Relato de Caso Linfoma de tireóide: Descrição de dois casos com evolução distintas Samara Novak Maiorana do Val1 César Augusto Simões2 Emílio Lopez Couto3 Sérgio Monteiro Uchoa4 Luiz Antônio Della Negra1 Thyroid lymphoma: Report of two cases with different evolution RESUMO A incidência de um linfoma de tireóide é rara. O tratamento pode variar dependendo do tipo de linfoma e sua extensão, sendo mister a realização da tireoidectomia total ou parcial, para correto diagnóstico e tipificação. O objetivo desse trabalho é descrever a evolução de dois pacientes com linfoma de tireóide com subtipos diferentes tratados em nosso serviço. Em um dos casos, foi realizada apenas tireoidectomia total, no outro foram realizados traqueostomia, biópsia da tireóide, radioterapia e quimioterapia, estando ambos sem sinais de recidiva da doença até o momento, sugerindo que a extensão do acometimento e o subtipo do tumor não servem como fatores prognósticos isolados. ABSTRACT The thyroid lymphoma is a rare disease. The treatment depends on the subtype and the tumor extension. The aim of this report is to describe the evolution of 2 patients with different subtypes treated in our institution. The first one was treated only with total thyroidectomy, whereas the other needed tracheotomy, biopsy, chemotherapy, and radiation therapy. Both are with no evidence of disease, suggesting that the extension and subtype are not the only prognostic factors. Key words: Thyroid Cancer. Lymphoma. Descritores: Câncer da tireóide. Linfoma. INTRODUÇÃO RELATO DOS CASOS O linfoma de tireóide é uma lesão rara, variando de 0,5 a 6% das neoplasia malignas da tireóide1. Está relacionada à tireoidite de Hashimoto (27 a 100% dos casos), principalmente em mulheres acima 50 anos e é raro abaixo dos 40 anos1, quase sempre associados a hipotireoidismo clínico ou subclínico2. Dentre os linfomas primários de tireóide, são citados os Hodgkin, não-Hodgkin de grandes células, MALT de baixo grau, linfomas de células B com diferenciação plasmocítica, linfomas de Burkitt e linfoma gama delta, sendo que os linfomas B não Hodgkin são os mais freqüentes3. Raramente metastatizam e, quando ocorre, acometem estômago, intestino delgado e cólon2. Não existem, até o momento, trabalhos que estabeleçam de maneira definitiva e confiável o estadiamento dos linfomas primários desse órgão4. No geral, em doença confinada à tireóide, a sobrevida é de 75 a 85% em cinco anos. Quando extravasa a tireóide, a taxa cai para 35 a 45% e, quando dissemina a distância, cai para 5%5. Inúmeros estudos retrospectivos têm demonstrado a superioridade do tratamento combinado com radioterapia (RXT) e quimioterapia (QT) para linfomas primários de tireóide, sem ainda estabelecer um tratamento padrão para cada subtipo2,3,5. O objetivo desse trabalho é discutir a evolução de dois pacientes com linfoma de tireóide tratados de forma distinta. Caso1: Paciente feminina com 20 anos procurou serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, com queixa de aumento do volume cervical acompanhado de dor progressiva há seis meses. Ao exame físico, apresentava massa móvel à deglutição, fibroelástica e dolorosa. À tomografia computadorizada, observa-se grande lesão na tireóide (Figura 1). Figura 1 – Tomografia computadorizada pré-operatória. 1) Médico do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Mário Covas (SCCPHMC) e do Hospital São Caetano. 2) Doutorando em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Médico do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Mário Covas e do Hospital São Caetano. 3) Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Mogi das Cruzes e Médico do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Mário Covas. 4) Médico do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Mário Covas. Instituição: Hospital Estadual Mário Covas e Hospital São Caetano, São Caetano do Sul, SP, Brasil. Correspondência: César Augusto Simões, Praça Amadeu Amaral 47 conjunto 41 – 01327-010 São Paulo,SP. E-mail: [email protected] Recebido em 20/11/2007; aceito para publicação em: /2008; publicado online em: /2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 118 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 118 - 119, abril / maio / junho 2009 Evoluiu com dispnéia e estridor laríngeo, sendo submetida à traqueostomia de urgência no mês seguinte, ocasião em que foi realizada biópsia incisional da lesão. Não foi realizada a tireoidectomia total pela intensa área invasiva em estruturas adjacentes, temendo-se causar prejuízos irreversíveis para a paciente pelo tratamento da doença ainda sem diagnóstico. Durante esta internação, a paciente realizou um ciclo de QT citorredutora, utilizando Cisplatina 40mg/m2 e Doxorrubicina 60mg/m2, apresentando boa resposta, com diminuição da dor e tamanho da lesão em aproximadamente 40%. Após o diagnóstico da lesão, sugestiva de Doença de Hodgkin com esclerose nodular, firmado pela intensa presença de células T e expressão do CD 30, foram realizados quatro ciclos em 15 dias (D1 e D15), utilizando Adrimicina, Bleomicina, Vimblastina e Dasorbazina. No decorrer de um mês após a quimioterapia, a paciente já estava com o tumor quase todo involuído e, após um ano, foi retirada a cânula de traqueostomia, haja vista ausência de lesões (Figura 2). Após dois anos, apresenta-se sem linfonodomegalias e metástases à distância, com pequena fístula traqueo-cutânea sob programação cirúrgica (Figura 3). realizou tratamento adicional com RXT e QT indicados pela equipe da onco-hematologia, optando apenas pelo tratamento cirúrgico. Após cinco anos de seguimento, não apresentou qualquer sinal de recidiva da doença. DISCUSSÃO Em um dos casos, foi realizado apenas o tratamento cirúrgico e a paciente encontra-se sem recidiva da lesão cinco anos após a tireoidectomia total. No outro, foram realizados apenas traqueostomia e biópsia da tireóide, por existir intensa invasão traqueal e de estruturas adjacentes pelo tumor, sendo que, posteriormente, foi tratada com RDT e QT apresentando-se há dois anos e dois meses após o início do tratamento sem sinais de recidiva. Apesar de tratar-se de subtipos de linfomas diferentes (caso 1 – Hodgkin e caso 2 – MALT), a análise dos casos sugere que a extensão e o subtipo do tumor nem sempre determinam o prognóstico, devendo ocorrer bom senso por parte do cirurgião para indicar a melhor conduta, evitando cirurgias radicais, uma vez que a literatura, mesmo em grandes análises retrospectivas, não fornece dados significantes para um tratamento padronizado. REFERÊNCIAS Figura 2 – Tomografia um ano após o término do tratamento. 1. Lam KY, Lo CY, Kwong DL, Lee J, Srivastava G. Malignant lymphoma of the thyroid. A 30-year clinicopathologic experience and an evaluation of the presence of Epstein-Barr virus. Am J Clin Pathol. 1999;112(2):263-70. 2. Anscombe AM, Wright DH. Primary malignant lymphoma of the thyroid--a tumour of mucosa-associated lymphoid tissue: review of seventy-six cases. Histopathology. 1985;9(1):81-97. 3. Ansell SM, Grant CS, Habermann TM. Primary thyroid lymphoma. Semin Oncol. 1999;26(3):316-23. 4. Azambuja E, Azevedo SJ, Moreira R, Castro RC. [Non-Hodgkin's lymphoma in the thyroid: case report] Linfoma não-Hodgkin em tireóide: relato de caso. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2004;48(3):414-8. 5. Hamburger JI, Miller JM, Kini SR. Lymphoma of the thyroid. Ann Intern Med. 1983;99(5):685-93. Figura 3 – Fístula tráqueo-cutânea. Caso 2. Paciente masculino, com 37 anos, tinha queixa de aumento do volume cervical a direita há três meses. Ao exame físico, apresentava massa com 5cm, móvel à deglutição, fibroelástica e levemente dolorosa. Foi realizada PAAF, que apresentou diagnóstico inconclusivo. Foi indicada tireoidectomia total com congelação. O procedimento não teve intercorrências. Foi levantada suspeita de linfoma na congelação, posteriormente confirmada como linfoma MALT de baixo grau, com 4,1cm no seu maior eixo, sem extravasamento da cápsula tireoidiana. O paciente não Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 2, p. 118 - 119, abril / maio / junho 2009 119