OLAVO BILAC E A CAMPANHA EM PROL DO SERVIÇO MILITAR
Brasil, quero amar-te e defender-te!
ROBERTO GONÇALVES
•
Bacharel e Licenciado em Filosofia e Psicologia pela UFMG
•
Técnico em Assuntos Culturais do Ministério da Fazenda
•
Em exercício profissional na Escola de Administração Fazendária – ESAF – em
Belo Horizonte.
RESUMO
RÉSUMÉ
Este artigo pretende, através de uma
abordagem panorâmica da vida de
Olavo Bilac, enfocada pelo viés de sua
própria obra, apontar, ao mesmo
Tempo a sua motivação e sua crença
na necessidade de um armamento
nacional amplo e organizado, e,
paradoxalmente,
seu
aspecto
humanitário e sua sensibilidade ao
sofrimento trazido pelas guerras.
A tese implícita é a de que a forma de
viver e lidar com este paradoxo levou
Bilac a obter êxito em seu intento e o
reconhecimento da nação.
PalavrasMilitar
Nacional
1
chave- Nação, Serviço
Compulsório,
Unidade
Ce texte cherche, na milieu d’une
abordage (approche) panoramique de
La vie de Olavo Bilac, envisagée à
travers, d’um apperçu de son l’louvre,
de mettre en evidence, à La fois, as
motivation e as croyance aux besoins
d’um armement nationale fortment
large e organize, ET Le paradox lié a
son
cote humanitaire ET as sensibilité aux
souffraces apportées par lês guerres.
À l’avis de l’autur c’est justement La
façon de vivre CE paradoxe qui a
conuit Bilac à La reussite de son but
ET à La reconnaissance de La nation.
Mots-Clés:- Nation, Service Militaire
Compulsoire, Unité Nationale.
Quando fatos, personagens ou acontecimentos históricos parecem desaparecer da
lembrança, é hora de recordá-los. Todos os anos, em todo o Brasil, um imenso
contingente de jovens é chamado ao ambiente da caserna. Impõe-se-lhes a Nação,
compulsoriamente, a honrosa preparação para a “guerra”: “si vis pacem, para bellum”.
Vamos lembrar um pouco do arauto e principal defensor do serviço militar obrigatório,
cuja missão e preocupação incluía também a alfabetização da juventude brasileira.
A memória do povo é fraca. Hoje, ele ama apaixonadamente um homem, e o segue,
onde quer que ele vá. Chora sua lágrimas e sorri com seu sorriso. Ergue para ele um
altar em seu coração, e o incensa. Muitas vezes, com o tempo, é obrigado a esquecêlo, porque este ídolo tem os pés de barro. Mas Bilac não chegou a ser um ídolo – ele
foi antes, uma alavanca, uma catadupa, e não tinha os pés de barro: seus pés eram de
carne e osso, e muito andaram a fim de promover o ressurgimento do amor nacional,
o qual, por algum tempo se evaporara do coração de muitos brasileiros.
Fins do século XIX – a época não podia ser mais romântica: tudo acontecia no Brasil, e
em proporções suficientes para fomentar imaginações menos férteis. Nascido em
1865, em uma guerra, a qual acompanhou com inocente patriotismo, vibrando com as
vitórias das quais seu próprio pai participava. Assistiu a uma outra, com ceticismo e
tristeza, duvidando não só dos homens, como de seus objetivos.
Bilac nunca foi um mártir – porém não se furtou a passar por tal. Sua pena ativa,
satírica, e um anseio de participar de aventura, levaram-o até mesmo ao cárcere. No
entanto encarou durante muito tempo a política de modo bastante fútil. Durante sua
juventude, sua experiência o levou a perder a fé no cabeça, no líder. E foi uma
experiência prosaica, que o conduziu a uma descrença.
Certa vez, quando tudo estava preparado para uma revolta contra o governo, e o
valente grupo de audaciosos rapazes vai ao encontro do chefão, este “aparece em
ceroulas, com um gorro de lã na cabeça, e o pescoço embrulhado no “cachez-nez”;
trazia na mão um castiçal e espirrava de segundo em segundo. Ouviu-nos com
atenção, e disse muito rouco:- Hoje não pode ser, rapazes, estou muito endefluxado”
Não se deve pensar, entretanto, que Bilac fosse a favor de revoltas. Ele quer é
experimentar emoções diferentes, diferentes situações para analisá-las e criticá-las:“tive vontade de conhecer por dentro uma revolução e me meti naquela como me
teria em qualquer outra”.2
Como o homem é um prisma, em sendo progressista e empreendedor, não podia ser
mais saudosista, por paradoxal que isto seja. As impressões da guerra Brasil-Paraguai
ficaram tão nítidas na sua mente, que muitos anos mais tarde, sua pena evoca as cenas
da chegada do exército, coberto de louros, e de façanhas, misérias e tormentos, os
quais seu orgulhoso pai não cessava de comentar, com algo de saudade, nos serões
2
familiares. A figura do soldado cercada de heroísmo é admirada pela criança ingênua,
que vê em cada medalha, em cada cicatriz, um universo maravilhoso e desconhecido,
onde nada é corriqueiro. Contudo, estas impressões que tanto o comoveram, também
o tornam triste. Além disso, seu pai, severo e intransigente, não o deixa viver uma
infância, não o deixa ser alegre e despreocupado, não o deixa ser um adolescente; fálo um adulto constrangido, metido em roupas novas, enquanto seu desejo é brincar
descalço em algum quintal, e não se estiolar num sobrado da rua do Ouvidor.
Esta falta de compreensão, apesar de tudo, teve um resultado positivo. Mais tarde,
mesmo vivendo em suas noites entre a boemia, acorda cedo e se propõe a trabalhar
metódica e disciplinadamente. E mesmo quando as agruras da miséria financeira o
atingem, não deixa que esta o afete em seu aprumo natural.
Reformula várias vezes suas idéias, contando, por exemplo, o caso de sua prisão em
Lage, cada vez de uma maneira, acusando nas entrelinhas um governo arbitrário e frio,
acusando a si mesmo, deixando claro que o governo fez tudo com os melhores
objetivos, acusando a si mesmo. Por certo deve haver um exagero em tudo quando
diz, pois sua imaginação era indomável. Nas críticas, sua severidade ia às raias do mau
gosto. Nos elogios, elevava o eleito a píncaros incomensuráveis. Não há dúvida de que
Floriano o intrigava; sua personalidade fria e segura chocava com a sua, onde a palavra
de ordem era a emoção. Por isso o analisava sempre, mas se o condenava era de
forma sutil e descompromissada.
Se durante grande parte de sua vida foi incluído na lista negra pelo governo, e não era
bem visto no seio da sociedade conservadora, ainda teve a sorte de, em vida, ser bem
contemplado por todo o país, e as forças armadas agradeceram seu talento raro, sua
autêntica capacidade de comunicação, pois conseguiram o apoio dos brasileiros
quanto ao serviço militar compulsório.
As grandes famílias, as boas famílias, arreliavam-se em sequer supor que seu filho
querido estaria sendo preparado unicamente para matar ou morrer. Já era então
crença que o brasileiro era pacífico por natureza.
Os horrores do Paraguai estariam esquecidos? Ou temia-se uma ressurreição? Os
Voluntários da Pátria já haviam sido pranteados por olhos exauridos. A guerra é um
monstro implacável – não se detém ante as feridas que ainda cicatrizam.
Bilac era profundamente patriota, observador, humano e realista. Odiava a violência e
sofria terrivelmente quando a morte ceifava a vida de quem quer que fosse – “tão vivo
e profundo horror tenho da guerra que os meus nervos estão, há cinco dias,
dolorosamente vibrando, abalados pelas notícias que leio dos primeiros combates
entre russos e japoneses.”3
3
Em 1898, Bilac em uma crônica retrata o espírito brasileiro em face dos males da
guerra: - “Os pais, quando querem intimidar os filhos peraltas e indóceis, dizem cheios
de terror:- olha, se facilita comigo, ponho-lhe uma farda às costas”... A ameaça
parecia tremenda ... Raras vezes deixava de ter efeito ... Desse modo, enquanto na
Europa ser soldado era dever cívico e motivo de orgulho, no Brasil a farda às costas
tornou-se castigo de vadios, peraltas e malandros. 4
A paz mundial estava cada vez mais frágil. Bocaiúva, Coelho Neto e outros, chocados
com o desinteresse brasileiro, tentam acordar o povo, retirá-lo de sua pasmaceira
estéril, fazê-lo compreender o perigo de uma guerra encontrar o Brasil cochilando, de
braços cruzados. Enchiam as colunas dos jornais, iam à praça púbica tentando agitar a
mesma, mas todos malograram.
Todavia, se as famílias brasileiras não queriam soldados, a Europa não tomava
conhecimento disso. Ela os quer, para lutar e vencer.
Como propagandista do serviço militar compulsório, viaja por todo o país, esmerandose em conferências e debates. Como, conquanto romântico é realista, sabe que, quer
seja desejo do brasileiro, quer não, ele se verá envolvido numa urdidura calamitosa.
1914 se aproxima. O Estado alemão invade sub-repticiamente os países indefesos. No
Brasil, apesar de uma surdez pecaminosa ou covarde, Bilac clama contra o absurdo dos
brasileiros natos desconhecerem o idioma pátrio.
O sul do país está infestado. O idioma alemão é de fraco uso, inclusive do analfabeto.
Que é do português? E o que é pior, que é do patriotismo brasileiro? Mas Bilac
impulsiona e vence. Tornam-se obrigatórias escolas legitimamente brasileiras no sul do
Brasil.
Em conferências pró serviço militar, ele tenta fazer brotar a consciência de que para
defender o Brasil, urge amá-lo.
Quando as opiniões contrárias se apresentam, ele replica:- “Os profissionais devem ser
os diretores do quartel democrático e livre, e essa profissão deve ser cercada de todo
o prestígio, de toda a garantia, e de um caráter sagrado. Medo do militarismo? Mas
quando todos os cidadãos forem soldados, ninguém terá mede de soldados, porque
seria infantil e irrisório que todos os cidadãos tivessem medo de si mesmos, das
sombras de si mesmos”.
Em 09 de outubro de 1915, Bilac, pela primeira vez, na Faculdade de Direito de São
Paulo, concita o povo:- “O momento não quer discursos ocos e retumbantes,
sonoridades entontecedoras rolando na esterilidade do vácuo...” E vai assim por
diante, pronunciando o discurso, que mais tarde recebeu o nome de “Cancro”, uma
vez que nele é feita a identificação entre a indiferença moral dos brasileiros, que não
desejavam encarar a realidade de frente, e por isto fugiam às armas a um câncer
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moral. Era impossível que um filho de militar, que quase enxugara as gotas de sangue
vertidas por seu pai, não tivesse, aliada ao seu talento, a fé inabalável na pátria e na
necessidade de servi-la. Este seu entusiasmo, esta sua convicção versou gota a gota,
por vezes em verdadeiros borbotões, sobre o povo.
Apavorado com a possibilidade de desmembramento, pois nunca o Brasil esteve
sofrendo tão gravemente este perigo como então, quando o sul do País estava
literalmente contaminado pelos alemães, até alemães-brasileiros, exorta o Exército
Nacional, por ocasião do banquete oferecido pelo Clube Militar:- “O que me aterra é a
possibilidade de desmembramento. Amedronta-me este espetáculo; este imenso
território povoado por mais de 25 milhões de homens, que não são continuamente
ligados por intensas correntes de apoio e de acordo, pelo mesmo ideal, pela educação
cívica, pela coesão militar...
Ele mesmo se confessa culpado, e acusa cada cidadão de frivolidade, abstenção, não
querer ver que isto corrói e corrompe o patriotismo mais ferrenho. Acusa-se e critica
suas próprias crônicas, que certamente foram influenciadoras de parte da indiferença
política brasileira.
Vai a Minas Gerais, à Academia Mineira de Letras, volta ao Rio, vai ao Rio Grande do
Sul, e em Porto alegre, depois de um brilhante discurso em prol da unidade nacional,
sofre uma decepção; um ex companheiro de jornalismo o acusa de não exercer um
apostolado, mas ser muito bem pago para ludibriar o povo, e em vez de querer
unidade, querer sim, preparar o povo para talvez uma guerra fratricida – o pior dos
males. A isto Bilac responde:- “Sabei que sou digno de vossa estima. Neta campanha
em favor da unidade e da honra do Brasil, dou tudo e nada peço...”
É recebido na Academia de Letras do Rio Grande do Sul, depois de diversos discursos
aos estudantes de Porto Alegre, e vai para Curitiba, onde se dirige, não só aos
intelectuais, mas aos estudantes:- “... para que sejam conjurados os riscos externos é
necessário que o corpo e a alma de cada brasileiro se arme de energia e disciplina, a
fim de que a coletividade ciumenta de coesão e de consciência fique imune de
qualquer fraqueza, e a salvo de qualquer investida de aventura...”
E Bilac percorre o Brasil falando aos jovens, aos velhos, aos estudantes, aos
intelectuais, aos soldados, aos marinheiros, grande apóstolo do civismo, incitando os
corações jovens a sofrer pelo Brasil, a chorar e a amá-lo. E os velhos, procurando entre
as cinzas da descrença aquela união que possibilitasse um novo acender do fogo do
amor à Pátria. E a sua palavra é mais galvanizadora do que pesadas leis estatais.
Ele empolga, acalenta, faz brotar e cultiva. Sua sinceridade fragrante é a maior bala,
que sua voz atira em todos os ouvidos. Enfim, a compreensão surge, os jovens
despreocupados, felizes, os janotas embonecados e mulherengos, sem rumo, sem
ideal, sem sofrimento, os literatos teóricos, os velhos descrentes sentem aos poucos a
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gota d’água mole que fura a petrificação em que se encontravam. Não mais
permitiriam um Brasil dividido, humilhado, ao sabor das potências poderosas, que o
dividiriam como um bolo. Não! Quando o invasor chegasse aqui, encontraria homens
unidos e dispostos a lutar por todos, por cada um, por si mesmos.
As mães, compreendendo que perder seus filhos para a Pátria era a mais honrosa das
perdas, estimulavam-nos e esperavam comovidas até verem-nos de farda e arma ao
ombro, o peito inflado de amor, não só pela Pátria, a qual finalmente estava em
condições de defender-se, mas também pela mãe que os estimulava a seguir um
caminho de honra.
E o entusiasmo foi tão ardente e profícuo que apresentou-se um voluntariado nunca
visto. Foi então preciso devolver aos respectivos tetos, jovens mal entrados na
puberdade, e anciãos, cuja única utilidade era orar para o engrandecimento da nação.
E lia-se em cada rosto animado, nos olhos decididos:- “BRASIL, QUERO AMAR-TE E
DEFENDER-TE”.
Paralelamente, o ambiente da caserna metamorfoseou-se. Era ordem, disciplina, e não
mais soldados analfabetos e praguejantes, mas rapazes das grandes famílias, e de
grandes ideais.
Referências bibliográficas
1- PONTES, Eloy. – A vida Exuberante de Olavo Bilac – Livraria José Olímpio, 1º e
2º volumes- 1944 . Rio de Janeiro
2- ROMERO, S. E RIBEIRO, J. – Compêndio de História da Literatura Brasileira
Rio de Janeiro- 1930
Endereço de contato do Autor- [email protected]
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