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II Concurso Negro e Educação Anped/Ação Educativa/Fundação Ford
Entre o silêncio e a resistência: um estudo das expectativas acadêmicas e profissionais de
moças e rapazes negros em cursos pré-vestibulares de São Paulo
Bolsista: Elisabeth Fernandes de Sousa
Orientadora: Prof ª Eunice de Jesus Prudente
Acompanhante do projeto: Profª Maria Malta Campos
“Não sabia por que eu queria escrever um livro sobre minha vida. Só no final descobri.
Era pra rever meu passado, conversar com as pessoas que me conheceram e conversar
comigo mesma, para entender por que não dancei, por que sobrevivi, por que voltei a
estudar, consegui emprego e até pude sonhar em fazer faculdade”
Esmeralda do Carmo Ortiz
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O silêncio e a resistência são estratégias de sobrevivência desenvolvidas por
grupos oprimidos como: mulheres, negros, homossexuais que diante de padrões de
comportamento considerados normais pela sociedade em geral, exigem que estejam
enquadrados em padrões previamente definidos. Porém o cumprimento desses padrões
limita-lhes a condição de sujeito social e os torna suscetíveis à práticas repressivas, sendo
assim há momentos em que obedecem às ordens impostas e nem falam sobre isso, e há
outros nos quais elaboram reações abruptas e significativas, individuais ou coletivas, que
lhes permite alterar a condição de submissão.
Nosso estudo pode verificar que tanto moças quanto rapazes negros, submetidos a
difíceis condições de sobrevivência, cavam espaços nos quais possam garantir e ampliar
sua participação no mercado de trabalho e a conseqüente ascensão social.Mas isto não é
regra para todos, há aqueles que aspiram mudar sua condição social, porém estão ainda
bastante imersos nas dificuldades de sobrevivência e precisam de maior tempo e
investimento pessoal para conseguirem ingressar em um curso superior.
É o caso de Jussara, uma de nossas entrevistadas. Empregada doméstica e
residente em um bairro de classe média em São Paulo, na casa de seus patrões. Migrante
e sem família residente na cidade de São Paulo, no ano de 2001, quando fez cursinho,
pretendia ingressar no curso de letras de letras da Universidade de São Paulo. Fez a prova
da primeira fase do vestibular dessa Universidade, porém não foi aprovada para a
segunda fase, pois seu desempenho foi de um ponto abaixo da nota de corte. A moça
almeja tornar-se professora de língua portuguesa e retornar para a cidade de origem, onde
acredita poder interferir na maneira de lecionar do lugar, uma cidade do interior do
Estado do Rio de Janeiro. Seu projeto profissional aspira liberdade, porém no contexto da
entrevista ficou visível seu constrangimento, visto que ocorreu em um local público e sob
os olhares atentos de seu patrão.
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As expectativas acadêmicas e profissionais dos 21 jovens negros
entrevistados, 11 moças e 10 rapazes, era a de tornarem-se alunos da Universidade de São
Paulo. Os rapazes têm tendência para escolher cursos da área de exatas e as moças de
humanas, mas há opções de curso diversificadas. Há momentos na pesquisa em que fica
difícil depreender das falas dos entrevistados especificidades relacionadas à questão de
gênero. O cotidiano daqueles que freqüentaram cursinho durante todo o ano foi bastante
corrido, porque muitos deles aliaram estudos com trabalho diário e/ou fases de desemprego.
Apenas dois dos entrevistados concretizaram o desejo de estudar na universidade
escolhida. Um rapaz ingressou no curso de teatro e uma moça no curso de ciências sociais.
Outros dois cursam universidades particulares, um rapaz faz administração; uma moça,
ciências da computação. Todos os que não estão em curso superior pretendem continuar
tentando estudar, porém apenas três retornaram ao cursinho em 2002, o restante diz que
pretende estudar por conta própria. As condições de desemprego permanecem no grupo
estudado, na mesma proporção para rapazes e moças, mesmo depois de um ano de
cursinho.
A opção profissional deles e delas é geralmente solitária, para os familiares é
importante que consigam obter ao menos o sustento próprio, e preferencialmente auxiliem
nas despesas domésticas. Toda a tensão de buscar por um curso pré-vestibular é escolha
pessoal, não há cobrança da família. O estímulo parte de colegas e professores, apesar de o
grupo de amigos do local de moradia não acreditar nem dar valor ao fato de os estudos
serem uma forma da ascensão social.
É o caso de Fernanda, que aos 21 anos, militante do PT e adventista, fez o cursinho
da Consciência Negra objetivando fazer o curso de ciências sociais. Mas sem passar no
vestibular da USP, ingressa em uma Faculdade Adventista para cursar ciências da
computação, e ressalta que é o curso que pode pagar e que tem mercado de trabalho,
revelando que sua escolha é difícil por que o desafio de continuar estudando é um problema
que precisa resolver sozinha.
Quanto aos rapazes há menos ansiedade da parte deles no enfrentamento da escolha
profissional, mas o ingresso no mercado de trabalho foi invariavelmente em postos de
pouco valor social. Alguns com o tempo conseguiram ocupar lugares um pouco mais
privilegiados em empresas como o de contador ou representante de vendas.
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Para chegarmos aos entrevistados o caminho metodológico utilizado foi o de
contatar tipos diferentes de cursinhos da cidade de São Paulo. Como o recorte da pesquisa é
racial foi preciso selecionar lugares em que alunos negros pudessem ser encontrados. A
princípio pressupomos que mesmo naqueles cursos mais elitizados seria possível encontrar
alunos negros, e a hipótese estava correra. Todavia o cursinho mais caro do município, cuja
mensalidade é de R$ 1.000,00 disse ter apenas dois alunos negros, ambos rapazes, sendo
que um deles era bolsista, filho de um funcionário e não permitiu que fossem entrevistados.
Contatamos um outro cursinho de mensalidade um pouco mais barata, variando de
R$ 400,00 a R$ 700,00 variando de acordo com o período, ali parecia ser possível realizar
nosso trabalho, porém diversos entraves foram colocados pela direção e assessoria. Ao
invés de entrevistarmos jovens de três cursinhos diferentes quanto ao tipo de inserção
social, ficamos apenas com dois deles: o Cursinho de Consciência Negra e o Cursinho da
Poli. O primeiro está localizado na Universidade de São Paulo, mas não tem vínculo com a
mesma, funciona clandestinamente e pode atender até 100 alunos, mas em outubro no dia
da aplicação dos questionários estavam presentes apenas 47 alunos.
Os questionários foram aplicados nos dois cursos para identificar o percentual de
negros, brancos, pardos e amarelos entre os matriculados. O cursinho da Poli tem um farto
banco de dados sobre seus alunos, mas não foi possível usá-lo para este trabalho porque seu
banco de dados não tinha o recorte de pertencimento racial. Este cursinho tem capacidade
para atender cerca de 12.000 alunos.
Os dois cursos cobram mensalidade de baixo custo, variando de ¼ a 1 salário
mínimo. Depois de aplicados os questionários, construímos o mapa das opções
profissionais de todos os alunos do curso da Consciência Negra e de 10% do cursinho da
Poli, este trabalho será apresentado no artigo final.
A seleção dos entrevistados obedeceu aos seguintes critérios: alunos negros que
variassem a idade, sexo e opção profissional e que estivessem dispostos a dar entrevista. O
questionário foi aplicado em outubro de 2001 e as entrevistas foram realizadas no mês de
março de 2002, depois de terem sido finalizados os exames vestibulares. Para a maioria dos
entrevistados falar sobre o assunto foi bastante dolorido porque estavam diante de um
sonho não realizado.
Ressaltamos a dignidade dos entrevistados que, mesmo diante desta situação
relativamente constrangedora, mantiveram sua posição inicial e colaboraram com a
pesquisa. Registramos que nos dois cursinhos todos os candidatos negros ao curso de
medicina recusaram-se a dar entrevista.
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Nossas conclusões são ainda tênues Dentre os entrevistados apenas os que cursaram
o cursinho da Poli conseguiram ingressar na universidade de São Paulo. Ressaltamos que
eles estavam matriculados em classes do curso consideradas de melhor desempenho e suas
histórias de vida revelam um pertencimento social mais privilegiado e com maior
participação dos familiares.
O paradoxo principal pode ser percebido no Curso da Consciência Negra, localizado
no interior da Universidade de São Paulo, durante todo o ano seus alunos entram ali,
sonhando em um dia fazer parte do universo que vêem diariamente, porém a possibilidade
de concretizá-lo é bastante remota.
Os jovens negros, sem muitas variações para a questão de gênero estão solitários na
opção profissional. Residem em regiões periféricas do município, nos quais a precariedade
da urbanização e os altos índices de violência convivem, isto lhes dá um cotidiano marcado
pelo stress. Precisam de mais tempo para conseguir escolarizar-se e obter um trabalho de
caráter mais fixo e digno, e têm que fazer isso solitariamente.
Nas entrevistas os candidatos falam pouco sobre coisas boas como: amor, paixão e
lazer. As preocupações giram em torno de trabalho e estudo.
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Bibliografia básica de apoio
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