DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, por meio do NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL – NEPE, no exercício de suas atribuições legais e constitucionais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 5º, Inciso LXVIII, da Constituição Federal, e artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal impetrar a presente ação constitucional de HABEAS CORPUS com pedido liminar em favor de Nome Filiação Execução criminal nº ADAILTON DE FREITAS ADALTO DE SOUZA ARACELIA DE FREITAS MARIA APARECIDA DE SOUZA 0007379-82.2008.8.08.0011 0015176-97.2012.8.08.0002 1 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ ALAMIR ZANARDI ZANETTE ALESSANDRO DE SOUZA ANSELMO ALEX OLIVEIRA DIORIO ALEXANDRE CARVALHO ALLEF DE SOUZA GOMES ALBINO ANDERSON FERREIRA DA SILVA ANIVALDO SILVA RICARDO DO NASCIMENTO OU ANIVALDO RICARDO SILVA DO NASCIMENTO ANTÔNIO FABIANO DA SILVA FERREIRA ANTÔNIO SIMÃO BENEDITO HENRIQUE PIMENTEL GONÇALVES BENTO LUCIO PIRES BRUCE LEE FERREIRA MACHADO OU FABRICIO FERREIRA MACHADO BRUNO GOMES DE SOUZA CAIO INÁCIO FARIA CARLOS ALBERTO CARVALHO CARLOS EDUARDO FERREIRA PEÇANHA CARLOS HENRIQUE SILVA PINTO CESAR FACCINI DOS SANTOS CLODOALDO ALBUQUERQUE RIBEIRO CRISTIANO DA SILVA MIRANDA CECILIA ZANETTE ZANARDI, ANTONIO TEDESCO ZANARDI MARIA APARECIDA DE SOUZA OU APARECIDA DE SOUZA, WALTER ANSELMO ROSEANE APARECIDA COELHO DE OLIVEIRA, JUMAR DE AGUIAR DIORIO CREUZA MORAIS CARVALHO, JONACI CARVALHO ADNÉLIA DE SOUZA GOMES, JOSÉ AUGUSTO RAMOS ALBINO EVA MARIA FERREIRA DA SILVA, JORGE SANTOS DA SILVA ROSIANE NASCIMENTO SILVA, RICARDO ALVES DO NASCIMENTO 0067471-84.2012.8.08.0011 AMÉLIA DA SILVA FERREIRA, OZENI LOURENÇO ARARIBA CLARA OTAVIANA, JOÃO SIMÃO 0010667-28.2014.8.08.0011 CLOTILDE GONÇALVES PEIXOTO, ANTONIO PIMENTEL DE ALMEIDA ERCILIA DO NASCIMENTO PIRES, VALDOMIRO PIRES AUDILÉIA FERREIRA MACHADO, FERNANDO BATISTA MACHADO 0014056-38.2007.8.08.0020 MARIA DAS GRAÇAS ALVES GOMES, ALTAMIRO VIANA DE SOUZA JUDITE ANTÔNIO DA SILVA, JOAQUIM INÁCIO FARIA MARIA LOURDES CARVALHO, ESTEVAO ANDRADE CARVALHO NILZA EDNA FERREIRA, JOSE CARLOS PEÇANHA LUZIA SILVA PORTO, OSVALDO VICENTE PINTO MARIA DA PENHA FACCINI DOS SANTOS, SERGIO DOS SANTOS AUREA VIEIRA RIBEIRO, ACIR ERMELINO RIBEIRO ZILDA DA SILVA MIRANDA, JOSE FURTADO DE MIRANDA 0010615-32.2014.8.08.0011 0015175-15.2012.8.08.0002 00712270420128080011 0011212-45.2007.8.08.0011 0000605-29.2014.8.08.0010 222201102212 0000802-36.2013.8.08.0004 222201000914 222201109746 0005059-83.2013.8.08.0011 222201001939 222201108862 222201211678 00000524020138080002 0002626-03.2013.8.08.0013 0001999-25.2013.8.08.0069 222201213450 2 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ DANNYEL LEANDRO ALMEIDA DE AZEREDO TANIA MARIA ALMEIDA AZEREDO, MAURICIO LEANDRO DE AZEREDO FILHO MARIA DA CONCEIÇÃO DA SILVA, JOCEMIRO SABINO DA SILVA RITA GONÇALVES COELHO, ANTÔNIO FERNANDES SOARES VIANA 0015020-12.2012.8.08.0002 DIEGO SILVA DE SOUZA BENEDITA LUZIÊ DO BRASIL SILVA, JOSÉ FRANCISCO DA SILVA 0013667-50.2012.8.08.0029 DOMINGOS SAVIO THIENGO ANA BRUNHARA THIENGO, JOSE THIENGO MARIA JORDÃO DE CARVALHO, JOELSON PEREIRA DE CARVALHO LUCINEIA GOMES DE AGUIAR, ALCENIR FABER BENEDITA BATISTA BARCELOS, EDILSON FRANCISCO BARCELOS IRANY GOMES DIAS OU IRANY MARTINS GOMES GLEIDE MARIA ZUCOLOTO MOZER, GELSON MOZER MARIA DA PENHA DE JESUS, JOSE SILVEIRA DAVI DA SILVA DEILTON GONÇALVES COELHO VIANA DOUGLAS JORDÃO DE CARVALHO EDIELSON FABER EDILSON BATISTA BARCELOS FABRICIO GOMES GEDSON ZUCOLOTO MOZER GENERVAL BORGES DE ARAUJO OU GENEVAL BORGES DE ARAUJO GENILSON DELFINO PEREIRA GILDASIO PROCHNOW GILMAR VALADARES GILVAN ALVES DE OLIVEIRA GIOVANNI SAMPAIO IRLAN CARLOS DE LIMA PAIXÃO JOAO BATISTA DOS REIS JOÃO MARIO BINOTI PAIVA JOAO VITOR TURINO LAGAIS OLIENE DELFINO PEREIRA, ARY SILVA PEREIRA FILINHA GERKE PROCHNOW, ANTONIO PROCHNOW GUIOMAR CANDIDA ANASTÁCIO VALADARES, LEVI ANASTÁCIO VALADARES DERINA DOMICILIANO DE OLIVEIRA, OSMAR ALVES DE OLIVEIRA LUZIA GONÇALVES MANÇO, VALMIR SAMPAIO MARIA PAIXÃO DO NASCIMENTO DE LIMA, JOÃO SERAFIM DE LIMA ISABEL DA SILVA REIS, JOAO GOMES DOS REIS JOELMA JOE BINOTI, JOSE MARIO PAIVA MARIA IZABEL NUNES TURINO, ADAILTON LAGAIS DE SOUZA 0004613-58.2010.8.08.0020 0000156-53.2014.8.08.0016 222201008133 222201005358 0000422-04.2014.8.08.0028 222200901655 222200902867 222200709779 0000558-98.2014.8.08.0028 0010599-50.2007.8.08.0035 222201005849 0004931-05.2009.8.08.0011 222200902476 0001883-90.2013.8.08.0013 222201213782 0016936-20.2013.8.08.0011 0000125-57.2015.8.08.0029 222201109740 3 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ JOCEI FORIGO OU JOSEI ANA MARIA FORIGO, DEOCLECIO 0012212-07.2012.8.08.0011 FORIGO OU JOCEIR PEREIRA PEREIRA MOZER JOHN MORRISEY MORAES CITERO JORDAN PEREIRA ESPOSITO ROSEMERY DE SOUZA MORAES, ISAÍAS MORAES CITERO DINORAH PEREIRA DO NASCIMENTO, JOÃO ESPÓSITO RAIMUNDA ISAURA DA SILVA, JOSE CARLOS SOBRAL AMELIA VICENTE GABRIEL, SEBASTIÃO GABRIEL 0000454-97.2013.8.08.0010 JOSE NILTON OBOLARI CELMA ILZA MENDEL, JOSE OBOLARI 0001105-56.2013.8.08.0002 JOSE PROPICIO DOS SANTOS MARIA CÍCERA DA CONCEIÇÃO, JOSE PROPICIO DOS SANTOS ERLI IZABEL MOREIRA TERLONI, JOSE TERLONI MARIA GONÇALVES EMENES, MATIAS BILCE EMENES MARIA GERUSA FERREIRA 0013664-95.2012.8.08.0029 JOSÉ CARLOS DA SILVA SOBRAL JOSE CARLOS GABRIEL JOSE RENATO TERLONI JOTALINO BILCE EMENES LEANDRO FERREIRA LEOMAR BARBOSA DE SOUZA LUCIANO VILELA LUIZ CARLOS SOARES DA COSTA LUIZ LEONARDO SILVA DE AVELLAR PEÇANHA MAICON BERNARDO DE OLIVEIRA MAIKEO TURINO ROSA OU MAICON TURINO ROSA MAISSON DA SILVA BARRETO MARCELO FERNANDES DA SILVA MARCELO MARQUES DE MORAES MARCELO VIANA CUSTODIO MARCIO DOS SANTOS MARQUES ANA BARBOSA DE SOUZA, SEBASTIAO PEREIRA DE SOUZA SONIA REGINA SEBASTIANA VILELA SEBASTIANA SOARES DE MATOS, SEBASTIÃO FERREIRA DA COSTA TERESA CRISTINA SILVA DE AVELLAR, ARILDO MAGALHÃES PEÇANHA MARLUCIA BERNADO DE OLIVEIRA, JOSE POLONINI DE OLIVEIRA LUCIVANE NUNES TURINO, CLODES ROSA OU CLOUDES ROSA MARILDES DA SILVA BARRETO, WANDERLEY MENDES BARRETO OU VANDERLEI SILVA BARRETO DORACEA DA CONCEIÇÃO SOUZA OU IRACI SILVA CARDOSO, MANOEL FERNANDES DE SOUZA SÔNIA MARIA MARQUES MARIA DO CARMO DE JESUS VIANA, FRANCISCO ALVES CUSTÓDIO JURACI DOS SANTOS, JOSÉ MARQUES 222200816233 222200713882 0007126-21.2013.8.08.0011 0001508-03.2010.8.08.0011 222200907285 222201007008 222200709972 222201109748 222201004911 0009209-83.2008.8.08.0011 0010563-07.2012.8.08.0011 0009764-95.2011.8.08.0011 0071236-63.2012.8.08.0011 0001872-87.2013.8.08.0069 222201109754 222201005908 0010878-35.2012.8.08.0011 4 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ MARCIO LIMA RODRIGUES MANOELA LIMA RODRIGUES, JORGE ROQUE RODRIGUES 0000438-55.2014.8.08.0028 MARCIO ROBERTO FERNANDES MARCOS JHONATA MACHADO DE OLIVEIRA MARCOS VINICIUS DE OLIVEIRA RAIMUNDO LUZIA REGINA FERNANDES 0000798-96.2013.8.08.0004 MAXUEL ZANGIROLAMI GARCIA ROZIMARE SOUZA MACHADO, ANTONIO MARCOS DE OLIVEIRA MARINA ELIANE DE OLIVEIRA, REINALDO NASCIMENTO RAIMUNDO MARIA DO CARMO ZANGIROLAMI GARCIA, FERNANDO MENDES GARCIA 222201108185 0002157-36.2008.8.08.0011 0002649-12.2014.8.08.0013 ODARIO DE OLIVEIRA FRANCISCA DE OLIVEIRA, EUCLIDES RAFAEL 222200902494 PAULO ROBERTO GOMES DA SILVA PAULO SERGIO ROBERTO SIMONE GOMES SILVA, DANIEL ROBERTO GOMES DA SILVA MARIA DE LOURDES QUIRINO ROBERTO, ATHAIDE ROBERTO ROSANGELA CARRIÇO SARA, LOURENÇO SARA ALDIRA RODRIGUES DA SILVA, ANTONIO ADILSON DA SILVA ELIS REGINA GOMES 222200709517 PHILIPE CARRIÇO SARA RENILDO RODRIGUES DA SILVA RERISSON LUIZ GOMES ROGÉRIO ANDRADE DE SOUZA ROMILDO JOSÉ ROMILDO PEREIRA DA SILVA RONDINELI SOUZA DE FREITAS SANDRO GOMES BAHIENSE SEBASTIAO DOS SANTOS AYRES SEBASTIAO LINO DE ALMEIDA SEBASTIÃO LUIZ DA CRUZ SEBASTIAO RODRIGUES DOS SANTOS THIAGO SILVA WERHEIN CECÍLIA ANDRADE DE SOUZA, HENRIQUE DE SOUZA JUVERCINA DIAS CARVALHO, FRANCISCO JOSE LUIS ROSELEIA PEREIRA DA SILVA, DEJAIR BRIDES DA SILVA ROSEMARI SOUZA DE FREITAS, LUIZ FRANÇA DE FREITAS LEOPOLDINA GOMES BAHIENSE, WALTER SOUZA BAHIENSE MARIA RINGLER AYRES, ESTEVAO AYRES ALZIRA FRAUZINO DE ALMEIDA, JOÃO LINO DE ALMEIDA TEREZA APARECIDA DOS SANTOS CRUZ, ANTÔNIO JOSÉ DA CRUZ IRENE DESOUZA SANTOS, GECI RODRIGUES DOS SANTOS LÚCIA SILVA WERHEIN 0000122-39.2014.8.08.0029 222201109695 0015112-09.2012.8.08.0028 0006787-28.2014.8.08.0011 0001891-74.2014.8.08.0064 222200902416 222201004928 222201004727 0001661-83.2013.8.08.0026 222201103387 0002222-65.2007.8.08.0011 222200907283 0000184-62.2013.8.08.0046 0001985-15.2013.8.08.0013 5 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ VANDERLEI FREITAS SANTOS WALACE BAPTISTA PINHEIRO WILLIAN ROSA DOS SANTOS MARIA DA PENHA FREITAS SANTOS, ANTONIO DOS SANTOS MARIA DA GLORIA DE SOUZA BAPTISTA, NICANOR PINHEIRO FILHO JOANA ROSA DE OLIVEIRA, JOACIR CORTES DOS SANTOS 222201009691 0007043-73.2011.8.08.0011 0013888-24.2012.8.08.0032 todos estes atualmente reclusos na Penitenciária Estadual de Vila Velha IV, após terem sido transferidos do Centro de Reintegração Social de Cachoeiro de Itapemirim (APAC), apontandose como autoridade coatora o Excelentíssimo Senhor Secretário de Justiça pelas razões fáticas e jurídicas que a seguir expõe. DOS FATOS De início, faz-se necessário traçar algumas linhas a respeito do sistema penitenciário capixaba. Um dos fatos que se destacam quando se cita o Estado do Espírito Santo nos cenários internacional e nacional é o seu sistema penitenciário e as severas violações de direitos humanos nele praticadas. Não por acaso, em 2009 o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), após visita ao Estado, procedeu à provocação do Procurador-Geral da República para que fosse avaliada a possibilidade de intervenção federal. Essa postura foi motivada pela violação aos direitos da pessoa humana no sistema penitenciário, tendo sido expressamente criticada pelo CNPCP a postura omissiva dos órgãos da execução penal. E, muito embora possa se atestar que o sistema prisional capixaba evoluiu nesse período, certamente não se pode afirmar que o mesmo se encontra em conformidade com as disposições legais e com a dignidade da pessoa humana. É nesse contexto de avanços e retrocessos que se insere a discussão do caso levado à apreciação do Tribunal de Justiça. 6 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Havia, em todo o Estado do Espírito Santo, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, 2418 vagas para a execução da pena em regime semiaberto1 para apenados do sexo masculino, conforme documentação anexa, sendo que 2874 pessoas eram mantidas presas no regime intermediário. Saliente-se que a esse total devem ser somadas as inúmeras pessoas que deixam de gozar do direito ao regime semiaberto por ineficiência estatal, sendo mantidas em unidades de regime fechado quando já tem direito reconhecido à transferência ao regime intermediário. Mesmo diante de tal quadro, no dia 24 de agosto de 2015 a Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo (SEJUS) suspendeu a execução do convênio que possibilita a adoção do método APAC no Centro de Reintegração Social de Cachoeiro de Itapemirim, resultando na inutilização da unidade prisional para a custódia de apenados, a qual, diga-se, era a única unidade destinada ao regime prisional semiaberto localizada na região sul do Estado. Tão somente com essa medida, foram anuladas 140 vagas, fazendo com que, na presente data, o sistema prisional conte atualmente com 2278 vagas para o regime semiaberto. Com isso, o déficit de vagas Portanto, foi claramente agravado o quadro de superlotação das unidades de regime semiaberto, fazendo com que a PEVV IV, por exemplo, passasse a apresentar 68,37% de lotação acima das vagas. A SEJUS notificou a Defensoria Pública da suspensão do convênio que possibilitava o funcionamento da APAC de Cachoeiro de Itapemirim (DOC. 01), apresentando como motivação a existência de irregularidades, tais como a ausência de oferta à educação aos internos, a ausência de convênio que regule obrigações dos internos para com as empresas que se utilizam de sua mão-de-obra, a ausência de folga semanal aos apenados que trabalham na 1 Essas vagas destinadas a pessoas do sexo masculino para cumprimento da pena em regime semiaberto encontramse distribuídas da seguinte forma: 391 vagas na CASCUVV (Casa de Custódia de Vila Velha); 140 na APAC de Cacheiro de Itapemirim; 96 na PSMCOL (Penitenciária Semiaberta Masculina de Colatina); 372 na PSC (Penitenciária Semiaberta de Cariacica); 220 na PRL (Penitenciária de Linhares); 455 na PAES (Penitenciária Agrícola do Espírito Santo); e 604 na PEVV IV (Penitenciária Estadual de Vila Velha IV). 7 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ unidade, irregularidades no funcionamento da unidade de alimentação e na prestação de contas concernentes ao recebimento de recursos financeiros. Como consequência dessa decisão, 87 das 89 pessoas que se encontravam custodiadas naquela unidade foram transferidas para a Penitenciária Estadual de Vila Velha IV (PEVV IV) (DOC. 02), conforme se nota nos extratos do sistema INFOPEN/ES juntados ao presente writ. Ou seja, apesar do notório déficit de vagas para o cumprimento de pena regime semiaberto no sistema prisional do Estado, uma unidade de regime semiaberto foi fechada e os pacientes transferidos para estabelecimento em situação de superlotação. É fundamental, ainda, apontar que apesar de a PEVV IV se apresentar como estabelecimento prisional formalmente destinado à execução da pena em regime semiaberto2, em verdade trata-se de estrutura adequada ao regime fechado. É sabido que o regime semiaberto se caracteriza pela execução da pena privativa de liberdade em colônia agrícola (a qual deve conter área extensa e própria para plantio e cultivo de vegetais, ou a produção pecuária), industrial (a qual deve possuir maquinário adequado ao ramo da atividade desenvolvida) ou estabelecimento similar, onde as atividades tenham caráter educativo e profissionalizante. Ademais, deve existir compartimento coletivo com dormitório, aparelho sanitário e lavatório e que tenha como requisitos básicos a salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana. Além disso, as unidades de regime semiaberto devem ter configuração arquitetônica mais simples, com poucos obstáculos contra fuga. São ambientes fechados, em que o detento não 2 A alteração da finalidade da PEVV IV, destinando-a não mais ao regime fechado, mas sim ao semiaberto, deu-se por meio de mero ato normativo, sem que um prego tenha sido batido em sua estrutura física para adequá-la propriamente ao regime prisional intermediário. Repete-se, nesse particular, o procedimento que ocorreu em 2007, quando diante da decisão do STF admitindo a progressão de regime para crimes hediondos, fez-se necessária a criação de vagas em regime semiaberto. Em resposta a essa demanda, o Estado do Espírito do Santo simplesmente transformou o Instituto de Readaptação Social (IRS) em unidade prisional adequada ao regime semiaberto sem qualquer alteração estrutural na unidade prisional. 8 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ pode sair dos limites territoriais, mas de segurança média, pois a capacidade de senso de responsabilidade do condenado que cumpre pena no regime semiaberto deve ser estimulada e valorizada. Assim, os apenados hão de consciente e voluntariamente cumprir os deveres e exercer os direitos próprios dos presos que cumprem pena no regime semiaberto, já que a progressão para o regime semiaberto, ou a fixação do regime semiaberto como o regime inicial de cumprimento de pena, demonstram que ao apenado é creditada maior confiança em sua autodisciplina e adequação social3. Nesse regime, o condenado fica sujeito a trabalho comum durante o período diurno, sendo o trabalho externo recomendado, assim como é possível a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior (art. 35 do CP, e arts. 88 e 92 da Lei nº 7.210/84). Conforme já afirmado, a PEVV IV não se adequa ao regime semiaberto. Sua arquitetura em nada se difere das outras unidades prisionais do Complexo de Xuri (PEVV I, II, III e V), tendo sido construída nos mesmos moldes adaptados do modelo Supermax americano, como ocorre com as unidades vizinhas. O estabelecimento, portanto, não possui qualquer característica de colônia agrícola ou industrial. Não por acaso, o relatório do CNJ é taxativo ao afirmar: A unidade possui condições boas para uma unidade do regime fechado, mas para Regime semiaberto apresenta condições regulares somente. Em uma perspectiva otimista4, a cada dez presos que se encontram na PEVV IV sete não estudam ou trabalham permanecendo trancados em suas celas durante a absoluta maioria das horas do dia. Os obstáculos à fuga são ostensivos, sendo tal quadro absolutamente contrário à 3 BRITO, Alexis de Couto. Execução Penal. 3ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2013. P. 223 e 224. 4 Segundo as informações do CNJ, há 94 vagas de trabalho (somando-se as oportunidades de trabalho interno e externo) e 180 vagas de estudo. Assim, pressupondo-se que nenhum apenado trabalha e estuda concomitantemente – o que, sabe-se, possivelmente não corresponde à realidade – tem-se que 274 presos participam de alguma atividade. 9 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ lógica de reinserção social. Por fim, a unidade prisional apresenta o maior índice de superlotação – 69% – em unidades de regime semiaberto em todo o estado, contando com 1021 presos para 604 vagas. Assim, constata-se que com a suspensão da execução do convênio que permitia o funcionamento da APAC de Cachoeiro de Itapemirim – unidade que adota o método que, digase, é o mais respeitador da dignidade da pessoa humana e que mais se aproxima do objetivo da execução penal de proporcionar condições para a harmônica integração social dos condenados (art. 1º da Lei nº 7.210/84) – agravou-se ainda mais o quadro de superlotação das unidades de regime semiaberto no Estado do Espírito Santo. E mesmo diante da patente ausência de vagas e do fato de as famílias dos apenados residirem na região sul do Estado do Espírito Santo, a Secretaria de Justiça entendeu por bem proceder à transferência dos apenados que estavam reclusos na APAC de Cachoeiro de Itapemirim para a PEVV IV. Diante desse quadro de submissão dos apenados à superlotação violadora dos mais básicos direitos da execução penal e a condições incompatíveis com o regime semiaberto, bem como da distância entre a PEVV IV e a residência dos familiares dos pacientes deste habeas corpus, constata-se o evidente constrangimento ilegal à liberdade de locomoção dos pacientes, o que motiva a impetração do presente writ. DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS LITISCONSORCIAL Inicialmente, mostra-se necessário tecer breves comentários sobre o cabimento da presente medida. Cumpre ressaltar que não se trata de habeas corpus coletivo, mas sim de habeas corpus litisconsorcial. Tal diferenciação é de suma importância. Explica-se. 10 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ O habeas corpus coletivo tem como objetivo tutelar o direito à liberdade de um grupo determinável de pessoas. Nesse contexto, diante de uma situação fática que viola flagrantemente a liberdade de cada um dos membros, impetra-se writ em favor de todos os afetados, apontando-se apenas elementos que possam posteriormente individualizar cada um deles. Muito embora a Defensoria Pública entenda ser plenamente possível a impetração de habeas corpus coletivo, não é esta a situação dos autos. No presente caso, verifica-se que o remédio constitucional impetrado tem natureza litisconsorcial. Nesses termos, trata-se de único instrumento processual que visa tutelar direitos de um grupo determinado de pessoas. Acrescente-se que tais apenados se encontram devidamente individualizados no corpo desta ação constitucional. Com a referida diferenciação, eliminam-se muitas das discussões que eventualmente poderiam surgir quanto ao cabimento ou não deste writ, uma vez que é pacífica nos Tribunais Superiores a possibilidade de impetração da habeas corpus em que figure mais de uma pessoa como paciente. Nesse sentido, cite-se que o Superior Tribunal de Justiça expôs didaticamente tal posicionamento no seguinte julgado, in verbis: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS COLETIVO. EXECUÇÃO PENAL. PACIENTES INDETERMINADOS - TODOS OS CONDENADOS QUE VÊM CUMPRINDO PENA NO CENTRO DE DETENÇÃO PROVISÓRIA II DE OSASCO/SP COM DIREITO AO REGIME SEMIABERTO PEDIDO DE PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR. PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS DO ART. 654, § 1º, ALÍNEA "A", DO CPP. AUSÊNCIA. 1. Não se olvida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tendo sido o agente condenado ou promovido ao regime prisional semiaberto/aberto, constitui ilegalidade submetê-lo, ainda que por pouco tempo, a local apropriado a presos em regime mais gravoso, em razão da falta de vaga em estabelecimento adequado. 11 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ 2. Entretanto, conforme ressaltei na decisão agravada, não se pode admitir habeas corpus coletivo, em favor de pessoas indeterminadas, visto que se inviabiliza não só a apreciação do constrangimento, mas também a expedição de salvo-conduto em favor dos supostos coagidos. 3. Com efeito, a teor do disposto no art. 654, § 1º, alínea "a", do Código de Processo Penal, a petição de habeas corpus conterá o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação, vale dizer, a identificação de quem esteja sofrendo o alegado constrangimento ilegal. 4. Registro que não há obrigatoriedade legal de que se formule um único pedido de habeas corpus para cada paciente, podendo a impetração englobar duas ou mais pessoas, bastando que o cenário fático-processual de cada um dos interessados seja comum para viabilizar a concessão da medida. 5. Não obstante, a individualização dos vários pacientes é imprescindível, não bastando a qualificação dos supostos coagidos como um grupo determinável de sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RHC 40.334/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 16/09/2013) Quanto ao citado decisum merecem ser destacados dois pontos. O primeiro deles diz respeito ao fato de que o caso em concreto objeto da supracitada decisão foi novamente analisado pelo Supremo Tribunal Federal, no HC 1197535. Na ocasião, o Pretório Excelso manteve o entendimento do Tribunal da Cidadania. O segundo ponto diz respeito propriamente ao teor da mencionada tese jurisprudencial. Verificam-se, em síntese, os seguintes pontos quanto ao manejo do habeas corpus: 1) Não existe obrigação legal de que a tutela de várias pessoas, cujas liberdades estejam sendo afetadas, proceda-se por meio de vários 5 HC 119753 MC, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 24/10/2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 25/10/2013 PUBLIC 28/10/2013). 12 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ habeas corpus individuais. Sendo assim, pode ser manipulado apenas um writ em prol de mais de um indivíduo; 2) A individualização dos pacientes é imprescindível; 3) A impetração pode englobar dois ou mais indivíduos, bastando que o cenário fático-processual de cada um dos interessados seja comum para viabilizar a concessão da medida; Por sua vez, no presente caso, estão presentes todos os requisitos elencados pela jurisprudência. Destarte, respeitando-se os ditames expostos: está sendo realizada, em uma única peça, a tutela dos direitos de várias pessoas; foi feita a individualização de todos os pacientes; e todos os apenados estão sujeitos ao mesmo contexto fático-processual. Ademais, quanto ao contexto fático-processual, observa-se que os pacientes: encontravam-se presos na APAC de Cachoeiro de Itapemirim; possuem familiares residentes no sul do Estado; foram transferidos para unidades prisionais situadas na Grande Vitória; e, em razão da grande distância entre o local de cumprimento de pena e a residência de seus parentes, estão sofrendo violações, inclusive, no que se refere ao seu direito de recebimento de visitas e de manutenção do vínculo familiar. Além do exposto, é indispensável apontar que o direito discutido neste habeas corpus é indubitavelmente um dos desdobramentos do direito de liberdade, como será mais bem desenvolvido em tópico próprio. Portanto, verifica-se o pleno cabimento do presente remédio constitucional. DA VIOLAÇÃO AO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR A convivência familiar recebe proteção especial pelo Estado, inclusive com disposições no âmbito constitucional, o que demonstra a relevância do amparo ao núcleo social. 13 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Dispõe o art. 226 da Constituição Federal que: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Além da incidência da referida proteção, tem-se que a sanção penal é regida pelo princípio da intranscendência da pena, também com previsão constitucional: Art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; Em relação ao princípio supracitado, em uma visão realística, trata-se aqui da transcendência mínima, uma vez que é impraticável a intranscendência absoluta dos efeitos penais, pois, de algum modo, a família sempre sofre as consequências da imposição da pena a um de seus membros. Destarte, a transcendência da sanção penal deve ser coibida e reduzida pelo Estado ao mínimo possível. E, entre as medidas que viabilizam a manutenção da impessoalidade da pena e a proteção à família, está a garantia à convivência familiar do apenado. Nesse sentido, no âmbito infraconstitucional a Lei de Execuções Penais cuida de garantir ao preso a manutenção dos vínculos familiares e de amizades, salvaguardando o direito à convivência familiar. Prevê a Lei de Execuções Penais em seu art. 41, X, o direito à convivência familiar por meio do recebimento de visitas. Para que tal direito lhe seja garantido, é mister que o sistema carcerário disponha de meios hábeis a viabilizar a realização das visitas, sob pena de violação à disposição legal. 14 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ O ônus para a garantia do direito de o preso receber visitas não deve recair sobre a própria família, o que ocorre quando o apenado está encarcerado em local distante do seio familiar. Ressalte-se que, em reconhecimento de tal direito, no âmbito do Poder Executivo local, o artigo 18 da portaria 332-S da Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo prevê a possibilidade de se requerer a transferência entre unidades prisionais quando os familiares residem em comarca diversa. Nesse sentido, importante pontuar que a ausência de visita dos familiares à pessoa presa implica frustação dos objetivos da execução penal consubstanciado na harmônica integração social do condenado. É certo que, longe do seu núcleo familiar, o apenado encontrará maiores dificuldades para a integração social. Acrescentem-se a isso dois princípios que regem a execução das penas: o da legalidade e da humanidade. Pelo princípio da legalidade, previsto no artigo 3º da Lei 7.210/84, ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Logo, não há razão para restringir ao condenado à pena privativa de liberdade o convívio mínimo com seus familiares, proporcionado por visitas à unidade prisional. E ao se prejudicar a realização da visita a sentenciado que se encontra em estabelecimento prisional distante da residência de sua família, por via transversa, o que se faz é restringir direitos além dos determinados pela sentença condenatória e pela lei penal. Por sua vez, o princípio da humanidade, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana e derivado de garantia constitucional, adverte que são proibidas, entre outras, penas de banimento ou cruéis. Outrossim, o direito ao cumprimento da pena em local próximo da família possui resguardo inclusive no âmbito do direito internacional dos direitos humanos. Neste sentido, as 15 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Regras Mínimas Padrão para o Tratamento de Prisioneiros previstas pela ONU6 estabelece em diversos artigos essa garantia. Veja-se: 37. Os prisioneiros devem ter permissão, sob a supervisão necessária, para comunicarem-se periodicamente com suas famílias e amigos de boa reputação por correspondência ou por meio de visitas. (...) 62. O tratamento de prisioneiros deve enfatizar não a sua exclusão da comunidade, mas sua participação contínua nela. Assim, as agências comunitárias devem, sempre que possível, ser indicadas para auxiliar a equipe da instituição na tarefa de reabilitação social dos prisioneiros. Toda instituição social deve ter trabalhadores encarregados de manter e aperfeiçoar todas as relações desejáveis de um prisioneiro com sua família e com agências sociais reconhecidas. Devem-se adotar procedimentos para proteger, ao máximo possível, de acordo com a lei e a sentença, os direitos relacionados aos interesses civis, de segurança social e outros benefícios sociais dos prisioneiros. (...) 79. Atenção especial deve ser dada para a manutenção e o aperfeiçoamento das relações entre o prisioneiro e sua família, conforme adequado ao interesse de ambos. (...) 80. Desde o início do cumprimento da pena de um prisioneiro, deve-se considerar seu futuro após a liberação, e ele deve ser incentivado e auxiliado a manter ou estabelecer relações com indivíduos ou organismos fora da instituição, da melhor forma possível, para promover os interesses de sua própria reabilitação social e de sua família. Frise-se que, no referido documento, o direito é conferido inclusive ao preso provisório, sem distinção de tratamento em relação ao preso condenado. Neste sentido: 6 Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento dos Infratores, Genebra, 22 agosto a 03 setembro 1955, disponível em: https://www.unodc.org/documents/justice-and-prisonreform/projects/UN_Standards_and_Norms_CPCJ_-_Portuguese1.pdf 16 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ 92. Um prisioneiro não julgado deve poder informar sua família, imediatamente após sua detenção, e deve ter acesso a todas as instalações apropriadas para se comunicar e receber a visita de sua família e amigos, contudo, deve estar sujeito às restrições e supervisão necessárias no interesse da administração da justiça, da segurança e do bom andamento da instituição. Neste mesmo sentido, a Resolução n 14, de 11 de novembro de 1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) – Ministério da Justiça, estabelece o direito do preso em manter suas relações familiares. Vejamos: Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas. (...) Art. 37. Deve-se estimular a manutenção e o melhoramento das relações entre o preso e sua família. Ainda, a Resolução de nº 03, de 15 de julho de 2009 prevê: Art. 8º A visita de familiares e pais presos deve ser estimulada visando à preservação do vínculo familiar e do reconhecimento de outros personagens do círculo de relacionamento parental. Portanto, o direito à convivência familiar do apenado constitui-se em figura multilateral, ou seja, é direito da pessoa presa e de cada um dos componentes familiares, simultaneamente. Isto porque é evidente que o direito não é apenas do interno em ter contato com o mundo externo, mas também dos familiares em poderem se comunicar e manter o vínculo afetivo com aquele que está preso, inclusive sendo responsáveis por participar do processo de ressocialização. 17 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Dessa forma, o direito à visita e à convivência familiar do apenado deve ser garantida pelo Estado, permitindo-se seu exercício de forma regular e sem oposição de obstáculos, sob pena de configuração de ato ilícito. Ainda sobre a questão da multilateralidade do direito de visita a doutrina aborda, de forma crítica, a previsão de sanção consistente na suspensão da visita familiar em decorrência de falta disciplinar. Na inteligência de ROIG7, um: “exemplo de violação ao princípio da transcendência mínima o emprego da proibição ou restrição de visita como forma de sanção disciplinar (arts. 41, parágrafo único, e 53, III, da LEP). Isso porque não somente o preso possui o direito de receber seus visitantes (art. 41, X, da LEP) e receber assistência da família (art. 5 LXIII), mas os próprios visitantes também tem direito de encontrar seus parentes e amigos presos e com eles manter laços afetivos. Logo, se o impedimento da efetivação de um dos direitos à convivência familiar, qual seja, o direito de receber visitas, é merecedor de críticas por, equivocadamente, justificar sua suspensão em decorrência da falta disciplinar, ainda mais reprovável é a visão de que o apenado pode ter totalmente negado o direito constitucional à manutenção dos vínculos familiares sem que tenha dado qualquer causa a isso. É o que ocorre no presente caso, uma vez que inexiste estabelecimento prisional adequado ao regime semiaberto próximo à região em que residem os familiares dos pacientes do presente writ8. Ocorre que conforme narrado, os apenados estão em cumprimento de pena em regime semiaberto. Dessa forma, o estabelecimento prisional no qual devem ser encarcerados, na forma estabelecida pela LEP, é a Colônia Agrícola, Industrial ou similar. Vejamos: 7 8 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal. Teoria Crítica. Saraiva, 2014. P. 67. Os endereços dos pacientes e de seus familiares podem ser observados no DOC.02. 18 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Art. 91. A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto. O único estabelecimento prisional na região sul do Estado do Espírito Santo que se amoldava à previsão legal era a APAC da cidade de Cachoeiro do Itapemirim. Destarte, com a suspensão do convênio entre a APAC – CI e a SEJUS-ES de forma súbita, em 24 de agosto de 2015, todos os 87 apenados foram transferidos para a unidade prisional Penitenciária de Vila Velha – IV (PEVV-IV), localizada na região metropolitana de Vitória, que dista aproximadamente 140 quilômetros do local de cumprimento de pena anterior. A despeito das condições do cárcere totalmente inapropriadas ao cumprimento da pena em regime semiaberto na unidade PEVV-IV, o que será abordado adiante, o fato é que com a providência da transferência repentina e sem a existência de outra unidade prisional adequada ao regime semiaberto em toda a região sul capixaba, o direito à convivência familiar foi nitidamente inviabilizado, havendo ofensa aos direitos tanto dos presos quanto dos familiares. Considerando que a maioria absoluta dos apenados é hipossuficiente, e que a vulnerabilidade socioeconômica alcança também seus familiares, verifica-se que é impraticável o exercício do direito de visita entre os familiares e os apenados, uma vez que seria exigido o dispêndio de gastos que não podem ser suportados por aquelas famílias. Outra violação notável é a relativa ao direito de saídas temporárias para visitas ao lar. Para os apenados que cumprem pena em regime prisional semiaberto, obtiveram o direito à saída temporária e estão presos em local a mais de 140 quilômetros de suas residências, o gozo efetivo daquele direito é impedido, uma vez que os condenados sequer possuem, em sua maioria, condições financeiras de arcar com as despesas de uma passagem entre as cidades. Nesse sentido, o STF já tem se posicionado para reconhecer o direito à convivência familiar, inclusive por manejo do remédio constitucional do habeas corpus, garantindo a efetividade do direito. Vejamos: 19 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE 10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA. 1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT. A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do 20 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. 3. ORDEM CONCEDIDA. (STF, HC 107701/RS. Min. Gilmar Mendes. DJ Nr. 61 do dia 26/03/2012). (Grifo Nosso) Habeas Corpus. 2. Pedido de transferência de estabelecimento prisional. Possibilidade. Vínculo familiar e disponibilidade de vaga. 3. Constrangimento ilegal caracterizado. 4. Ordem concedida. (STF, HC 105175 / SP. Min. Gilmar Mendes. DJe-146, em 29-07-2011) HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMOÇÃO DE PRESO. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. ART.86 DA LEP. ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS SIMILARES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA FALTA DE SEGURANÇA. NÃO CARACTERIZAÇÃO - DA PERICULOSIDADE SEM DADOS OBJETIVOS E CONCRETOS. VÍNCULO FAMILIAR COMPROVADO.VAGA EXISTENTE. CONCESSÃO DO WRIT. 1. O art. 86, caput, da LEP permite o cumprimento da pena corporal em local diverso daquele em que houve a perpetração e consumação do crime. 2. Entretanto, o exame minucioso de cada caso concreto pode afastar o comando legal supramencionado, desde que comprovadas as assertivas de falta de segurança do presídio destinatário da remoção, participação do preso em facção criminosa e outras circunstâncias relevantes à administração da Justiça. Ônus do Parquet. 3. No caso sob exame, não ficou demonstrado o perigo na transferência, tampouco a periculosidade, ao contrário, porquanto são prisões aptas ao 21 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ cumprimento de pena em regime fechado, além do que o vínculo familiar, a boa conduta carcerária e a respectiva vaga foram documentalmente demonstrados pelo paciente. 4. A ressocialização do preso e a proximidade da família devem ser prestigiadas sempre que ausentes elementos concretos e objetivos ameaçadores da segurança pública. 5. Ordem concedida. (STF, HC 100087/SP. Min. Ellen Gracie. Julg. 16/03/2010) (Grifo Nosso) Situação análoga foi apreciada de forma recente pelo Tribunal Constitucional quando decidiu sobre o ato judicial que reconhece o direito à saída temporária do interno. Trata-se da decisão proferida no HC 128.763/RJ, publicado no Informativo n 793. No brilhante voto do Ministro Relator Gilmar Mendes, temos: Habeas corpus. Direito Penal. Processo Penal. Execução penal. Saída temporária. Visita periódica à família. 2. Um único ato judicial que analisa o histórico do sentenciado e estabelece um calendário de saídas temporárias, com a expressa ressalva de que as autorizações poderão ser revistas em caso de cometimento de falta, é suficiente para fundamentar a saída mais próxima e as futuras. A decisão única permite participação suficiente do Ministério Público, que poderá falar sobre seu cabimento e, caso alterada a situação fática, pugnar por sua revisão. 3. Ameaça concreta de lesão ao direito do paciente. Dificuldades operacionais na Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro. Muito provavelmente, se cada condenado tiver que solicitar cada saída, muitas serão despachadas apenas após perderem o objeto. 4. Ordem concedida. Expedição do ofício ao Conselho Nacional de Justiça, ao Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e à Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, para que avaliem e tomem providências quanto à situação da execução penal no Estado do Rio de Janeiro. 5. Expedição de ofício ao Superior Tribunal de Justiça e à Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, dando notícia do julgamento. VOTO: (...) O caso trata da possibilidade de o Juiz de execuções penais deferir a saída temporária em uma única decisão, válida para diversas saídas. A saída temporária sem vigilância direta é um benefício destinado aos sentenciados que cumprem pena em regime semiaberto, na forma do art. 122 da Lei 7.210/84. Autoriza-se que o preso saia e, se for o caso, pernoite, fora do estabelecimento prisional, para visitar a família, estudar 22 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ ou participar de outras atividades, com intuito de reintegrá-lo ao convívio social. Conforme o art. 123 da Lei 7.210/84, a autorização deve ser concedida “por ato motivado”, ouvidas as partes e a administração carcerária. (...) Um único ato judicial que analisa o histórico do sentenciado e estabelece um calendário de saídas temporárias, com a expressa ressalva de que as autorizações poderão ser revistas em caso de cometimento de falta pelo sentenciado, é suficiente para fundamentar a saída mais próxima e as futuras. (...) Se a força de trabalho não for usada com eficiência, é provável que os pedidos de autorização de saída só sejam apreciados após a data da saída pretendida. Registro que negligenciar a observância da economia processual nas autorizações de saída pode gerar reflexo inclusive na superlotação carcerária. No caso apontado, decidiu-se que o juízo da execução penal poderia reconhecer os direitos à saída temporária de um determinado período em um único ato, não sendo necessário que a cada saída temporária fosse proferida uma nova autorização judicial, sob pena de lesão total ao direito subjetivo do preso de gozar do que lhe é conferido no art. 122 da LEP. Em outros termos, quando se coloca em risco, na prática, a inviabilização total daquele direito, estar-se-á diante de situação ilegal que deve ser sanada, inclusive pelo manejo do habeas corpus. Situação semelhante ocorre no presente caso, uma vez que a manutenção dos presos em estabelecimento extremamente distante das suas residências impede, de forma total, o direito à convivência familiar, seja pelas visitas periódicas dos familiares à pessoa presa, seja pelo óbice ao gozo da vista periódica ao lar em saídas temporárias. Dessa forma, a suspensão das atividades do único estabelecimento prisional adequado ao regime semiaberto na região sul do Estado do Espírito Santo forçou a transferência dos apenados que lá estavam para local longínquo do seio familiar, o que gera lesão permanente à liberdade e obsta o processo de ressocialização que estava sendo desempenhado com mais êxito, considerando que aquela unidade prisional na cidade de Cachoeiro de Itapemirim (ES) seguia o modelo APAC. 23 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ DA SUPERLOTAÇÃO DAS UNIDADES DE REGIME SEMIABERTO Conforme acima explicitado, a suspensão das atividades da APAC de Cachoeiro de Itapemirim, que comportava apenados em cumprimento de pena no regime semiaberto, resultou na transferência destes para a Penitenciária Estadual de Vila Velha IV (PEVV IV). Em razão da adoção dessa medida, deixou de existir unidade prisional destinada ao regime intermediário no sul do Estado do Espírito Santo, de forma que, para os pacientes, restou a continuidade do cumprimento de pena nesse estabelecimento conhecido pela superlotação. Sabe-se que a execução penal é regida pelos princípios da humanidade, legalidade, proporcionalidade e do numerus clausus. No entanto, o encarceramento excessivo de indivíduos em estabelecimentos dotados de celas muito pequenas, com lotação superior à capacidade com a qual foram construídos, fere frontalmente direitos fundamentais da pessoa privada de liberdade. Isso porque, segundo o artigo 88, alínea “b”, da Lei nº 7.210/84, o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório, devendo-se atender a requisitos básicos de salubridade do ambiente, o que compreende aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana, bem como área mínima de 6 m² (seis metros quadrados). Igualmente, a Resolução nº 14/94 (Regras Mínimas para o Tratamento de Presos no Brasil) do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), estabelece que os presos deverão ser alojados individualmente em locais que satisfaçam as exigências de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que se refere à superfície mínima, volume de ar, calefação e ventilação (artigos 8º e 9º). 24 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ No que concerne aos alojamentos coletivos, as Diretrizes Básicas para arquitetura penal (2011)9, elaboradas pelo Ministério da Justiça com a participação das unidades da federação, sob a coordenação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, indicam que as celas com capacidade entre 06 (seis) e 08 (oito) pessoas devem ter dimensão mínima de 13,85 m² (treze metros quadrados e oitenta e cinco centímetros). Contudo, em decorrência da superlotação, verificada no sistema prisional capixaba, notadamente no regime semiaberto, o recolhimento dos apenados em espaços reduzidos acarreta a restrição física do movimento, além de comprometer sobremaneira as condições de higiene, saúde (inclusive a mental) e privacidade, contribuindo para o acirramento das tensões no ambiente prisional. Nesse sentido, explica Rodrigo Duque Estrada Roig10: (...) na presença dela [superlotação] é difícil pensar que o preso possa desenvolver sua personalidade no cárcere, em uma situação que já é, por si só, fortemente despersonalizante por causa da ruptura das esferas de autogestão do próprio corpo, do próprio tempo e da própria psique, ruptura que, estruturalmente, se manifesta na desagregação das barreiras que habitualmente separam as três esferas de vida fundamentais, quais sejam, o dormir, divertir-se e trabalhar em locais diversos e com companhias diversas. A título de ilustração, vale consignar que, de acordo com relatório de inspeção do Conselho Nacional do Ministério Público, de 05 de julho de 2013, a Penitenciária Estadual de Vila Velha IV (PEVV IV) contava, na ocasião, com 900 (novecentos) presos, distribuídos em celas com capacidade para 08 (oito) pessoas cada uma. No entanto, devido ao número excessivo de internos, cada cela alojava cerca de 11 (onze) indivíduos (DOC. 03). 9 Disponível em: http://www.criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/ExecucaoPenal/CNPCP/2011Diretrizes_ArquiteturaPenal_resolucao _09_11_CNPCP.pdf 10 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 521. 25 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Em 02 de outubro de 2014, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, por meio do Núcleo de Execução Penal, realizou inspeção na PEVV IV, quando verificou que havia 937 (novecentos e trinta e sete) presos. A lotação de cada cela, à época, oscilava, em média, entre 13 (treze) e 15 (quinze) pessoas (DOC. 04). Atualmente, estando a PEVV IV com 1021 presos, consoante dados extraídos do sistema INFOPEN/ES em 26/08/2015 (DOC. 05), é inevitável a conclusão de que o problema se agravou. Ademais, a superlotação nas unidades de regime semiaberto capixabas reflete-se, também, na insuficiência de oportunidades de trabalho, seja interno, seja externo, bem como de vagas para estudo, restando, mais uma vez, violados direitos básicos da pessoa. Com efeito, comparando-se os dados do sistema INFOPEN/ES de 26/08/2015 com os relatórios de inspeção obtidos no sítio do Conselho Nacional de Justiça (DOC. 06), chega-se às seguintes informações: UNIDADE PRISIONAL Nº total de presos em regime semiaberto Nº de vagas de trabalho externo disponíveis Nº de vagas de trabalho interno disponíveis Nº de vagas de estudo na unidade disponíveis Nº de presos que exercem trabalho externo Nº de presos que exercem trabalho interno Nº de presos que estudam na unidade PEVV IV 1017 35 59 180 35 59 180 CASCUVV 489 20 30 50 108 30 50 PSC 352 181 30 0 178 22 0 PAES 426 171 40 14 171 40 14 PSMCOL 185 98 22 43 98 22 43 PRL 405 133 36 104 133 33 104 Assim, revela-se bastante significativo o déficit de atividades oferecidas aos apenados porquanto, para o total de 2874 presos do Estado do Espírito Santo no regime 26 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ semiaberto, estão disponíveis apenas 1246 vagas de trabalho externo, interno ou de estudo. Ainda, relevante destacar que na APAC de Cachoeiro de Itapemirim 100% dos apenados que lá estavam reclusos trabalhavam internamente, sendo que 15 deles exerciam também labor externo àquela unidade prisional. É, pois, nítida a violação à dignidade inerente ao ser humano, sendo os sentenciados em regime semiaberto submetidos a tratamento desumano ou degradante, proibido pela Constituição da República (artigo 5º, III). Consequentemente, o Estado do Espírito Santo descumpre a garantia constitucional de tutela da integridade física e moral das pessoas presas (artigo 5º, XLIX). Afinal, o quadro de superlotação constatado nessa unidade da federação, principalmente nos estabelecimentos prisionais semiabertos, não tem caráter pontual nem emergencial, mas sim estrutural e sistêmico, decorrente do mau funcionamento crônico do sistema penitenciário. O relatório da CPI do Sistema Penitenciário (2011), promovida pela Câmara dos Deputados, já demonstrava que, em diligências iniciadas no ano de 2007, o Espírito Santo possuía, no total, 14.062 presos para apenas 4.819 vagas, havendo um déficit de 9.243 vagas e uma superlotação de 195%11. Ainda que seja evidente o problema, não são propostas medidas capazes de conter a superlotação e aprimorar as condições materiais no cárcere; ao contrário, o Estado do Espírito Santo, com a suspensão das atividades da APAC de Cachoeiro de Itapemirim, única unidade prisional de regime semiaberto do sul do Estado, optou pelo agravamento das condições já desumanas e ilegais a que são submetidos os sentenciados. O cenário observado nas unidades prisionais semiabertas do Espírito Santo condiz com o descrito por Rogério Greco, em sua obra Direitos Humanos, Sistema Prisional E Alternativas À Privação De Liberdade12. Senão, veja-se: 11 12 Disponível em: http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/2701 GRECO, Rogério. Direitos Humanos, Sistema Prisional E Alternativas À Privação De Liberdade. capítulo 10.6. 27 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ A pena de privação de liberdade, em muitos lugares e situações, virou, portanto, uma pena-castigo. Assim, quanto maior a dor, quanto maior o sofrimento, quanto mais distante o delinquente permanecesse do convívio social, melhor seria. Sua finalidade, portanto, era amedrontar, e não ressocializar; era inocuizar, e não reintegrar. (...) Nas cadeias e nos presídios superlotados, os presos são jogados nas celas como se fossem animais. O espaço interno é disputado com violência. Os mais fracos ocupam os piores lugares. Muitas vezes, não têm onde dormir. Celas que comportariam, coletivamente, até 4 presos abrigam, muitas vezes, 20 ou mais pessoas. Nesse contexto, o fenômeno da superlotação alerta para a necessidade de se adotar uma medida de combate à “cultura do encarceramento” que se mostra evidente e incorporada à sociedade brasileira, inclusive no âmbito judiciário, já tendo sido inclusive criticada e apontada pelo ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, como um dos maiores problemas do sistema judicial. Para tanto, é imprescindível a efetiva observância do sistema do numerus clausus, o qual estabelece um equilíbrio entre a entrada e a saída de apenados do sistema prisional, evitando-se, assim, a superlotação de presídios. Em suma, o princípio determina que a inserção de um indivíduo no sistema prisional deve corresponder à saída de um outro. Desse modo, busca-se o respeito aos direitos fundamentais também na execução das penas privativas de liberdade. Oportuno recordar que “Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (...)”.13 13 HC 91333/MG SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. JULGADO EM 09/10/2007, PUBLICADO EM 19/12/2007. 28 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ No entender dos signatários, o sistema jurídico deve se preocupar em tutelar os direitos dos mais vulneráveis e, por certo, em sede de execução penal o mais frágil é o condenado (ensinamentos de Ferrajoli por demais repetidos). Cabe ressaltar, ainda, que o numerus clausus ultrapassa a noção de mero sistema organizacional que se restringe ao controle do número de saídas em função do número de entradas dos apenados, promovendo, inclusive, a restituição da dignidade no cumprimento das sanções penais. Na realidade, a importância da implementação desse sistema decorre justamente do seu alcance ao contexto social por meio da redução da população carcerária, e não da criação de novas vagas. Afinal, a construção ou ampliação de novos estabelecimentos penais não é a solução para o refreamento do quadro de superlotação. Nilo Batista, aliás, combate veementemente a ampliação dos complexos penitenciários, asseverando que “a adoção do princípio do numerus clausus, a par dos óbvios benefícios para a convivência penitenciária, deslocaria os investimentos estatais da infecunda construção de mais e mais presídios para programas de controle e auxílio aos egressos („clínica da vulnerabilidade‟)”14. Tampouco se revela razoável a transferência dos pacientes para algum outro estabelecimento prisional em condições de superlotação menos alarmantes, como bem alerta Roig15: Outra premissa, essencial ao sucesso do sistema do numerus clausus, consiste na vedação de que a Administração Penitenciária se valha do poder de transferência entre estabelecimentos para, cumprindo momentaneamente uma decisão judicial, deslocar o problema da superlotação para outra unidade penal. Tal conduta significaria na verdade o mascaramento da realidade, uma burla ao sistema do numerus clausus. 14 15 BATISTA, Nilo. Novas tendências do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 92. ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 90. 29 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ No contexto internacional, o referido princípio vem sendo reiteradamente adotado: em 22/02/2011, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha16, apreciando o caso de um indivíduo mantido preso durante 151 dias, enclausurado por períodos diários de 23 a 24 horas numa cela coletiva de 8 m², com sanitário, decidiu que, se o estado de reclusão é desumano e as formas de solução se revelarem irrealizáveis, a execução deve ser interrompida, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana; em 23/05/2011, a Suprema Corte dos Estados Unidos17, posicionando-se pela possibilidade de o Poder Judiciário determinar a limitação do número de presos em estabelecimentos penais, manteve decisão da Corte Federal da Califórnia proferida com fundamento nas péssimas condições sanitárias e na insuficiente assistência médica, causadas pela superlotação nas prisões estaduais da Califórnia. No exercício de suas atribuições constitucionais e legais, a Defensoria Pública vem sistematicamente sustentando perante as Varas de Execuções Penais que o Poder Judiciário pode e deve assumir postura pró-ativa, de forma a compelir o gestor público a adotar as políticas que respeitem os direitos insculpidos em nosso ordenamento jurídico. Do contrário, estará chancelando a omissão e justificando o inconstitucional argumento de que a falta de verbas/gestão é motivo suficiente para a violação dos direitos humanos. E, no caso em apreço, assim o faz por entender, na esteira das lições de Roig, que o sistema do numerus clausus “deveria ser fundamentalmente operacionalizado no âmbito do Poder Judiciário, responsável pela tutela de direitos e controle da legalidade”18. Aliás, a própria Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) prevê que, em casos de violação, deverá haver um sistema adequado e forte de proteção judicial: “Artigo 25º - Proteção judicial 16 Sentença 1BvR 409/09, do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. Disponível em: http://www.supremecourt.gov/Search.apsx?FileName=/docketfiles/09-1233.htm. 18 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95. 17 30 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.” Nesse sentido, o presente remédio constitucional serve à aplicação do numerus clausus em sua modalidade direta, por meio do deferimento da prisão domiciliar em favor dos sentenciados que cumpriam pena no regime semiaberto anteriormente na APAC de Cachoeiro de Itapemirim e, devido ao estado de superlotação do regime intermediário em todo o Estado do Espírito Santo, agravado pelo fechamento do referido estabelecimento, foram obrigados a compor a cifra de 1021 pessoas confinadas em condições subumanas na PEVV IV – unidade prisional com espaço limitado a 604 indivíduos. Saliente-se que o pleito de concessão de prisão domiciliar tem farto embasamento legal, doutrinário e jurisprudencial. A propósito, traz-se novamente à colação o posicionamento de Roig sobre o tema19: Analisando-se com atenção, é possível perceber que a concessão de prisão domiciliar como medida reparatória da ilegalidade da prisão sob condições de superlotação segue as mesmas premissas da autorização de prisão domiciliar diante da inexistência de Casa de Albergado ou da falta de vagas na mesma. Tais premissas são basicamente as seguintes: a) por cultado do Estado o condenado não vem cumprindo sua pena da forma legalmente prevista; b) em respeito à humanidade das penas, o condenado não pode permanecer em regime mais gravoso, ou sob condições mais severas, do que foi fixado em decisão judicial. A respeito da questão, há, inclusive, um posicionamento do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, que argumenta: “a prisão domiciliar é uma alternativa 19 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99/100. 31 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ humanitária para lidar com o déficit de estabelecimentos adequados e de vagas no sistema penitenciário. Contudo ela não perde sua natureza de pena privativa de liberdade”20. O Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, manifestou-se, em julgado do ano de 2015, pela admissibilidade da prisão domiciliar na hipótese de ausência de vaga em estabelecimento prisional adequado ao regime de cumprimento de pena em decorrência da superlotação. Senão, veja-se: EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO. RECORRENTE PROGREDIDO AO REGIME SEMIABERTO. PERMANÊNCIA EM SITUAÇÃO MAIS GRAVOSA. SUPERLOTAÇÃO E PRECARIEDADE DO ESTABELECIMENTO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE PRISÃO EM REGIME ABERTO OU DOMICILIAR. RECURSO PROVIDO. 1. É ilegal a submissão do apenado a um regime mais gravoso do que o fixado na execução penal por omissão estatal e falta de estabelecimentos prisionais adequados. 2. Recurso provido para, confirmando a liminar, determinar que seja o recorrente transferido para estabelecimento compatível com o regime semiaberto; na ausência de vaga, que aguarde em regime aberto; a persistir o constrangimento ilegal, sejalhe assegurada a prisão domiciliar até o surgimento de vaga no regime intermediário, se por outro motivo não estiver preso. (STJ - RHC: 52315 SP 2014/0257295-7, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 10/03/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/03/2015) O precedente acima coaduna-se com perfeição ao caso concreto na medida em que há um déficit evidente no número de vagas destinadas ao regime semiaberto do sistema prisional do Estado do Espírito Santo. Saliente-se que esse é o entendimento há muito sustentado tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, nos casos de inexistência de vagas no 20 PROGRESSÃO DE REGIME NA EXECUÇÃO PENAL 21 DISTRITO FEDERAL, RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO, data do julgamento: 02/12/2014. 32 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ regime prisional fixado na sentença condenatória ou definido em decisão de progressão de regime, como se percebe nos precedentes abaixo: "PENA - CUMPRIMENTO - REGIME SEMIABERTO. Incumbe ao Estado aparelhar-se visando à observância irrestrita das decisões judiciais. Se não houver sistema capaz de implicar o cumprimento da pena em regime semiaberto, dá-se a transformação em aberto e, inexistente a casa do albergado, a prisão domiciliar." (HC nº 96169, 1ª Turma do STF., Rel. Ministro Marco Aurélio, j. em 25/08/2009). AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME DEFERIDA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO COMPATÍVEL COM O REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. DESVIO DE FINALIDADE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. PRISÃO DOMICILIAR. EXCEPCIONALIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. NÃO APRESENTAÇÃO DE ARGUMENTOS NOVOS PELO AGRAVANTE PARA INVALIDAR A DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. Esta Corte Superior de Justiça tem entendido que a ineficiência do Estado em assegurar instituições em condições adequadas ao cumprimento de pena em regime semiaberto autoriza, ainda que excepcionalmente, a concessão da prisão domiciliar. A superlotação e a precariedade do estabelecimento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cumprimento da pena em regime semiaberto, permite ao condenado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade das penas e da individualização da pena. 2. O agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 275742 RS 2013/0273754-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 10/09/2013, T6 SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/09/2013). 33 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO. CONDENAÇÃO NO REGIME INICIAL FECHADO. PROGRESSÃO PARA O REGIME SEMI-ABERTO. PRÉVIA OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA. VÍCIO FORMAL A QUE O CONDENADO NÃO DEU CAUSA. MANIFESTAÇÃO POSTERIOR DO PARQUET. SUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE VAGAS NO REGIME SEMI-ABERTO. CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE CARACTERIZADA. ACÓRDÃO ESTADUAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Ainda que ausente a prévia manifestação do Ministério Público acerca do pleito de progressão de regime prisional (§ 1º, do art. 112 da Lei nº 7.210/84), esta Corte possui o entendimento de que não se mostra razoável determinar o retorno do apenado ao regime mais gravoso, pois ele não pode ser prejudicado com a nulidade à qual não deu causa, sendo válido, nesse caso, a manifestação ministerial a posteriori. 2. Na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação ou deferido em sede de progressão prisional, configura constrangimento ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de casa de albergado (HC 210.448/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 24.4.2012). 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1364215 SE 2013/0033025-8, Relator: Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), Data de Julgamento: 02/05/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/05/2013) [...] 1. Esta Corte Superior de Justiça tem entendido que a ineficiência do Estado em assegurar instituições em condições adequadas ao cumprimento de pena em regime semiaberto autoriza, ainda que excepcionalmente, a concessão da prisão domiciliar. A superlotação e a precariedade do estabelecimento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cumprimento da pena em regime semiaberto, permite ao condenado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade das penas e da individualização da pena. 34 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ [...] (AgRg no HC 275.742⁄RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ªT., DJe 24⁄9⁄2013) Seguem a orientação do STF e do STJ os Tribunais de Justiça Estaduais: RECURSO DE AGRAVO - INTERPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - DECISÃO DO JUÍZO DA EXECUÇÃO QUE CONCEDEU PRISÃO DOMICILIAR, MEDIANTE CONDIÇÕES, A APENADO EM REGIME SEMIABERTO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO PEDIDO DE REFORMA DO DECISUM COM A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE HARMONIZAÇÃO DECORRENTES DO ITEM 7.3.2 DO CNCGJ - NÃO ACOLHIMENTO - MANOBRA DO JUÍZO SINGULAR QUE SE AFIGUROU ESCORREITA, ANTE AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO - DECISÃO QUE JUSTIFICOU A AUTORIZAÇÃO À PRISÃO DOMICILIAR EM FACE DA SUPERLOTAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS LOCAIS, DA INVIÁVEL POSSIBILIDADE DE HARMONIZAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO COM A APLICAÇÃO DO ITEM 7.3.2 DO CNCGJ, E DA INEXISTÊNCIA DE UNIDADES EXCLUSIVAS DE REGIME SEMIABERTO, BEM COMO DE CASA DE ALBERGADO NA COMARCA PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES - DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO MAIORIA DE VOTOS. (TJPR - 4ª C.Criminal - RA - 1336087-7 - Foz do Iguaçu - Rel.: Renato Naves Barcellos - Por maioria - - J. 16.07.2015) AGRAVO EM EXECUÇÃO. REGIME ABERTO. EXCEPCIONALIDADE. PRISÃO DOMICILIAR. Embora o regime aberto não preveja na sua forma de execução as condições da prisão domiciliar, estas podem ser adotadas pelo juízo da execução em casos excepcionais e fundamentadamente quando não houver casa de albergado na Comarca e o estabelecimento prisional não apresentar as condições estruturais exigidas na lei, houver superlotação e não for oportunizado ao reeducando tratamento penal individualizado. Evita-se, assim, transferir ao condenado os perversos efeitos do descaso e da ineficiência do poder público diante do insolúvel problema do encarceramento. No caso em apreço, não há vagas em estabelecimento prisional compatível com o cumprimento da pena no regime aberto, 35 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ restando caracterizado o constrangimento ilegal a submissão do preso a condições não autorizadas pela legislação em vigor. Direito de cumprimento da pena no regime adequado, em condições de ressocialização. Ausentes estas premissas, caracterizada a violação dos princípios da legalidade e da individualização da pena. Precedente do STJ. POR MAIORIA, AGRAVO MINISTERIAL DESPROVIDO. (Agravo Nº 70052284551, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 30/01/2013) Posto isso, cumpre ser deferido o pedido constante do presente remédio constitucional contra ato do Ilmo. Sr. Secretário de Justiça do Espírito Santo, pois as deficiências estatais, inclusive a histórica ausência de planejamento do sistema prisional, não podem ser eternas justificativas para a imposição de tratamento desumano e degradante aos apenados. DOS DIREITOS DA PESSOA PRESA E DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO: Sabe-se que tanto a legislação pátria quanto a internacional elencam diversos direitos da pessoa presa que devem ser seguidos pela Administração Pública. A lei de execução penal e as regras mínimas para o tratamento de prisioneiros, da Organização das Nações Unidas, são exemplos desses diplomas que preconizam como direitos básicos e fundamentais da pessoa presa o cumprimento de pena em celas condignas, a alimentação balanceada e de qualidade, a educação, o trabalho, a assistência médica, odontológica e psicossocial, o convívio com a família, dentre outros. Relevante a transcrição de alguns deles: Lei de Execução Penal: “Art. 41 - Constituem direitos do preso: 36 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI – (...).” (grifo nosso) Regras Mínimas Para o Tratamento de Prisioneiros: Locais destinados aos presos 9.(...). 10. Todos os locais destinados aos presos, especialmente aqueles que se destinam ao alojamento dos presos durante a noite, deverão satisfazer as exigências da higiene, levando-se em conta o clima, especialmente no que concerne ao volume de ar, espaço mínimo, iluminação, aquecimento e ventilação. 11. Em todos os locais onde os presos devam viver ou trabalhar: a.As janelas deverão ser suficientemente grandes para que os presos possam ler e trabalhar com luz natural, e deverão estar dispostas de modo a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial. b.A luz artificial deverá ser suficiente para os presos poderem ler ou trabalhar sem prejudicar a visão. 12. As instalações sanitárias deverão ser adequadas para que os presos possam satisfazer suas necessidades naturais no momento oportuno, de um modo limpo e decente. 13. As instalações de banho deverão ser adequadas para que cada preso possa tomar banho a uma temperatura adaptada ao clima, tão freqüentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a 37 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ estação do ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana em um clima temperado. 14. Todos os locais de um estabelecimento penitenciário freqüentados regularmente pelos presos deverão ser mantidos e conservados escrupulosamente limpos. Alimentação 20. 1.A administração fornecerá a cada preso, em horas determinadas, uma alimentação de boa qualidade, bem preparada e servida, cujo valor nutritivo seja suficiente para a manutenção da sua saúde e das suas forças. Serviços médicos 22. 1.Cada estabelecimento penitenciário terá à sua disposição os serviços de pelo menos um médico qualificado, que deverá ter certos conhecimentos de psiquiatria. Os serviços médicos deverão ser organizados em estreita ligação com a administração geral de saúde da comunidade ou nação. Deverão incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, para o tratamento de estados de anomalia. Biblioteca 40. Cada estabelecimento prisional terá uma biblioteca para o uso de todas as categorias de presos, devidamente provida com livros de recreio e de instrução, e os presos serão estimulados a utilizá-la. 57. A prisão e outras medidas cujo efeito é separar um delinquente do mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem do indivíduo o direito à auto-determinação, privando-o da sua liberdade. Logo, o sistema prisional não deverá, exceto por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação. 63. 1.Estes princípios exigem a individualização do tratamento que, por sua vez, requer um sistema flexível de classificação dos presos em grupos. Portanto, convém que os grupos sejam distribuídos em 38 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ estabelecimentos distintos, onde cada um deles possa receber o tratamento necessário. Trabalho 71. 1.(...). 2.Todos os presos condenados deverão trabalhar, em conformidade com as suas aptidões física e mental, de acordo com a determinação do médico. 3.Trabalho suficiente de natureza útil será dado aos presos de modo a conservá-los ativos durante um dia normal de trabalho. (...) Educação e recreio 77. 1.Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos em condições de aproveitá-la, incluindo instrução religiosa nos países em que isso for possível. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhe a administração especial atenção. (...) Relações sociais e assistência pós-prisional 79. Será prestada especial atenção à manutenção e melhora das relações entre o preso e sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos.(...).” (grifo nosso) Tais dispositivos, por evidente, devem ser interpretados conjuntamente com a determinação de que a execução penal tem por objetivo, inclusive, proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (artigo 1º da LEP) com respeito a todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (artigo 3º da LEP). Nessa perspectiva, cumpre recordar que a Constituição do Estado do Espírito Santo assim prevê: 39 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ “Art. 132. A política penitenciária estadual visa assegurar a promoção e valorização do indivíduo encarcerado, sua reintegração social, a garantia dos seus direitos e a defesa de sua integridade física, psíquica e mental no período de cumprimento da pena. § l ° (...). § 2° Para garantia do disposto no caput deste artigo, o Poder Público assegurará ao encarcerado: I - celas condignas para o cumprimento da pena, em quaisquer dos regimes previstos na legislação federal; II - assistência jurídica, médica, odontológica, farmacêutica e psicosocial; III - aprendizado profissional e trabalho produtivo com remuneração justa; IV - visita e convívio com os familiares, na forma da lei; V - alimentação condigna e higiene; VI - educação, desporto e lazer; VII – (...).” (grifo nosso) Não bastasse, normas de mesmo conteúdo trazidas pela Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 5º, itens 1, 2 e 6) e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas (artigos 7º e 10), ambos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal, são sistematicamente desobedecidas pelo Estado do Espírito Santo. Da breve análise das citadas legislações decorre a conclusão do flagrante descumprimento, pela Administração Pública, das disposições nelas contidas, principalmente quando analisadas perante o contexto fático das unidades prisionais brasileiras, em destaque, as localizadas no estado do Espírito Santo. É patente a constatação de que, em grande parte das penitenciárias capixabas, são mínimos os quantitativos de sentenciados a que são oportunizados estudo e trabalho. São 40 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ patentes, também, a superlotação e a ausência de vagas em unidades prisionais adequadas ao cumprimento de pena em regime semiaberto o que, por sua vez, acarreta em precárias condições estruturais de grande parte das celas e galerias, inviabilizando a execução da pena com dignidade e de acordo com os direitos garantidos pela legislação vigente. Neste contexto, passa a ter grande destaque a existência de unidades prisionais que garantam aos presos os direitos aqui citados. No Brasil, atualmente, há cerca de 100 unidades prisionais que adotam uma sistemática que, de fato, efetiva os direitos dos presos. São as denominadas APACs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), que operam como entidades auxiliares do Poder Judiciário e do Poder Executivo na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade. Para a aplicação da pena, o Código Penal, em seu art. 59, adotou a teoria mista ou eclética, na qual a sanção penal deve ter, além do caráter punitivo, o caráter preventivo, com o objetivo de fornecer meios de (re)inserção da pessoa presa. E as APACs têm como objetivo, justamente, a humanização das prisões através do oferecimento de alternativas para a efetivação dessa inserção, cumprindo, portanto, as funções declaradas da pena. Desta feita, utilizam método de valorização humana em que o trabalho, a assistência jurídica, a assistência à saúde, a alimentação balanceada e de qualidade, a educação e o convívio com a família são elementos essenciais para o cumprimento da pena, como se observa do folheto de apresentação da APAC elaborado pela SEJUS (DOC. 07). O trabalho é tido como elemento fundamental para o cumprimento da pena, sendo que são oferecidas oportunidades de atividades laborterápicas, além de oficinas profissionalizantes instaladas dentro da própria unidade e de trabalho externo. Destaca-se que toda a pessoa que cumpre pena na APAC desenvolve algumas dessas atividades. Ainda, são proporcionadas assistência médica, psicológica e odontológica, pois tais necessidades são encaradas como vitais à execução da pena, e com isso, estão em primeiro plano. Inclusive, há trabalho de prevenção e tratamento para dependentes químicos. 41 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ A educação e o estudo fazem parte do contexto de valorização humana da pessoa que cumpre pena e, portanto, são oferecidas vagas de estudo aos sentenciados, além de diversos cursos. Em relação à alimentação, há prioridade no fornecimento de refeições de qualidade e balanceadas, sendo que, em regra, essas refeições são produzidas na própria unidade, pelos internos, com acompanhamento de nutricionista, que elabora cardápios variados e de acordo com as necessidades de determinadas pessoas que possuem alguma restrição alimentar. A família da pessoa que cumpre pena é considerada de extrema importância. Com isso, há a necessidade da integração entre o apenado e seus familiares, como parte do processo de inserção social. Assim, as visitas sociais são semanais, e duram, aproximadamente, 05 (cinco) horas. Ademais, não há limitação de parentesco nem de número de visitantes, como ocorre nas demais unidades prisionais. A visita íntima é considerada mecanismo de inserção social e de manutenção do vínculo afetivo familiar e, portanto, ocorre em quartos apropriados e no período de pernoite (das 18h às 06h). Ressalta-se que no Estado do Espírito Santo havia somente uma unidade prisional que seguia o método APAC, localizada na cidade de Cachoeiro de Itapemirim, em que 89 (oitenta e nove) pessoas presas cumpriam pena em regime semiaberto. Na UP eram fornecidas atividades laborterápicas, como a confecção de quadros de pintura e mosaicos com azulejos, além de atividades internas (piscicultura, criação de patos e galinhas, horta, fábrica de sabão) e externas, e, com isso, o trabalho era oportunizado para a maioria dos sentenciados. Importa destacar que eram as pessoas que ali cumpriam pena que desenvolviam atividades internas como a vigilância da UP, a limpeza e a elaboração das refeições na cozinha, dentre muitas outras. Como apontado, na APAC de Cachoeiro de Itapemirim também existiam vagas de estudo para grande parte dos apenados, além de diversos cursos técnicos. Ocorreu que, como já relatado, em 24 de agosto de 2015 foi determinado pela Secretária de Justiça do Estado do Espírito Santo a suspensão do convênio celebrado entre o 42 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ Estado e a APAC e, em consequência, a unidade foi fechada e 87 (oitenta e sete) pessoas que nela estavam custodiadas foram transferidas pela Penitenciária Estadual de Vila Velha IV – PEVV IV. Como aqui também já destacado, grande parte das unidades prisionais do Estado, além de apresentarem superlotação, não possuem condições para o adequado cumprimento de pena em regime semiaberto, sendo que a PEVV IV é o estabelecimento que mais se desvia do que deveria ser um semiaberto. Desta feita, com a suspensão do convênio e a transferência dos apenados para a PEVV IV houve flagrante retrocesso aos direitos já concedidos e efetivados às 87 (oitenta e sete) pessoas presas que cumpriam pena na APAC de Cachoeiro de Itapemirim. Na realidade do Estado Social de Direito, o legislador regulamenta os direitos sociais constitucionalmente assegurados e que deverão ser implementados pelas políticas públicas. Concretizado o direito, este não mais poderá ser diminuído ou esvaziado. E, com isso, impede-se que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. É o que a doutrina e a jurisprudência pátria denominam de princípio da vedação ao retrocesso ou efeito cliquet. 21 Ao serem implementados, os direitos sociais passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo, essencial à existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, há uma limitação da reversibilidade desses direitos adquiridos. Desta feita, o reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais subjetivamente adquiridos passa a constituir um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de persecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas. Assim, a violação no núcleo essencial efetivado deverá ser tida como 21 (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998.). 43 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ inconstitucional, uma vez que se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa, sendo esta realizada, o resultado passa a ser a proteção direta da Constituição. O Estado, consequentemente, não poderá retroceder, descumprir o que cumpriu. E, se assim o fizer, incorrerá em violação positiva da Constituição.22 Todo o exposto demonstra a ocorrência de retrocesso dos direitos conquistados e efetivados à pessoa presa que cumpria pena na APAC de Cachoeiro de Itapemirim. Aos apenados que lá estavam custodiados foram efetivados diversos direitos das pessoas condenadas previstos na legislação pátria e internacional, e que, ressalte-se, deveriam ser concedidos a todos os sentenciados que cumprem pena em estabelecimentos prisionais e não o são. Os sentenciados que cumpriam pena na APAC de Cachoeiro de Itapemirim trabalhavam, estudavam, tinham assistência médica, odontológica e psicossocial, conviviam com a família, recebiam alimentação de qualidade e permaneciam em celas com boas condições estruturais. Ao serem transferidos para a PEVV IV perderam todos os direitos que lhe foram garantidos e efetivados, sem que, para tanto, tenham dado causa a essa perda. Neste contexto, e tendo em vista a impossibilidade de manutenção das 87 (oitenta e sete) pessoas presas que estavam na APAC de Cachoeiro de Itapemirim em UP que também possibilite a efetivação de todos os direitos concedidos e adquiridos pelos apenados – uma vez que não há, no Estado do Espírito Santo, presídio que ofereça as mesmas condições ao cumprimento da pena – tem-se por medida adequada e que não configure o retrocesso, a concessão de prisão domiciliar. 22 STF – ARE 7 ARE 745745 AgR / MG - MINAS GERAIS. Relator Min. CELSO DE MELLO. 2ª Turma. Publi. 19/12/2014. 44 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO NEPE - NÚCLEO DE EXECUÇÃO PENAL _______________________________________________________________________________ DO PEDIDO Diante de todo o exposto, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal, combinado com o artigo 647 do Código de Processo Penal, REQUER-SE a concessão da presente ordem de habeas corpus, LIMINARMENTE, em favor de todos os pacientes qualificados no preâmbulo, aplicando-se o princípio do numerus clausus em sua modalidade direta, por meio do deferimento da prisão domiciliar em favor dos sentenciados que cumpriam pena no regime semiaberto anteriormente na APAC de Cachoeiro de Itapemirim, a fim de que lhes seja garantido o direito de aguardarem em prisão domiciliar o surgimento de vaga em estabelecimento adequado e compatível com o referido regime e em local próximo à residência de seus familiares. No mérito, pugna-se pela confirmação do pedido liminar. Vila Velha para Vitória, 28 de agosto de 2015. Ana Luisa Robazzi Daniel Reis David Saboya de Albuquerque Defensoria Pública Defensor Público Defensor Público Mariah Soares da Paixão Defensora Pública Rafael Amorim Roberta Ferraz Defensor Público Defensora Pública Rochester Araújo Defensor Público 45 Rua Henrique Moscoso, nº 1275, Centro, Vila Velha-ES. (27) 3139-9260 – [email protected]