UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA: HEPATOLOGIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HEPATOLOGIA
MESTRADO
IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA
ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS
TRANSPLANTES HEPÁTICOS:
A EXPERÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO
Adriana Gonçalves da Silva Machado
Porto Alegre
2011
ADRIANA GONÇALVES DA SILVA MACHADO
IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA
ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS
TRANSPLANTES HEPÁTICOS:
A EXPERÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Hepatologia da
Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre como requisito
para a obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Ajácio Bandeira de
Mello Brandão
Porto Alegre
2011
i
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M149i Machado, Adriana Gonçalves da Silva
Impacto da implantação do escore MELD na alocação
de fígados e nos resultados dos transplantes hepáticos : a
experiência de um centro brasileiro / Adriana Gonçalves da
Silva Machado. – Porto Alegre, 2011.
82 f. : il.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Ciências da Saúde de Porto Alegre. Programa de PósGraduação em Hepatologia, 2011.
Orientação: Prof. Dr. Ajácio Bandeira de Mello Brandão
1. Transplante de fígado. 2. Escore MELD. 3. Alocação
de fígados I. Título. II. Brandão, Ajácio Bandeira de Mello.
CDD 617.556 205 92
Eleonora Liberato Petzhold
CRB 10/1801
ii
Agradecimentos
− Ao grupo de transplante hepático adulto do Complexo Hospitalar Santa Casa de
Porto Alegre − equipe Dr. Guido Cantisani − pelo tempo de convívio e pela
confiança em mim depositada para a realização deste estudo.
− Ao Programa de Pós-Graduação em Hepatologia da UFSCPA, pela
oportunidade de aprendizado.
− Ao meu Orientador Dr. Ajácio Bandeira de Mello Brandão, pela capacidade de
dividir sua experiência e seu conhecimento.
− Aos pacientes que fizeram parte deste estudo, meu carinho e respeito.
− Aos colegas da Pós-Graduação, pela parceria neste longo caminho.
− Aos meus pais, pelo amor, carinho e dedicação incondicionais bem como pela
oportunidade de estudo e crescimento sempre a mim ofertada.
− Aos meus amigos queridos que me acompanharam e por isso fazem parte desta
importante conquista.
Muito Obrigada
iii
RESUMO
O MELD é um acurado preditor de mortalidade de pacientes cirróticos, tendo
sido instituído como ferramenta para alocação de fígados no Brasil em 2006. No
entanto, seu impacto na alocação de órgãos bem como na mortalidade em lista de
espera e após transplante não é bem conhecido em nosso meio.
Objetivos: avaliar o impacto na mortalidade em lista da implantação do
escore MELD na alocação de fígados e na mortalidade após transplante em um
centro no sul do Brasil.
Pacientes e Métodos: foram estudados pacientes adultos, com hepatopatia
crônica, em lista de espera para um primeiro transplante hepático com doador
falecido. Foram constituídas duas coortes, antes e após a adoção do escore MELD,
conforme a data de inclusão em lista de espera. Os pacientes foram seguidos por
um período mínimo de 18 meses para avaliação dos desfechos de interesse (óbito/
transplante hepático).
Resultados: a gravidade dos pacientes em lista de espera para TxH, avaliada
pelo escore MELD da data de inclusão, foi similar nas duas coortes. O risco de
mortalidade em lista de transplante correlacionou-se com o aumento progressivo do
escore MELD, sendo que o acréscimo de uma unidade aumentou em 20% o risco de
morte (HR: 1,2; IC 95%: 1,14-2,26; p < 0,001). As taxas de mortalidade em lista para
TxH foram de 30,9% na era pré-MELD e de 21,7% na era pós, sem diferença
estatística significativa. Em relação aos pacientes transplantados nos períodos em
estudo, verificou-se maior taxa de transplantes na era pós-MELD (40% versus 52%,
p = 0,002). Os homens foram transplantados com maior frequência no segundo
período (p = 0,041). Quando excluídos os pacientes transplantados por carcinoma
hepatocelular, as médias do escore MELD na data do transplante foram
significativamente maiores no período pós-MELD (p < 0,01). Os valores do escore
MELD na data do transplante não se correlacionaram significativamente com a
sobrevida após o procedimento. No período de seguimento de 18 meses após
transplante foram observadas taxas de mortalidade de 25,4% na era pré-MELD e de
20% na era pós-MELD, sem diferença estatisticamente significativa.
iv
Conclusão: a implantação do escore MELD foi associada com menor
mortalidade em lista de espera, em comparação à observada na era pré-MELD. Por
outro lado, apesar de na era MELD terem sido transplantados pacientes mais
gravemente enfermos do que no período precedente, as taxas de sobrevida póstransplante foram similares.
Palavras-chave: Alocação de fígados; Escore MELD; Transplante hepático.
v
ABSTRACT
Meld is an accurated predictor of mortality in cirrhotic patients and was adopted like a
tool for liver allocation in Brazil in 2006. However the impact in liver allocation and in
waiting list and post liver transplantation mortality still unknown in your country.
Objectives: to evaluate the impact of MELD score adoption in liver allocation and
post liver transplantation mortality in Brazil.
Patients and Methods: adult patients with cirrhosis in waiting list for their first liver
transplantation with deceased donor were studied. Patients were grouped in two
cohorts, before and after MELD score implantation, based in their waiting list
inclusion date. Follow up had a minimum of 18 months for end-point evaluation
(death and liver transplantation).
Results: severity of illness in patients waiting for liver transplantation, evaluated by
MELD score value at the time of placement on the list, was similar in both eras.
Mortality risk while waiting for liver transplantation correlated well with MELD score
values. An elevation of one point in MELD score value raised mortality risk in 20%
(HR: 1.2; CI 95%: 1.14-2.26; p < 0.001). Waiting list mortality was 30.9% in preMELD era and 21.7% in post-MELD era, without statistical significance. In the set of
liver transplantation, a raise in transplant rate was observed in the post-MELD period
(40% versus 52%, p = 0.002). In the post-MELD era, women were less likely than
men to receive a liver transplant, p = 0.041. When patients with carcinoma
hepatocelular were excluded of the analysis, MELD score values in the day of liver
transplantation were significantly higher in the post-MELD period (p < 0.01). MELD
score in the day of liver transplantation did not correlate well with post-transplant
survival. During the 18 months of follow up, after liver transplantation, mortality rate
was 25.4% in the pre-MELD era and 20% in the post-MELD era, without statistical
significance.
Conclusion: MELD score implantation was associated with reduction in waiting list
mortality, which was observed in the post-MELD era. On the other hand, despite of
sicker patients were transplanted in the post-MELD era, mortality rate after liver
transplantation in both periods was similar.
Key words: Liver allocation; Liver transplantation; MELD score
vi
Lista de Tabelas e Figuras do Artigo
Tabela 1 Características e desfechos dos grupos de pacientes em
lista de espera para transplante hepático (TxH) segundo os
períodos pré e pós-implantação do escore MELD.....................................................70
Tabela 2 Distribuição dos motivos de exclusão de lista de espera para
transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pósimplantação do escore MELD ..................................................................................................71
Tabela 3 Ocorrência de óbito em pacientes submetidos a transplante
hepático (TxH) e em lista de espera comparando os
períodos pré e pós-implantação do escore MELD.....................................................72
Tabela 4 Características e desfechos dos grupos submetidos a
transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós
implantação do escore MELD ..................................................................................................73
Figura 1 Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida em lista
de espera para transplante hepático (TxH) entre os períodos
pré e pós-implantação do escore MELD...........................................................................74
Figura 2 Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida após
transplante hepático (TxH) entre os períodos pré e pósimplantação do escore MELD ..................................................................................................75
vii
Lista de Abreviaturas
ABTO
Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos
APACHE II e III
Acute Physiology and Chronic Health Evaluation System
CTP
Child-Turcotte-Pugh
D-MELD
Produto da Idade do Doador pelo MELD Pré-Operatório
EMERALD
Erasmus Model for End-Stage Resistant-Therapy All Etiology Liver
Disease
iMELD
Integrated Model for End-Stage Liver Disease
MELD
Model for End-Stage Liver Disease
MELD-XI
Model for End-Stage Liver Disease excluíndo RNI
MELD-Na
Model for End-Stage Liver Disease With Incorporation of Sodium
MESO
Model for End-Stage Liver Disease to Sodium Index
OMS
Organização Mundial da Saúde
OSF
Organ System Failure
RNI
Razão Normatizada Internacional
ROC
Receiver Operating Characteristic
SNT
Sistema Nacional de Transplantes
SOFA
Sequential Organ Failure Assessment
TGP
Alaninoaminotransferase
TIPS
Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt
TxH
Transplante Hepático
UKELD
United Kingdom Model for End-Stage Liver Disease
UNOS
United Network for Organ Sharing
UTI
Unidade de Terapia Intensiva
viii
Sumário
Resumo ...........................................................................................................................................................................iv
Abstract ...........................................................................................................................................................................vi
Lista de Tabelas e Figuras ..............................................................................................................................vii
Lista de Abreviaturas ...........................................................................................................................................viii
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................11
2 REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................................................................15
2.1 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS ................................................................................15
2.2 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS EM HEPATOPATIA
CRÔNICA E EM TRANSPLANTE HEPÁTICO ............................................................................15
2.2.1 Classificação de Child-Turcotte-Pugh ..........................................................................................16
2.2.2 Classificação de Child-Turcotte-Pugh modificada ...............................................................17
2.2.3 Modelo da Universidade de Emory ................................................................................................17
2.2.4 Escore EMERALD (Erasmus Model for End-Stage Resistant-toTherapy All Etiology Liver Disease) ...............................................................................................18
2.2.5 Escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease) ............................................................18
2.2.5.1 MELD e pacientes cirróticos .............................................................................................................20
2.2.5.1.1 MELD na avaliação pré-operatória de cirróticos ............................................................21
2.2.5.1.2 MELD na avaliação de cirróticos gravemente enfermos ou
internados em unidades de tratamento intensivo ..........................................................22
2.2.5.1.3 MELD na avaliação de cirróticos em lista de espera para
transplante hepático ...........................................................................................................................23
2.2.5.2 MELD e alocação de órgãos ............................................................................................................24
2.2.5.3 MELD e sobrevida após transplante hepático......................................................................25
2.2.5.4 Exceções no escore MELD ...............................................................................................................29
2.2.5.5 Variantes do escore MELD................................................................................................................31
2.2.5.5.1 Delta-MELD...........................................................................................................................................31
2.2.5.5.2 MELD-Na (Model for End-Stage Liver Disease With
Incorporation of Sodium) ..............................................................................................................32
2.2.5.5.3 iMELD (Integrated Model for End-Stage Liver Disease) ou
MELD integrado .................................................................................................................................33
2.2.5.5.4 Re-weighted MELD ou MELD atualizado .........................................................................33
2.2.5.5.5 ReFit MELD e ReFit MELDNa .................................................................................................34
ix
2.2.5.5.6 MELD-XI (Model for End-Stage Liver Disease excluindo RNI) .........................35
2.2.5.5.7 D-MELD (Produto da idade do doador pelo MELD pré-operatório)..........................35
2.2.5.6 Limitações do escore MELD e seus derivados....................................................................36
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA INTRODUÇÃO E DA
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................................................40
4 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................................................................55
5 OBJETIVOS..............................................................................................................................................................56
5.1 OBJETIVO GERAL ..........................................................................................................................................56
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .....................................................................................................................56
6 ARTIGO: Impacto da implantação do escore MELD na alocação de
fígados e nos resultados dos transplantes hepáticos: A
experiência de um centro brasileiro ...............................................................................58
RESUMO .............................................................................................................................................................58
ABSTRACT .......................................................................................................................................................59
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................60
PACIENTES E MÉTODOS.....................................................................................................................61
ANÁLISE ESTATÍSTICA.........................................................................................................................62
RESULTADOS................................................................................................................................................63
DISCUSSÃO ....................................................................................................................................................65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................................76
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS .................................................79
8 ANEXO 1 .....................................................................................................................................................................82
x
11
1 INTRODUÇÃO
Cirrose
é
definida
como
doença
hepática
crônica,
caracterizada
histologicamente pela presença de fibrose e formação de nódulos regenerativos
difusos que levam à desorganização angioarquitetural do parênquima hepático.1
Como resultado de dano tecidual crônico (viral, metabólico ou autoimune), ocorre
acúmulo progressivo de tecido fibrótico no fígado.
Os principais grupos de agentes etiológicos da cirrose podem ser
classificados em:
•
Metabólicos: secundários a erros inatos do metabolismo, acometendo
principalmente crianças e adultos jovens. São exemplos: doença de Wilson,
hemocromatose, deficiência de alfa-1-antitripsina, galactosemia e tirosinemia, dentre
outros.
•
Virais: compreendidos aqui o vírus da hepatite B, associado ou não ao
vírus delta, e o vírus da hepatite C.
•
Resultantes de esteato-hepatite não-alcoólica.
•
Secundários ao consumo de álcool.
•
Induzidos por toxinas e fármacos: metildopa, metotrexate e isoniazida,
dentre outros.
•
Autoimunes: consequência da história natural de hepatite autoimune.
•
Biliares: cirrose biliar primária, cirrose biliar secundária e colangite
esclerosante.
•
Decorrentes da obstrução do fluxo venoso hepático.
•
Criptogênicos: cerca de 10% dos casos de cirrose têm etiologia
desconhecida.2
Inicialmente, os pacientes não apresentam complicações clínicas, ou seja, a
cirrose é compensada. Nestes casos, a sobrevida média estimada é de nove anos,
podendo ser superior a doze anos caso os pacientes persistam compensados.3, 4
Com o passar do tempo, os pacientes apresentam complicações clínicas e
passam para a fase de cirrose descompensada, caracterizada pelo aparecimento de
complicações como hemorragia variceal, ascite, peritonite bacteriana espontânea,
12
encefalopatia hepática ou icterícia, cujas taxas variam de 5% a 7% ao ano.3-5 Dez
anos após o diagnóstico, a probabilidade de descompensação é de 60%.3-5 A
maioria das complicações está diretamente relacionada ao grau de hipertensão
portal, principalmente quando a pressão portal for superior a 10 mmHg.3-5
Estudo avaliando cirróticos observou que, na ocasião do diagnóstico, 37%
dos casos estavam clinicamente compensados e 63% apresentavam alguma
descompensação clínica.6 Dos pacientes com cirrose compensada, 70% estavam
completamente assintomáticos e os demais apresentavam queixas menores e
inespecíficas, como dispepsia e astenia.6 No grupo de pacientes descompensados,
o achado clínico mais frequente foi ascite, presente em 78% deles.6 Nos
compensados, a progressão para doença descompensada foi de 10% ao ano e a
sobrevida em seis anos de 54%, superior à dos pacientes descompensados que foi
de 21%. Nestes últimos, a taxa de mortalidade foi maior no primeiro ano, ao final do
qual apenas 60% dos pacientes permaneciam vivos.6 Em toda a coorte, a sobrevida
média em cinco anos foi de 40%. Uma vez desenvolvido o primeiro episódio de
descompensação, as complicações tendem a acumular-se e a expectativa de vida
se reduz marcadamente.6 A gravidade da doença fica bem explicitada pela
observação de que cirróticos, quando admitidos em unidades de tratamento
intensivo (UTI), apresentam mortalidade em curto prazo entre 49% e 89%.7, 8
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cirrose é a nona causa de
mortalidade entre 15-44 anos; a quinta causa entre 45-59 anos e a décima causa
nos maiores de 60 anos. O impacto da doença está aumentando e a OMS prevê
que, em 2015, cirrose será a nona causa de morte no mundo ocidental.9 Desta
forma, a monitorização da progressão da doença hepática é necessária, pois tem
papel importante em seu manejo, avaliação e aplicação das medidas terapêuticas
bem como na predição de complicações e morte.
Aí reside o desafio do hepatologista da atualidade: aperfeiçoar o manejo
clínico de uma população para a qual o único tratamento definitivo é o transplante
hepático (TxH).
Transplante hepático é um tratamento muito bem sucedido, com taxas de
sobrevida de 86,9% em um ano e de 73,4% em cinco anos nos Estados Unidos e de
81% e 62% na Europa, respectivamente.10, 11
13
No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos
(ABTO), de janeiro de 2010 a março de 2011, a taxa de sobrevida dos pacientes
após TxH foi de 75% em cerca de 450 dias nos 1.442 transplantes realizados, sendo
1.324 com doadores falecidos.12
No Rio Grande do Sul, na experiência do Grupo de Transplante Hepático da
Santa Casa de Porto Alegre, a sobrevida em um ano foi de 81,1% e de 61% em 14
anos, em média, utilizando doadores falecidos.13
Além de prolongar a vida, o transplante hepático também objetiva melhorar a
qualidade de vida dos pacientes, o que tem sido conseguido, segundo resultados de
metanálise publicada no final da década de 1990.14 É importante também considerar
que os benefícios do transplante hepático não devem ser avaliados apenas pelo
aumento da sobrevida e da qualidade de vida daqueles que se submetem ao
procedimento. De fato, a necessidade de manter os pacientes em lista vivos até o
transplante teve como consequências avanços no manejo clínico de pacientes
também
fora
de
lista
de
transplante,
sendo
exemplos
as
terapêuticas
intervencionistas locais para tratamento do hepatocarcinoma, o manejo da
hemorragia digestiva, o tratamento de intercorrências infecciosas, o uso de terapia
dialítica e as internações em UTI, dentre outros.
Nos seus primórdios, o transplante era considerado um procedimento
experimental para o qual havia poucos candidatos. O critério para seleção de
doadores era o de morte cardiopulmonar. Como não se dispunha de meios para
preservação do órgão, eram transplantados pacientes internados nos mesmos
centros de transplante ou em hospitais próximos. Desta forma, não havia problema
relacionado à alocação de órgãos. A percepção pela comunidade médica e pela
população dos avanços obtidos nas últimas décadas nos resultados do transplante
hepático resultou em que mais pacientes são referendados para lista de espera.
Como o número de doadores não aumentou na mesma proporção, ocorreu um
enorme desequilíbrio entre o baixo número de órgãos disponíveis para a realização
dos transplantes e o elevado número de enfermos que necessitam de transplante
hepático. Por exemplo, em janeiro de 2005, no Brasil, havia 6.288 pacientes em lista
de espera para transplante hepático, sendo que nesse ano foram realizados apenas
956 procedimentos.15
14
Nos Estados Unidos, em 2009, havia cerca de 16.000 candidatos em lista de
espera, número muito superior aos 5.000 transplantes realizados nesse mesmo
ano.10, 16 Em 2010, foram realizados 6.291 transplantes hepáticos, sendo 6.009 com
doadores falecidos.17
Na Europa e nos Estados Unidos, atingiu-se um platô com realização de
cerca de 5.000 a 6.000 transplantes/ano.10, 11 No Brasil, na última década, houve um
significativo aumento no número de transplantes hepáticos, que passou de 204 em
1996 para 1.334 em 2009 e para 1.413 em 2010. No período de janeiro a março de
2011, foram realizados 288 transplantes, sendo 21 deles no Rio Grande do Sul.12, 18
Uma das consequências da desproporção entre a oferta e a demanda de
órgãos é a alta taxa de mortalidade em lista de espera para transplante. Para tentar
minimizar o problema, em 1998, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos expediu
um mandato definindo que os fígados de doadores falecidos deveriam ser alocados
com base na gravidade da doença hepática e no risco de mortalidade, com menor
ênfase no tempo de espera em lista.19 Nessa época, o escore de Child-TurcottePugh (CTP) foi adotado como sistema de priorização para alocação de órgãos.20
Como os pacientes eram subdivididos em apenas três categorias de gravidade,
ainda assim o tempo de espera em lista era fator determinante para diferenciar tais
pacientes.20 Desta forma, ficou claro que o escore CTP não era adequado para
ordenar os pacientes em lista de espera. Assim, em fevereiro de 2002, foi adotado,
nos Estados Unidos, um novo modelo prognóstico de gravidade − o escore MELD
(Model for End-Stage Liver Disease) − como sistema de priorização em lista de
espera para transplante hepático. O escore MELD é calculado com os resultados de
três exames objetivos e reproduzíveis: bilirrubina total, creatinina e RNI (razão
normatizada internacional) do tempo de protrombina,21-23 e estima bastante bem a
mortalidade de pacientes com hepatopatia crônica por diferentes etiologias. Seu uso,
nos Estados Unidos, como estratégia de ordenamento da lista de espera conseguiu
reduzir a mortalidade em lista de espera, sem diminuir a sobrevida pós-transplante.24
No Brasil, o escore MELD foi adotado pelo SNT (Sistema Nacional de
Transplantes) como critério para alocação de órgãos em maio de 2006, com efetiva
implantação em julho do mesmo ano.25 No entanto, ainda não há informações
consolidadas sobre o impacto da introdução desse escore na alocação de enxertos
no país e na mortalidade dos pacientes após transplante hepático.
15
2 REVISÃO DA LITERATURA
Nesta revisão bibliográfica serão analisados os escores prognósticos
empregados para estimar a gravidade da hepatopatia crônica bem como seu
emprego na alocação de enxertos de doadores falecidos. Será dada ênfase ao
escore MELD como preditor de mortalidade de pacientes adultos tanto em lista de
espera para transplante hepático quanto após o procedimento. Serão analisados
aspectos gerais do escore, suas vantagens, desvantagens, limitações e possíveis
modificações para um melhor desempenho na alocação de órgãos.
2.1 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS
Os modelos prognósticos são ferramentas úteis para estimar a gravidade das
doenças bem como a sobrevida dos pacientes, sendo utilizados para definir as
intervenções terapêuticas específicas mais adequadas.26 Esses modelos são
desenvolvidos para avaliar o efeito das variáveis de interesse em desfechos
específicos como, por exemplo, mortalidade.
Diversos modelos prognósticos vêm sendo aplicados na prática médica.
Alguns direcionados à avaliação do estado geral de saúde do paciente, como o
APACHE III (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation System), e outros são
mais especificamente relacionados a determinadas doenças.
2.2 MODELOS E ESCORES PROGNÓSTICOS EM HEPATOPATIA CRÔNICA E
EM TRANSPLANTE HEPÁTICO
A necessidade de diferenciar o grupo de pacientes hepatopatas, bem como
de indicar procedimentos terapêuticos com segurança e estabelecer prognóstico da
enfermidade e suas complicações, tornou necessária a aplicação de modelos
prognósticos na avaliação dos cirróticos.26
16
O escore ideal para predizer o prognóstico de hepatopatas crônicos e ser
amplamente utilizado deveria ter os seguintes atributos: variáveis objetivas,
facilmente reproduzíveis e relevantes na história natural da enfermidade em estudo,
bem como aplicabilidade em grupos heterogêneos de cirróticos, capacidade para
distinguir gravidade de doença em um contínuo e ser validado em diversos
subgrupos de pacientes com doença hepática crônica.26
Os dois modelos mais comumente utilizados no cuidado de hepatopatas
crônicos são o CTP e o mais recentemente descrito, o MELD.26
2.2.1 Classificação de Child-Turcotte-Pugh
A classificação de Child-Turcotte foi um dos primeiros sistemas de
estratificação de risco na avaliação de cirróticos. Inicialmente descrito para predizer
o desfecho dos pacientes submetidos à cirurgia para hipertensão portal, foi criado de
forma empírica, incorporando os seguintes parâmetros: albumina sérica, bilirrubina
sérica, estado nutricional, ascite e encefalopatia hepática.27 Seu principal
inconveniente foi a falta de objetividade de algumas das variáveis em estudo. Desta
forma, em 1972, Pugh et al.28 substituíram o estado nutricional pela avaliação do
tempo de protrombina, expresso em segundos, o que tornou CTP um pouco mais
objetivo.
Cada um dos cinco parâmetros em estudo recebe de 1 a 3 pontos cuja soma
perfaz o valor total do escore que varia entre cinco e quinze pontos. Os pacientes
são subclassificados em três grupos: A (5 a 6 pontos), B (7 a 9 pontos) e C (acima
de 9 pontos).28 A classificação CTP foi muito utilizada em estudos descritivos e em
ensaios clínicos, considerada como bom índice prognóstico de sobrevivência, sendo
validada e consolidada nos anos 1980 e 1990.26
Estudo de revisão apontou que o escore CTP é bom preditor de desfecho em
pacientes com complicações relacionadas à hipertensão portal − presença de ascite,
ruptura de varizes esofágicas −, descompensações de cirrose por hepatite C, cirrose
biliar primária, cirrose alcoólica, colangite esclerosante e síndrome de Budd-Chiari.
Ademais, é útil para avaliar o risco de ressecção cirúrgica de hepatocarcinoma e
cirurgias não hepáticas.29
17
Apesar das diversas limitações, como uso de variáveis subjetivas, escolha
empírica dos valores de corte em cada categoria e pouca capacidade discriminatória
devido a pontuações com limites inferiores e superiores definidos (efeito teto), desde
1997 esta classificação vinha sendo utilizada na alocação de órgãos em TxH.26, 29
2.2.2 Classificação de Child-Turcotte-Pugh modificada
Huo et al. propuseram redefinir o escore de CTP e avaliar sua capacidade
para predizer mortalidade em pacientes cirróticos. O estudo consistiu na criação de
uma classe D: albumina < 2,3 g/dl, bilirrubina > 8 mg/dl e tempo de protrombina > 11
segundos. Ele foi comparado ao CTP convencional e ao escore MELD, utilizando
como desfecho mortalidade em três e seis meses. A área sob a curva aos três e seis
meses foi de 0,89/0,89 para o CTP modificado, de 0,87/0,83 para o MELD e de
0,80/0,75 para o CTP original, respectivamente. O CTP modificado apresentou
melhor capacidade de predição de mortalidade em cirróticos do que o CTP original e
foi pelo menos semelhante ao escore MELD. Assim, o CTP modificado pode ser
considerado um modelo capaz de predizer mortalidade a curto e médio prazo em
pacientes cirróticos.30
2.2.3 Modelo da Universidade de Emory
Com o objetivo de criar novos modelos prognósticos para avaliação de
cirróticos, a Universidade de Emory desenvolveu um escore para predição da
sobrevida
dos
pacientes
submetidos
ao
TIPS
(Transjugular
Intrahepatic
Portosystemic Shunt), que incluía TGP (alaninoaminotransferase), bilirrubina e
encefalopatia hepática pré-TIPS. Um ponto é atribuído para cada item se:
TGP > 100 U/l, bilirrubina > 3 mg/dl e encefalopatia pré-TIPS não relacionada a
sangramento. Dois pontos são atribuídos à necessidade de realização de TIPS de
urgência por sangramento variceal. A soma da pontuação atribui o risco individual de
cada paciente: alto risco entre quatro e cinco pontos, risco moderado entre um e três
pontos e baixo risco quando sem pontos.31
18
Schepke et al.32 compararam o potencial preditor de cada um dos três
escores MELD, CTP e Emory, em hepatopatas submetidos à colocação de TIPS. O
MELD foi superior ao Emory, mas apenas discretamente melhor do que o CTP como
preditor de sobrevivência a longo prazo.
2.2.4 Escore EMERALD (Erasmus Model for End-Stage Resistant-to-Therapy All
Etiology Liver Disease)
O escore EMERALD foi criado na Holanda, com intuito o de predizer a
mortalidade de pacientes em lista de espera para transplante hepático e estabelecer
prioridades na alocação de órgãos.33, 34 Sua fórmula inclui como variáveis creatinina
sérica e níveis de bilirrubina total:
10,1 ln (ln (bilirrubina em µmol/l)) + 8, 9 ln (ln creatinina em µmol/l)
A avaliação inicial sugere que tanto o EMERALD quanto o MELD apresentam
adequada capacidade preditora de mortalidade em três meses nos pacientes
listados para transplante hepático, com uma estatística-c de, respectivamente, 0,85
e 0,86.33 A grande vantagem deste escore é a de não empregar em seu cálculo a
RNI, cuja utilização no MELD é motivo de críticas.
2.2.5 Escore MELD (Model for End-Stage Liver Disease)
O MELD é utilizado para avaliação das doenças hepáticas crônicas e foi
desenvolvido prospectivamente e validado para predizer a mortalidade de pacientes
cirróticos, sendo calculado da seguinte forma:21, 35
MELD: 3,8 (Ln bilirrubina sérica mg/dl) + 11,2 (Ln RNI) + 9,6 (Ln creatinina sérica mg/dl) + 6,4
O modelo original é um sistema numérico contínuo com escores variando de
valores negativos a valores positivos infinitos, sendo que escores mais elevados
denotam maior mortalidade.21,
35
Na prática clínica, a maioria dos pacientes tem
19
escores entre 0 e 60.16 Como a presença de escores negativos seria capaz de criar
confusão para os pacientes, que poderiam entender que um valor negativo indicaria
risco de morte e não maior sobrevida, a UNOS (United Network for Organ Sharing)
efetuou pequenas mudanças no cálculo do escore.16 Assim, valores de creatinina,
bilirrubina e tempo de protrombina inferiores a um são arredondados para um, sendo
seis o valor mínimo do MELD.16 No intuito de evitar o favorecimento de pacientes
com doença renal intrínseca, o valor máximo de creatinina utilizado no cálculo de
escore MELD é de quatro, sendo o mesmo atribuído para os pacientes em terapia
dialítica.16 A pontuação máxima do escore considerado para alocação de órgãos
pela UNOS é de 40 e, como regra geral, os pacientes com escores mais elevados
têm seus valores atualizados com maior frequência.16
O inicialmente chamado Maio End-Stage Liver Disease foi criado em 2000
utilizando dados de uma população de 231 pacientes cirróticos oriundos de quatro
centros norte-americanos submetidos eletivamente à colocação de TIPS.35 Destes,
110 morreram no seguimento, sendo que 70% das mortes ocorreram durante os três
primeiros meses.35 Usando o modelo de azares proporcionais de Cox, foi possível
identificar que bilirrubina, creatinina, RNI do tempo de protrombina e etiologia da
doença hepática foram preditores de sobrevida três meses pós-procedimento.35
Posteriormente, o escore foi validado em população independente de pacientes
holandeses também submetidos ao TIPS.22
Estudos subsequentes confirmaram a capacidade do escore MELD de
predizer a sobrevida dos pacientes cirróticos submetidos ao TIPS.32, 36-39 Entretanto,
em apenas um estudo, o MELD foi superior ao CTP, apresentando nos demais
trabalhos desempenho semelhante.36 A sobrevida dos pacientes submetidos ao
TIPS depende, fundamentalmente, da gravidade da doença hepática subjacente.22
Assim sendo, foi testada a hipótese de que o escore poderia indicar o prognóstico de
pacientes
com
doenças
hepáticas
de
etiologia
e
gravidade
diferentes,
independentemente do fato de necessitarem, ou não, de TIPS.22
Neste sentido, foi realizado estudo com distintas populações de cirróticos não
submetidos ao TIPS (n = 2.278) para avaliar a acurácia do agora chamado MELD
(Model for End-Stage Liver Disease).22 Quatro populações independentes foram
avaliadas: cirróticos internados na Clínica Mayo por descompensação da doença,
pacientes ambulatoriais com doença hepática não colestática atendidos em
Palermo, Itália, pacientes com cirrose biliar primária atendidos em ambulatórios da
20
Clínica Mayo e, finalmente, uma coorte histórica (1984-1988) de pacientes cirróticos
não selecionados da mesma clínica e avaliados em período no qual não havia
transplante hepático disponível.40-43 Constituíram critérios de exclusão do estudo:
diagnóstico de hepatocarcinoma, uso recente de álcool, doença renal intrínseca e
sepse.22
O escore MELD foi preditor acurado de sobrevida em três meses nos quatro
grupos de pacientes, com estatística-c de 0,87 para pacientes internados, de 0,80
para pacientes ambulatoriais, de 0,87 para pacientes com cirrose biliar primária e de
0,78 para a coorte histórica.22 A estatística-c, equivalente à área sob a curva ROC
(Receiver Operating Characteristic), indica a probabilidade de que, entre pacientes
escolhidos de forma aleatória, aqueles com escore MELD mais elevados tenham
maior probabilidade de morrer, em três meses, do que os com escores inferiores. A
estatística-c com valor 1 corresponde a acurácia perfeita. Resultado acima de 0,7
indica que o teste tem utilidade clínica. Quando superior a 0,8, há excelente
acurácia. Desta forma, uma estatística-c de 0,8 significa que, em oito de dez vezes,
um paciente com escore MELD mais elevado tem maior probabilidade de morrer em
três meses do que pacientes com escores inferiores. Valores iguais ou inferiores a
0,5 indicam que o resultado pode dever-se ao acaso.44
A inclusão da etiologia da doença hepática no escore MELD adicionou
algumas dificuldades, como no caso dos pacientes com múltiplas causas de
hepatopatia (por exemplo, álcool associado a hepatite viral). A modificação do
escore com a exclusão dos fatores etiológicos não alterou significativamente a
acurácia em predizer a sobrevida em três meses.45
A adição ao escore de complicações relativas à hipertensão portal, como
ascite, encefalopatia, sangramento de varizes e peritonite bacteriana espontânea,
não aumentou sua acurácia.22, 45 Provavelmente, tais condições estão associadas à
maior gravidade da doença hepática, já contemplada pelo escore.
2.2.5.1 MELD e pacientes cirróticos
As doenças hepáticas terminais são responsáveis por mais de 75.000 mortes
ao ano nos Estados Unidos e são a sexta causa mais comum de morte em
americanos entre 45 e 54 anos de idade.46
21
No Brasil, em 2002, a taxa de óbitos por cirrose na população,
correspondente aos códigos K70.3 (cirrose hepática alcoólica), K74.3 (cirrose biliar
primária), K74.4 (cirrose biliar secundária) K74.5 (cirrose biliar sem outra
especificação) e K74.6 (outras formas de cirrose hepática e as não especificadas) do
CID-10 (Código Internacional de Doenças), atingiu 7,75/100 mil habitantes, enquanto
que, no Rio Grande do Sul, foi de 11,21/100 mil habitantes, a maior dentre os
estados, comprometendo principalmente homens e pessoas com 60 anos ou mais.47
Dados de 2007 revelam que os códigos K74.0 (cirrose e fibrose hepáticas) e K70.0
(doença alcoólica do fígado) representaram 0,9% e 0,85% das mortes, totalizando
1,75% dos registros de óbito. Em nosso estado, tais códigos representaram 1,6%
dos registros no ano de 2006.47
Pacientes com cirrose descompensada têm sobrevida limitada e o transplante
hepático é o único tratamento definitivo para prolongar a vida destes doentes.30
A sobrevida em três meses dos 282 pacientes cirróticos internados na Clínica
Mayo entre 1994 e 1999 por descompensação clínica foi avaliada pelos escores
MELD e CTP com estatística-c48 de 0,87 e 0,84, respectivamente.22, 45 O MELD foi
pelo menos igual ao CTP na predição da mortalidade dos cirróticos além de possuir
a vantagem de utilizar variáveis objetivas, reproduzíveis e facilmente disponíveis.45
Revisão de 118 estudos avaliando a história natural e os fatores prognósticos
de sobrevivência em cirróticos evidenciaram que os escores MELD e CTP são
reconhecidos preditores de sobrevida a longo prazo de pacientes com doença
descompensada.4,
49, 50
Estudo europeu que avaliou uma coorte de 129 cirróticos
com seguimento de um ano concluiu que o escore MELD é excelente preditor de
sobrevida a curto e médio prazo e que seu desempenho é no mínimo equivalente ao
do CTP.51 Ademais, escores MELD mais elevados relacionam-se diretamente com
função hepática mais pobre.51
2.2.5.1.1 MELD na avaliação pré-operatória de pacientes cirróticos
Os pacientes cirróticos representam uma população de maior risco
perioperatório, independentemente do tipo de procedimento em questão, com
mortalidade intra-hospitalar entre 10% a 20%.29, 52, 53 A elevada mortalidade deve-se
à descompensação da cirrose, principalmente após cirurgias abdominais, e ao risco
22
aumentado de infecções bacterianas.29 Neste contexto, os marcadores prognósticos
têm papel importante na decisão terapêutica a ser proposta.
O escore CTP é utilizado há mais de duas décadas na seleção de pacientes
cirróticos candidatos a procedimentos cirúrgicos. Mais recentemente, o escore
MELD ganhou espaço na predição de mortalidade cirúrgica, não relacionada a
transplante hepático.52 Os resultados são relativamente bons: para escores
inferiores a 20, o acréscimo de um ponto aumenta o risco de mortalidade em 1%.52
Escores MELD superiores a 20 apresentam um aumento de 2% nas taxas de
mortalidade, para cada ponto acrescido.52
Em relação ao tipo de procedimento, as cirurgias intra-abdominais
apresentam maior mortalidade, com taxas de até 25%.29 A estatística-c do escore
MELD para predizer mortalidade em 30 dias é de 0,72 na população cirrótica
submetida a procedimentos cirúrgicos em geral e de 0,8 quando considerado
somente o subgrupo de procedimentos abdominais.29, 54
O risco de descompensação grave com insuficiência hepática aguda após
hepatectomia deve ser antevisto. Foi demonstrado que a persistência de níveis de
protrombina abaixo de 50% (RNI em torno de 1,7) e aumento nos níveis de
bilirrubina acima de 50 µmol/L no quinto dia de pós-operatório estão associados com
risco de mortalidade precoce de 60%.55
2.2.5.1.2 MELD na avaliação de cirróticos gravemente enfermos ou internados em
unidade de tratamento intensivo
O prognóstico de pacientes cirróticos internados em unidades de cuidados
intensivos é geralmente muito ruim, principalmente em se tratando de falência
múltipla de órgãos.29, 49, 56 Estudo realizando análise multivariada demonstrou que
pacientes cirróticos Child C, com necessidade de ventilação mecânica e com
disfunção renal com valores de creatinina sérica maiores que 1,3 mg/dl apresentam
sobrevida de 2% nas primeiras 72 horas após internação em unidade de tratamento
intensivo.57 Neste contexto, a capacidade de predizer a mortalidade deste grupo de
pacientes é útil no sentido de aperfeiçoar a utilização de recursos visto que o manejo
agressivo não está indicado para todos os pacientes cirróticos gravemente
enfermos.29
23
Cholongitas et al.8 avaliaram taxas de mortalidade em seis semanas de 312
pacientes cirróticos com média de idade de 49,6 anos com insuficiência respiratória
como a principal causa de transferência para unidades de tratamento intensivo. Os
pacientes com três ou mais falências orgânicas apresentaram taxas de mortalidade
de 90%. O escore SOFA58 (Sequential Organ Failure Assessment) teve o melhor
valor preditivo com estatística-c de 0,83 quando comparado com APACHE II (Acute
Physiology and Chronic Health Evaluation System)59 e CTP (0,78 e 0,72,
respectivamente). Esse trabalho avaliou pela primeira vez o escore MELD em
pacientes cirróticos internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva), sendo a
estatística-c deste escore de 0,81, similar ao do SOFA e superior ao do APACHE II.
A semelhança na capacidade preditora entre os escores MELD e SOFA pode ser
parcialmente explicada pela presença de variáveis comuns entre eles, como
bilirrubina e creatinina. Além disso, ambos constituem-se de variáveis relacionadas
com mais de uma falência orgânica, por exemplo: hepática e renal.8
Cholongitas et al.60 compilaram 21 estudos publicados nos últimos 20 anos,
com o objetivo de comparar os modelos prognósticos gerais de unidades de
tratamento intensivo (APACHE II e III, SOFA e OSF − Organ System Failure) com os
modelos prognósticos relacionados à doença hepática (MELD e CTP). Os modelos
prognósticos gerais de intensivismo foram melhores preditores de mortalidade do
que o CTP.60 O escore MELD foi avaliado em apenas um estudo, mas demonstrou
boa capacidade discriminatória, com estatística-c de 0,81. Os escores que avaliam
disfunções orgânicas (OSF e SOFA) foram superiores quando comparados com
APACHE II e III (área sob a curva entre 0,83-0,94 vs 0,66-0,88, respectivamente).60
2.2.5.1.3 MELD na avaliação de cirróticos em lista de espera para transplante
hepático
Estudo retrospectivo avaliou a capacidade do MELD em predizer a
mortalidade em três meses de 311 pacientes incluídos em lista de espera nos
Estados Unidos, entre novembro de 1999 e junho de 2000. A área sob a curva do
escore MELD foi de 0,82, sugerindo que sua adoção como critério para alocação de
órgãos poderia ter impacto significativo na redução do número de mortes de
pacientes em lista de espera para transplante hepático.62 Outros trabalhos norte-
24
americanos também observaram o benefício da implantação do MELD na predição
da mortalidade em lista de espera para transplante hepático.23,
63, 64
Estudos
comparando a acurácia dos escores CTP e MELD como preditores de sobrevida em
cirróticos em lista de espera para transplante hepático demonstraram pelo menos
equivalência, se não superioridade do MELD.23,
51, 62, 66-82
Embora sem diferença
estatisticamente significativa, estudo de Gotthardt et al.,83 identificou o escore CTP
como melhor preditor de descompensação da doença hepática e de mortalidade em
lista de espera para transplante hepático em relação ao escore MELD (estatística-c
de 0,73 e 0,68, p = 0,091).
A acurácia do modelo MELD em predizer mortalidade nos pacientes em lista
de transplante hepático foi validada também em outros países, como Espanha,66
Inglaterra,67 Canadá,68 Brasil,69 Israel,70, 71 Lituânia72 e Austrália.84
2.2.5.2 MELD e alocação de órgãos
Tendo sido demonstrada a acurácia do MELD em predizer mortalidade em
três meses de pacientes em lista de espera para transplante hepático e por ter ele
incorporado três parâmetros laboratoriais (creatinina, bilirrubina total e RNI) sendo,
portanto, objetivo, foi escolhido para ordenar pacientes na lista de espera nos
Estados Unidos em 2002 e, no Brasil, em 2006. Desta forma, com a adoção do
escore MELD, instituiu-se a política de transplantar os pacientes mais gravemente
enfermos em primeiro lugar.
Estudo utilizando a base de dados UNOS comparou os desfechos em um ano
do transplante hepático com doadores falecidos realizados em dois períodos, antes
e depois da era MELD. Na era pós-MELD, houve diminuição de 3,5% das mortes em
lista de espera, aumento de 10,2% no número de transplantes com doador falecido e
redução de 12,0% no de pacientes incluídos em lista de espera, em comparação à
era pré-MELD.24
Três anos mais tarde, um estudo prospectivo realizado nos Estados Unidos
com informações extraídas da base de dados UNOS mostrou que o escore MELD foi
capaz de prever 83% dos óbitos de pacientes em lista de espera para transplante
hepático.65 Diversos estudos relataram a redução no tempo de espera para o
transplante hepático,24,
64, 84-89, 90-93
bem como a diminuição de pacientes excluídos
25
de lista por progressão da doença hepática de base.23,
24, 49, 63, 86, 89, 90, 91
A
implantação do escore MELD não somente diminuiu o tempo de espera em lista e a
exclusão de pacientes, como também reduziu a mortalidade em lista de
transplante.24, 73, 92-94
Contudo, na era pós-MELD, as mulheres apresentam maior mortalidade em
lista de espera e maiores chances de exclusão de lista por progressão da doença de
base bem como menores taxas de transplante.95 Provavelmente, estes achados se
devem aos menores valores de creatinina apresentados pelas mulheres, o que pode
desfavorecê-las neste sistema de alocação.
Apesar de ainda não haver escore perfeito para definir a alocação de órgãos
no transplante hepático, os critérios objetivos que compõem o escore MELD levaram
à sua ampla adoção como preditor de mortalidade em pacientes hepatopatas
crônicos candidatos a transplante hepático.
2.2.5.3 MELD e sobrevida após transplante hepático
Alguns componentes do escore MELD foram descritos como preditores de
mortalidade pós-transplante há mais ou menos 20 anos,96-98 em particular, a
disfunção renal − expressa pela creatinina sérica. Assim, foi avaliado se o MELD
poderia ser uma ferramenta útil para estimar o benefício de sobrevida trazido pelo
transplante, ou seja, a diferença de sobrevida para um determinado paciente se
submetido ou não ao transplante.
Após a adoção do MELD como critério para alocação de órgãos, observou-se
que os homens continuaram perfazendo a maioria dos transplantados e que a média
de idade permaneceu a mesma tanto na era pré quanto na era pós-MELD,24, 73, 85, 90
93, 99
e que houve aumento significativo de transplantes em pacientes com
hepatocarcinoma, o que mais adiante será enfatizado no tópico “Exceções do
Escore MELD”.24, 65, 73, 85, 90, 93, 99
Estudos de Freeman et al.,24 Ahmad et al.,65 Ravaioli et al.73 e Kanwal et al.90
demonstraram que, na era pós-MELD, os pacientes transplantados apresentavam
maiores escores, o que, inicialmente, denotaria maior gravidade. De Freitas et al.,99
no Brasil, apontaram que na era pós-MELD pacientes sem carcinoma hepatocelular
26
foram transplantados com escores significativamente maiores do que os da era préMELD (15,8 versus 18,2 − p = 0,03, respectivamente).
Assim, resta a seguinte questão: a decisão de transplantar pacientes mais
gravemente enfermos comprometeria a sobrevida após transplante?
Vários trabalhos observaram que a mortalidade precoce (até 90 dias) não foi
alterada com a implantação do MELD.23, 24, 64, 65, 81, 87, 88, 99-101 A sobrevida em seis e
oito meses foi avaliada, respectivamente, por Austin et al.92 e por Sachdev et al.93
que não registraram diferença significativa na mortalidade após transplante na era
pós-MELD, sendo que no estudo de Sachdev et al.93 houve tendência à maior
sobrevida em oito meses no grupo pós-MELD. A sobrevida em um ano após
transplante foi similar nas eras pré e pós-MELD nos estudos de Ravaioli et al.,73
Freitas et al.,88 Kanwal et al.,90 Gish et al.,102 Brown et al.103 e Teixeira et al.104 Da
mesma forma, não houve diferença na sobrevida em dois anos em ambos os grupos
nos trabalhos de Ravaioli et al.73 e Davis et al.105
Em editorial, Ferraz-Neto et al.106 comenta não haver alteração na sobrevida
dos transplantados após instituição do escore MELD, embora 30,1% dos
transplantados apresentassem escore MELD ≥ 30. Esse mesmo autor, em outro
artigo, observou não haver diferença na sobrevida em 30 dias, no tempo de
internação total e em unidade de tratamento intensivo, na necessidade de transfusão
transoperatória e nas taxas de retransplante entre pacientes divididos em grupos de
MELD acima ou abaixo de 30.107
Na experiência de Yoo et al.,108 a introdução do escore MELD para
priorização na alocação de órgãos não reduziu a sobrevida em até dez meses póstransplante, embora os pacientes com escore MELD igual ou superior a 30 tenham
apresentado desfecho relativamente pior. Em concordância, estudo de Monteiro et
al., no Brasil, verificou não haver diferença significativa na sobrevida em 12 e 18
meses após a implantação do MELD, embora transplantados com escores mais
elevados também apresentem redução de sobrevida.109 Em análise multivariada,
Menon et al.110 descreveram que idade do paciente, doença hepática de base e
necessidade de hemodiálise são preditores independentes de mortalidade após
transplante, o mesmo não ocorrendo com o escore MELD. Silberhumer et al.,111
Martin et al.112 e Colmenero et al.,113 apesar de identificarem o MELD como preditor
de mortalidade em lista de espera para transplante, também não confirmaram o
papel desse escore como preditor de mortalidade após transplante. Santoyo et al.114
27
avaliaram a mortalidade em 1, 5 e 8 anos após transplante, não havendo diferença
entre os subgrupos de MELD (< 10, 10 a 18 e > 18 pontos). Quando avaliada a
mortalidade precoce após transplante, também não houve diferença significativa
entre os três grupos.114
Entretanto, há estudos que demonstraram maior risco de morte em pacientes
transplantados com escores MELD mais elevados. Kim et al.115 constataram
mortalidade de 5% em pacientes com escore MELD inferior a 10 e de 26% em
pacientes com escores superiores a 40. Em dois estudos, Onaca et al.116,
117
avaliaram pacientes transplantados estratificando-os em três grupos conforme os
valores do MELD pré-transplante, sendo que a sobrevida no grupo de pacientes com
escores mais elevados (MELD ≥ 25) foi menor aos 3,6, 12, 18 e 24 meses póstransplante.
Foi verificado que os pacientes com escore MELD abaixo de 15 apresentam
maior risco relativo de mortalidade após transplante quando comparados com
pacientes com escores semelhantes que permaneceram em lista de espera ao longo
de um ano. Os valores entre 15 e 17 representam um ponto de transição.118
Pacientes com escores a partir de 18 mostraram benefício progressivamente maior
com a realização do transplante, até um escore máximo de 40.119 Assim, os
pacientes com maior risco teórico de mortalidade pré-transplante apresentaram
maior benefício na sobrevida após transplante.118
Diversos autores tentaram definir um ponto de corte a partir do qual a
sobrevida fosse significativamente reduzida nos pós-transplante, a ponto de
considerar o transplante como medida fútil, mas aparentemente não houve
consenso.119 Saab et al.120 observou maior mortalidade um ano após transplante nos
pacientes com escore MELD igual ou superior a 24. Yoo e Thuluvath108 descreveram
sobrevida significativamente menor nos pacientes transplantados com escores
MELD igual ou superior a 30. Estudo avaliando pacientes do Reino Unido e Irlanda
evidenciou que o escore MELD não foi bom preditor de sobrevida em três meses
sendo que apenas os pacientes com escore MELD igual ou superior a 36 tiveram
mortalidade significativa quando comparados aos com escores menores.88
Island et al.121 confirmaram que pacientes com MELD igual ou superior a 30
apresentaram maior mortalidade em 12
meses
após
transplante
quando
comparados com pacientes com escore menor que 30.121 Estudos de Habib et al.,122,
123
que avaliaram 1.472 pacientes após transplante, descreveram que escores
28
MELD pré-transplante superiores ou iguais a 26 associam-se com menor sobrevida
a curto e longo prazo. Freeman et al.124 relataram pequena, mas significativa,
redução na sobrevida dos receptores mais gravemente enfermos, com MELD
superior a 35. Estudo alemão registrou maior mortalidade após transplante na era
pós-MELD, principalmente em pacientes com escores superiores a 30.125 Dois
estudos brasileiros de Brandão et al.13 e Boin et al.126 avaliaram o escore MELD
como preditor de sobrevida após transplante e evidenciaram maior mortalidade em
pacientes com escores mais elevados, com pontos de corte 21 e 25,
respectivamente. Em Singapura, os escores mais elevados relacionaram-se com
maior mortalidade aos seis meses após transplante, o que não se manteve aos 12
meses.127 Estudo suíço com análise retrospectiva de 144 transplantes constatou que
escores MELD iguais ou superiores a 23 estão relacionados com maior morbidade e
maior tempo de permanência em UTI sem, no entanto, comprometer a sobrevida
dos pacientes.128 Na Itália, Siniscalchi et al.129 também descreveram a ligação entre
os valores do MELD e o tempo de permanência em UTI, internação hospitalar,
complicações pós-operatórias e mortalidade. Trabalho chinês relatou que pacientes
com escore MELD acima de 25 apresentam complicações pós-operatórias com
maior frequência e maior mortalidade após transplante.130 Gambato et al.131 também
verificaram que pacientes com escore MELD acima de 25 apresentaram maior
mortalidade após transplante. Após a implantação do escore MELD para alocação
de órgãos, apesar da diminuição de 10% da mortalidade em lista de espera,
Schlitt132 observou diminuição na sobrevida um ano após transplante de 90% para
menos de 80%, devido principalmente aos transplantes em pacientes com escores
acima de 30.
Trabalho chinês com 117 pacientes transplantados, com seguimento médio
de 90 semanas, evidenciou taxas de mortalidade em três meses e um ano
progressivamente maiores conforme o aumento do escore MELD, sendo esta
significativamente mais alta nos pacientes com MELD superior a 38.133 Em
Singapura, escore MELD acima de 32 relacionou-se com pior sobrevida nos seis
meses após transplante.134
Em resumo, há evidências de que pacientes transplantados com escores
mais altos, com valores oscilando entre 21 e 38, apresentam maior mortalidade pósoperatória. Por outro lado, há que considerar que os pacientes transplantados com
escores mais altos são os que obtêm maior benefício com o TxH, com taxas de
29
sobrevida em um ano pós-transplante superiores às de pacientes com mesmos
escores e não transplantados.124
Apesar dos piores desfechos em pacientes transplantados com escores
maiores, não foi possível definir um ponto de corte a partir do qual o transplante
deve ser desencorajado e o paciente retirado de lista.119, 135
Não havendo consenso sobre o escore MELD máximo para inclusão de
pacientes em lista de transplante, haverá escore mínimo ideal para tal?
Como já informado, pacientes com escore MELD abaixo de 15 apresentaram
maior risco relativo de mortalidade após transplante quando comparados com
pacientes com escores semelhantes que permaneceram em lista de espera ao longo
de um ano, representando os escores entre 15 e 17 um ponto de transição,118
enquanto, que aqueles com escores a partir de 18 mostraram benefício
progressivamente maior com a realização do transplante, até um escore máximo de
40.119 Ravaioli et al.136 observaram benefício do transplante hepático em pacientes
sem carcinoma hepatocelular e escores MELD iguais ou superiores a 20; para
escores inferiores, o benefício do procedimento ocorreu apenas em pacientes com
carcinoma hepatocelular.136 Adler et al.137 sugerem escore MELD de 16 como ponto
de corte para priorização em lista de espera, ao passo que Perkins et al.138
recomendam não transplantar pacientes com escores inferiores a 14.
2.2.5.4 Exceções no escore MELD
Existem
algumas
condições
clínicas,
como
carcinoma
hepatocelular,
síndrome hepatopulmonar e certas doenças metabólicas como polineuropatia
amiloidótica familiar e hiperoxalúria primária, que se associam à hepatopatia crônica
e pioram a sobrevida dos pacientes, embora não contribuam diretamente para o
aumento dos valores do escore MELD. Assim, o escore não é capaz de predizer de
forma acurada a mortalidade destes pacientes. Desta forma, tais exceções recebem
um escore MELD pré-estabelecido conforme a comorbidade associada.91
Carcinoma hepatocelular
O carcinoma hepatocelular geralmente acomete pacientes com função
hepática razoavelmente preservada.91 Assim sendo, o maior risco é o da progressão
30
do tumor durante o tempo de espera em lista para transplante, o que inviabiliza a
proposta de tratamento com intenção curativa.64
Com o aperfeiçoamento dos exames de imagem a biópsia hepática tornou-se
menos empregada para firmar o diagnóstico de carcinoma hepatocelular. Os
critérios aceitos pela UNOS para considerar os candidatos como portadores de
carcinoma hepatocelular são: padrão de vascularização da lesão, dosagem de alfafetoproteína acima de 200 mg/l ou arteriografia confirmando a presença de tumor.40
Pacientes com hepatopatia crônica com concentração de alfa-fetoproteína superior a
500 mg/l podem ser listados com escore MELD equivalente a risco de mortalidade
de 8%, mesmo que os exames de imagem não evidenciem lesão tumoral.40, 139 No
entanto, a acurácia da predição deste ponto de corte tem sido questionada.40, 139
Nos Estados Unidos, pacientes com carcinoma hepatocelular são priorizados
de acordo com o tamanho e o número de lesões. Inicialmente, baseando-se na
probabilidade de morte em três meses, os pacientes com carcinoma hepatocelular
T1 (lesão única ≤ 1,9cm) receberam escore MELD de 24.140 Aos pacientes com
lesões T2 (lesão única entre 2 e 5 cm ou até três lesões não ultrapassando 3 cm
cada uma delas) foi atribuído escore de 29.140 A adoção deste sistema permitiu que
mais de 87% destes pacientes fossem transplantados ao longo de três meses de
espera em lista,141 o que gerou preocupação uma vez que se poderia estar
priorizando excessivamente os pacientes com carcinoma hepatocelular.142
Desta forma, houve modificações: os pacientes com lesões T2, após três
meses em lista de espera com MELD inicial de 22, tiveram seus escores elevados
para valores equivalentes ao risco de mortalidade estimada para este período de
tempo.143 Para cada período subsequente de três meses em lista de espera foram
adicionados pontos correspondentes a aumento de 10% no risco de mortalidade.143
Os pacientes com carcinoma hepatocelular T1 foram listados conforme seu escore
MELD calculado, sem priorização.144 Da mesma forma, os pacientes com carcinoma
hepatocelular avançado (lesão única maior que 5 centímetros ou mais de três
lesões) devem ser listados com MELD calculado após avaliação individual e
criteriosa do grupo de transplante.40
No Brasil, apenas são aceitos em lista de espera para transplante hepático
pacientes com carcinoma hepatocelular que obedecem aos critérios de Milão:145
presença de lesão única com menos de 5 cm ou presença de até três lesões
menores ou iguais a 3 cm cada uma delas. Sabe-se que os pacientes transplantados
31
dentro deste critério apresentam excelente desfecho bem como baixas taxas de
recidiva tumoral no enxerto.46 Os pacientes com carcinoma hepatocelular maiores ou
iguais a 2 cm, segundo os mesmos critérios, são listados com MELD 20.25 Caso o
paciente
não
seja
transplantado
em
três
meses,
sua
pontuação
passa
automaticamente para MELD 24 e, em seis meses, para 29.25
Na era pós-MELD, houve aumento do número de transplantes em pacientes
com carcinoma hepatocelular.24,
65, 73, 90-94, 107, 141, 143, 146, 147
Washburn et al.148
relataram menor taxa de exclusão de lista de espera nos pacientes com carcinoma
hepatocelular quando comparados com os sem este diagnóstico. Em análise
multivariada, o valor da alfa-fetoproteína e o escore MELD associaram-se com
aumento das taxas de exclusão de lista de espera.148
No início de 2003, o Centro de Transplantes de Bologna adotou o escore
MELD como instrumento para alocação de órgãos, mas definiu seus próprios
critérios para priorização dos pacientes com carcinoma hepatocelular. O escore
destes pacientes era composto pela soma do MELD calculado com os pontos extras
conforme o estadiamento da neoplasia mais um ponto adicional para cada mês em
lista de espera. Observou-se que este modelo de alocação favorece os pacientes
com carcinoma hepatocelular sem prejudicar o desfecho dos demais candidatos ao
transplante.149
2.2.5.5 Variantes do escore MELD
Na tentativa de melhorar a capacidade preditora do escore MELD, diversos
estudos foram realizados incorporando novas variáveis, como sódio sérico, idade do
receptor e características do doador, dentre outros. Alguns trabalhos avaliaram os
valores do escore MELD em mais de um momento e descreveram o papel da
variação do escore MELD ao longo do tempo de espera em lista de transplante.
2.2.5.5.1 Delta-MELD
O escore MELD não é um modelo tempo dependente uma vez que é
computado como uma medida isolada de três parâmetros laboratoriais.91 Para
32
estimar as modificações relacionadas com passar do tempo em lista, foi proposta a
avaliação do Delta-MELD, que é a diferença entre dois valores de escore MELD
calculados em dois momentos distintos76, 150 ou, em outras palavras, a variação da
função hepática residual ao longo do tempo. Estudo sugere que variação do escore
MELD seja considerada como critério de desempate entre pacientes com escores
idênticos no momento em que for ofertado um enxerto.151
Gheorge et al.152 avaliaram a sobrevida de pacientes há doze meses em lista
de espera para transplante hepático e registraram que a variação do escore MELD
nos últimos três meses foi o único preditor independente de mortalidade em lista,
com estatística-c de 0,86. Huo et al.,76 em trabalho prospectivo que avaliou o deltaMELD, relataram que este tem estatística-c maior do que o escore MELD de base
para predizer mortalidade em lista de espera para transplante hepático. Por outro
lado, Bambha et al.153 verificaram que o delta-MELD apresentou menor capacidade
preditora quando comparado com o escore MELD mais atualizado. Em
concordância, Foxton et al.154 observaram que variações no escore MELD têm efeito
na sobrevida após transplante embora o escore da data do transplante tenha o efeito
mais significativo no desfecho sobrevida.
2.2.5.5.2 MELD-Na (Model for End-Stage Liver Disease With Incorporation of
Sodium)
A adição do sódio sérico ao MELD identifica um subgrupo de pacientes com
pior desfecho, aumentando a eficácia do escore em predizer a mortalidade em lista
de espera para transplante.155 Quando associados, escore MELD e hiponatremia ou
escore MELD e sódio sérico, a estatística-c atinge valores acima de 0,9.155
Estudos que avaliaram a sobrevida em 3,6 e 12 meses após entrada em lista
de transplante identificaram que o escore MELD e a concentração de sódio sérico
são preditores independentes de sobrevida nestes períodos, sendo descrito aumento
de 12% no risco de mortalidade para cada redução de uma unidade no valor do
sódio sérico e de 8% para cada aumento de um ponto no escore MELD meses.156, 157
O uso do MELD-Na para alocação de órgãos é capaz de reduzir a
mortalidade em lista de espera para transplante hepático,158,
159
sendo que a
33
influência da hiponatremia é mais evidente nos pacientes com escore MELD abaixo
de 30.158
2.2.5.5.3 iMELD (Integrated Model for End-Stage Liver Disease) ou MELD integrado
Trata-se do escore MELD que incorpora os valores da idade do paciente e do
sódio sérico.160 Luca et al.160 inicialmente avaliaram cirróticos submetidos
eletivamente a TIPS e, posteriormente, validaram seu estudo em cirróticos listados
para transplante hepático. Apontaram que tanto o escore MELD original quanto o
iMELD associam-se com as taxas de mortalidade em 12 meses, sendo o iMELD
preditor acurado de mortalidade em 3 e 6 meses.160 A área sob a curva do iMELD foi
13,4% maior do que a do escore MELD original.160
Outros escores que acrescentam o sódio sérico à forma original do MELD
incluem o UKELD (United Kingdom Model for End-Stage Liver Disease − MELD do
Reino Unido) e o MESO (Model for End-Stage Liver Disease to Sodium Index). O
UKELD foi criado em 2008 e suas variáveis são sódio sérico, RNI, creatinina e
bilirrubina séricas.161 Foi desenvolvido através da análise de 1.103 pacientes e
validado em coorte prospectiva independente de 452 pacientes. Como critério
mínimo para inclusão em lista é necessário que o paciente tenha taxa de
mortalidade em um ano sem transplante hepático de pelo menos 9%, ou seja,
escore UKELD de 49 pontos ou mais. Escore de 60 pontos equivale à mortalidade
de 50% em um ano.161, 162 O MESO é calculado através do quociente entre o escore
MELD e a concentração do sódio sérico, e tem maior valor preditivo quando
comparado com o MELD original. No entanto, foi testado em pacientes cirróticos fora
de lista para transplante hepático.163
2.2.5.5.4 Re-weighted MELD ou MELD atualizado
Após a implementação do MELD, observou-se uma grande proporção de
pacientes com insuficiência renal sendo transplantados com prioridade.159 Sharma et
al.164 avaliaram o quando a modificação nos pesos de cada variável do escore
MELD poderia contribuir no intuito de melhor predizer a mortalidade em lista de
34
espera para transplante hepático. A fórmula atualizada apresenta menor peso para a
variável creatinina e maior peso para a variável bilirrubina. Deste modo, dentre
pacientes com escores MELD idênticos aqueles com creatinina mais baixa e
bilirrubina mais elevada têm mortalidade em lista significativamente maior. A
estatística-c do escore MELD atualizado foi superior a do MELD preexistente (0,77
versus 0,75). O impacto do escore MELD atualizado foi maior naqueles com escore
MELD igual ou superior a 20 pontos.164
Estudo que comparou escores prognóstico em cirróticos em lista de espera
para transplante hepático (MELD, CTP modificado, UKELD, MESO, MELD-Na,
iMELD, MELD atualizado) concluiu que o MELDNa e o iMELD são os escores
prognósticos com melhor capacidade para predizer a saída de lista (drop out) de
transplantes aos três e seis meses.165 Estudo realizado em Porto Alegre também
identificou que a inclusão do sódio sérico no escore MELD melhora a acurácia do
MELD em predizer mortalidade em três e seis meses após inclusão em lista de
espera. Entre os derivados do escore MELD, o iMELD obteve melhor desempenho
juntamente com o MELDNa2 aos três meses e isoladamente aos seis meses.166
2.2.5.5.5 ReFit MELD e ReFit MELDNa
Leise et al.,167 utilizando a base de dados UNOS de pacientes em lista de
espera para transplante hepático, reavaliaram os escores MELD, MELDNa e MELD
atualizado através da modificação dos coeficientes das variáveis e de seus limites
inferiores e superiores, o que resultou na criação de dois novos escores, o ReFit
MELD e o ReFit MELDNa. Ambos os escores demonstraram melhorar a capacidade
de predizer a mortalidade em 90 dias nos pacientes cirróticos em lista de transplante
hepático, com estatística-c superior a 0,8. Nesse estudo, a implementação do escore
ReFit MELDNa reduziu de 324 para 295 o número absoluto de mortes em lista de
espera para transplante.167
35
2.2.5.5.6 MELD-XI (Model for End-Stage Liver Disease excluíndo RNI)
O MELD é bom preditor de mortalidade em curto prazo nos pacientes
cirróticos, embora possa superestimar o risco quando a RNI está artificialmente
elevada pelo uso de anticoagulantes. Assim sendo, Heuman et al.168 criaram um
escore prognóstico alternativo utilizando apenas os valores da creatinina e da
bilirrubina séricas pra estimar a mortalidade em 90 dias nos pacientes prétransplante. Os escores MELD e MELD-XI foram comparáveis como preditores de
mortalidade nos pacientes avaliados.168
2.2.5.5.7 D-MELD (Produto da idade do doador pelo MELD pré-operatório)
Uma vez que há escassez de enxertos e que muitos pacientes antes
considerados inadequados para transplante vêm sendo listados, a alocação de
órgãos tem sido constantemente discutida. No intuito de elaborar um sistema de
alocação baseado no princípio do aproveitamento adequado do órgão, o
desenvolvimento de escores que sejam capazes de predizer o desfecho após o
transplante torna-se necessário.169
Os já utilizados escores CTP e MELD não são bons preditores de mortalidade
após transplante, uma vez que não levam em consideração variáveis relacionadas
aos parâmetros pré-operatórios bem como às características do doador.169, 170 Desta
forma, é imperativo desenvolver um escore que utilize as características
anteriormente descritas. Haldorson et al.171 criaram o escore D-MELD, resultado do
produto da idade do doador com o valor do escore MELD pré-operatório. O escore
variou entre 40 e 3.400, com média de 704. Foi observada redução na sobrevida
com valores crescentes de D-MELD. A sobrevida do enxerto em um ano foi de
91,8% para escores abaixo de 400 e de 73,4% para valores acima de 2.000. Assim,
um ponto de corte de 1.600 foi estabelecido para identificar subgrupos de doadoresreceptores que apresentariam melhores ou piores desfechos mensurados através da
sobrevida após transplantes e do tempo de internação hospitalar.171 Evitando-se
transplantar pacientes com D-MELD acima de 1.600, seriam obtidos melhores
resultados nos subgrupos de pacientes de alto risco − receptores de enxertos de
doadores com mais de 60 anos e escore MELD acima de 30.171 O D-MELD parece,
36
pois, ser um escore simples e com boa capacidade para predizer os desfechos após
transplante, podendo ser considerado uma ferramenta útil na alocação de órgãos.171
Não se deve esquecer as limitações deste escore, como, por exemplo, transplantar
pacientes com escore MELD inferior a 20 utilizando doador de alto risco ou idade
avançada, visto que a sobrevida pós-operatória nestes pacientes seria menor.159, 172
Da mesma maneira, a procura por doadores mais adequados para os pacientes com
MELD elevado pode ser tarefa difícil, o que levaria à maior mortalidade em lista de
espera para transplante.159
2.2.5.6 Limitações do escore MELD e de seus derivados
Além das limitações do escore MELD relacionadas às condições clínicas que
não são adequadamente valorizadas e já citadas, existem outros limitantes
intrínsecos ao próprio escore que serão descritos a seguir.
O escore MELD foi criado através de análise multivariada, a partir de três
variáveis objetivas escolhidas empiricamente. Apesar de este escore representar um
avanço em relação aos outros modelos anteriormente utilizados, cada variável
analisada apresenta algumas limitações.22, 91
A creatinina sérica é influenciada por diversos fatores, tais como massa
muscular, ingesta proteica diária, idade, sexo e etnia.173 Apesar de prática, a
dosagem da creatinina não é um bom parâmetro para avaliação da função renal nos
cirróticos, pois há diminuição da síntese hepática, aumento da secreção tubular e
diminuição da massa de musculatura esquelética, ocorrendo geralmente um
resultado subestimado da função renal.174-176 Assim, nestes pacientes, níveis de
creatinina sérica normais não excluem a presença de disfunção renal subjacente.174
Ademais, os valores da creatinina sérica podem variar consideravelmente em curto
prazo nos pacientes com ascite refratária em uso de diuréticos, submetidos a
paracenteses de alívio e a reposição volêmica.174 Esta flutuação da creatinina
acarreta alteração no escore MELD sem, no entanto, significar aumento real do risco
de mortalidade.174 Finalmente, outros vieses no cálculo do escore MELD podem
dever-se aos diferentes métodos laboratoriais empregados para determinação da
creatinina sérica.177
37
A creatinina sérica não possui associação linear com a taxa de filtração
glomerular e, além disso, conforme o aumento da concentração da bilirrubina sérica,
há maior variabilidade nos níveis de creatinina, o que leva à modificação nos valores
do escore MELD e, por conseguinte, na alocação de órgãos.174,
175, 177
Quando o
valor da bilirrubina sérica excede 10 mg/dl, a leitura dos valores da creatinina
falsamente diminui, o que ocorre proporcionalmente ao aumento da bilirrubina
sérica.178 Desta forma, nos pacientes extremamente ictéricos e geralmente os mais
enfermos, o escore MELD será subestimado, o que interfere significativamente na
alocação de órgãos.178 Para o cálculo do escore MELD, foram definidos limites
inferior e superior para os valores da creatinina sérica. O limite mínimo de 1 mg/dl foi
adotado para que não houvesse valores negativos após a transformação
logarítmica. Esta atitude equiparou o risco de mortalidade para todos os pacientes
com creatinina inferior a 1 mg/dl, o que pode não ser verdadeiro uma vez que
qualquer modificação no valor da creatinina sérica denota alteração da taxa de
filtração glomerular.91, 164 Portanto, foi proposta a eliminação do limite inferior para os
valores da creatinina, o que tornaria mais verossímil a relação entre o escore MELD
e risco real de mortalidade.164 O ponto de corte superior também foi questionado e
revisado em estudo que avaliou a mortalidade, em três e seis meses, de pacientes
cirróticos com creatinina sérica superior a 4 mg/dl. O grupo de pacientes com
creatinina acima de 4mg/dl apresentou mortalidade significativamente maior em
relação aos controles (pacientes com creatinina igual ou inferior a 4 mg/dl) aos 3 e 6
meses de seguimento. Quando se utilizou o ponto de corte de 5,5 mg/dl, a diferença
entre os casos e os controles foi menor, sendo que somente com este valor, aos 6
meses, é que foi obtida a maior área sob a curva do estudo, de 0,753. Os autores
sugerem, caso seus resultados sejam confirmados em outros estudos com maior
número de pacientes, utilizar como ponto de corte 5,5 mg/dl.179 Assim, pacientes
mais gravemente enfermos, mas não urêmicos e fora de terapia dialítica, não
receberão escore MELD que subestime sua doença de base.91 Outra limitação
observada em relação à participação da creatinina do escore MELD é o aparente
desfavorecimento das mulheres na alocação de órgãos após a implantação deste
escore, como demonstrado em estudo da UNOS.95 Na era MELD, as mulheres
apresentaram uma probabilidade 30% maior de saída de lista por progressão da
doença hepática ou óbito, em relação aos homens.95 Quando comparadas aos
homens,
as
mulheres
com
escore
MELD
de
mesmo
valor
possuíam
38
comprometimento mais significativo da função renal, aferido pela taxa de filtração
glomerular, sendo uma desvantagem para elas na alocação de órgãos.180-182
O tempo de protrombina é um indicador de síntese hepática há muito
reconhecido e utilizado para avaliação do prognóstico de pacientes com hepatopatia
crônica.4 Apesar das recentes demonstrações de que o prolongamento do tempo de
protrombina não se relaciona com aumento do risco de sangramento, uma vez que
os pacientes hepatopatas apresentam deficit dos fatores anticoagulantes e prócoagulantes simultaneamente, este não perdeu seu espaço como fator prognóstico
no cenário da hepatopatia crônica.183 No entanto, não se deve esquecer que a RNI
foi desenvolvida para predizer o risco de sangramento e/ou de fenômenos
trombóticos em pacientes não cirróticos em uso de anticoagulante oral.184 Outra
limitação relevante é a variabilidade dos resultados da RNI entre laboratórios.
Estudo de Trotter et al.185 avaliando 29 pacientes em lista de espera para transplante
hepático que foram flebectomizados e cujas amostras de sangue foram
encaminhadas a três laboratórios diferentes evidenciou que as disparidades nos
resultados ocorriam com maior frequência nos valores da RNI. Esta variabilidade
traduz modificações na média do escore MELD de até três a cinco pontos, com
diferenças individuais no escore de até doze pontos.186, 187 Na tentativa de minimizar
estes vieses, Heuman et al.168 desenvolveram o escore MELD-XI que exclui a RNI,
considerando apenas a creatinina e a bilirrubina séricas como variáveis participantes
do escore. O MELD-XI mostrou-se comparável ao MELD como modelo prognóstico
preditor de mortalidade em curto prazo em pacientes cirróticos.
Da mesma maneira que a creatinina e a RNI, a bilirrubina sérica também
apresenta variações entre laboratórios. Ademais, está sob investigação se a fração
direta da bilirrubina não constitui melhor marcador da doença hepática uma vez que
é menos influenciada por causas extra-hepáticas ou benignas de icterícia.91 No
contexto das doenças colestáticas, os elevados níveis séricos de bilirrubinas
traduzem em maior grau o comprometimento da árvore biliar e não necessariamente
a gravidade da hepatopatia crônica. Assim, o MELD poderia superestimar o risco de
mortalidade destes pacientes, comprometendo a adequada alocação de órgãos.
O escore MELD, como qualquer outro modelo matemático, possui diversas
limitações e deve ser continuamente revisado e aperfeiçoado no intuito de aprimorar
a alocação de órgãos. Assim, as condições que reduzem a qualidade de vida bem
como a sobrevida dos pacientes hepatopatas crônicos sem, no entanto contribuírem
39
para o cálculo do escore MELD, como ascite, encefalopatia porto-sistêmica e
hiponatremia, dentre outros, deveriam de alguma forma participar da definição da
alocação de órgãos.188, 189
Em relação à ocorrência de ascite, sabe-se que a sobrevida dos pacientes
cirróticos com ascite é de 30% a 40% em cinco anos sem transplante, e que melhora
consideravelmente com o transplante, após o qual a sobrevida em cinco anos pode
atingir taxa de até 80%.6, 190 No entanto, o modelo vigente para alocação de órgãos,
escore MELD, não contempla os pacientes com ascite. Uma vez que a presença ou
não de ascite bem como o seu volume são sinais subjetivos, a valorização do sódio
sérico acrescido ao escore MELD foi a forma objetiva proposta através da qual se
tornaria possível alocar de maneira mais justa tais pacientes, aumentando a
acurácia para predizer mortalidade.191
Outra
complicação
relacionada
à
hepatopatia
crônica
que
reduz
significativamente a qualidade de vida dos pacientes e aumenta a mortalidade,
independentemente do valor do escore MELD, é a encefalopatia hepática.189, 191-193
Said et al.,194 em estudo que avaliou população heterogênea de 611 pacientes com
hepatopatia crônica, sugeriram que a inclusão da encefalopatia hepática ao MELD
aumenta o valor prognóstico do escore. Por outro lado, a ausência de métodos
objetivos para quantificação de sua gravidade dificulta a aceitação da encefalopatia
como candidata ao recebimento de pontos extras no escore MELD.191
40
3 REFERÊNCIAS
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DA INTRODUÇÃO
E
REVISÃO
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55
4 JUSTIFICATIVA
Devido ao crescente número de pacientes em lista de espera para transplante
hepático e à escassez de órgãos disponíveis com o consequente aumento de
mortalidade de candidatos em lista, é imprescindível avaliar sistematicamente o
processo de alocação de órgãos.
Em 2006, a adoção do critério de gravidade para alocação de fígados em
nosso país, através do escore MELD, representou a mudança de um paradigma
visto que, até então, os órgãos eram alocados segundo o tempo de espera em lista.
Entretanto, o SNT não efetua seguimento de desfechos importantes que ocorrem
tanto antes do transplante hepático, como taxas de mortalidade em lista, quanto
posteriormente ao procedimento, como sobrevida de pacientes ou de enxertos.
Assim, o real impacto da medida de substituir o sistema de alocação de fígados de
doadores falecidos de cronológico pelo de gravidade, mensurado pelo escore MELD,
é desconhecido em nível nacional. Cabe, então, aos grupos transplantadores fazer
esta análise, de modo a contribuir para o aperfeiçoamento do sistema de alocação já
que a efetividade de intervenções em saúde pública depende de tais informações.
56
5 OBJETIVOS
5.1 OBJETIVO GERAL
Comparar o impacto da implementação do escore MELD como critério de
alocação de fígados provenientes de doadores falecidos em uma coorte de
pacientes adultos em lista de espera para um primeiro transplante hepático e em
uma coorte de pacientes já transplantados por hepatopatia crônica em um centro de
referência de Porto Alegre − RS.
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Comparar o impacto da implantação do escore MELD como critério de
alocação de fígados provenientes de doadores falecidos para transplante hepático
de adultos em dois períodos distintos − 1o de julho de 2004 a 30 de junho de 2006
(era pré-MELD) e 1o de julho de 2006 a 31 de julho de 2008 (era pós-MELD) −, no
que diz respeito:
•
ao número de pacientes incluídos em lista de espera para um primeiro
transplante hepático;
•
ao número de pacientes excluídos de lista de espera por piora das
condições clínicas;
•
à mortalidade dos pacientes em lista de espera;
•
às características dos pacientes transplantados;
•
à gravidade da doença hepática crônica, estimada pelo escore MELD no
dia do transplante hepático;
•
ao número de pacientes transplantados por carcinoma hepatocelular;
•
à sobrevida até 18 meses após o transplante.
6 ARTIGO A SER PUBLICADO
IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA
ALOCAÇÃO DE FÍGADOS E NOS RESULTADOS DOS
TRANSPLANTES HEPÁTICOS: A EXPERIÊNCIA DE UM
CENTRO BRASILEIRO
58
IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO ESCORE MELD NA ALOCAÇÃO DE FÍGADOS
E NOS RESULTADOS DOS TRANSPLANTES HEPÁTICOS:
A EXPERIÊNCIA DE UM CENTRO BRASILEIRO
Adriana Gonçalves da Silva Machado1, Ajácio Bandeira de Mello Brandão1,2
1
Programa de Pós-Graduação em Medicina: Hepatologia, UFCSPA, Porto Alegre.
2
Grupo de Transplante Hepático Adulto da Santa Casa de Porto Alegre.
RESUMO
O MELD é um acurado preditor de mortalidade em pacientes cirróticos tendo sido
instituído como ferramenta para alocação de fígados no Brasil em 2006. No entanto,
seu impacto na alocação de órgãos bem como na mortalidade em lista de espera e
após transplante não é bem conhecido em nosso meio.
Objetivos: avaliar o impacto da implantação do escore MELD na alocação de
fígados e na mortalidade após transplante em um centro no sul do Brasil.
Pacientes e Métodos: foram estudados pacientes adultos, com hepatopatia crônica,
em lista de espera para um primeiro transplante hepático com doador falecido.
Foram constituídas duas coortes, antes e após a adoção do escore MELD, conforme
a data de inclusão em lista de espera. Os pacientes foram seguidos por um período
mínimo de 18 meses para avaliação dos desfechos de interesse (óbito/ transplante
hepático).
Resultados: a gravidade dos pacientes em lista de espera para TxH, avaliada pelo
escore MELD da data de inclusão, foi similar nas duas coortes. O risco de
mortalidade em lista de transplante correlacionou-se com o aumento progressivo do
escore MELD, sendo que o acréscimo de uma unidade aumentou em 20% o risco de
morte (HR: 1,2; IC 95%: 1,14-2,26; p < 0,001). As taxas de mortalidade em lista para
TxH foram de 30,9% na era pré-MELD e de 21,7% na era pós, sem diferença
estatística significativa. Em relação aos pacientes transplantados nos períodos em
estudo, verificou-se maior taxa de transplantes na era pós-MELD (40% versus 52%,
p = 0,002). Os homens foram transplantados com maior frequência no segundo
período (p = 0,041). Quando excluídos os pacientes transplantados por carcinoma
hepatocelular, as médias do escore MELD na data do transplante foram
significativamente maiores no período pós-MELD (p < 0,01). Os valores do escore
MELD na data do transplante não se correlacionaram significativamente com a
sobrevida após o procedimento. No período de seguimento de 18 meses após
transplante foram observadas taxas de mortalidade de 25,4% na era pré-MELD e de
20% na era pós-MELD, sem diferença estatisticamente significativa.
Conclusão: a implantação do escore MELD foi associada com menor mortalidade
em lista de espera, em comparação à era pré-MELD. Por outro lado, apesar de na
era MELD terem sido transplantados pacientes mais gravemente enfermos do que
no período precedente, as taxas de sobrevida pós-transplante foram similares.
Palavras-chave: Alocação de fígados; Escore MELD; Transplante hepático.
59
ABSTRACT
Meld is an accurated predictor of mortality in cirrhotic patients and was adopted like a
tool for liver allocation in Brazil in 2006. However the impact in liver allocation and in
waiting list and post liver transplantation mortality still unknown in your country.
Objectives: to evaluate the impact of MELD score adoption in liver allocation and
post liver transplantation mortality in Brazil.
Patients and Methods: adult patients with cirrhosis in waiting list for their first liver
transplantation with deceased donor were studied. Patients were grouped in two
cohorts, before and after MELD score implantation, based in their waiting list
inclusion date. Follow up had a minimum of 18 months for end-point evaluation
(death and liver transplantation).
Results: severity of illness in patients waiting for liver transplantation, evaluated by
MELD score value at the time of placement on the list, was similar in both eras.
Mortality risk while waiting for liver transplantation correlated well with MELD score
values. An elevation of one point in MELD score value raised mortality risk in 20%
(HR: 1.2; CI 95%: 1.14-2.26; p < 0.001). Waiting list mortality was 30.9% in preMELD era and 21.7% in post-MELD era, without statistical significance. In the set of
liver transplantation, a raise in transplant rate was observed in the post-MELD period
(40% versus 52%, p = 0.002). In the post-MELD era, women were less likely than
men to receive a liver transplant, p = 0.041. When patients with carcinoma
hepatocelular were excluded of the analysis, MELD score values in the day of liver
transplantation were significantly higher in the post-MELD period (p < 0.01). MELD
score in the day of liver transplantation did not correlate well with post-transplant
survival. During the 18 months of follow up, after liver transplantation, mortality rate
was 25.4% in the pre-MELD era and 20% in the post-MELD era, without statistical
significance.
Conclusion: MELD score implantation was associated with reduction in waiting list
mortality, which was observed in the post-MELD era. On the other hand, despite of
sicker patients were transplanted in the post-MELD era, mortality rate after liver
transplantation in both periods was similar.
Key words: Liver allocation; Liver transplantation; MELD score.
60
INTRODUÇÃO
Com o principal objetivo de reduzir a mortalidade de pacientes em lista de espera
para transplante hepático, em maio de 2006, com efetiva aplicação em julho, o Sistema
Nacional de Transplantes (SNT), órgão ligado ao Ministério da Saúde do Brasil,1
modificou o critério de alocação, até então cronológico, e instituiu o critério de
gravidade. Para ordenar os pacientes de acordo com a gravidade, o SNT adotou o
Model for End-stage Liver Disease (MELD).2, 3
Nos Estados Unidos, a implantação do MELD melhorou o processo de
alocação de fígados. Na era pós-MELD, houve não só redução de 3,5% das mortes
em lista de espera, como também, aumento de 10,2% no número de transplantes
com doador falecido e decréscimo de 12% no número de pacientes incluídos em
lista de espera, em comparação à era pré-MELD,4 sem comprometer a taxa global
de sobrevida pós-transplante.4-9
No Brasil, as atividades relacionadas à captação e à distribuição de órgãos e
tecidos para transplantes são regulamentadas e coordenadas pelo SNT que,
entretanto, não faz um acompanhamento do trabalho dos grupos transplantadores.
Portanto, é desconhecido, em nível nacional, o impacto que possa ter tido em nosso
país a implantação do escore MELD como critério de alocação de fígados, sendo as
informações disponíveis as de centros isolados.
Um dado preocupante é que em nosso país a taxa de doadores de órgãos no
primeiro trimestre de 2011, de 8,8 pmp, foi inferior à de 2010, havendo uma redução
de 12,3% no número de transplantes hepáticos com doadores falecidos em relação
ao ano anterior.10 Neste cenário, a análise das medidas relacionadas à alocação de
fígados pelos grupos transplantadores torna-se de capital importância a fim de
fornecer subsídios para o aprimoramento do programa nacional de transplantes
hepáticos. Este trabalho visa avaliar o impacto da implantação do escore MELD na
alocação de enxertos de doadores falecidos e na mortalidade após transplante
hepático em um centro de referência no sul do Brasil.
61
PACIENTES E MÉTODOS
Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo. Utilizando o banco de dados
do Grupo de transplante hepático do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto
Alegre foram agrupadas duas coortes de pacientes: 1) coorte pré-MELD composta
por pacientes incluídos em lista de espera ou submetidos a transplante hepático
entre 1o de julho de 2004 e 30 de junho de 2006 e constituída por 324 pacientes,
sendo 130 destes transplantados no período estudado; 2) coorte pós-MELD
composta por pacientes incluídos em lista de espera ou submetidos a transplante
hepático entre 1o de julho de 2006 e 31 de julho de 2008 e constituída por 221
pacientes, sendo 115 destes transplantados no período estudado. O seguimento foi
de 18 meses, findo na era pré-MELD em 31 de dezembro de 2007 e, na era pósMELD, em 31 de janeiro de 2010.
Foram incluídos no estudo pacientes adultos, à exceção de um único com 16
anos de idade, com hepatopatia crônica em lista ou submetidos a um primeiro
transplante hepático com doador falecido. Foram excluídos os listados ou
transplantados por perda do primeiro enxerto hepático ou por insuficiência hepática
aguda grave, por serem colocados em prioridade máxima.
Na era pré-MELD, afora a compatibilidade ABO, a alocação era estritamente
cronológica. Os critérios mínimos para inclusão em lista, em ambas as eras, foram
os da American Association for the Study of Liver Diseases.11
Os procedimentos cirúrgicos e o protocolo de imunossupressão adotados pelo
grupo já foram descritos em estudos anteriores.12
Variáveis em estudo
Analisaram-se dados demográficos (idade, sexo) e clínicos pré-transplante
(etiologia da cirrose e concomitância de carcinoma hepatocelular; bilirrubina total,
creatinina, tempo de protrombina [RNI], sódio sérico) e sobrevida em lista de espera
bem como no pós-transplante.
O tempo de espera foi calculado a partir do dia em que o paciente foi incluído
em lista até o dia de um dos desfechos: transplante, óbito ou final do seguimento, se
ainda aguardando o transplante. No período pós-transplante, os pacientes foram
acompanhados por no mínimo 18 meses para determinar o desfecho primário
(morte).
62
Para o cálculo de escore MELD empregou-se a equação modificada proposta
pela UNOS:13
MELD = 3,8 (Ln bilirrubina sérica mg/dl) + 11,2 (Ln INR) + 9,6 (Ln creatinina sérica mg/dl) + 6,4
O MELD foi calculado empregando-se os resultados dos exames realizados
na data de inclusão em lista ou os dos exames efetuados no dia do transplante. Não
foi definido o valor limite de 40 pontos para o escore nem atribuída pontuação
adicional para os pacientes com carcinoma hepatocelular. De acordo com as normas
brasileiras,1 pacientes incluídos em lista por carcinoma hepatocelular recebem
MELD atribuído de 20; se o transplante não for efetuado em três meses ou em seis
meses, a pontuação aumenta para 24 e 29, respectivamente.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre − protocolo 3091/09 e parecer
394/09.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados foram processados e analisados através do programa SPSS
(Statistical Package for Social Sciences, version 17.0 [SPSS Inc., Illinois, Chicago,
USA]).
Os dados quantitativos foram descritos por média, desvio-padrão e valores
mínimos e máximos. Na presença de assimetria, foram calculadas mediana e
amplitude interquartil (P25 a P75). Para análise dos dados categóricos, utilizaram-se
contagem e percentuais.
A comparação das médias entre os grupos foi realizada pelo teste t de
Student ou por seu equivalente não paramétrico na presença de assimetria.
Para as categorias, foi adotado o teste de qui-quadrado ou o teste exato de
Fischer na ocorrência de baixas frequências.
Para curvas de sobrevida, utilizou-se o método de Kaplan-Meier com
significância determinada pelo teste de log-rank. Além disso, o modelo de Cox
obteve as estimativas de hazard ratio (ajustadas ou não) com seus respectivos
intervalos de confiança de 95%.
63
RESULTADOS
Pacientes em lista de espera para Transplante Hepático
Nos períodos considerados foram incluídos 300 pacientes em lista de espera
para TxH, sendo 194 no grupo pré e 106 no grupo pós-MELD. Em ambos foram
listados mais homens, sendo a média de idade de todos os pacientes incluídos na
era MELD significativamente maior do que a dos listados na era pré-MELD (Tabela 1).
A gravidade da hepatopatia, avaliada pelo escore MELD, foi igual nos dois
grupos; embora mais pacientes com carcinoma hepatocelular tenham sido listados
na era MELD, não houve diferença significativa entre os dois períodos (Tabela 1).
Como esperado, considerando-se ambos os períodos, houve maior risco de
mortalidade em lista de transplante com o aumento progressivo do escore MELD,
sendo que o acréscimo de uma unidade elevou em 20% o risco de morte (HR: 1,2;
IC 95%: 1,14-2,26; p < 0,001).
A exclusão de lista de espera para TxH por qualquer causa foi maior na era
pré-MELD (62,4% versus 35,8%) (Tabela 2). Quando os 121 pacientes foram
categorizados por motivo de exclusão de lista, observou-se que o motivo mais
frequente foi óbito em lista de transplante (era pré-MELD: 60 [49,5%] e era pósMELD: 23 [60,5%]), sem diferença estatisticamente significativa entre os períodos
estudados (Tabela 2).
Embora menos pacientes tenham morrido aguardando transplante na era
MELD em comparação com a era pré-MELD (21,7% e 30,9%, respectivamente)
mostra-se, na tabela 3, não ter havido diferença significativa do desfecho em ambos
os períodos, independentemente da idade do receptor, do MELD, do sódio sérico, da
creatinina e da concomitância de CHC. A Figura 1 compara as curvas de sobrevida
de pacientes aguardando transplante nos períodos considerados.
Pacientes transplantados
Foram incluídos no estudo 245 pacientes submetidos a transplante hepático,
130 na era pré e 115 na era pós-MELD. No último período, houve proporcionalmente
maior número de transplantes: 52% versus 40% do total dos pacientes de cada
período (p = 0,002). Em ambos os períodos, a maioria dos pacientes era do sexo
masculino (60,8% na era pré-MELD e 73,9% na era pós-MELD). Quando comparados
os períodos, observou-se que no pós-MELD, proporcionalmente, foram transplantados
64
mais homens que mulheres (p = 0,041). A média de idade dos pacientes foi similar
nas coortes estudadas (era pré-MELD: 55,2 e era pós-MELD: 53,1) (Tabela 4).
As principais etiologias da doença hepática que motivaram o TxH foram
cirrose por hepatite C crônica e por álcool. A ocorrência de transplante conjugado
fígado-rim foi semelhante entre os períodos.
Observa-se, na Tabela 4, que não houve diferença com significância
estatística entre os pacientes transplantados nas diferentes eras no que se refere à
média de idade (55,2 versus 53,1 anos), bem como a outras variáveis consideradas:
tempo de espera em lista para transplante, taxas laboratoriais no dia do transplante
(creatinina, bilirrubina, tempo de protrombina e sódio sérico), realização de
transplante conjugado fígado-rim ou presença de carcinoma hepatocelular.
As médias do escore MELD calculado na data do transplante foram de 16,2 e
17,7 nos períodos pré e pós-MELD, respectivamente (p = 0,072). Quando o escore
foi avaliado em categorias (1 a 14, 15 a 20 e igual ou superior a 21), observou-se
que na era pós-MELD foram transplantados com maior frequência os pacientes com
escore mais elevado (p = 0,001) (Tabela 4). Entretanto, na era pós-MELD, os
pacientes
transplantados
por
carcinoma
hepatocelular
recebiam
pontuação
adicional, que não foi considerada no cálculo das médias. Para avaliar, se na era
pós-MELD, foram transplantados cirróticos mais gravemente enfermos que na era
pré-MELD, recalculou-se o valor médio do escore excluindo os transplantados por
carcinoma hepatocelular, obtendo-se então uma média de 20,1, significativamente
superior à do período pré-MELD (Tabela 4).
Visando uma melhor avaliação do desfecho óbito após TxH, os pacientes
foram seguidos por no mínimo 18 meses após o procedimento. Foram observadas
taxas de mortalidade de 25,4% na era pré-MELD e de 20% na era pós-MELD
(Tabela 3). Tanto na análise univariada quanto na multivariada, não houve diferença
estatisticamente significativa na ocorrência de óbito nos períodos em estudo (Tabela
3). A curva de sobrevida após TxH está expressa na Figura 2.
Considerando-se tanto a era pré quanto a era pós-MELD, os pacientes que
morreram durante o seguimento pós-transplante apresentavam escores inferiores
em relação aos que sobreviveram (16,3 ± 7,2 versus 17,1 ± 6,6; p = 0,426), embora
sem significância estatística. O hazard ratio para mortalidade após transplante foi de
0,98 para o aumento em uma unidade no valor do escore MELD na data do
transplante (IC 95%: 0,93-1,03, p = 0,392).
65
DISCUSSÃO
A capacidade do escore MELD em predizer a mortalidade de pacientes com
hepatopatia
crônica
contribuiu
significativamente
aperfeiçoamento do processo de alocação de órgãos.3,
para
14
a
evolução
e
o
Desta forma, é inegável
seu papel na avaliação dos pacientes cirróticos em lista de espera para TxH. Na
literatura mundial, ainda é controversa a capacidade de o escore MELD predizer a
mortalidade após TxH. Este trabalho avaliou duas coortes de pacientes uma antes e
outra após a implantação desse escore com o objetivo de avaliar o impacto da sua
introdução no sistema de alocação de enxertos de doadores falecidos para TxH em
um único centro no sul do Brasil.
Como já referido, a implantação do MELD como critério de alocação
determinou redução do número de candidatos listados para TxH, provavelmente por
estarem os médicos cientes de que não precisavam mais incluir em lista pacientes
sem necessidade atual de um transplante para “guardar o lugar”, caso viessem a
precisar, no futuro, do procedimento. Ademais, o aumento no número de
transplantes no segundo período contribuiu para a redução da lista de espera.3, 14
A média do escore MELD na data de inclusão em lista de espera foi similar
em ambos os períodos, o que pode dever-se ao uso do MELD calculado, e não
atribuído, na data de entrada em lista. Em concordância, Ahmad et al.7 e Sachdev et
al.15 não verificaram diferença significativa nos valores do MELD calculado na data
de inclusão em lista no período pós-MELD. Por outro lado, Freeman et al.4 relataram
aumento de 15,3 para 15,9 na média do escore MELD na data de inclusão em lista
após implantação do escore MELD. Quando os pacientes foram distribuídos por
categorias do escore (1 a 14, 15 a 21 e ≥ 21), observou-se na era pós-MELD um
aumento na proporção de incluídos com doenças mais graves e consequente
redução nos incluídos com doenças de menor gravidade, o que provavelmente
denota o maior cuidado na inclusão de pacientes em lista de transplante.
A literatura atual é quase unânime em registrar a redução das taxas de
exclusão de lista de espera para transplante hepático após a introdução do escore
MELD, uma vez que os pacientes mais gravemente enfermos e os com função
hepática relativamente preservada, mas com carcinoma hepatocelular com risco de
progressão, vêm sendo transplantados com prioridade.4,
6, 16
Ravaioli et al.6
observaram redução de 22,8% para 13% na saída de lista por óbito ou progressão
66
neoplásica após implantação do escore MELD. Em concordância, no presente
trabalho, a exclusão de lista de espera para TxH por qualquer causa foi menor no
período pós-MELD. No entanto, em relação à exclusão por óbito ou por piora clínica,
não houve diferença entre os dois períodos em estudo. Embora com redução de
taxas de 30,9% para 21,7%, tanto na análise univariada quanto multivariada, a
diferença de mortalidade em lista após implantação do escore MELD não atingiu
significância estatística ao contrário do que foi descrito na literatura por Freeman et
al.,4 Austin et al.,5 Ravaioli et al.,6 Wiesner et al.17 e Benckert et al.18 Ainda no que
diz respeito à mortalidade em lista de espera para TxH, observou-se em ambos os
períodos, como esperado, maior risco de morte em lista de transplante com o
aumento progressivo do escore MELD. Para o aumento de uma unidade no escore,
houve um acréscimo correspondente de 20% no risco de mortalidade. Segundo
Gleisner et al.19 o aumento de uma unidade no MELD acarreta redução de 16% na
sobrevida média. Desta forma, confirma-se que o escore é bom preditor de
mortalidade em lista de transplante, o que está de acordo com a descrição prévia de
Menon et al.,8 Wiesner et al.17 e Brandão et al.20
O aumento no número de transplantes na era pós-MELD observado no
presente trabalho também foi constatado por Wiesner et al.17 e por Kanwal et al.21
Neste estudo, em concordância com a literatura, a maioria dos pacientes
transplantados era do sexo masculino, com média de idade e distribuição das
etiologias da doença hepática crônica semelhantes.4, 6, 15, 21-25
Quando comparados os períodos pré e pós-implantação do escore MELD,
observou-se que no último período as mulheres foram transplantadas com
frequência proporcionalmente ainda menor. Outros trabalhos descrevem resultados
similares, havendo a sugestão de que as menores chances de as mulheres serem
transplantadas devem-se à inclusão da creatinina no cálculo do MELD já que as
mulheres apresentam valores de creatinina inferiores para um mesmo grau de
disfunção renal quando comparadas aos homens.26, 27 Estudo com 40.393 pacientes
em lista de espera para TxH, sendo 36% mulheres, concluiu que estas
apresentaram níveis de creatinina sérica e de escore MELD inferiores aos dos
homens.27 Ademais, as mulheres tiveram menor probabilidade de ser transplantadas
e maior taxa de mortalidade em três meses.27 Estudo de Moylan et al.28 mostrou que
as mulheres quando comparadas aos homens apresentaram, no período pós-MELD,
risco 30 vezes maior de morte ou progressão da doença de base.
67
De acordo com o esperado, as médias do escore MELD no dia do transplante
foram maiores no período após sua implantação. O uso do MELD calculado
provavelmente subestimou a média do escore no período pós-MELD, devido ao
maior
número
de
transplantes
realizados
em
pacientes
com
carcinoma
hepatocelular, que passou de 31,5% para 38,3% do total de TxH. Entretanto, quando
foram excluídos os pacientes com diagnóstico de carcinoma hepatocelular, houve
diferença significativa nas médias do escore MELD na data do transplante hepático
entre as eras pré e pós-MELD. Pacientes com carcinoma hepatocelular pertencem à
categoria “exceções ao MELD”, ou seja, por apresentarem, comumente, função
hepática preservada, lhes é atribuído um valor do MELD superior ao calculado, de
modo a que tenham maior probabilidade de ser transplantados antes que o
crescimento do tumor impossibilite o procedimento. No Brasil, pacientes com
carcinoma hepatocelular recebem MELD 20 na inclusão em lista, que aumenta para
24 e 29 se o transplante não é realizado em três ou em seis meses após inclusão.1
O aumento do número de TxH em pacientes com carcinoma hepatocelular após
implantação do escore MELD está bem descrito na literatura.4, 6, 8, 15, 21, 29
Trabalhos7, 29 que também utilizaram o escore MELD calculado evidenciaram
aumento na média do escore no período após sua implantação, embora não tenham
atingido significância estatística. Ahmad et al.7 calcularam separadamente a média
do MELD calculado e do atribuído para os pacientes com hepatocarcinoma,
comparando as eras pré e pós-MELD, e observaram diferença estatisticamente
significativa com escores MELD atribuídos mais elevados no segundo período.
Freeman et al.,4 Ravaioli et al.6 e Kanwal et al.21 provavelmente pelo tamanho da
amostra estudada, encontraram diferença significativa nas médias do MELD
calculado quando avaliados os períodos pré e pós-MELD.
Neste trabalho, quando comparados os períodos pré e pós-MELD, em
relação às categorias do escore (1 a 14, 15 a 20 e ≥ 21) no dia do transplante,
observou-se que no segundo período houve redução do número de transplantes
principalmente na categoria intermediária do escore, entre 15 e 20, à custa de
aumento de transplantes nos pacientes mais graves com MELD acima de 21. Ou
seja, a implantação do escore na alocação de enxertos de fato permitiu que os
pacientes mais gravemente enfermos fossem transplantados com prioridade.
68
Embora a proporção de pacientes transplantados com escore MELD ≥ 21 no
período pós-MELD tenha sido maior, as taxas de mortalidade caíram de 25,4% no
período pré-MELD para 20% no período pós-MELD. Ademais, a curva de KaplanMeyer comparando a sobrevida após TxH em 18 meses em ambos os períodos,
mostra uma tendência a maior sobrevida no grupo transplantado após implantação
do escore MELD. Quando considerados juntos, períodos pré e pós-MELD, os
pacientes que morreram durante o seguimento de 18 meses após transplante
apresentaram médias menores do que os que sobreviveram. Estes resultados
apontam que o escore MELD foi capaz de alocar com prioridade os pacientes com
doença hepática mais avançada, sem, no entanto, comprometer a sobrevida após
procedimento. Dois outros estudos brasileiros também evidenciaram que não houve
redução na sobrevida após transplante no período após implantação do escore
MELD.30, 31 A sobrevida precoce pós-TxH, tanto dos pacientes quanto dos enxertos,
foi similar nas eras pré e pós-MELD segundo estudo de Freeman et al.4 Trabalhos
de Austin et al.,5 Yoo et al.,9 Sachdev et al.15 e Benckert et al.18 demonstraram não
ter havido redução na sobrevida após transplante em 3,6, 8 e 10 meses após
implantação do escore MELD, sendo que, no último estudo, foi descrita tendência a
maior sobrevida no grupo pós-MELD. A sobrevida em um ano após transplante foi
similar nas eras pré e pós-MELD nos estudos de Ravaioli et al.,6 Kanwal et al.,21
Brown et al.,23 Freitas et al.,29 Gish et al.32 e Teixeira et al.33 Da mesma forma, não
houve diferença na sobrevida em dois anos em ambos os grupos nos trabalhos de
Ravaioli et al.6 e Davis et al.34
Entretanto, é sabido haver maior risco de morte em pacientes transplantados
com escores MELD mais elevados. Kim et al.35 verificaram mortalidade de 5% em
pacientes com escore MELD inferior a 10 e de 26% em pacientes com escores
superiores a 40. Em dois estudos, Onaca et al.36,
37
avaliaram pacientes
transplantados estratificando-os em três grupos conforme os valores do MELD prétransplante, sendo que a sobrevida no grupo com escores mais elevados (MELD
≥ 25) foi menor aos 3,6, 12, 18 e 24 meses pós-transplante. Brandão et al.12
relataram que o escore MELD da data do transplante igual ou superior a 21 foi
preditor independente de risco de morte um ano após transplante em análise
multivariada.
69
Contudo, estudos que avaliam o benefício do TxH alertam que este é maior
em pacientes mais gravemente enfermos. Merion et al.22 analisaram as taxas de
mortalidade em lista de espera e após TxH em 12.996 pacientes. O risco de
mortalidade dos receptores foi 79% menor do que o dos candidatos que
permaneceram em lista de espera para TxH (HR: 0,21; p < 0,001), sendo que, nos
pacientes com escore a partir de 18, a mortalidade em lista de espera suplanta a
mortalidade após transplante. Desta forma, a mortalidade em lista de espera
aumenta progressivamente com a elevação do escore MELD até um valor de 40.22
Em análise complementar do subgrupo de pacientes com escore superior a 40,
através do modelo de Cox, o risco de mortalidade continua menor nos pacientes
transplantados quando comparados aos que permaneceram em lista de espera.22
Gleisner et al.,19 avaliando candidatos e transplantados de três centros do sul do
Brasil, descreveram que os pacientes com MELD mais elevado apresentaram
benefício de sobrevida mais pronunciado e mais precoce após TxH. Pacientes com
escores inferiores também se beneficiaram do procedimento embora o tempo de
seguimento necessário para verificar o ganho de sobrevida após transplante tenha
sido maior.19 Assim, não é possível definir um ponto de corte a partir do qual o
transplante é considerado medida fútil, visto que, apesar de apresentarem sobrevida
pouco mais reduzida após transplante, os pacientes mais gravemente enfermos
continuam beneficiando-se de tal tratamento.
Em suma, neste estudo, a implantação do escore MELD como ferramenta
para alocação de fígados, associou-se com menor taxa de mortalidade em lista e
permitiu que pacientes mais gravemente enfermos fossem transplantados sem, no
entanto, comprometer a sobrevida pós-transplante. Aparentemente as mulheres
estariam sendo prejudicadas na alocação com o emprego do MELD, e outros
estudos, com maior número de pacientes, deverão ser realizados.
70
Tabela 1 - Características e desfechos dos grupos de pacientes em lista de espera
para transplante hepático (TxH) segundo os períodos pré e pósimplantação do escore MELD
Variável
2004 a 2006
2006 a 2008
n = 194
n = 106
52,3 ± 9,4
54,8 ± 8,7
[18 a 70]
[22 a 73]
n = 194
n = 106
Masculino
125 (64,4)
70 (66,0)
Feminino
69 (35,6)
36 (34,0)
206 (84 a 401)
198 (71 a 371)
[3 a 708]
[3 a 714]
n = 188
n = 101
15,0 ± 5,3
15,1 ± 4,9
[7 a 40]
[8 a 40]
Idade do candidato, anos
Sexo do candidato, no (%)
Tempo em lista de espera, dias
Escore MELD
o
1 a 14
104 (55,3)
50 (40,9)
15 a 20
57 (30,3)
39 (38,6)
≥ 21
27 (14,4)
12 (11,9)
0,9 (0,8 a 1,1)
0,9 (0,8 a 1,2)
[0,3 a 9,1]
[0,4 a 3,0]
n = 173
n = 98
137,5 ± 5,0
137,4 ± 4,9
[120 a 147]
[124 a 147]
n = 194
n = 104
34 (17,5)
25 (24,0)
n = 194
n = 106
121 (62,4)
38 (35,8)
Sódio sérico, mEq/L
Hepatocarcinoma, no (%)
Exclusão, no (%)
0,024[1]
0,879[2]
0,736[3]
0,898[1]
0,354[2]
Categorias do escore MELD, n (%)
Creatinina, mg/dl
p
0,327[3]
0,867[1]
0,233[2]
< 0,001[2]
Os dados são apresentados como média ± desvio padrão,mediana e a amplitude interquartil (P25
a P75), [mínimo a máximo] ou contagem (%). p: significância estatística, [1]: teste t de Student, [2]:
qui-quadrado, [3] teste U de Mann-Whitney. MELD: Model for End-Stage Liver Disease.
71
Tabela 2 - Distribuição dos motivos de exclusão de lista de espera para transplante
hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós-implantação do escore
MELD
2004 a 2006
n = 121
2006 a 2008
n = 38
p
Óbito
60 (49,59)
23 (60,53)
0,321
Outros motivos
31 (25,62)
11 (28,95)
0,845
Melhora clínica
12 (9,92)
0 (0,00)
0,071
Desistência
8 (6,61)
0 (0,00)
0,200
Progressão da doença de base
6 (4,96)
3 (7,89)
0,447
Troca de centro de transplante
4 (3,31)
1 (2,63)
> 0,999
Motivo
Os dados são apresentados como contagens (percentuais). p: significância estatística
determinada por qui-quadrado ou teste exato de Fisher.
72
Tabela 3 - Ocorrência de óbito em pacientes submetidos a transplante hepático
(TxH) e em lista de espera comparando os períodos pré e pósimplantação do escore MELD
Óbito
Grupo
N
no
Análise univariada
%
HR
1
IC95%
p
Análise multivariável
HR
IC95%
p
Após TxH
2004 a 2006
130 33
25,4
1
2006 a 2008
115 23
20,0 0,74 0,44 a 1,27 0,275 0,74[1] 0,43 a 1,29 0,287
2004 a 2006
194 60
30,9
2006 a 2008
106 23
21,7 0,72 0,44 a 1,16 0,172 0,79[1] 0,47 a 1,31 0,361
Em lista
1
1
TxH: Transplante hepático; HR: hazard ratio; [1]: hazard ratio obtido em modelo de regressão de Cox
ajustando para os fatores idade do receptor, sódio sérico, creatinina, escore MELD e presença de
hepatocarcinoma; IC: intervalo de confiança, p: significância estatística.
73
Tabela 4 - Características e desfecho (óbito) dos grupos submetidos a transplante
hepático (TxH) segundo os períodos pré e pós-implantação do escore
MELD
Variável
Idade do receptor, anos
Sexo do receptor, no (%)
Masculino
Feminino
Tempo em lista de espera, dias
Escore MELD
Escore MELD sem CHC
Categorias do escore MELD, no (%)
1 a 14
15 a 20
≥ 21
Creatinina, mg/dl
Tempo de protrombina, RNI
Bilirrubina total, mg/dL
Sódio sérico, mEq/L
Hepatocarcinoma, no (%)
Transplante conjugado, no (%)
Óbito, no (%)
2004 a 2006
n = 130
55,2 ± 8,6
[23 a 72]
2006 a 2008
n = 115
53,1 ± 10,2
[14 a 72]
p
0,087[1]
0,041[2]
79 (60,8)
51 (39,2)
485 (209 a 570)
[5 a 1238]
16,2 ± 6,0
[7 a 39]
16,2 ± 6,0
[7 a 39]
85 (73,9)
30 (26,1)
373 (117 a 620)
[2 a 1891]
17,8 ± 7,4
[7 a 40]
20,1 ± 7,6
[ 7a 40]
0,280[3]
0,076[1]
< 0,01[1]
0,001[2]
54 (41,5)
59 (45,4)
17 (13,1)
1,0 (0,8 a 1,3)
[0,3 a 7,8]
1,6 ± 0,5
[1,0 a 4,7]
2,3 (1,4 a 3,5)
[0,3 a 32,9]
136,5 ± 5,2
[107 a 148]
41 (31,5)
5 (3,8)
33 (25,4)
43 (37,4)
35 (30,4)
37 (32,2)
1,0 (0,8 a 1,2)
[0,3 a 13]
1,7 ± 0,8
[1,0 a 5,6]
2,6 (1,2 a 5,0)
[0,3 a 43,0]
136,3 ± 4,4
[119 a 148]
44 (38,3)
10 (8,7)
23 (20,0)
0,229[3]
0,493[1]
0,150[3]
0,680[1]
0,333[2]
0,189[2]
0,459[2]
Os dados são apresentados como média ± desvio padrão, mediana e a amplitude interquartil (P25
a P75), [mínimo a máximo] ou contagem (%). p: significância estatística, [1]: teste t de Student, [2]:
qui-quadrado, [3] teste U de Mann-Whitney. MELD: Model for End-stage Liver Disease. RNI: Razão
Normatizada Internacional
74
1,0
0,9
Pós-MELD
Proporção de sobrevida
0,8
0,7
0,6
p = 0,170
0,5
Pré-MELD
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
0
3
6
9
12
15
18
21
24
Seguimento em lista de transplante (meses)
Fig. 1 -
Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida em lista de espera para transplante
hepático (TxH) entre os períodos pré e pós-implantação do escore MELD.
75
1,0
Pós-MELD
0,9
Proporção de sobrevida
0,8
0,7
0,6
Pré-MELD
p = 0,275
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
0
6
12
18
24
30
36
42
48
Seguimento pós-transplante hepático
Fig. 2 - Curvas de Kaplan-Meier comparando a sobrevida (em meses) após transplante hepático
(TxH) entre os períodos pré e pós-implantação do escore MELD.
76
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79
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS
Determinar quem deve receber um fígado proveniente de doador falecido é
uma decisão cada vez mais complexa e difícil, basicamente pela grande
discrepância entre o número de candidatos e o de órgãos disponíveis, ainda mais se
tendo o entendimento de que não haverá, em nenhum momento, um número de
doadores suficiente para atender à demanda. A questão torna-se ainda mais
complicada quando as taxas de doação são pequenas. Por exemplo, em 2010 a
taxa de transplantes de fígado por milhão de habitantes no Brasil foi de 6,5 enquanto
na Espanha foi de 20,65.
O escore MELD, desenvolvido nos Estados Unidos, é um robusto preditor de
morte, em três meses, de pacientes com doenças hepáticas crônicas. Por esta razão
aquele país o adotou em 2002 para ordenar os pacientes em lista de espera para
transplante hepático com enxerto de doador falecido. Estudos norte-americanos,
analisando desfechos em milhares de pacientes, mostraram que a introdução do
escore na alocação de enxertos para transplante hepático atingiu seus principais
objetivos: reduzir a mortalidade em lista de espera sem comprometer os resultados
do procedimento. Os excelentes resultados observados com o emprego do MELD na
alocação
de
fígados
motivou
sua
introdução
em
vários
outros
centros
transplantadores, inclusive no Brasil.
Por outro lado, é surpreendente que até aos nossos dias o SNT não tenha
organizado um banco de dados, alimentado pelas equipes de transplantes e pelas
Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs), acessível
aos transplantadores, dentro de normas previamente acordadas, para análise
científica de suas políticas e ações. Desta forma, a tarefa de estudar vários aspectos
das políticas públicas referentes ao transplante hepático tem sido assumida pelas
equipes transplantadoras.
Os resultados do artigo advindo desta dissertação mostram que a introdução
do escore MELD, no centro de transplante hepático do Complexo Hospitalar Santa
Casa de Porto Alegre, na alocação de fígados de doadores falecidos se associou
com menor mortalidade em lista de espera quando comparados os dois períodos.
Apesar de não ter sido observada uma diferença com significância estatística entre
80
as taxas de mortalidade − talvez pelo pequeno número de pacientes avaliados −,
esta é uma boa notícia e sinaliza que a introdução do escore MELD na alocação
está atingindo um dos objetivos propostos. O artigo também apontou que o emprego
do MELD na alocação não comprometeu os resultados pós-transplante, atingindo,
pois, outro dos objetivos almejados.
Contudo, a mortalidade de pacientes em lista de espera para um transplante
não está associada apenas à gravidade da doença que motivou a inclusão em lista.
Entre outros fatores, depende das taxas de doadores e de órgãos efetivamente
aproveitados. Apesar de haver no cômputo geral, um lento aumento no número de
transplantes de órgãos no Brasil, ele não é consistente, e as políticas públicas a
respeito são tímidas e esporádicas. Portanto, cabe ao SNT aperceber-se de que
todo investimento no setor ficará comprometido se não forem contempladas todas as
etapas do processo de doação/transplante.
A necessidade de se aperfeiçoar o escore MELD em sua utilização no
sistema de alocação − sem perder sua objetividade − estimulou o aparecimento de
escores derivados que também deverão ser estudados em nosso país e, sendo
demonstrada a superioridade de algum deles em relação ao modelo original, deverá
se considerar sua substituição.
81
ANEXO
82
Anexo 1
TERMO DE CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS
A pesquisa “Impacto da implantação do escore MELD na alocação de
fígados e nos resultados dos transplantes hepáticos: a experiência de um
centro brasileiro“ será realizada no Hospital Dom Vicente Scherer da Santa Casa
de Porto Alegre, como parte de atividades para a obtenção do título de Mestre. O
objetivo principal será avaliar o impacto da implementação do escore MELD como
método de alocação de órgão para pacientes em lista de transplante de fígado. Será
realizada análise do banco de dados e, quando necessário, revisão de prontuários
dos pacientes atendidos pelo Grupo de Transplante Hepático, transplantados entre
2004 e 2008, neste hospital.
Garantimos que os pacientes titulares dos prontuários analisados não serão
identificados e que se manterá o caráter confidencial das informações relacionadas
à sua privacidade. Os dados obtidos serão utilizados unicamente para fins
científicos, na presente pesquisa e em sua divulgação.
Comprometemo-nos a proporcionar à instituição informações atualizadas
obtidas
durante
o
estudo,
garantindo
resposta
a
qualquer
pergunta
ou
esclarecimento a qualquer dúvida a respeito dos procedimentos utilizados ou demais
assuntos relacionados à pesquisa, ainda que esta não tenha sido finalizada.
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(Dissertação Final Adriana Machado)