Carta compromisso Políticas públicas para a juventude negra: desafios para salvar vidas e garantir direitos O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, conhecendo números de morte por arma de fogo que superam Iraque, Israel, Palestina, Colômbia, Afeganistão, Sudão e Paquistão juntos 1. O “detalhe” está no fato de todos estes países terem passado recentemente por guerras civis ou que envolveram confrontos militares com outros países. No Brasil, chama a atenção o fato de o alto número de homicídios estar associado à criminalidade urbana, ao tráfico de drogas, a grupos de extermínio e à letalidade policial. É alarmante também a face do racismo contra a juventude, revelada com toda esta violência, pelo fato de mais de 70% das vítimas serem pessoas negras, mais da metade (53%) ser de pessoas jovens e, deste grupo, mais de 75% são jovens negros, em sua grande maioria homens, com baixa escolaridade e moradores de periferias 2. Os homicidios contra jovens negros concentram-se sobre aqueles com idades entre 15 e 29 anos e é cada vez maior a diferença entre o número de homicídios entre jovens brancos e jovens negros. Enquanto se observa tendência de redução de mortes violentas para jovens brancos (de 9248 mortos em 2000 para 7065 em 2010), cresce a violência contra os jovens negros (de 14055 mortos em 2000 para 19255 em 2010). A combinação entre raça, idade e território são aspectos determinantes do problema da mortalidade da juventude negra, a expressão extrema de um problema mais amplo de manifestações de violencia física e simbólica que cresce em nossa sociedade. Por que são estes jovens os mais assassinados no conjunto da população? Segundo a especialista em segurança pública, Paula Miraglia, do Centro Internacional pela Prevenção do Crime, entre questões históricas e conjunturais, o fato é que estas pessoas estão sendo privadas de uma série de direitos que, no limite de sua violação, deparam-se com a consequência dramática de serem assassinados. Estes jovens, como todos os demais, devem ter direito a terminar escola, a encontrar trabalho, a ter acesso a equipamentos culturais e ao lazer, porque são cidadãos. No entanto, para esta população específica, estar privado destes direitos significa estar exposto a um risco maior de perder a sua vida brutalmente. Para responder a este 1 2 Quando observados dados entre 2004 e 2007, por exemplo Segundo dados do SIM/Ministério da Saúde, 2010. problema, é necessário que o poder público reconheça os direitos da juventude, entre eles o direito à vida, e passe a agir pela sua promoção, combinando uma série de iniciativas. E assumindo para a sociedade a urgencia desta questão. Este trabalho pressupõe a existência de programas estruturados, em que estejam combinadas ações de inclusão social, prevenção e repressão da violência e combate à impunidade dos agressores. É necessário que o prefeito ou a prefeita sejam empreendedores da idéia de que a violência, cuja expressão mais cruel é a banalização das mortes de jovens nas periferias, precisa ser combatida com direitos que urgem serem garantidos. E a segurança é um dos direitos a ser defendido. Para isso, é preciso associar uma série de políticas à prevenção da violência, que possam contribuir para a inclusão, a emancipação e garantia de direitos das juventudes. Deve ser garantido a jovens moradores de bairros com altos indices de violência, ou que estejam fora do sistema educativo e do mercado de trabalho, e também aqueles egressos de medidas sócio-educativas, alternativas de trajetórias juvenis saudáveis e com perspectiva de vida positiva, por meio de políticas públicas voltadas para este propósito. É preciso transformar os territórios violentos com a oferta de serviços de qualidade, ampliando os espaços de convivência para a cidadania e o acesso a atividades culturais, de esporte e lazer. É necessário melhorar as instituições do Estado que estão em contato permanente com o jovem nos territórios, reconhecendo que é preciso o acesso a uma escola que combata discriminações raciais, que promova a educação das relações étnico-raciais e acolha os jovens com reconhecimento e respeito às suas identidades e questões. É necessário haver um sistema de saúde também sensível às necessidades juvenis, bem como políticas de formação profissional que garantam a inserção no mercado de trabalho, para que os jovens e as jovens possam exercer um “trampo firmeza”, um trabalho decente e com qualidade. São necessárias também políticas de mobilidade urbana, que permitam a fruição do lazer e de outras oportunidades que a cidade oferece, mas que são restritas àqueles que podem financiar o seu deslocamento no espaço urbano. O sistema de segUrança, que no plano local se expressa também pela presença das guardas municipais, deve ser aprimorado com intensificação do trabalho de policiamento comunitário, com foco no diálogo com a população, reconhecimento da condição juvenil e no respeito aos direitos humanos. A reversão do alto grau de letalidade policial passa também por melhor formação dos servidores das corporações policiais e de maior investimento na investigação de crimes que, em sua maioria nos casos contra jovens negros, terminam “guardados” pela impunidade. Cabe às prefeituras das cidades afetadas pela violência que, a cada dia, dizima parcela significativa de seus jovens, construir planos locais de enfrentamento à violência, que combinem ações intersetoriais para combater este problema. A presença integrada de diferentes iniciativas governamentais nos territórios considerados vulneráveis, com especial atenção do chefe do executivo, em prioridade a ser evidenciada com investimento orçamentário e monitorada também com participação social, pode resultar na diminuição dos homicídios no município. Essas são políticas públicas que para a CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras, nos municípios brasileiros, poderão contribuir para que o ciclo de desenvolvimento não exclua, com a morte, os jovens negros das oportunidades existentes em um momento histórico de crescimento do nosso país. Que ações integradas em prol dos direitos das juventudes possam contribuir para que de fato o desenvolvimento do país, liderado pelas grandes cidades, mas que também depende dos pequenos e médios municípios, atinja a todos os cidadãos e cidadãs com maior equidade.