A IDENTIFICAÇÃO ENTRE A CATEGORIA TRABALHO E O SERVIÇO SOCIAL
Maria Izabel da Silva1; José Fernando Siqueira da Silva2
RESUMO Este trabalho apresenta um sucinto esboço analítico acerca da polêmica
identificação entre a categoria Trabalho e o Serviço Social, visando contribuir para
responder a intrigante questão: O Serviço Social é (ou não) trabalho? Para tanto,
trabalha na perspectiva do materialismo histórico dialético de Marx, optando pela
tradição ontológica de Marx e Lukács, contando com a interlocução de Ricardo
Antunes. Trata-se de uma pesquisa em andamento que culminará numa tese de
doutorado no Curso de Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista – UNESPFranca.
Palavras-chave: Trabalho; Serviço Social. Emancipação humana.
IDENTIFYING BETWEEN WORK AND SOCIAL WORK
ABSTRACT This paper presents a brief analytical sketch of the controversy about
the class identification between work and Social Work, to contribute to answer the
intriguing question: Social Work is (or not) a work? For this, it works from the
perspective of historical and dialectical materialism of Marx, opting for the
ontological tradition of Marx and Lukács, with the dialogue of Ricardo Antunes. This
is an ongoing study that will culminate in a doctoral thesis in the Course of Social
Work from the Universidade Estadual Paulista – UNESP, Franca.
Keywords: Work, Social Work. Human emancipation.
1
Comentários iniciais
Nas últimas décadas, a centralidade da categoria trabalho vem sendo questionada,
principalmente em função das profundas metamorfoses evidenciadas no mundo do trabalho,
entre os quais Antunes (2005) aponta o desemprego estrutural, a precarização das condições
de trabalho, a flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas e a crescente
degradação da relação metabólica entre homem e natureza.
Numa perspectiva de totalidade, é oportuno esclarecer que trata-se de um cenário de
crise estrutural do capital3, em escala global, que se arrasta há quatro décadas, sem aparentes
perspectivas de superação, e que teve como respostas, na esfera política e ideológica o projeto
1
2
3
Assistente social e Mestra em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e Doutoranda em
Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista – (UNESP-Franca). Professora do Curso de Serviço Social da
Faculdade Católica de Uberlândia-MG, membro do grupo “Teoria Social em Marx e Serviço Social” – UNESP-Franca e
pesquisadora do “Núcleo de Estudos do Trabalho e Gênero – NETeG-UFSC” . E-mail: [email protected].
Prof. Dr. em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Departamento e do
Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Franca), pesquisador do
CNPq. Líder do grupo de estudo “Teoria Social de Marx e Serviço Social” – UNESP-Franca e orientador do Grupo de
Alfabetização Paulo Freire – GAPAF (extensão universitária).
Segundo Meszáros (1989) essa crise é tão profunda que levou o capital a desenvolver “... práticas materiais de
destrutiva auto-reprodução ampliada ao ponto em que fazem surgir o espectro da destruição global” (ANTUNES, 2005, p.
178).
neoliberal e na esfera produtiva a reestruturação produtiva flexível4.
Neste cenário de crise globalizada, são inegáveis os seus reflexos perversos nas
complexas alterações econômicas, sociais, políticas e ideológicas ocorridas, em escala global,
afetando todo o planeta, inclusive os chamados países “desenvolvidos”, as potências que
defendem os interesses do capital globalizado em detrimento dos demais.
No entanto, é oportuno destacar suas consequências nos países considerados em
desenvolvimento, como é o caso do Brasil, onde as condições de vida da grande maioria da
população já eram precárias, sendo agravadas ainda mais a partir do final da década de 1980
com o Consenso de Washington. Trata-se de um consenso entre os representantes do capital
mundial, por meio dos organismos internacionais FMI, BM, BID, G7 e OMC, que definem as
diretrizes de ajustes fiscais, direcionadas, sobretudo aos países em desenvolvimento, focadas
na reforma do Estado, isto é, a (contra) Reforma do Estado5, o Estado Mínimo (para o social e
máximo para o capital).
Nesta perspectiva, no Brasil, essas diretrizes têm sido implementadas pelos governos
neoliberais, inclusive o atual6, considerando a pretensa justificativa da ineficiência da
máquina estatal, que estava pesada, segundo argumenta um de seus principais defensores e
efetivadores Bresser Pereira, a ordem, portanto, é delimitá-lo, reduzi-lo ao mínimo possível,
deixando-o “mais barato, mais eficiente, na realização de suas tarefas, para aliviar o seu custo
sobre as empresas nacionais que concorrem internacionalmente”, segundo Bresser Pereira
(1999, p.14)7. Isso significa que o processo em curso de desresponsabilização estatal, no qual
o Estado transfere grande parte de suas responsabilidades para a sociedade civil,
metamorfoseada em terceiro setor8, quanto ao enfrentamento às mazelas da sociedade
4
5
6
7
8
Vid. HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
Segundo Behring (2003), ocorre uma verdadeira contra-reforma conservadora, com natureza destrutiva e regressiva,
conduzida de forma tecnocrática e antidemocrática.
Governo petista “Lula”, antes de esquerda, eleito com o apoio maciço dos trabalhadores, a quem no passado
representava enquanto sindicalista, se comprometeu em campanha eleitoral a defender seus interesses, mas durante seu
governo de 8 anos, deu continuidade a política neoconservadora do governo anterior FHC, revelando-se puro
continuísmo, sobretudo quanto a implementação das reformas neoliberais, tendo reflexo perverso no país. Referindo-se a
este, afirma Antunes (2006: 49) “Na ponta de cima, atendeu de modo impressionante aos interesses dos grandes bancos,
que lucraram muito mais do que no governo FHC. E, na ponta de baixo, em relação aos miseráveis, fez uma política
assistencialista vergonhosa para a esquerda, mas que rende votos”, acrescentando “O governo do PT é um servo que
realiza com presteza as imposições do Fundo” (idem, p.40). E adverte “o governo Lula [...] tornou-se uma espécie de
paladino do neoliberalismo” (ibid, p.46), concluindo “Lula não é um dos seus, mas faz o que querem: é o servo ideal”
(ibid, p. 50).
Segundo Montaño (2008, p.112), Bresser Pereira inspirou-se no Consenso de Washington ao propor a Reforma do
Estado a partir de quatro elementos: “1. a reforma administrativa, supostamente para desburocratizar e reduzir a máquina
estatal; 2. a reforma da Previdência; 3. as privatizações; 4. a publicização, sob o pretexto de chamar a sociedade à
participação, procura transferir as questões públicas da responsabilidade estatal para o chamado “terceiro setor”.
Montaño (2008) adverte que o “terceiro setor” tem um evidente papel ideológico funcional aos interesses do capital
nesse processo de reestruturação neoliberal. Assim, “terceiro setor”, segundo interpretação do autor é “um subproduto da
estratégia neoliberal e cumprindo uma função ideológica, mistificadora e encobridora do real, que facilita a maior
aceitação pelas contra-reformas neoliberais” (ibid, p.20) (grifo do autor).
capitalista, isto é, o gigantesco (e crescente) pauperismo da classe trabalhadora, as
manifestações resultantes da apropriação privada da riqueza socialmente produzida e da lei
geral da acumulação capitalista, chamada “questão social”.
Desta forma, considerando este cenário complexo e adverso, abordaremos
sucintamente a polêmica e relevante identificação entre Trabalho e Serviço Social,
considerando ainda a não menos importante discussão acerca da centralidade da categoria
trabalho na sociedade contemporânea.
2. Considerações sobre a identificação entre Trabalho e Serviço Social
É oportuno resgatar que essa polêmica temática passou a ser debatida pelos assistentes
sociais a partir da década de 1980, quando a categoria profissional estabeleceu a interlocução
com a teoria social crítica de Marx9, proporcionando as condições teóricas e históricas para o
debate. Período este posterior ao chamado “Movimento de Reconceituação” e o “Congresso
da Virada em 1979” durante o III CBAS em São Paulo, no qual a categoria se coloca numa
outra perspectiva e se aproxima da classe trabalhadora. Neste cenário, a categoria trabalho
passa a ser um dos principais eixos temáticos da categoria, sobretudo no que tange a sua
compreensão das relações sociais estabelecidas sob a ordem burguesa.
Com este entendimento, o Serviço Social nas décadas de 1990 e 2000 produziu
significativas pesquisas sobre a temática trabalho, com heterogêneas abordagens, resultando
em relevante contribuição teórica para as ciências sociais e humanas10.
É igualmente importante destacar ainda que o mundo do trabalho tem sido foco de
inúmeras pesquisas e estudos no âmbito das ciências sociais e humanas, gerando polêmicas
que se intensificaram, sobretudo, a partir de 1980 com o lançamento do livro de André Gorz
“Adeus ao proletariado”. Para Gorz, era o fim da sociedade do trabalho, a classe trabalhadora
não tinha mais importância política no processo revolucionário, diante do surgimento de
novas tecnologias.
Em resposta a Gorz, Ricardo Antunes publicou em 1995 a primeira edição de “Adeus
ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho” com o
9
10
O livro significativo desse momento é de Marilda Iamamoto e Raul Carvalho – Relações sociais e Serviço Social no
Brasil, que foi publicado pela primeira vez em 1982.
É oportuno destacar também que a partir deste período ocorre uma verdadeira avalanche do que convencionou-se chamar
de cultura “pós-moderna” no âmbito acadêmico, refletindo e pervertendo as ciências sociais e humanas, incluso o Serviço
Social, o qual em grande medida rendeu-se aos encantos do ideário “pós-moderno” com o culto fetichizado ao ideário
neoliberal dominante, aliado ao ecletismo teórico e a mediocridade intelectual acadêmica. Vid: SILVA, M.I.; SILVA,
J.F.S. O sucateamento do ensino superior público brasileiro no contexto de crise globalizada contemporânea.
UNESP-Franca (mimeo).
objetivo de “tentar oferecer, com o olhar situado neste canto particular de um mundo marcado
por uma globalidade desigualmente articulada, alguns elementos e contornos básicos
presentes neste debate” (ANTUNES, 2005, p. 18, grifos do autor). Para o referido autor, na
década de 1980, a classe-que-vive-do-trabalho sofreu sua mais aguda crise do século XX,
atingindo sua materialidade e sua subjetividade, afetando a sua forma de ser.
Este debate ganhou força com Claus Offe, o qual considerava que o trabalho deixou de
ser a categoria fundante da sociabilidade humana, conforme entendeu Marx (1980, p.208): “é
condição necessária eterna do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição
natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo
antes comum a todas as suas formas sociais”11 .
Posteriormente, complementando a obra anterior, em 2001, Ricardo Antunes publicou
“Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho”, no qual se
contrapõe as teses que buscavam invalidar a centralidade do trabalho pela perda de sentido da
teoria de valor ou pela substituição do valor-trabalho pela ciência, ou ainda pela vigência de
uma lógica societal intersubjetiva e interativa e informacional, se contrapondo a formulação
marxiana da centralidade do trabalho e da teoria do valor.
Neste cenário de múltiplas interpretações e calorosos debates, a chamada cultura “pósmoderna” toma proveito das interpretações equivocadas do “fim do trabalho”, influenciando o
espaço acadêmico nas ciências sociais e humanas, conforme a “decadência ideológica”
denunciada por Lukács (1981). Esclarecendo, em síntese, que o pensamento “pós-moderno”
busca explicar e justificar as transformações ocorridas na sociedade contemporânea, a partir
da fragmentação do social, mistificando o real, considerando apenas os aspectos superficiais e
singulares das relações sociais.
No entanto, o Serviço Social numa perspectiva contra-hegemônica posicionou-se
criticamente a essa avalanche “pós-moderna”, não se submetendo as equivocadas teses do
“fim do trabalho” e “fim da história”, fundamentando-se na teoria social crítica marxista,
manifestou-se por meio de seus órgãos representativos CFESS, CRESS e ABEPSS.
Esclarecendo que essa perspectiva crítica marxista é o principal referencial teórico do Serviço
Social de forma hegemônica e não homogênea, tendo em vista a inegável influência e adesão
de muitos assistentes sociais ao pensamento “pós-moderno”.
Neste sentido, é importante ressaltar que nas Diretrizes Curriculares de 1996 e no
Código de Ética do Serviço Social de 1993, a temática trabalho ocupa lugar de destaque,
11
Vid. MARX, Karl. Capítulo V: Processo de Trabalho e Processo de Produzir Mais-valia. In: O Capital. V. l I, 5ª ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 201-223.
sendo eixo central na interpretação das relações sociais de produção e reprodução da ordem
burguesa.
Com este entendimento e sendo o Serviço Social uma profissão interventiva e que tem
definido um projeto ético-político, numa perspectiva emancipatória visando outro projeto
societário a partir da superação da sociedade capitalista, entendemos que é imprescindível,
portanto, uma análise crítica e de totalidade das relações sociais vigentes, além do
compromisso ético-político dos assistentes sociais comprometidos com a emancipação
humana, subsidiando assim uma ação profissional coerente com o que se propõe a categoria.
Caso contrário, provavelmente teremos um discurso emancipatório e convincente,
fundamentado por um conjunto eclético de teorias fragmentadas, o pragmatismo teóricoprático, materializado com uma prática pragmática, empirista e conservadora, legitimando
assim os interesses da ordem hegemônica burguesa.
Com este entendimento, esclarece Silva (2010, p.7):
Os desdobramentos que surgem dessa interlocução são altamente positivos à categoria
profissional dos assistentes sociais, uma vez que oferece elementos – situados para além da
profissão – que explicam seu significado social e impedem a retomada de qualquer tipo de
postura sistêmica e endógena. Mais do que isso, exige que o profissional, como sujeito
histórico possível, reconhecendo os limites intrínsecos das profissões (e seus próprios limites
como profissional), mergulhe na trama particular em que está inserido seu trabalho
profissional no sentido de pensar criticamente e agir propositivamente.
Neste cenário complexo e adverso, que apresenta enormes desafios ao Serviço Social,
considerando a reestruturação universitária em curso e a precarização da educação superior no
Brasil, infelizmente parece ser inegável a prevalência da fragilidade da formação profissional
(agravada pela precarização do ensino público e a expansão do ensino privado de qualidade
duvidosa, além do ensino a distância), na qual vigora uma ética mediada por valores pessoais
pautadas no senso comum, além da leitura descontextualizada da realidade social,
evidenciando uma visão endógena. Para enfrentar esta fragilidade nefasta é preciso reafirmar
a análise crítico-dialética de totalidade das relações sociais que permeiam o exercício
profissional, sendo imprescindível repensar o processo de formação acadêmica profissional e
a capacitação dos assistentes sociais inseridos no mercado de trabalho.
Nesta perspectiva, sob a óptica da totalidade e superando a histórica nefasta endogenia
presente no Serviço Social (e pelo histórico sincretismo que a alimenta, além dos resquícios
da herança paroquiana e provinciana presente desde sua origem), e ainda considerando a
evidente identificação entre a categoria trabalho e o Serviço Social, apresenta-se em pauta
dois amplos eixos de análises12, hegemonicamente pertinentes a categoria:
1) O Serviço Social é trabalho e se insere como profissão nos diversos processos de
trabalho;
2) O Serviço Social não é trabalho se tomar como referência a concepção marxiana do
que é trabalho, isto é, enquanto produtor direto de mais-valia absoluta.
No que tange a essa polêmica, entendemos que inicialmente precisamos investigar se
ela é de fato uma discussão da categoria ou se trata apenas do diálogo de um grupo
hegemônico. Em outras palavras nos remete a problematizar se de fato a categoria trabalho
está sendo um dos eixos centrais da nossa profissão e dos nossos profissionais, tanto nos
currículos dos cursos de Serviço Social que orientam a sua formação acadêmica quanto no seu
exercício profissional cotidiano, no que concerne a interpretação das relações sociais sob a
ordem burguesa, conforme preconiza o nosso Código de Ética de 1993 e as Diretrizes
Curriculares de 1996.
Quanto a polêmica enunciada anteriormente, preliminarmente entendemos que o que
está em discussão não é a profissão, mas a atividade que o assistente social desenvolve em
seus múltiplos espaços de inserção profissional. Para tanto, é fundamental considerar o
trabalho e o processo de produção e reprodução das relações sociais em tempo de capital
mundializado, no qual o capital altamente fetichizado expande sua face financeira,
mistificando a relação social entre capital e trabalho. Há expressivas alterações no
metabolismo orgânico do capital que precisam ser retomadas e consideradas, a fim de
subsidiar tal discussão, sendo imprescindível apreendê-las conforme sua historicidade. Sob a
ótica da teoria social crítica, a reprodução das relações sociais na ordem burguesa deve ser
apreendida em sua totalidade concreta, considerando o seu movimento e suas contradições.
Neste sentido, visualizar o Serviço Social na reprodução as relações sociais
historicamente construídas, significa considerar que a profissão participa de um processo
social tensionado por interesses contrapostos, e que podem resultar em distintos projetos:
tanto pode legitimar os interesses do capital, contribuindo na continuidade da sociedade de
classes antagônicas, como também pode ao contrário criar possibilidades reais de transcendêla. Considerando que a profissão possui um caráter fundamentalmente político, levando em
conta o agir profissional individual dos profissionais, e, sobretudo, as relações de poder e os
12
Em âmbito nacional o principal debate sobre o Serviço Social ser ou não trabalho concentra-se na produção teórica de
Iamamoto (1998; 2000; 2007) e Lessa (2007a; 2007b).
condicionantes histórico-sociais nos quais se insere e luta, conforme orienta seu projeto
profissional.
3
Comentários finais
Diante do exposto, não podemos concordar com as equivocadas teses do “fim do
trabalho” já mencionadas anteriormente, nem tampouco a classe proletária perdeu seu
potencial político revolucionário, como demonstram as formulações insipientes defendidas
pelos apologistas da ordem burguesa, entre os quais Habermas13, André Gorz e Claus Offe.
Ao contrário, defendemos a efetivação da emancipação humana societal no trabalho e pelo
trabalho, isto é pela ação coletiva da classe trabalhadora, sendo, portanto imprescindível
resgatar o sentido de pertencimento de classe. Entretanto sabemos tratar-se de um difícil
desafio tendo em vista as evidentes estratégias de cooptação dos trabalhadores para assumir o
projeto do capital, sob a égide da barbárie neoliberal e de reestruturação produtiva flexível,
chamado por Antunes (2005, p.181) de “envolvimento manipulatório levado ao limite”.
Nesta perspectiva, faz-se necessário uma análise mais totalizante da crise globalizada
contemporânea que se arrasta há quatro décadas14, não sendo mais uma crise cíclica, como
gostariam os defensores da ordem burguesa. Entendemos que trata-se de uma crise estrutural
do capital de proporções gigantescas, evidenciando seu quadro crítico de autodestrutividade,
refletindo profundas mutações no mundo do trabalho, bem como na classe proletária que
ampliou-se, apresentando-se mais heterogênea e fragmentada, o que não inviabiliza o seu
potencial revolucionário na efetivação da emancipação humana, mas ao contrário abre
possibilidades para materializá-la15.
No que tange ao Serviço Social, considerada uma profissão inserida na divisão sóciotécnica do trabalho, sofre os impactos das alterações ocorridas no interior do modo de
produção capitalista. As mudanças no mundo da produção incidem diretamente sobre todas
as esferas – política, econômica e social – da sociedade e determinam as modificações no
setor de serviços e, consequentemente nos processos de trabalho nos quais os assistentes
sociais se inserem. Todavia, não podemos deixar de problematizar os elementos constitutivos
dos processos de trabalho e Serviço Social sem levar em consideração a submissão que o
13
Sugestão para leitura sobre o debate entre Lukacs, Antunes X Habermas. Vid. SILVA, Maria Izabel da. O trabalho
docente voluntário: a experiência da UFSC. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010 (no prelo).
14
No Posfácio da 2ª edição de O Capital, Marx afirma “A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores,
analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e permitir a conexão íntima que há entre elas” (p.28).
15
Vid SILVA, José Fernando Siqueira da; SILVA, Maria Izabel da. Reprodução do capital, trabalho estranhado e
violência. UNESP-Franca (no prelo).
capital inflige ao trabalho, principalmente da lógica que movimenta a produção de
mercadorias e que se verifica na própria prestação de serviços e na forma como o trabalho do
assistente social se insere no movimento de acumulação e produção da mais-valia, traços
característicos do modo de produção da vida material capitalista.
Tendo como referência essa controvérsia teórica, este projeto culminará numa tese de
doutorado, na qual pretendemos investigar as concepções dos principais autores que articulam
o debate nacional (IAMAMOTO X LESSA). Para tanto, nos fundamentaremos nos clássicos
Marx, Lukács e Meszáros, bem como nos reportaremos a interlocução com o contemporâneo
Ricardo Antunes, a partir das suas obras: “Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses
e a centralidade do mundo do trabalho”, e “Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação
e a negação do trabalho”.
Desta forma, entendemos que estas duas obras clássicas de Ricardo Antunes são
imprescindíveis para fomentar e subsidiar a discussão polêmica e muito pertinente sobre a
centralidade da categoria trabalho na sociedade contemporânea, bem como para oferecer
elementos analíticos fundamentais para também fazermos a discussão não menos polêmica e
pertinente sobre o trabalho do Assistente Social na contemporaneidade. Assim, esperamos
contribuir com a produção de conhecimentos para o Serviço Social, a partir da elucidação
desta discussão teórica tão relevante e pertinente atualmente à categoria profissional.
Referência
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho. Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005.
_______. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 7ª
reimpressão. São Paulo: Bointempo, abril de 2005B.
_______. Desafios do P-Sol é dar densidade social ao projeto. Correio da Cidadania. São
Paulo, abril, 2006. In: Cultura socialista: os desafios da conjuntura, programa e a estratégia
de construção do socialismo. Florianópolis, n. 4, p. 39-50, Junho de 2006.
CADERNOS ABEPSS. A produção do conhecimento e o Serviço Social. São Paulo: Cortez,
n 5, 1992, 136p.
CADERNOS ABEPSS. Diretrizes curriculares e pesquisa em Serviço Social. São Paulo:
Cortez, n 8, 1998, 117p.
BEHRING, Elaine R. Brasil em Contra-Reforma: desestruturação do Estado e perda de
direitos. São Paulo: Cortez, 2003, p. 171-212, 248-271.
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, N.C. Entre Estado e mercado: o público não
estatal. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, N.C. O público não estatal na
reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de
Janeiro: Revan, UFRJ, 1994.
HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
IAMAMOTO, M.V; CARVALHO, R. Relações sociais e Serviço Social no Brasil. São
Paulo: Cortez, 1998.
IAMAMOTO, M.V. Serviço Social na contemporaneidade. São Paulo: Cortez, 2000.
IAMAMOTO, M.V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho
e questão social. São Paulo: Cortez, 2007.
LESSA, S. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez,
2007a.
LESSA. S. Serviço Social e trabalho: porque o Serviço Social não é trabalho. Maceió:
EDUFAL, 2007b.
LUKÁCS, Gyorgy. LUKÁCS. Organizado por José Paulo Netto. São Paulo: Editora Ática,
1981 (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
MARX, Karl. Capítulo V: Processo de Trabalho e Processo de Produzir Mais-valia. In: O
Capital. V. l I, 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 201-223.
MARX, K. Prefácio da 1ª e Posfácio da 2ª Edição. In: MARX, Karl. O Capital. V.1. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p.15-29.
MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital. São Paulo: Bointempo, 2002.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de
intervenção social./ Carlos Montaño.- 5. ed. - São Paulo: Cortez, 2008.
SILVA, José Fernando Siqueira da. Perspectiva de totalidade e serviço social: elementos
para o debate. UNESP-Franca. (mimeo).
SILVA, J.F.S.; SILVA, M.I. Reprodução do capital, trabalho estranhado e violência. In:
LOURENÇO, E. A. De S.; NAVARRO, V. L.; BERTANI, I. F.; SILVA, J. F. S. DA; SANT’
ANA, R. S. (Org.). O Avesso ao Trabalho: trabalho II, precarização e saúde do trabalhador.
Expressão Popular, UNESP-Franca, 2010.
SILVA,Maria Izabel da; SILVA, José Fernando Siqueira da. O sucateamento do ensino
superior público brasileiro no contexto da crise globalizada contemporânea. UNESP-
Franca (mimeo).
SILVA, Maria Izabel da. A categoria Trabalho no Serviço Social: sob a perspectiva das
obras de Ricardo Antunes “Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade
do mundo do trabalho” e “Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho.” Projeto de Pesquisa para Curso de Doutorado em Serviço Social. UNESP-Franca,
2010.
SILVA, Maria Izabel da. O trabalho docente voluntário: a experiência da UFSC.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.
Download

Maria Izabel da Silva_ Jose Fernando Siqueira da Silva