UMA ANÁLISE DO MEIO AMBIENTE NA PERSPECTIVA CRÍTICA E O SERVIÇO SOCIAL Francielly Rauber da Silva1 Simone Gonçalves de Oliveira² Vanessa Cairony Cardoso³ Questões Agrária, Urbana e Ambiental INTRODUÇÃO O presente artigo foi uma atividade avaliativa, realizada na disciplina optativa de Núcleo Temático de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Educação Ambiental: A questão urbana e o direito à cidade, ano letivo de 2014, tendo como objetivo principal analisar os elementos relevantes a compreensão da perspectiva marxista voltada a questão do meio ambiente. Tal objetivo surgiu, após a leitura da dissertação de Bourckhardt (2010), na qual utilizamos enquanto referência assim como, o Livro de John Foster, que trata sobre a perspectiva marxista e o meio ambiente. Partimos do pressuposto de que o trabalho é a relação do homem com a natureza, é através dele que o homem transforma a natureza e a si mesmo. Através do método dialético, Marx (1996) explica que o homem se relaciona com a natureza, com o objetivo de transformá-la, tendo em vista que é por meio dela que ele produz formas que satisfaçam suas necessidades. É importante destacar que Marx, não é um autor que discute das questões ambientais, ele se preocupou em nos mostrar a lógica do modo de produção capitalista, porém através dos seus estudos, é possível compreender como o meio ambiente ganhou um caráter de mercantil, visando apenas o lucro. 1. 1 A IDEOLOGIA CAPITALISTA Acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social do campus da UNIOESTE-Toledo. [email protected], 04598210809. ²Acadêmica do 2º ano do curso de Serviço Social do campus da UNIOESTE-Toledo. [email protected], 04599239524. ³Acadêmica do 2º ano do curso de Serviço Social do campus da UNIOESTE-Toledo. Bolsista do PET-Programa de Educação Tutorial. [email protected], 045 99892702. 2 O modo de produção capitalista (re) produz e eterniza as condições que forçam o trabalhador a vender sua força de trabalho para satisfazer suas necessidades do estomago e da fantasia. Não é ao acaso que o a força de trabalho ganha uma característica de mercadoria, pois o dono dos meios de produção, á compra. Entretanto, o que ocorre é a exploração desse trabalhador, que gera para o capitalista o acumulo de mais-valia, que é o valor excedente produzido pelo trabalhador. (MARX, 1996). De acordo com Braz e Netto (2009), a produção de mercadorias requer a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção, que obriga o trabalhador a vender sua força de trabalho e permite ao capitalista a extração da mais-valia, garantindo o objetivo final da produção capitalista e a obtenção de lucros crescentes. Segundo Pereira (1977), o processo de produção capitalista considerado em sua continuidade, ou como reprodução, não produz, portanto, apenas mercadorias, nem apenas a mais-valia, produz e eterniza a relação social entre capitalista e assalariado. A mercadoria é o ponto elementar da riqueza no modo de produção capitalista. Ela tem como principal característica, ser um objeto que segundo Marx (1996), satisfaz as necessidades humanas, seja ela proveniente do estomago ou da fantasia. Para Marx, cada coisa útil, pode ser encarada seguindo dois aspectos a qualidade e a quantidade, ou seja, descobrir os diversos aspectos e modos de usar das coisas é um ato histórico. Num segundo momento, Marx ainda nos mostra que a mercadoria tem sua utilidade, se tornando necessária para alguma coisa, ganhando um valor de uso. A utilidade de um objeto pode vir a ser a condição para ser trocado por outros. Portanto, a utilidade da mercadoria é determinada pelas propriedades do corpo da mesma “Esse seu caráter não depende de se a apropriação de suas propriedades úteis custa ao homem muito ou pouco trabalho. O exame dos valores de uso pressupõe sempre sua determinação quantitativa como dúzia de relógios, vara de linho, tonelada de ferro etc.” (MARX, 1996, p. 166). Os valores de uso são constituídos pelo valor material da riqueza, e se realizam a partir do momento que ocorre o consumo. Eles além de possuir utilidade, são objetos que ganham a possibilidade de troca, ou seja, valor de troca. A utilidade de um objeto vem a ser a condição para que haja a troca, entretanto esse uso não é o critério utilizado para estabelecer o seu preço. Pois a utilidade da mercadoria não é um fator quantitativo, tem caráter qualitativo. Não é possível avaliar através de números o quão útil vem a ser uma cadeira ou um casaco. Ou seja, os usos de um objeto dependem 3 exclusivamente de fatores que são subjetivos e não generalizáveis. O valor de troca da mercadoria tem que ser determinado através de um parâmetro que não esteja sujeito aos interesses e aos gostos de cada indivíduo. O modo de estabelecer o valor de troca da mercadoria é isolando nela algum fator objetivo e mensurável, que segundo Marx (1996) seria encontrado nas horas de trabalho empregadas em sua produção. É através do trabalho humano que é possível a criação de valores. Sem ele não seria possível tirar proveito imediatamente do que a natureza oferece, tendo em vista que o trabalho é a mediação, um processo de relação entre o homem e a natureza. Portanto, nessa forma de organização da sociedade capitalista, prevalece a ideologia do consumo que faz com que as pessoas aceitem e internalizem as necessidades e os imperativos do capital como seus próprios. Para Zacarias (2009), O “ser” é identificado com o “ter” e raramente se percebe que o modo “ter” não passa de uma das orientações possíveis e não o único modo de vida aceitável, pois adquirir, possuir ou obter lucro são direitos sagrados e inalienáveis do indivíduo na sociedade capitalista. Assim configurado o modo de produção, tudo passa a ser objeto de compra e venda. A lógica mercantil é generalizada também para o conjunto das relações sociais, que passam a ser entendidas como “relações entre coisas”. No modo de produção capitalista a exploração da força de trabalho é alienada há a exploração dos recursos naturais. A natureza é incorporada e submetida aos imperativos da reprodução capitalista na medida em que possibilita a redução dos custos de produção e a obtenção de lucros fáceis e imediatos. “Dentro do universo do capitalismo, o desenvolvimento das forças produtivas convertem-se em desenvolvimento das forças destrutivas da natureza e doa homens”. (ZACARIAS, 2009, p.136) Contudo, para Bourckhardt (2010), assim como as relações entre os seres humanos são coisificadas, a relação homem-natureza também se torna pragmática, pois a natureza também é transformada em mercadoria e sujeitada ás leis do mercado. Entende-se que essa relação pragmática com a natureza é acentuada e torna-se destrutiva na medida em que as necessidades humanas e a produção de mercadorias, onde sobressai o valor de troca que alimenta a lucratividade e o ciclo reprodutivo do capital. 2. A NATUREZA NO PENSAMENTO MARXISTA E A ALIENAÇÃO HUMANA 4 O materialismo histórico dialético se constitui, através da ação humana sobre a natureza, a partir do trabalho. Foster (2005), afirma que durante esse processo o homem transforma à natureza e a si mesmo, para suprir suas necessidades, tais quais, alimentação, vestimenta, moradia; encontrando na natureza a matéria prima, para a produção de objetos para si, e para a sociedade. Essa concepção de utilidade é encontrada em O Capital, onde Marx (1996) nos explica justamente essa questão de que todo valor de uso, visa dar conta das necessidades do estômago e da fantasia. De acordo com Foster (2005), o trabalho é antes de tudo uma relação entre o homem e a natureza, é o processo onde o homem media, regula e controla o metabolismo entre si próprio e a natureza, além de colocar em movimento as forças naturais, ou seja, o homem atua sobre a natureza externa, e modifica a si próprio, ou seja, “Marx entende por metabolismo social o processo por meio do qual a sociedade humana transforma a natureza externa e, ao fazê-lo, transforma sua natureza interna.” (FOLADORI, 2001, p.106). Para Foladori (2001), essa ação de transformar a natureza constitui o processo de trabalho, e seu efeito ocorre de acordo com as relações sociais impostas pela produção. Sendo assim, o homem se transforma juntamente com a natureza, tornando um ato de reciprocidade, com dependência total da mesma para sua objetivação no trabalho. Para Foster (2005), como antes supracitado existe uma interação metabólica entre o homem e a natureza, porém essa relação será rompida pelo capitalismo. Ainda de acordo com Foster (2005), a propriedade privada, instaurando a divisão do trabalho, separa o camponês da terra, de uma relação íntima e tradicional com o solo, provocando uma "falha metabólica" incontornável no modo de produção capitalista. Foladori (2001), afirma que essa teoria de renda do solo tem um papel importante nesse processo de conhecer essa ruptura com o metabolismo com a natureza. Por conseguinte, a relação predatória com a natureza, vista tão somente enquanto repositório de lucros em potencial. No modo de produção capitalista, a natureza se torna uma mercadoria. Onde a sociedade, utiliza a natureza, não mais somente para suprir as necessidades, mas para acumular lucros. Sendo assim, para Foster (2005) a produção capitalista causa um transtorno na interação entre o homem e a terra, ou seja, impede que o solo reveja os elementos que o constituem. Logo, ela vem a prejudicar a operação da condição natural da fertilidade duradoura do solo. 5 Foladori (2001), quando Marx traz sua teoria da renda do solo, tem o cuidado de afirmar sobre a moderna propriedade do solo, ou seja, nos mostra que no modo de produção capitalista o caráter do solo é diferente de todas as formas de renda pré-capitalistas. “As rendas anteriores, comunitárias, em tempo, em trabalho, em produto, ou, inclusive, em dinheiro, estavam reguladas pelo próprio trabalho agrícola.” (FOLADORI, 2001, p.108-109). Porém, Foladori (2001) completa que, no modo de produção capitalista do solo está regulada pelo lucro. Logo diante dos autores estudados compreendemos que, o modo de produção capitalista introduz uma ideologia dominante no ser humano, que faz com que ele se aprimore cada vez mais em suas ações, para que esteja sempre voltado ao sistema. Prega a liberdade do ser humano na sociedade, para que se torne criativo e invista sempre em novas tecnologias, em qualquer campo que esteja. Tanto na área rural, como na área urbana e a econômica, essa última como a principal que rege todas as demais. Segundo Foster (2005), os grandes latifúndios reduzem a população agrícola, gerando assim o êxodo rural, tendo sempre um crescimento na população industrial, ocasionando um grande amontoado nas cidades maiores. A indústria e a agricultura com características de agronegócio são resultantes do mesmo efeito, tendo em vista que, a primeira deixa seus resíduos e arruína o poder do trabalho, enquanto a segunda entra nessa mesma lógica, arruinando o poder natural do solo, “[...] elas se unem mais adiante no seu desenvolvimento, já que o sistema industrial aplicado á agricultura também debilita ali os trabalhadores, ao passo que, por seu lado a indústria e o comércio oferecem a agricultura os meios para exaurir o solo.” (FOSTER, 2005, p.219). Foster (2005), explica que o capital não teria condições necessárias para regular os danos causados ao solo, mesmo com suas tecnologias científicas, não haveria como conseguir reconstituir os elementos necessários do solo e de todos os danos que são causados à natureza. Essa é uma grande falha do sistema, que retira da natureza tudo o que necessita, mas não consegue suprir os danos, que muitas vezes são de médio impacto a desastrosos impactos ambientais. Contudo, consideramos que da mesma forma que o ser humano se torna alienado no seu processo de trabalho, ele também se aliena à natureza, de forma como se ela existisse, mas que o homem através das tecnologias criadas no modo de produção capitalista, se torna cada vez mais distante da natureza, não se sentindo responsável com os fenômenos que acontecem 6 nela - desastres ambientais, poluição do ar, rios e mares -, que podem ser de forma gradativa ou rápida, mais obviamente com a má ação humana. 3. O MEIO AMBIENTE NO AMBITO DO SERVIÇO SOCIAL Para iniciar a discussão que envolve o Serviço Social acerca da relação com o meio ambiente, é importante frisar que essa discussão ainda é um desafio muito grande encontrado no interior da profissão. Constata-se que a temática ambiental ainda está em fase inicial nas produções dos profissionais Assistentes Sociais, sendo elas em forma de textos, livros, artigos, dissertações e teses. Essa fase inicial, anteriormente mencionada, se refere tanto no campo quantitativo nas produções, como no campo qualitativo, ou seja, o conteúdo nelas apresentado. (BOURCKHARDT, 2010). Com uma análise mais aprofundada, é possível identificar alguns pontos insuficientes na fundamentação teórica sobre a temática ambiental. O primeiro ponto revela uma carência nas áreas de produções de análise crítica sobre modos de produção e sua apropriação ambiental. O que resulta no segundo ponto que diz respeito à inclusão da temática ambiental no processo de formação profissional, onde ainda são poucas as produções/ abordagens realizadas. E para finalizar esses dois pontos levam a um terceiro, o qual aborda a forma como ocorre à atuação profissional frente às demandas que lhe são apresentadas, em grande parte, reforçando o modelo produtivo vigente. (BOURCKHARDT, 2010). Bourckhardt (2010), em sua dissertação de mestrado faz uma seleção de artigos publicados por autores latino-americanos, trazido e publicado no Brasil em 2005. Diante disso, a autora afirma que os autores trazem um aspecto fundamental para esse debate. Tratase de assumir uma perspectiva interdisciplinar na área ambiental, considerando ainda a importância do profissional se capacitar, pesquisar e publicar sobre o meio ambiente. Destacase ainda, a compreensão do papel do Assistente Social como educador ambiental, existindo a possibilidade de considerar a educação ambiental como uma ação capaz de modificar comportamentos, hábitos e atitudes. Seguindo ainda a ideia da autora Bourckhardt (2010), é importante relatar a importância de integrar a educação ambiental as demais políticas públicas, e fazer uma crítica aos poucos esforços governamentais realizados para implementação de leis ambientais, 7 também havendo muito que se avançar nesse sentido. A autora ainda, conclui que há uma escassez muito grande relacionado com estudos aprofundados na temática do meio ambiente. Aproximando-se a definição e princípios dados a educação ambiental no texto da Política Nacional de Educação Ambiental, da Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999, sendo a mesma “Art. 1º. [...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. (BRASIL, s/p, 1999). Já de acordo com o Artigo 2o , é instituído que a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente também no ensino superior, de forma articulada, como nos demais níveis, em caráter formal e não-formal. (BRASIL, 1999). Como princípios básicos da educação ambiental, a Política Nacional de Educação Ambiental (1999) traz um enfoque humanista, holístico, democrático e participativo. Nos seus objetivos, é perceptível a concepção de meio ambiente considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio- econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade, assim como, a vinculação ocorrente entre a ética, educação, trabalho e as práticas sociais. A garantia permanência tanto no processo educativo como na avaliação crítica desse processo educativo; articular a abordagem nas questões ambientais locais, e em níveis nacionais e globais, e finalizando, com o reconhecimento e o respeito da pluralidade e da diversidade individual e cultural Em sua dissertação Bourckhardt (2010), cita a pesquisa realizada por Carnevale, onde os resultados de seus estudos demonstram o quanto a profissão precisa evoluir na temática ambiental, e destaca a importância dos Assistentes Sociais se debruçarem sobre o tema, debatendo profundamente as possibilidades de intervenção que contemplem a questão socioambiental. CONSIDERAÇÕES Contudo, esse artigo buscou relacionar a teoria social crítica de Marx com a questão do Meio Ambiente. Utilizando autores, como Foster, que nos mostra as relações metabólicas entre o homem e a natureza, podemos compreender a característica que a natureza ganha no modo de produção capitalista. 8 Outro fator a ser considerado, é a produção de pesquisas voltadas ao meio ambiente no interior profissional do Assistente Social, tendo em vista que, é uma área com pouca inserção do Serviço Social, entretanto é um campo aonde a discussão vem se engrandecendo, levando em consideração, que o desenvolvimento sustentável é uma nova preocupação da sociedade atualmente. Consideramos aqui, que é impossível um desenvolvimento sustentável enquanto o meio ambiente assim como o trabalho, tiver um caráter de mercadoria, perdendo suas características de interação e transformação do ser social e da natureza. REFERÊNCIAS BOURCKHARDT, Vandenéia. Fundamentos da análise marxista sobre a temática ambiental e o Serviço Social. 112 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. BRASIL. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Lei da Educação Ambiental. In: CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL (CRESS). Coletânea de leis e resoluções: Assistente Social: ética e direitos. 4. ed. Rio de Janeiro: CRESS-7ª região, 2003. FOLADORI, Guillermo. O metabolismo com a natureza. In: Crítica Marxista. São Paulo: Boitempo, 2001. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo7505folad.pdf . Acesso em: 12 de maio de 2014. FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Tradução de Maria Teresa Machado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. MARX, Karl. O Capital. Coleção Os economistas. São Paulo: Nova Cultura, 1996. Disponível em: http://meusite.mackenzie.com.br/monicayukie/bibliografia.pdf . Acesso em: 12 de maio de 2014 NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 5. Ed. São Paulo: Cortez, 2009. PEREIRA, Luiz. Capitalismo: notas teóricas. São Paulo: Duas Cidades, 1977. ZACARIAS, Rachel dos Santos. “Sociedade de consumo”, ideologia do consumo e as iniquidades socioambientais dos atuais padrões de produção e consumo. In: Repensar a educação ambiental: um olhar crítico. São Paulo: Cortez, 2009.