Análise Institucional de Práticas Formais de Estratégia
Autoria: Clóvis L. Machado-da-Silva, Fabio Vizeu
RESUMO
O presente ensaio teórico endereça a questão do processo de institucionalização das práticas
formais de estratégia empresarial. Para tanto, adotamos a perspectiva institucional de análise
para verificar como os mecanismos normativos são utilizados por agentes sociais
significativos para a disseminação e a institucionalização de práticas formais de estratégia em
organizações. Por práticas formais de gestão estratégica definimos todas as ferramentas
gerenciais e conceitos formalmente instituídos de prática gerencial como pertencentes ao
processo de elaboração e viabilização da estratégia empresarial. Nesse sentido, destacamos o
processo de planejamento estratégico, disseminado especialmente a partir da década de
setenta do século passado como o modelo mais representativo da difusão e institucionalização
desse tipo de prática organizacional. Concluímos nosso ensaio levantando questões relevantes
para a pesquisa e para a prática no campo da estratégia em organizações a partir da relação
entre teoria e prática, com base na perspectiva institucional de análise.
INTRODUÇÃO
O campo da estratégia pode ser visualizado em pelo menos duas dimensões: a
dimensão dos estudos que são realizados pelos pesquisadores que integram o universo
acadêmico e a dimensão da prática organizacional. No presente ensaio teórico, partimos do
pressuposto que o campo da estratégia em organizações vem sendo dominado por uma visão
normativa e cultural-cognitiva da prática organizacional. Em outras palavras, as necessidades
pragmáticas e instrumentais das organizações empresariais vêm moldando a própria
formulação do conceito de estratégia e o desenvolvimento dos estudos na academia, o que
vem afetando a sua estruturação como campo de conhecimento.
Entendemos por visão normativa o que os profissionais mais influentes entendem o
que vem a ser estratégia e como orientam as ações organizacionais no sentido de seguir uma
forma de fazer e de seguir uma estratégia. Nesse sentido, os consultores organizacionais e os
escritórios de consultoria constituem os agentes estratégicos mais avançados a atuarem no
processo de estruturação da estratégia como prática organizacional. Além deles, são também
importantes escolas de negócios, os gurus da administração e o grupos profissionais que
integram o campo organizacional, além das agências governamentais reguladoras em uma
sociedade formalista como é a sociedade brasileira.
As organizações sofrem pressões ambientais constantes para se tornarem mais
homogêneas. Essas pressões são de natureza coercitiva, normativa e mimética como há
bastante tempo demonstraram DiMaggio e Powell (1983). Neste ensaio teórico, estamos
especialmente interessados em dois dos três mecanismos isomórficos: o normativo e o
mimético. O isomorfismo normativo liga-se estreitamente com a noção de papel social e as
expectativas dele decorrentes. Reconhece-se que os papeis sociais contêm as expectativas
valorativas de comportamento apropriado, moralmente desejado. A sua lógica, portanto, é a
de conformidade cultural, uma vez que está fundamentada em contexto social
espaciotemporalmente delimitado. Na perspectiva da organização formal ganha peso o papel
social do profissional. Nesse enclave social de predomínio da profissionalização o
compartilhamento de significados é orientado pelo conjunto de normas e métodos de trabalho
dos diferentes segmentos ocupacionais.
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Cabe observar que o mecanismo normativo está fortemente relacionado à dimensão
moral da sociedade. Como tal guarda estreita ligação com a cultura também pela dimensão
simbólica que condiciona os papéis sociais. O mecanismo mimético, por sua vez, contém
forte componente cultural em razão da existência de estruturas cognitivas. O conceito de
identidade social é fundamental, uma vez que se vincula a estruturas cognitivas. A lógica de
ação decorre de um conjunto de conhecimentos culturalmente difundidos e socialmente
aceitos, o que valoriza as noções de compartilhamento e de comunalidade. Em termos
propriamente organizacionais, o isomorfismo mimético refere-se à imitação de arranjos
estruturais e procedimentos levados a efeito com sucesso por outras organizações.
Em face do exposto, o objetivo neste ensaio é demonstrar que apesar da propalada
distância entre o mundo empresarial e o mundo acadêmico, as organizações empresariais
atuam com base em certa conformidade em relação aos parâmetros produzidos pela academia
ao tempo que influenciam a produção desses parâmetros. Academia e organizações
empresariais, portanto, são simultaneamente estruturadas e estruturantes na área de
administração em geral e da estratégia, especificamente. Assim, a relação entre teoria e
prática deve ser visualizada de maneira recursiva. Há sempre certo grau de aproveitamento do
que se produz na esfera acadêmica pelo enclave empresarial, assim como há sempre certo
nível de influência da esfera empresarial no enclave acadêmico.
Se tais afirmações de recorrência entre estrutura e ação, mediadas pela interpretação
dos atores sociais envolvidos, constituem possibilidade razoável, a questão do imbricamento
entre teoria e prática sempre ocorre. Sempre haverá circularidade entre teoria e prática, uma
vez que a relação é de dualidade entre ambas. Nessa linha de análise, as questões relevantes
devem ser endereçadas para quais teorias e quais práticas.
Tendo em vista as características da sociedade moderna, que valoriza o utilitarismo e
o pragmatismo, é de se esperar que a tendência seja a de valorizar no campo da teoria
administrativa aquilo que funciona. O que funciona tende a ser acompanhado de forte
conteúdo prescritivo. Como a academia é fragmentada em termos de produção de
conhecimentos, os profissionais acadêmicos que trabalham esquemas teóricos que funcionam
tendem a ser melhor assimilados pelo mundo empresarial, em especial no campo da
estratégia, bem como pelos profissionais que atuam em escritórios de consultoria empresarial
pela importância que atribuem à dimensão normativa, até mesmo por questão de
sobrevivência.
Na seqüência, o presente artigo está estruturado da seguinte forma. Logo a seguir
abordamos o tema da prática formal da estratégia em organizações. Na terceira seção,
tratamos das bases normativas da institucionalização da estratégia formal. As bases culturaiscognitivas são tratadas na quarta seção. Por fim, apresentamos as considerações finais com
algumas proposições para o desenvolvimento da estratégia como campo de conhecimento e de
ação.
A prática formal de estratégia
A estratégia visualizada como prática organizacional constitui proposição de alguns
institucionalistas para a compreensão do campo de conhecimento da estratégia empresarial,
entre os quais se destaca Whittington (2002). Apesar da acepção deste autor e de seus
colaboradores gerar certas controvérsias, não há como negar que a estratégia é uma prática
organizacional. Se tal assertiva é verdadeira a questão passa a ser como definir ambos os
conceitos e como relacioná-los. Machado-da-Silva et al. (1999) entendem que, em sentido
amplo, a estratégia corresponde a uma prática social usual na esfera de atividade relacionada
às organizações modernas. Como tal é condicionada pela relação entre instituição,
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interpretação e ação dos atores sociais significativos em cada situação espaciotemporalmente
delimitada.
Nesse sentido, Whittington (2002) considera a estratégia a partir de dois
pressupostos: a dimensão da ação social, que o autor denomina como prática, e a dimensão
da ação efetivamente levada a efeito pelo agente organizacional, que é entendida como práxis.
“Práticas são coisas que são feitas, tanto no sentido de aceitas como legítimas como no
sentido de praticadas por meio de um fazer que se repete desde um momento do passado.
Práxis é o que é atualmente feito, decorrendo daí o trabalho de strategizing” (p. 4).
Na perspectiva da prática, também podemos considerar que a estratégia empresarial é
uma palavra-chave da própria modernidade Whipp (2004). É algo presente em nossa
sociedade desde a gênese da organização empresarial moderna, como sugere o conhecido
estudo de Chandler (1962) sobre as grandes corporações dos Estados Unidos na virada do
século dezenove para o século vinte. Por isso, o estudo da estratégia empresarial deve
abranger as diferentes esferas concretas da prática para a sua formulação, disseminação e
implementação. Torna-se necessário entender o processo de tomada de decisão, os atores e
recursos envolvidos, bem como os aspectos interpretativos e relacionais que constituem os
componentes de contextualização das práticas (Machado-da-Silva, 2004).
Alguns autores identificam o campo da estratégia a partir da produção acadêmica
sobre o tema, tais como Whipp (2004) e Bowman (2002). Isto se deve ao fato de que o
discurso especializado e a prática sistematizada de desenvolvimento da estratégia foram
institucionalizados no meio organizacional a partir de agentes e da literatura produzida pela
academia. Tanto em termos de estudos explicativos como no que concerne a trabalhos
normativos sobre o tema. Cabe destacar, no entanto, que a relação entre o que se produz na
academia e o que se realiza na prática não acompanha uma lógica de transposição linearracional. A questão é mais complexa do que parece não apenas pela existência de diferentes
lógicas de produção de conhecimento no mundo acadêmico. Há que se considerar, também,
diferentes níveis de acesso e diferentes níveis de interpretação sobre aquilo que se produz na
academia.
Apesar do já antigo debate sobre a relação entre teoria e prática, que remete a
questões sobre tipos de conhecimento, produção do conhecimento e transferência de
conhecimento (Van de Ven; Johnson, 2006), não há como negar que de alguma forma o que
se produz na academia de administração chega ao mundo empresarial. Por meio de agentes
conhecedores ou não alguma forma de conhecimento chega às organizações e tende a ser
institucionalizado. São formas de fazer e de pensar, mesmo que sob o invólucro de receitas
prontas. Esses agentes podem ser, por exemplo, escritórios de consultorias e egressos de
cursos de administração de diferentes níveis como graduação, especialização, mestrado e, até,
de doutorado.
Nessa linha de raciocínio, vale a pena tratar brevemente da origem da área de
estratégia empresarial como campo de conhecimento. Diversos autores remontam a origem do
campo de estratégia empresarial em meados do século vinte, onde o contexto competitivo das
organizações altera-se fortemente devido aos significativos efeitos do pós-guerra para o
ambiente organizacional global (Ghemawat, 2000; Ansoff, Declerck, Hayes, 1981; Pettigrew,
Thomas, Whittington, 2002). Nesta perspectiva, um importante marco teórico foi a
remodelação da disciplina política de negócios, do curso de Harvard, com o lançamento, em
seguida, do livro síntese das novas idéias propostas. De acordo com Motta (1999), neste
momento surge no mundo corporativo a prática da visão estratégica, ou seja, a adoção do
conceito de estratégia de forma explícita. De acordo com o autor, esta nova perspectiva
conceitual foi revolucionária para a época, uma vez que sintetizava princípios para uma nova
forma de gestão dos negócios, centrada no longo prazo e na análise racional do contexto
ambiental e competitivo.
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Ao longo das décadas seguintes, esta nova perspectiva de negócios desenvolve-se
para além da proposição de novos insights para a gestão empresarial: surge a necessidade de
formalizar procedimentos específicos relacionados à elaboração da estratégia, bem como
sobre a condução do processo estratégico. É nesse sentido que vários autores atribuem à onda
do planejamento estratégico o momento decisivo de disseminação e consolidação do campo
institucional das práticas de estratégia empresarial. A esse respeito, Motta observa:
O planejamento estratégico aparece numa época em que a visão predominante na
teoria administrativa, ainda, era a de explorar ao máximo as dimensões racionais da
gerência para dominar as ambigüidades que surgiam no ambiente. Essa visão
valorizava o aperfeiçoamento de métodos racionais de ação administrativa para
produzir maior eficiência e eficácia na antecipação de mudanças. O planejamento
estratégico viria, assim, preencher a necessidade de se utilizar métodos mais
racionais e analíticos na criação de futuros alternativos. A ênfase nesses métodos foi
de tal ordem que praticamente se inaugurou um novo campo de estudos na
administração. (Motta, 1999, p. 85)
Em seu texto sobre as diferentes escolas de pensamento estratégico, Mintzberg,
Ahlstrand e Lampel (2000) denominam a chamada escola do planejamento como aquela que
concebe a formação da estratégia como um processo formal. Isto se dá pelo traço marcante
dessa escola ser a ênfase na formalização de procedimentos, de formulação e de
implementação da estratégia: quer pela estrita delimitação de etapas de operacionalização da
análise, formulação e implementação, quer pela proposição da formalização de cargos
específicos para a execução dessas atividades. Neste último ponto, destaca-se a figura do
planejador profissional, o cargo idealizado para atender as novas demandas de análise
estratégica. Todavia, os diretores de topo da organização também foram associados às novas
atividades gerenciais inauguradas pelo planejamento estratégico. Nesse sentido, há nítida
divisão de trabalho e atribuições entre os executivos principais da organização e os técnicos
planejadores. A propósito das idéias da escola de planejamento no que se refere a esses
papéis, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, p. 51) comentam:
...o executivo principal deveria permanecer como arquiteto da estratégia – em
princípio. Mas na prática, este arquiteto não deveria conceber os planos
estratégicos, mas sim aprová-los. Isto porque juntamente com o planejamento
vinham os planejadores, os principais participantes do processo de acordo com esta
escola.
As práticas formais de estratégia são observadas como importante elemento de
coesão do campo da estratégia. Conforme Whittington (2002), a importância da prática formal
se dá pelo fato delas serem especificamente formatadas por grupos de referência de uma
comunidade relevante, tais como firmas de consultoria, governo, escolas de gestão, empresas
lideres. As práticas particularmente delimitadas pela contingência específica de uma firma
geralmente correspondem ao que o autor diferencia como práxis e são difíceis de serem
observadas em pesquisas científicas, justamente por serem específicas.
Bases normativas de institucionalização da estratégia formal
Sob o ponto de vista normativo, a estratégia formal pode representar importante
elemento de legitimação para um grupo de referência, para uma rede interorganizacional de
um ramo, setor ou campo ou mesmo no nível societário como o Estado ou a sociedade civil.
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Também no plano interno da organização onde a adoção de mecanismos formais vinculados
às concepções de agentes organizacionais-chaves, como o nível dirigente, permite melhor
aceitação de decisões e medidas específicas.
Relevante aspecto normativo das práticas formais de estratégia diz respeito ao fato
delas constituírem, muitas vezes, práticas cerimoniais. A adoção cerimonial de práticas
gerenciais tem sido considerada por autores institucionalistas como um ato de conteúdo
simbólico, onde os motivos por trás deste comportamento consistem na legitimação do ator
perante uma comunidade de referência (Meyer e Rowan, 1977). Neste caso, o termo
cerimônia é dado no sentido de aparência, onde aquilo que se supõe ser o principal resultado
esperado pela ação empreendida não o é de fato.
Nas práticas gerenciais cerimoniais, a adoção delas não ocorre no sentido de
aumentar o desempenho gerencial, mas sim com o objetivo de se conformar aos critérios
normativos e/ou cognitivo-culturais do campo institucional de referência. É interessante notar
que, em alguns casos, a adoção de práticas gerenciais no sentido cerimonial pode mesmo
gerar efeitos não condizentes com os conceitos de eficiência e eficácia gerencial (Caldas e
Vasconcelos, 2002). Apesar disso, estudiosos do campo da administração estratégica
observam que “a eficiência da estratégia nunca esteve em dúvida” (Whipp, 2004, p. 232). Na
verdade, o próprio uso da palavra estratégia é dado no sentido de legitimar práticas
organizacionais, onde o termo apresenta conotação positiva às atividades e ações associadas a
ele, propiciando por si só maior status (Whipp, 2004; Motta, 1999).
A despeito de ser crescente o ceticismo sobre a capacidade dos processos formais de
estratégia garantirem bons resultados gerenciais (Mintzberg, 2004), a adoção das práticas
formais de estratégia continua expressiva (Whipp, 2004). Tal adoção envolve a questão de
legitimidade perante importantes grupos de referência, como os acionistas, profissionais de
classe, escolas de negócios, gurus da administração, firmas de consultoria, e assim por diante
(Whittington, 2002). Um forte indicativo da adoção cerimonial de práticas formais de
estratégia é o fato de que grande parte dos programas de planejamento estratégico não é
efetivamente implementado.
O argumento de Mintzberg (2004) para tal constatação difere da idéia defendida no
presente artigo de que o planejamento representa também uma prática cerimonial. Para ele a
lacuna entre planejamento e implementação indica uma crise da abordagem formalística da
gestão estratégica, presumida como decadente a partir da década de 80 do século passado.
Todavia, a manutenção dos programas de planejamento estratégico nas décadas seguintes e a
força dessa ferramenta formal na literatura de gestão demonstram ser inadequado o
diagnóstico de falácia do planejamento estratégico como elemento de legitimação, apesar de
ser possível o seu questionamento do ponto de vista da eficiência e da eficácia. Além disso, a
formalização das práticas de gestão estratégica cresce cada vez mais no mundo empresarial, o
que sugere um comportamento mimético, já que este crescimento não ocorre pela certeza da
efetividade gerencial dessas práticas.
Nessa linha de análise, Whittington (2002) destaca que um importante grupo de
referência para o desenvolvimento institucional de práticas formais de estratégia são os
consultores e/ou os escritórios de consultoria. Algumas firmas de consultoria se destacaram na
história da popularização do conhecimento e da prática da estratégia empresarial. Um das
mais célebres delas é a Boston Consulting Group (BCG). Fundada por Bruce Henderson, um
homem de grande prestígio gerencial nos Estados Unidos, o BCG teve como principal fator de
desenvolvimento a idéia de estratégia. Na virada da década de 60 para a de 70 do século
passado cresce rapidamente, tornando-se uma das maiores firmas da atualidade. Mesclando a
ousadia e inovação no meio empresarial com o oportunismo de reconhecer o quanto a
estratégia servia aos propósitos da época, a BCG foi importante construtora da visão
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estratégica no mundo empresarial. Ressalte-se que ela também foi construída pela mesma
idéia e prática, projetando-se a partir delas. Sobre esta questão, Stern e Stalk (2002, p. 14)
afirmam o seguinte:
Bruce – e o The Boston Consulting Group sob sua liderança – pretendiam nada menos
do que mudar a maneira como o mundo dos negócios avaliava a concorrência. O
veículo era a estratégia. Apesar de alguns preconceitos fundamentais terem sido bem
desenvolvidos e aceitos na esfera militar, estavam espantosamente ausentes do
pensamento comercial quando Bruce fundou o BCG em 1963. Desenvolver a
disciplina da estratégia nos negócios garantiu um lugar de honra para Bruce no
panteão dos negócios e impulsionou o BCG de uma operação com um único homem
para a organização de três mil pessoas espalhadas por todo o mundo atual.
Todavia, a projeção da BCG não se deu meramente pelo fato da estratégia ser um
conceito considerado excepcional. Ao que parece, a capacidade de agência de Bruce
Henderson em decodificar a nascente abordagem acadêmica da estratégia para os práticos do
mundo empresarial foi fundamental, como sugere o seguinte trecho:
Para ajudar os executivos a tomar decisões estratégicas eficazes, o BCG aproveitou a
base de conhecimento existente nos meios acadêmicos: Seymour Tilles, um dos seus
primeiros funcionários, tinha lecionado no curso de Política de Negócios da Harvard.
O BCG também partiu numa nova direção, descrita por Bruce Henderson como ‘o
negócio de vender poderosas simplificações’. Na verdade, o BCG veio a ser
conhecido como uma ‘butique de estratégia’ (...). O uso de um conceito único foi
valioso porque ‘em quase todas as resoluções de problemas há um universo de
alternativas, a maioria das quais deve ser descartada sem merecer mais do que uma
atenção superficial’ (Ghemawat, 2000, p. 22).
Assim, o sucesso da BCG e das outras firmas de consultoria em estratégia deve-se
antes pela sua capacidade de simplificação dos novos conceitos e práticas revelados pelo meio
acadêmico do que pelo potencial das idéias em si mesmas. Nesse sentido, Henderson
vislumbrou o potencial prático dos conceitos. Em relação a complexidade imanente ao
processo decisório da prática empresarial, Henderson afirmou o seguinte: “o quadro de
referência mais útil é o conceito. O pensamento conceitual é o esqueleto – ou a estrutura –
sobre o qual todas as outras opções são feitas” (Henderson apud Ghemawat, 2000, p. 22).
Nessa trajetória, importante medida da BCG na consecução de simplificações e
aplicações do conhecimento gerado pelos estudos acadêmicos através de conceitos e modelos
simples foi a publicação regular de textos simples, como a designação de Perspectivas (Stern
e Stalk, 2002). Apesar dos associados da BCG acreditarem ter sido o sucesso desses textos
ocasionado pela sua consistência e originalidade, na verdade, seu grande impacto no meio
empresarial se deve ao fato destas publicações servirem como síntese e promoverem clareza e
simplicidade no entendimento de novos processos e práticas e gestão. Como afirmam Stern e
Stalk (2002, p. 14), o fundador da BCG referia-se às Perspectivas como “um golpe no meio
dos olhos”.
Outro importante aspecto sobre as consultorias enquanto referência normativa no
processo de institucionalização das práticas formais de estratégia é a relação das consultorias
com outros avaliadores da prática organizacional. Na verdade, existe mesmo uma relação
intrínseca das consultorias de planejamento estratégico com a escola de Administração de
Harvard, tendo em conta que as mais importantes firmas de consultoria do campo da
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estratégia têm em seu corpo de consultores professores ou ex-professores da escola
(Ghemawat, 2000; Kipping, 2002).
Vale destacar que um dos fatores da proeminência das consultorias na disseminação
do pensamento estratégico foi a legitimidade que alcançou junto às grandes corporações
norte-americanas. Esta influência se consolidou especialmente pelo avanço do mercado de
consultoria no pós-guerra, que se desenvolveu para atender a demanda por planejamento
orçamentário e pelo crescimento das novas organizações multifuncionais (Kipping, 2002).
Assim, podemos dizer que as consultorias especializaram-se no planejamento
estratégico e, ao assim procederem, contribuíram para a profissionalização das práticas da
estratégia, cumprindo um papel decisivo na construção institucional desse campo
organizacional. Salta aos olhos, pois, a profissionalização, no sentido estrito, enquanto
aspecto normativo fundamental no processo de institucionalização de práticas
organizacionais, corroborando a concepção de DiMaggio e Powell (1983).
Bases cognitivo-culturais da institucionalização da estratégia formal
As referências cultural-cognitivas que possibilitaram a institucionalização das
práticas formais da estratégia empresarial foram nada mais do que alguns dos mais
importantes pressupostos institucionalizados na modernidade. Na verdade, essas referências
correspondem às instituições, que emergiram com o advento da administração moderna na
virada do século dezenove para o século vinte. Dois aspectos são os mais significativos para
considerarmos em nossa análise das práticas formais da estratégia: a institucionalização da
atividade de planejamento enquanto função elementar do administrador moderno e o
pragmatismo norte-americano com sua ênfase no utilitarismo econômico.
No que concerne ao segundo aspecto, autores de várias áreas nas ciências sociais
vêm demonstrando ser o utilitarismo econômico elemento fundamental na tessitura das
diferenças entre as instituições políticas da sociedade norte-americana e àquelas nos países
europeus. Em específico, a diferença entre o welfare state europeu e o neoliberalismo político
norte-americano, bem como nas diferenças nesses contextos nacionais, entre outras,
importantes instituições da esfera pública. Além disso, o utilitarismo econômico representa
em si mesmo uma referência tanto normativa como cultural-cognitiva, institucionalizada que
foi na modernidade, sob a égide de pensamento econômico universal (Polanyi, 1975).
A atividade de planejamento na gerência das organizações modernas sistematiza-se
através dos autores da escola clássica do pensamento administrativo. Nos trabalhos de Fayol
(1970), o planejamento eleva-se ao status de uma prática essencial na função administrativa e,
por isso, correspondia a uma atividade privilegiada na obtenção de desempenho superior.
Todavia, é graças ao taylorismo que esta prática dissemina-se aceleradamente na primeira
metade do século vinte. Tendo por principal fundamento a separação entre o planejamento do
trabalho e a sua execução, Taylor redefiniu o papel do administrador, propondo a expansão
das atividades funcionais dele para além da simples supervisão do trabalho operário. Nesse
sentido, podemos considerar que o administrador dos Estados Unidos na virada do século
dezenove para o século vinte deixa de ser um capataz do operário e passa a ser um planejador
do trabalho produtivo (Braverman, 1981; Motta e Vasconcelos, 2004). Ainda, pode-se
considerar que a função de planejamento enquanto atividade essencial do administrador
contribuiu sobremaneira para a significativa elevação do status do administrador nas
sociedades contemporâneas. A esse respeito, Motta e Vasconcelos ( 2004, p. 37) afirmam:
...a importância do administrador aumenta sobremaneira na teoria de Taylor. Antes,
ele participava da produção apenas em pequena escala, agora sua participação é
infinitamente maior, já que precisa planejar exaustivamente a execução de cada
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operação e de cada movimento. Os administradores que agora teriam um papel
muito mais importante existiriam em número muito maior, seriam os cabeças do
processo. Aos operários caberia apenas executar estritamente as operações
planejadas.
As bases da consolidação do planejamento enquanto prática administrativa essencial
residem em grande parte no cientificismo moderno. A idéia de racionalização do trabalho
proposta pelo taylorismo relaciona-se com o ethos cientificista da época (daí a idéia de
administração científica), especialmente diante da promessa do movimento iluminista sobre a
relação entre racionalização e progresso. Nesse último ponto, o positivismo oitocentista teve
um importante papel, especialmente devido a sua influência no âmbito do conhecimento
administrativo (Burrell e Morgan, 1979). Outra importante influência tem origem no
pensamento militar, que teve grande papel na institucionalização dos princípios burocráticos
de previsão e controle (Weber, 1974; Tragtenberg, 1992).
Tendo sido intenso o debate subseqüente ao lançamento do movimento taylorista nos
Estados Unidos, a propósito dos benefícios da proposta, é necessário considerar que, mesmo
tendo perdido força enquanto movimento a partir da década de 30 do século vinte, os
principais elementos do taylorismo acabaram sendo institucionalizados na sociedade
industrial. Isto pode ser facilmente verificado sob o rótulo de modo fordista de produção,
levando-se em conta ter sido o fordismo uma estrita aplicação dos fundamentos do taylorismo
na industrial automobilística (Motta e Vasconcelos, 2004).
Em seu ensaio sobre a organização do trabalho no século vinte, Braverman salienta
que a idéia de decadência do taylorismo é inadequada, considerando que o movimento perde
força justamente no momento em que seus princípios já tinham sido incorporados como
pressupostos normativos da sociedade industrial moderna. O autor comenta que “o taylorismo
está ‘obsoleto’ ou ‘superado’ apenas no sentido em que uma seita que se tenha difundido e se
tornado amplamente aceita desaparece como seita” (Braverman, 1981, p. 84).
De fato, algumas revisões sobre o campo prático e acadêmico da estratégia apontam
para a importância da instituição planejamento gerencial no sucesso e na sedimentação das
práticas formais da estratégia. Motta (2000, p. 90) considera o seguinte:
Todos os conceitos de administração desde o início deste século [vinte] à época do
POCCC (...) de Henri Fayol e do POSDCORB (...) de Luther Gulick incluíram o
planejamento como função essencial da administração. Por outro lado, as teorias de
planejamento, principalmente as desenvolvidas através de sua perspectiva
estratégica, sempre enfatizaram a sua dimensão gerencial como instrumento de sua
flexibilidade para adaptação contínua ao meio ambiente. Assim, no uso prático,
ambos os conceitos se confundiam no dia-a-dia da vida organizacional, sendo
sinônimos quanto a sua utilidade.
Motta (2000) ainda considera o peso da visão à época da gênese da estratégia formal
de que o planejamento correspondia a uma ferramenta racional, poderosa no sentido de prever
acontecimentos futuros e garantir o controle das operações, bem como o desempenho
esperado. De fato, o ethos racional da prática de planejamento estratégico se imprime
especialmente na ênfase quantitativa dessa ferramenta, aspecto que é evidenciado em diversas
revisões sobre o desenvolvimento do campo da estratégia, especialmente aquele
correspondendo ao período da década de 70 do século vinte (Motta, 2000; Mintzberg,
Ahlstrand e Lampel, 2000; Mintzberg, 2004; Bowman, Singh e Thomas, 2002). Análises
históricas sobre o desenvolvimento da administração moderna têm associado este ethos ao
cientificismo moderno (Morgan, 1996), especialmente aquele articulado pelo positivismo
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oitocentista, sob a égide do progresso e do bem estar social possível pela técnica (Wahrlich,
1986). Ele se expressa por meio do pensamento pragmático, outra importante referência
cultural-cognitiva que possibilitou o advento das práticas formais de estratégia.
O Pragmatismo é uma forma de pensamento que marcou o contexto norte-americano
durante o século vinte. Por isso, teve seu papel na trajetória de formação das instituições
naquele país. No caso da institucionalização das práticas formais de estratégia, a influência foi
decisiva. De acordo com Bertero (1983), uma das vantagens mais significativas das práticas
de estratégia é o fato de serem voltadas especificamente para a prática gerencial e para o
resultado organizacional. O fato da Escola de Harvard ser o berço do pensamento estratégico
empresarial é outro indício da associação entre estratégia e pragmatismo, tendo em conta o
traço distintivo da escola em relação às questões práticas da atividade gerencial (Ghemawat,
2000).
Meneghetti (2006), em seu ensaio sobre a filosofia pragmática de Dewey e Pierce,
lembra que a sociedade norte-americana foi marcada pelos pressupostos do pensamento
pragmático, ou seja, aquele centrado nos critérios de utilidade e aplicação para a ação. Assim,
todo o conhecimento que tivesse em essência forte conotação teórica e certo grau de
complexidade e abstração era, grosso modo, colocado em segundo plano. O autor ainda
salienta que tal constatação é especialmente significativa quando se trata da prática
empresarial, que constitui arena de maior adesão ao pensamento utilitarista. A possibilidade
de êxito que o conhecimento pragmático traz ao interesse capitalista é evidente. Por
conseguinte, tem-se a rejeição pelos práticos do mundo empresarial do pensamento
acadêmico complexo, abstrato e de difícil compreensão. Nessa condição encontra-se
especialmente o chamado conhecimento explicativo, ou seja, aquele que se preocupa com a
geração de um conhecimento em profundidade para dar conta da complexidade da realidade
organizacional. Em seu lugar, teve maior aderência no meio empresarial as idéias
instrumentais e simplificadas, uma vez que representam formas de conhecimento mais
facilmente aplicáveis ao cotidiano dos executivos e gestores.
A sedimentação da perspectiva pragmática nas empresas norte-americanas e o
conseqüente interesse delas por ferramental útil para resultados imediatos e mediatos foram
decisivos na popularização da área de estratégia empresarial. Tal ocorrência deu-se por meio
de ampla formalização da prática, expressa especialmente pela criação de departamentos e
funções específicas para a prática da estratégia, e pela assimilação no imaginário empresarial
da importância de conceitos-chaves e termos próprios do campo de conhecimento. Assim,
foram valorizados conceitos como ambiente empresarial, visão de longo prazo,
competitividade, vantagem competitiva, e assim por diante, que se renovam continuamente no
vocabulário empresarial. Motta (2000) chama a atenção para tal ocorrência ao lembrar que,
atualmente, praticamente tudo no mundo empresarial recebe o atributo estratégico:
estratégias de recursos humanos, estratégias de marketing, gestão estratégica, só para citar
algumas expressões tão populares nas empresas contemporâneas.
Na verdade, as idéias desenvolvidas no campo da estratégia, que foram largamente
incorporadas pelas empresas e que contribuíram para a popularização da prática denominada
de estratégica, somente são aquelas essencialmente simples e aplicáveis no processo de
tomada de decisão dos grandes executivos. O melhor exemplo são os chamados modelos de
análise estratégica. Eles somente foram popularizados na própria medida do reconhecimento
de sua utilidade e rápida aplicabilidade no meio empresarial, especialmente das grandes
corporações norte-americanas. Por exemplo, o modelo de cinco forças de Michael Porter, uma
ferramenta de análise da estrutura de um setor produtivo, torna-se tão popular que se estima o
seu uso em 25% das empresas nos Estados Unidos no início da década de 90 do século vinte
(Bain apud Ghemawat, 2000). Em relação à popularização desta ferramenta, Ghemawat
(2000, p. 38) afirma o seguinte:
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...o fato da estrutura de ‘cinco forças’ visar preocupações de empresas em vez de
política pública, sua ênfase na extensa competição por valor em vez da competição
entre rivais existentes e sua (relativa) facilidade de aplicação inspiraram numerosas
empresas e escolas de administração a adotar seu uso.
O autor ainda salienta que o mérito de Michael Porter em relação ao modelo de cinco
forças reside em sua tradução para o meio empresarial, já que, na sua origem, ele havia sido
desenvolvido por economistas da chamada vertente do Organization Industry com a
finalidade de explicar a efetividade de políticas públicas (Ghemawat, 2000). Outras
ferramentas desenvolvidas na área de estratégia, especialmente pelas consultorias
especializadas, também seguem a mesma lógica da simplificação e instrumentalidade
expressa no modelo de cinco forças: as matrizes de portifólio da Boston Consulting Group, a
matriz da GE (desenvolvida pela consultoria McKinsey), o modelo do PIMS, e mesmo a
célebre análise SWOT foram reconhecidos pelo meio empresarial muitos mais pelos seus
atributos utilitários do que pela sua legitimidade científica (Bowman, Singh e Thomas, 2002;
Ghemawat, 2000).
Um dos maiores responsáveis pela operacionalização do conhecimento sobre a
estratégia para a comunidade empresarial foi a Harvard Business School, uma escola de
Administração nos Estados Unidos que é conhecida pelo seu pragmatismo e foco na
construção de ferramentas aplicáveis à prática gerencial. A própria história da sistematização
do campo da estratégia tem relação com esta escola. Como já se mencionou, vários autores
indicam que a área da estratégia surge decisivamente em uma disciplina do curso de Harvard,
política de negócios, que foi reformulada para atender a necessidade na época por foco na
prática empresarial. Em síntese, pretendeu-se com a reestruturação curricular promover a
integração de diferentes áreas e a própria idéia de estratégia surge mais como um conceito
forte para promover esta síntese do que como uma referência teórica bem elaborada
(Mintzberg, Ahlstrand e Lampel, 2000).
Importante ponto de ruptura no planejamento estratégico decorre da sua relação com
o contingencialismo (Motta, 2000; Donaldson, 1999). A teoria contingencial surge no
pensamento acadêmico da administração na década de 60 do século vinte, a partir do
movimento sistêmico que se operava em praticamente todos os redutos científicos (Motta e
Vasconcelos, 2004; Donaldson, 1999). A teoria contingencial tem por premissa fundamental o
questionamento do pressuposto taylorista the best way, inquestionado até meados do século
vinte. A proposição da teoria contingencial é que o contexto específico de uma organização
(período histórico, região geográfica de atuação, tipo de tecnologia utilizada, tipo de setor
inserido, e assim por diante) é determinante do tipo de estrutura mais adequada para o
máximo desempenho (Donaldson, 1999). Verifica-se um tratamento no mesmo tipo de lógica
racional: em lugar de one best way passa a se considerar several best ways, dependendo das
circunstâncias que podem ser objetivamente identificadas. Pragmatismo e utilitarismo
continuam a ser as referências estratégicas.
Em seu estudo na área de business history, Chandler (1962) apresenta indícios
significativos para demonstrar a influência das ações estratégicas de grandes corporações no
delineamento das suas estruturas organizacionais. De fato, esse estudo é lembrado como
importante marco teórico para o campo da estratégia empresarial (Mintzberg, Ahlstrand e
Lampel, 2000) e também como exemplo de comprovação empírica da teoria da contingência
(Motta e Vasconcelos, 2004). Realmente, a partir do relativismo racionalista que constitui
pressuposto na idéia de contingência, o conceito de ambiente organizacional passa a ter mais
sentido no meio organizacional, bem como a sua importância enquanto fator relevante para o
desempenho das organizações (Motta e Vasconcelos, 2004). Também cabe verificar o papel
10
relevante da área de estratégia na disseminação do conceito de ambiente (Motta, 1999), que
constitui uma referência cultural-cognitiva altamente difundida na sociedade moderna.
Considerações finais
O quadro de referência conceitual tratado nas seções precedentes apresenta algumas
constatações e permite vislumbrar algumas possibilidades. Em termos de constatação verificase que a formalização da área de estratégia empresarial de maneira pragmática e utilitarista
restringiu tanto o campo de conhecimento como o de aplicação. Do ponto de vista da
institucionalização no mundo empresarial a abordagem predominante é normativa e
formalista, privilegiando o como fazer. Em decorrência, há conseqüências não triviais para o
desenvolvimento da pesquisa. A necessidade instrumental acaba por orientar as pesquisas na
direção de busca de resultados, especialmente via métodos quantitativos.
Questões fundamentais como a que endereça a relação entre teoria e prática no
campo da estratégia ficam em segundo plano. Como bem observam Van de Vem e Johnson
(2006), qual é efetivamente o problema da relação entre teoria e prática no campo da
estratégia organizacional. É simplesmente um problema de transferência do conhecimento
obtido por meio de investigações dos pesquisadores do campo? Ou, alternativamente, o
problema reside na possibilidade de que o conhecimento teórico seja de natureza diferente do
conhecimento prático? Ou, ainda, a distância entre teoria e prática decorre do próprio
problema da lógica de produção do conhecimento no mundo acadêmico?
Endereçar questões como essas são importantes para a produção de conhecimento
substantivo no campo da estratégia. Remetem à possibilidade de conversação entre
perspectivas com diferentes origens como aquelas orientadas pela abordagem econômica e
pela perspectiva organizacional. Nessa direção não se trata apenas de estabelecer conversação
entre abordagens de diferentes origens, como a positivista e a interpretativa, no sentido
propriamente teórico, mas, também, no plano metodológico. Não será possível combinar
perspectivas, métodos e níveis de análise?
O que o presente ensaio teórico evidenciou nas seções precedentes é que o mundo da
prática empresarial adota as abordagens mais simples porque elas funcionam. A questão,
portanto, que se segue é: elas funcionam porque são simples ou porque ao tratarmos a
realidade de forma mais estreita e simplória ela, a realidade, acaba efetivamente se tornando
mais estreita e simplória? Ao se verificar a institucionalização de certos formalismos no
campo da estratégia não estariam as organizações restringindo a sua própria visão da
realidade, comprometendo a sua sobrevivência no longo prazo? Não estariam elas, como
atores sociais, construindo estruturas cognitivas cada vez mais localizadas e limitadas para
elas mesmas e para os demais atores sociais? Como fica a questão do pequeno mundo que
constitui cada campo organizacional e que passa a ser visto como o grande mundo, o mundo
onde todos se situam e, como tal, devem assim se comportar?
A possibilidade de construção de uma explicação renovada sobre a área da estratégia
empresarial como campo de conhecimento com enorme potencial de desenvolvimento
científico está, pois, em questão. É com uso do potencial analítico e crítico das perspectivas
explicativas que se pode avançar e superar as limitações que impedem o avanço do
conhecimento no campo da estratégia empresarial.
Estratégia como processo em que se analisa a recorrência entre estrutura e ação
estratégica, mediadas pela interpretação dos atores sociais pode se constituir em campo de
investigação profícuo. Ao se abordar a interpretação dos atores sociais há necessidade de se
aprofundar em cognição-cultural e estruturas cognitivas. A análise de como a área de
estratégia empresarial se constitui a partir de referências cognitivas estruturadas no meio
empresarial pode servir de base para a construção de novas referências na prática e no
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pensamento empresarial. Pode demonstrar que o estabelecimento da estratégia empresarial
segue a lógica estruturacionista em que estrutura, agência e interpretação estão relacionadas
segundo um esquema de circularidade recursiva (Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate,
2005).
A agência está presente no processo de institucionalização da estratégia em dois
sentidos. Primeiramente, considerando a iniciativa de promoção de novas idéias por parte dos
propagadores do pensamento estratégico, tendo em conta a ruptura com o pensamento
clássico que as práticas de estratégia promoveram, estimulando uma significativa mudança na
perspectiva gerencial das organizações. Sob este aspecto, a agência é expressa pela
reconstrução de certas referências cultural-cognitivas, que circundam o meio empresarial. Um
segundo aspecto diz respeito à ação direta das firmas de consultoria na popularização das
práticas formais de estratégia, onde a ação política destas em prol da institucionalização de
práticas e conceitos de estratégia representa o interesse oportunista de manutenção de suas
atividades-fim, enquanto atividade legítima e necessária dentro da realidade empresarial.
Apesar da evidente influência de elementos institucionalizados na prática gerencial
contemporânea para a consolidação das práticas formais de estratégia na década de setenta, é
incorreto pensarmos que estas últimas não tenham correspondido a uma importante ruptura
com os padrões de gestão e organização à época. Importantes elementos no planejamento
estratégico representavam uma significativa mudança no pensamento vigente. É por isso que,
apesar de se verificar que o que possibilitou o sucesso e a disseminação das técnicas do
planejamento estratégico na década de setenta do século passado foi a legitimidade delas
auferida pelas idéias de planejamento, precisão científica, controle, pragmatismo e
utilitarismo econômico, ela não deixou de representar uma significativa ruptura conceitual e
filosófica para a época.
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