MARCA NOTÓRIA E MARCA DE PRESTÍGIO Mestrado em Direito Intelectual Seminário de Direito Industrial Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão Prof. Doutor Dário Moura Vicente Relatório de Mestrado Mafalda Maria Rodrigues dos Santos Sebastião 28 de Setembro de 2009 Marca Notória e Marca de Prestígio Abreviaturas Acordo TRIPS/ADPIC – Agreement on Trade‐Related Aspects of Intellectual Property Rights; Acordo sobre os aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio Ac./Acs. – Acórdão/Acórdãos AIPPI – Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual Al./Als. – Alínea/alíneas Art.º/Art.ºs – Artigo/Artigos BGH – Bundesgerichtshof ‐ Supremo Tribunal Federal Alemão CC – Código Civil CDADC – Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos Cit. – Citada(o) Cf. ‐ Conferir Cfr. – Confrontar CPA – Código do Procedimento Administrativo CPC – Código de Processo Civil CPI – Código da Propriedade Industrial CPP – Código de Processo Penal CUP – Convenção da União de Paris DM – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 2008/95/CE, de 22 de Outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‐Membros em matéria de marcas 1 Marca Notória e Marca de Prestígio FCCN – Fundação para a Computação Científica Nacional ICCAN ‐ Internet Corporation for Assigned Names and Numbers INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial MTP ‐ Medidas Tecnológicas de Protecção OMC – Organização Mundial do Comércio OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual Op. ‐ Obra p./pp. – Página/Páginas Proc. ‐ Processo RMC ‐ Regulamento (CE) n.º 40/94, do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a Marca Comunitária ss. – Seguintes STJ – Supremo Tribunal de Justiça TJCE – Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias UE – União Europeia Vol. ‐ Volume 2 Marca Notória e Marca de Prestígio Índice Introdução ...................................................................................................................... 4 I. Marcas Notórias e Marcas de Prestígio: critérios de classificação............ 6 II. Marcas Notórias e Marcas de Prestígio: enquadramento valorativo ..... 16 1. As funções das marcas ..................................................................................... 16 2. Os riscos tutelados – risco de confusão e risco de diluição ........................ 20 3. Os valores tutelados ......................................................................................... 29 III. Marcas Notórias e Marcas de Prestígio: Regimes Jurídicos .................... 31 1. A excepção quanto ao regime do registo ...................................................... 31 2. A excepção ao princípio da territorialidade ................................................. 35 3. A excepção ao princípio da especialidade .................................................... 36 4. Especificidades .................................................................................................. 43 IV. Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC: alcance substantivo e seu carácter self‐executing ................................................................................................. 45 V. Marcas Notórias, Marcas de Prestígio e Nomes de Domínio .................. 51 VI. Conclusões ............................................................................................................. 62 Bibliografia .................................................................................................................. 67 3 Marca Notória e Marca de Prestígio Introdução As Marcas Notórias e as Marcas de Prestígio são duas classes de marcas às quais, pela abrangência, intensidade, valor e particularidade do seu efeito no consumidor, são aplicáveis regimes jurídicos excepcionais. Regimes excepcionais esses que se verificam a dois níveis: i) ao nível das regras de registo, na medida em que, independentemente de se encontrarem definitivamente registadas, às mesmas são atribuídos efeitos legais, mais especificamente, são reconhecidos direitos sobre as mesmas; e ii) ao nível da aplicação do princípio da especialidade1, na medida em que, em certas circunstâncias, o exclusivo característico do direito à marca é extensível a produtos ou serviços que não sejam nem idênticos nem afins àqueles que a marca comercializa e pelos quais se tornou conhecida do público. Começamos por fazer esta referência para situarmos a relevância jurídico‐ normativa destes dois institutos2. No entanto, para os compreendermos o mais completamente possível principiaremos por definir como os identificar, descrevendo os seus critérios de classificação. 1 Princípio segundo o qual “(…) o âmbito da protecção concedido a cada marca é limitado aos produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada”. Pedro Sousa e Silva, em “O Princípio da Especialidade das Marcas. A regra e a excepção.”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, Janeiro, 1998 – positivado no nosso Art.º 224º, n.º 1 do CPI. Veremos, abaixo, se se aplica a ambas as classes de marcas aqui em causa, ou apenas às marcas de prestígio – ver nosso ponto IV. 2 Na verdade, ponderámos apresentar as consequência legais noutro momento do trabalho, tendo depois decidido que, começar por definir a especificidade de regime destes dois institutos, permite que a interpretação deste texto se faça, desde logo, à luz do âmbito da eficácia destas duas figuras. O que pensamos muito pessoalmente, ressalvando opinião em contrário, é que estudando regras desviantes dentro de um regime de uma categoria de direitos – neste caso do direito à marca –, começar por definir em que consiste esse desvio, essa diferença, permite desde logo ao leitor identificar a sua relevância jurídica, absorvendo depois todos os seus pressupostos e mecanismos de uma forma valorativa mais completa, ampla e integrada. Para nós, definir, de início, porque é importante estudar, investigar ou discutir, certo âmbito científico atalha caminho para a eficácia da sua compreensão global. 4 Marca Notória e Marca de Prestígio Uma vez encontrados os critérios que nos permitem concluir sobre a integração ou não de uma marca num destas duas classes, procuraremos descrever que valores se encontram subjacentes à correlação destas figuras com aqueles regimes excepcionais. Seguidamente tentaremos explicitar o alcance desses regimes, designadamente, que efeitos jurídicos comportam, de que meios de tutela beneficiam. Por último, seleccionámos duas questões específicas e relacionadas com esta matéria, que nos foram sugeridas pelos Ilustres Professores da Disciplina de Direito Industrial no presente curso de Mestrado, e que se mostraram deveras interessantes: i) o carácter self‐executing do Acordo TRIPS/ADPIC, mais especificamente no que respeita ao seu Art.º 16º, n.º 3 que parece inserir disciplina diferente da prevista na legislação nacional (mais propriamente no Código da Propriedade Industrial vigente)3, alargando a excepção ao princípio da especialidade, que nesta está prevista unicamente para as Marcas de Prestígio, às Marcas Notórias; ii) e as questões que os nomes de domínio levantam face a estes dois institutos, em especial no que respeita ao seu entendimento como sinal distintivo atípico que se deve (ou não) subjugar à protecção privilegiada destas duas classes de marcas, bem como no que respeita às consequências jurídicas da dimensão mundial da sua utilização. Esperamos, assim, desenhar um, minimamente completo, levantamento sobre este tema. 3 E comunitária – veja-se Art.º 4º, n.ºs 1, 2, al. d), 3, e 4, al. a), e ainda Art.º 5º n.º 2 da Directiva do Conselho n.º 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos EstadosMembros em matéria de Marcas, agora revogada pela Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 2008/95/CE, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas e que em nada alterou, quanto à matéria em estudo, o regime da directiva anterior. 5 Marca Notória e Marca de Prestígio I. Marcas Notórias e Marcas de Prestígio: critérios de classificação Ao abordarmos este ponto do trabalho vamos começar por fazer referência às Marcas Notórias4. Na base da classificação de uma marca como Notória está um critério quantitativo. Entende‐se, generalizadamente, que a marca em causa tem de ser conhecida de uma parte significativa do público relevante. No entanto, enquanto uns entendem como público relevante o público em geral, outros entendem que relevante, para este efeito, é apenas o público do circuito mercantil (fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores) do produto ou serviço comercializado sob aquele sinal distintivo5. Encontramos ainda uma terceira posição mitigada, a qual, na verdade, nos parece a mais acertada, e que defende que o público relevante varia consoante o 4 A primeira previsão normativa de natureza internacional sobre estas figuras, versa apenas sobre as Marcas Notórias, e encontra-se no Art.º 6º bis da Convenção da União de Paris, de 20 de Março de 1883, que Portugal subscreveu em 1975 (revista em: Bruxelas - 14 de Dezembro de 1900, Washington - 02 de Junho de 1911, Haia - 06 de Novembro de 1925, Londres – 02 de Junho de 1934, Lisboa – 31 de Outubro de 1958 e Estocolmo – 14 de Julho de 1967). 5 Neste último sentido Cf. Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra, 2004, p. 356, e no primeiro sentido Cf. Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Coimbra , 2003, p. 146. Veja-se, ainda, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06 de Maio de 2003, no qual se reconhece a marca TOYS’R’US como notória, podendo, para tanto, ser conhecida apenas junto dos seus consumidores, entendendo-se que só a marca de prestígio precisa de ser conhecida do público em geral. Mencionemos ainda aqui que, pelo menos na doutrina norte americana, a posição de, por exemplo Américo da Silva Carvalho, é denominada de Niche Fame . Vide Roger E. Schechter e John R. Thomas, Intellectual Property – The Law of Copyrights, Patents and Trademarks, Estados Unidos da América, 2003, p. 705, que assim a descrevem: “ In a highly specialized economy, some trademarks may be very well known to narrow groups of consumers, but largely unknown to everyone else.” 6 Marca Notória e Marca de Prestígio tipo de produto ou serviço em causa, isto é, se se tratar de produto ou serviço de grande consumo devemos apurar se a marca é conhecida de parte significativa do grande público consumidor; tratando‐se de um produto ou serviço que pela sua funcionalidade atinge apenas um sector da sociedade, então teremos de apurar o grau de conhecimento junto do público com acesso expectável àqueles produtos e/ou serviços. Efectivamente, se pensarmos num material médico consumido por doentes tratados por hemodiálise, ou até numa marca de fornecimento de peças para martelos de pianos, só as pessoas que têm contacto aprofundado com as necessidades a satisfazer com estes produtos ou serviços, de incidência inevitavelmente sectorial, podem chegar ao conhecimento do respectivo mercado. Defendemos esta terceira posição pois entendemos que se o bem é de restrito consumo pela sua natureza, isto é, se ao consumidor médio é necessária uma condição não comum para ter acesso ao conhecimento daquele tipo de bem, ficariam as marcas que os fornecem em desvantagem inexplicável quando se lhes exigisse que estas fossem conhecidas do público em geral. Outro indicador considerado tem sido a associação directa entre “nome” da marca e “nome” do bem6. De facto, foi já apontado como indicador da qualificação de marca como notória o facto de o público consumidor passar a utilizar o nome da marca como nome do bem7 na sua linguagem corrente. Na 6 Vamos tomar a liberdade de, de ora avante, apenas nos referirmos a “bem”, aqui se incluindo produtos e serviços, assim permitindo uma maior economia descritiva (embora não o faremos quando entendermos que se mostra prejudicial a uma noção rigorosa e jurídica). Aproveitamos para mencionar que, apenas com o Acordo TRIPS/ADPIC se veio a prever expressamente a aplicação do regime previsto no Art.º 6ºbis da CUP aos serviços, por previsão expressa do Art.º 16º, n.º 2 deste Acordo. 7 Quanto a este fenómeno – de nomeação geral do bem pela(s) palavra(s) que integrava(m) o sinal distintivo -, alerte-se para o risco de perda de capacidade distintiva deste sinal ao ponto de, considerada efectivamente perdida tal capacidade, o seu registo ser invalidado com esse mesmo fundamento. Caso ilustrativo do que se descreveu e que merece aqui referência é o da invalidação da marca”Cellophane” já 7 Marca Notória e Marca de Prestígio verdade é um indicador, certamente, mas, como tal, não pode constituir critério, sendo apenas factor de integração daquele grau de conhecimento pelo público relevante. Parece‐nos inadequado que, porque às guloseimas de forma ovóide, recheadas de chocolate e de cobertura colorida variada, se chame normalmente smarties (designação da marca), existindo outros fornecedores no mercado, como é o exemplo das pintarolas, aquela marca (smarties) deixe de funcionar como sinal distintivo de determinada proveniência. Esta generalização de conhecimento leva‐nos a fazer aqui uma outra ponderação que consiste em articular a noção de marca notória com a de facto notório nos termos e para os efeitos em que o mesmo se encontra previsto em sede de direito adjectivo (mais propriamente na nossa ordem jurídica no Art.º 514º, n.º 1 do CPC. Ver também Art.º 87º, n.º 2 do CPA)8. Arriscamo‐nos, quanto a isto, a dizer que, embora não tenham sempre de coincidir ‐ isto é, nem só as marcas cuja fama9 constitui facto notório podem ser consideradas marcas notórias, não existindo uma sinonímia dos termos “notória” para marca e “notório” para os factos, enquanto previstos na lei portuguesa (respectivamente que a mesma palavra passou a ser o substantivo que nomeia o produto plástico em causa, inclusive com integração em dicionário. Desenvolvendo esta matéria de forma bastante completa - incluindo considerações sobre as teorias objectiva e subjectiva para a mencionada invalidação de registo (naquela entendendo-se que a decisão de invalidação deve ser independente da verificação de negligência por parte do titular da marca mas antes por efeitos da mera verificação de facto de “substantivação” do termo, nesta entendendo-se que depende da verificação de nexo de causalidade entre o comportamento do titular e a perda de sinal distintivo) encontramos, Nogueira Serens, A «Vulgarização» da Marca na Directiva 89/104/CEE , de 21 de Dezembro de 1988 (Id Est, No Nosso Direito Futuro), Coimbra, 1995, pp. 99 e ss.. Ver ainda o Art.º 10º do Regulamento (CE) n.º 40/94, do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a Marca Comunitária que visa exactamente evitar fenómenos como o descrito. 8 A celebridade da marca Coca-Cola foi considerada facto notório pela doutrina alemã. Veja-se Nogueira Serens, op. cit., p. 134. Outro autor que parece fazer esta ponte é Hermenegildo Baylos Corroza, em Tratado de Derecho Industrial, p. 822, quando diz “La Ley habla de «notoriedad» del uso de la marca no registrada, utilizando la terminologia del artículo del Convenio de la Unión de Paris, que califica como notorio «el uso» relevante, es decir, el que representa el conocimiento de un heco evidente, que no necesita prueba.”. 9 Não confundir o conceito de marca “famosa” com a classificação de marca como notória ou de prestígio. Aliás no Instituto Nacional da Propriedade Industrial encontram-se, para consulta dos interessados, dois dossiers em cuja lombada se lê precisamente “Marcas Famosas”, nas quais encontramos, dentro de capas de plástico os sinais distintivos impressos, de marcas como a Adidas ou a Benetton, sem que se faça qualquer distinção entre as marcas notórias e as marcas de prestígio. 8 Marca Notória e Marca de Prestígio Art.ºs 241º, n.º 1 do CPI e Art.º 514º, n.º 1 do CPC) – a verdade é que, ocasionalmente, fará todo o sentido que a notoriedade de certa marca acabe por cair naquele conceito de direito adjectivo, em especial nos casos em que estamos perante marcas de grande consumo. Retomando os critérios de classificação em análise e antes de entrarmos na análise das marcas de prestígio, entendemos ser de incluir o que dispõe a Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI ‐ Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well‐Known Marks, Geneva, 2000 10– quanto aos indicadores que se devem ter em conta para se aferir da qualidade de marca notória, que são, a saber: a. O grau de conhecimento da marca no sector do público relevante11; b. A duração, extensão e área geográfica de uso da marca; c. A duração, extensão e área geográfica de promoção da marca, incluindo publicidade e apresentação, em feiras e exposições dos produtos e/ou serviços a que a marca se aplica; d. A duração e área geográfica de quaisquer registos, e/ou pedidos de registo da marca, na medida em que reflectem o uso ou conhecimento da marca; 10 Ver em http://www.wipo.int/about-ip/en/development_iplaw/pub833-toc.htm#TopOfPage. Veja-se, ainda, no article 2 (2) da Recomendação aqui em causa que esta opera com um conceito de sector relevante do público, indicando, como tal: i) os actuais ou potenciais consumidores do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; ii) pessoas envolvidas em canais de distribuição do tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica; iii) círculos de negócio ou comerciais que lidam com o tipo de bens e/ou serviços a que a marca se aplica. Acrescenta a mesma Recomendação, neste mesmo preceito e na sua subalínea (2) (b), que a marca que seja bem conhecida de pelo menos um dos sectores relevantes do público antes referidos, num determinado território nacional, deve ser considerada notória nesse Estado Membro. 11 9 Marca Notória e Marca de Prestígio e. Decisões de sucesso na defesa do direito da marca, em especial, no sentido em que esta é reconhecida como marca notória pelas autoridades competentes; f. O valor associado à marca. (tradução nossa) Tratando‐se de uma Recomendação com a importante origem institucional que tem é imperativo mencioná‐la e considerá‐la. Não podemos, no entanto, deixar de fazer a ressalva de que, embora parecendo que coloca novos critérios para além do quantitativo acima mencionado, para nós a mesma Recomendação não faz senão, nos itens 2. a 6., definir indicadores ou meios de prova do grau de conhecimento do público relevante, que continua a ter um alcance quantitativo. Passemos, então, ao tratamento das Marcas de Prestígio, que pressupõem já juízos de natureza quantitativa e qualitativa. Nesta sede volta a discutir‐se se o âmbito de conhecimento da marca exigido deve dizer respeito ao público em geral ou ao público interessado12. Para aqueles que, como Luís Couto Gonçalves, entendem que uma marca, para ser notória, precisa de ser conhecida do público em geral, a marca de prestígio deve igualmente gozar notoriedade na mesma esfera13. Há até quem exija para estas 12 No entanto, uma decisão deste ano civil do Tribunal da Relação de Lisboa, Ac. de 22 de Janeiro de 2009, sobre a marca SALSA, exige que a marca seja conhecida do grande público consumidor e não apenas dos correspondentes meios interessados. Registe-se, ainda que o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a já mencionada decisão sobre as marcas TOYS’R’US e NAILS’R’US e na mesma declara que para ser de prestígio uma marca tem de ter o seu grau de conhecimento aferido junto do público em geral, enquanto para as marcas notórias releva apenas o seu público consumidor. 13 Luís Couto Gonçalves, op. cit., p. 155. O BGH chegou a tomar decisão com base na exigência de uma taxa de 80% da população como conhecedora da marca para a considerar de prestígio (vide Serens, op. cit. pp. 133 e 134). Em sentido contrário veja-se decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 14 de Setembro de 1999, proferida no âmbito do Proc.º C-375/97, (General Motors vs. Yplon) onde se lê : “(…) 24 O público perante o qual a marca anterior deve gozar de prestígio é o interessado nessa marca, quer dizer, determinado em função do produto ou do serviço comercializado, 10 Marca Notória e Marca de Prestígio marcas uma super‐notoriedade, isto é, um grau de conhecimento superior ao exigido para a qualificação de uma Marca Notória, como é o caso de Nogueira Serens14 15. Salvo o devido respeito, desenvolver este raciocínio comparativo quantitativo exige ainda que se defina, à partida, um quantum para as marcas notórias, para se poder concluir que uma marca (de prestígio) é conhecida por uma quantidade maior do público relevante. Para aqueles que aceitam determinar uma percentagem única mínima para aferição de uma marca como notória – e que já rejeitámos ‐, este critério mostra‐se mais facilmente aplicável do que, para os outros que, como nós, não aceitamos este mínimo. Ou mesmo, uma vez que esse mínimo não se encontra definido e foi até rejeitado pelo TJCE16, ficará por decidir com que marcas notórias há que comparar o quantum de conhecimento a ter em conta como determinando certa marca como notória, para se poder concluir que uma marca, com um quantum superior de conhecimento, é uma marca de prestígio. nuns casos o grande público, noutros um público mais especializado, por exemplo, determinado meio profissional. 25 Nem a letra nem o espírito do artigo 5._, n._ 2, da directiva autorizam que se exija que a marca seja conhecida de determinada percentagem do público assim definido. 26 Deve considerar-se atingido o grau de conhecimento exigido quando a marca anterior é conhecida de parte significativa do público interessado pelos produtos ou serviços abrangidos por essa marca. 27 Ao examinar esta condição, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração todos os elementos pertinentes do processo, a saber, designadamente, a parte de mercado detida pela marca, a intensidade, o alcance geográfico e a duração da sua utilização, bem como a importância dos investimentos efectuados pela empresa para a promover.” (sublinhado nosso) Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61997J0375:PT:HTML . Sobre esta questão de definição de uma percentagem, a nossa opinião é que a determinar-se um valor percentual, este só pode tornar-se imperativo depois de apurado por cientistas, provavelmente das áreas do Direito, da Economia, Marketing e da Estatística, conjuntamente, que investiguem e concluam sobre quais os universos do público a observar, as questões que devem ser respondidas e as fórmulas estatísticas a observar. Entendemos, que, por razões de segurança jurídica, tal percentagem, a provar-se cientificamente possível, deve ser formalmente imposta, mesmo positivada, não devendo, os Tribunais usar uma percentagem para estes efeitos, baseada em alguma arbitrariedade, como, salvo o devido respeito, parece ter sido o caso. 14 Nogueira Serens, A “Vulgarização”…, p. 9. 15 Quanto à incidência territorial do prestígio, consulte-se Jorge Novais Gonçalves, A marca prestigiada no Direito Comunitário das marcas – a propósito da oposição à marca comunitária, Direito Industrial, Vol. V, Coimbra, Janeiro 2008, p. 341 a 344. 16 Ver nossa nota 13. 11 Marca Notória e Marca de Prestígio Há ainda que tratar do critério qualitativo. Para determinada marca se integrar na qualidade de Marca de Prestígio esta tem de gozar desta mesma qualidade. Importa, então, definir como integrar este adjectivo (prestígio) que consubstancia um verdadeiro pressuposto de aplicação de regime, regime esse que em parte consiste na ultrapassagem de um princípio nuclear do direito de marcas e do direito de concorrência que é o princípio da especialidade. Quanto a este critério parece‐nos que aqueles, que usam indicadores como excepcional atracção17, reputação18, boa imagem da marca19, elevado valor simbólico‐evocativo 20 (é o que preferimos), estão no caminho certo. Adiantemos aqui o nosso modesto ponto de vista. O “prestígio” exigido na aplicação deste regime consiste, para nós, numa representação mental associada à marca que evoca, na pensamento do público relevante21, uma imediata e superior avaliação desta e dos bens pela mesma fornecidos, que a torna rara22 e especial no sentido de que poucos atingem esse mesmo grau de avaliação tão positiva. O mesmo é dizer que, sempre que o público toma contacto com a marca a associa a uma esfera reduzida, que apenas alguns atingem, destacando‐ se, de forma extraordinariamente positiva e reputada. Esta confiança e estima por marcas que sejam capazes de produzir este efeito no consumidor trazem, 17 Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Coimbra, 2008, p. 312. Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, p. 378. 19 Jorge Novais Gonçalves, “A marca prestigiada...” , p. 327. 20 Luís Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, Coimbra, 1999, p.169. 21 Relembramos, que, em nossa opinião, será o público do circuito comercial do bem, dependendo este circuito do facto de estarmos perante um bem de grande consumo ou de consumo restrito – ver nossas pp. 6 e 7 acima. 22 Não queremos, no entanto, que se confunda esta chamada da noção de raridade com a “uniqueness or singularity” exigida por parte da jurisprudência norte americana, que se encontra na origem da «dilution theory» e que (o seu apresentador originário) Frank Schechter, em 1927, invocava. Schechter fazia depender directamente o quão diluível podia ser uma marca do seu grau de originalidade. A nossa fonte para esta nota foi, Nogueira Serens, “Sobre a «Teoria de Diluição da Marca» no Direito NorteAmericano,” Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais – Homenagem aos Profs. Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Vol. I, Coimbra, 2007, pp. 201 a 203. 18 12 Marca Notória e Marca de Prestígio certamente, uma capacidade de aviamento (selling power) que só por si é financeiramente avaliável e extremamente valiosa23. Convém distinguir, como o faz Luís Couto Gonçalves24, esta capacidade distintiva e super atractiva da efectiva qualidade dos bens que a marca oferece. Na verdade, concordamos com este autor na medida em que a prova da excepcional qualidade desses bens não é a pedra de toque do prestígio a assinalar, mas a qualidade reconhecidamente estimada da marca. O que verdadeiramente interessa é que o público reconheça uma auréola de excepcional reputação àquela “origem”, que pode vir da qualidade dos seus produtos, do estatuto que os mesmos oferecem, da conotação imediata que a apresentação de determinado bem pode trazer consigo ao nível social, por exemplo. Encontramos, até, terminologias como marcas fortes e marcas fracas, para designar aquelas, que respectivamente, são menos ou mais imitáveis25, mas em nosso entender, estas não satisfazem a concretização dos conceitos de notoriedade (em nossa opinião quantitativo) e de prestígio (em nossa opinião mormente qualitativo), nomeadamente porque muitas marcas, mesmo sendo fortes, não atingem um grau de conhecimento verdadeiramente significativo ou uma avaliação de reputação positiva de tamanha raridade que permitam a sua integração, naquelas classes, com a exigência interpretativa aconselhável, isto é, 23 Sobre os meios de prova de que se podem deitar a mão para provar o prestígio da marca vide Jorge Novais Gonçalves, “A marca prestigiada…”, pp. 339 a 341, a saber: quota de Mercado, alcance geográfico, investimento na promoção, atenção da comunicação social, duração da utilização. E ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de Janeiro de 2009, sobre a marca SALSA, no qual os artigos de imprensa, ou opiniões recolhidas de sítios na internet, contendo impressões de terceiros insusceptíveis de controle ou manipulação, são considerados meios de prova relevantes para a aferição do prestígio de uma marca. 24 Cf. Luís Couto Gonçalves, Manual …, p.313. 25 Roger Schechter e John R. Thomas, op. cit., p. 697 ou Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, pp. 365 e 366. 13 Marca Notória e Marca de Prestígio sem deixar de abrir demasiado os conceitos em causa na medida em que, relembramos, inserem consequências excepcionais. E no que concerne à relação entre as marcas notórias e marcas de prestígio, relevante parece ser analisar se existe algum nível de dependência entre estas. Concretizando, estudar se a marca para ser de prestígio está dependente de um juízo prévio e positivo de notoriedade. Entendemos que o público relevante, para efeitos de aferição da notoriedade de uma marca, varia conforme o bem seja de grande ou restrito consumo. Ora, atendendo aos fundamentos deste nosso entendimento26, não mudamos, logicamente, agora, de critério na aferição do prestígio das marcas. Concluímos, assim, que, exigindo‐se o preenchimento de um requisito igual este servirá ambas as conclusões. O que repudiamos, no entanto, é qualquer pré‐definição no sentido de a uma destas classes de marcas ser exigível maior grau de conhecimento do que à outra. Acrescentem‐se até, as palavras de Américo da Silva Carvalho, “ As marcas notória e de prestígio não têm de ser colocadas na mesma escala hierárquica, mas em planos diferentes (…)27Uma marca pode gozar de maior notoriedade do que outra e ter menos prestígio e vice‐versa.28” Contudo, para que a marca de prestígio seja assim considerada esta tem ainda de passar uma segunda prova, a prova da sua excepcional reputação – a aplicação do critério qualitativo ‐ que é a pedra de toque desta qualificação, e o que, efectivamente, a distingue da marca notória. 26 Ver nossas pp. 6 e 7 acima Direito de Marcas, p. 373. 28 Op. cit. nota anterior, p. 385. Neste sentido ver, ainda, mesmo Autor, Marca Comunitária (Os motivos absolutos e relativos de recusa), Coimbra, 1999pp. 108 e 109 27 14 Marca Notória e Marca de Prestígio Estas delimitações conceptológicas são deveras difíceis e parafraseando Roger Schechter e John R. Thomas29: “it is unlikely that the process will ever evolve from art into pure science.”30 Estabelecidos que estão, de forma resumida, os critérios que têm vindo a ser utilizados para classificar as marcas como notórias ou de prestígio, cumpre agora fazer uma apreciação valorativa dos interesses a tutelar. 29 30 Op. cit., p. 701. “É pouco provável que o processo alguma vez evolua da arte para pura ciência.” (tradução nossa) 15 Marca Notória e Marca de Prestígio II. Marcas Notórias e Marcas de Prestígio: enquadramento valorativo 1. As funções das marcas Por razões de enquadramento, atentemos, antes de mais, nas funções das Marcas. Como é consabido, a função primordial31 da marca é a sua função distintiva, isto é, aquela que permite ao consumidor médio32 distinguir certo produto ou certo serviço de outro produto ou outro serviço (em sentido estrito), e distinguir certo produto ou serviço de uma fonte, de outro produto ou serviço de fonte diferente (sentido amplo). Seguindo Luís Couto Gonçalves33, que opta por uma classificação tripartida destas funções, vamos referir as duas que faltam34: i) a função de garantia; ii) e a função publicitária. 31 Entendendo que estão equiparadas, em termos de relevância, as funções distintiva e publicitária, vejase, Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, p. 144. 32 Este consumidor médio deve ser aferido com base na figura do bónus pater familiae prevista no nosso ordenamento no Art.º 487º, n.º 2 do Código Civil, mas sem perder de vista a sua qualidade de consumidor – ver Américo da Silva Carvalho, “Usos Atípicos das Marcas (Função da Marca)”, Direito Industrial, Vol. III, Coimbra, Fevereiro, 2003, p.93. No sistema canadiano, por exemplo, encontramos a expressão “the casual consumer somewhat in a hurry” - usada no processo que opôs a Mattel, empresa titular da marca Barbie, à proprietária de restaurante cujo nome de estabelecimento era Barbie’s e que era o possessivo diminutivo de Barbara, nome próprio da mesma proprietária – que, na verdade, é descrito pelo Supreme Court como tendo as características do nosso bom pai de família, a saber “It is the probability of the average person endowed with average intelligence acting with ordinary caution being deceived that is the criterion and to measure that probability of confusion”. Veja-se no artigo de J. Tumbridge, na European Intellectual Property Review, Vol. 30, Issue 9, 2008, pp. 359 e 360. 33 Luís M. Couto Gonçalves, “Função da Marca”, Revista de Direito Industrial, Vol. II, pp. 111 e 112. 34 E que, não obstante a existência de várias outras classificações, nomeadamente levantadas por Américo da Silva Carvalho na op. cit. pp. 105 a 107, servem perfeitamente os propósitos conducentes aos valores que pretendemos aqui encontrar. Referiremos, apenas, a função condensadora de good will aventada por Fernandez-Nóvoa, Tratado de Derecho sobre Marcas, Madrid, 2004, pp. 76 a 78, e mencionada por aquele autor português que pode relevar quando tratarmos dos valores protegidos pelas Marcas de Prestígio. 16 Marca Notória e Marca de Prestígio Enquanto a primeira (a função de garantia) consiste numa referência de confiança, para o consumidor, da manutenção de certas características do produto ou serviço, porquanto estes são fornecidos por uma concreta entidade que detém o ónus de um uso não enganoso da marca (para usar a expressão de Américo Silva Carvalho35), a segunda (a função publicitária) consiste na aptidão que o sinal distintivo tem para, junto dos consumidores, promover o conhecimento da sua existência, a sua imagem e, a final, a sua comercialização, o seu consumo. Ora, fazendo a ponte entre as funções presentes no regime que tutela cada uma das classes de marcas em estudo, vemos que, pela própria letra das normas que disciplinam esta matéria, no que respeita às marcas notórias, a função protegida é, sem dúvida, a função distintiva da marca. Efectivamente, desde o Art.º 6º bis da CUP que se prevê normativamente que a protecção aí prevista visa evitar o estabelecimento de confusão de uma marca com outra, quando esta, no país de registo daquela, é notoriamente conhecida como já sendo marca de outrem. Encontramos ainda no direito comunitário, na DM, a mesma previsão na conjugação do Art.º 4º, n.º 1, al. b) e n.º 2 al. d) e, no âmbito do nosso direito interno, no Art.º 241º, n.º 1 do CPI onde se lê: “Art.º 241º 1 – É recusado o registo de marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação, ou tradução de outra notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir‐se ou se, 35 Américo da Silva Carvalho, “Usos Atípicos…”, p.95. 17 Marca Notória e Marca de Prestígio dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.” (sublinhado nosso) Assim se vê que, no que respeita à previsão das marcas notórias o que podemos certamente considerar é que o seu regime procura preservar (pelo menos36), a função distintiva da marca. Já no que respeita à marcas de prestígio a função que encontramos especialmente protegida é a função publicitária da marca. A letra da lei acaba, também neste caso, por nos levar a concluir que há algo a proteger para além da garantia da identificação da proveniência do bem. Na já referida DM, bem como no nosso direito interno, CPI, encontramos redacções que fazem depender a aplicação da sua estatuição ‐ a possibilidade de exclusividade sobre o sinal distintivo com alcance para além do princípio da especialidade – da ameaça de valores que dizem respeito apenas à própria marca, nomeadamente, o seu carácter distintivo ou o seu prestígio. Em ambos os seguintes normativos, no Art.º 4.º, n.º 3 da DM e no Art.º 242º, n.º 1 do CPI, encontra‐se a seguinte expressão: “(…) sempre que o uso da marca posterior procure [sem justo motivo]37 tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá‐los.” 36 Não vamos aqui adiantar a discussão da possível protecção também da função presente no regime das marcas de prestígio, por aplicação do Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC, às marcas notórias, já que abaixo lhe vamos dedicar capítulo próprio. 37 Expressão constante do preceito da Directiva e transposta para a ordem jurídica nacional apenas no Art.º 323º, al. e) do CPI que prevê a tutela penal deste tipo de marcas. A título de informação complementar diga-se que foram aventadas hipóteses de justo motivo, nomeadamente registos anteriores de marcas anteriores de âmbito local ou, por Nogueira Serens, na sua obra A “Vulgarização”…, p. 253, que indica os casos de exercícios de direitos como a publicidade comparativa (entre nós prevista no Art.º 18 Marca Notória e Marca de Prestígio Parece, então, que aqui a preocupação é a de defender a manutenção do efeito no consumidor que se atinge quando se promove ou comunica a marca, e que , no caso das marcas de prestígio ‐ pela sua excepcional qualidade, pelo seu investimento publicitário de grande envergadura, pela simples raridade ou pela sublimação estética que com felicidade do bem atingiu ‐, insere um valor superior na medida em que estas se tornaram especialmente atractivas. Sendo este valor evocativo superior preservado, em consequência, é automaticamente protegido o efeito do mesmo, sempre que a marca é comunicada, ou publicitada, sempre que o consumidor entra em contacto com esta manter‐se‐á aquele efeito especialmente atractivo. Ora, tal evocação dá‐se quando a marca chega ao conhecimento dos consumidores e a publicidade é o meio actual, por 16º do Código da Publicidade), a liberdade de expressão, e a liberdade de criação cultural. Na senda destas “utilizações livres” encontramos uma discussão bastante interessante sobre a Paródia aplicada às marcas. O mesmo autor afirma, na mesma obra, a páginas 254 que, “(…) as marcas de prestígio podem ser objecto de sátira ou paródia [diga-se até que a paródia é obra protegida em sede de Direito de Autor – Cf. Art.º 2º, n,º 1, al. n) do CDADC], mesmo que uma e/ou outra lhe causem os males referidos no Art.º 5º, n.º 2, in fine, da Primeira Directiva”. Ainda neste sentido encontramos, no ambiente jurídico norte americano, em Schechter e Thomas, op. cit., p. 721, a seguinte afirmação “the use of altered trademarks in parodies by «satirists» who sell «no product other than the publication that contains their expression» would not constitute dilution (…)”. Ainda na mesma senda encontramos um caso curioso, descrito em artigo publicado na European Intellectual Property Review (Vol. 27, Issue 11, 2005, pp. 436 a 438), da autoria de Daniel Greenberg, no qual foi chamado a pronunciar-se o Tribunal Constitucional Sulafricano, tendo o mesmo concluído que tinham ido mal os tribunais civis de instâncias inferiores ao decidir que a utilização de uma marca de prestígio nacional - Black Label da firma South African Breweries - numa t-shirt com uma piada racista que indicava que a mesma empresa praticava actos de discriminação racial – num tão sensível mundo de Apartheid – consistia em uso que denegria a reputação daquela marca e ainda por cima para, com isso, se procederem a verdadeiros actos comerciais com intenção lucrativa – a venda de t-shirts. O Tribunal Constitucional Sul-africano, entendeu, então, que o mero facto de um acto expressivo criar desconforto não é suficiente para indicar violação do disposto na Secção 34 (1) ( c) do Trade Mark’s Act - Act 194 de 1993 – e que tal consideração moral é irrelevante se a expressão merecer protecção à luz da Constituição, sendo que o descontentamento deve ser espontaneamente comunicado e que o humor é uma das grandes conquistas da democracia. Em sede de Direito Comunitário ver, ainda, Ac TJCE, de 14 de Maio de 2002, Michael Hölteroff v. Ulrich Freiesleben. Disponível em http://curia.europa.eu/jurisp/cgibin/form.pl?lang=pt&alljur=alljur&jurcdj=jurcdj&jurtpi=jurtpi&jurtfp=jurtfp&numaff=C2/00&nomusuel=&docnodecision=docnodecision&allcommjo=allcommjo&affint=affint&affclose=affclo se&alldocrec=alldocrec&docor=docor&docav=docav&docsom=docsom&docinf=docinf&alldocnorec= alldocnorec&docnoor=docnoor&radtypeord=on&newform=newform&docj=docj&docop=docop&docn oj=docnoj&typeord=ALL&domaine=&mots=&resmax=100&Submit=Rechercher 19 Marca Notória e Marca de Prestígio excelência, de comunicação com estes: aqui está a tutela da função publicitária38. Luís Couto Gonçalves39 no mesmo sentido refere: “A tutela alargada da marca célebre fora do quadro tradicional do princípio da especialidade representa uma viragem na visão da tradicional função jurídica da marca”. Concluímos, assim, que enquanto o regime da Marca Notória tutela a função distintiva da marca, o regime da Marca de Prestígio tutela, para além daquela, a sua função publicitária. 2. Os riscos tutelados – risco de confusão e risco de diluição Ligado à função distintiva da marca está, como já mencionámos, o risco de confusão. De facto, como se disse, a marca serve, primordialmente, para permitir ao consumidor identificar, sem risco de falhar40, determinado bem e a sua proveniência e, ainda, distingui‐lo de outros. Mas o risco de confusão, que stricto sensu significa a dificuldade na distinção de um bem de uma origem de 38 Em Fernandez-Nóvoa, Tratado de Derecho…, pp. 76 a 78, já citado acima, encontramos a chamada función condensadora del eventual goodwill o reputación - que é apresentada como uma função reservada às marcas de prestígio. Ora, salvo o devido respeito, que é indubitavelmente muito, esta não será uma função da marca mas um valor que esta atinge em consequência do seu posicionamento no mercado que acaba por ter, por sua vez, consequências próprias, eventual selling power. A marca serve originariamente para identificar o bem e a sua origem (função distintiva), e serve para veicular ou comunicar as respectivas existência e proveniência (função publicitária). A qualidade, intensidade e grau de eficácia dessa publicidade não devem confundir-se com a utilidade da marca. 39 Função Distintiva …, p. 125. 40 Já vimos acima, nossa nota 31, sobre a noção de consumidor médio. 20 Marca Notória e Marca de Prestígio outro de outra origem, inclui também, o chamado risco de associação, ou risco de confusão lato sensu. Verifica‐se risco de associação sempre que, por identidade ou semelhança41 entre marcas e identidade ou afinidade42 entre bens, o consumidor possa ser levado a pensar que há alguma relação, nomeadamente de grupo empresarial, patrocínio ou outro apoio, do titular da marca conhecida com a nova marca, por forma a conotar entre estas comunhão na origem. Estes dois riscos (de confusão stricto sensu e de associação) estão expressamente previstos nas seguintes normas nos Art.ºs 4º, n.º 1, al. b) e n.º 2 al. d) da DM e no Art.º 241º, n.º 1 do CPI). Já o risco de diluição tem um conteúdo muito diferente. A teoria da diluição ou dilution theory parece ter sido apresentada de forma estruturada, pela primeira vez, em 1927, por Frank Schechter, autor norte‐ americano43. Na sua concepção originária da dilution theory, e conforme descreve Nogueira Serens44, “O que verdadeiramente importava (…) era, pois a 41 Definindo marca que seja reprodução ou imitação de marca anterior veja-se Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, pp. 130 a 140: a análise pode não ser só de semelhança gráfica ou fonética, mas conceptual, sempre que o conceito exista. Veja-se, ainda, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Janeiro de 2009, que trata os conceitos de imitação e usurpação de marcas, dos vários tipos: nominativas, gráfica, mistas, relacionando este conceitos com a necessidade de verificação de risco de confusão. 42 Sobre esta noção veja-se Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, p. 133 a 136., ou Américo da Silva Carvalho, “Usos atípicos…” pp. 83 e 84. Estes serão afins, certamente, se forem substitutos (açúcar e adoçante), complementares (secador de cabelo e escova), acessórios (candeeiros e lâmpadas) ou derivados (leite e iogurte), isto é, aqueles em que se encontra elasticidade cruzada na sua procura (ver Luís Pedro Domingues em “A Função da Marca e o Princípio da Especialidade”, Direito Industrial, Vol. IV, Coimbra, Fevereiro 2005, p. 460). Ver, ainda, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2003. 43 Ver nossa nota 21. 44 Sobre a “Teoria de Diluição…, pp. 202 a 203. 21 Marca Notória e Marca de Prestígio uniqueness or singularity da marca e não o grau de imposição que ela lograra no tráfico. (…)(i) uma marca podia ser conhecida da generalidade da população (…) e ainda assim não ser alcandorável à categoria de marcas diluíveis (…) – a tutela contra a diluição visava, por conseguinte, a salvaguarda de «exclusividade» da marca, e não aquilo em que ela se tornara «by insisting, persistent advertising».” No entanto, outra ordem de ideias surgiu que contraria esta exigência de “natural‐born capacidade distintiva”. A esta tese chamou‐se secondary meaning e determina que a marca pode vir a adquirir, pela forma como se vai impondo no mercado, uma capacidade distintiva que deve ser juridicamente tutelada, não obstante a sua expressão não conter extrema originalidade ou singularidade, podendo, inclusive, ser‐lhe conferido outro sentido na linguagem que não a da identificação do sinal distintivo, nomeadamente nos casos em que as marcas inserem nomes de pessoas. Para esta tese, há um significado que o público acaba por passar a atribuir a um determinado sinal, um segundo sentido, que passa a corresponder à identificação da origem do bem, isto é, como marca45. Esta tese foi, aliás, consagrada na DM no seu Art.º 3º, n.º 3, e no CPI vigente nos seus Art.ºs 238º, n.º 3 e 265º, n.º 2. Concordamos com esta segunda posição. Pensemos na marca Montblanc. Não poderá a mesma ter adquirido capacidade distintiva quando relacionada com canetas, carteiras, relógios e perfumes? Mont Blanc é também o nome do monte mais alto dos Alpes. Cumpre agora descrever em que pode consistir essa mesma diluição. 45 Ver Nogueira Serens, Sobre “A Teoria da Diluição…”, p. 213. 22 Marca Notória e Marca de Prestígio Há duas hipóteses clássicas de diluição e cuja autonomização tem a sua origem ainda nos Estados Unidos da América: a dilution by blurring e a dilution by tarnishment. Na primeira modalidade a marca perde a sua especialidade e raridade pelo seu uso que passa a ser frequente, tornando‐se banal ao ponto de o processo mental de associação automática do sinal a um bem de rara reputação ‐ que dissemos acima defender ser o que atribui a uma marca a sua qualificação como de prestígio ‐, deixar de se fazer, por existirem diferentes fontes e variadas aplicações do mesmo. Ou seja, agora, com a nova marca no mercado, antes do consumidor pensar ou perceber se os sinais estão a ser aplicados para identificar aquele bem e aquele titular (da marca que detinha o prestígio), terá de receber outros inputs, deixando de fazer a associação exclusiva e imediata de que acima falamos. De facto, mesmo que aquela ligação marca‐origem‐bem não se esboroe ao ponto de se perder totalmente aquela ligação imediata, a verdade é que quanto mais restrito for o uso de qualquer semelhança à marca, quanto menos prolífero for o uso dos sinais que integram a marca em contexto diferente do uso da própria marca, mais o automatismo e a exclusividade de entendimento se preservam. Costuma dizer‐se que esta modalidade de diluição corresponde à perda do carácter e capacidade distintiva da marca. No entanto, não se trata aqui da capacidade distintiva inerente a qualquer marca, como requisito até registral, mas de uma capacidade distintiva especial, apenas de alguns, de à sua identificação vir automaticamente associada uma imagem de raridade e reputação excepcional. 23 Marca Notória e Marca de Prestígio Já a segunda modalidade de diluição – dilution by tarnishment – consiste numa utilização do sinal distintivo que conduza a uma relação mental entre a marca de prestígio e elementos depreciativos da mesma, criando para esta uma associação que seja diminuidora da sua dignidade mercantil. Concretizando: é o que acontece se uma marca de prestígio de equipamento de esqui se deparar com a aplicação de sinal idêntico ou semelhante ao seu numa marca de cadeiras de rodas ou de outros artigos ortopédicos, ou em sectores de actividade permitidos mas socialmente reprováveis, como na indústria sexual46. E como é que a lei prevê este(s) risco(s) de diluição? Entre os Art.ºs 4º, n.º 3, n.º 4 al. a) e 5º, n.º 2 da DM e os Art.ºs 242º, n.º 1 e 323º, al. e) do CPI a fórmula é basicamente a mesma. Prevê‐se que marca posterior não possa “(…) tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio de marca anterior ou possa prejudicá‐ los.” A marca posterior tirará partido do prestígio de marca anterior se conseguir que os consumidores, pela configuração do seu sinal, venham a consumir os bens daquela pelo facto de tal sinal indiciar relação com a marca prestigiada, seja esta relação de confusão ou de associação nos sentidos acima descritos ou, simplesmente, porque lhes sugere a marca anterior e com isso os faz sentir mais perto desta47. No fundo, e na senda de Nogueira Serens48, apenas encontramos 46 Encontrado em Nogueira Serens, “A «Vulgarização…»”, p.190, o exemplo mais conhecido deste tipo de diluição é o da venda de posters com a indicação Enjoy Cocaine com o grafismo (lettering e cor) da Coca Cola, no qual o Tribunal reconheceu o prejuízo para a reputação da marca ao ser associada ao estupefaciente. 47 No ordenamento jurídico norte americano é até reconhecido o direito a Fame of Trade Dress. O Trade Dress consiste numa embalagem ou na forma de um bem que é altamente reconhecível, indicando a sua origem, como por exemplo a forma da garrafa da Coca-Cola. No entanto, esta questão não é nada pacífica porquanto toca o registo de design de produtos. O Supreme Court decidiu que a forma de um produto exige prova do secondary meaning para poder ser considerada em sede de teoria da diluição. Ver Roger Schechter e John Thomas, op. cit., pp. 708 a 710.. Ainda sobre a avaliação de risco de confusão e diluição, tendo em conta embalagens, neste caso sobre perfumes, veja-se Ac. TJCE, de 18 de Junho de 2009, LÓréal, S.A e outros v. Bellure NV, disponível em 24 Marca Notória e Marca de Prestígio este aproveitamento se a ideia de prestígio da marca anterior for, de alguma forma, transferível para os bens disponibilizados pelo titular da nova marca. A marca posterior tirará partido do carácter distintivo da marca anterior ‐ e atendendo a que aqui não estamos perante o carácter distintivo elementar das marcas49 mas, como dissemos, de um carácter distintivo com um significado especial – quando se perde aquela representação mental imediata com uma origem de excepção de determinado bem de que acima falámos, por causa da partilha com a nova marca do efeito distintivo da marca anterior e na medida em que esta partilha atraia para si os consumidores pela confusão, pela assunção de associação na origem ou pela proximidade simbólica entre as marcas. Nestes casos, a marca anterior verá desfazer‐se a sua capacidade identificativa privilegiada por banalização, pelo que a perda da capacidade de criar, com exclusividade, aquele processo mental de ligação marca‐origem‐bem é já, também, o prejuízo da sua capacidade distintiva. Sempre que a nova marca crie na mente do público uma associação entre a marca anterior e bens conectados com realidades pejorativas, incómodas ou depreciativas – dilution by tarnishment ‐, a marca posterior estará a prejudicar o prestígio da marca anterior. http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2009:180:0006:0006:PT:PDF 48 Nogueira Serens, “Sobre a «Teoria da Diluição»…”, p. 257. 49 Veja-se a posição da Associação Internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual, tomada em 1990, a qual reconhece que “(…) some marks by reason of their reputation have acquired a value not confined to the Basic distinguishing function of a mark, so that they should be entitled to protection beyond that scope”. Disponível em https://www.aippi.org/?sel=questions&sub=dissolvedcommittees&viewQ=99#99 25 Marca Notória e Marca de Prestígio Note‐se, ainda, que a formulação legal, quer na DM, quer no CPI, incluindo na previsão da sua tutela penal (Art.º 323º, al. e) deste Código)50 parece permitir que estes resultados apenas sejam possíveis e previsíveis, não exigindo a sua verificação e consumação51 52. Diga‐se, ainda, que se discutiu bastante se a diluição se encontrava dependente da existência ou não, em simultâneo, de um risco de confusão53 54. 50 Interessante poderá ser analisar em profundidade a possibilidade de, atenta a respectiva formulação legal, o crime de uso ilegal de marca ser considerado um crime de perigo, sendo que, de acordo com Figueiredo Dias nos parece, mas confessamos que não aprofundámos esta análise, que a al. d) do Art.º 323º do CPI sugere crime de perigo abstracto, na medida em que o risco integra a motivação da proibição e não o seu perigo efectivamente verificado. Temos mais dúvidas no que respeita às marcas de prestígio, porquanto no que concerne a estas a lei prevê os “tipos”de perigo que quer evitar. Não nos podemos alongar nesta análise, para a qual não temos neste trabalho, lamentavelmente, cabimento, mas não queríamos deixar de colocar aqui a questão. Ver Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra, 2004. 51 O BGH já entendeu, conforme explica Nogueira Serens em “Sobre A «Vulgarização» …”, p. 147, que não basta a perda de unicidade da marca para que a diluição se encontre consumada, mas antes é necessário que o titular da marca célebre prove um concreto prejuízo, isto é, que o valor publicitário da marca de facto saia diminuído. Já quanto à jurisprudência norte-americana veja-se Nogueira Serens, op. cit. na presente nota, pp. 270 e 271. No nosso ordenamento jurídico veja-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de Janeiro de 2009, sobre a marca SALSA, do qual resulta a exigência de mera probabilidade de diluição onde se lê “(…) a tal excepcional capacidade evocativa que, justamente, lhe está associada, será indubitavelmente abalada por efeito da diluição que o uso da mesma marca, por uma entidade terceira, e para diferentes produtos ou serviços, forçosamente provocará.”, sendo que da matéria de facto provada não resulta a comprovação de qualquer dano efectivamente verificado àquela data decorrente de qualquer das formas de diluição conhecidas. Ver ainda Acórdão do TJCE, de 27 de Novembro de 2008, proferido no processo C-252/01 Intel Corporation Inc. v. CPM United Kingdom Ltd: “38 Para este efeito, o titular da marca anterior não tem de demonstrar a existência de uma violação efectiva e actual (…). Com efeito, quando seja previsível que essa violação resultará do uso que o titular da marca posterior possa ser levado a fazer da sua marca, o titular da marca anterior não pode ser obrigado a esperar a sua realização efectiva para poder fazer proibir o uso. Contudo, o titular da marca anterior deve demonstrar a existência de elementos que permitam concluir pelo risco sério de que essa violação venha a concretizar-se no futuro.” 52 Uma abordagem interessante, é verificar que, no Art.º 242º, assim como no Art.º 323º al. e) do CPI, parece exigir-se dolo na actuação do agente que pretende registar ou que use nova marca conflituante, o que retiramos da expressão (…) sempre que o uso da marca posterior procure (...). Assim o diz, também, Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, p. 371 que chama a atenção para, no caso do RMC, não se prever que a marca posterior “tenha de procurar” um dos efeitos a evitar, bastando que a mesma venha a beneficiar do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá-los. Pensamos, pela nossa parte, que a fórmula do RMC é a que melhor exprime a teleologia do regime das marcas de prestígio que é essencialmente objectiva, isto é, acima de tudo visa evitar o efeito de diluição destas marcas, independentemente de um juízo sobre a intenção do titular da marca posterior. 53 Nomeadamente quanto ao tratamento desta matéria pela jurisprudência canadiana veja-se A. Kelly Gill, “Famous Marks in Canada: Has the Supreme Court Increased Their Ambit of Protection”, European Intellectual Property Review, Vol. 28, Issue 10, Outubro de 2000, pp. 543 e 544. 26 Marca Notória e Marca de Prestígio No Lanham Act (Estados Unidos da América) lê‐se, na sua Secção 4555, que o termo diluição significa a perda de capacidade distintiva de uma marca independentemente de concorrência entre as marcas e de risco de confusão56. Quanto a esta matéria é muito interessante a posição de J. Thomas McCarthy57 que equaciona quais serão as possibilidades de uma marca se diluir sem que, inerentemente, encontremos a possibilidade do público representar a hipótese da nova marca ter uma qualquer relação legítima, como sponsorship, affiliation or connection (nas palavras do autor) com a marca anterior. No entanto, este acaba por assumir a hipótese de pura diluição, só a reconhecendo como verdadeira nos casos em que aquela associação não acontece e ainda assim a marca sofre lesão no seu prestígio. Ao que cumpre efectivamente atender é ao efeito negativo que a nova marca pode ter na exclusividade de representação mental positiva que a marca anterior gozava. Na verdade, a marca posterior pode ser aplicada (idêntica ou semelhante à marca anterior), a bens não idênticos nem afins, não gerar qualquer dúvida na diferenciação de origem, mas, tão só pelo seu uso, vulgarizar a marca anterior que perde a sua raridade e exclusividade na representação mental já sobejamente por nós descrita58. 54 Veja-se Ac. TJCE, de 18 de Junho de 2009, L’Óréal, S.A e outros v. Bellure NV . No mesmo determina-se que o aproveitamento do carácter distintivo ou do prestígio da marca não pressupõem a existência de risco de confusão (Ver ponto 50 do Ac.). 55 Na sua versão introduzida pelo Federal Trademark Dilution Act, 1995. 56 No mesmo lê-se “The term «dilution» means the lessening of the capacity of a famous mark to identify and distinguish goods or services, regardless of the presence or absence of (1) competition between the owner and other parties, or (2) likelihood of confusion, mistake, or deception”. 57 “Dilution of a Trade Mark: European and Unites States Law compared”, Intellectual Property in the New Millenium, Essays in Honour of William R. Cornish, Cambridge, 2004, p. 174. 58 Nogueira Serens em “Sobre A «Vulgarização…”, p. 138, refere “(…) Quando marcas, que são semelhantes a uma marca célebre, são apresentadas ao público em sectores merceológicos diferentes, não ocorrerá risco de confusão sobre a origem dos produtos, mas existirá uma recordação da marca 27 Marca Notória e Marca de Prestígio Assim, em jeito de súmula, entendemos que enquanto na protecção especial da marca notória encontramos a tutela do risco de confusão, incluindo no seu sentido lato, no regime das marcas de prestígio encontramos certamente a tutela deste mesmo risco ‐ na medida em que, havendo confusão haverá sempre banalização da marca ‐, mas também do risco de diluição, no sentido em que, mesmo quando não haja risco de confusão, a similitude entre marcas ou a aplicação de marca idêntica a outros bens (mesmo que não idênticos nem afins) que gere circulação daquele sinal no mercado, poderá conduzir o público relevante a deixar de rever no sinal distintivo da marca de prestígio anterior a imediata e exclusiva representação de uma origem, de excepção, de um determinado bem. Para além disto, sendo o público confrontado com a aplicação de nova marca idêntica ou semelhante59 em condições degradantes para aquela marca de prestígio anterior, o titular desta pode deixar de ter a esfera da sua sempre boa imagem preservada. célebre, porventura, apenas subconsciente. Assim, a pouco-e-pouco, o público habituar-se-á ao facto de que não é um único empresário a usar essa marca: a força distintiva da marca célebre desbota-se, o seu apelo publicitário diminui, a posição exclusiva perde-se.” 59 Há quem defenda que as marcas de prestígio exigem, para que a confundibilidade seja reconhecida, um grau de semelhança maior – op. cit nota anterior, p. 149. Parecendo discordar desta diferenciação cfr. o estabelecido no Acórdão do TJCE Sabel vs. Puma, disponível em http://curia.europa.eu/jurisp/cgibin/form.pl?lang=pt&alljur=alljur&jurcdj=jurcdj&jurtpi=jurtpi&jurtfp=jurtfp&numaff=C251/95&nomusuel=&docnodecision=docnodecision&allcommjo=allcommjo&affint=affint&affclose=aff close&alldocrec=alldocrec&docor=docor&docav=docav&docsom=docsom&docinf=docinf&alldocnorec =alldocnorec&docnoor=docnoor&radtypeord=on&newform=newform&docj=docj&docop=docop&docn oj=docnoj&typeord=ALL&domaine=&mots=&resmax=100&Submit=Rechercher, onde se lê: “24. Neste contexto importa observar que o risco de confusão é tanto mais elevado quanto o carácter distintivo da marca anterior se reconhece como importante. Não pode portanto ser excluído que a semelhança conceptual decorrente do facto de duas marcas utilizarem imagens que coincidem no seu conteúdo semântico possa criar risco de confusão num caso em que a marca anterior possui carácter distintivo particular, intrinsecamente ou graças à notoriedade de que goza junto do público”. 28 Marca Notória e Marca de Prestígio 3. Os valores tutelados Chegámos, então, ao momento de, antes de entrar na análise de aplicação de regimes, compilarmos os valores em causa na protecção conferida a estes dois institutos. Do lado das marcas notórias encontramos a tutela da função distintiva da marca, enquanto esta serve para preservar que determinado bem é identificado com uma certa origem, assim assegurando a verdade e a confiança que é direito do público consumidor. Em nossa opinião, esta mesma função preserva ainda a certeza do titular da marca de que o consumidor chegará até si, até aos bens que este coloca no mercado, de forma directa e fácil. Efectivamente, serve um valor de defesa da veracidade e segurança junto do consumidor, mas ainda um valor do titular da marca de segurança no simples e concreto acesso ao bem por si disponibilizado. Do lado das marcas de prestígio encontramos a defesa do que atrás se disse quanto às marcas notórias60. No entanto, na génese da protecção desta classe de marcas encontra‐se um valor entretanto adquirido no mercado: a sua rara reputação excepcional e o respectivo carácter distintivo especial. Ora, como dissemos acima, a capacidade de um sinal distintivo de criar a representação mental imediata desta reputação advém, certamente, de um factor diferencial, e nomeámos atrás, designadamente, a enorme felicidade de sublimação estética ou um investimento publicitário de grande monta, ou mesmo a excepção na qualidade do bem. Este factor, detido pelo titular de uma 60 Atendendo àquilo em que consiste o fenómeno de diluição por banalização, o risco de confusão em sentido lato é certamente veículo privilegiado para essa vulgarização. 29 Marca Notória e Marca de Prestígio marca de prestígio, corresponde a uma mais‐valia comparativa com as restantes marcas que a ordem jurídica decidiu proteger e salvaguardar como um valor per se. Aqui, protege‐se a função publicitária da marca enquanto veículo deste valor raro e acrescido. Protege‐se, acima de tudo, o titular da marca61. Identificados que estão os valores tutelados cumpre, agora, analisar o alcance dos respectivos regimes jurídicos destas duas figuras. 61 Na doutrina alemã chegou a equacionar-se a defesa do interesse público também com a tutela das marcas de prestígio, na medida em que este sairia protegido da pressão psicológica que a proximidade com a marca de prestígio criaria, levando-o a consumir produtos que não provinham da fonte verdadeira ou que não estavam eivados das características que pretendiam transmitir ao público consumidor. Veja-se, Ana Maia P. da Silva Veiga, Da Função e Uso no Direito de Marca, Tese de Mestrado, Encadernação na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2005, p. 107. 30 Marca Notória e Marca de Prestígio III. Marcas Notórias e Marcas de Prestígio: Regimes Jurídicos Como dissemos quando iniciámos este nosso trabalho, a Marca Notória e a Marca de Prestígio relevam, em especial, juridicamente, na medida em que para estas estão previstos regimes jurídicos reguladores excepcionais. Assim, entendemos que devemos desenvolver as regras de excepção que estes regimes comportam, no que consistem e com que teleologia, limitando‐nos apenas, no final deste capítulo, a fazer referência a algumas outras regras aplicáveis a estas marcas, mas que não se integram naqueles regimes de excepção. Comecemos pela excepção à regra do registo. 1. A excepção quanto ao regime do registo A primeira previsão normativa de natureza internacional sobre estas figuras, versa apenas sobre as Marcas Notórias, e encontra‐se no Art.º 6º bis da Convenção da União de Paris62. O seu principal objectivo era obviar aos efeitos negativos dos regimes jurídicos dos países que faziam depender de registo a constituição do direito de marca63. Com a ideia de que há marcas que são do conhecimento geral, que se sabe que já existem ligadas a certos produtos e que representam determinada origem, 62 Subscrita por Portugal em 30 de Abril de 1975. Vide Luís M. Couto Gonçalves, Direito de Marcas, p.146, onde se lê: “Teve por objectivo atenuar os riscos inerentes ao sistema de aquisição do direito de marca baseado no registo.” 63 31 Marca Notória e Marca de Prestígio conhecidas no mercado pelo seu grau de divulgação e/ou circulação, parecia excessivamente oneroso que o seu uso fosse comummente reconhecido mas que, não havendo registo da mesma, outra marca idêntica ou semelhante àquela se pudesse registar e passasse até eventualmente a impedir aquela de subsistir. Não esqueçamos que o principal valor aqui tutelado é, como antes dissemos, a defesa do consumidor e da sua segurança na distinção dos produtos uns dos outros e como provenientes de determinada fonte, fenómeno para o qual, no quotidiano, a existência ou inexistência de registo é totalmente irrelevante. E acrescente‐se, que a previsão deste regime na CUP teve ainda em especial atenção os efeitos do comércio internacional. Como aliás refere Jorge Novais Gonçalves: “A criação desta figura [da marca notória] teve por objectivo proteger os titulares de marcas cuja projecção internacional as tornava alvos fáceis de actos de usurpação e extorsão, por parte de terceiros que se antecipavam a requerer o registo em países ainda não explorados pelo seu legítimo titular. Nestas circunstâncias, razões de justiça material justificam alterar o normal funcionamento das regras do registo.” 64 Na CUP, no Art.º 6º bis, a questão registral é tratada, determinando‐se que os países signatários desenvolvam mecanismos para impedir que, marca posterior, idêntica ou semelhante, a marca notória anterior, seja registada para bens idênticos ou afins àqueles para que esta é aplicada, se de tal aplicação puder decorrer risco de confusão na acepção ampla já acima descrita. Tais mecanismos consistem na possibilidade de recusa ou invalidação de registo daquela marca posterior, a título oficioso, sempre que a lei do país o permita, ou a pedido de quem nisso tiver interesse. 64 Jorge Novais Gonçalves, “A marca prestigiada…", p. 328. 32 Marca Notória e Marca de Prestígio Na DM (no corpo do Art.º 4º, n.º 1 e n.º 3 – este quanto à marca comunitária ‐ e no n.º 4 ‐ quanto à marca nacional65), assim como no nosso ordenamento jurídico, abrangem‐se já as marcas de prestígio neste regime de excepção. Nos mesmos ordenamentos prevê‐se que a recusa seja oficiosa (por exemplo, Art.ºs 237º, 241º e 242º do CPI). Prevê‐se, também, no CPI vigente, que os interessados possam intervir no processo, opondo‐se ao deferimento do registo da marca posterior, para o que têm estes de apresentar, previamente à sua intervenção, o registo da marca notória ou de prestígio (esta para os bens pelos quais lhe é reconhecida a reputação prestigiante) que querem fazer valer (Art.ºs 241º, n.º 2 e 242º, n.º 2). Esta exigência de apresentação a registo é igualmente efectuada pela lei para que a anulação de registo de marca conflituante66 com marca notória ou marca de prestígio possa ser pedida pelo interessado (Art.º 266º, n.º 2 do CPI), encontrando‐se ainda a mesma regra quanto à proibição de uso ilegal de marca cuja protecção por via penal se encontra consagrada no Art.º 323º, als. d) e e) do nosso CPI . Quanto a este último preceito um requisito é essencial: no momento da instauração do processo crime o pedido de registo tem de estar efectuado67. Em nosso entender estes pedidos de registo prévio têm, também, como finalidade conduzir o titular da marca notória e da marca de prestígio a registar a sua marca, alimentando, com este ónus, a regularidade na ordem jurídica 65 Veja-se, quanto à marca nacional, que a previsão da DM é de transposição facultativa para os EstadosMembros, enquanto no que respeita à marca comunitária é de transposição obrigatória. 66 Entenda-se, como marca conflituante, aquela que é imitação, reprodução, tradução, ou igual ou semelhante à marca notória ou de prestígio. 67 Pode aqui perguntar-se se, em sede de processo crime, se terão de provar factos de verificação necessariamente posterior à data de apresentação daquele registo, mas esta discussão levar-nos-ia longe demais, para fora do âmbito deste nosso estudo. 33 Marca Notória e Marca de Prestígio interna, isto é, que cada marca tenha o seu direito formalizado, mediante registo válido, e protegido de forma segura, ampla e indiscutível, evitando, assim a proliferação e o alongamento de futuros litígios e incertezas jurídicas. Assim, pode dizer‐se que as marcas notórias e as marcas de prestígio constituem excepção ao princípio do registo constitutivo do direito à marca, previsto no nosso ordenamento jurídico no Art.º 224º do CPI, na medida em que são efectivamente protegidas, independentemente de registo, já que a recusa de marca conflituante é de natureza obrigatória e vinculada para o INPI. Na verdade, a exigência prévia de registo constitui um ónus de intervenção procedimental e processual e serve, como vimos, um propósito de regularização de situação registo, conferindo harmonização e uniformização à protecção legal das marcas actuantes em território nacional. E mesmo nos casos em que se impõe a apresentação prévia a registo não se exige a conclusão e o seu deferimento definitivo para que a acção de anulação ou o processo crime possam ser decididos favoravelmente ao titular da marca notória ou da marca de prestígio. Parece‐nos, assim, que estas duas classes de marcas conferem, pela sua qualidade, ao seu titular, a atribuição de direitos exclusivos de uso, arguíveis, defensáveis e reconhecidos pela ordem jurídica independentemente da prévia concessão definitiva de registo68. 68 O titular de uma destas classes de marcas pode ser perfeitamente passivo e ausente perante uma tentativa de registo de uma marca consigo conflituante e ainda assim ver a sua marca, não registada, protegida oficiosamente, mantendo-se, a sua exclusividade no uso do seu sinal distintivo. 34 Marca Notória e Marca de Prestígio 2. A excepção ao princípio da territorialidade Com a criação da mesma norma da CUP, o Art.º 6º bis, e da sua aplicação, acabou por, na prática, resultar um desvio, também, ao princípio da territorialidade69. Na verdade, as marcas valiam apenas para o respectivo território nacional, no qual eram reconhecidas (pelo uso ou pelo registo) e dentro do qual podiam opor o conteúdo da sua protecção a terceiros. Com a crescente internacionalização do comércio, esta protecção dentro de fronteiras, que não coincidiam com os limites geográficos da circulação dos bens, mostrou‐se insuficiente. Assim, é, por vezes, visto como uma norma de excepção ao princípio da territorialidade, o conteúdo do Art.º 6º bis da CUP, porquanto, pela aplicação do mesmo, se reconhecem, em territórios nacionais de países membros da União, direitos de marcas (notórias) que se constituíram noutro território nacional. Esta transposição de fronteiras, nos efeitos que o direito à marca passou a deter, foi identificada como excepção ao princípio da territorialidade70. Como diz António Corte‐Real Cruz71 “Na verdade, a regra da prevalência da marca notoriamente conhecida como pertencente a cidadão de país da União sobre marcas registadas ou usadas por terceiros em Portugal, com ela confundíveis, traduz‐se, afinal, 69 Que nas palavras de Jorge Novais Gonçalves, “A marca prestigiada …”, p. 337, “(…) exprime a limitação geográfica inerente à própria natureza dos direitos de propriedade industrial os quais existem dentro dos limites territoriais da jurisdição de onde emanam (…)”. 70 Assim parece descrever esta excepção Nogueira Serens em “Sobre «A Teoria da diluição…»”, p. 261. 71 Vide António Corte-Real Cruz, “O conteúdo e extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio”, Direito Industrial Vol. I, Coimbra, Janeiro 2001, p. 94. 35 Marca Notória e Marca de Prestígio no reconhecimento de efeitos jurídicos extraterritoriais a uma marca primeiro utilizada noutro estado”. Nomeadamente, com a DM (Art.ºs 4º, n.º 3) e em especial com o Regulamento (CE) n.º 40/94, do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a Marca Comunitária, esta excepção ao princípio da territorialidade tomou ainda contornos mais nítidos. Nos termos daquele regulamento, mais especificamente no seu Art.º 8º, n.º 1, n.º 2. al. c) a existência de marca anterior notoriamente conhecida num Estado‐Membro da Comunidade pode, se invocada pelo respectivo titular e devidamente comprovada, determinar a recusa de registo de determinada marca comunitária, logo, para todo o território da Comunidade – é ainda o que se retira do Art.º 1º, n.º 2 do RMC72. Assim se vê que, a extensão internacional da circulação de bens tem vindo a exigir a criação de regras que ampliem geograficamente o âmbito de protecção aos direitos de marca, pelo menos àqueles que versam sobre marcas cujo conhecimento efectivo em vários territórios é valor adquirido pela imposição da marca além fronteiras. 3. A excepção ao princípio da especialidade Esta é a excepção que mais polémica tem levantado, na medida em que estende o exclusivo de uso da marca a bens que não sejam nem idênticos nem afins aos 72 No qual se lê :“Art.º 1º (Marca comunitária) 2 -A marca comunitária tem carácter unitário. A marca comunitária produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade: só pode ser registada, transferida, ser objecto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a Comunidade. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.” Sobre a unidade da marca comunitária e as preocupações de articulação com os regimes nacionais, ver, Pablo Mourenilla Allard, La protéccion jurisdicional de la marca comunitária, Madrid, 1999 36 Marca Notória e Marca de Prestígio bens a que a marca é aplicada, podendo constituir, assim, um limite à livre concorrência. Esta excepção é, tal como dissemos acima, e sem prejuízo da análise do efeito directo do Acordo TRIPS/ADPIC (que faremos em seguida), aplicável apenas às marcas de prestígio (Art.º 242º, n.º 1 do CPI). Nesta regra encontramos o verdadeiro âmbito de protecção desta classe de marcas. Com a sua previsão e aplicação pretende‐se salvaguardar que certas marcas, que tenham adquirido um determinado nível de reputação e tenham criado, no público, a capacidade de gerarem uma relação mental entre si e uma auréola de excelência, não percam, por amiudadas diferentes utilizações ou por utilizações depreciativas, a capacidade de criar aquela associação mental, ou seja, que não vejam diluída a sua capacidade identificativa e distintiva especial. No entanto, a aplicação desta excepção merece algumas considerações complementares. É que, o facto desta protecção ser um desvio a um princípio estrutural que, como dissemos, é o da prossecução e protecção da livre concorrência, faz com que a sua aplicação deva ser cautelosamente efectuada. Na verdade, não podemos esquecer que a marca de prestígio impedirá o uso ou registo de outra marca para além do princípio da especialidade, se marca posterior constituir tradução ou for igual ou semelhante àquela. Poderá pensar‐ se que quanto maior for o prestígio da marca, maior terá de ser o grau de proximidade entre esta e a marca posterior, porque maior é o grau de clareza na 37 Marca Notória e Marca de Prestígio apreensão de uma marca que tem especial efeito evocativo73. Não pensamos que esta possa ser uma regra assumida como critério de aplicabilidade desta excepção. O que importa é saber se, comparando a marca de prestígio com a marca posterior, a utilização desta última pode (ou não) gerar um dos efeitos parasitas ou prejudiciais que este regime visa evitar, id est, se a nova marca poderá tirar partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou se puder prejudicá‐los. Outro elemento que pensamos dever ser apreciado, também por cautela, respeita à necessidade de cruzamento no mercado entre marcas. É que, para nós, que estamos entre aqueles que entendem que o público relevante, para aferir a existência de uma marca notória ou de prestígio, varia conforme o bem é consumido pelo público em geral ou por um grupo restrito de consumidores, julgamos que a diluição só se dá se o mercado, no qual vier a ser usada a marca posterior, se cruzar com o mercado da marca de prestígio. Assim, parece‐nos, salvo melhor opinião, que apenas encontrando‐se as duas marcas em face do mesmo público se poderá dizer que aquela diluição se poderá verificar. Não obstante termos dito que a análise desta excepção é matéria, pelo menos conforme ao nosso CPI e ao Direito Comunitário, limitada às marcas de prestígio, aproveitamos para fazer aqui um pequeno desvio e voltar às marcas notórias. Isto apenas para indicar que se tem vindo a entender que, quanto maior for o grau de conhecimento da marca, ou a sua notoriedade, maior é o círculo no 73 Ver nossa nota 57 acima. 38 Marca Notória e Marca de Prestígio qual se integram os bens a considerar, idênticos ou afins, para efeitos de integração das limitações ao registo de marcas conflituantes. Quanto a esta relação, afirmamos a nossa concordância. De facto, quando uma marca se torna notória, a mesma traz consigo a presunção de que a sua fonte é de grande expansão ou solidez económica. Numa lógica liberalista e capitalista, o empreendedorismo em sectores de actividade diferentes de grandes empresas tem‐se mostrado comum. Assim, a possibilidade do consumidor por a hipótese já mencionada de relação de grupo, patrocínio, ou outro tipo de apoio já anteriormente referida – quando nos debruçámos sobre o risco de associação ‐, é expressão deste fenómeno. Ora, exemplificativamente, digamos que, se uma marca de artigos de desporto como a NIKE passar a comercializar alimentos vegetarianos, o público mais facilmente pensará que se trata de uma mesma fonte do que se uma marca de roupa menos conhecida o fizer. Ora, se a notoriedade de uma marca faz alargar o escopo da noção de produtos ou serviço idênticos ou afins, alargando do ponto de vista substancial o seu âmbito de protecção merceológica a classes de bens a que marcas não notórias não chegariam, mais se compreende que, detendo a marca de prestígio um valor especial de raridade de reputação a preservar, possa esta ser igualmente limitadora, ainda em maior escala, da esfera de aplicação de marca que com esta tenha proximidade evocativa74. 74 Uma das questões que se pode aventar aqui é a do merchandising que, embora no que respeita a outras classes de marcas se possa discutir se é livre face ao princípio da especialidade, já quanto às marcas de prestígio parece ser claro que está dependente de autorização do seu titular. Face a todo o exposto, certamente que o uso ou a tentativa de registo para este tipo de exploração económica de marca de prestígio consistiriam em actos passíveis de reacção por parte do proprietário desta. Sobre esta matéria 39 Marca Notória e Marca de Prestígio Contudo, a protecção ultramerceológica não chega, automaticamente, a todos os bens no mercado. É preciso que, entre a aplicação da marca conflituante a determinada classe de bens e a possibilidade de verificação de um dos efeitos a evitar ‐ e expressamente consagrados na lei de diluição ou degradação da reputação e do carácter evocativo da própria marca ‐, haja, também, um nexo de causalidade. Queremos com esta exigência de nexo de causalidade dizer o seguinte: em nosso entender, é preciso que a possibilidade de lesão ao carácter distintivo ou à reputação da marca de prestígio decorra do aparecimento e presença no mercado da marca posterior, que, pela sua identidade ou semelhança e aplicação a certos bens, bem como, pela circulação num determinado círculo do comércio, originem aqueles danos. Parece‐nos, adite‐se, ser aqui de aplicar a regra contida no CC, no seu Art.º 563º, aferindo este nexo de causalidade pela teoria da causalidade adequada75. Assim, nem todas as aplicações merceológicas de marca posterior idêntica ou semelhante a marca anterior de prestígio são incompatíveis com a protecção desta, tal como a mesma está prevista no nosso ordenamento jurídico76. veja-se Maria Miguel Rocha Morais de Carvalho, ”Merchandising de Marcas (A comercialização do valor sugestivo das marcas), Coimbra, 2003, pp. 131 e 132. Ver, ainda, Ac TJCE, de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club plc v Matthew Reed, disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2002:323:0022:0022:PT:PDF 75 Vide, Acórdão do STJ, de 02 de Novembro de 2004. No mesmo se afirma: ”(…) o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que, segundo a teoria da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e, depois, que o facto concreto apurado seja, em geral e em abstracto, adequado e apropriado a produzir o dano.” Este critério relevará, ainda, como veremos, no caso de indemnização a pagar à marca lesada, já que, em nosso entender, a tutela civil em sede de responsabilidade civil extracontratual é aplicável neste âmbito, ver nosso ponto III, 4. abaixo 76 Uma questão mais a abordar, e interessante, diga-se, é a colocada por Nogueira Serens, em “A «vulgarização…»”, p. 15, quando este questiona o equilíbrio e a justiça de, por um lado, se preservar a raridade de uma determinada marca para além do princípio da especialidade, em nome da reserva da sua 40 Marca Notória e Marca de Prestígio Ainda quanto ao uso de marca conflituante com a marca de prestígio importa referir que nem todas as utilizações se mostram contrárias à lei, mas apenas aquelas que integrem o uso comercial da marca. Esta concepção, restritiva77, permite que, em última instância, o uso de marca conflituante com a anterior, possa até causar um dos efeitos que se pretendem evitar com a protecção da marca de prestígio, mas se não estiver em causa o uso comercial da mesma, a aplicação do direito industrial e do direito de marcas falha, já que este direito confere um exclusivo de utilização merceológica, comercial, da marca (Art.º 224, n.º 1 do CPI). Com todas estas reservas certamente já se concluiu que estamos do lado daqueles que, como Luís Couto Gonçalves, defendem uma aplicação restritiva desta protecção ultramerceológica. Este mesmo autor, na sua obra “Função Distintiva da Marca”78, defende a interpretação restritiva não só da noção de marca de prestígio, mas igualmente do critério de semelhança entre marcas79, capacidade distintiva e prestígio, como se este fosse um valor frágil e absoluto que se esboroasse com a ameaça de vulgarização, e por outro, se permitir que o titular da própria marca possa, por acordo, transferir a utilização de marca de prestígio a um recém chegado ao mercado, quando o valor do prestígio é, por natureza – pelo menos se genuíno – algo que se adquire, com tempo e penetrando progressivamente, de maneira ultra positiva, no mercado. 77 Veja-se António Corte-Real Cruz, “O conteúdo…”, p.95. Podemos referir, nomeadamente, a publicidade comparativa ou as notícias. 78 Cf. pp. 166 a 176. 79 Um dos Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, mais “ricos”, sobre o âmbito de protecção das marcas de prestígio para além do princípio da especialidade, avaliando todos os seus requisitos de aplicação, nomeadamente no que respeita ao grau de proximidade que as marcas devem ter entre si, e que atenta, ainda, aos limites que devem ser impostos a esta excepção, no sentido em que a mesma encontra a sua fronteira numa exigência de ligação entre bens que, mesmo que não idênticos nem afins, proporcionem a diluição pela proximidade dos seus circuitos comerciais, e que, ademais, descreve a exigência de determinado tipo de efeito no consumidor, é o já mencionado, Ac. do TJCE, de 27 de Novembro de 2008, Intel Corporation Inc. v. CPM United Kingdom Ltd, por causa das marcas INTEL e INTELMARK, aquela aplicada a produtos informáticos e esta a serviço de marketing e telemarketing, disponível : http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2009:019:0004:0005:PT:PDF. Ver, ainda, Acórdão conhecido por Adidas-Salomon disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2003:304:0005:0005:PT:PDF 41 Marca Notória e Marca de Prestígio adoptando a posição já acima citada de que, estando em causa uma marca célebre, a proximidade da marca posterior com esta deve ser muito intensa. Quanto a este último requisito já dissemos não o considerarmos como regra. Acompanhamos, contudo, a posição de preocupação na aplicação desta excepção ao princípio da especialidade, na medida em que, apenas nos casos em que exista nexo de causalidade entre a proximidade das marcas aplicadas a certos bens e a possibilidade de diluição daquela representação mental ultra positiva, se deve estender o ius prohibendi a áreas de mercado em que não actua a marca de prestígio e nas quais é, à partida, reconhecido o direito de penetração livre à identidade (marca) a criar pelos agentes – para além das exigências gerais de carácter distintivo elementar das marcas, certamente. A matéria sobre que nos debruçámos é, valorativa e politicamente, muito rica. Na verdade, ao estudarmos esta temática encontrámos, com muita curiosidade, uma extensão muito clara de visões económico ‐ empresariais e de mercado (históricas e geográficas), muito consequentes ao nível dos fundamentos e dos resultados pretendidos, concretizando‐se, nomeadamente, num maior ou menor pudor na aceitação da protecção ultramerceológica, em especial na comparação com o direito norte‐americano, nomeadamente, nas correntes mais liberalistas, nas quais se dispensa risco de confusão ou prova de dano efectivo para aferição da existência de diluição. Não temos, lamentavelmente, aqui, cabimento para a esta análise mais doutrinária. que define quais os critérios que se devem considerar para aferir da ligação entre marcas a ponto de daí se inferir a eventual diluição que a marca posterior pode trazer à marca anterior de prestígio. 42 Marca Notória e Marca de Prestígio 4. Especificidades Ainda antes de entrarmos nos dois temas específicos sugeridos (Pontos IV. e V abaixo), queríamos deixar apenas duas notas mais sobre o regime jurídico das Marcas Notórias e das Marcas de Prestígio: i) uma primeira respeitante à sua tutela; ii) uma segunda à sua extensão a outras figuras do Direito Industrial. Quanto à primeira alusão não nos vamos repetir no que concerne à tutela “extra registral” e à tutela penal. Queremos apenas aditar que nos parece que a violação dos exclusivos alargados a estas duas classes de marcas – nas notórias pelo alargamento do conceito de afinidade entre produtos e serviços e nas de prestígio para além do princípio da especialidade – pode gerar responsabilidade civil extracontratual nos termos do Art.º 483º do nosso Código Civil80, podendo, assim gerar dever de indemnizar81. Por último, gostaríamos apenas de fazer uma referência às previsões dos Art.ºs 304–I, n.º 2, e 312º, n.º 4 do CPI, nos quais, no primeiro caso, em sede de regime jurídico aplicável aos logótipos, se remete para os regimes dos Art.ºs 240º a 242º, no que respeita aos fundamentos de recusa de registo, e no segundo caso, já no que toca às denominações de origem e indicações geográficas, se prevê a proibição de uso destas figuras para produtos sem identidade ou afinidade, tendo como pressuposto que a possibilidade de tal utilização procure um dos danos que se pretendem evitar no regime jurídico das marcas de prestígio. 80 Connosco temos Pedro Sousa e Silva, em “O Princípio da Especialidade…”, p. 436. Adite-se que esta tutela pode ser exercida enxertada no respectivo processo penal, se o houver, nos termos do Art.º 71º do CPP. 81 Não obstante a noção de que a prova destes danos, especialmente em sede de diluição por enfraquecimento, será especialmente difícil. 43 Marca Notória e Marca de Prestígio Terminada que está, na medida em que nos foi possível fazê‐lo, a integração de conceitos, a descrição dos regimes jurídicos, e a teleologia dos mesmos, passemos às duas questões especiais relativas a estas figuras, que nos foram sugeridas. 44 Marca Notória e Marca de Prestígio IV. Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC: alcance substantivo e seu carácter self‐executing Logo em 1988, Oliveira Ascensão se congratulava com a previsão do Art.º 6º bis da CUP que se ateve, na protecção das marcas notórias, ao princípio da especialidade, alertando para a pressão já efectuada no sentido de se lhes estender a excepção àquele princípio.82 No entanto, aquando da celebração do Acordo TRIPS/ADPIC, esta situação parece ter‐se alterado83. No Art.º 16º, n.º 3 do aludido Acordo lê‐se: “O disposto no Art.º 6º bis da Convenção de Paris (1967) aplicar‐se‐á, mutatis mutandis, aos produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles relativamente aos quais uma marca foi registada, desde que a utilização dessa marca para esses produtos ou serviços indique a existência de uma relação entre esses produtos ou serviços e o titular da marca registada, e na condição de essa utilização ser susceptível de prejudicar os interesses do titular da marca registada.” 82 José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol. II, Lisboa, 1988, p. 167, aí lê-se “[a]s grandes potências internacionais têm feito grandes esforços para eliminar esta limitação, sem o conseguirem”. 83 Cf. Maitê Cecília Fabbri Moro, Direito de Marcas – Abordagem das marcas notórias na Lei n.º 9.279/1996 e nos acordos internacionais, São Paulo, 2003, p. 205. e p. 207. Cfr. Nogueira Serens, “Sobre A «teoria da diluição»…”, pp. 263 a 265, que entende que o objectivo desta norma é apenas o de alargar o escopo da afinidade entre produtos e serviços. “Do que nele se trata é de afastar (a tentação de os Membros optarem por) um entendimento acanhado, para não dizer tacanho (à luz dos interesses dos titulares das marcas que hoje inundam o mundo) do risco de confusão”. No entanto, não acreditamos, face ao histórico de pressão que vem sendo efectuado ao longo de tantos anos para o alargamento de uma verdadeira excepção ao princípio da especialidade às marcas notórias, que o “espírito” do Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC se atenha nesse decaimento quase inofensivo. Sobre este histórico recolhemos informação compilada no Relatório de Mestrado de Fábio Carvalho, Marca Notória, Marca de Prestígio e o ADPIC/TRIPS, Encadernação da Biblioteca Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano de 2006, pp. 15 a 23. Por último, refira-se que o Professor Doutor Oliveira Ascensão dizia já no Relatório Final de Actividade da Comissão de Acompanhamento do Código da Propriedade Industrial”, RFDUL, Vol. XXXVIII, n.º 1, Coimbra, 1997, p. 343, entender que este preceito integra um tertium genus. 45 Marca Notória e Marca de Prestígio Curioso é ver que, na Recomendação, já por nós citada,84 encontramos esta indicação de extensão da protecção das marcas notoriamente conhecidas, a operar, independentemente dos bens ou serviços a que a marca apresentada a registo se aplica85, desde que esta seja idêntica àquela (notória) e desde que uma de três condições se encontre preenchida, a saber: a. se o uso da marca apresentada a registo indicar conexão entre os bens desta e da marca notoriamente conhecida e essa ligação for apta a prejudicar os interesses desta última86; b. se o uso da marca for apto a produzir, sem justo motivo, a diluição do carácter distintivo da marca notoriamente conhecida; ou c. se o mesmo uso de marca posterior se aproveitar, indevidamente, desse carácter distintivo87. Nas Explanatory Notes da mesma Recomendação é, então, integrada a noção de prejuízo aos interesses da marca notoriamente conhecida acima mencionada. Em 4.3, parte final, deparamo‐nos com a teoria da diluição e em 4.4, com uma tentativa de concretização desta diluição, observando, para tanto, a seguinte fórmula: se a marca conflituante é apta a prejudicar ou diluir, indevidamente, a posição única da marca notoriamente conhecida no mercado. Salvo o devido respeito, 84 Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e da Assembleia Geral da OMPI - Joint Recommendation Concerning Provisions on the Protection of Well- Known Marks, Geneva, 2000 85 Lê-se, no Art.º 4º (b) da mesma Recomendação “Irrespective of the goods and/or services for which a ark is used (…)”. 86 Note-se que é a expressão também usada no Art.º 16º/3 do Acordo TRIPS/ADPIC aqui em análise. 87 No Art.º 4º, (1) ( c) daquela Recomendação diz-se, curiosamente, que os Estados-Membros podem (não estando obrigados a), para efeitos de aplicação da sua al. (b), exigir que a marca notoriamente conhecida o seja do público em geral (ver ainda Art. 2º (2) deste mesmo documento, no qual se delimita público relevante na linha daqueles que, como nós, entendem de ser considerados os agentes do circuito comercial do bem). Quanto a esta questão veja-se o comentário, deveras interessante de Luís Couto Gonçalves, em “Direito de Marcas”, pp. 150 e 151, na qual este equaciona, que as marcas notórias, para terem protecção para além do princípio da especialidade devem, de facto, ser conhecidas do público em geral ou estar-se-ia a atribuir uma amplitude que esta não conheceria por efeito natural dos seus legítimos resultados de afirmação no mercado. 46 Marca Notória e Marca de Prestígio a noção, de natureza lógica conclusiva, de posição única no mercado é, de entre todas as que encontrámos para descrever os valores a tutelar e que já mencionámos, aquela que mais dificuldades trará em “factualizar” e provar. De facto, importa saber o que se entenderá por posição única no mercado. Podemos equacionar o facto de o seu volume de vendas ser incomparavelmente superior ao dos seus concorrentes ou de esta ser a única marca que é imediatamente reconhecida pelo público como a origem de determinado bem, ou se quisermos ser mais fieis à teoria da diluição, a única marca que goza de excepcional reputação como fornecedora de determinado bem. A Recomendação, lamentavelmente, não esclarece e, em nossa opinião, deveria ter continuado a sua Explanatory Note integrando aquele conceito. Atento ao disposto nos Art.ºs 241º e 242º, assim como no Art.º 323º als. d) e e) do CPI, entendemos que a nossa ordem jurídica não quis, claramente, adoptar este alargamento de protecção. Em nosso modesto entender, esta opção valorativa do legislador nacional – e também a nível comunitário – está na base da aplicação da excepção ao princípio da especialidade apenas às marcas de prestígio e deve “direccionar” a interpretação da norma positivada. Parece‐nos que a mens legis espelha, como já anteriormente dissemos, para a marca notória e para a marca de prestígio valores radicalmente diferentes. Ali, onde se protege o público consumidor e a probabilidade de confusão pelo facto de determinado sinal distintivo ser muito conhecido, que poderá trazer ao mesmo consumidor dúvidas, nomeadamente, quanto a eventual alargamento de mercado da marca notória, não se valorizou a necessidade de preservar qualquer imagem, já que a estas marcas não é suposto exigir‐se ou deterem 47 Marca Notória e Marca de Prestígio nenhuma conotação superior especial. Aqui, nas marcas de prestígio, é exactamente esta conotação, que só algumas marcas alcançam em virtude de um excepcional resultado apelativo, que encontramos. Perante esta dicotomia de valores está bem de ver que face à aludida mens legis não fará sentido aplicar qualquer excepção ao princípio da especialidade às marcas notórias que, como vimos, serve para evitar a perda daquela reputação excepcional e da raridade do seu efeito evocativo, valor que a lei não exige nem reconhece a estas marcas. Resta, então, saber se, tratando‐se o Acordo TRIPS/ADPIC de um instrumento de Direito Internacional, este tem primado sobre o Direito Interno que lhe permita alargar, com efeitos directos na ordem jurídica interna, esta excepção do princípio da especialidade às marcas notórias. Não podemos deixar aqui de referir o trabalho de Fausto de Quadros88 sobre esta problemática. Deixando de lado questões de natureza formal analisadas por esse Ilustre Professor89, vamos, antes, mencionar a questão de saber se os particulares poderão, perante os tribunais portugueses, valer‐se do regime previsto no Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC. Adiante‐se que conclui Fausto de Quadros pela não existência de efeito directo daquele Acordo no ordenamento jurídico nacional. 88 Fausto de Quadros, “O Carácter Self-Executing de Disposições de Tratados Internacionais. O caso concreto do Acordo TRIPS”, Separata da Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Ano 61, Vol. III, Lisboa, Dezembro de 2001. 89 Quanto à vigência do Acordo TRIPS/ADPIC na ordem jurídica interna por falta de publicação de Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros acerca do seu início de vigência no plano internacional. Ver op. cit., p. 1279 a 1282. 48 Marca Notória e Marca de Prestígio E os argumentos por si apresentados são os seguintes: não só o articulado normativo da própria convenção o indica, na medida em que do mesmo se pode concluir que se esperam dos Estados Membros medidas internas para introdução das regras daquele nas suas respectivas ordens jurídicas (Art.º 1º, n.º 1 do próprio Acordo TRIPS/ADPIC), como as sanções que o Acordo prevê são sanções aplicáveis aos Estados‐Membros. Por último, referem‐se, no trabalho de Fausto de Quadros, duas ideias gerais muito importantes. Em primeiro lugar, a ambiência em que o Acordo TRIPS/ADPIC foi celebrado, no âmbito da OMC, dado que se pretendia regulamentar as questões entre os Estados para que estes adoptassem medidas uniformes que criassem não só sinergias, mas, acima de tudo, pacifismo no comércio e vida diplomática internacional; em segundo lugar, este é um acordo entre estados, do qual estes são partes contratantes, assumindo obrigações para si e nessa qualidade. Até mesmo quando a Comunidade Europeia manifestou a subscrição do Acordo TRIPS/ADPIC, no Conselho de 22 de Dezembro de 1994, referiu expressamente no seu preâmbulo o carácter não self‐executing daquele Acordo90. Adite‐se, pela nossa parte91, que entendemos que a violação das disposições substantivas ou adjectivas do acordo legitimam o recurso ao sistema de resolução de diferendos da Organização Mundial do Comércio (ou OMC ‐ ver Art.º 64º do Acordo TRIPS/ADPIC). Aliás, na mesma obra de Fausto de Quadros, que nos guiou no estudo desta matéria, pode ler‐se92 “Havendo discrepância entre as obrigações internacionais que determinado Estado se comprometeu 90 Fausto de Quadros, op. cit. p. 1297. Sobre o facto desta adesão não alterar o sentido até aqui apresentado, ver mesma obra, p. 1297 e 1298. 91 Mas com a fonte em Alberto Ribeiro de Almeida, “Os Princípios Estruturantes do Acordo TRIP’S: Um Contributo para a Liberalização do Comércio Mundial”, Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Ano 64, Vol.I/II, Novembro de 2004, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=45841&ida=47244 92 Autor e op. cit., p. 1299. 49 Marca Notória e Marca de Prestígio a respeitar e a normação interna feita no sentido de lhe dar cumprimento, o problema não se afigura como sendo de validade ou eficácia da normação interna mas antes de responsabilidade internacional do Estado (…)”. (sublinhado nosso) Deve, assim, entender‐se, por tudo quanto foi exposto ‐ com o que não parece valer discordar ‐, que o Acordo TRIPS/ADPIC não tem carácter self‐executing, mesmo que o seu conteúdo seja suficientemente preciso para permitir a sua aplicabilidade93. Isto porque, para além das razões adiantadas por Fausto de Quadros, que nos parecem ser de sufragar, entendemos, como atrás deixamos explicado, que a valorização efectuada e que se encontra na base do sistema jurídico português das marcas notórias e marcas de prestígio é sobejamente distante para se perceber que se entendeu ser de afastar da ordem jurídica interna o regime do Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC, o mesmo se dizendo quanto à actividade legislativa comunitária. Já quanto a este comportamento poder integrar violação de obrigação contratual internacional da parte do Estado Português, e bem assim responsabilidade extra contratual do Estado, são conclusões que excedem o núcleo do presente trabalho. 93 Ver Carlos M. Correa e Abdulqawi A. Yusuf, Intellectual Property and International Trade: The TRIPS Agreement, Holanda, 2008, p. 107, “A treaty may be dismissed by a national judge as non-self-executing because certain provisions are vague and broad(…)”. Quanto ao Art.º 16º, n.º 3 parece-nos que a norma do ponto de vista da sua formulação está concebida de forma objectiva e precisa o suficiente para poder ser directamente aplicada a casos concretos. No entanto, para nós, não basta o preenchimento deste requisito para que o seu efeito directo seja assumido, sem mais; nomeadamente sem interpretação sistemática com as restantes disposição da convenção em que se insere, especialmente, quando esta declara estar a sua aplicação dependente da adopção de medidas de recepção da mesma nos ordenamentos nacionais, medidas essas que, sim, constituem as obrigações contratuais dos estados contratantes decorrentes da mesma convenção. 50 Marca Notória e Marca de Prestígio V. Marcas Notórias, Marcas de Prestígio e Nomes de Domínio A última matéria que pretendemos analisar é a que se prende com a utilização de marcas notórias e de marcas de prestígio em nomes de domínio, isto é, em descritivos que nos permitem aceder, via internet, a um servidor onde se encontra a informação a que pretendemos chegar94. Com a introdução da internet no nosso quotidiano, também os agentes de mercado, fornecedores de produtos e serviços, passaram a usar este meio de comunicação como uma forma privilegiada de se divulgarem, de chegarem ao público e até de comercializarem os bens que disponibilizam. Ora, estes agentes, e para o que nos interessa aqui, comunicam a identidade dos seus bens, as mais das vezes, como sabemos, através das suas marcas95. Assim, os nomes de domínio tendem a coincidir com os elementos que identificam os fornecedores no mercado, mormente, as partes nominativas das marcas, como por exemplo, www.swatch.com. Uma das regras que tem vindo a enformar o registo de nomes de domínio é a regra do first come first served, que consiste na possibilidade de qualquer pessoa 94 Sobre o modo de funcionamento informático dos nomes de domínio, incluindo sobre o papel regulamentador do ICCAN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) consulte-se Miguel Pupo Correia, “A Utilização das Marcas na Internet”, VIII Curso de Pós-graduação em Direito da Sociedade da Informação, FDUL/APDI, 2005, disponível em http://www.apdi.pt/ . 95 Autor e op. cit,. Este autor entende, e a nosso ver bem, que os nomes de domínio têm, na prática, uma carácter funcional de sinal distintivo, p. 15. Entende, ainda, que se deve considerar o nome de domínio como objecto de um direito exclusivo. Ainda neste sentido cf., Angél García Vidal, “Marcas Y Nombres de Domínio en Internet”, Actas de Derecho Industrial Y Derecho de Autor, Tomo XVIII, 1997, p. 197 e Dário Moura Vicente “Problemática Internacional dos Nomes de Domínio”, Direito da Sociedade da Informação, Vol. IV, Coimbra, Junho de 2003, p. 216, que considera o nome do domínio como sinal distintivo atípico com a natureza de um direito de crédito, p. 214. 51 Marca Notória e Marca de Prestígio singular ou colectiva poder registar‐se como titular de um nome de domínio desde que não exista nome de domínio igual, sob o mesmo Top Level Domain96. Como está bem de se ver, com esta regra, passou a ser possível que qualquer pessoa registasse um nome de domínio correspondente a uma marca que não lhe pertencesse, o que gerou até um movimento de aproveitamento abusivo destes registos. Registavam‐se nomes de domínio integrando descritores de marcas valiosas ou nomes de pessoas famosas e, perante a impossibilidade do respectivo titular registar o domínio que pretendia, pelo facto de o mesmo já constar a favor de outrem, os detentores do registo anterior vendiam, por avultadas quantias, o direito àquele nome de domínio aos seus “legítimos usuários”. A este movimento chamou‐se cybersquatting97. No que toca em especial à matéria que nos cabe estudar, importa analisar quais são as questões levantadas pela utilização de nomes de domínio que se podem colocar face a marcas notórias ou de prestígio. Nomeadamente importa saber se será de considerar alguma regra análoga à protecção especial prevista para estas classes de marcas e acima descrita, para 96 Sobre a noção de Top Level Domain e seu funcionamento veja-se Miguel Pupo Correia, op. cit., pp. 6 a 8. 97 Esta actividade de extorsão foi já proibida nos Estados Unidos da América pelo Anticybersquatting Consumer Protection Act (1999), que altera o Lanham Act - Secção 43 (d) - e que impede o registo, a transferência ou o uso de um domínio que seja idêntico ou confundivelmente semelhante com uma marca registada de outrem, ou que possa diluir uma marca famosa, desde que tais actividades sejam levadas a cabo de má-fé, id est, com intenção de extorsão, conferindo aos lesados o direito procederem civilmente contra os infractores com direito a indemnização que, em sede de statutory damages podem ir até $ 100,000 – Cf. Poltorak, Alexander I. e Paul J. Lerner, Essentials of Intelectual Property, Nova Iorque, 2002, p. 179. A Recomendação da CUP/OMPI acima identificada prevê, também, no seu artigo 6 (1) o seguinte “A domain name shall be deemed to be in conflict with a well-known mark at least where that domain name, or an essential part thereof, constitutes a reproduction, an imitation, a translation or a transliteration of the well-known mark, and the domain name has been registered or used in bad faith. (sublinhado nosso). 52 Marca Notória e Marca de Prestígio sua protecção contra pedidos de registos de nomes de domínio conflituantes. E ainda se estará a mesma regra de acordo com os valores aqui em causa. Quanto à primeira questão comecemos por indicar que, em Portugal, a entidade responsável pelo registo de nomes de domínio é a FCCN (Fundação para a Computação Científica Nacional)98 que emitiu um regulamento, intitulado, Regulamento de Registo de Domínios/Subdomínios de .PT.99 A regra fisrt come first served100 é, no entanto, afastada por este Regulamento, no que concerne ao domínio .pt101. Nos termos dos Art.º 10º e 11º do mesmo é exigido, a quem quiser registar um nome de domínio .pt, que comprove a sua legitimidade para obter esse registo, com aquele conteúdo, exigindo‐se, para tanto, que o pedido de registo integre uma das hipóteses previstas no mesmo Art.º 11º, v. g., no caso de se tratar de pessoa colectiva, o nome de domínio deve coincidir com o nome, a firma ou a denominação da social mesma, devidamente registados. Estas podem ainda requerer nomes de domínio que correspondam a marcas de que são titulares ou de que tenham apresentado pedido de registo, sendo que em caso de recusa do registo de marca pela entidade competente (INPI) o nome de domínio será removido (Art.º 11º, n.º 1, al. g) e n.º 2, al. b)). 98 A FCCN é uma instituição privada sem fins lucrativos designada de utilidade pública. Reconhecimento por Portaria publicada no D.R nº 76, II Série, de 1 de Abril de 1987. Releva, ainda, a Resolução do Conselho de Ministros, n.º 69/97, de 10 de Abril, publicada, em 05 de Maio de 1997, no n.º 103, da Iª Série – B do Diário da República que assume a competência da FCCN para proceder ao registo e gestão de nomes de domínio da Internet para Portugal. 99 Propugnando pela natureza juridico-privada deste Regulamento veja-se Dário Moura Vicente, A Tutela Internacional da Propriedade Intelectual, Coimbra, 2008, p. 180. 100 Para fazer face aos problemas criados por esta regra o ICCAN criou, na sequência de um trabalho desenvolvido pela OMPI, o Uniform Domain-Name Dispute-Resolution Policy, procedimento administrativo de resolução de litígios. A FCCN prevê um sistema de arbitragem voluntária a que submete os titulares de nomes de domínio (vide Art.º 52º do Regulamento acima citado). A título complementar refira-se que foi publicada (Iº Série, Diário da República, n.º 179), no passado dia 15 de Setembro de 2009, a Portaria n.º 1046/2009, que vincula o INPI ao Arbitrare – Centro de Arbitragem para a Propriedade Industrial, Nomes de Domínio, Firmas e Denominações. 101 Já não ao domínio .com.pt. 53 Marca Notória e Marca de Prestígio Assim, ao domínio .pt a regra first come first served não é aplicável uma vez que não é admitido qualquer registo que não corresponda às relações titular‐nome de identificação, ou titular‐marca previstas naquele Art.º 11º. Consultámos os serviços da FCCN que, não obstante não nos terem facultado a consulta de quaisquer decisões, nos explicaram que esta mesma entidade comunica directamente com o INPI e com este Instituto articula, reciprocamente, toda a informação sobre o estado e as decisões dos processos de registo de marca e de nomes de domínio. Mas vamos centrar‐nos, então, na questão específica das marcas notórias e das marcas de prestígio face aos nomes de domínio. O mesmo regulamento prevê, no Art.º 9º al. b) que é nome de domínio proibido aquele que “(…)corresponder a nomes que induzam em erro ou confusão sobre a sua titularidade, nomeadamente por coincidirem com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem”. Naquela consulta à FCCN, embora não nos tenham deixado consultar as correspondentes decisões, facultaram‐nos, muito gentilmente, listagem de nomes de domínio que haviam sido recusados por se integrarem na última parte da norma citada no presente parágrafo. É uma longa lista que não podemos, nem se justifica, expor totalmente, pelo que deixamos como exemplos 007.com.pt, jamesbond.com.pt, disney.com.pt, rtp.com.pt, apple.com.pt ou microsoftsurface.com.pt. Verificamos, então, que os nomes de domínio recusados por conflituarem com marcas notórias ou marcas de prestígio se encontram apenas no subdomínio .com.pt. Isto por dois motivos: i) porque o registo em domínio .pt impõe, pelo menos, a apresentação de pedido de registo de marca no INPI, exigindo uma prova de legitimidade para utilização dessa marca, diminuindo a probabilidade 54 Marca Notória e Marca de Prestígio de registo “ilegítimo”; ii) porque, nos termos do Art.º 25º do Regulamento já citado “Não há qualquer restrição quanto à natureza dos titulares de nomes de subdomínio de .com.pt”, sendo, assim, aplicável, à partida a regra first com first served. No entanto, a este registo “livre”são, por remissão do Art.º 26º daquele Regulamento, aplicáveis as regras previstas nos Art.ºs 8º e 9º, de onde decorre que, se estes subdomínios conflituarem (isto é, coincidirem ou induzirem em erro ou confusão) com marcas notórias ou de prestígio pertencentes a outrem, serão rejeitados. Daqui concluímos que, o Regulamento de Registo de Domínios/Subdomínios de .PT., protege intensamente os titulares de marcas notórias ou de marcas de prestígio, contra registos “ilegítimos” de nomes de domínio com estas conflituantes. Os valores presentes no regime das marcas notórias, a tutela do risco de confusão em sentido lato, que se estende, em nosso entender, à protecção das marcas de prestígio, parece estar, deste modo, expressamente acautelado na ordem jurídica portuguesa tal como ele está previsto no aludido regulamento. Não se faz depender para que conteúdo é aplicado o nome de domínio, se ele tem ou não um propósito comercial, basta que a sua leitura ‐ pelo menos é o que parece da forma como a regra está construída (é o que retiramos da expressão (…) corresponder a nomes (…) prevista naquele Art.º 9º, al. b)) ‐, leve a concluir que a sua inserção no sistema Web pode conduzir a confusão com a “origem”102 notória ou de prestígio. 102 Neste sentido ver Angél García Vidal, op. cit., p. 193. 55 Marca Notória e Marca de Prestígio Pode aqui questionar‐se se este mero requisito de “leitura” não será excessivamente limitativo da liberdade de expressão, neste caso, no tráfego cibernético. Na verdade, nomes de domínio como rtp.com.pt, após acesso à respectiva página Web podem conduzir à imediata percepção de que respeitam ao acrónimo de um empresário em nome individual (Art.º 11º, n.º 2, al. b) do mesmo Regulamento). Nestes casos, são, em apenas meras fracções de segundo, confundíveis com uma marca notória, dando‐se o erro por tão curto espaço de tempo que se deve questionar se este engano chega para merecer a tutela do Direito, principalmente quando comparado com valores como a liberdade de expressão e de concorrência. Na verdade, apenas faz sentido e parece equilibrado, mesmo perante o exclusivo atribuído aos direitos de propriedade intelectual, que a limitação de uso se atenha às aplicações e/ou utilizações que efectivamente prejudiquem a exploração económica contida na esfera de faculdades que integrem cada direito. Assim, parece que teria merecido melhor ponderação e formulação a proibição de registo de nome de domínio que apenas pela sua representação nominativa, e sem ter em conta do conteúdo e aplicação da página Web, possa criar confusão sobre a sua titularidade. Convém ainda referir que nos choca menos a possibilidade desta limitação ser assim mantida no que respeita apenas às marcas de prestígio, isto porque o nosso ordenamento jurídico assume a tutela da possibilidade de diluição por banalização ‐ relembre‐se que vimos que, por aplicações várias, diferentes, que fujam à disposição do titular da própria marca de prestígio (sem obedecerem, portanto, às condições que este entender consentâneas com a utilização que da 56 Marca Notória e Marca de Prestígio marca este pretende que se faça) a marca pode perder o seu goodwill. Na verdade, entendemos justificar‐se mais facilmente, nestes casos, a proibição da utilização de qualquer dos elementos do seu sinal distintivo, incluindo os nominativos ‐ normalmente bastante identificativos – e independentemente do conteúdo do sítio na internet a que o nome de domínio conduza. Assim, em nossa opinião, a limitação de registo de nomes de domínio que se possam aproximar de marcas notórias e de marcas de prestígio deve ser interpretada à luz de todo o ordenamento jurídico, suas regras legais e valores a tutelar. Pelo que, desta forma, nos parece que deveria ser possível (de iure constituendo) obviar a que a proibição de registo de um domínio idêntico ou semelhante a uma daquelas classes de marcas fosse decretada apenas por esse elemento de proximidade estar presente na respectiva leitura do endereço web, se o conteúdo da página a que se aplica estiver fora do âmbito do exclusivo do direito de marca. Duas últimas referências. Por nossa parte entendemos que o uso de nome de domínio pode vir a integrar o disposto no Art.º 323º do CPI, enquanto uso ilegal de marca, na medida em que nos parece que a aplicação de nome de domínio em sede de uso comercial pode constituir uso relevante para integrar o acto criminalizado neste preceito103. Como já vimos, anteriormente, os nomes de domínio podem ganhar a função de sinais distintivos atípicos, servindo exactamente os mesmos propósitos que 103 Miguel Pupo Correia, op. cit., p. 32, considera, ainda, que este comportamento pode ser susceptível de integrar o conceito de concorrência desleal (art.ºs 317º e ss. do CPI). 57 Marca Notória e Marca de Prestígio os usos tradicionais das marcas, isto é, servindo uma função distintiva, de garantia ou publicitária, já que o acesso a uma página Web, dependendo do seu conteúdo, pode servir para comercializar bens, identificando‐os com a sua origem, integrando, inevitavelmente, nessa identificação o compromisso, por parte da respectiva entidade de proveniência, de manutenção das características do bem, e ainda, comunicando, isto é publicitando a marca. Sendo estes objectivos perfeitamente atingíveis pelo simples uso de uma página da internet, se uma página tiver como endereço na rede um nome (entenda‐se, parte descritiva que permita identificação) de uma marca de notória, ou que constitua tradução ou seja igual ou semelhante a parte descritiva de uma marca de prestígio (cujos registos já tenham sido requeridos em Portugal) e procure, quanto a esta, sem justo motivo, tirar partido indevido do seu carácter distintivo ou do seu prestígio ou possa prejudicá‐los, o uso do mesmo endereço, enquanto serve aquelas finalidades “típicas”, constitui verdadeiro uso de marca, ilícito se sem consentimento do seu legítimo titular, logo se integrando na noção de uso previsto e punido pelo Art.º 323º, als. d) e e) do CPI. Curioso é, ainda, verificar que o Regulamento que aqui temos citado nada refere em relação à possibilidade de diluição das marcas de prestígio constituir motivo de recusa de registo. Porém, somos de opinião que a proibição de uso contemplada naquele já sobejamente mencionado Art.º 323º al. e) do CPI acaba por, não por impedimento ao registo mas como consequência da tutela penal, proteger as marcas de prestígio da possível diluição em virtude de utilização de um nome de domínio que possa banalizar ou prejudicar a reputação destas marcas. 58 Marca Notória e Marca de Prestígio Por último, não podemos deixar de dar uma palavra sobre uma característica, verdadeiramente revolucionária, que acompanha a própria internet e que decorre do modus operandi da mesma: o seu alcance verdadeiramente mundial, o que, mais uma vez, põe em cheque a adequabilidade do princípio da territorialidade104. Efectivamente, o acesso à internet permite que um computador, em qualquer parte do mundo, possa aceder a um outro computador, também ele, em qualquer parte do mundo. Destarte, pode acontecer que um nome de domínio registado como www.salsa.com em Espanha, para designar uma marca de roupa para dança (desportiva e profissional), comercializada via internet, seja acessível em Portugal onde existe a marca SALSA para a classe 25ª do Acordo de Nice – vestuário, sapatos, chapelaria ‐, marca n.º 290.791105. Entendendo o titular da marca portuguesa que este nome de domínio ofende a sua marca, caso esta se considere notória ou de prestígio, vejamos de que meios se pode socorrer aquele e qual será o tribunal competente. Em primeiro lugar, diga‐se que apenas faz sentido falar em conflitualidade de nomes de domínio se entre um e outro se verificar que há riscos de confusão e se o mercado de ambos os seus titulares se cruzar106. 104 Põe em cheque este princípio em casos como o seguinte: pensemos que uma marca de origem não nacional mas notoriamente conhecida no país, e aqui não registada coincide com um acrónimo inicialmente legítimo. Mais uma vez encontramos um efeito jurídico extraterritorial da marca. 105 Esta até pode ter um nome de domínio www.salsa.pt. Na verdade, em nosso entender, não releva que o Top Level Domain seja diferente, já que, com a globalização do comércio e a mundial dimensão da internet, é natural que a mesma marca registe nomes de domínio sob vários Top Level Domains, assim se criando os riscos de confusão, em sentido lato, e até eventual diluição. 106 Cite-se, ainda, Luís Lima Pinheiro, “Competência Internacional em Matéria de Litígios Relativos à Internet”, Estudos de Direito Internacional Privado (Direito de Conflitos, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras), Coimbra, Fevereiro de 2006, p. 320, quanto à relevância da protecção de marcas em sede de relação jurídica internacional “(…) só há lesão de um direito de propriedade intelectual quando um acto lesivo é praticado num país em que o direito é protegido. Por exemplo, o emprego de um sinal numa página da Internet constituirá uma violação de uma marca de um 59 Marca Notória e Marca de Prestígio Tem sido aventada a hipótese de se usar o critério adoptado para os ilícitos cometidos através de artigos de imprensa em publicações estrangeiras, o qual, na opinião de Angel Garcia Vidal107, determinaria, aplicado à realidade dos nomes de domínio, que só se consideraria lesiva a existência do nome de domínio conflituante se os seus bens fossem especialmente dirigidos ao público do país nacional da marca cuja protecção é reclamada. A nós, e atento o exemplo dado, não nos parece que só se a marca conflituante se dirigisse especialmente ao público português esta seria lesiva da marca portuguesa, bastando que a confusão se desse com o público (relevante) nacional, enquanto este poderia ser cliente de ambas, para que o dano se verificasse. Quanto ao foro competente devemos socorrer‐nos das Convenções de Bruxelas, de 1968, e de Lugano de 1988, bem como do Regulamento (CE) 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, e fora da esfera de actuação deste instrumento, ao direito interno108. Mas estando nós, neste caso exemplificativo, perante factos geradores de responsabilidade civil extra‐contratual deparamo‐nos com a regra de que é competente o lugar onde ocorreu, ou poderá ocorrer, o facto danoso (Art.º 5º, n.º 3 do Regulamento mencionado no parágrafo anterior, aplicável no exemplo académico dado). país onde há acesso à Internet se à face do Direito de Propriedade Industrial deste país a marca for protegida e se tal emprego constituir uma forma de utilização de marca não autorizada”. 107 Vide, op. cit., p. 207. 108 Ver Luís Lima Pinheiro, op. cit., p. 312. 60 Marca Notória e Marca de Prestígio Esta regra tem sido aplicada àqueles mesmos ilícitos de imprensa, determinando que as acções podem ser intentadas em qualquer dos países onde o dano se tenha verificado, sendo que o tribunal de cada país é apenas competente para julgar os prejuízos ocorridos no território sobre o qual tem jurisdição109. Na hipótese dada, e sofrendo a marca portuguesa SALSA danos em território nacional, seriam competentes os tribunais portugueses quanto aos danos que ocorressem no seu território. No que respeita ao direito aplicável, devem aplicar‐se, para localizarmos a Lei competente, as regras de conflitos comuns110. No entanto, reclamando‐se a protecção para o território nacional é aplicável o direito português, por força do princípio da lex loci protectionis 111. Tentemos, agora, a terminar, fazer um breve resumo, em tópicos chave, dos elementos que configuram e caracterizam a problemática jurídica da Marcas Notórias e das Marcas de Prestígio. 109 Sobre a possibilidade de o lugar em que ocorre o facto danoso ser, também o lugar do facto-causa-dodano, veja-se Autor e op. cit. na nota 92, pp. 318 a 319. 110 Cf. Dário Moura Vicente, A Tutela Internacional …, p. 283, ver ainda, mesmo autor, op. cit., nota 93, pp. 224 a 231 e p. 233. 111 Cf. Dário Moura Vicente, op. cit., nota 95, pp. 224 a 231 e p. 233. 61 Marca Notória e Marca de Prestígio VI. Conclusões Chegado o momento de terminar o nosso relatório cumpre deixar, em jeito de súmula, as conclusões a que chegámos com o nosso estudo, selando o mesmo com dois exemplos de marcas que, sobejamente conhecidas, e a primeira certamente reputada (não usamos “notórias”, nem “de prestígio” por não conhecemos decisões administrativas ou judiciais sobre as mesmas que já as tenham qualificado (ou não) numa destas classes de marcas), são usadas por outras que lhes são visivelmente semelhantes e que poderiam, portanto, em nossa opinião, desencadear a tutela concedida às Marcas Notórias e às Marcas de Prestígio estudadas. Concluímos, salvo o devido respeito por opinião diversa, o seguinte: 1) A classificação de uma marca como Notória depende de um critério essencialmente quantitativo que consiste no grau de conhecimento que a marca tem junto do público relevante, id est, do seu circuito mercantil (considerando‐se se o bem é ou não de grande consumo nesta aferição), para o que podem contribuir, e em muito, do ponto de vista pragmático, os indicadores adiantados pela Recomendação conjunta das CUP/OMPI. 2) A classificação de uma marca como De Prestígio depende do facto de ser, tal como a marca notória, conhecida de significativa parte do público relevante, e de este mesmo público associar, por representação mental da marca, de forma imediata, uma avaliação positiva com carácter de excepcionalidade que lhe traz uma especialidade e uma raridade que constituem a parte essencial do seu valor: o seu prestígio. 62 Marca Notória e Marca de Prestígio 3) Entre marca notória e marca de prestígio não existe, em nossa opinião, nenhuma relação de escala progressiva do menor para o maior ou vice‐ versa, antes sendo institutos que tutelam funções diferentes da Marca. 4) Enquanto o regime jurídico da Marca Notória tutela a função distintiva da marca, o regime da Marca de Prestígio tutela, ainda, a função publicitária desta. 5) Ambos os regimes visam ainda evitar riscos diferentes: do lado das marcas notórias pretende evitar‐se o risco de confusão em sentido lato, isto é, abrangendo o risco de associação, do lado das marcas de prestígio visa evitar‐se, também, o risco de diluição. 6) Daqui se vê que os valores inerentes abrangem dois níveis de agentes cujos interesses são defendidos: ali onde a função distintiva tutela principalmente o consumidor e a sua confiança na origem dos produtos, aqui, é a função publicitária que se encontra salvaguardada, defendendo‐ se, principalmente, os interesses dos titulares da marcas e o valor comercial deste sinais distintivos. 7) As soluções jurídicas para a defesa destas classes de marcas caracterizam‐se por serem regimes excepcionais. 8) Ambas estão contempladas com a possibilidade de os seus titulares se oporem a um registo de terceiro ou de obterem a anulação de registo de marca posterior conflituante, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sem que a marca notória ou de prestígio esteja ainda definitivamente registada (Cf. Art.ºs 241º, 242º e 266º n.ºs 1 e 2 do CPI). 9) Para efeitos do descrito no número anterior deve atender‐se ao facto do conceito de afinidade entre produtos ser aqui alargado, para as marcas notórias, nestas condições: porque a marca é notória, a possibilidade de se presumir uma extensão a novos sectores de mercado, por si ou sob a forma de associação a outras entidades, é maior, pelo que um bem que 63 Marca Notória e Marca de Prestígio não seria considerado nem idêntico nem afim se estivéssemos perante uma marca vulgar, sê‐lo‐á assim considerado porque estamos perante uma marca de incidência de grandes dimensões. 10) No caso das Marcas de Prestígio, os titulares das mesmas podem ainda opor‐se àquele registo ou requerer a sua anulação para produtos ou serviços não idênticos nem afins: é a excepção ao princípio da especialidade. 11) A tutela destas marcas abrange, ainda, a possibilidade de recurso à tutela penal nos termos do Art.º 323º, als. d) e e) do CPI, sendo que entendemos que a tutela criminal não exclui de maneira alguma uma tutela indemnizatória no âmbito da responsabilidade civil extracontratual prevista no Art.º 483º do Código Civil. 12) No que respeita à dúvida gerada sobre a possibilidade dos cidadãos poderem recorrer ao Art.º 16º, n.º 3 do Acordo TRIPS/ADPIC para reivindicarem a protecção para além do princípio da especialidade de Marcas Notórias somos em crer que a resposta deverá ser negativa. 13) Isto porque o próprio acordo referido o declara. O CPI é suficientemente esclarecedor, assim como o direito comunitário, ao restringir tal possibilidade aos titulares das Marcas de Prestígio, tendo afastado das Marcas Notórias aquela extensão a esta excepção, talvez porque não veja nestas o valor – a reputação – que a mesma excepção visa proteger. 14) Finalmente, no que respeita à problemática dos Nomes de Domínio, diga‐se que, a impossibilidade de registo na FCCN (Art.º 9º, n.º 1, al. b) Regulamento de Registo de Domínios/Subdomínios de .PT.) de um descritivo de uma marca que induza em confusão ou em erro, nomeadamente por coincidir com marcas notórias ou de prestígio, incluindo no caso de subdomínios .com.pt (Art.º 26 do mesmo Regulamento), permite‐nos concluir que os titulares destas classes de 64 Marca Notória e Marca de Prestígio marcas se encontram intensamente protegidos, contra registos “ilegítimos” de nomes de domínio com estas conflituantes. 15) Parece‐nos, ainda, que a aplicação de descritivo, coincidente ou que possa induzir em erro ou confusão com marca notória e marca de prestígio, a um nome de domínio pode ser considerado uso criminoso de qualquer destas classes de marcas desde que preenchidos os elementos tipológicos legais exigidos – Art.º 323º, als. d) e e) do CPI. 16) Sendo nossa opinião, no entanto, que a formulação daquele Art.º 9º deveria ser revista no sentido de se acautelarem usos que não conflituem com a esfera de protecção da marca notória e da marca de prestígio, nomeadamente por a mera utilização como nome de domínio não consubstanciar um uso típico ou comercial do sinal em causa, nota que aqui deixamos, numa perspectiva, de iure constituendo. 17) A possibilidade de acesso, em território nacional, a páginas Web de origem estrangeira, que tenham nome de domínio conflituante com marca notória ou de prestígio nacional relevará apenas enquanto este domínio cruzar o público relevante para efeitos de aferição das qualificações nestas classes. Se a marca lesada (portuguesa) sofrer danos em território nacional o tribunal competente será o português, que averiguará dos danos ocorridos no seu território, aplicando‐se‐lhe o direito interno, conforme ao princípio lex loci protectionis. 65 Marca Notória e Marca de Prestígio Exemplos À esquerda Mazda (Japão),à direita Haima (China). À esquerda BMW (Bavaria), à direita BYD ( China). 66 Marca Notória e Marca de Prestígio Bibliografia Almeida, Alberto Francisco Ribeiro de, “Os Princípios Estruturantes do Acordo TRIP’S: Um Contributo para a Liberalização do Comércio Mundial”, Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Ano 64, Vol.I/II, Novembro, 2004 Ascensão, José de Oliveira, Direito Comercial, Vol. II, Direito Industrial, Lisboa, 1988 “Relatório Final de Actividade da Comissão de Acompanhamento do Código da Propriedade Industrial”, RFDUL, Vol. XXXVIII, n.º 1, Coimbra, 1997 “Direito Intelectual, Exclusivo e Liberdade”, Revista da Ordem dos Advogados Portugueses, Ano 61, Vol. III, Lisboa, Dezembro de 2001 Carvalho, Américo da Silva, Marca Comunitária (Os motivos absolutos e relativos de recusa), Coimbra, 1999 “Usos Atípicos das Marcas (Função da Marca)”, Direito Industrial, Vol. III, Coimbra, Fevereiro 2003 Direito de Marcas, Coimbra, 2004 67 Marca Notória e Marca de Prestígio Carvalho, Fábio Gouveia, Marca Notória, Marca de Prestígio e o ADPIC/TRIPS, Relatório de Mestrado, Encadernação da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano de 2006 Carvalho, Maria Miguel Rocha Morais de, Merchandising de Marcas (A comercialização do valor sugestivo das Marcas), Coimbra, 2003 Correa, Carlos M. e Abdulqawi A. 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