também reduziu a mortalidade em lista de transplante.24, 73, 92-94 Contudo, na era pós-MELD, as mulheres apresentam maior mortalidade em lista de espera e maiores chances de exclusão de lista por progressão da doença de base bem como menores taxas de transplante.95 Provavelmente, estes achados se devem aos menores valores de creatinina apresentados pelas mulheres, o que pode desfavorecê-las neste sistema de alocação. Apesar de ainda não haver escore perfeito para definir a alocação de órgãos no transplante hepático, os critérios objetivos que compõem o escore MELD levaram à sua ampla adoção como preditor de mortalidade em pacientes hepatopatas crônicos candidatos a transplante hepático. 2.2.5.3 MELD e sobrevida após transplante hepático Alguns componentes do escore MELD foram descritos como preditores de mortalidade pós-transplante há mais ou menos 20 anos,96-98 em particular, a disfunção renal − expressa pela creatinina sérica. Assim, foi avaliado se o MELD poderia ser uma ferramenta útil para estimar o benefício de sobrevida trazido pelo transplante, ou seja, a diferença de sobrevida para um determinado paciente se submetido ou não ao transplante. Após a adoção do MELD como critério para alocação de órgãos, observou-se que os homens continuaram perfazendo a maioria dos transplantados e que a média de idade permaneceu a mesma tanto na era pré quanto na era pós-MELD,24, 73, 85, 90 93, 99 e que houve aumento significativo de transplantes em pacientes com hepatocarcinoma, o que mais adiante será enfatizado no tópico “Exceções do Escore MELD”.24, 65, 73, 85, 90, 93, 99 Estudos de Freeman et al.,24 Ahmad et al.,65 Ravaioli et al.73 e Kanwal et al.90 demonstraram que, na era pós-MELD, os pacientes transplantados apresentavam maiores escores, o que, inicialmente, denotaria maior gravidade. De Freitas et al.,99 no Brasil, apontaram que na era pós-MELD pacientes sem carcinoma hepatocelular 26 foram transplantados com escores significativamente maiores do que os da era préMELD (15,8 versus 18,2 − p = 0,03, respectivamente). Assim, resta a seguinte questão: a decisão de transplantar pacientes mais gravemente enfermos comprometeria a sobrevida após transplante? Vários trabalhos observaram que a mortalidade precoce (até 90 dias) não foi alterada com a implantação do MELD.23, 24, 64, 65, 81, 87, 88, 99-101 A sobrevida em seis e oito meses foi avaliada, respectivamente, por Austin et al.92 e por Sachdev et al.93 que não registraram diferença significativa na mortalidade após transplante na era pós-MELD, sendo que no estudo de Sachdev et al.93 houve tendência à maior sobrevida em oito meses no grupo pós-MELD. A sobrevida em um ano após transplante foi similar nas eras pré e pós-MELD nos estudos de Ravaioli et al.,73 Freitas et al.,88 Kanwal et al.,90 Gish et al.,102 Brown et al.103 e Teixeira et al.104 Da mesma forma, não houve diferença na sobrevida em dois anos em ambos os grupos nos trabalhos de Ravaioli et al.73 e Davis et al.105 Em editorial, Ferraz-Neto et al.106 comenta não haver alteração na sobrevida dos transplantados após instituição do escore MELD, embora 30,1% dos transplantados apresentassem escore MELD ≥ 30. Esse mesmo autor, em outro artigo, observou não haver diferença na sobrevida em 30 dias, no tempo de internação total e em unidade de tratamento intensivo, na necessidade de transfusão transoperatória e nas taxas de retransplante entre pacientes divididos em grupos de MELD acima ou abaixo de 30.107 Na experiência de Yoo et al.,108 a introdução do escore MELD para priorização na alocação de órgãos não reduziu a sobrevida em até dez meses póstransplante, embora os pacientes com escore MELD igual ou superior a 30 tenham apresentado desfecho relativamente pior. Em concordância, estudo de Monteiro et al., no Brasil, verificou não haver diferença significativa na sobrevida em 12 e 18 meses após a implantação do MELD, embora transplantados com escores mais elevados também apresentem redução de sobrevida.109 Em análise multivariada, Menon et al.110 descreveram que idade do paciente, doença hepática de base e necessidade de hemodiálise são preditores independentes de mortalidade após transplante, o mesmo não ocorrendo com o escore MELD. Silberhumer et al.,111 Martin et al.112 e Colmenero et al.,113 apesar de identificarem o MELD como preditor de mortalidade em lista de espera para transplante, também não confirmaram o papel desse escore como preditor de mortalidade após transplante. Santoyo et al.114 27 avaliaram a mortalidade em 1, 5 e 8 anos após transplante, não havendo diferença entre os subgrupos de MELD (< 10, 10 a 18 e > 18 pontos). Quando avaliada a mortalidade precoce após transplante, também não houve diferença significativa entre os três grupos.114 Entretanto, há estudos que demonstraram maior risco de morte em pacientes transplantados com escores MELD mais elevados. Kim et al.115 constataram mortalidade de 5% em pacientes com escore MELD inferior a 10 e de 26% em pacientes com escores superiores a 40. Em dois estudos, Onaca et al.116, 117 avaliaram pacientes transplantados estratificando-os em três grupos conforme os valores do MELD pré-transplante, sendo que a sobrevida no grupo de pacientes com escores mais elevados (MELD ≥ 25) foi menor aos 3,6, 12, 18 e 24 meses póstransplante. Foi verificado que os pacientes com escore MELD abaixo de 15 apresentam maior risco relativo de mortalidade após transplante quando comparados com pacientes com escores semelhantes que permaneceram em lista de espera ao longo de um ano. Os valores entre 15 e 17 representam um ponto de transição.118 Pacientes com escores a partir de 18 mostraram benefício progressivamente maior com a realização do transplante, até um escore máximo de 40.119 Assim, os pacientes com maior risco teórico de mortalidade pré-transplante apresentaram maior benefício na sobrevida após transplante.118 Diversos autores tentaram definir um ponto de corte a partir do qual a sobrevida fosse significativamente reduzida nos pós-transplante, a ponto de considerar o transplante como medida fútil, mas aparentemente não houve consenso.119 Saab et al.120 observou maior mortalidade um ano após transplante nos pacientes com escore MELD igual ou superior a 24. Yoo e Thuluvath108 descreveram sobrevida significativamente menor nos pacientes transplantados com escores MELD igual ou superior a 30. Estudo avaliando pacientes do Reino Unido e Irlanda evidenciou que o escore MELD não foi bom preditor de sobrevida em três meses sendo que apenas os pacientes com escore MELD igual ou superior a 36 tiveram mortalidade significativa quando comparados aos com escores menores.88 Island et al.121 confirmaram que pacientes com MELD igual ou superior a 30 apresentaram maior mortalidade em 12 meses após transplante quando comparados com pacientes com escore menor que 30.121 Estudos de Habib et al.,122, 123 que avaliaram 1.472 pacientes após transplante, descreveram que escores 28 MELD pré-transplante superiores ou iguais a 26 associam-se com menor sobrevida a curto e longo prazo. Freeman et al.124 relataram pequena, mas significativa, redução na sobrevida dos receptores mais gravemente enfermos, com MELD superior a 35. Estudo alemão registrou maior mortalidade após transplante na era pós-MELD, principalmente em pacientes com escores superiores a 30.125 Dois estudos brasileiros de Brandão et al.13 e Boin et al.126 avaliaram o escore MELD como preditor de sobrevida após transplante e evidenciaram maior mortalidade em pacientes com escores mais elevados, com pontos de corte 21 e 25, respectivamente. Em Singapura, os escores mais elevados relacionaram-se com maior mortalidade aos seis meses após transplante, o que não se manteve aos 12 meses.127 Estudo suíço com análise retrospectiva de 144 transplantes constatou que escores MELD iguais ou superiores a 23 estão relacionados com maior morbidade e maior tempo de permanência em UTI sem, no entanto, comprometer a sobrevida dos pacientes.128 Na Itália, Siniscalchi et al.129 também descreveram a ligação entre os valores do MELD e o tempo de permanência em UTI, internação hospitalar, complicações pós-operatórias e mortalidade. Trabalho chinês relatou que pacientes com escore MELD acima de 25 apresentam complicações pós-operatórias com maior frequência e maior mortalidade após transplante.130 Gambato et al.131 também verificaram que pacientes com escore MELD acima de 25 apresentaram maior mortalidade após transplante. Após a implantação do escore MELD para alocação de órgãos, apesar da diminuição de 10% da mortalidade em lista de espera, Schlitt132 observou diminuição na sobrevida um ano após transplante de 90% para menos de 80%, devido principalmente aos transplantes em pacientes com escores acima de 30. Trabalho chinês com 117 pacientes transplantados, com seguimento médio de 90 semanas, evidenciou taxas de mortalidade em três meses e um ano progressivamente maiores conforme o aumento do escore MELD, sendo esta significativamente mais alta nos pacientes com MELD superior a 38.133 Em Singapura, escore MELD acima de 32 relacionou-se com pior sobrevida nos seis meses após transplante.134 Em resumo, há evidências de que pacientes transplantados com escores mais altos, com valores oscilando entre 21 e 38, apresentam maior mortalidade pósoperatória. Por outro lado, há que considerar que os pacientes transplantados com escores mais altos são os que obtêm maior benefício com o TxH, com taxas de 29 sobrevida em um ano pós-transplante superiores às de pacientes com mesmos escores e não transplantados.124 Apesar dos piores desfechos em pacientes transplantados com escores maiores, não foi possível definir um ponto de corte a partir do qual o transplante deve ser desencorajado e o paciente retirado de lista.119, 135 Não havendo consenso sobre o escore MELD máximo para inclusão de pacientes em lista de transplante, haverá escore mínimo ideal para tal? Como já informado, pacientes com escore MELD abaixo de 15 apresentaram maior risco relativo de mortalidade após transplante quando comparados com pacientes com escores semelhantes que permaneceram em lista de espera ao longo de um ano, representando os escores entre 15 e 17 um ponto de transição,118 enquanto, que aqueles com escores a partir de 18 mostraram benefício progressivamente maior com a realização do transplante, até um escore máximo de 40.119 Ravaioli et al.136 observaram benefício do transplante hepático em pacientes sem carcinoma hepatocelular e escores MELD iguais ou superiores a 20; para escores inferiores, o benefício do procedimento ocorreu apenas em pacientes com carcinoma hepatocelular.136 Adler et al.137 sugerem escore MELD de 16 como ponto de corte para priorização em lista de espera, ao passo que Perkins et al.138 recomendam não transplantar pacientes com escores inferiores a 14. 2.2.5.4 Exceções no escore MELD Existem algumas condições clínicas, como carcinoma hepatocelular, síndrome hepatopulmonar e certas doenças metabólicas como polineuropatia amiloidótica familiar e hiperoxalúria primária, que se associam à hepatopatia crônica e pioram a sobrevida dos pacientes, embora não contribuam diretamente para o aumento dos valores do escore MELD. Assim, o escore não é capaz de predizer de forma acurada a mortalidade destes pacientes. Desta forma, tais exceções recebem um escore MELD pré-estabelecido conforme a comorbidade associada.91 Carcinoma hepatocelular O carcinoma hepatocelular geralmente acomete pacientes com função hepática razoavelmente preservada.91 Assim sendo, o maior risco é o da progressão 30 do tumor durante o tempo de espera em lista para transplante, o que inviabiliza a proposta de tratamento com intenção curativa.64 Com o aperfeiçoamento dos exames de imagem a biópsia hepática tornou-se menos empregada para firmar o diagnóstico de carcinoma hepatocelular. Os critérios aceitos pela UNOS para considerar os candidatos como portadores de carcinoma hepatocelular são: padrão de vascularização da lesão, dosagem de alfafetoproteína acima de 200 mg/l ou arteriografia confirmando a presença de tumor.40 Pacientes com hepatopatia crônica com concentração de alfa-fetoproteína superior a 500 mg/l podem ser listados com escore MELD equivalente a risco de mortalidade de 8%, mesmo que os exames de imagem não evidenciem lesão tumoral.40, 139 No entanto, a acurácia da predição deste ponto de corte tem sido questionada.40, 139 Nos Estados Unidos, pacientes com carcinoma hepatocelular são priorizados de acordo com o tamanho e o número de lesões. Inicialmente, baseando-se na probabilidade de morte em três meses, os pacientes com carcinoma hepatocelular T1 (lesão única ≤ 1,9cm) receberam escore MELD de 24.140 Aos pacientes com lesões T2 (lesão única entre 2 e 5 cm ou até três lesões não ultrapassando 3 cm cada uma delas) foi atribuído escore de 29.140 A adoção deste sistema permitiu que mais de 87% destes pacientes fossem transplantados ao longo de três meses de espera em lista,141 o que gerou preocupação uma vez que se poderia estar priorizando excessivamente os pacientes com carcinoma hepatocelular.142 Desta forma, houve modificações: os pacientes com lesões T2, após três meses em lista de espera com MELD inicial de 22, tiveram seus escores elevados para valores equivalentes ao risco de mortalidade estimada para este período de tempo.143 Para cada período subsequente de três meses em lista de espera foram adicionados pontos correspondentes a aumento de 10% no risco de mortalidade.143 Os pacientes com carcinoma hepatocelular T1 foram listados conforme seu escore MELD calculado, sem priorização.144 Da mesma forma, os pacientes com carcinoma hepatocelular avançado (lesão única maior que 5 centímetros ou mais de três lesões) devem ser listados com MELD calculado após avaliação individual e criteriosa do grupo de transplante.40 No Brasil, apenas são aceitos em lista de espera para transplante hepático pacientes com carcinoma hepatocelular que obedecem aos critérios de Milão:145 presença de lesão única com menos de 5 cm ou presença de até três lesões menores ou iguais a 3 cm cada uma delas. Sabe-se que os pacientes transplantados 31 dentro deste critério apresentam excelente desfecho bem como baixas taxas de recidiva tumoral no enxerto.46 Os pacientes com carcinoma hepatocelular maiores ou iguais a 2 cm, segundo os mesmos critérios, são listados com MELD 20.25 Caso o paciente não seja transplantado em três meses, sua pontuação passa automaticamente para MELD 24 e, em seis meses, para 29.25 Na era pós-MELD, houve aumento do número de transplantes em pacientes com carcinoma hepatocelular.24, 65, 73, 90-94, 107, 141, 143, 146, 147 Washburn et al.148 relataram menor taxa de exclusão de lista de espera nos pacientes com carcinoma hepatocelular quando comparados com os sem este diagnóstico. Em análise multivariada, o valor da alfa-fetoproteína e o escore MELD associaram-se com aumento das taxas de exclusão de lista de espera.148 No início de 2003, o Centro de Transplantes de Bologna adotou o escore MELD como instrumento para alocação de órgãos, mas definiu seus próprios critérios para priorização dos pacientes com carcinoma hepatocelular. O escore destes pacientes era composto pela soma do MELD calculado com os pontos extras conforme o estadiamento da neoplasia mais um ponto adicional para cada mês em lista de espera. Observou-se que este modelo de alocação favorece os pacientes com carcinoma hepatocelular sem prejudicar o desfecho dos demais candidatos ao transplante.149 2.2.5.5 Variantes do escore MELD Na tentativa de melhorar a capacidade preditora do escore MELD, diversos estudos foram realizados incorporando novas variáveis, como sódio sérico, idade do receptor e características do doador, dentre outros. Alguns trabalhos avaliaram os valores do escore MELD em mais de um momento e descreveram o papel da variação do escore MELD ao longo do tempo de espera em lista de transplante. 2.2.5.5.1 Delta-MELD O escore MELD não é um modelo tempo dependente uma vez que é computado como uma medida isolada de três parâmetros laboratoriais.91 Para 32 estimar as modificações relacionadas com passar do tempo em lista, foi proposta a avaliação do Delta-MELD, que é a diferença entre dois valores de escore MELD calculados em dois momentos distintos76, 150 ou, em outras palavras, a variação da função hepática residual ao longo do tempo. Estudo sugere que variação do escore MELD seja considerada como critério de desempate entre pacientes com escores idênticos no momento em que for ofertado um enxerto.151 Gheorge et al.152 avaliaram a sobrevida de pacientes há doze meses em lista de espera para transplante hepático e registraram que a variação do escore MELD nos últimos três meses foi o único preditor independente de mortalidade em lista, com estatística-c de 0,86. Huo et al.,76 em trabalho prospectivo que avaliou o deltaMELD, relataram que este tem estatística-c maior do que o escore MELD de base para predizer mortalidade em lista de espera para transplante hepático. Por outro lado, Bambha et al.153 verificaram que o delta-MELD apresentou menor capacidade preditora quando comparado com o escore MELD mais atualizado. Em concordância, Foxton et al.154 observaram que variações no escore MELD têm efeito na sobrevida após transplante embora o escore da data do transplante tenha o efeito mais significativo no desfecho sobrevida. 2.2.5.5.2 MELD-Na (Model for End-Stage Liver Disease With Incorporation of Sodium) A adição do sódio sérico ao MELD identifica um subgrupo de pacientes com pior desfecho, aumentando a eficácia do escore em predizer a mortalidade em lista de espera para transplante.155 Quando associados, escore MELD e hiponatremia ou escore MELD e sódio sérico, a estatística-c atinge valores acima de 0,9.155 Estudos que avaliaram a sobrevida em 3,6 e 12 meses após entrada em lista de transplante identificaram que o escore MELD e a concentração de sódio sérico são preditores independentes de sobrevida nestes períodos, sendo descrito aumento de 12% no risco de mortalidade para cada redução de uma unidade no valor do sódio sérico e de 8% para cada aumento de um ponto no escore MELD meses.156, 157 O uso do MELD-Na para alocação de órgãos é capaz de reduzir a mortalidade em lista de espera para transplante hepático,158, 159 sendo que a 33 influência da hiponatremia é mais evidente nos pacientes com escore MELD abaixo de 30.158 2.2.5.5.3 iMELD (Integrated Model for End-Stage Liver Disease) ou MELD integrado Trata-se do escore MELD que incorpora os valores da idade do paciente e do sódio sérico.160 Luca et al.160 inicialmente avaliaram cirróticos submetidos eletivamente a TIPS e, posteriormente, validaram seu estudo em cirróticos listados para transplante hepático. Apontaram que tanto o escore MELD original quanto o iMELD associam-se com as taxas de mortalidade em 12 meses, sendo o iMELD preditor acurado de mortalidade em 3 e 6 meses.160 A área sob a curva do iMELD foi 13,4% maior do que a do escore MELD original.160 Outros escores que acrescentam o sódio sérico à forma original do MELD incluem o UKELD (United Kingdom Model for End-Stage Liver Disease − MELD do Reino Unido) e o MESO (Model for End-Stage Liver Disease to Sodium Index). O UKELD foi criado em 2008 e suas variáveis são sódio sérico, RNI, creatinina e bilirrubina séricas.161 Foi desenvolvido através da análise de 1.103 pacientes e validado em coorte prospectiva independente de 452 pacientes. Como critério mínimo para inclusão em lista é necessário que o paciente tenha taxa de mortalidade em um ano sem transplante hepático de pelo menos 9%, ou seja, escore UKELD de 49 pontos ou mais. Escore de 60 pontos equivale à mortalidade de 50% em um ano.161, 162 O MESO é calculado através do quociente entre o escore MELD e a concentração do sódio sérico, e tem maior valor preditivo quando comparado com o MELD original. No entanto, foi testado em pacientes cirróticos fora de lista para transplante hepático.163 2.2.5.5.4 Re-weighted MELD ou MELD atualizado Após a implementação do MELD, observou-se uma grande proporção de pacientes com insuficiência renal sendo transplantados com prioridade.159 Sharma et al.164 avaliaram o quando a modificação nos pesos de cada variável do escore MELD poderia contribuir no intuito de melhor predizer a mortalidade em lista de 34 espera para transplante hepático. A fórmula atualizada apresenta menor peso para a variável creatinina e maior peso para a variável bilirrubina. Deste modo, dentre pacientes com escores MELD idênticos aqueles com creatinina mais baixa e bilirrubina mais elevada têm mortalidade em lista significativamente maior. A estatística-c do escore MELD atualizado foi superior a do MELD preexistente (0,77 versus 0,75). O impacto do escore MELD atualizado foi maior naqueles com escore MELD igual ou superior a 20 pontos.164 Estudo que comparou escores prognóstico em cirróticos em lista de espera para transplante hepático (MELD, CTP modificado, UKELD, MESO, MELD-Na, iMELD, MELD atualizado) concluiu que o MELDNa e o iMELD são os escores prognósticos com melhor capacidade para predizer a saída de lista (drop out) de transplantes aos três e seis meses.165 Estudo realizado em Porto Alegre também identificou que a inclusão do sódio sérico no escore MELD melhora a acurácia do MELD em predizer mortalidade em três e seis meses após inclusão em lista de espera. Entre os derivados do escore MELD, o iMELD obteve melhor desempenho juntamente com o MELDNa2 aos três meses e isoladamente aos seis meses.166 2.2.5.5.5 ReFit MELD e ReFit MELDNa Leise et al.,167 utilizando a base de dados UNOS de pacientes em lista de espera para transplante hepático, reavaliaram os escores MELD, MELDNa e MELD atualizado através da modificação dos coeficientes das variáveis e de seus limites inferiores e superiores, o que resultou na criação de dois novos escores, o ReFit MELD e o ReFit MELDNa. Ambos os escores demonstraram melhorar a capacidade de predizer a mortalidade em 90 dias nos pacientes cirróticos em lista de transplante hepático, com estatística-c superior a 0,8. Nesse estudo, a implementação do escore ReFit MELDNa reduziu de 324 para 295 o número absoluto de mortes em lista de espera para transplante.167 35 2.2.5.5.6 MELD-XI (Model for End-Stage Liver Disease excluíndo RNI) O MELD é bom preditor de mortalidade em curto prazo nos pacientes cirróticos, embora possa superestimar o risco quando a RNI está artificialmente elevada pelo uso de anticoagulantes. Assim sendo, Heuman et al.168 criaram um escore prognóstico alternativo utilizando apenas os valores da creatinina e da bilirrubina séricas pra estimar a mortalidade em 90 dias nos pacientes prétransplante. Os escores MELD e MELD-XI foram comparáveis como preditores de mortalidade nos pacientes avaliados.168 2.2.5.5.7 D-MELD (Produto da idade do doador pelo MELD pré-operatório) Uma vez que há escassez de enxertos e que muitos pacientes antes considerados inadequados para transplante vêm sendo listados, a alocação de órgãos tem sido constantemente discutida. No intuito de elaborar um sistema de alocação baseado no princípio do aproveitamento adequado do órgão, o desenvolvimento de escores que sejam capazes de predizer o desfecho após o transplante torna-se necessário.169 Os já utilizados escores CTP e MELD não são bons preditores de mortalidade após transplante, uma vez que não levam em consideração variáveis relacionadas aos parâmetros pré-operatórios bem como às características do doador.169, 170 Desta forma, é imperativo desenvolver um escore que utilize as características anteriormente descritas. Haldorson et al.171 criaram o escore D-MELD, resultado do produto da idade do doador com o valor do escore MELD pré-operatório. O escore variou entre 40 e 3.400, com média de 704. Foi observada redução na sobrevida com valores crescentes de D-MELD. A sobrevida do enxerto em um ano foi de 91,8% para escores abaixo de 400 e de 73,4% para valores acima de 2.000. Assim, um ponto de corte de 1.600 foi estabelecido para identificar subgrupos de doadoresreceptores que apresentariam melhores ou piores desfechos mensurados através da sobrevida após transplantes e do tempo de internação hospitalar.171 Evitando-se transplantar pacientes com D-MELD acima de 1.600, seriam obtidos melhores resultados nos subgrupos de pacientes de alto risco − receptores de enxertos de doadores com mais de 60 anos e escore MELD acima de 30.171 O D-MELD parece, 36 pois, ser um escore simples e com boa capacidade para predizer os desfechos após transplante, podendo ser considerado uma ferramenta útil na alocação de órgãos.171 Não se deve esquecer as limitações deste escore, como, por exemplo, transplantar pacientes com escore MELD inferior a 20 utilizando doador de alto risco ou idade avançada, visto que a sobrevida pós-operatória nestes pacientes seria menor.159, 172 Da mesma maneira, a procura por doadores mais adequados para os pacientes com MELD elevado pode ser tarefa difícil, o que levaria à maior mortalidade em lista de espera para transplante.159 2.2.5.6 Limitações do escore MELD e de seus derivados Além das limitações do escore MELD relacionadas às condições clínicas que não são adequadamente valorizadas e já citadas, existem outros limitantes intrínsecos ao próprio escore que serão descritos a seguir. O escore MELD foi criado através de análise multivariada, a partir de três variáveis objetivas escolhidas empiricamente. Apesar de este escore representar um avanço em relação aos outros modelos anteriormente utilizados, cada variável analisada apresenta algumas limitações.22, 91 A creatinina sérica é influenciada por diversos fatores, tais como massa muscular, ingesta proteica diária, idade, sexo e etnia.173 Apesar de prática, a dosagem da creatinina não é um bom parâmetro para avaliação da função renal nos cirróticos, pois há diminuição da síntese hepática, aumento da secreção tubular e diminuição da massa de musculatura esquelética, ocorrendo geralmente um resultado subestimado da função renal.174-176 Assim, nestes pacientes, níveis de creatinina sérica normais não excluem a presença de disfunção renal subjacente.174 Ademais, os valores da creatinina sérica podem variar consideravelmente em curto prazo nos pacientes com ascite refratária em uso de diuréticos, submetidos a paracenteses de alívio e a reposição volêmica.174 Esta flutuação da creatinina acarreta alteração no escore MELD sem, no entanto, significar aumento real do risco de mortalidade.174 Finalmente, outros vieses no cálculo do escore MELD podem dever-se aos diferentes métodos laboratoriais empregados para determinação da creatinina sérica.177 37 A creatinina sérica não possui associação linear com a taxa de filtração glomerular e, além disso, conforme o aumento da concentração da bilirrubina sérica, há maior variabilidade nos níveis de creatinina, o que leva à modificação nos valores do escore MELD e, por conseguinte, na alocação de órgãos.174, 175, 177 Quando o valor da bilirrubina sérica excede 10 mg/dl, a leitura dos valores da creatinina falsamente diminui, o que ocorre proporcionalmente ao aumento da bilirrubina sérica.178 Desta forma, nos pacientes extremamente ictéricos e geralmente os mais enfermos, o escore MELD será subestimado, o que interfere significativamente na alocação de órgãos.178 Para o cálculo do escore MELD, foram definidos limites inferior e superior para os valores da creatinina sérica. O limite mínimo de 1 mg/dl foi adotado para que não houvesse valores negativos após a transformação logarítmica. Esta atitude equiparou o risco de mortalidade para todos os pacientes com creatinina inferior a 1 mg/dl, o que pode não ser verdadeiro uma vez que qualquer modificação no valor da creatinina sérica denota alteração da taxa de filtração glomerular.91, 164 Portanto, foi proposta a eliminação do limite inferior para os valores da creatinina, o que tornaria mais verossímil a relação entre o escore MELD e risco real de mortalidade.164 O ponto de corte superior também foi questionado e revisado em estudo que avaliou a mortalidade, em três e seis meses, de pacientes cirróticos com creatinina sérica superior a 4 mg/dl. O grupo de pacientes com creatinina acima de 4mg/dl apresentou mortalidade significativamente maior em relação aos controles (pacientes com creatinina igual ou inferior a 4 mg/dl) aos 3 e 6 meses de seguimento. Quando se utilizou o ponto de corte de 5,5 mg/dl, a diferença entre os casos e os controles foi menor, sendo que somente com este valor, aos 6 meses, é que foi obtida a maior área sob a curva do estudo, de 0,753. Os autores sugerem, caso seus resultados sejam confirmados em outros estudos com maior número de pacientes, utilizar como ponto de corte 5,5 mg/dl.179 Assim, pacientes mais gravemente enfermos, mas não urêmicos e fora de terapia dialítica, não receberão escore MELD que subestime sua doença de base.91 Outra limitação observada em relação à participação da creatinina do escore MELD é o aparente desfavorecimento das mulheres na alocação de órgãos após a implantação deste escore, como demonstrado em estudo da UNOS.95 Na era MELD, as mulheres apresentaram uma probabilidade 30% maior de saída de lista por progressão da doença hepática ou óbito, em relação aos homens.95 Quando comparadas aos homens, as mulheres com escore MELD de mesmo valor possuíam 38 comprometimento mais significativo da função renal, aferido pela taxa de filtração glomerular, sendo uma desvantagem para elas na alocação de órgãos.180-182 O tempo de protrombina é um indicador de síntese hepática há muito reconhecido e utilizado para avaliação do prognóstico de pacientes com hepatopatia crônica.4 Apesar das recentes demonstrações de que o prolongamento do tempo de protrombina não se relaciona com aumento do risco de sangramento, uma vez que os pacientes hepatopatas apresentam deficit dos fatores anticoagulantes e prócoagulantes simultaneamente, este não perdeu seu espaço como fator prognóstico no cenário da hepatopatia crônica.183 No entanto, não se deve esquecer que a RNI foi desenvolvida para predizer o risco de sangramento e/ou de fenômenos trombóticos em pacientes não cirróticos em uso de anticoagulante oral.184 Outra limitação relevante é a variabilidade dos resultados da RNI entre laboratórios. Estudo de Trotter et al.185 avaliando 29 pacientes em lista de espera para transplante hepático que foram flebectomizados e cujas amostras de sangue foram encaminhadas a três laboratórios diferentes evidenciou que as disparidades nos resultados ocorriam com maior frequência nos valores da RNI. Esta variabilidade traduz modificações na média do escore MELD de até três a cinco pontos, com diferenças individuais no escore de até doze pontos.186, 187 Na tentativa de minimizar estes vieses, Heuman et al.168 desenvolveram o escore MELD-XI que exclui a RNI, considerando apenas a creatinina e a bilirrubina séricas como variáveis participantes do escore. O MELD-XI mostrou-se comparável ao MELD como modelo prognóstico preditor de mortalidade em curto prazo em pacientes cirróticos. Da mesma maneira que a creatinina e a RNI, a bilirrubina sérica também apresenta variações entre laboratórios. Ademais, está sob investigação se a fração direta da bilirrubina não constitui melhor marcador da doença hepática uma vez que é menos influenciada por causas extra-hepáticas ou benignas de icterícia.91 No contexto das doenças colestáticas, os elevados níveis séricos de bilirrubinas traduzem em maior grau o comprometimento da árvore biliar e não necessariamente a gravidade da hepatopatia crônica. Assim, o MELD poderia superestimar o risco de mortalidade destes pacientes, comprometendo a adequada alocação de órgãos. O escore MELD, como qualquer outro modelo matemático, possui diversas limitações e deve ser continuamente revisado e aperfeiçoado no intuito de aprimorar a alocação de órgãos. Assim, as condições que reduzem a qualidade de vida bem como a sobrevida dos pacientes hepatopatas crônicos sem, no entanto contribuírem 39 para o cálculo do escore MELD, como ascite, encefalopatia porto-sistêmica e hiponatremia, dentre outros, deveriam de alguma forma participar da definição da alocação de órgãos.188, 189 Em relação à ocorrência de ascite, sabe-se que a sobrevida dos pacientes cirróticos com ascite é de 30% a 40% em cinco anos sem transplante, e que melhora consideravelmente com o transplante, após o qual a sobrevida em cinco anos pode atingir taxa de até 80%.6, 190 No entanto, o modelo vigente para alocação de órgãos, escore MELD, não contempla os pacientes com ascite. Uma vez que a presença ou não de ascite bem como o seu volume são sinais subjetivos, a valorização do sódio sérico acrescido ao escore MELD foi a forma objetiva proposta através da qual se tornaria possível alocar de maneira mais justa tais pacientes, aumentando a acurácia para predizer mortalidade.191 Outra complicação relacionada à hepatopatia crônica que reduz significativamente a qualidade de vida dos pacientes e aumenta a mortalidade, independentemente do valor do escore MELD, é a encefalopatia hepática.189, 191-193 Said et al.,194 em estudo que avaliou população heterogênea de 611 pacientes com hepatopatia crônica, sugeriram que a inclusão da encefalopatia hepática ao MELD aumenta o valor prognóstico do escore. Por outro lado, a ausência de métodos objetivos para quantificação de sua gravidade dificulta a aceitação da encefalopatia como candidata ao recebimento de pontos extras no escore MELD.191 40 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA INTRODUÇÃO E REVISÃO DA LITERATURA 1. 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J Hepatol. 2004;40:897-903. 55 4 JUSTIFICATIVA Devido ao crescente número de pacientes em lista de espera para transplante hepático e à escassez de órgãos disponíveis com o consequente aumento de mortalidade de candidatos em lista, é imprescindível avaliar sistematicamente o processo de alocação de órgãos. Em 2006, a adoção do critério de gravidade para alocação de fígados em nosso país, através do escore MELD, representou a mudança de um paradigma visto que, até então, os órgãos eram alocados segundo o tempo de espera em lista. Entretanto, o SNT não efetua seguimento de desfechos importantes que ocorrem tanto antes do transplante hepático, como taxas de mortalidade em lista, quanto posteriormente ao procedimento, como sobrevida de pacientes ou de enxertos. Assim, o real impacto da medida de substituir o sistema de alocação de fígados de doadores falecidos de cronológico pelo de gravidade, mensurado pelo escore MELD, é desconhecido em nível nacional. Cabe, então, aos grupos transplantadores fazer esta análise, de modo a contribuir para o aperfeiçoamento do sistema de alocação já que a efetividade de intervenções em saúde pública depende de tais informações. 56 5 OBJETIVOS 5.1 OBJETIVO GERAL Comparar o impacto da implementação do escore MELD como critério de alocação de fígados provenientes de doadores falecidos em uma coorte de pacientes adultos em lista de espera para um primeiro transplante hepático e em uma coorte de pacientes já transplantados por hepatopatia crônica em um centro de referência de Porto Alegre − RS. 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Comparar o impacto da implantação do escore MELD como critério de alocação de fígados provenientes de doadores falecidos para transplante hepático de adultos em dois períodos distintos − 1o de julho de 2004 a 30 de junho de 2006 (era pré-MELD) e 1o de julho de 2006 a 31 de julho de 2008 (era pós-MELD) −, no que diz respeito: • ao número de pacientes incluídos em lista de espera para um primeiro transplante hepático; • ao número de pacientes excluídos de lista de espera por piora das condições clínicas; • à mortalidade dos pacientes em lista de espera; • às características dos pacientes transplantados; • à gravidade da doença hepática crônica, estimada pelo escore MELD no dia do transplante hepático; • ao número de pacientes transplantados por carcinoma hepatocelular; • à sobrevida até 18 meses após o transplante. 6 ARTIGO A SER PUBLICADO IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS TRANSPLANTES HEPÁTICOS: A EXPERIÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO 58 IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS TRANSPLANTES HEPÁTICOS: A EXPERIÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO Adriana Gonçalves da Silva Machado1, Ajácio Bandeira de Mello Brandão1,2 1 Programa de Pós-Graduação em Medicina: Hepatologia, UFCSPA, Porto Alegre. 2 Grupo de Transplante Hepático Adulto da Santa Casa de Porto Alegre. RESUMO O MELD é um acurado preditor de mortalidade em pacientes cirróticos tendo sido instituído como ferramenta para alocação de fígados no Brasil em 2006. No entanto, seu impacto na alocação de órgãos bem como na mortalidade em lista de espera e após transplante não é bem conhecido em nosso meio. Objetivos: avaliar o impacto da implantação do escore MELD na alocação de fígados e na mortalidade após transplante em um centro no sul do Brasil. Pacientes e Métodos: foram estudados pacientes adultos, com hepatopatia crônica, em lista de espera para um primeiro transplante hepático com doador falecido. Foram constituídas duas coortes, antes e após a adoção do escore MELD, conforme a data de inclusão em lista de espera. Os pacientes foram seguidos por um período mínimo de 18 meses para avaliação dos desfechos de interesse (óbito/ transplante hepático). Resultados: a gravidade dos pacientes em lista de espera para TxH, avaliada pelo escore MELD da data de inclusão, foi similar nas duas coortes. O risco de mortalidade em lista de transplante correlacionou-se com o aumento progressivo do escore MELD, sendo que o acréscimo de uma unidade aumentou em 20% o risco de morte (HR: 1,2; IC 95%: 1,14-2,26; p < 0,001). As taxas de mortalidade em lista para TxH foram de 30,9% na era pré-MELD e de 21,7% na era pós, sem diferença estatística significativa. Em relação aos pacientes transplantados nos períodos em estudo, verificou-se maior taxa de transplantes na era pós-MELD (40% versus 52%, p = 0,002). Os homens foram transplantados com maior frequência no segundo período (p = 0,041). Quando excluídos os pacientes transplantados por carcinoma hepatocelular, as médias do escore MELD na data do transplante foram significativamente maiores no período pós-MELD (p < 0,01). Os valores do escore MELD na data do transplante não se correlacionaram significativamente com a sobrevida após o procedimento. No período de seguimento de 18 meses após transplante foram observadas taxas de mortalidade de 25,4% na era pré-MELD e de 20% na era pós-MELD, sem diferença estatisticamente significativa. Conclusão: a implantação do escore MELD foi associada com menor mortalidade em lista de espera, em comparação à era pré-MELD. Por outro lado, apesar de na era MELD terem sido transplantados pacientes mais gravemente enfermos do que no período precedente, as taxas de sobrevida pós-transplante foram similares. Palavras-chave: Alocação de fígados; Escore MELD; Transplante hepático. 59 ABSTRACT Meld is an accurated predictor of mortality in cirrhotic patients and was adopted like a tool for liver allocation in Brazil in 2006. However the impact in liver allocation and in waiting list and post liver transplantation mortality still unknown in your country. Objectives: to evaluate the impact of MELD score adoption in liver allocation and post liver transplantation mortality in Brazil. Patients and Methods: adult patients with cirrhosis in waiting list for their first liver transplantation with deceased donor were studied. Patients were grouped in two cohorts, before and after MELD score implantation, based in their waiting list inclusion date. Follow up had a minimum of 18 months for end-point evaluation (death and liver transplantation). Results: severity of illness in patients waiting for liver transplantation, evaluated by MELD score value at the time of placement on the list, was similar in both eras. Mortality risk while waiting for liver transplantation correlated well with MELD score values. An elevation of one point in MELD score value raised mortality risk in 20% (HR: 1.2; CI 95%: 1.14-2.26; p < 0.001). Waiting list mortality was 30.9% in preMELD era and 21.7% in post-MELD era, without statistical significance. In the set of liver transplantation, a raise in transplant rate was observed in the post-MELD period (40% versus 52%, p = 0.002). In the post-MELD era, women were less likely than men to receive a liver transplant, p = 0.041. When patients with carcinoma hepatocelular were excluded of the analysis, MELD score values in the day of liver transplantation were significantly higher in the post-MELD period (p < 0.01). MELD score in the day of liver transplantation did not correlate well with post-transplant survival. During the 18 months of follow up, after liver transplantation, mortality rate was 25.4% in the pre-MELD era and 20% in the post-MELD era, without statistical significance. Conclusion: MELD score implantation was associated with reduction in waiting list mortality, which was observed in the post-MELD era. On the other hand, despite of sicker patients were transplanted in the post-MELD era, mortality rate after liver transplantation in both periods was similar. Key words: Liver allocation; Liver transplantation; MELD score. 60 INTRODUÇÃO Com o principal objetivo de reduzir a mortalidade de pacientes em lista de espera para transplante hepático, em maio de 2006, com efetiva aplicação em julho, o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), órgão ligado ao Ministério da Saúde do Brasil,1 modificou o critério de alocação, até então cronológico, e instituiu o critério de gravidade. Para ordenar os pacientes de acordo com a gravidade, o SNT adotou o Model for End-stage Liver Disease (MELD).2, 3 Nos Estados Unidos, a implantação do MELD melhorou o processo de alocação de fígados. Na era pós-MELD, houve não só redução de 3,5% das mortes em lista de espera, como também, aumento de 10,2% no número de transplantes com doador falecido e decréscimo de 12% no número de pacientes incluídos em lista de espera, em comparação à era pré-MELD,4 sem comprometer a taxa global de sobrevida pós-transplante.4-9 No Brasil, as atividades relacionadas à captação e à distribuição de órgãos e tecidos para transplantes são regulamentadas e coordenadas pelo SNT que, entretanto, não faz um acompanhamento do trabalho dos grupos transplantadores. Portanto, é desconhecido, em nível nacional, o impacto que possa ter tido em nosso país a implantação do escore MELD como critério de alocação de fígados, sendo as informações disponíveis as de centros isolados. Um dado preocupante é que em nosso país a taxa de doadores de órgãos no primeiro trimestre de 2011, de 8,8 pmp, foi inferior à de 2010, havendo uma redução de 12,3% no número de transplantes hepáticos com doadores falecidos em relação ao ano anterior.10 Neste cenário, a análise das medidas relacionadas à alocação de fígados pelos grupos transplantadores torna-se de capital importância a fim de fornecer subsídios para o aprimoramento do programa nacional de transplantes hepáticos. Este trabalho visa avaliar o impacto da implantação do escore MELD na alocação de enxertos de doadores falecidos e na mortalidade após transplante hepático em um centro de referência no sul do Brasil. 61 PACIENTES E MÉTODOS Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo. Utilizando o banco de dados do Grupo de transplante hepático do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre foram agrupadas duas coortes de pacientes: 1) coorte pré-MELD composta por pacientes incluídos em lista de espera ou submetidos a transplante hepático entre 1o de julho de 2004 e 30 de junho de 2006 e constituída por 324 pacientes, sendo 130 destes transplantados no período estudado; 2) coorte pós-MELD composta por pacientes incluídos em lista de espera ou submetidos a transplante hepático entre 1o de julho de 2006 e 31 de julho de 2008 e constituída por 221 pacientes, sendo 115 destes transplantados no período estudado. O seguimento foi de 18 meses, findo na era pré-MELD em 31 de dezembro de 2007 e, na era pósMELD, em 31 de janeiro de 2010. Foram incluídos no estudo pacientes adultos, à exceção de um único com 16 anos de idade, com hepatopatia crônica em lista ou submetidos a um primeiro transplante hepático com doador falecido. Foram excluídos os listados ou transplantados por perda do primeiro enxerto hepático ou por insuficiência hepática aguda grave, por serem colocados em prioridade máxima. Na era pré-MELD, afora a compatibilidade ABO, a alocação era estritamente cronológica. Os critérios mínimos para inclusão em lista, em ambas as eras, foram os da American Association for the Study of Liver Diseases.11 Os procedimentos cirúrgicos e o protocolo de imunossupressão adotados pelo grupo já foram descritos em estudos anteriores.12 Variáveis em estudo Analisaram-se dados demográficos (idade, sexo) e clínicos pré-transplante (etiologia da cirrose e concomitância de carcinoma hepatocelular; bilirrubina total, creatinina, tempo de protrombina [RNI], sódio sérico) e sobrevida em lista de espera bem como no pós-transplante. O tempo de espera foi calculado a partir do dia em que o paciente foi incluído em lista até o dia de um dos desfechos: transplante, óbito ou final do seguimento, se ainda aguardando o transplante. No período pós-transplante, os pacientes foram acompanhados por no mínimo 18 meses para determinar o desfecho primário (morte). 62 Para o cálculo de escore MELD empregou-se a equação modificada proposta pela UNOS:13 MELD = 3,8 (Ln bilirrubina sérica mg/dl) + 11,2 (Ln INR) + 9,6 (Ln creatinina sérica mg/dl) + 6,4 O MELD foi calculado empregando-se os resultados dos exames realizados na data de inclusão em lista ou os dos exames efetuados no dia do transplante. Não foi definido o valor limite de 40 pontos para o escore nem atribuída pontuação adicional para os pacientes com carcinoma hepatocelular. De acordo com as normas brasileiras,1 pacientes incluídos em lista por carcinoma hepatocelular recebem MELD atribuído de 20; se o transplante não for efetuado em três meses ou em seis meses, a pontuação aumenta para 24 e 29, respectivamente. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre − protocolo 3091/09 e parecer 394/09. ANÁLISE ESTATÍSTICA Os dados foram processados e analisados através do programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences, version 17.0 [SPSS Inc., Illinois, Chicago, USA]). Os dados quantitativos foram descritos por média, desvio-padrão e valores mínimos e máximos. Na presença de assimetria, foram calculadas mediana e amplitude interquartil (P25 a P75). Para análise dos dados categóricos, utilizaram-se contagem e percentuais. A comparação das médias entre os grupos foi realizada pelo teste t de Student ou por seu equivalente não paramétrico na presença de assimetria. Para as categorias, foi adotado o teste de qui-quadrado ou o teste exato de Fischer na ocorrência de baixas frequências. Para curvas de sobrevida, utilizou-se o método de Kaplan-Meier com significância determinada pelo teste de log-rank. Além disso, o modelo de Cox obteve as estimativas de hazard ratio (ajustadas ou não) com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. 63 RESULTADOS Pacientes em lista de espera para Transplante Hepático Nos períodos considerados foram incluídos 300 pacientes em lista de espera para TxH, sendo 194 no grupo pré e 106 no grupo pós-MELD. Em ambos foram listados mais homens, sendo a média de idade de todos os pacientes incluídos na era MELD significativamente maior do que a dos listados na era pré-MELD (Tabela 1). A gravidade da hepatopatia, avaliada pelo escore MELD, foi igual nos dois grupos; embora mais pacientes com carcinoma hepatocelular tenham sido listados na era MELD, não houve diferença significativa entre os dois períodos (Tabela 1). Como esperado, considerando-se ambos os períodos, houve maior risco de mortalidade em lista de transplante com o aumento progressivo do escore MELD, sendo que o acréscimo de uma unidade elevou em 20% o risco de morte (HR: 1,2; IC 95%: 1,14-2,26; p < 0,001). A exclusão de lista de espera para TxH por qualquer causa foi maior na era pré-MELD (62,4% versus 35,8%) (Tabela 2). Quando os 121 pacientes foram categorizados por motivo de exclusão de lista, observou-se que o motivo mais frequente foi óbito em lista de transplante (era pré-MELD: 60 [49,5%] e era pósMELD: 23 [60,5%]), sem diferença estatisticamente significativa entre os períodos estudados (Tabela 2). Embora menos pacientes tenham morrido aguardando transplante na era MELD em comparação com a era pré-MELD (21,7% e 30,9%, respectivamente) mostra-se, na tabela 3, não ter havido diferença significativa do desfecho em ambos os períodos, independentemente da idade do receptor, do MELD, do sódio sérico, da creatinina e da concomitância de CHC. A Figura 1 compara as curvas de sobrevida de pacientes aguardando transplante nos períodos considerados. Pacientes transplantados Foram incluídos no estudo 245 pacientes submetidos a transplante hepático, 130 na era pré e 115 na era pós-MELD. No último período, houve proporcionalmente maior número de transplantes: 52% versus 40% do total dos pacientes de cada período (p = 0,002). Em ambos os períodos, a maioria dos pacientes era do sexo masculino (60,8% na era pré-MELD e 73,9% na era pós-MELD). Quando comparados os períodos, observou-se que no pós-MELD, proporcionalmente, foram transplantados 64 mais homens que mulheres (p = 0,041). A média de idade dos pacientes foi similar nas coortes estudadas (era pré-MELD: 55,2 e era pós-MELD: 53,1) (Tabela 4). As principais etiologias da doença hepática que motivaram o TxH foram cirrose por hepatite C crônica e por álcool. A ocorrência de transplante conjugado fígado-rim foi semelhante entre os períodos. Observa-se, na Tabela 4, que não houve diferença com significância estatística entre os pacientes transplantados nas diferentes eras no que se refere à média de idade (55,2 versus 53,1 anos), bem como a outras variáveis consideradas: tempo de espera em lista para transplante, taxas laboratoriais no dia do transplante (creatinina, bilirrubina, tempo de protrombina e sódio sérico), realização de transplante conjugado fígado-rim ou presença de carcinoma hepatocelular. As médias do escore MELD calculado na data do transplante foram de 16,2 e 17,7 nos períodos pré e pós-MELD, respectivamente (p = 0,072). Quando o escore foi avaliado em categorias (1 a 14, 15 a 20 e igual ou superior a 21), observou-se que na era pós-MELD foram transplantados com maior frequência os pacientes com escore mais elevado (p = 0,001) (Tabela 4). Entretanto, na era pós-MELD, os pacientes transplantados por carcinoma hepatocelular recebiam pontuação adicional, que não foi considerada no cálculo das médias. Para avaliar, se na era pós-MELD, foram transplantados cirróticos mais gravemente enfermos que na era pré-MELD, recalculou-se o valor médio do escore excluindo os transplantados por carcinoma hepatocelular, obtendo-se então uma média de 20,1, significativamente superior à do período pré-MELD (Tabela 4). Visando uma melhor avaliação do desfecho óbito após TxH, os pacientes foram seguidos por no mínimo 18 meses após o procedimento. Foram observadas taxas de mortalidade de 25,4% na era pré-MELD e de 20% na era pós-MELD (Tabela 3). Tanto na análise univariada quanto na multivariada, não houve diferença estatisticamente significativa na ocorrência de óbito nos períodos em estudo (Tabela 3). A curva de sobrevida após TxH está expressa na Figura 2. Considerando-se tanto a era pré quanto a era pós-MELD, os pacientes que morreram durante o seguimento pós-transplante apresentavam escores inferiores em relação aos que sobreviveram (16,3 ± 7,2 versus 17,1 ± 6,6; p = 0,426), embora sem significância estatística. O hazard ratio para mortalidade após transplante foi de 0,98 para o aumento em uma unidade no valor do escore MELD na data do transplante (IC 95%: 0,93-1,03, p = 0,392). 65 DISCUSSÃO A capacidade do escore MELD em predizer a mortalidade de pacientes com hepatopatia crônica contribuiu significativamente aperfeiçoamento do processo de alocação de órgãos.3, para 14 a evolução e o Desta forma, é inegável seu papel na avaliação dos pacientes cirróticos em lista de espera para TxH. Na literatura mundial, ainda é controversa a capacidade de o escore MELD predizer a mortalidade após TxH. Este trabalho avaliou duas coortes de pacientes uma antes e outra após a implantação desse escore com o objetivo de avaliar o impacto da sua introdução no sistema de alocação de enxertos de doadores falecidos para TxH em um único centro no sul do Brasil. Como já referido, a implantação do MELD como critério de alocação determinou redução do número de candidatos listados para TxH, provavelmente por estarem os médicos cientes de que não precisavam mais incluir em lista pacientes sem necessidade atual de um transplante para “guardar o lugar”, caso viessem a precisar, no futuro, do procedimento. Ademais, o aumento no número de transplantes no segundo período contribuiu para a redução da lista de espera.3, 14 A média do escore MELD na data de inclusão em lista de espera foi similar em ambos os períodos, o que pode dever-se ao uso do MELD calculado, e não atribuído, na data de entrada em lista. Em concordância, Ahmad et al.7 e Sachdev et al.15 não verificaram diferença significativa nos valores do MELD calculado na data de inclusão em lista no período pós-MELD. Por outro lado, Freeman et al.4 relataram aumento de 15,3 para 15,9 na média do escore MELD na data de inclusão em lista após implantação do escore MELD. Quando os pacientes foram distribuídos por categorias do escore (1 a 14, 15 a 21 e ≥ 21), observou-se na era pós-MELD um aumento na proporção de incluídos com doenças mais graves e consequente redução nos incluídos com doenças de menor gravidade, o que provavelmente denota o maior cuidado na inclusão de pacientes em lista de transplante. A literatura atual é quase unânime em registrar a redução das taxas de exclusão de lista de espera para transplante hepático após a introdução do escore MELD, uma vez que os pacientes mais gravemente enfermos e os com função hepática relativamente preservada, mas com carcinoma hepatocelular com risco de progressão, vêm sendo transplantados com prioridade.4, 6, 16 Ravaioli et al.6 observaram redução de 22,8% para 13% na saída de lista por óbito ou progressão 66 neoplásica após implantação do escore MELD. Em concordância, no presente trabalho, a exclusão de lista de espera para TxH por qualquer causa foi menor no período pós-MELD. No entanto, em relação à exclusão por óbito ou por piora clínica, não houve diferença entre os dois períodos em estudo. Embora com redução de taxas de 30,9% para 21,7%, tanto na análise univariada quanto multivariada, a diferença de mortalidade em lista após implantação do escore MELD não atingiu significância estatística ao contrário do que foi descrito na literatura por Freeman et al.,4 Austin et al.,5 Ravaioli et al.,6 Wiesner et al.17 e Benckert et al.18 Ainda no que diz respeito à mortalidade em lista de espera para TxH, observou-se em ambos os períodos, como esperado, maior risco de morte em lista de transplante com o aumento progressivo do escore MELD. Para o aumento de uma unidade no escore, houve um acréscimo correspondente de 20% no risco de mortalidade. Segundo Gleisner et al.19 o aumento de uma unidade no MELD acarreta redução de 16% na sobrevida média. Desta forma, confirma-se que o escore é bom preditor de mortalidade em lista de transplante, o que está de acordo com a descrição prévia de Menon et al.,8 Wiesner et al.17 e Brandão et al.20 O aumento no número de transplantes na era pós-MELD observado no presente trabalho também foi constatado por Wiesner et al.17 e por Kanwal et al.21 Neste estudo, em concordância com a literatura, a maioria dos pacientes transplantados era do sexo masculino, com média de idade e distribuição das etiologias da doença hepática crônica semelhantes.4, 6, 15, 21-25 Quando comparados os períodos pré e pós-implantação do escore MELD, observou-se que no último período as mulheres foram transplantadas com frequência proporcionalmente ainda menor. Outros trabalhos descrevem resultados similares, havendo a sugestão de que as menores chances de as mulheres serem transplantadas devem-se à inclusão da creatinina no cálculo do MELD já que as mulheres apresentam valores de creatinina inferiores para um mesmo grau de disfunção renal quando comparadas aos homens.26, 27 Estudo com 40.393 pacientes em lista de espera para TxH, sendo 36% mulheres, concluiu que estas apresentaram níveis de creatinina sérica e de escore MELD inferiores aos dos homens.27 Ademais, as mulheres tiveram menor probabilidade de ser transplantadas e maior taxa de mortalidade em três meses.27 Estudo de Moylan et al.28 mostrou que as mulheres quando comparadas aos homens apresentaram, no período pós-MELD, risco 30 vezes maior de morte ou progressão da doença de base. 67 De acordo com o esperado, as médias do escore MELD no dia do transplante foram maiores no período após sua implantação. O uso do MELD calculado provavelmente subestimou a média do escore no período pós-MELD, devido ao maior número de transplantes realizados em pacientes com carcinoma hepatocelular, que passou de 31,5% para 38,3% do total de TxH. Entretanto, quando foram excluídos os pacientes com diagnóstico de carcinoma hepatocelular, houve diferença significativa nas médias do escore MELD na data do transplante hepático entre as eras pré e pós-MELD. Pacientes com carcinoma hepatocelular pertencem à categoria “exceções ao MELD”, ou seja, por apresentarem, comumente, função hepática preservada, lhes é atribuído um valor do MELD superior ao calculado, de modo a que tenham maior probabilidade de ser transplantados antes que o crescimento do tumor impossibilite o procedimento. No Brasil, pacientes com carcinoma hepatocelular recebem MELD 20 na inclusão em lista, que aumenta para 24 e 29 se o transplante não é realizado em três ou em seis meses após inclusão.1 O aumento do número de TxH em pacientes com carcinoma hepatocelular após implantação do escore MELD está bem descrito na literatura.4, 6, 8, 15, 21, 29 Trabalhos7, 29 que também utilizaram o escore MELD calculado evidenciaram aumento na média do escore no período após sua implantação, embora não tenham atingido significância estatística. Ahmad et al.7 calcularam separadamente a média do MELD calculado e do atribuído para os pacientes com hepatocarcinoma, comparando as eras pré e pós-MELD, e observaram diferença estatisticamente significativa com escores MELD atribuídos mais elevados no segundo período. Freeman et al.,4 Ravaioli et al.6 e Kanwal et al.21 provavelmente pelo tamanho da amostra estudada, encontraram diferença significativa nas médias do MELD calculado quando avaliados os períodos pré e pós-MELD. Neste trabalho, quando comparados os períodos pré e pós-MELD, em relação às categorias do escore (1 a 14, 15 a 20 e ≥ 21) no dia do transplante, observou-se que no segundo período houve redução do número de transplantes principalmente na categoria intermediária do escore, entre 15 e 20, à custa de aumento de transplantes nos pacientes mais graves com MELD acima de 21. Ou seja, a implantação do escore na alocação de enxertos de fato permitiu que os pacientes mais gravemente enfermos fossem transplantados com prioridade. 68 Embora a proporção de pacientes transplantados com escore MELD ≥ 21 no período pós-MELD tenha sido maior, as taxas de mortalidade caíram de 25,4% no período pré-MELD para 20% no período pós-MELD. Ademais, a curva de KaplanMeyer comparando a sobrevida após TxH em 18 meses em ambos os períodos, mostra uma tendência a maior sobrevida no grupo transplantado após implantação do escore MELD. Quando considerados juntos, períodos pré e pós-MELD, os pacientes que morreram durante o seguimento de 18 meses após transplante apresentaram médias menores do que os que sobreviveram. Estes resultados apontam que o escore MELD foi capaz de alocar com prioridade os pacientes com doença hepática mais avançada, sem, no entanto, comprometer a sobrevida após procedimento. Dois outros estudos brasileiros também evidenciaram que não houve redução na sobrevida após transplante no período após implantação do escore MELD.30, 31 A sobrevida precoce pós-TxH, tanto dos pacientes quanto dos enxertos, foi similar nas eras pré e pós-MELD segundo estudo de Freeman et al.4 Trabalhos de Austin et al.,5 Yoo et al.,9 Sachdev et al.15 e Benckert et al.18 demonstraram não ter havido redução na sobrevida após transplante em 3,6, 8 e 10 meses após implantação do escore MELD, sendo que, no último estudo, foi descrita tendência a maior sobrevida no grupo pós-MELD. A sobrevida em um ano após transplante foi similar nas eras pré e pós-MELD nos estudos de Ravaioli et al.,6 Kanwal et al.,21 Brown et al.,23 Freitas et al.,29 Gish et al.32 e Teixeira et al.33 Da mesma forma, não houve diferença na sobrevida em dois anos em ambos os grupos nos trabalhos de Ravaioli et al.6 e Davis et al.34 Entretanto, é sabido haver maior risco de morte em pacientes transplantados com escores MELD mais elevados. Kim et al.35 verificaram mortalidade de 5% em pacientes com escore MELD inferior a 10 e de 26% em pacientes com escores superiores a 40. Em dois estudos, Onaca et al.36, 37 avaliaram pacientes transplantados estratificando-os em três grupos conforme os valores do MELD prétransplante, sendo que a sobrevida no grupo com escores mais elevados (MELD ≥ 25) foi menor aos 3,6, 12, 18 e 24 meses pós-transplante. Brandão et al.12 relataram que o escore MELD da data do transplante igual ou superior a 21 foi preditor independente de risco de morte um ano após transplante em análise multivariada. 69 Contudo, estudos que avaliam o benefício do TxH alertam que este é maior em pacientes mais gravemente enfermos. Merion et al.22 analisaram as taxas de mortalidade em lista de espera e após TxH em 12.996 pacientes. O risco de mortalidade dos receptores foi 79% menor do que o dos candidatos que permaneceram em lista de espera para TxH (HR: 0,21; p < 0,001), sendo que, nos pacientes com escore a partir de 18, a mortalidade em lista de espera suplanta a mortalidade após transplante. Desta forma, a mortalidade em lista de espera aumenta progressivamente com a elevação do escore MELD até um valor de 40.22 Em análise complementar do subgrupo de pacientes com escore superior a 40, através do modelo de Cox, o risco de mortalidade continua menor nos pacientes transplantados quando comparados aos que permaneceram em lista de espera.22 Gleisner et al.,19 avaliando candidatos e transplantados de três centros do sul do Brasil, descreveram que os pacientes com MELD mais elevado apresentaram benefício de sobrevida mais pronunciado e mais precoce após TxH. Pacientes com escores inferiores também se beneficiaram do procedimento embora o tempo de seguimento necessário para verificar o ganho de sobrevida após transplante tenha sido maior.19 Assim, não é possível definir um ponto de corte a partir do qual o transplante é considerado medida fútil, visto que, apesar de apresentarem sobrevida pouco mais reduzida após transplante, os pacientes mais gravemente enfermos continuam beneficiando-se de tal tratamento. Em suma, neste estudo, a implantação do escore MELD como ferramenta para alocação de fígados, associou-se com menor taxa de mortalidade em lista e permitiu que pacientes mais gravemente enfermos fossem transplantados sem, no entanto, comprometer a sobrevida pós-transplante. Aparentemente as mulheres estariam sendo prejudicadas na alocação com o emprego do MELD, e outros estudos, com maior número de pacientes, deverão ser realizados. 70 Tabela 1 - Características e desfechos dos grupos de pacientes em lista de espera para transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pósimplantação do escore MELD Variável 2004 a 2006 2006 a 2008 n = 194 n = 106 52,3 ± 9,4 54,8 ± 8,7 [18 a 70] [22 a 73] n = 194 n = 106 Masculino 125 (64,4) 70 (66,0) Feminino 69 (35,6) 36 (34,0) 206 (84 a 401) 198 (71 a 371) [3 a 708] [3 a 714] n = 188 n = 101 15,0 ± 5,3 15,1 ± 4,9 [7 a 40] [8 a 40] Idade do candidato, anos Sexo do candidato, no (%) Tempo em lista de espera, dias Escore MELD o 1 a 14 104 (55,3) 50 (40,9) 15 a 20 57 (30,3) 39 (38,6) ≥ 21 27 (14,4) 12 (11,9) 0,9 (0,8 a 1,1) 0,9 (0,8 a 1,2) [0,3 a 9,1] [0,4 a 3,0] n = 173 n = 98 137,5 ± 5,0 137,4 ± 4,9 [120 a 147] [124 a 147] n = 194 n = 104 34 (17,5) 25 (24,0) n = 194 n = 106 121 (62,4) 38 (35,8) Sódio sérico, mEq/L Hepatocarcinoma, no (%) Exclusão, no (%) 0,024[1] 0,879[2] 0,736[3] 0,898[1] 0,354[2] Categorias do escore MELD, n (%) Creatinina, mg/dl p 0,327[3] 0,867[1] 0,233[2] < 0,001[2] Os dados são apresentados como média ± desvio padrão,mediana e a amplitude interquartil (P25 a P75), [mínimo a máximo] ou contagem (%). p: significância estatística, [1]: teste t de Student, [2]: qui-quadrado, [3] teste U de Mann-Whitney. MELD: Model for End-Stage Liver Disease. 71 Tabela 2 - Distribuição dos motivos de exclusão de lista de espera para transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós-implantação do escore MELD 2004 a 2006 n = 121 2006 a 2008 n = 38 p Óbito 60 (49,59) 23 (60,53) 0,321 Outros motivos 31 (25,62) 11 (28,95) 0,845 Melhora clínica 12 (9,92) 0 (0,00) 0,071 Desistência 8 (6,61) 0 (0,00) 0,200 Progressão da doença de base 6 (4,96) 3 (7,89) 0,447 Troca de centro de transplante 4 (3,31) 1 (2,63) > 0,999 Motivo Os dados são apresentados como contagens (percentuais). p: significância estatística determinada por qui-quadrado ou teste exato de Fisher. 72 Tabela 3 - Ocorrência de óbito em pacientes submetidos a transplante hepático (TxH) e em lista de espera comparando os períodos pré e pósimplantação do escore MELD Óbito Grupo N no Análise univariada % HR 1 IC95% p Análise multivariável HR IC95% p Após TxH 2004 a 2006 130 33 25,4 1 2006 a 2008 115 23 20,0 0,74 0,44 a 1,27 0,275 0,74[1] 0,43 a 1,29 0,287 2004 a 2006 194 60 30,9 2006 a 2008 106 23 21,7 0,72 0,44 a 1,16 0,172 0,79[1] 0,47 a 1,31 0,361 Em lista 1 1 TxH: Transplante hepático; HR: hazard ratio; [1]: hazard ratio obtido em modelo de regressão de Cox ajustando para os fatores idade do receptor, sódio sérico, creatinina, escore MELD e presença de hepatocarcinoma; IC: intervalo de confiança, p: significância estatística. 73 Tabela 4 - Características e desfecho (óbito) dos grupos submetidos a transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós-implantação do escore MELD Variável Idade do receptor, anos Sexo do receptor, no (%) Masculino Feminino Tempo em lista de espera, dias Escore MELD Escore MELD sem CHC Categorias do escore MELD, no (%) 1 a 14 15 a 20 ≥ 21 Creatinina, mg/dl Tempo de protrombina, RNI Bilirrubina total, mg/dL Sódio sérico, mEq/L Hepatocarcinoma, no (%) Transplante conjugado, no (%) Óbito, no (%) 2004 a 2006 n = 130 55,2 ± 8,6 [23 a 72] 2006 a 2008 n = 115 53,1 ± 10,2 [14 a 72] p 0,087[1] 0,041[2] 79 (60,8) 51 (39,2) 485 (209 a 570) [5 a 1238] 16,2 ± 6,0 [7 a 39] 16,2 ± 6,0 [7 a 39] 85 (73,9) 30 (26,1) 373 (117 a 620) [2 a 1891] 17,8 ± 7,4 [7 a 40] 20,1 ± 7,6 [ 7a 40] 0,280[3] 0,076[1] < 0,01[1] 0,001[2] 54 (41,5) 59 (45,4) 17 (13,1) 1,0 (0,8 a 1,3) [0,3 a 7,8] 1,6 ± 0,5 [1,0 a 4,7] 2,3 (1,4 a 3,5) [0,3 a 32,9] 136,5 ± 5,2 [107 a 148] 41 (31,5) 5 (3,8) 33 (25,4) 43 (37,4) 35 (30,4) 37 (32,2) 1,0 (0,8 a 1,2) [0,3 a 13] 1,7 ± 0,8 [1,0 a 5,6] 2,6 (1,2 a 5,0) [0,3 a 43,0] 136,3 ± 4,4 [119 a 148] 44 (38,3) 10 (8,7) 23 (20,0) 0,229[3] 0,493[1] 0,150[3] 0,680[1] 0,333[2] 0,189[2] 0,459[2] Os dados são apresentados como média ± desvio padrão, mediana e a amplitude interquartil (P25 a P75), [mínimo a máximo] ou contagem (%). p: significância estatística, [1]: teste t de Student, [2]: qui-quadrado, [3] teste U de Mann-Whitney. MELD: Model for End-stage Liver Disease. RNI: Razão Normatizada Internacional 74 1,0 0,9 Pós-MELD Proporção de sobrevida 0,8 0,7 0,6 p = 0,170 0,5 Pré-MELD 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 0 3 6 9 12 15 18 21 24 Seguimento em lista de transplante (meses) Fig. 1 - Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida em lista de espera para transplante hepático (TxH) entre os períodos pré e pós-implantação do escore MELD. 75 1,0 Pós-MELD 0,9 Proporção de sobrevida 0,8 0,7 0,6 Pré-MELD p = 0,275 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 0 6 12 18 24 30 36 42 48 Seguimento pós-transplante hepático Fig. 2 - Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida (em meses) após transplante hepático (TxH) entre os períodos pré e pós-implantação do escore MELD. 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Portaria no 1.160 de 29 de maio de 2006. 2. Russel W, Erick E, et al. Model for End-Stage Liver Disease (MELD) and allocation of donor livers. Gastroenterology. 2003;124:91-6. 3. 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AM J Transplant. 2003;3:626-30. 79 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS Determinar quem deve receber um fígado proveniente de doador falecido é uma decisão cada vez mais complexa e difícil, basicamente pela grande discrepância entre o número de candidatos e o de órgãos disponíveis, ainda mais se tendo o entendimento de que não haverá, em nenhum momento, um número de doadores suficiente para atender à demanda. A questão torna-se ainda mais complicada quando as taxas de doação são pequenas. Por exemplo, em 2010 a taxa de transplantes de fígado por milhão de habitantes no Brasil foi de 6,5 enquanto na Espanha foi de 20,65. O escore MELD, desenvolvido nos Estados Unidos, é um robusto preditor de morte, em três meses, de pacientes com doenças hepáticas crônicas. Por esta razão aquele país o adotou em 2002 para ordenar os pacientes em lista de espera para transplante hepático com enxerto de doador falecido. Estudos norte-americanos, analisando desfechos em milhares de pacientes, mostraram que a introdução do escore na alocação de enxertos para transplante hepático atingiu seus principais objetivos: reduzir a mortalidade em lista de espera sem comprometer os resultados do procedimento. Os excelentes resultados observados com o emprego do MELD na alocação de fígados motivou sua introdução em vários outros centros transplantadores, inclusive no Brasil. Por outro lado, é surpreendente que até aos nossos dias o SNT não tenha organizado um banco de dados, alimentado pelas equipes de transplantes e pelas Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs), acessível aos transplantadores, dentro de normas previamente acordadas, para análise científica de suas políticas e ações. Desta forma, a tarefa de estudar vários aspectos das políticas públicas referentes ao transplante hepático tem sido assumida pelas equipes transplantadoras. Os resultados do artigo advindo desta dissertação mostram que a introdução do escore MELD, no centro de transplante hepático do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, na alocação de fígados de doadores falecidos se associou com menor mortalidade em lista de espera quando comparados os dois períodos. Apesar de não ter sido observada uma diferença com significância estatística entre 80 as taxas de mortalidade − talvez pelo pequeno número de pacientes avaliados −, esta é uma boa notícia e sinaliza que a introdução do escore MELD na alocação está atingindo um dos objetivos propostos. O artigo também apontou que o emprego do MELD na alocação não comprometeu os resultados pós-transplante, atingindo, pois, outro dos objetivos almejados. Contudo, a mortalidade de pacientes em lista de espera para um transplante não está associada apenas à gravidade da doença que motivou a inclusão em lista. Entre outros fatores, depende das taxas de doadores e de órgãos efetivamente aproveitados. Apesar de haver no cômputo geral, um lento aumento no número de transplantes de órgãos no Brasil, ele não é consistente, e as políticas públicas a respeito são tímidas e esporádicas. Portanto, cabe ao SNT aperceber-se de que todo investimento no setor ficará comprometido se não forem contempladas todas as etapas do processo de doação/transplante. A necessidade de se aperfeiçoar o escore MELD em sua utilização no sistema de alocação − sem perder sua objetividade − estimulou o aparecimento de escores derivados que também deverão ser estudados em nosso país e, sendo demonstrada a superioridade de algum deles em relação ao modelo original, deverá se considerar sua substituição. 81 ANEXO 82 Anexo 1 TERMO DE CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS A pesquisa “Impacto da implantação do escore MELD na alocação de fígados e nos resultados dos transplantes hepáticos: a experiência de um centro brasileiro“ será realizada no Hospital Dom Vicente Scherer da Santa Casa de Porto Alegre, como parte de atividades para a obtenção do título de Mestre. O objetivo principal será avaliar o impacto da implementação do escore MELD como método de alocação de órgão para pacientes em lista de transplante de fígado. Será realizada análise do banco de dados e, quando necessário, revisão de prontuários dos pacientes atendidos pelo Grupo de Transplante Hepático, transplantados entre 2004 e 2008, neste hospital. Garantimos que os pacientes titulares dos prontuários analisados não serão identificados e que se manterá o caráter confidencial das informações relacionadas à sua privacidade. Os dados obtidos serão utilizados unicamente para fins científicos, na presente pesquisa e em sua divulgação. Comprometemo-nos a proporcionar à instituição informações atualizadas obtidas durante o estudo, garantindo resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a qualquer dúvida a respeito dos procedimentos utilizados ou demais assuntos relacionados à pesquisa, ainda que esta não tenha sido finalizada.