PPP, CONCESSÕES E SUBSÍDIOS CRUZADOS
por Rubens Teixeira Alves*
Um dos pontos mais difíceis na modelagem institucional de setores de serviços
públicos objeto de parcerias com o setor privado é a definição dos subsídios cruzados.
Este pode ser entendido como o superávit obtido de pagadores de tarifa, considerados
ricos, aplicado em benefício de usuários considerados necessitados. Com o advento das
Parcerias Público-Privadas (PPPs), esse assunto será novamente muito discutido, pois a
nova Lei das PPPS permite a suplementação tarifária por parte do Poder Concedente,
prática vedada nas Concessões. Se há essa possibilidade, por que manter subsídios
cruzados obscuros?
O problema no Brasil é que a escolha entre os grupos onerados e os
beneficiários ainda está no âmbito das Concessionárias, públicas ou privadas, e essa
tarefa cabe apenas ao Poder Público. Trata-se de escolher uma estrutura tarifária que
beneficie ou onere um dos lados do mercado. Deve-se cobrar mais de carros ou de
caminhões, de passageiros ou de carga, de veículos pesados ou de leves? Os grandes
consumidores devem ser privilegiados ou onerados, os consumidores residenciais
devem pagar mais ou menos que os industriais?
Para resolver esse dilema é necessário definir claramente que queremos um
sistema do tipo quem-usa-paga ou quem-polui-paga – como o utilizado na Europa,
depois de longa experimentação de modelagem nos diversos setores. Essa regra trata
pagadores e usuários igualmente. Exceções devem ser decididas apenas pelo Poder
Público. O objetivo deve ser, no entanto, o menor subsídio cruzado possível, pois ele
sempre dependerá de escolhas éticas difíceis entre grupos populacionais de igual
legitimidade.
Outro elemento que pode ser utilizado para definir tarifas justas é a definição
de que, havendo subsídio cruzado, ele beneficiará grupos sociais próximos ou na
mesma região geoeconômica. Esse princípio também é muito utilizado na Europa, para
inibir a transferência arbitrária de recursos de uma região para outra, por meio do
balanço das Concessionárias, e sem a devida validação política. A alocação de recursos
recolhidos por impostos ou tarifas já causou inúmeros conflitos políticos graves e pode
desestabilizar uma economia, se mal aplicada.
Com as Leis de PPP e de Concessões, em breve o Brasil terá em vigor
simultaneamente dois sistemas, que deverão conviver em harmonia, e cuja
comunicação será o subsídio cruzado explícito.
As Concessionárias estaduais de saneamento sobrevivem porque praticam um
subsídio cruzado não muito explicitado, transferindo superávits de determinadas
regiões em que atuam para outras que necessitam de investimento e preços baixos
para atrair demanda. A utilização correta das leis mencionadas, ou seja, concessões
devem gerar superávits para a suplementação tarifária das PPPs, preferencialmente
para atender populações que vivam na mesma região, vai reduzir a demanda sobre o
orçamento fiscal para investimentos.
Um problema detectado no sistema de concessões rodoviárias no Brasil é que
não há um planejamento regional integrado que busque o equilíbrio entre as rodovias
superavitárias e as que necessitam de suporte financeiro do Governo para sua
manutenção. Definir uma concessão sem considerar a captura do superávit pelo Poder
Concedente limita a possibilidade de um subsídio cruzado eficiente. Quando o Brasil
tiver concedido todas as rodovias consideradas viáveis para concessão, o que faremos
com aquelas que não possuem tráfego suficiente para tal nem verbas orçamentárias
para sua manutenção? Estudos recentes apontam para a possibilidade de o Governo
obter, em troca da outorga da concessão de uma rodovia como a Régis Bittencourt,
mais que US$ 120 (cento e vinte) milhões à vista, além do investimento necessário à
via, desde que se aplique a tarifa média praticada na Dutra – como o Governo poderá
ignorar isso?
O sistema de PPP em economias emergentes, em que o Estado não possui
sobra fiscal para investimento, deve se basear na possibilidade de captura de
superávits intra-setoriais e na suplementação tarifária de origem fiscal muito bem
definida no tempo e no espectro populacional. Não há mais espaço para subsídios
gerais com público-alvo mal definido – como parece ser o caso das empresas de
saneamento estaduais. Há suspeitas fundamentadas de que o pobre da capital subsidie
o consumidor de água rico do interior e de que a rigidez dos contratos de concessão de
rodovias vá impedir que o Poder Concedente capture parte do superlucro previsto para
certos casos reais no Brasil.
Tudo indica também que é prioritário partir para o planejamento da infraestrutura logística para suportar a atividade econômica nas linhas de acesso e no
entorno de nossas 12 regiões metropolitanas, reduzindo a ênfase nos corredores
estruturantes, como o do Mercosul, que aliena o interesse local em benefício de uma
integração longínqua geograficamente colocada num futuro distante.
Com as Leis de PPP e Concessão, teremos, portanto, a oportunidade de
melhorar a qualidade do planejamento das ações públicas em setores em que agentes
privados exerçam o papel do Estado, por solicitação deste. O Governo não deve
apenas ceder espaço de atuação ao setor privado nas atividades que gerem superávit,
mas definir previamente o papel deste no suporte a atividades, no mesmo setor, sem
atrativos econômicos imediatos.
O Governo também deve definir com maior clareza que subsídio cruzado é
função do Estado. Seria positivo se essa prática fosse inibida sem que os interessados
fossem devidamente informados e consultados. O planejamento integrado entre PPPs e
Concessões vai alavancar mais projetos do que haveria isoladamente. Deve equilibrar
o desenvolvimento em regiões vizinhas com sistemas econômicos assimétricos, reduzir
necessidades fiscais para investimento, dar clareza à definição tarifária e criar um
mecanismo de troca de ônus e incentivos que vai beneficiar a economia e recuperar o
crescimento.
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Rubens Teixeira Alves é diretor da KPMG no Brasil.
Fonte: Valor Econômico em 27/07
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