ELOISA SILVA MOURA “PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS DE UMA FORMAÇÃO” Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, Programa de PósGraduação em Educação, Centro de Ciências Humanas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Orientadora: Profª Drª. Mari Margarete Forster São Leopoldo, fevereiro de 2002 AGRADECIMENTOS “Muito se tem falado sobre o sofrimento dos professores. Eu, que ando sempre na direção oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das coisas, quero falar sobre o contrário: a alegria de ser professor, pois o sofrimento de ser um professor é semelhante ao sofrimento das dores de parto: a mãe o aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz um filho.” (Rubem Alves, 1994, p. 8). Primeiramente, agradeço a DEUS, pois sem ELE, no meu ponto de vista nada seria possível. A seguir agradeço aos meus pais, Adair e Semira, pelo exemplo, pelo incentivo e amizade incondicionais. Agradeço à minha irmã Eliege, pela amizade neste período e sempre. Ao Guilherme, a Gabriela e a Layla, meus sobrinhos, pelos momentos de descontração nesta jornada. Agradeço à professora Mari Margarete dos Santos Forster, minha Orientadora de Estudos, amiga e profissional exemplar, por ter partilhado comigo este período de estudos, seminários, congressos, metas, sonhos e produção de conhecimento. 3 Agradeço à professora Rute Vivian Angelo Baquero, pela disponibilidade na leitura e análise desta dissertação. Agradeço à professora Luiz Maria Cezar Carravetta, pela contribuição na avaliação e aprimoramento de minha dissertação. Agradeço também: Às equipes diretivas e professores das escolas da rede estadual da 2 ª CRE, que disponibilizaram dados para a execução desta dissertação. A CAPES, pela concessão de bolsa de estudos de Pós-Graduação. Ao FUNDEPE, na pessoa do Pe. Egydio Schneider, pelo auxílio na execução deste meu projeto de vida Ao Serviço de Atenção ao Acadêmico. Ao Setor de Registro, da UNISINOS, na pessoa da funcionária Débora, pela atenção a mim dispensada. Ao Setor de Currículos, da UNISINOS, na pessoa da funcionária Jandira, pela disponibilidade e atenção. À Assessoria Acadêmica, da UNISINOS, em especial às funcionárias Rosa e Delta, por disponiblizarem seu tempo e documentos da universidade. 4 À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação. Aos meus colegas de turma de Mestrado, e aos demais colegas do PósGraduação em Educação. Aos alunos/alunas da turma 42, 2002/2, da disciplina Organização da Aprendizagem, meu carinho e amizade. Às secretárias do Programa de Pós – Graduação em Educação/UNISINOS. Às secretárias da Direção do Centro de Ciências Humanas. Aos funcionários/funcionárias da Recepção/Posto do Centro de Ciências Humanas. Finalizando agradeço a todos e todas que acompanharam minha jornada de mestranda dentro e fora do âmbito da UNISINOS. SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................................... 7 ABSTRACT ................................................................................................................. 9 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11 2 ENFOQUE METODOLÓGICO .............................................................................. 14 2.1 Interlocutores .................................................................................................... 21 3 DE UMA TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL A UM CAMINHO INVESTIGATIVO ....................................................................................................... 24 4 DA HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE E DA UNISINOS: ENTENDENDO O CURSO DE LETRAS .............................................................................................................. 30 4.1 A história da universidade ................................................................................. 30 4.2 A Universidade do Vale do Rio dos Sinos inserida na história da Universidade Brasileira ........................................................................................................... 36 4.3 O Curso de Letras, suas origens ...................................................................... 39 4.4 O Curso de Letras, hoje, na UNISINOS ............................................................ 45 5 OS SABERES ACADÊMICOS E OS SABERES PROFISSIONAIS ...................... 53 6 A CRISE DE IDENTIDADE DOCENTE: O PROFISSIONAL E A PESSOA NA RELAÇÃO COM O MUNDO...................................................................................... 59 7 A RUPTURA DO PARADIGMA ESCOLAR, A FORMAÇÃO VIGENTE E PERSPECTIVAS ....................................................................................................... 64 7.1 O professor como protagonista ......................................................................... 66 7.2 O professor como profissional da ação ............................................................. 67 7.3 O professor como sujeito de responsabilidade e ética ...................................... 68 7.4 O professor como mediador.............................................................................. 70 6 8 NA FALA DE UMA PROFESSORA; A TENTATIVA DE SÍNTESE ....................... 72 9 PARA ALÉM DA SÍNTESE: UMA TENTATIVA DE CONCLUSÃO ....................... 89 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 94 11 ANEXOS ............................................................................................................... 98 RESUMO Este estudo investigativo qualitativo, inspirado no paradigma fenomenológico, trata da Formação de professores de Língua Portuguesa e a intersecção dos saberes da academia / saberes da experiência, na permanência qualificada ou não desses professores na carreira. Para desenvolvê-lo e circunscrevê-lo de forma satisfatória utilizei entrevistas semi-estruturadas, fontes documentais e fontes bibliográficas. A investigação foi realizada com um grupo de professores de Língua Portuguesa, subdividido em grupos diferenciados, procurando analisar os sujeitos a partir da teorização de M. Huberman (1995), entre outros, observando características das diferentes fases da carreira docente. As fontes documentais foram utilizadas para melhor compreensão e resgate da História da UNISINOS e do Curso de Letras implementado nesta instituição há 47 anos. 8 Foi possível também na análise perceber as fragilidades e as conquistas desta área do conhecimento (Letras Português / Literatura), estabelecendo paralelo entre as propostas curriculares de cada período e as vozes dos sujeitos da pesquisa. As contribuições desse estudo apontam para uma ampliação do repensar a Licenciatura de Letras, bem como, os cursos de formação docente de maneira geral, o que não é novidade. Faz-se necessário uma intensificação dos diálogos, dos intercâmbios, do aprender a aprender entre academia-escola e vice-versa. Outra constatação obtida nas análises dos relatos e entrevistas dos professores é que apesar das contradições, esses sujeitos encaram a docência com entusiasmo, dedicação, sendo a marca principal dos sujeitos analisados a construção de um “percurso harmonioso”, na trajetória docente, para valer-me de uma expressão de Huberman. ABSTRACT 10 1 INTRODUÇÃO “O que faz a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.” (Couto Apud Arroyo, 2000, p. 5). Falar sobre “Formação de Professores” implica, ainda e mais uma vez, percorrer vários caminhos. Embora essa temática já venha sendo estudada enfaticamente nas últimas décadas, este é o desafio a que me proponho, neste trabalho, trilhando e sonhando um futuro mais qualificado para essa “Formação”. Ao ingressar no Mestrado em Educação, um duplo questionamento me acompanhava. Por um lado, a necessidade de entender o porquê da insatisfação e desmotivação docente com sua profissão, e, por outro, o porquê do grande número de professores que ainda procurava o magistério como carreira docente. Essas duas questões me permitiram, através do diálogo com diferentes teóricos1, circunscrever com mais clareza o meu objeto de estudo. 1 Esteve (1999), Freire (1996), Giroux (1997), Imbernón (1997), Morin (1995 ), Schön (1992). 12 Pretendo, com este trabalho investigativo, responder ao seguinte questionamento: Quais as influências da carreira e dos saberes de formação e de experiência na decisão de permanecer (qualificadamente) professor de Língua Portuguesa? Para tanto, procurarei olhar o que está acontecendo com essa formação nos espaços da academia (universidade) e da atuação docente escolar. Examinarei essa questão à luz da minha trajetória como aluna do Curso de Letras Português / Literatura e como professora de Português no Ensino Fundamental da Rede Pública Estadual, no Rio Grande do Sul. Entre os objetivos dessa investigação, destaco: 1) - Analisar e compreender como se vem constituindo a carreira e a formação docente dos profissionais de Letras formados pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos(UNISINOS); 2) - Problematizar a formação docente contrapondo os espaços de formação (academia /escola); 3) - Apontar perspectivas para a formação de docentes das áreas Letras / Língua Portuguesa e Literatura. 13 Justifico o interesse desta investigação em privilegiar como campo de estudo a Universidade do Vale do Rio dos Sinos e, de forma especial, a Licenciatura de Letras por ser egressa dessa instituição, e desse curso, e residir no município de São Leopoldo, onde a mesma se situa, e por acreditar que ouvindo profissionais formados pela instituição possa compreender melhor esse espaço de formação e contribuir cada vez mais com sua qualificação. 2 ENFOQUE METODOLÓGICO "O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que vivo, sou aberto ao mundo, me comunico indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável." (Ponty, 1988, p. 36). Meu objeto de estudo, conforme já anunciado, é a formação de professores, e procuro analisá-la de uma forma compreensiva. Para tanto, utilizo o enfoque metodológico qualitativo, inspirado no paradigma fenomenológico / interpretativo, por acreditar que o mesmo serve para desvelar esse objeto com propriedade: “Compreender é tomar o objeto a ser investigado na sua intenção total, é ver o modo peculiar específico, do objeto existir” (Machado, 1997, p. 36). Essa investigação, mais do que explicar o objeto de estudo, procura aprofundar o entendimento do mesmo: “A fenomenologia2 significando discurso esclarecedor a respeito daquilo que se mostra por si mesmo, enquanto uma práxis ou forma de ação, opera através do método que investiga a experiência, no sentido de compreendê-la e não de explicá-la.” (Machado, 1997, p. 35). 2 A palavra fenomenologia gera-se de duas expressões gregas, phainomenon e logos. Phainomenon (fenômeno) significa aquilo que se mostra por si mesmo, o manifesto; logos é tomado aqui como discurso esclarecedor. 15 A possibilidade de interrogação constante faz da atitude fenomenológica, mais do que um método, uma abordagem de pesquisa que auxilia no desvelamento da formação docente na sua complexidade. Sem pretender dar conta desse fenômeno na sua totalidade, por inconcluso que é, creio que essa abordagem de pesquisa auxilia na busca de algumas respostas às questões apontadas neste estudo. Pesquisar, segundo Joel Matins (1997, p. 24), quer dizer “ter uma interrogação e andar em torno dela, em todos os sentidos, sempre buscando mais sentido, mais dimensões, e outra vez” ...A interrogação se mantém viva porque a compreensão do fenômeno não se esgota nunca. Segundo Masini (1991, p. 66), esse enfoque fenomenológico, "de recomeçar incessante", recusando "cristalização em sistemas acabados e fechados", tem sido criticado como trabalho não-concluído ou por se completar. Segundo os próprios fenomenólogos, o "inacabamento não constitui sinal de fracasso ou indefinição mas sim uma maneira da fenomenologia mostrar-se em sua verdadeira tarefa e fertilidade". Concordo com isso e justifico a minha escolha epistemo-metodológica sustentada nessa abordagem não só por identificar-me com ela como por acreditar no seu potencial de aprofundamento de questões cruciais para a educação. Três grandes movimentos foram empreendidos para procurar responder ao meu problema de investigação. O primeiro deles - acercamento documental - foi subdividido em três eixos, quais sejam: 16 - contatos com a 2ª D. E., com a finalidade de identificar o número de professores licenciados em Letras, bem como o número de professores em formação que estavam atuando nas Escolas Estaduais de São Leopoldo e os locais em que os mesmos estavam lotados (Anexo 1a/1b); - contatos com setores de Registro Acadêmico, Currículos e Assessoria Acadêmica da UNISINOS, bem com a coordenação do Curso de Letras, para obtenção de documentos acerca da história da Universidade e do próprio Curso de Letras, como atas, grades curriculares, pareceres, diários oficiais (Anexos 2 e 3); - revisão bibliográfica e de pesquisas sobre a temática da formação do educador. O segundo movimento - acercamento do contexto institucional - subdividiu-se em dois eixos: - contatos com pessoas-fontes atuantes na UNISINOS e com formação na área de Letras na própria Universidade; - contatos com equipes diretivas de escolas estaduais. O terceiro movimento - escuta atenta de professores - envolveu basicamente entrevistas com professores / as da rede pública estadual em diferentes momentos 17 da carreira docente, formados ou em formação pela UNISINOS. (Anexo 4, roteiro de entrevista). Embora recorra a fontes documentais escritas para me apropriar de informações históricas sobre a Universidade e o Curso de Letras, o meu foco central é a pessoa do professor, a voz do professor: “...dar voz e vez ao professor, considerando sua própria reflexão sobre seu “saber” e o seu “saber fazer”, é acreditar que de sua “fala” e de sua “história” pode emergir uma riqueza de experiências que indiquem alternativas de formação do fazer pedagógico, voltado às transformações de que tanto precisamos na educação.” (Moraes, 1996, p. 1). No âmbito dos estudos sobre formação de professores, só a partir da década de 80 é que esse foco passa a ter relevância, marcando uma “viragem” nas pesquisas e na própria concepção de ciência, colocando em causa a objetividade e os métodos para produzi-la. A subjetividade passa a se constituir na idéia nuclear, no conceito articulador das novas formulações teóricas e das propostas que realimentam a área de formação do educador. Pretendo, neste estudo, através de narrativas autobiográficas, colhidas por entrevistas semi-estruturadas, recuperar não só a história de formação do Curso de Letras da UNISINOS, mas da carreira de professores aí formados ou em formação. Colocando em questão essa formação no confronto com a prática profissional, examinando possibilidades e limites, procurei entender quais as influências da carreira e dos saberes da formação e de experiência nas decisões de permanência 18 (ou não) qualificada (ou não) dos professores de Letras, formados pela UNISINOS, na sua profissão. Falar numa formação de qualidade implica reafirmá-la procedente e inquestionável. Entretanto, como o significado de qualidade guarda em sua compreensão uma múltipla e complexa gama de elementos, cabe esclarecer em que sentido a estou empregando. Para tanto, vou me apoiar em Rios, quando diz: “É comum utilizarmos o conceito de qualidade como se ele já guardasse uma conotação positiva – dizemos que algo é de qualidade querendo dizer que é bom. Entretanto, a qualidade é um atributo essencial da realidade. Há boa e má qualidade nos seres com que nos relacionamos, nas situações que vivenciamos. Trata-se, assim de qualificar a qualidade, de refletir sobre a significação de que ela se reveste no interior da prática educativa.” (2001, p. 21). Não estamos, portanto, falando aqui na perspectiva da "Qualidade Total", em que as palavras de ordem são eficiência, controle e competitividade. Falar em formação qualificada de professores significa pensar uma formação de melhor qualidade, que se coloca sempre à frente, como algo a ser construído e buscado pelos sujeitos que a constroem. Schmelkes nos diz que “qualidade é um conceito relativo e dinâmico. Não se pode definir em termos absolutos. É sempre possível pretender mais qualidade, um 19 movimento de busca de qualidade é, por esta razão, um processo que, uma vez iniciado, nunca termina.” (1994, p. 31). Minha investigação considerará essa noção de qualidade em construção, que não se adquire de uma vez por todas, mas a partir mesmo da práxis, e que se amplia na partilha de experiências, de reflexão. Nesse contexto, acredito que o método de narrativas autobiográficas apresenta-se como opção alternativa para fazer a mediação entre as ações e a estrutura, ou seja, entre a história individual e a história social: “O nosso sistema social encontra-se integralmente em cada um de nossos atos, em cada um de nossos sonhos, delírios, obras, comportamentos. E a história deste sistema está contida por interio na história de nossa vida individual.” (Ferrarotti, 1988, p. 26). Constrói-se qualidade em conjunto, refletindo-se sobre as experiências de cada um e entendendo-as em um contexto sócio-histórico. Lima (1988), Soares (1991), Kenski (1994), Cunha (1998), entre outros educadores brasileiros, baseados em contribuições estrangeiras, tais como Goodson (1988), Huberman (1988), Pinar (1988) e Nóvoa (1991, 1992) vêm escrevendo sobre histórias de vida, narrativas, memórias pedagógicas, e nos têm mostrado seu potencial não só como métodos de investigação como, também, fenômenos que se investigam. A esse propósito, Connelly & Clandinin dizem que: 20 "a razão principal do uso das narrativas na pesquisa em educação é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que individual e socialmente, vivem vidas contadas [...] por isso, o estudo das narrativas são o estudo da forma como os sujeitos experimentam o mundo." (Connelly & Clandinin, 1995, p. 11). Esse potencial humano - do sujeito contador de histórias - tem sido usado, cada vez mais freqüentemente, pela investigação qualitativa, resultando num conhecimento sistematizado. Quando uma pessoa relata os fatos vividos por si mesma, percebe-se que reconstrói a trajetória percorrida, dando-lhe novos significados. Assim, a narrativa não é a verdade literal dos fatos, mas, antes, é a representação que deles faz o sujeito, e, dessa forma, pode ser transformadora da própria realidade. Como se sabe, a palavra representação admite diferentes significados. Segundo Pereira, “o conceito de representação designa uma noção que se encontra no cruzamento de conceitos oriundos da psicologia e sociologia, buscando explicar como os processos sociais se reproduzem no nível individual e como a ação individual e grupal intervém na transformação dos processos sociais por meio de mecanismos cognitivos e sócio-culturais. A partir dessas representações, que são construídas socialmente, as pessoas possivelmente orientam suas ações.” (2000, p. 116). O conceito de representação usado nesta investigação é o de cunho psicológico em que representação é entendida como “imagem mental ou imagem memória, isto é, evocação simbólica de realidades ausentes”. Esse conceito foi utilizado por Piaget (1987) quando no estudo da teoria do conhecimento. 21 2.1 Interlocutores Os principais participantes do estudo são professores de Língua Portuguesa da Rede Pública Estadual de São Leopoldo/RS, egressos ou em formação na UNISINOS. De um total de 83 professores atuando de 5 ª a 8ª série, 16 participarão do estudo, sendo 12 licenciados e 4 em formação. Considerarei, também, para efeitos de amostra, o tempo de docência, assim distribuído: - início de carreira até dois anos: 4 professores licenciados e 1 professor em formação; - meio da carreira (de 3 a 10 anos): 4 professores licenciados e 2 em formação; - fim de carreira (próximo 25 anos): 4 licenciados e 1 em formação; Essa decisão sobre o tempo de docência está sustentada em Huberman (Apud Nóvoa, 1992, p. 31), que aponta a diversidade de caracterização dos docentes em diferentes fases da carreira. Huberman é um dos clássicos nos estudos das fases da carreira docente. Seu estudo é realizado na França, país que tem, inclusive, um período de docência diferente do Brasil (França – 40 anos / Brasil – 25 anos); porém, isso não invalida a opção de olhar a trajetória de nossos docentes da área de Letras fundamentados 22 nas fases da carreira do professor propostas pelo já referido autor. As fases da carreira, segundo esse autor, são: FIGURA 1 – FASES DA CARREIRA FONTE: Huberman, 1995. Como se observa, as fases da carreira podem ser percorridas de uma forma harmoniosa ou problemática. O percurso harmonioso começa pelo período de tateamento, passando pela consolidação do repertório pedagógico, e pelo questionamento, até chegar ao desinvestimento sereno. O percurso problemático inicia como o outro, mas se mostra mais conservador e chega ao final da carreira como um desinvestimento amargo. Tardif também nos auxilia na compreensão de que o tempo faz diferença e modifica o trabalhador, uma vez que “trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho” 23 (2000c, p. 210). O autor nos mostra como as marcas dos primeiros anos docentes são fortes, pois é aí que se adquire o sentimento de competência e onde se estabelecem as rotinas de trabalho, estruturando a prática profissional. Serão também sujeitos, neste trabalho investigativo, pessoas que estou chamando fontes, que ocupam ou já ocuparam cargos administrativos ou acadêmicos na Instituição e que foram formados pelo Curso de Letras da UNISINOS. Interessa-me recuperar, com eles, a história da UNISINOS e do Curso de Letras, bem como sua trajetória pessoal e profissional. 3 DE UMA TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL A UM CAMINHO INVESTIGATIVO Ao longo de minha trajetória pessoal e profissional, venho curiosamente buscando entender como se dá essa profissão que escolhi - professora de Língua Portuguesa. Do período de entrada na escola, ensino médio à Universidade, muitas experiências interessantes vivenciei, e parte delas narro a seguir. Sou aluna egressa do curso de Magistério 2 o. grau, curso realizado em duas etapas: iniciei o curso no Colégio São José, em São Leopoldo, mas, na segunda série, transferi-me para a Escola Estadual de 1o. e 2o. graus “1o. de Maio”, em Porto Alegre, onde concluí o curso em 1980. Olhando hoje os motivos que me levaram a fazer essa transferência, consigo identificar pelo menos dois: o primeiro porque fui reprovada em Matemática, disciplina que na ocasião ministrava, com gosto, e o segundo motivo o preconceito racial- é fundamental destacar que essa escola é uma escola de irmãs franciscanas, da Alemanha, fundada em 1872. 25 Logo após concluído o curso de Magistério, prestei dois vestibulares: um na UFRGS e outro na UNISINOS, onde cursei Letras- Licenciatura Plena em Língua Portuguesa/Literatura Brasileira e Portuguesa - concluído em 88/2. Cursei, também, em regime de curso paralelo, algumas disciplinas de Pedagogia. Embora não tenha concluído o curso, muitas reflexões e leituras de teóricos iniciaram nesse período. Freire e Brandão me foram apresentados aqui. Após a formatura de Letras, estudei alguns semestres de Língua Inglesa para enriquecer os conhecimentos com a possibilidade de lecionar essa disciplina; nesse período, desenvolvi uma atividade de monitoria, na disciplina de História, experiência muito enriquecedora também. Participei, ativamente, enquanto aluna de graduação, da Semana de Letras, evento que ocorre ainda hoje no curso de Letras da UNISINOS. Organizamos um grupo de estudos sobre “Alfabetização”, com o objetivo de desenvolver uma pesquisa junto à FAPERGS. Esse grupo de estudos se constituiu para além da graduação, com horários definidos e tarefas delineadas previamente. Destaco isso como fundamental na minha formação. Estreitando mais o vínculo com a UNISINOS, associei-me à ADISINOS, grupo de alunos formado com representação local, nacional, latino-americana e mundial, que congrega, em amizade e serviço alunos egressos de instituições jesuíticas. Nesse período, fiz um curso de extensão, relacionado à área de Língua Portuguesa e Literatura; estudamos a obra Exílio, de Lya Luft. A possibilidade de 26 fazer o estudo em profundidade de uma obra literária mostrou-me que na graduação, muito pouco exercitamos essa prática. Profissionalmente, paralelo a esses períodos, lecionei de 1 a. a 4a. série em Novo Hamburgo, em escolas da rede municipal, e, anteriormente, na cidade de São Leopoldo, desenvolvi uma atividade como educadora pediátrica, com crianças de fase anterior ao maternal. Participei, ainda, de algumas atividades com um grupo de meninos engraxates, talvez os “meninos de rua” daquela época; essa proposta era articulada pelo Conselho de Desenvolvimento da Comunidade. Através desse mesmo Conselho, realizei um curso de artesanato e recreação para crianças e adolescentes de periferia. Falando de atividades mais recentes, lecionei Língua Portuguesa em 1997, na Escola Vida Nova, no Bairro Cristo Rei, aqui em São Leopoldo; a essa escola eu dediquei e dedico um carinho especial, pois as crianças são deficientes auditivos / deficientes múltiplos, entre outras dificuldades...Depois desse trabalho, reuni-me ao grupo da COOESINOS uma cooperativa de professores que desenvolve projetos e parcerias, inclusive com a UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA. Participei como educadora da primeira turma de alunos do PROGRAMA INTEGRAR, parceria da CUT/ Sindicato dos Metalúrgicos/ Escola Técnica Federal de Pelotas / UNITRABALHO/ FAT e outras entidades e instituições (NOVO HAMBURGO). Então fui chamada para lecionar no Estado/ RS 2a. DE, quando lecionei Português nas seguintes escolas: Escola Estadual de 1o. grau Helena Câmara (SL), Escola Estadual de 1o. grau Visconde de São Leopoldo (SL), Escola Estadual de 1 o. grau João Blos (Campo Bom) e Escola Estadual de 1o. grau Firmino Acauan (SL), havendo sido convidada 27 para atuar na Escola Estadual de 1o. grau Cristo Rei (SL), porém os meus horários já estavam comprometidos. Como a carga horária de Língua Portuguesa nem sempre preenchia o total de horas para o qual fui designada, lecionava Educação Artística e Ensino Religioso. Até parecia, mais uma vez, que a especificidade e a qualidade de saberes tinham um menor valor do que a questão burocrática do cumprimento de horário. Embora tenha sempre lutado junto à DE (Delegacia de Ensino) pela importância de permanecer trabalhando na área na qual fui formada, aceitei o desafio temporário de assumir essas disciplinas e fui buscar junto à Universidade subsídios, fazendo oficinas e participando de grupos de estudo para dar conta com qualidade, dessa nova função. Olhando um pouco esse caminho posso dizer que o que mais gosto de fazer é estudar, ensinar e aprender. Fui escolhendo esse meu ofício de professora, e hoje, além de gostar muito dele, sei que preciso compreendê-lo melhor. Dizer que se gosta do que se faz, especialmente se esse fazer é a docência, pode parecer romântico demais. Entretanto, sabendo dos limites que essa escolha implica e sentindo às vezes a esperança se afastar, com o desejo de “largar tudo”, nesse mesmo espaço de trabalho, retorno com vigor à luta e busco novas alternativas; e o estudo sempre é o que mais me atrai. Assim, com vários caminhos já percorridos, hoje, aqui no Mestrado em Educação, busco, dando continuidade a essa curiosidade, qualificá-la. Afinal, o que é ser professora de Língua Portuguesa, hoje? O que isso já significou? Qual a identidade desse docente? A agência formadora tem um papel 28 fundamental nesse significado? E a experiência docente em si, faz diferença? Em diferentes momentos da carreira, ser professor significa diferente? Pretendo através dessas questões, buscar algumas “pistas” para entender melhor como e por que professores de Língua Portuguesa ainda continuam sendo professores, apesar das mazelas que enfrentam. As pesquisas têm apontado para a importância de investimento no desenvolvimento profissional docente. Isso implica em estudar a formação inicial e continuada articuladas a um processo de valorização identitária e profissional dos professores. Não é qualquer um que pode ser professor, embora as legislações atuais nem sempre acreditem nisso. Existem conhecimentos, saberes que são específicos dessa profissão. Tardif e Lessard (1992, p. 218), em estudos sobre o saber docente, estabeleceram que se trata de um saber plural “formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência”. A identidade do docente inclui ainda a presença de outros saberes da prática social e da cultura. Além desse estatuto epistemológico, cabe enfatizar o estatuto profissional que também caracteriza o “ser professor”. A docência constitui um corpo específico de intervenção profissional na prática social: 29 “Em princípio, só os profissionais, em oposição aos leigos e aos charlatães, possuem a competência e o direito de usar seus conhecimentos, conhecimentos esses que são, de um certo modo, esotéricos: eles pertencem legalmente a um grupo que possui o direito exclusivo de usá-los por ser, em princípio, o único a dominálos e a poder fazer uso deles.” (Tardif, 2000b, p. 6). Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico, tudo isso tem exigido mudanças radicais em todas as frentes, seja na Universidade, na Escola, na formação dos docentes. Tudo isso também terá sentido se de fato contribuir para uma conquista democrática efetiva na área da educação, alterando os quadros de reprovação, retenção e evasão, tão presentes, hoje ainda, nas escolas e em nossa sociedade. Não é tarefa simples. É desafio para muitos! Entretanto, com certeza, a democratização do ensino passa pelos professores, por sua formação, sua valorização profissional, suas condições de trabalho. 4 DA HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE E DA UNISINOS: ENTENDENDO O CURSO DE LETRAS 4.1 A história da universidade “Em maio de 1486, os reis Fernando e Isabel de Espanha decidiram fazer uma consulta a professores da Universidade de Salamanca. Queriam saber a opinião dos sábios sobre o inusitado projeto de um certo Cristóvão Colombo, que se propunha chegar às Índias navegando pelo Ocidente. A comissão encarregada de analisar o projeto reuniu-se em Salamanca, perto do natal daquele ano, sob a coordenação do dominicano Hernando de Talavera. Abrão Zacuto, o grande astrônomo da universidade, não comprovou a possibilidade da viagem proposta por Colombo. Esta posição refletia provavelmente a opinião da maioria dos professores de Salamanca.” (Litvin, 1991, p. 52). “Em dezembro de 1490 a Comissão de Talavera deu parecer final decididamente contrário à viagem.Além de razões teológicas, o principal argumento contrário estava no fato de que o diâmetro da Terra seria maior que a estimativa feita por Colombo, o que tornaria a viagem impossível, pois todos os navegantes morreriam antes de chegar a terra. A comissão estava certa no que se referia ao diâmetro da Terra. Ainda que não tivessem uma medição correta, os dados dos sábios universitários estavam mais certos que os cálculos de Colombo. A expedição teria fracassado em chegar à Índia, e, não fosse a existência de uma terra desconhecida no meio do caminho, ainda próxima à Europa, Colombo teria regressado ou todos teriam morrido. Com seus cálculos, ainda imperfeitos, Salamanca acertou na impossibilidade de ir à Índia pelo Ocidente, mas Colombo acertou, 31 com seus sonhos, ao descobrir um novo mundo, que até o final de sua vida ele insistiu que era a Índia. Mesmo acertando, a Comissão de Talavera teria sido um instrumento de freio no avanço do conhecimento, não fosse o fato de um grupo de aventureiros e uma rainha ambiciosa terem decidido correr o risco. O que fez Salamanca incompetente não foram os erros de conhecimento, mas o pavor ao erro e o apego aos dogmas da época: o medo da aventura de navegar em direção ao novo. Quinhentos anos depois, o excesso de especialização e a função utilitária da atividade acadêmica reduziram o apelo à aventura. Professores e alunos preferiram o comodismo da carreira. As idéias radicais surgem fora do campus e são rejeitadas pela universidade, que passa a agir como um freio. A universidade volta a viver a síndrome de Salamanca: o pavor ao erro, o medo da aventura e o apego a seus próprios dogmas. Mas a realidade do mundo lhe provoca sustos mais inquietantes que aquela questão formulada pelo navegador genovês.” (Buarque, 1994, p. 1314). Recuperar a história da Universidade, através da Síndrome de Salamanca, pode não ser muito animador, se visto numa perspectiva pessimista. Entretanto, não podemos negar que “o pavor ao erro, o medo da aventura e o apego a dogmas” têm impedido que a universidade avance. Esses impedimentos são acrescidos pelos complexos desafios aos quais a Universidade está submetida. Isso é reforçado por Santos, quando diz: “A universidade não parece preparada para defrontar os desafios, tanto mais que estes apontam para transformações profundas e não para simples reformas parcelares.” (1995, p. 187). Talvez caiba aqui perguntar que os motivos levam as resistências ao novo preponderarem sobre as utopias de uma Universidade que desafia a razão, que liberta a inteligência, que emancipa os sujeitos, que contribui com o bem comum, com a construção de uma sociedade mais humana, justa e feliz. 32 Para podermos entender e projetar o futuro da Universidade, precisamos reexaminar o seu passado estudando o seu legado de nove séculos, sob as incertezas do presente: “Pensar a universidade é situá-la no contexto das vicissitudes de que emergiu renovada a cada nova crise. Pensar a universidade é pensar as questões cruciais para o homem e para a mulher situados em suas diferenças históricas, sociais e culturais. Pensar a universidade é pensar o mundo que se quer mais humano, mais justo, mais sábio. Preocupar-se com o futuro da universidade faz sentido na medida em que essa pré-ocupação abre novas perspectivas que forçam o futuro a falar. Mas o futuro permanecerá mudo a nossas interrogações se não tivermos presentes as lições do passado e deixarmos adormecidos os textos mais capazes de aguçar as nossas interrogações.” (Barbieri Apud Teixieira, 1998, p. 10-11). Para melhor entendermos esse passado, faz-se necessário lançarmos um olhar para a dimensão temporal da instituição universitária, e, para isso, podemos apontar quatro períodos, indicados por Trindade: “O primeiro, do século XII até o Renascimento, é o período da invenção da universidade em plena Idade Média. Nesse período se constitui o modelo da universidade tradicional, a partir das experiências precursoras de Paris e Bolonha, que se implanta por todo o território europeu sob a proteção da Igreja romana. O segundo começa no século XV, época em que a universidade renascentista recebe o impacto das transformações comerciais do capitalismo e do humanismo literário e artístico, que floresce nas repúblicas urbanas italianas e se estende para os principais países da Europa do centro e do norte e sofre também os efeitos da Reforma e da Contra-Reforma. A partir do século XVII, marcado por descobertas científicas em vários campos do saber e do Iluminismo do século XVIII, com a valorização da razão, do espírito crítico, da liberdade e tolerância religiosas e o início da revolução industrial inglesa, a universidade começa a institucionalizar a ciência numa transição para os modelos que se desenvolverão no século XIX. O quarto período, que institui a universidade moderna, começa no século XIX e se desdobra até nossos dias, introduzindo uma nova relação entre Estado e universidade, permitindo que se configurem os principais padrões variantes das universidades atuais. 33 O modelo espanhol transplantado não é somente o da velha Universidade de Salamanca, mas sobretudo da nova Universidade de Alcalá, atual Complutense, e até fins do século XVII domina o padrão tradicional das faculdades de teologia, leis, artes e medicina.” (Trindade, 2001, p. 11). Hoje, a urgência das demandas postas por Barbieri torna-se mais dramática no Brasil, onde a tradição é recente, com menos de um século de História: “No Brasil, a universidade se institucionaliza apenas no nosso século, embora tenha havido escolas e faculdades profissionais isoladas que a precederam desde 1808, quando o Príncipe Regente, com a transferência da Corte para o Brasil, cria o primeiro curso de Cirurgia, Anatomia e Obstetrícia. A “universidade temporã”, na expressão de Luiz Antônio Cunha, somente se organiza tardiamente, a partir da década de 20 de nosso século como observa Anísio Teixeira, o Brasil esteve fora do processo universitário quando o tema principal do debate, no século XIX, era “a nova universidade, devotada à pesquisa e à ciência.” (Trindade, 2001, p. 12). Desde suas origens, a Universidade, “misto de claustro e de guilda medieval” (Teixeira, 1998, p. 37), manteve-se muito mais isolada do que participante do tumulto dos tempos. Embora a pesquisa tenha acompanhado sua evolução, seja com Humboldt ou Newman, restringia-se ao saber, pelo saber conservando o objetivo da cultura clássica e desprestigiando o saber aplicado, que era olhado com desconfiança. Isso pode ser ilustrado na fala de dois de meus entrevistados. Um deles relata: “Eu comecei cedo a trabalhar na UNISINOS, quando da oficialização dos Cursos de Filosofia do Cristo Rei, 1954. Naquela época, e depois 1958, tínhamos os modelos diante de nós, que eram evidentemente europeus: Pe. Thiesen, Pe. Milton 34 Valente; falávamos muito de Coimbra, Bolonha, Peruggia, Heidelberg, Montpellier, Paris, Salamanca; essas grandes universidades européias constituíam para nós o modelo mental” (Entrevistado G1/C). Essa fala nos mostra os modelos europeus como fortes influenciadores do modelo de universidade brasileira, de um modo geral, e da UNISINOS, de forma especial. Um segundo entrevistado diz: “...uma universidade não pode ser uma ilha da fantasia, uma torre de marfim. E quanto mais ela estiver ligada com a realidade, e quanto mais a gente discutir a realidade em sala de aula, o pensar sobre a realidade em sala de aula, melhor” (Entrevistada G1/A). Esse segundo depoimento, ao criticar o modelo universitário, vislumbrando-o de outra forma, confirma a característica de contemplação olímpica presente na universidade. Hoje, alguns, com ironia, dizem que essa torre de marfim transformouse em torre de Babel. Essas concepções de universidade, tão bem ilustradas pelos depoimentos anteriores, vigoraram até fins do século XIX, começando a transformar-se com as três revoluções do nosso tempo: revolução científica, revolução industrial e revolução democrática. 35 Até a Independência do Brasil, a nossa universidade era a de Coimbra, de origens medievais, e refletia Bolonha, num primeiro momento, e depois Paris. Com a Independência, as escolas profissionais de direito, medicina, artes militares e engenharia surgem e ganham força. E a universidade se confunde quase que totalmente com elas, uma vez que a formação humanística fica restrita ao ensino secundário. As faculdades de Filosofia, Ciências e Letras surgem na década de 30, destinadas a ampliar o quadro universitário com os estudos de Filosofia, Ciências e Letras. Mais uma vez, no entanto, a força do velho supera o “novo”, e essas escolas acabam- se transformando em preparo técnico de professores de ensino secundário. A idéia de universidade humanista e de formação clássica não chegou a se concretizar entre nós de forma efetiva. A pesquisa, da mesma forma, apenas começa agora há pouco tempo a criar corpo. A universidade de serviço somente com a criação da Universidade de Brasília dá os seus primeiros sinais. Acompanhar suas transformações de 1852 até 1914, depois até 1930, e com a Segunda Guerra até nossos dias, implica entender a história de uma instituição que, com muitas resistências, rompe com seu isolamento misturando-se com a vida, com a cidade, distinguindo-se, aos poucos, do claustro conventual. Talvez nem Humboldt, nem Newman, nem Flexner reconhecessem as instituições por eles idealizadas. 36 A antiga instituição distante e isolada se rende aos novos tempos, não sem contradições, nem relativa perda de unidade, confundindo-se, muitas vezes, com a torre de Babel, tão ironicamente apelidada: “São inúmeras as vozes a chorar pela antiga unidade, pela antiga homogeneidade, pela antiga qualidade, mas a força do tempo é maior e a universidade fez-se não a torre de marfim mas talvez a de Babel, com atividades intelectuais dos mais diversos níveis, com a mais extrema mistura de cultura teórica e prática e com tamanha população de professores e alunos que já não é mais uma comunidade mas várias e contraditórias comunidades, lembrando mais a cidade que o antigo claustro conventual da velha Oxford.” (Teixeira, 1998, p. 47). 4.2 A Universidade do Vale do Rio dos Sinos inserida na história da Universidade Brasileira A UNISINOS é uma instituição de ensino superior, de caráter privado, sem fins lucrativos, que faz parte das obras da Sociedade Antônio Vieira, da Província Meridional, da Companhia de Jesus. Conta, hoje, com aproximadamente 30.723alunos, 1047 professores, 41 Cursos de Graduação, 876 alunos de Pós – Graduação (Dados do site da UNISINOS, setembro 2001). Foi fundada em 1869 pelos padres jesuítas, oficializada em 1954, no Colégio Cristo Rei, com a denominação de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, destinada somente a estudantes jesuítas. Em 1958, passa a funcionar nos prédios do antigo Colégio Conceição, abrindo espaços para alunos leigos: “Concebe-se e organiza-se como pólo de educação por toda a vida, impulsionando, com seus programas e projetos de ensino de graduação, pós-graduação e extensão e suas linhas de pesquisa e 37 ação cultural e comunitária, o desenvolvimento integral da pessoa, a partir da visão cristã do papel do ser humano no mundo e na história, bem como da integração dos processos de geração, transmissão e aplicação do conhecimento, numa perspectiva interdisciplinar.” (UNISINOS/Missão e Perspectivas, jul. 1999, on line). É interessante acompanhar essa história através de um depoimento: “Com a UNISINOS, não era UNISINOS ainda, como a Faculdade de Filosofia e Letras Cristo Rei estava aberta ao público, eu resolvi, até por uma convicção que meus pais tinham de que eu tinha muito tempo na vida ainda para estudar, que eu devia começar por algum lugar, então eu resolvi fazer Letras na UNISINOS, por gostar muito de ler. Porque era cômodo, estava ao alcance do que os meus pais podiam pagar e pela proximidade com a minha casa. Também meu pai era muito amigo do Pe. Urbano Thiesen. Que foi, não foi o primeiro reitor, mas ele foi o fundador dessa, da UNISINOS, dessa situação aí dos Estudos Prévios. Ele foi articulador dos Estudos Prévios que depois desembocaram numa universidade. Então, como eu conhecia as pessoas, etc, vim estudar aqui” (Entrevistada G1/A). Em 1953, teve seu nome alterado para Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo. A 31 de julho de 1969, cem anos após sua fundação, foi autorizada com o nome atual, Universidade do Vale do Rio dos Sinos: “Autorizada a funcionar pelo Decreto – Lei 722, de 31 de julho de 1969, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos corporificou uma velha aspiração de toda a Região Geo-Educacional do Vale. Mais e mais, sentia-se a necessidade de uma instituição de ensino superior que acelerasse o desenvolvimento de maneira orgânica e científica; que preparasse profissionais em planejamento e execução precisa, acurada; que elaborasse projetos para indústrias, programação econômica, aprimoramento técnico e científico na linha estadual e nacional.” (UNISINOS/História-Estrutura-Campus, 1970, p. 7). 38 Outros apontamentos referentes à história mergulham-me um pouco mais no tempo, fazendo com que conheça um pouco mais das origens dessa instituição e suas pretensões: “A equipe responsável pela elaboração do projeto e sua execução não encerrou suas atividades. Julga que há muitas tarefas pela frente no setor da adaptação da Universidade à Reforma Universitária de 1968 e na expansão progressiva do Campus Universitário. Constantemente está recolhendo dados históricos, geográficos, econômicos, sociológicos, antropológicos para fazer da UNISINOS uma instituição modelar, com a consciência viva de que a missão é a de bem servir à região, ao Estado e ao próprio Brasil.” (UNISINOS/História-Estrutura-Campus, 1970, p. 8). Há também preocupação com os valores e princípios formativos e uma visão poético-simbólica dos sinos e a UNISINOS: “Intuíram que a Universidade, para os que querem contribuir para o progresso cultural e científico, e para o bem-estar comum, é um constante desafio às potencialidades escondidas, mas capazes de desenvolver, em sentido vertical e horizontal, os conhecimentos, e aperfeiçoar e pôr em relevo a escala de valores que orientam, partindo dos mais íntimos, a matéria, subindo aos mais altos, os do espírito, até chegarmos ao valor supremo, o Criador.” (UNISINOS/História-Estrutura-Campus, 1970, p. 9-10). “O símbolo de sino se presta muito bem para explicitar as tarefas e o papel da UNISINOS. Recorrendo aos seus elementos constitutivos, podem-se distinguir, em cada signo, som, timbre, ritmo, melodia, harmonia, e do conjunto surge o acorde harmonioso.” (UNISINOS/História-Estrutura-Campus, 1970, p. 11). Logo, a UNISINOS de hoje é o resultado de cem anos de história, confundindo-se e misturando-se com a história cultural de São Leopoldo, município onde está instalada e com o qual mantém intensos intercâmbios, não sem conflitos, nem contradições. 39 4.3 O Curso de Letras, suas origens O Curso de Letras surge antes da criação da Universidade, em 1953, objetivando formar professores. Nas palavras de um dos gestores do Curso de Letras, “o professor a que visávamos era um professor de horizontes abertos sobre os valores fundamentais deste mundo e os valores do espírito, os valores do espírito eram os mais altos. Daí que concebíamos sempre a universidade futura que nós prevíamos, assim mais ou menos constituída: no centro a capela (confissão religiosa), ao lado a biblioteca, na periferia as aulas. Mas professor sempre muito vinculado à biblioteca, quase que na mente, tínhamos na mente que o futuro professor devia ser formado preponderantemente dentro da biblioteca. Com leitura e discernimento, ler, discernir, comparar, discutir, aceitar e rejeitar. Sempre numa espécie de dialética na formação” (Depoimento G1/C). Em seus 48 anos, o Curso de Letras passou por diversas reformulações curriculares, que buscavam modernizá-lo e qualificá-lo. O seu objetivo, entretanto, de formação de professores de Línguas e de Literatura, manteve-se. Nesse exercício de buscar no passado o presente, ouçamos as vozes de alunos e professores de diferentes épocas: “O Curso de Letras não se estruturava em semestres, mas em anos letivos, e a turma era a mesma pelos quatro anos. Os alunos só se separavam quando eram 40 ministradas as disciplinas relativas à Língua / Literatura escolhida (Inglês, Francês e Alemão)” (Depoimento da década de 60). “Escolhíamos as disciplinas que queríamos cursar, atendendo aos prérequisitos; mas, “poder optar” tinha um agradável sabor de livre arbítrio, liberdade de que não dispúnhamos no segundo grau” (Depoimento da década de 70). “Cursei Letras Neolatinas no final dos “Anos Dourados”: Brasil, campeão mundial de futebol (com Pelé); JK – presidente da República, efetuando mudanças radicais no país: a capital saiu do litoral, deixou de ser o Rio de Janeiro e foi para o centro, passou a ser Brasília; a implantação da indústria automobilística...O Brasil crescia a olhos vistos. Havia otimismo em todos os setores, os universitários já saíam empregados de seus cursos” (Depoimento do final dos anos 50). Da década de 50 à década de 70, entre constatações de ufanismo e saudosismo, pode-se recuperar a idéia de turma, de grupo, e a suposta idéia de que o próprio aluno “escolhia” e orientava seus estudos. Visões essas que, hoje, teimam em ser recuperadas, num outro momento histórico. O currículo mínimo do Curso de Letras, fixado pelo Conselho Federal de Educação, em 1961, e regulado pelo Parecer 283/62, é mantido até o ano 2000, quando as novas diretrizes curriculares são aprovadas. 41 O professor Valnir Chagas, conselheiro relator do Parecer de 19623, já em tom de crítica na época, apontava o excesso de disciplinas propostas anteriormente, que, na prática, evidenciavam um artificialismo e um enciclopedismo difíceis de serem apreendidos: “A...estrutura dos nossos cursos superiores de Letras dá a impressão de algo que se planejou para não ser executado. O caso extremo é sem dúvida o Curso de Letras Neolatinas, que habilita ao mesmo tempo, em quatro, e até em três anos, para nada menos de cinco línguas com as respectivas literaturas”. Na UNISINOS, em observando as grades curriculares de 60, 61, 62 e 63 (Anexo 6) pode-se constatar que se ministrava Língua Portuguesa, Língua Latina, Língua Inglesa, Língua Alemã, Língua Americana, com suas respectivas Literaturas. O currículo mínimo veio para regularizar alguns ajustamentos que já se estavam processando. As condições fundamentais de autencidade e flexibilidade passam à estruturação dos Cursos de Letras nas diferentes habilitações. Em decorrência dessa estruturação, o bacharelado e a licenciatura abrangem duas línguas e suas respectivas literaturas. Assim, os Cursos de Letras passam a ser rigidamente ordenados por idiomas afins, que comportam línguas clássicas ou modernas, agregando a todas essas condições a inconveniência de que seja alguém autorizado a lecionar uma língua estrangeira sem o completo domínio do idioma vernáculo, e a 3 Referência ao Parecer n 283/62, aprovado em 19 de outubro de 1962, cujo relator é Cons. Valnir Chagas. 42 necessidade crescente de professores de língua portuguesa, que funciona como motivação de ordem profissional (no período do Parecer, anos 60). Nesses tempos, concebe-se que todo professor de Língua Estrangeira o seja também de Português; a recíproca nem sempre, entretanto, deve ou pode ocorrer. O currículo de Letras seria formado, a partir daí, por uma parte comum e outra diversificada. A parte comum compreenderia Português, com a respectiva Literatura, Latim e os conhecimentos básicos de Lingüística necessários às línguas vernácula e estrangeiras. Esse “básico” era o que parecia exeqüível em âmbito nacional, nada impedindo que se desse maior amplitude aos estudos lingüísticos. Em relação ao Latim, sua inclusão na parte comum define-o como matéria instrumental, sendo indispensável intensificá-lo e tornar obrigatória a sua Literatura, na hipótese de que ele venha a figurar como objeto de habilitação específica. A parte diversificada abrangia as línguas estrangeiras clássicas ou modernas, com as correspondentes literaturas, além de três outras matérias – Cultura Brasileira, Teoria da Literatura e Filologia Românica – que resultariam como básicas ou complementares segundo a concepção que orientasse as opções da escola ou do aluno, ou de ambos. O esquema proposto enseja uma gama de soluções a rigor imprevisível, dentro da idéia central de habilitar o estudante em (a) Português e em Língua Estrangeira clássica ou moderna, sempre com a s respectivas literaturas. Na hipótese mais corrente, (b) a segunda, o aluno estudaria as cinco matérias da parte comum (Língua Portuguesa, Literatura Portuguesa, Literatura Brasileira, Língua 43 Latina, Lingüística) e mais, por exemplo: Cultura Brasileira, um idioma estrangeiro (Francês, Espanhol, Italiano, Inglês, Alemão, Russo, Japonês, Grego, etc.) e a Literatura do idioma escolhido; ou, em se tratando de língua neolatina (v. g. Francês), Língua Francesa, Literatura Francesa e Filologia Românica; ou ainda, quando se atribuísse maior ênfase aos estudos clássicos, Literatura Latina, Língua Grega e Literatura Grega, surgindo um dos dois campos, Latim e Grego, como principal e outro como secundário, esse sem implicações profissionais; e assim por diante. Na hipótese de que o objeto da formação se circunscrevesse ao setor Português, a parte diversificada poderia também assumir coloridos especiais, através de combinações em que, por exemplo, ora predominasse o aspecto lingüístico (v. g. : uma língua estrangeira moderna, Língua Grega e Filologia Românica), ora se desse mais importância ao elemento literário (v. g.: Cultura Brasileira, Teoria da Literatura e Filologia Românica) e assim por diante. Nos exemplos até aqui, vimos todas as hipóteses apenas com um currículo mínimo expresso em “matérias”, genericamente consideradas e limitadas ao máximo de oito. Quer isso dizer que as possibilidades de variação, já em si amplas nessa lista nuclear, tenderiam a multiplicar-se com o desdobramento de tais matérias em disciplinas e os acréscimos que ao estabelecimento caberia introduzir a título “complementar”, para configuração do seu currículo “pleno”. Quanto à duração dos Cursos de Letras, o parecerista Chagas dizia que não haveria necessidade de modificar o prazo de quatro anos letivos em que vinham eles 44 sendo ministrados. Entendia que, ao contrário do que antes ocorria, esse prazo seria suficiente para uma formação, porquanto a área de habilitação profissional ficaria reduzida a uma ou duas línguas com as respectivas literaturas. As matérias pedagógicas gerais fixadas em resolução especial seriam pelo estabelecimento dispostas em seu currículo particular, dentro desses quatro anos letivos. Não haveria, portanto, lugar para um curso exclusivamente de “Didática”, visto que, até o último semestre do quarto ano, sempre estariam presentes algumas matérias de conteúdo. Em outras palavras, significava isso que licenciatura, já na época, não era entendida igual ao bacharelado plus Didática. O tempo e o esforço utilizados naquela, para a formação pedagógica, seriam neste empregados para intensificar o ensino das línguas e literaturas escolhidas em cada caso. Apresentei um pouco exaustivamente as interpretações do parecerista Valnir Chagas, que, na época, não foram incorporadas na sua totalidade, pois as considerei um avanço para aquele momento e porque hoje ainda se encontram no circuito das principais discussões sobre o currículo travadas na universidade brasileira e internacional. Em anexo (Anexo 6), apresento a grade curricular proposta pelo Currículo mínimo para o Curso de Letras, licenciatura plena, que nos mostra como essas discussões se operacionalizam e predominam até 2000. 45 Da UNISINOS, que inicialmente teve uma habilitação em Letras 1 o. grau, suspensa em 1976 (conforme Anexo 8), apresento, também a Grade Curricular que vigorou até 68, com a Lei 5540, que introduziu, entre outras coisas, o regime de créditos, mudando o perfil do aluno (aluno trabalhador), que podia ingressar na universidade cursando somente algumas disciplinas (Anexo 7). 4.4 O Curso de Letras, hoje, na UNISINOS Segundo documento elaborado pela Comissão de Revisão Curricular do Curso de Letras4, “o novo currículo do Curso de Letras da UNISINOS apresenta significativa reformulação em relação ao currículo em vigor, especialmente em função da oferta de duas novas habilitações: em Inglês e em Português/Espanhol. Reforça-se a formação humanística e didático-pedagógica, avanço que, integrado a diversas outras iniciativas, deve permitir que se ofereçam aos licenciados em Letras da UNISINOS maiores e melhores opções de atuação profissional.” (1998, p. 4). Esse mesmo documento5 diz que “o desafio que agora se apresenta ao Curso de Letras é o de promover sua modernização e qualificação valorizando os ensinamentos propiciados por 47 anos de uma bem –sucedida história” (2000, p. 5). Dentre as diferentes justificativas apresentadas para a reformulação atual do currículo, algumas merecem destaque: 4 nomeada pela Direção do Centro de Ciências da Comunicação / portaria n 017/98. Proposta de Revisão Curricular, Criação de Habilitações e alteração de turnos e número de vagas do Curso de Letras UNISINOS, maio 2000. 5 46 - a percepção – sintonizada com o redimensionamento da proposta de formação humanística de orientação cristã da Universidade – de que um curso superior, e especialmente uma licenciatura, não deve apenas ser espaço de construção de conhecimento, mas fundamentalmente de estímulo à criação de valores centrados no ser humano; - a necessidade de conferir maior flexibilidade ao currículo e de incorporar as 300 horas de prática de ensino aos cursos de licenciatura, conforme a nova LDB; - a necessidade de ampliar, no Curso, o espaço para atividades curriculares que integrem o desenvolvimento de competências e habilidades relativas à linguagem, à literatura e à prática docente; - a redefinição do perfil do egresso de Letras, elaborado pelos professores do Curso de Letras em 1998, por ocasião da reformulação de propostas de diretrizes curriculares enviadas ao MEC; - a grande flexibilidade que marca a proposta de elaboração das Diretrizes Curriculares para os cursos de Letras, formulada em março de 1999 pela Comissão de Especialistas de Ensino em Letras, nomeada pelo MEC; - os resultados das avaliações institucionais, que têm indicado aspectos positivos e negativos do Curso, conforme o entendimento de professores e alunos; 47 - a constatação de que grande número de alunos se afasta do Curso sem conseguir concluí-lo e de que os formandos de Letras levam em média 19 semestres para concluir seus estudos; - a necessidade de qualificar a formação em língua inglesa, solicitação que professores e alunos têm encaminhado à Coordenação do Curso há muitos anos; - a demanda por cursos de Letras que ofereçam uma habilitação (em língua materna ou em estrangeira), permitindo, assim, uma aceleração dos estudos em nível de graduação em função da delimitação de seus objetivos; - a necessidade de se oferecer habilitação em Espanhol em função do crescimento da demanda por profissionais que dominem a língua espanhola a partir da criação do Mercosul e da obrigatoriedade do ensino de língua estrangeira a partir da quinta série do Ensino Fundamental; - a necessidade de se manter a excelente avaliação externa do Curso, mas também de preparar-se melhor os alunos das habilitações em língua estrangeira, tendo em vista que o Exame Nacional de Cursos poderá passar a avaliar, em breve, o conhecimento dos alunos não apenas em língua portuguesa, mas também em línguas estrangeiras; 48 - surgimento de espaços profissionais que podem ser ocupados por licenciados em Letras que tenham excelente nível de formação e saibam aplicar suas competências e habilidades, tanto em contextos escolares como não-escolares; - a aceleração do processo de globalização, o que tem acarretado um incremento da demanda por profissionais que dominem mais de um idioma e, em conseqüência, de professores de línguas; - as evidências de que, numa sociedade onde o conhecimento tem se tornado o bem mais importante, o professor, e mais especificamente o professor de línguas, não tem encontrado um mercado de trabalho saturado como o de outras profissões, sendo o magistério apontado como uma das áreas profissionais do futuro; - as mudanças tecnológicas, que já têm produzido modificações no papel do professor, exigindo novas formas de conceber sua formação; - a constatação de que, através do incremento da qualidade de formação do licenciado em Letras, pode-se preparar professores que não apenas tenham condições de ocupar os melhores postos de trabalho existentes na área do ensino, mas também sejam capazes de ter uma ação positiva no combate às desigualdades sociais e às condições políticas, sociais, econômicas e culturais que têm limitado a vida e o trabalho dos educadores brasileiros. 49 As justificativas acima destacadas mostram uma preocupação em atender prioritariamente a demandas externas _ MEC, LDB, Provão, mercado de trabalho globalizado, mudanças tecnológicas _ embora a concepção de licenciatura contemple não só o "espaço de construção do conhecimento, mas fundamentalmente de estímulo à criação de valores centrados no ser humano", proposta de formação humanística da universidade. Isso talvez corrobore a justificativa de oferecer uma única habilitação (em Língua Materna ou em Estrangeira), para aqueles alunos que o desejarem, atendendo ao "aligeiramento" previsto pelo MEC. Por sua vez, o oferecimento da habilitação em Espanhol também é pragmático e visa atender às demandas do MERCOSUL e à obrigatoriedade do ensino de língua estrangeira a partir da 5ª série do Ensino Fundamental. Entretanto, não se pode deixar de registrar a preocupação da atual Proposta de formar professores que "sejam capazes de ter uma ação positiva às desigualdades sociais e às condições políticas, sociais, econômicas e culturais..." (2000, p. 78). Cabe, também, um destaque para o perfil de professor (p. 13-14) e as competências e habilidades (p. 14-15) esperadas do mesmo. Apresento, a seguir, um quadro síntese dos mesmos, agrupados em categorias por mim. 50 TABELA 1 - PERFIL DE PROFESSOR E AS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES PERFIL COMPETÊNCIAS E HABILIDADES *compromisso com a formação integral do I –Dimensão técnica ser humano; a) conteúdo b) metodologia *disposição permanente para aprender e II – Dimensão de prestação de serviços ensinar; *espírito solidário; III – Dimensão atitudinal *consciência ética; IV -Dimensão de relações interpessoais *consciência profissional; V -Dimensão de pesquisa *competência técnica; *competência comunicativa; *espírito investigador e crítico; *familiaridade com diferentes linguagens; *capacidade de incorporar avanços tecnológicos ao exercício da profissão; *criatividade; *versatilidade. Para ilustrar algumas das competências e/ou habilidades apresentadas acima transcrevo alguns exemplos da Proposta Curricular do Curso de Letras. 51 Da Proposta Curricular do Curso de Letras (2000): - na dimensão técnico-metodológica: “planejar, implementar e avaliar atividades de ensino e aprendizagem.” - na dimensão interpessoal: “trabalhar em equipe em projetos uni e multidisciplinares.” - na dimensão de pesquisa: “relacionar, em sua prática como professor, ensino e pesquisa (pesquisar sobre e para o ensino; ensinar sobre e para a pesquisa)”. Conforme anteriormente referido e exemplificado acima, o Curso de Letras, hoje, na UNISINOS, preocupa-se em atender às demandas do mercado e ao perfil de profissional proposto pela Comissão de Especialistas, não atendendo necessariamente à expectativa de seus egressos. Mesmo sendo um Curso bem avaliado pelo MEC, e quem sabe até por isso, ousa pouco. Sem dúvida, pode-se observar, olhando a nova proposta no seu todo, alguns avanços, que condizem com avaliações feitas por seus ex-alunos. Pode-se destacar entre elas: - “ênfase no estudo da língua como instrumento de comunicação e forma de interação social; 52 - o texto como objeto a ser conhecido pelo leitor”. (2000, p. 16). Essas duas concepções anunciadas no novo currículo e já vivenciadas por alguns alunos vêm atender a algumas críticas ouvidas durante as entrevistas: “A Língua é trabalhada de uma forma mecânica, instrumental...” (Entrevistada G1/A). “...(a academia) deve assumir a Língua Portuguesa como um meio de comunicação eficaz na interação entre as pessoas e não apenas um conjunto de palavras e regras sem sentido no dia-a-dia” (Entrevistada G1/A). 5 OS SABERES ACADÊMICOS6 E OS SABERES PROFISSIONAIS7 “Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo... Quanto fui, quanto não fui, tudo Isso sou... Quanto quis, quanto não quis, Tudo isso me forma...” (Pessoa, [s. d.], p. 12). Há uma relação de distância entre os saberes profissionais e os conhecimentos transmitidos no âmbito da formação universitária. Isso nos é mostrado pelas pesquisas8 e pela vivência enquanto professores e enquanto alunos. Segundo Tardif, “Esta distância pode assumir diversas formas, podendo ir da ruptura à rejeição da formação teórica pelos profissionais, ou então assumir formas mais atenuadas como adaptações, transformações, seleção de certos conhecimentos universitários a fim de incorporá-los à prática” (2000b, p. 11). 6 Saberes (conhecimentos) elaborados pelos pesquisadores da área de ciência da educação e incorporados nos cursos de formação universitária. 7 Conhecimentos, competências, habilidades, ...que são utilizados no trabalho diário do professor e construídos por ele. 8 Fenstermacher (1994), Tardif e Lessard (1999), Wideen et alii. (1998), Schön (1983), Zeichner e Hoeft (1996). 54 Com isso se quer dizer que a prática profissional não tem sido um espaço de “aplicação” dos conhecimentos universitários. O máximo que se tem feito, segundo essa compreensão, é filtrar o que interessa, diluindo e transformando os conhecimentos adquiridos, em função das exigências do trabalho. Os mais radicais chegam a afirmar que os conhecimentos universitários têm sido inúteis e sem relação com a realidade do cotidiano do professor e com os contextos concretos de exercício de sua função. Uma de minhas entrevistadas, filiando-se à primeira compreensão diz: “A prática mesmo se aprende na sala de aula, no dia a dia. O importante é que o professor não fique “parado”, ele precisa se atualizar. A academia é apenas a base” (Entrevistada G3/C). São fortes essas afirmações? A Universidade, efetivamente, não vem dando conta da formação de professores? Esse, de fato, é o lugar privilegiado dessa formação? Até que ponto nosso discurso não tem sido apropriado por “outros” (a partir de nós mesmos) para desqualificar a própria Universidade, a formação que aí se dá e o próprio professor? Pensar a formação de professores a partir da Universidade é fundamental. Isso, no entanto, implica olhar essa formação criticamente, no intuito de qualificá-la cada vez mais. 55 Sabemos que, no Brasil, as licenciaturas foram criadas nas antigas Faculdades de Filosofia, nos anos 30, com a grande preocupação de formar professores para a escola secundária. A fórmula “3+1” é que ainda predomina, ou seja, as disciplinas “pedagógicas”, com duração de um ano, justapõem-se às disciplinas de conteúdos, com duração de três anos. Os cursos de formação são idealizados segundo um modelo aplicacionista do conhecimento. Os alunos assistem a aulas “teóricas” de disciplinas fragmentadas e constituídas de conhecimentos proposicionais durante os primeiros anos, e, após, vão estagiar para “aplicarem” os conhecimentos (ou seriam informações?) em sala de aula. Segundo Wideen et alii, “...quando a formação termina, eles (alunos /professores) começam a trabalhar sozinhos, aprendendo seu ofício na prática e constatando, na maioria das vezes, que esses conhecimentos proposicionais não se aplicam bem na ação cotidiana” (Apud Tardif, 2000b, p. 13). Esse modelo de formação docente, sustentado numa racionalidade técnica, em que o professor é visto como um especialista que aplica, com rigor, as regras do conhecimento científico e pedagógico, pode ser descrito, também, pela analogia conhecida por “o curso de preparação de nadadores”, criada por Jacques Busquet, em 1974: “Imagine uma escola de natação que se dedica um ano a ensinar anatomia e fisiologia da natação, psicologia do nadador, química da água e formação dos oceanos, custos unitários das piscinas por usuário, sociologia da natação (natação e classes sociais), 56 antropologia da natação (o homem e a água) e, ainda, a história mundial da natação, dos egípcios aos nossos dias. Tudo isso, evidentemente, à base de cursos enciclopédicos, muitos livros, além de giz e quadro-negro, porém sem água. Em uma segunda etapa, os alunos-nadadores seriam levados a observar, durante outros vários meses, nadadores experientes; depois dessa sólida preparação, seriam lançados ao mar, em águas bem profundas, em um dia de temporal.” (Apud Pereira, 1999, p. 109). Os estudos têm mostrado, também, que, além de esse modelo aplicacionista ser ideológico e epistemológico, é um modelo institucionalizado através de todo um sistema de práticas e de carreiras universitárias. Isso me interessa, particularmente, uma vez que trabalho com uma das licenciaturas -Letras- e as práticas instituídas por essa carreira e a força / fragilidade desse campo de conhecimento; observo, ainda, em que medida os “conhecimentos” adquiridos na formação universitária foram ou estão sendo “utilizados” pelos professores na escola. Na maioria dos depoimentos de meus entrevistados, identifiquei que sua formação universitária, embora com algumas deficiências, tem influenciado satisfatoriamente na sua prática pedagógica. Parece consenso que os currículos de formação de professores baseados na lógica aplicacionista, até então predominante, na maioria das instituições, mostramse inadequados. A separação teoria e prática na preparação profissional, a prioridade da formação teórica em detrimento da prática e a concepção dessa como mero espaço de aplicação de conhecimento, sem estatuto epistemológico próprio, não são mais admitidas. 57 Essa constatação têm nos levado a pensar a formação em outras direções. Entretanto, devemos estar atentos, pois, em nome da urgência de se habilitar e requalificar professores, pode-se correr o risco de políticas de formação docente favorecedoras de aligeiramentos e improvisações, o que já vem ocorrendo. Sabe-se, hoje, que, enquanto profissionais, os professores são considerados práticos reflexivos que produzem saberes específicos ao seu próprio trabalho e são capazes de deliberar sobre sua prática a fim de objetivá-la e partilhá-la, aperfeiçoando-a sempre. Logo, a prática profissional não é vista, assim, como um simples campo de aplicação de teorias elaboradas fora dela: “ela torna-se um espaço original e relativamente autônomo de aprendizagem e de formação para os futuros práticos, bem como um espaço de produção de saberes e de práticas inovadoras pelos professores experientes.” (Tardif, 2000a, p. 59). Essa concepção vai exigir que a formação profissional seja para a prática, para a escola, e vai desafiar as instituições de formação a conceber e a adquirir saberes em estreita relação com a prática profissional dos professores nas escolas. Entretanto, esse modelo de racionalidade prática, tão difundido hoje, não pode ser confundido como formação em serviço. A redução da carga horária de cursos de formação inicial de professores, bem como a falta de embasamento teórico na formação, não é desejável e pode representar um retrocesso em termos de preparação desses profissionais: “O rompimento com o modelo que prioriza a teoria em detrimento da prática não pode significar a adoção de esquemas que 58 supervalorizem a prática e minimizem o papel da formação teórica. Assim como não basta o domínio de conteúdos específicos ou pedagógicos para alguém se tornar um bom professor, também não é suficiente estar em contato apenas com a prática para se garantir uma formação docente de qualidade. Sabe-se que a prática pedagógica não é isenta de conhecimentos teóricos e que estes, por sua vez, ganham novos significados quando diante da realidade escolar.” (Pereira, 1999, p. 114). Em suma, não basta valorizar o saber profissional dos professores para modificar o papel que lhes vem sendo atribuído comumente nos processos de definição e de seleção da cultura escolar. Academia e escola, em interação, têm muito o que aprender. Na verdade, o que está em jogo é a questão da identidade profissional, tanto dos professores quanto dos formadores de professores. 6 A CRISE DE IDENTIDADE DOCENTE: O PROFISSIONAL E A PESSOA NA RELAÇÃO COM O MUNDO Falar em crise de identidade do professor é cair no lugar comum. Sem dúvida, hoje, enfrentamos, todos os cidadãos, uma crise de significados da vida humana, das relações entre as pessoas, das instituições, das comunidades. Como isso repercute no professor? Para o professor isso é novidade? Sabemos que, desde sempre, a escola e o professor têm sido ora ovacionados como “apóstolos das luzes”, ora acusados de meros agentes de reprodução: “A causa do mal-estar dos professores prende-se, sem dúvida, à defasagem que existe nos dias de hoje entre uma imagem idílica da profissão docente e as realidades concretas com que os professores se deparam no seu dia-a-dia. Sem uma compreensão exata desta crise é impossível encontrar novos caminhos para a educação e os professores.” (Nóvoa, 1994, p. 23). É importante, ao examinarmos a crise de identidade dos professores, olhá-la em pelo menos duas direções: a primeira, externa à profissão, e a segunda interna à mesma. 60 A primeira tendência corresponde aos esforços de racionalização do ensino, que tem como objetivo controlar a priori os fatores imprevisíveis do ato educativo, tornando-o “racional” e os próprios professores, através da introdução, por exemplo, de práticas administrativas de avaliação. Os professores aqui são vistos como técnicos que aplicam rigorosamente idéias e procedimentos elaborados por outros grupos sociais ou profissionais; sua autonomia profissional é posta em causa. Uma de minhas entrevistadas expressa isso, ao dizer: “Tento fazer inovações, mas sempre que as proponho sou impedida pela direção ou coordenação, que alegam, para isso, a minha pouca experiência docente. Devo seguir as regras propostas. Sinto o controle em todos os espaços” (Depoimento entrevistada GA/4). Simultaneamente, é importante apontar uma outro componente desse mesmo processo, que alguns estudiosos têm designado proletarização do professorado e que é expresso pela intensificação do trabalho docente, com sobrecarga permanente de atividades: “A intensificação leva os professores a seguirem atalhos, a economizarem esforços, a realizarem apenas o essencial para cumprir a tarefa que têm em mãos; obriga os professores a apoiarem-se cada vez mais nos especialistas, a esperar que lhes digam o que fazer, iniciando um processo de depreciação da experiência e das capacidades adquiridas ao longo dos anos. A qualidade cede lugar à quantidade. Finalmente, é a estima profissional que está em jogo, quando o próprio trabalho se encontra dominado por outros atores.” (Apple & Jungck, 1990, p. 156). 61 Na voz de um dos meus entrevistados, percebe-se o reflexo dessa intensificação, quando diz: “Bem que poderia haver uma maneira diferente de corrigir textos e trabalhos de alunos. Isto é um inferno!” (Entrevistado B/G4). A proletarização docente é identificada e registrada pela maioria dos sujeitos ouvidos, não só quando expressam as dificuldades que enfrentam por isso, mas, também, quando se referem a colegas que desistem da carreira: “Conheço alguns professores que desistiram da carreira, e a maioria deles o fez por questões salariais” (Entrevistada G4/C). Um dos professores, que diz gostar da profissão, apesar da sua desvalorização, desabafa, percebendo que a questão salarial é conjuntural: “Há algum tempo atrás, ainda nos era permitido mudar de profissão, escolher algo que mais agradasse. Isso já não é possível, pois o custo de vida está alto e há muito desemprego no país. A economia não “permite”. Alguns colegas desistiram porque se sentiam desvalorizados ou não se adaptaram nem gostaram da carreira. Outros por decepção mesmo” (Entrevistada G3/B). A racionalização do ensino e a proletarização dos docentes, junto com a retórica da privatização do ensino, que implica um controle dos professores pelos “clientes”, são momentos de um mesmo processo de controle externo da profissão 62 docente. Segundo essa tendência, a saída da crise de identidade docente far-se-ia através de um nivelamento por baixo, de um esvaziamento das aspirações teóricas, de um controle rigoroso da profissão docente. Como se pode observar, essas práticas já estão em voga em programas de formação inicial e continuada de professores, bem como em muitas das medidas das atuais políticas governamentais de formação de professores. A segunda direção que quero destacar refere-se à crise de identidade examinada e/ou apontada pelos próprios professores. Essa tendência tem procurado vias distintas de saída da crise, buscando novos sentidos profissionais, reconstruindo identidades a partir de dinâmicas de desenvolvimento pessoal e de valorização profissional, sublinhando as dimensões reflexivas do trabalho docente. Obras e estudos sobre a vida dos professores, o stress e o mal-estar docente, as carreiras e os percursos profissionais, o desenvolvimento pessoal e profissional, inspirados pelos mais diversos objetivos, e defendendo essa tendência, têm tido um mérito indiscutível: dar aos professores a centralidade no debate educativo: “O professor é a pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor” (Nóvoa, 1994, p. 14). A forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional, ou seu processo identitário, define modos distintos de ser professor. Esse processo é único e complexo, e, graças a ele, cada um de nós se apropria do sentido de sua história pessoal e profissional: 63 “Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos séculos. Sabemos, ou pelo menos é razoável supor, que ele não pode seguir ad infinitum. O futuro não pode ser uma continuação do passado, e há sinais, tanto externamente, quanto internamente, de que chegamos a um ponto de crise histórica.” (Hobsbawn, 1997, p. 562). Estudar a crise de identidade do professor implica olhá-la na perspectiva de mudança; implica olhar criticamente essa profissão, como um momento fértil de reflexão e de reorientação da prática. Não interessa olhar esse momento de crise como um momento de perigo, pois, se o fizermos, corremos o risco de nos deixarmos envolver por uma atitude negativa, derrotista, imobilista, ignorando as alternativas de superação. Uma das entrevistadas aponta nessa direção: “...eu acho que a crise é importante, todo mundo fala que tem que ter crise pra crescer, pra desenvolver; concordo. [ ... ]Sempre tem que ter uma esperança, temos que correr atrás do que vale a pena, temos que saber o que queremos, para que e para quem...” (Entrevistada G3/B). Penso que isso é que tem levado muitos professores a superar seu mal-estar docente e, sem ignorar que são seres históricos e condicionados socialmente, lutarem por uma formação profissional mais qualificada. 7 A RUPTURA DO PARADIGMA ESCOLAR, A FORMAÇÃO VIGENTE E PERSPECTIVAS “A organização estrutural da instituição educacional permanece concebida em torno dos seguintes princípios: homogeneidade, segmentação, seqüencialidade e conformidade.” (Roldão, 2001, p. 127). Os professores desempenham a sua ação profissional no quadro institucional e organizativo dessa escola que Roldão nos refere acima. A sua história, formação, identidade e cultura como grupo profissional (Hargreaves, 1998; Fernandes, 2000) estão marcados pelos contextos históricos em que a profissão foi constituindo-se (Nóvoa, 1991; Carvalho, 1996). Inevitavelmente, os professores vão refletir e reconstruir os mesmos princípios paradigmáticos da instituição apontados por Roldão, ou seja (2001, p. 130): - a homogeneidade, transmissão uniforme de um determinado saber científico, elaborado por “especialistas”, em detrimento dos saberes construídos na prática profissional; 65 - a conformidade à norma, ao currículo concebido por outros em detrimento ao construído pelo professor; - a segmentação horária e disciplinar e o individualismo do trabalho docente; - a seqüencialidade orientada para o cumprimento seqüencial de normativos programáticos e para a seqüência de tempos e temáticas, em detrimento da construção de estruturas e referentes, também seqüenciais, porém como organizadores de construção do novo conhecimento. A forma disciplinar e seqüencial, como hoje, ainda, os currículos das licenciaturas, em geral, estão organizados, retrata os pressupostos apontados por Roldão. Contudo, é importante considerar algumas iniciativas, inclusive do novo currículo de Letras da UNISINOS, quando propõe atividades complementares e oficinas com intenção de romper com a estrutura rígida de tempos e temáticas. Pretende, com isso, estimular a participação dos alunos em experiências diversificadas, tais como: viagens de estudos, participação em eventos, participação em projetos de pesquisa e de extensão ligados à área de Letras, entre outras. Roldão diz que se trata, efetivamente, de substituir princípios que sustentam o paradigma escolar vigente e a própria formação de professores por outro conjunto de princípios que norteará um paradigma emergente de contornos ainda a definir. Aponto, a seguir, alguns indicadores que sinalizam para esse caminho e que compõem o “pano de fundo” de meu trabalho. 66 7.1 O professor como protagonista As pessoas são fundamentais na organização escolar; logo, elas são as protagonistas de sua ação. Cabe aos professores, aqui, um papel essencial, uma vez que são eles os mais permanentes que ficam e acompanham o desenvolvimento da instituição. São atores de primeiro plano. Embora reconhecendo que nem sempre lhes é dada a voz e que, muitas vezes, são malcompreendidos e mal-olhados, hoje sabe-se que, “sem sua participação, sem seu consentimento, seus saberes, seus valores, suas análises na definição de políticas de ensino, de organizar e gerir escolas, de propor mudanças na forma de ensinar, de definir currículos, projetos educacionais e formas de trabalho pedagógico, quaisquer diretrizes, por melhor que sejam suas intenções, não se efetivam. Sem o consentimento do professor, mudanças não se realizam.” (Pimenta, 2001, p. 36). Quando me refiro aos professores como sujeitos/protagonistas das práticas escolares, estou tomando o professor como alguém que pensa e age no mundo, a partir de seus sentimentos, do que faz e do que deseja como pessoa, e, por isso, como alguém que detém um saber. Touraine (1997) nos diz que o ator é aquele que se insere nas relações, que age, que transforma, que desacomoda, que não se deixa confundir com as instituições onde atua. Portanto, pensar o professor como produtor de saberes implica repensar as relações entre teoria e prática, implica dar estatuto teórico à prática docente. Tardif (2000c, p. 119) nos auxilia, quando diz que essa concepção de professor protagonista/ator, 67 “se opõe à concepção tradicional da relação entre teoria e prática, reconhecendo como saber somente o que está ao lado da teoria, enquanto a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber baseado em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas [...] um saber produzido fora da prática e de sua relação com a pratica é de mera aplicação.” (Tardif, 2000c, p. 112-128). 7.2 O professor como profissional da ação O professor é um profissional da ação cuja atividade implica um conjunto de atos que envolvem seres humanos. Logo não tem sentido impregnar sua ação como mero executor de decisões alheias e um instrumento eficaz de transmissão de informações. Cabe sim situá-lo e situar sua ação em uma racionalidade dialógica, interativa e reflexiva. Garrido, Pimenta e Moura, a propósito, dizem: “Na última década, a literatura sobre formação do professor reflexivo tem-se deslocado de uma perspectiva excessivamente centrada nos aspectos metodológicos e curriculares para uma perspectiva que leva em consideração os contextos escolares.” (2000, p. 92). Mais adiante, os mesmos autores continuam destacando que as organizações escolares são “produtos de práticas sociais, de valores, de crenças e de conhecimentos, movidas pelo esforço de procurar novas soluções para os problemas vivenciados” (2000, p. 92). A complexidade dos problemas que se colocam para a escola e para os professores exige cooperação, olhares multidimensionais e uma atitude contínua de investigação na ação e pela ação. Logo, isto implica, ao mesmo tempo, em assumir a educação continuada como meta e em entender a profissão como sede de 68 construção do saber. Para tanto, é necessário uma escola aprendente e qualificante para os que nela trabalham. Schön (2000), por sua vez, fala-nos da epistemologia da prática como resultado do conhecimento que os professores constroem a partir da reflexão sobre as suas práticas. Isso, também é fundamental, pois os saberes aí gerados não só qualificarão a própria prática docente, mas contribuirão para o desenvolvimento do conhecimento sobre a própria escola. 7.3 O professor como sujeito de responsabilidade e ética “Face à emergência cada vez mais acentuada das dificuldades por que passa a educação escolar brasileira, “o que fazer?” é a grande busca. Ora, quando pensamos em o que fazer, impõe-se imediatamente a questão de saber quem vai fazer: a quem cabe a tarefa de intervir na realidade?” (Vasconcellos, 2001, p. 111). Complementaria, perguntando: em que direção? Para quem? Estamos aqui lidando com a dimensão ética do fazer docente. “A ética tem um caráter reflexivo não normativo” (Rios, 2001, p. 103) e implica em uma maneira de agir, criar valores. Através dela, relacionamo-nos com o mundo criticamente, posicionando-nos e dando-lhe um significado. Os docentes são desafiados constantemente no seu cotidiano a agirem eticamente, para além de valores circunstanciais, em direção à realização do bem comum. 69 Conforme Rios; “falamos em dimensão ética da competência porque a competência guarda uma referência a algo de boa qualidade – a algo que se exercita como se deve ser, na direção não apenas do bem, entendido com múltiplas significações, como se verifica na moralidade, mas do bem comum.” (2001, p. 40). Portanto, para ser um bom professor, ou um professor competente, não basta dominar os principais conceitos da área de atuação, mas, sim, pensar criticamente no valor desses conceitos para inserção criativa dos sujeitos na sociedade: “Nesse sentido, a dimensão ética não é um elemento periférico nas ocupações e profissões de relações humanas, mas está no próprio cerne do trabalho. Como essa dimensão ética se manifesta concretamente no ensino?” (Tardif, 2001, p. 41). A primeira postura necessária exigida ao docente face à responsabilidade ética é o enfrentamento do problema. Nesse aspecto, pensa Vasconcellos (2001) que aí estão envolvidos questionamentos de cunho individual e/ou coletivo que se vinculam também com valores que estarão visíveis em nossas atitudes, nossa visão de mundo, nossas decisões, escolhas, etc Não é possível a transferência de responsabilidades, pois as mesmas são exigências de todos, professores, alunos, família e escola. Cada um, de diferentes lugares, tem o compromisso político de fazer frente aos desafios postos pelo dia-adia da sala de aula. 70 7.4 O professor como mediador “Quando o aluno está na escola, não está apenas se defrontando com o conhecimento acumulado (até porque poderia fazer isto em muitos outros lugares), mas sobretudo apreendendo como é que se lida com ele, tendo em vista o objetivo de maior emancipação humana. O professor desempenha neste processo o papel de modelo, guia, referência (seja para ser seguido ou contestado); mas os alunos podem aprender a lidar com o conhecimento também com os colegas. Aprende-se a pensar, ou, se quiserem, aprende-se a aprender.” (Vasconcellos, 2001, p. 58). A aprendizagem se dá na relação com o outro, e o professor junto ao aluno é o mediador entre o objeto de conhecimento e a realidade. Está aí a importância de nossa função docente, pois, para melhor trabalhar os assuntos das diferentes áreas do conhecimento (no caso, a Língua Portuguesa), é preciso, além de extrair os conhecimentos básicos e fundamentais, dar um sentido a esse conhecimento, a essas descobertas em conjunto. Do conjunto das entrevistas, retirei o desejo dos professores de serem valorizados como atores reflexivos e como sujeitos autônomos. Admitem que esse reconhecimento só se dará quando eles próprios se valorizarem como tal, e que a consolidação da carreira é que vai permitir, não sem tensões nem questionamentos, a construção desses novos princípios paradigmáticos. Reconhecem que, hoje, as exigências dos novos tempos provocam desafios de outro natureza: “A graduação bastava, hoje espera-se muito mais do que isso...” (Entrevistada G4/A). 71 “O quadro e o giz não podem mais ser as únicas possibilidades...a formação precisa valorizar o professor como sujeito, pois dessa forma, ele poderá considerar seus alunos como sujeitos...” (Entrevistada G2/B). “Conhecimento (Entrevistada G/). só não basta, pois lidamos com seres humanos.” 8 NA FALA DE UMA PROFESSORA; A TENTATIVA DE SÍNTESE “Não me arrependo do que fui outrora Porque ainda o sou.” (Pessoa, [s. d.], p. 40). A escolha de uma história de vida para sintetizar esta investigação pareceume adequada especialmente porque essa história está recheada de ingredientes que foram anunciados no trabalho e que são narrados de uma forma profunda e eloqüente por uma de minhas entrevistadas, que, depois de trinta anos de exercício de magistério, ainda se sente “motivada, desafiada, estimulada, entusiasmada, tranqüila e feliz...”. Mesmo não querendo ser “piegas”, acredito que depoimentos como esse nos dão esperança de uma formação que faça diferença, não sem contradições, tensões e condicionamentos. Esse depoimento, portanto, não está sendo usado como modelo, mas como síntese da maioria das outras falas que ouvi, tentando recuperar não só a história de formação do Curso de Letras da UNISINOS, mas a carreira de professores aí formados ou em formação. 73 Colocando em questão essa formação, no confronto com a prática profissional, examino, nessa história, possibilidades e limites, procurando quais as influências da carreira e dos saberes da formação e profissionais na decisão de essa professora, chamada por mim Eva, permanecer na sua profissão. - As fontes pré-profissionais do saber ensinar... “Eu não queria ser professora...“. A construção de nossa identidade pessoal e social é produzida pela socialização, pela inserção do indivíduo nos diversos mundos socializados (família, grupos, amigos, escola). Portanto, recuperar essa história pré-profissional é importante para enterdermos a própria prática profissional dos professores. Quando Eva nos conta sua história, diz: “Eu até pensei em ser médica, eu tinha escolhido a especialidade seria a oftalmologia...”. Mais adiante, conta por quê: “...eu usava aparelho nos dentes e tinha que viajar todas as semanas de Novo Hamburgo para Porto Alegre para fazer tratamento, e no chamado ônibus direto naquela época viajavam muitos profissionais que trabalhavam em Porto 74 Alegre. Entre eles, havia um médico oftalmologista, doutor Thomas, e eu ficava fascinada pelo que ele falava, e eu queria salvar vidas”. Continua dizendo o que mais queria ser: “Outra profissão que eu pensei em ter foi fazer advocacia, também achava que advogado, o advogado criminalista, aquilo era o máximo. Eu lia muito, e achava essas questões, decifrar enigmas e mistérios, achava isso uma coisa fantástica”. Traz também a influência familiar e escolar na escolha do Curso de Letras: “O fato de ter-me formado em Letras resultou do que meu pai me trouxe. Meu pai é uma pessoa que só conseguiu chegar até o segundo grau. Mas ele me ensinou precocemente a ler, eu com quatro, cinco anos eu já lia. Quando eu fui pra escola, como eu já sabia fazer aquilo que estava sendo ensinado, a professora me mandava para a biblioteca, então eu podia ficar lá fazendo outras coisas que me agradavam muito, e meu pai me ensinou precocemente outros idiomas, com noves anos de idade eu comecei a aprender francês”. Essas marcas em Eva tornam-se pontos de referência para ela, posteriormente, quando vai ser professora. Antes, porém, cabe contar como chega a essa „escolha‟ profissional, recuperando, também, sua entrada no Curso de Letras. Como tantos outros, essa 75 professora tornou-se professora pelas circunstâncias e oportunidades (ou falta delas): “E quando chegou a hora de estudar, meu pai era funcionário público no antigo IAPI (hoje é o INSS), nós não tínhamos recursos para eu ir morar em Porto Alegre. Naquela época, era difícil viajar todos os dias, eram muito limitadas as condições de transporte. E eu era ainda muito menina, porque terminei o segundo grau com 17 anos. Então, havia cuidados de parte de minha família, não era muito fácil. Como a UNISINOS, não era UNISINOS ainda, como a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Cristo Rei estava aberta ao público, eu resolvi, até por uma convicção que meus pais tinham de que eu tinha muito tempo na vida ainda para estudar, que eu devia começar por algum lugar, então eu resolvi fazer Letras na UNISINOS, por gostar muito de ler. Porque era cômodo, estava ao alcance do que os meus pais podiam pagar e pela proximidade com a minha casa. Também meu pai era muito amigo do Pe. Urbano Thiesen. Que foi, não foi o primeiro reitor, mas ele foi o fundador da UNISINOS, [...]”. Mais adiante, diz: “Eu fui fazendo Letras e não pensava em trabalhar, até que um dia estava estudando, digamos, por prazer. Até que um dia, nesse meio tempo, era necessário que alguém desse aula, numa escolinha, lá na vila Jaeger, no tempo do governador Leonel Brizola. Era uma escola que tinha sido fundada, aquela grande expansão de escolas que ele fez. A escola tinha sido construída e estava sendo aberta em 76 setembro. Bom, eu estava fazendo Letras, não tinha feito curso normal, tinha feito curso clássico. E me puseram a dar aulas em duas turmas, aceitei mais por desafio”. Os trabalhos dedicados a recuperar a trajetória pré-profissional dos professores defendem a idéia de que a prática profissional dos professores põe em jogo saberes oriundos da socialização anterior à preparação formal para o ensino. Autores como Carter e Doyle (1996), Raymond et alii (1993), Raymond (1998 a e 1998b) mostram que há muito mais continuidade do que ruptura entre o conhecimento profissional e as experiências pré-profissionais, de maneira especial aquelas que marcam a socialização primária (família e ambiente de vida), assim como a socialização enquanto aluno. Portanto, os saberes experienciais do professor de profissão decorreriam, em grande parte, de preconcepções do ensino e da aprendizagem herdadas da história escolar e familiar. - A entrada em sala de aula, as dificuldades, as influências, as concepções, os saberes ... “... E foi uma coisa muito, muito difícil para mim, porque percebi, na primeira hora, que não adiantava dominar a língua e conhecer alguma coisa sobre educação, ser intuitiva. Como eu havia cursado o Clássico, tinha uma certa vantagem, em termos de cultura geral, mas era uma nulidade quanto ao preparo para a atuação com crianças. Porque eu estava diante de duas turmas, uma funcionava das 7 horas às 9 horas e meia, alguma coisa assim. Aí havia um intervalo, e a outra das 10 horas 77 ao meio-dia. Duas turmas, uma era de alfabetização, e a outra era de terceira ou quarta série. A diretora da escola era uma pessoa que tinha problemas mentais, até ela faleceu cedo, então ela não podia, ela não conseguia orientar muito a gente. E eu fui tentando me entender com aquelas crianças e fui me apaixonando por aquele tipo de trabalho. Durou aqueles três meses, porque era um contrato provisório, no ano seguinte fiquei novamente sem trabalhar, porque eu não queria continuar. Fiquei muito angustiada e desamparada, porque não conseguia formar referências de conduta adulta nem entender os mistérios da ação docente. Cheguei a pensar em abandonar minha “pretensão de ser professora”. O impacto, o “choque com a realidade”, no dizer de Huberman, já mostra para a professora Eva o quanto a prática profissional lança ao professor desafios complexos: “Ao estrearem em sua profissão muitos professores se lembram de que estavam mal preparados, principalmente para enfrentar condições de trabalho difíceis, sobretudo do ponto de vista do interesse pela função, da turma de alunos, da carga de trabalho, etc.” (Tardif, 2000c, p. 229). O início da carreira constitui uma fase crítica em relação às experiências anteriores e aos reajustes a serem feitos em função das realidades do trabalho, levando, muitas vezes, à desilusão e ao desencanto... A fala da professora Eva também revela que, para exercer o ofício docente, exigie-se conhecimentos específicos e não só intuitivos. A descoberta dos alunos “reais”, que não correspondem à imagem esperada ou desejada (muitas vezes 78 apresentadas nas instituições formadoras), coloca à professora exigências e decisões importantes nessa fase inicial. Diferentes autores (Lortie, Zeichner e Gore, Apud Tardif, 2000b), (Apud Tardif, 1990) dizem que essa fase de exploração (do primeiro ao terceiro ano da carreira), na qual o professor faz uma escolha provisória de sua profissão, varia de acordo com os professores, pois pode ser fácil ou difícil, entusiasmadora ou decepcionante, e é condicionada pelas limitações da instituição. Segundo Gold (Apud Tardif, 1996) esta fase é tão crucial que leva uma percentagem importante de iniciantes a abandonar a profissão ou a se questionar sobre a escolha da profissão e sobre a continuidade da carreira. Continua Eva: “E aconteceu de novo...Recebi um convite de uma diretora de uma escola privada, a qual eu já tinha freqüentado quando criança, para substituir uma gestante. O ambiente era muito amigável, afetuoso e propício ao trabalho. Havia apoio pedagógico e espiritual, alegria e incentivo à criatividade....Fiquei encantada com o que podia acontecer numa escola, com a minha participação como docente. Embora ainda muito despreparada, fui estimulada a desenvolver o bom senso, a intuição e a responsabilidade...Devo à diretora a apresentação às possibilidades de realização que uma escola deve oferecer a seus professores, alunos e demais colaboradores”. Algumas pesquisas (Huberman, 1989) indicam que certas condições são necessárias não só para estrear na profissão com mais facilidade, mas também para a consolidação e a permanência na carreira, notadamente: ter turmas fáceis; um volume de trabalho que não consuma todas as energias do professor; o apoio da direção; colegas de trabalho acessíveis... 79 Chama atenção na narrativa da professora Eva como boa parte do que se faz na sala de aula tem de improvisação (“intuição, bom senso”). Tardif et alli (1991, p. 228) dizem, referindo-se aos saberes da experiência, que “os limites à atuação do professor não são problemas abstratos como os encontrados pelos cientistas [...] no exercício cotidiano de sua função os limites aparecem relacionados a situações concretas que não são passíveis de definições acabadas, e que exigem uma cota de improvisação e de habilidade pessoal [...]” e que “a experiência dessas limitações é formadora”. “E aí seguiu, minha vida não parou mais [...] E hoje poderia dizer que não há outro espaço tão gratificante para uma pessoa, onde ela consegue se realizar tanto, como na sala de aula. Porque ali a gente sente que pode levar uma pessoa de um determinado ponto do caminho até outro ponto, que a própria pessoa decide qual é. Porque é através do conhecimento que a gente tem, do exemplo que a gente dá, da orientação que a gente pode oferecer, que a pessoa consegue fazer esse deslocamento. Acho que outro espaço semelhante é o do médico, acho que ele também tem esse poder de transformar a vida, melhorar as condições de vida, ajudar a pessoa a suportar a dor, o sofrimento. E tanto o professor quanto o médico, na hora em que eles estão exercendo ali a sua função social, eles são donos absolutos, são os únicos responsáveis por aquele momento. E isso é alguma coisa indescritível, uma sensação de liberdade que a gente tem de agir. Liberdade e de responsabilidade, porque tudo o que a gente fizer ou deixar de fazer terá conseqüência, será impossível consertar”. 80 Nesse momento da narrativa, Eva recorre aos seus saberes pré-profissionais, às suas crenças, aos seus valores, às suas preconcepções construídas desde lá do ônibus que a trazia de Novo Hamburgo para Porto Alegre e que foram (são) reutilizadas na prática de seu ofício. A importância desse espaço formador influenciando sua prática profissional o professor e o médico se encontram no imaginário de Eva - servindo, quem sabe, para consolidar (justificar) sua escolha profissional. O prazer em ajudar os outros, a relação interpessoal, o exemplo são sempre saberes que perpassam os depoimentos dos professores e se constituem naquilo que Tardif chama de saberes personalizados, que são saberes apropriados, incorporados, subjetivados pelos docentes: “...nas profissões de interação humana, a personalidade do trabalhador é absorvida no processo de trabalho e constitui, até certo ponto, a principal mediação da interação.” (Tardif e Lessard, 1999, p. 216). A questão responsabilidade‟, da é autonomia, um outro expressa valor trazido por Eva pelos como „liberdade e professores...Diferentes concepções cercaram seus entendimentos e, de alguma forma, mostraram-me suas concepções de profissionalidade, suas idéias do que é ser professor. A visão de Eva confunde autonomia com a idéia de liberdade nos moldes liberais: “...eles (professores/médicos) são os donos absolutos do espaço onde atuam, ...isso é uma coisa indescritível, uma sensação de liberdade”, “...liberdade e...responsabilidade”. 81 Segundo Contreras, a autonomia precisa ser definida como “qualidade educativa”, diretamente ligada aos fins da educação. Essa forma de abordar a autonomia coloca em relevo o aspecto político da educação, apontando para a questão ética no desempenho de nossas funções. Conforme o autor, “não é uma capacidade individual, não é um estado ou atributo pessoal, mas um exercício [...] se constrói na dialética entre as convicções pedagógicas e as possibilidades de realizá-las [...] representa uma busca e uma aprendizagem contínua, uma abertura à compreensão e à reconstrução contínua da própria identidade profissional.” (Contreras, 1997, p. 65). Esse é um desafio para todos nós, professores, pois ainda associamos e restringimos autonomia à idéia de não-ingerência _ sentimo-nos “donos absolutos”...do espaço da sala de aula. - Os saberes acadêmicos e os saberes profissionais: o Curso de Letras e as rupturas provocadas pela prática docente... ”...Uma formação em Letras dá à gente uma série de janelas para o mundo, propicia o domínio da própria língua materna, e, no meu caso, o tipo de formação que eu tive, ainda o domínio de outros idiomas, que são janelas que dão acesso a outras culturas. Isso aparelha a gente muito bem pra poder lidar com o mundo atual. É algo que até hoje me favorece, que me distingue”. Mais adiante, diz: 82 “...ninguém consegue se formar bem em Português, se não conseguir ler em outros idiomas, para poder conseguir ler os livros, as pesquisas, as produções no original”. A professora Eva vai costurando sua narrativa mostrando a formação que teve, avaliando-a e propondo outras possibilidades para os Cursos de Letras. Continua dizendo: “...Eu aprendi a aprender, isso não é ajuda muita ou pouca, é toda a ajuda que a gente precisa. Inclusive a disciplina que hoje leciono nem meus professores sabiam que um dia ela existiria ou seria necessária...”. Vai contando como organizou a disciplina, de quais conhecimentos se valeu e termina dizendo: “...Isso eu não aprendi na academia, e nem sequer imaginava que um dia eu ia ser professora disso, mas, com os conhecimentos todos que eu tenho acerca da Língua e a facilidade em ler em outros idiomas, eu acabei criando uma disciplina para atender uma necessidade de meus alunos [...] Formulando hipóteses, testando, construindo com eles este novo conhecimento...”. Eva insiste muito na importância dos saberes específicos, sem esquecer que os professores lidam com seres humanos. 83 “...a gente precisa de conhecimentos básicos do idioma, da natureza do idioma, isto é fundamental...[...] e também a gente precisa um grande conhecimento sobre o ser humano”. Essas descobertas feitas por Eva vão-se dando ao longo de sua carreira; o domínio progressivo do trabalho leva a uma abertura em relação à construção de suas próprias aprendizagens, de suas próprias experiências, abertura essa ligada a uma maior segurança e ao sentimento de estar dominando bem suas funções. Num primeiro momento, esse domínio relaciona-se com a matéria ensinada, depois com a didática ou com a preparação das aulas, para chegar à compreensão de seus próprios alunos... - Os saberes dos professores carregam as marcas do ser humano... “...Eu trabalhei durante anos de minha vida imitando os professores que eu tinha tido. E cada vez estudando mais Português, mais Literatura, e...imitando os meus professores; quanto mais eu fazia isto mais atrapalhada eu me via diante das turmas...Com algumas era fácil, e com outras não havia progresso...E aí eu descobri que não sabia nada sobre Educação, e aí fui estudar”. “Nós tínhamos uma formação pedagógica no final do curso, umas noções de Didática, algumas coisas desse tipo, aquilo não era suficiente. E foi ali que eu descobri, naquela época, que a minha missão como professora não era ir dar aula show para os meus alunos, era qual o caminho que eu tinha feito para aprender determinadas coisas. Que não necessariamente seria o caminho que eles iriam 84 fazer. Mas passar para eles a idéia que eles tinham que ter um caminho para chegar às coisas que eles precisavam aprender. E no momento que eu aprendi isso, eu comecei a discutir com eles o caminho que eles faziam”. Além da crítica à sua formação, que é praticamente a mesma em quase todas as licenciaturas, Eva vai revelando suas concepções de aprendizagem e descobre que os seres humanos têm a particularidade de existirem como indivíduos que aprendem. Tardif nos diz a esse respeito: “A aquisição da sensibilidade relativa às diferenças entre os alunos constitui uma das principais características do trabalho docente. Essa sensibilidade exige do professor um investimento contínuo e a longuíssimo prazo, assim como a disposição de estar constantemente revisando o repertório de saberes adquiridos por meio da experiência.” (2000b, p. 17). Uma outra questão importante apontada por Tardif (2000b) e que reforça o depoimento da professora é que os alunos são seres humanos cujo assentimento e cooperação devem ser obtidos para que aprendam e para que o clima de sala de aula seja de tolerância e respeito com os outros: “...Então eu só consegui ficar boa professora de Português quando eu consegui entender as dificuldades das pessoas e consegui aceitar que cada uma delas tem um caminho diferente para chegar a um determinado lugar. Isso exige muito da gente, mas ao mesmo tempo é algo que marca tanto o professor quanto o aluno para sempre, porque é uma experiência profunda, única...”. 85 - Novas aprendizagens, críticas e perspectivas para a formação de professores de Letras... Narrando sua experiência, logo ao voltar de uma licença gestante, quando foi „premiada‟ com uma turma de repetentes, para quem nenhum professor queria dar aulas, fala sobre a idéia que teve de um trabalho interdisciplinar: “...Eu tinha na turma gente que tinha sido repetente em Matemática, em Português, não sei o que mais. Então eu resolvi fazer o seguinte: usar como textos para as aulas de Português os enunciados das disciplinas em que eles tinham fracassado. E aí nós trabalhamos com a hermenêutica dos problemas, como é que se interpreta um problema para poder chegar ao caminho. O texto de História, o que é principal, o que é secundário, ensinei-os a fazer um resumo. A mesma coisa para Geografia, a mesma coisa para Ciências. E eu acho que talvez tenha sido o melhor trabalho que eu fiz na minha vida. Foi ajudar aquelas pessoas todas a aprenderem a ler aquele tipo de texto, porque isso também quando eu comecei a trabalhar eu ia para a escola, e eu mandava os meus alunos lerem o livro x, até o dia tal, fazia uma porção de perguntas sobre. Eu nunca tinha me preocupado com o fato de que eles estavam no segundo grau, o pressuposto era de que eles sabiam ler. Se eles estavam na universidade, o pressuposto era de que eles sabiam ler. E aí eu descobri bem madura, já avançada na minha profissão, que ler não era uma coisa mecânica, e que a produção da leitura é alguma coisa complexa e pode ser treinada. E consegui ensinar muitos alunos meus a ler”. Eva mostra-nos o quanto o ensino que teve foi fragmentado: 86 “Então, no tempo em que eu fiz o Curso de Letras, como era um curso seriado, nós tínhamos aulas de várias disciplinas no mesmo dia, e cada disciplina ficava no seu território, e a gente tinha dificuldade de transferir o que aprendia numa para outra, essas costuras a gente é que tinha que fazer depois. Quando a gente estudava o Romantismo na Itália, o Romantismo na França, o Romantismo na Espanha, o Romantismo em Portugal, a gente perdia às vezes a noção de vista que aquilo era um movimento só e que havia muitas influências, e também, geralmente, cada professor produzia os seus exercícios focalizado naquele território”. Todavia, a professora observa que um professor destacou-se por já promover um ensino mais integrado, que lhe serviu na prática profissional futura como modelo: “...Com ele, que dava aula de Literatura Brasileira, Literatura Italiana e Estética, e fazia essa costura, eu aprendi, quando comecei a lecionar literatura, a trabalhar com pintura, com escultura, com teatro e também com alguma coisa de política, alguma coisa do tempo que se está vivendo. [...] eu tinha que movimentar o mundo das idéias de meus alunos. Eles tinham que pensar sobre as coisas, tinham que ter referenciais, elementos de comparação, tinham que fazer escolhas...”. Continua pensando alto: “...Professor tem que ler, tem que freqüentar outros espaços... tem que entender as mídias a que estão expostos os alunos...”. 87 “A academia deixa muito a desejar...Os alunos não conseguem ler o jornal...O que é que está acontecendo?” E continua respondendo à sua própria questão: “... Se a gente observa todo aquele conhecimento que a gente trabalha no Currículo de Letras...A gente vê que ele não é aplicável diretamente ao que a gente vai fazer em sala de aula”. Eva se dá conta, mais uma vez, do quanto a formação de nossos professores é prescritiva e desvinculada do real, e de que os professores precisam lançar mão de outros saberes para darem conta de seu ofício: “O que a gente vai fazer na sala de aula é: fazer com que a pessoa use a Língua Pátria, aquela que ela domina desde que aprendeu a falar, produzindo efeitos intencionais, fazendo acontecer coisas, em função das suas relações, do seu trabalho, como cidadão. E, para isso, ela precisa entender o que está escrito. As regras, os regulamentos, as oportunidades de diversão. Tudo o que está disponível, enfim, para a sociedade letrada”. Eva, quando desafiada a terminar a entrevista, fez questão de fazer um registro: “Destaco, nessas considerações, a influência positiva de pessoas admiráveis com as quais tive ou tenho o privilégio de conviver. Esses modelos de inteligência, 88 afetividade, competência, respeito pelo outro, capacidade de inovar e surpreender foram decisivos para que eu mantivesse elevado o moral e o meu nível de exigência. Entre essas pessoas, estão meus familiares, colegas de trabalho, muitos alunos, profissionais que a vida foi trazendo para o meu caminho, todos recebidos comouma graça de valor inestimável. Graças a eles, tem sido possível controlar o estresse, as frustrações, o desânimo e a preguiça”. 9 PARA ALÉM DA SÍNTESE: UMA TENTATIVA DE CONCLUSÃO “O mundo que nos cerca não é, apenas, uma criação do espírito; ele existe concretamente. É dele, pois, que devemos partir para construir outra coisa, isto é, outro mundo. (...) Quando consideramos a história possível e não apenas a história existente, passamos a acreditar que outro mundo é viável. E não há intelectual que trabalhe sem idéia de futuro. Para ser digno do homem, qual seja, do homem visto como projeto, o trabalho intelectual e educacional tem que ser fundado no futuro. É dessa forma que os professores podem tornar-se intelectuais: olhando o futuro.” (Santos, 1999, p. 12-14). Ao chegar ao final deste trabalho, posso afirmar que vi renovado em mim o desejo de ser professora. Ao ouvir meus entrevistados, dei-me conta de que me ouvia...Em muitos momentos, encontrava-me na história de cada um... Ao perguntar “o que mantinha qualificadamente o professor de Letras no exercício de sua função“, estava perguntando-me sobre minha escolha profissional e a minha permanência nesse ofício. Dei-me conta, como Santos (1995, p. 50), de que “todo conhecimento é autoconhecimento e portanto autobiográfico”. Estudar a formação de professores tem-se tornado, nos dias de hoje, um desafio, não só porque a produção sobre a temática tem sido intensa, mas porque 90 as novas políticas educacionais têm atropelado e invertido o que se vinha defendendo como formação de qualidade. Aligeiramento, improvisação e desregulamentação têm sido a tônica. Por outro lado, a racionalização e a privatização do ensino e a proletarização do professorado vêm agravando a crise identitária profissional. Penso que, sem considerarmos e compreendermos esse contexto, não podemos vislumbrar novos caminhos para a educação e para a formação de professores. Este estudo procurou, à luz desses condicionantes histórico-sociais, ouvindo professores de Letras, recuperar a história de sua formação e de sua carreira docente. Ao mesmo tempo, pretendeu examinar as influências dessa carreira e dos conhecimentos adquiridos na academia, na decisão desses profissionais de permanecerem professores. Acredito, como Gatti (1997), que as questões de formação de professores precisam ser enfrentadas no dia a dia da escola, anunciando o nosso compromisso de pensar o futuro: “Há um acúmulo de impasses e problemas historicamente construídos e acumulados que precisam ser enfrentados. Este enfrentamento não poderá ser feito apenas ao nível de decretos e normas, sob pena de repetirmos mais uma vez um comportamento recorrente em nossa história educacional e pouco produtivo, como mostram os fatos. Ele deverá ser feito sobretudo no cotidiano da vida escolar, e, para isto, nossa criatividade está sendo desafiada.” (Gatti, 1997, p. 89). 91 Hoje posso, ao realizar esta investigação, com a contribuição dos professores entrevistados e com o auxílio de vários estudiosos, afirmar que: - as fontes pré-profissionais (família, trajetória pessoal e escolar...) têm uma influência decisiva na carreira docente; - as instituições formadoras precisam ousar para além do legal, do técnicoinstrumental; - a lógica disciplinar, aplicacionista ainda predomina na formação docente; - existem saberes que são próprios ao ofício docente; - o objeto de trabalho docente são seres humanos; - os saberes docentes são plurais, heterogêneos, personalizados, situados e temporais; - os primeiros anos da carreira docente são cruciais para permanência ou não na profissão; - a estabilização e a consolidação da carreira, fase em que o professor investe e é reconhecido nela, estão circunscritas aos acontecimentos constitutivos que marcam a trajetória profissional, incluindo as condições do exercício da profissão; 92 - o professor real revisa a concepção de “professor ideal” e de “aluno ideal”, com o passar dos anos, com a prática docente; - a delimitação de competências e de território de atuação do professor só é adquirida ao longo da experiência de trabalho. Em suma: - os saberes que servem de base para o ensino não se reduzem a saberes cognitivos, mas são a um só tempo existenciais, sociais e pragmáticos; - é apenas ao cabo de certo tempo que o “eu pessoal”, em contato com o universo do trabalho, vai se transformando e se tornando o “eu profissional”. Caberia ainda, talvez, uma pergunta: - qual a contribuição efetiva deste trabalho para os Cursos de Letras?. Acredito que se a academia olhar o sujeito professor como protagonista, como alguém que reflete, que aprende e ensina, e se mantiver, cada vez mais, um diálogo com o professor profissional e com a escola, ela poderá qualificar o seu trabalho. A fundamentação teórico-epistemológica, que é a sua fortaleza e que é reconhecida por todos como fundamental, precisa ser preservada, mas penso ser 93 necessário intensificar pesquisas com o intuito de identificar os saberes profissionais dos professores tais como esses os utilizam e mobilizam no seu cotidiano. Isso significa que os professores universitários trabalhem em colaboração com os professores e que os professores das escolas venham para dentro da academia, não como expectadores, mas como sujeitos que têm o que dizer...A reflexão de todos sobre as práticas de ensino empreendidas, com certeza, contribuirá para a qualificação de todas as licenciaturas. Quanto aos conhecimentos específicos de Letras, ...a academia sabe melhor do que eu identificá-los... Basta (re)ler a nova Proposta do Curso de Letras da UNISINOS, à luz da história de Eva. 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APPLE, M. ”You don‟ t have to be to teach in this unit: Teaching, technology and control in the classroom”. In: HARGREAVES, A.; FULLON, M.. (Eds). Understanding Teacher Development. London: Cassele, 1991. p. 123-155. APPLE, M.; JUNGCK, S. No hay que ser maestro para enseñar esta unidad: la enseñanza, la tecnologia y el controle en el aula. Revista de Educación, [s. l.], n. 291, p. 156, 1990. ARROYO, Miguel. 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Lisboa: Educa, 1996. 11 ANEXOS Anexo 1a- Escolas – Dados 2a DE (hoje 2a Coordenadoria Estadual) 100 PESQUISA DE DADOS 2ª DELEGACIA DE ENSINO – SECRETARIA DE EDUCAÇÃO / SÃO LEOPOLDO – 1999 PROFESSORES DE PORTUGUÊS 5ª A 8ª SÉRIES = 83 PROFESSORES COM LICENCIATURA: 60 PROFESSORES SEM LICENCIATURA: 23 ESCOLAS DA REDE ESTADUAL ONDE ESTÃO LOTADOS OS PROFESSORES ESTADUAIS / LÍNGUA PORTUGUESA Escola Estadual 1º grau Emílio Boeckel Escola Estadual 1º e 2º graus Professor Pedro Schneider Escola Estadual 1o grau Incompleto Marechal Ilha Moreira Escola Estadual 1º grau Dr. Caldre Fião Escola Estadual Ensino Médio Polisinos Escola Estadual 1º grau Professor Augusto Meyer Escola Estadual 1º grau Firmino Acauan Escola Estadual 1º grau Emílio Sander 101 Escola Estadual 1º grau Villa Lobos Escola Estadual 1º grau Professora Helena Câmara Escola Estadual 1º grau Visconde de São Leopoldo Escola Estadual 1º grau Professora Haydée Mello Rostirolla Escola Estadual 1º grau Dr. Mário Sperb Escola Estadual de 1º grau Dr. João Daniel Hillebrand Escola Estadual 1º e 2º graus Olindo Flores da Silva Escola Estadual 1º e 2º graus CAIC Madezatti Escola Estadual Ensino Médio Cristo Rei Escola Estadual 1º e 2º graus Amadeo Rossi Colégio Estadual Professor Victor Becker Essa nominata das escolas da rede estadual do município de São Leopoldo, obtida junto à 2ª DE (hoje 2ª CRE), serviu-me de orientação no momento de buscar os sujeitos da pesquisa. Através dos nomes e localização das escolas procurei iniciar, então, os primeiros contatos. Optei por escolas que já possuíam algum tipo de vínculo profissional e/ou pessoal para facilitar meu acesso, contudo a secretaria do Programa de Pós – Graduação em Educação auxiliou-me na tarefa, encaminhando uma apresentação para agilizar esse intercâmbio. As escolas sublinhadas são as que fazem parte da pesquisa porque logo me acolheram; contudo, cabe registrar que percorri algumas outras onde não obtive êxito com as coordenações / supervisões ou, ainda, alguns professores não entendiam bem os pressupostos / objetivos da pesquisa em curso. Somente três dessas escolas foram selecionadas porque já preenchiam a amostra de professores / as previamente 102 estipulada para a realização do estudo, perfazendo um total de 16 (dezesseis) profissionais (12 licenciados e 4 em formação). Detalhando um pouco mais as características das escolas selecionadas, posso acrescentar, também, que uma única escola localiza-se no centro da cidade, sendo, inclusive, referência de ensino há muitas décadas na cidade de São Leopoldo. As outras duas escolas de bairro / periferia apresentam um bom trabalho também reconhecido pela comunidade. Anexo 1b – Mapa das Coordenadorias do Estado do Rio Grande do Sul Anexos 2 e 3 – Dados do Curso de Letras e Documentos Oficiais (UNISINOS/FFCLetras) Anexo 4 – Revisão bibliográfica sobre formação do educador Anexo 5 – Roteiro de entrevista Anexo 6 – Currículo Mínimo para o Curso de Letras Anexo 7 – Grades Curriculares 1970/1974