Organização Focal e Relações de Poder em um Campo Organizacional
Autoria: Clóvis L. Machado-da-Silva, Claudia Coser
RESUMO
O presente trabalho vislumbra como contribuição uma análise que compreenda as
organizações a partir das suas relações com as outras dentro de um determinado contexto,
constituído por dimensões econômicas, históricas, culturais políticas e sociais. O suporte
teórico capaz de abranger estas dimensões é constituído pela abordagem institucional que
oferece o conceito de campo organizacional, enquanto adequado nível de análise, e as
estruturas institucionais, enquanto construções das interações entre os atores. O conceito de
espaço social atribui dinâmica ao território que compreende o município de Videira. O estudo
se concentra sob um campo organizacional, composto por 40 organizações com uma
organização focal – uma empresa agroindustrial de grande porte. Destacam-se no estudo as
estruturas institucionais regulativas, normativas e cognitivas do referido campo
organizacional, bem como a participação da organização focal nas definições dessas
estruturas mediante as diversas dimensões contextuais e as relações de poder.
INTRODUÇÃO
A compreensão em torno das organizações carece de análises que tenham como
perspectiva o contexto ambiental das organizações. Com apoio neste raciocínio o presente
estudo privilegia uma análise que se preocupa com elementos das relações
interorganizacionais, que transcendem a troca de recursos materiais, ultrapassando a dimensão
econômica, e alcançando dimensões políticas, sociais e culturais, historicamente consideradas.
No referido espaço social a história da organização focal e do município, por exemplo, se
confundem se é que existem duas histórias neste caso. A organização focal foi fundada em
1934 por duas famílias, descendentes italianas, numa vila de nome Perdizes, que se situava
numa das margens do Rio do Peixe; do outro lado, a vila Vitória. Quase uma década depois
transforma-se no emancipado município de Videira, em Santa Catarina, tendo como prefeito
um dos fundadores da organização focal. Por muito tempo o domínio político por parte da
organização focal se fez marcante na condução do município. Até os dias atuais é presente o
reconhecimento por parte dos atores do campo organizacional e do espaço social, enquanto
participantes de uma economia que se sustenta a partir de atividades relacionadas à
organização focal, uma agroindústria, movimentando e talvez controlando mais de 90% das
atividades do referido espaço social.
Torna-se, desta forma, importante considerar as análises do campo organizacional
como imerso em níveis mais abrangentes, do global ao local, pois, por mais fechada que seja
uma sociedade, nos dias atuais, sempre ocorrem influências externas. O recorte para análise,
então, vislumbra o campo organizacional enquanto composto e componente do que se
denomina de espaço social da cidade de Videira. É via a demarcação do estudo,
vislumbrando, o quanto possível, variáveis de contexto, que se propõe a análise de estruturas
institucionais regulativas, normativas e cognitivas vigentes no campo organizacional e no
espaço social, bem como a avaliação das relações de poder que viabilizam e são viabilizadas
por essas estruturas institucionais.
Os dados, que consubstanciam as análises deste estudo, foram obtidos a partir de
entrevistas semi-estruturadas com atores das 40 organizações do campo organizacional, bem
como por meio da análise de documentos, tais como: contratos entre as organizações, jornais,
1
periódicos, literatura histórica sobre o município de Videira. Também pela observação de
eventos no espaço social, promovidos mediante ação conjunta dos atores, liderados pela
organização focal; ainda, através da observação de seminários realizados pela organização
focal com a participação de outros atores do campo organizacional e do espaço social.
Ademais, entrevistas não-estruturadas com atores do espaço social foram realizadas nos
bancos das praças, nos locais de espera e nas residências dos atores sociais.
O propósito da presente investigação, portanto, é procurar trazer para a luz do dia o
maior número possível de constatações que permitam inferências da realidade sob estudo.
Parte-se da idéia de que as estruturas institucionais do campo organizacional e do espaço
social em exame não se distanciam, possuindo praticamente as mesmas bases de construção,
que se solidificam a partir das interações entre os atores organizacionais.
DELIMITAÇÕES CONTEXTUAIS: CAMPO ORGANIZACIONAL E ESPAÇO
SOCIAL
O campo organizacional é para Scott (1991) o nível de maior significância para a
teoria institucional. Ele se refere a um grupo de organizações que constituem uma área
reconhecida de vida institucional, onde são compartilhados sistemas de significados comuns.
Conforme Scott (1995), a identificação dos campos organizacionais tem contribuído para o
exame dos tipos de diferenciação e dos sistemas de ligações que surgem entre os diversos
conjuntos de organizações presentes em determinada localidade. As tentativas de verificar
elos entre o nível local e o nível societário podem esclarecer as conexões não locais, as
influências culturais, políticas e técnicas. DiMaggio e Powell (1983, p. 148) fazem as
seguintes ponderações com relação ao campo organizacional:
“Campos somente existem na medida em que são institucionalmente definidos. Os
processos de definição institucional ou ‘estruturação’ do campo, consistem de quatro partes:
aumento no grau de interação entre as organizações no campo; a emergência de estruturas de
dominação e padrões de coesão bem definidos; um aumento na carga informacional com as
quais as organizações devem competir e o desenvolvimento de consciência mútua entre os
participantes num grupo de organizações que estão envolvidas em um empreendimento
comum”
Esses requisitos fornecem elementos para o tratamento das 40 organizações em estudo
no espaço social de Videira como constituindo um campo organizacional. Ou seja, há entre
elas interações, que obedecem ou seguem estruturas definidas em torno de objetivos atrelados
a um ciclo econômico instituído, tendo como ator focal uma organização que é responsável
por 90% da arrecadação do município e é reconhecida por todos os outros atores como o eixo,
a mola mestra ou, até, a mãe do município, onde cada ator se reconhece e reconhece o outro
como basicamente unidade de apoio do complexo agroindustrial instaurado no município há
quase setenta anos.
O fato de que o nível do campo organizacional é permeável a níveis societários
maiores (Scott, 1995) conduz à constatação de que o campo organizacional em estudo, dado
as suas características específicas de contexto, necessita das delimitações advindas do
conceito de espaço social, do espaço que compreende o município de Videira nas suas
dimensões econômicas, sociais e culturais, historicamente consideradas. Implica dizer que o
referido campo organizacional constitui e é constituído pelo espaço social. Pode-se afirmar
que a delimitação das fronteiras entre campo e espaço social é difícil de traçar, no caso em
exame.
O conceito de espaço social não é estritamente geográfico, mas revelador de atores e
ações sociais, um espaço de interação e de convivência marcado pela diversidade e pela
2
homogeneidade, pelo isomorfismo e pelo conflito. De acordo com Lefebvre (1991), o espaço
social é uma construção, é produto social que também é útil como ferramenta de pensamento
e de ação. Além de conter um significado de produção, também contêm os significados de
controle, de dominação e de poder.
Se as organizações são um tipo de unidade social (Etzioni, 1971), é necessário
compreendê-las a partir da complexidade que as envolvem. É importante visualizá-las com
base em visão interdisciplinar, da complementaridade possível entre teorias.
O que se pretende, então, é proporcionar à simples demarcação geográfica, objetivada
no município de Videira, uma dimensão que possibilite abertura para as dinâmicas sociais que
se instauram, para as relações de poder, para as instituições. Significa compreender as
relações entre as organizações do campo organizacional sem deixar de considerar o que
compõe o gene dessas relações.
AS ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS
As estruturas institucionais consistem nas pressões de natureza regulativa, normativa e
cognitiva existentes no campo organizacional. São definidas e redefinidas a partir da
interpretação e interação entre os atores organizacionais, estabelecendo critérios para a
legitimidade das ações. A legitimidade, amplamente abordada por institucionalistas, sugere
que os contextos institucionais exercem pressão sobre as organizações para justificar suas
atividades, o que as estimula a incrementar a legitimidade mediante a acomodação com as
estruturas institucionais prevalecentes (Scott, 1995). A conformidade das organizações em
relação aos critérios socialmente construídos constitui questão de sobrevivência (Meyer e
Rowan, 1991; Scott, 1995; Machado-da-Silva e Fonseca, 1996).
O que se quer saber sobre as estruturas institucionais presentes no campo
organizacional em estudo pode ser resumido na seguinte pergunta: quais são as estruturas e
qual é a influência da organização focal na construção delas. Para tanto foram necessárias
entrevistas semi-estruturadas com os dirigentes de cada uma das 40 organizações do campo,
bem como a análise de documentos como contratos, ofícios e periódicos.
As estruturas institucionais regulativas consistem em regras, sanções e recompensas
que regularizam o comportamento dos atores de dado campo organizacional, atuando como
mecanismo de controle que pode ser desencadeado formal ou informalmente. A intenção
preponderante nas relações interorganizacionais no interior de um campo é a de demonstrar
ou melhorar a reputação, imagem, prestígio ou, ainda, o nível de congruência com o contexto
institucional. As relações aqui tratadas, ocorrem geralmente em torno daquela organização
tida como focal, e que de acordo com Oliver (1990), possuem alto grau de legitimidade o que
conduz as novas organizações a se filiarem a organizações conhecidas para adquirir ou
incrementar legitimidade. Apropriadas formas organizacionais e comportamentos são
assumidos e aceitos como regras no pensamento e ação social (Martinez, 1999; Olsen, 2001);
são “estruturas socialmente construídas, de programas ou regras reproduzidas nas rotinas,
estabelecendo identidades e roteiros para estas identidades” (Jepperson 1991, p. 146).
Os atores buscam estabelecer e manter regras sociais como caminho para a produção
de uma comunicação clara, que evite a ambiguidade e o surgimento de conflitos nas
interações. De acordo com Burns (1990) atores desenvolvem um sistema social de regras
formais ou informais para dar identidade a si próprios, bem como para se diferenciar de outros
grupos de atores. As regras dão estabilidade e continuidade à atividade social. Admite-se que
sem elas a vida social seria altamente imprevisível e instável. Elas conferem aos atores
ferramentas para lidar com as incertezas nas relações, tornando o comportamento do outro
mais previsível.
3
As questões que perfizeram a operacionalização das estruturas regulativas incidiram
sobre a identificação das regras nas relações com a organização focal e nas atividades, bem
como sobre a compreensão e o posicionamento dos atores acerca dessas regras. Contata-se
que os atores do campo organizacional obedecem a um conjunto de regras oriundas de três
bases principais: as regras concernentes a atividades específicas, que são fiscalizadas por
órgãos especializados, que permitem a continuidade das atividades; o segundo caminho
regulativo é governamental, viabilizado pela legislação, objetivada nos pré-requisitos legais
que possibilitam a legalidade das atividades; a terceira abertura para as estruturas regulativas é
estabelecida a partir das relações com a organização focal.
As estruturas institucionais regulativas desencadeadas a partir das relações com a
organização focal, são constituídas a partir das exigências em relação aos padrões de
qualidade dos produtos ou serviços, elementos de troca entre as organizações do campo
organizacional. A organização focal também exerce pressões regulativas, características do
papel do Estado, quando contrata atores que denomina de terceiros. As exigências implícitas
nos contratos dizem respeito ao cumprimento legal, fiscal e principalmente trabalhista. Os
atores, sob pena de não receberem vencimentos referentes à prestação dos serviços, entregam
para a organização focal toda a documentação necessária para comprovar regularidade legal.
São exigências que, usualmente, apenas órgão públicos são obrigados a executar.
Desta forma, as relações entre as organizações do campo são facilitadas pelo
argumento da legalidade das atividades, ou seja, essas estruturas regulativas constrangem as
ações das organizações mas, por outro lado servem de segurança às potenciais interações.
Trabalhar com a organização focal significa estar em acordo também com o Estado e com os
parâmetros mais atuais do mercado nacional e internacional. Atores também reconhecem as
exigências em relação às condições dos produtos e serviços não apenas como requisitos da
organização focal, mas como uma ordem mundial do mercado, que chega até aos atores com
efeito cascata.
O discurso em torno das exigências do mercado, canalizado pela globalização, tornase um dos mecanismos mais consistentes e legítimos para a instituição de estruturas
regulativas que dão suporte ao modus operandi da organização focal, aliado, é claro. às
sanções pertinentes nas relações de poder entre a organização focal e os demais atores do
campo organizacional, reforçadas, ainda mais, na constatação de inevitável dependência da
organização focal.
Pode-se afirmar que as estruturas regulativas do campo organizacional em estudo são
construídas a partir da organização focal e estão instituídas com base nas leis do mercado,
principalmente no que tange à qualidade e à competitividade dos produtos e serviços. Dessa
forma, a estrutura regulativa em torno desses padrões obriga as organizações a estabelecerem
uma conduta de ação bastante rígida, orientada por estas exigências, evidenciando o
isomorfismo coercitivo. A finalidade é aproximar-se desses padrões para progredir ou
sobreviver.
As estruturas normativas consistem em valores e normas enraizadas na lógica da
conveniência, daquilo que é adequado (March e Olsen, 1989), o que inclui uma dimensão
prescritiva e avaliativa no campo organizacional. Os atores estariam sujeitos à aplicação de
normas societárias generalizadas pela existência de uma variedade de padrões ocupacionais e
profissionais para os quais os atores estão subscritos (DiMaggio e Powell, 1983) que
determinam quais são os meios e fins apropriados dentro de determinados ambientes.
Os dirigentes são um grupo crítico no exame dos valores defendidos em um campo
organizacional, porque eles controlam o desenho e o funcionamento das organizações. As
estruturas podem refletir os valores dos dirigentes e podem mudar também de acordo com a
legitimação de novos valores. Em qualquer grupo ou setor de organizações há estratégias
aceitas. Elas constituem arquétipos e como tal contêm enunciados sobre valores (domínios
4
preferidos, projetos e princípios de avaliação) e estruturas apropriadas (sistemas de papéis e
responsabilidades) para realizar aqueles valores. Elas estão presentes, dentro de um setor
como congruentes com a rígida ligação entre valores e estrutura, onde a estrutura seria o
instrumento para atingir os resultados estimados (Hinings, Thibault, Slack e Kikulis, 1996).
A importância da organização focal para o referido campo organizacional bem como
de alguns dos seus dirigentes institucionalizados e compreendidos a partir de papéis sociais,
torna-se evidente na definição e redefinição dos valores e normas para todo o campo
organizacional e para o espaço social.
A compreensão acerca da distribuição dos papeis construídos socialmente é necessária
para a identificação das principais fontes de valores e normas que compõem a estrutura
normativa do campo organizacional. Com base nos 40 atores entrevistados pode-se afirmar
que a compreensão de cada um acerca dos seus papéis está atrelada a identificação de si e do
outro como dispensável unidade de apoio às atividades da organização focal. A dependência
que os atores têm em relação à organização focal é um dos indícios concretizados a partir da
constatação de que mais de 60% dos atores possuem entre 40% a 100% das atividades
atreladas à organização focal. Interessante é que os atores se identificam e também
identificam os outros atores do campo organizacional como situados na mesma condição, o
que parece ser motivo legítimo de conformidade para eles.
Em relação ao espaço social, atores se reconhecem enquanto contribuintes, geradores
de recursos para o município mediante o pagamento de impostos. Há também o
posicionamento pautado na realização de atividades sociais beneficentes. Existe aí clara
referência quanto a duas dimensões, a do campo organizacional, que se refere à organização
focal (ciclo produtivo) e a do espaço social, associada ao setor público de concretização no
cumprimento das obrigações pecuniárias.
A freqüência dos valores citados segue uma linha descendente iniciando com o
atendimento ao cliente, qualidade, profissionalismo, ética, acompanhamento dos avanços
tecnológicos, morais e de rentabilidade dos negócios. A partir daí pode-se fazer uma conexão
com os valores intensamente pregados pela organização focal, obedecendo a seguinte ordem:
valorização do cliente, desenvolvimento individual, responsabilidade profissional, ética nos
relacionamentos, agilidade nas mudanças, trabalho em equipe, satisfação do consumidor e
gestão eficaz. Nota-se que os valores presentes no campo que convergem com a organização
focal consistem naqueles acerca da valorização do cliente, do profissionalismo, da ética e da
gestão eficaz.
O discurso em torno do cliente é bastante impregnado de frases prontas do tipo o
cliente em primeiro lugar, tanto em organizações públicas quanto privadas. O cliente aqui é
percebido como a garantia de sobrevivência, tanto para organizações que tem carteira mais
pulverizada de clientes, quanto para aqueles que dependem praticamente da organização focal
para sobreviver. É evidente que para àquelas organizações que possuem a organização focal
como carro-chefe, as relações são muito mais delicadas no sentido de se ter de cumprir com
todas as promessas de qualidade, agilidade e pontualidade. O outro cliente, àquele que se
pretende alcançar, também tem sua importância, principalmente para aquelas organizações
que se esforçam para diminuir a insegurança de trabalhar em função de apenas um cliente.
Outro valor preponderante no campo organizacional consiste no esforço em
demonstrar ou fazer as coisas com profissionalismo. Seguramente este valor germinou na
organização focal, nos seus árduos processos de transição da gestão familiar para gestão
profissional, iniciada em setembro de 1994. Este período inaugurou uma nova fase sob nova
direção. Nova gestão onde a competência e o profissionalismo ganharam, aos poucos, espaço
dentro da organização, acompanhadas pela disseminação em toda a sua cadeia de relações do
campo e do espaço social, mais incisivamente sobre os atores mais dependentes.
5
Acompanhado do profissionalismo, desenvolveu-se o movimento para a qualidade
total. Essa dobradinha para muitos entrevistados foi o que realmente alavancou a organização
focal na sua fase mais difícil. Valores em torno da qualidade foram disseminados de forma
bastante intensa, internamente na organização, e também nas organizações do campo
organizacional e no espaço social de Videira. Faixas, alto-falantes, bonés, camisetas, folders,
palestras em escolas e seminários foram alguns dos mecanismos de disseminação do ideário
da Qualidade Total. Atualmente muitas dessas atividades perduram no espaço social,
principalmente nas escolas, pautadas em estratégias de longo prazo. Afinal de contas o que se
quer é uma filosofia da qualidade na organização, uma cultura da qualidade, cristalizando
conceitos e valores nos futuros funcionários.
Sobre a ética, existe um discurso pouco definido, que se objetiva na medida do
possível. É levada à serio no campo principalmente quando se tratam questões técnicas,
quando é conduzida por regras, sendo interpretada por diversos atores como o sigilo de
informações. Em muitos casos a ética serve para enfeitar um discurso que se desmantela com
afirmações do tipo tem de ser esperto, duas cobras não podem ficar no mesmo ninho, a gente
faz o que dá..., tem de ter aquele jeitinho. Para alguns, ainda, a ética consiste no cumprimento
do que se prevê nos contratos assinados.
A moral assume o sentido dos bons costumes, pois a cidade é pequena e as pessoas se
conhecem. Muitos dirigentes entrevistados são de famílias tradicionais no espaço social, o que
facilita a personificação da organização na figura do fundador ou proprietário. Os bons
costumes servem para o dirigente enquanto pessoa física, membro de algum grupo social, e
que também se estende para a organização.
Quanto ao valor gestão eficaz, varia muito em termos de aplicação. Na organização
focal abrange a consideração de todos os outros valores defendidos, bem como a gestão eficaz
de todos os recursos da organização com a finalidade de remunerar os acionistas. Esse valor
sofre redução à medida que se discutem, na maioria das organizações, questões como investir
certo ou ganhar nas negociações. São considerados aí índices de rentabilidade, liquidez, entre
outros. Enquanto na organização focal este valor perdura e está impregnado nos processos, na
maioria das outras organizações ele assume uma característica pontual, ou seja, é levado em
conta nas transações, contratos e investimentos pontuados ao longo do tempo. A formação
cultural desses dirigentes parece ser fundamental para explicar essa evidência.
A procura incessante de acompanhamento do desenvolvimento tecnológico tem sido
um dos valores mais apresentados por aquelas organizações do campo que trabalham com a
organização focal, mas nas quais o nível de dependência é menor, bem como possuem em sua
carteira clientes de outros municípios, estados e até países. O contexto de referência para
essas organizações é entre tipos: nacional e internacional. Isso se concretiza na medida em
que são feitas viagens para feiras nacionais e internacionais, onde os atores organizacionais
trazem novidades para os processos, tanto em termos de conhecimento quanto de bens físicos,
como maquinaria de ponta para o campo organizacional.
Atores em alguns casos assumem riscos na compra desses bens: trazer junto com o
equipamento o desenvolvimento de novos produtos e melhoria no nível de competitividade,
ou uma bomba que significa apenas perda de investimento, ficando num canto das instalações
sem possibilidade de uso. Os atores entrevistados, que se enquadram com esse valor, e que
tiveram resultados positivos e negativos com a experiência, não abandonam a intenção de
sempre estar na vanguarda, pois preferem o risco à estagnação.
As profissões mais valorizadas nas organizações pelos dirigentes detêm baixa
sofisticação organizacional. A valorização das profissões está estritamente associada à
atividade fim das organizações, ou seja, os níveis técnico e operacional são bastante
valorizados nas organizações. Para se ter uma idéia, apenas seis entrevistados classificaram a
profissão do administrador como a mais importante para as organizações. Este número pode
6
ser um dos indicadores do porquê atores organizacionais dirigem as organizações de forma a
valorizar questões mais internas como produtividade, eficiência, qualidade do que externas –
relações interorganizacionais.
Os resultados das entrevistas apontam um número bastante reduzido de organizações
que admitem se relacionar com a universidade no sentido de buscar soluções para problemas,
desenvolvimento de pesquisa e de conhecimento, entre outros. Dos atores entrevistados, sete
reconhecem a importância da universidade local para a gestão de suas organizações, o que é
pouco, pois há treze egressos. Pode-se afirmar, por este dado que a universidade local não
assume influência marcante nas estruturas normativas das organizações do campo, pelo
menos no nível dos dirigentes, entre os quais vinte e seis são graduados. Os outros catorze
atores dirigem as organizações com formação educacional que não ultrapassa o ensino médio.
Esse grupo é constituído na sua maioria por proprietários, que administram a organização com
os filhos, com apoio técnico de alguns profissionais de escritórios de contabilidade ou a
próprio punho carregando a organização nas costas, centralizando todas as decisões para si.
As relações com a universidade local se concretizam mais a partir da noção de que ela
é uma grande organização, grande compradora de produtos e serviços necessários a sua infraestrutura física. Em contrapartida a universidade local tem consciência dessa distância em
relação ao empresariado local e se esforça para diminuir esse abismo.
Além da sustentação do ciclo vigente no campo organizacional e no espaço social, a
universidade local procura disseminar alguns valores do tipo profissionalismo, ética e
cidadania. O profissionalismo consiste em um dos valores mais defendidos no curso de
administração. Cabe, então, o questionamento sobre a existência de um movimento inverso:
em vez de a universidade ser a principal agente das estruturas normativas é ela quem sofre as
pressões normativas, nesse caso, advindas primordialmente da organização focal. O que
inverte o movimento: O poderio econômico da organização focal? A forte presença de
dirigentes da organização focal no quadro docente da universidade? Os alunos, que
preenchem quase metade das carteiras da universidade? É possível que a soma desses e de
muitos outros fatores contribuam para a transmissão, reprodução e manutenção de valores
presentes no ciclo agroindustrial, em que a universidade parece se identificar também, grosso
modo, mais enquanto unidade de reforço e de apoio à estruturação econômica, social e
política vigente, do que geradora de novos conceitos.
De uma forma ou de outra os atores tem ciência de que estão envolvidos com a
organização focal, bem como da influência dela sobre os padrões de atividade, pois quem não
trabalha para a organização focal, produz alguma coisa para ela, e essa relação extrapola a
troca de bens ou serviços. As trocas em termos de construção de uma estrutura normativa
porém parecem ser bastante unilaterais, ou seja, iniciam-se, na maioria das vezes, a partir da
organização focal, o que para a maioria é legítimo.
Os predicados da organização focal têm sido considerados no sentido de orientar as
decisões da maioria dos atores do campo e do espaço social. É aquela que incentiva, estimula,
conduz, organiza, direciona de forma natural e legítima a maioria das ações sociais
organizadas no espaço social, principalmente pela reconhecida capacidade de organização de
esforços e recursos.
Diante do exposto pode-se questionar: Até que ponto a organização focal pretende ser
o que é para o campo organizacional e para o espaço social? Até que ponto é vantagem para
ela e para os outros atores organizacionais do espaço social estabelecerem tal relação de
dependência? Até que ponto rotular a organização focal como a responsável por tudo é
interessante para todos os atores envolvidos nessas relações? São questionamentos feitos aos
dirigentes da organização focal e as respostas parecem ter indicado uma revisão das práticas.
É um querer e um não querer, pois a relação construída pela organização focal no espaço
social e com os outros atores do campo organizacional constitui vantagem à medida que a
7
maioria dos atores compartilha dos valores da organização, os aceita e os legitima. Por outro
lado estar em situação de determinar a maioria das coisas implica em estar na vitrine da
sociedade e ser freqüentemente cobrada por ações coerentes com o que está instituído no
contexto.
A organização focal então exerce alto grau de influência sobre as estruturas
normativas vigentes no campo organizacional e no espaço social. Muito mais do que a
universidade, que parece ser fortemente influenciada por valores da organização focal, e
muito mais do que os profissionais de consultoria e agentes do Estado, atores organizacionais
apontados por Scott (1994) como responsáveis pela disseminação de valores.
Nota-se por parte dos atores a intenção de interagir mais, de trocar mais idéias
coletivamente, derivada da constatação de que os atores do campo agem isoladamente e que
as suas ações são pouco estratégicas. Alguns valores podem ser definidos e redefinidos a
partir dessa vontade e da necessidade de interação, embora ainda enfraquecida. Um
envolvimento maior entre os atores do campo e de todo o espaço social poderia ser propulsor
também do surgimento de novos valores a serem compartilhados, da reinterpretação e
avaliação dos valores vigentes, bem como a interpretação conjunta a respeito do ambiente, de
suas identidades, assunto pertinente às estruturas cognitivas.
Os elementos cognitivos são as regras que especificam quais tipos de atores são
desejáveis, quais feições estruturais podem exibir, que procedimentos eles podem seguir e que
significados estão associados com essas ações. As estruturas cognitivas são básicas para as
operações do sistema social, providenciando as estruturas para a construção dos sistemas
normativos e regulativos. A prevalência ou densidade de uma forma ou prática é
freqüentemente empregada como um indicador de legitimidade cognitiva (Fligstein, 1990), e
pode ser evidenciada quando atores consideram determinadas normas e regras como caminho
natural para se atingir determinados objetivos.
As estruturas cognitivas então consistem no resultado da interpretação dos atores
acerca do ambiente e das suas identidades, via construção de categorias de interpretação
compartilhadas entre os atores do campo organizacional, aplicadas na reflexão e na ação, o
que contribui para uma certa ordem social ou ortodoxia no interior do campo organizacional.
Convenciona-se iniciar as explanações sobre as estruturas cognitivas a partir da
identificação das categorias de interpretação do ambiente, compartilhadas entre os atores
organizacionais do campo. Constata-se que o princípio dos discursos se perfila na
interpretação de que o que acontece no campo organizacional tem sua origem na organização
focal. Como já se evidenciou, as regras e as normas que imperam no campo organizacional
objetivamente partem da organização focal, o que assegura certa conexão entre as três
estruturas institucionais. Mas há de se estar atento às evidências de disseminação das
estratégias dos atores organizacionais do campo diante das incertezas ambientais. As
categorias de interpretação do ambiente parecem nortear ações estratégicas um tanto quanto
diversificadas.
Principia-se pela interpretação do ambiente pelos atores do campo organizacional e
atesta-se que as percepções acerca do ambiente estão bastante associadas à competição, dentro
e fora do campo organizacional. Os atores públicos declaram não sofrerem pressões derivadas
da competição, porém há atores organizacionais que sofrem com a competição em escala
internacional.
O ambiente para muitas organizações do campo organizacional é competitivo dado o
fato de estarem oferecendo produtos e serviços para a organização focal que podem ser
substituídos com certa facilidade. Afinal de contas, com muita freqüência concorrentes
nacionais e estrangeiros batem na porta da organização focal para apresentarem as vantagens
dos seus produtos ou serviços. A ciência destas condições impulsiona muitos atores do campo
a procurarem se situar, o quanto possível, próximos do que há de inovador, avançado e
8
competitivo. O ambiente de referência para estes atores organizacionais é entre-tipos ou
híbrido, isto, tanto nacional como internacional. Essa preocupação é percebida com mais
intensidade, nas declarações de atores que procuram expandir a sua carteira de clientes,
tentando se desvencilhar da relação de dependência da organização focal.
Um dado interessante consiste na afirmação, por parte deste grupo de atores, de que a
organização focal faz questão que os negócios sejam expandidos. Em alguns casos o incentivo
é objetivo e declarado. Ao mesmo tempo em que a organização focal valoriza as organizações
locais, visando vantagens estratégicas, ela também estimula a ultrapassagem das fronteiras
locais. Parece ser indício de tentativa da organização focal de contornar um fenômeno que ela
mesma criou. É certamente interessante para a organização focal ter uma cadeia de
fornecedores locais competitiva, que lhe forneça serviços e produtos com preços e qualidade
desejadas e próximas de seu parque industrial, o que reduz sensivelmente os custos. O poder
que se tem a partir das relações de dependência também constitui vantagem, mas o que parece
preocupar é a responsabilidade inclusa na relação. A constante cobrança por parte dos atores,
aliada à centralidade da organização, constituem limitação a ser constantemente considerada
nas ações da organização focal, pois as demais também esperam, em contrapartida, ações
legítimas. A constante revisão do ambiente institucional pode afetar os resultados técnicos
(Scott, 1994).
Um exemplo de cobrança por parte do campo e do espaço social, é que ela continue
sendo o que é – eixo, mãe entre outros termos citados, já que os rumos do campo e do espaço
social obedecem esta ordem desde a origem. O elo é econômico, social, político e cultural,
historicamente construído; enfim transcende os limites dos conceitos genuinamente técnicos a
respeito das organizações. Aqui a relação é visceral nas diversas dimensões. Como
conseqüência, as discussões despontam: Até que ponto a organização focal sacrifica índices
técnicos em detrimento de resposta adequada às pressões institucionais presentes no campo
organizacional e no espaço social em análise? Preferiria ela estar num espaço social maior,
deixar de ser focal e de ser cobrada e avaliada constantemente pelas decisões que escolhe?
Não significa afirmar que em espaços maiores, entre muitas organizações, uma organização
como a organização focal não vá sofrer com pressões institucionais, mas no mínimo não vai
ser percebida como tendo propriedades de instituição, o que leva a que se preocupe muito
mais com as pressões institucionais do ambiente do que com questões técnicas.
A fim de obterem legitimidade, as organizações criam mitos sobre si próprias por meio
da perpetuação de atividades simbólicas, cerimoniais e históricas (Mizruchi, 1999). A
organização focal, conforme demonstrado, já possui todos estes elementos instituídos tanto no
campo organizacional como no espaço social, conseguindo extrair deles, de forma bastante
legítima os recursos de que precisa ao mesmo tempo em que desenvolve uma estrutura
poderosa (Pfeffer, 1982), a partir da dependência e do imaginário desenvolvidos em torno
dela, trunfo que parece ter se tornado uma incógnita, um risco para as decisões da
organização.
As três estruturas institucionais oferecem ascensão à legitimidade, definida como uma
“condição refletindo o alinhamento cultural, suporte normativo ou consonância com normas e
leis relevantes” (Scott, 1995, p. 45). Embora a legitimidade seja possuída objetivamente, é
criada subjetivamente (Suchman, 1995, p. 574), ou seja, concretiza-se a partir das interações
entre os atores do campo que, de acordo Oliver (1991), não são simplesmente recipientes
passivos dos processos de legitimação, mas trabalham ativamente para influenciar e
manipular as avaliações normativas que recebem nas múltiplas relações.
Para Baum e Oliver (1992) à medida que uma população ou organização cresce ela
passa a ser mais assistida pela comunidade, pelos órgãos governamentais, pela comunidade
institucional. Desta forma o controle social sobre as organizações passa a ser mais intenso.
Essa assertiva é corroborada pela verificação de que a organização focal ao passo que ocupou
9
dimensões maiores e mais profundas no espaço social e no campo organizacional, adquiriu
autoridade, legitimidade para impor condições para os atores do campo. Em contrapartida, há
um preço a pagar, a vigilância dos níveis societários mais próximos torna-se constante,
intensa e, até, constrangedora.
A abordagem institucional é apropriada para o presente estudo na medida em que
representa uma “mudança de foco, da lógica de cálculo racional de conseqüências utilitárias,
tendendo a priorizar preferências para formas alternativas de inteligência e lógica de
comportamento, explorando a lógica do apropriado, fundamentada num senso de identidade”
(March e Olsen, 1989, p. 23), pois para se compreender o mosaico organizacional da moderna
sociedade é necessário ir além da imagem das hierarquias e dos mercados (Olsen, 2001), ir
além da lógica funcional e instrumental.
AS RELAÇÕES DE PODER
Já afirmavam Meyer e Rowan (1977) que é preciso ter abertura para as possibilidades
de que atores institucionais têm, freqüentemente, múltiplos e inconsistentes interesses. Para
(D’Aunno, 2000) as forças do mercado e as forças institucionais afetam as mudanças
divergentes num campo organizacional, dentro de um diferente contexto histórico. A partir
dos interesses inconsistentes que surgem no campo organizacional, os conflitos são
inevitáveis e as relações de poder indispensáveis.
As relações que geram conflitos compreendem a oposição gerada a partir dos diversos
interesses, formas de agir e interpretar a realidade, desencadeados nas interações entre os
atores do campo organizacional. É sabido que o conflito não consiste no foco de análise do
institucionalismo, que se volta mais para as questões associadas ao que está instituído, ao que
está mais ou menos estável e previsível. Dessa forma as análises sobre conflito serão
assentadas nas versões da abordagem institucional e do espaço social, que captura a
diversidade e o conflito de forma mais enfática.
Há que se admitir que mesmo em ambientes e relações altamente institucionalizadas o
conflito está presente, explícito ou latente. Os atores entrevistados admitem a presença de
conflitos nos discursos, na divergência de idéias, nas relações entre os atores do campo, na
competição e principalmente nas relações de poder.
Para Clegg e Orssato (1999) se o conhecimento está imerso em estruturas e rotinas
mais que em pessoas, então o poder está incorporado nas relações do conhecimento que estão
embebidas na cultura de um campo organizacional. Nestas culturas, organizações
representativas são centrais, visando influenciar o desenvolvimento de estratégias ambientais.
Um episódio em que o poder é exercido faz diferença, dependendo de como o campo
organizacional é sistematicamente estruturado. Ele não pode ser exercido independentemente
de um contexto que mantém e estabiliza o acesso de atores aos recursos. E os caminhos em
que as relações de poder estão constituídas dependem da reprodução de certos percursos
obrigatórios para se fazer coisas. Rotinas formais e informais são exemplos claros disso.
É reconhecida a capacidade dos atores de manipular e reinterpretar e contestar estes
símbolos e práticas das instituições. E a natureza institucional do poder fornece oportunidades
específicas não apenas para a reprodução, mas também para a transformação.
Existe relação entre a ação dos atores, que são as organizações, com uma estrutura
social maior, que é o campo organizacional. As instituições aqui, exibem uma inerente
dualidade: “elas surgem de, e constrangem a ação social (...) constituindo-se em normas e
tipificações compartilhadas que identificam categorias de atores sociais e suas apropriadas
atividades e relações (...) instituições que têm pouca história, pouca profundidade e pouca
aceitação estão mais vulneráveis aos desafios, bem como são menos aptas para influenciar
ações”(Barley e Tolbert, 1997, p. 95-96).
10
Giddens (1984) oferece um esquema que apresenta a estruturação dos domínios
institucionais e de ação (vide Figura 1). O domínio institucional representa a existência de
uma estrutura de regras e tipificações derivadas de uma história cumulativa de ação e
interação.
Figura 1:
Modelo de Estruturação
Domínio
Institucional
Significação
Dominação
Legitimação
(Modalidades)
Esquemas
Interpretativos
Recursos
Normas
Domínio da
Ação
Comunicação
Poder
Sanções
Fonte: GIDDENS, Anthony. The constitution of society. Berkeley:
University of California Press, 1984.
De acordo com Giddens (1984), imperativos institucionais consistem em princípios
gerais preparados sob sistemas de significação, dominação e legitimação. Em contrapartida, o
domínio da ação se refere aos reais arranjos dos atores, objetos e eventos do desenvolvimento
da vida social.
Autores como Dryzek (1996), atestam que as instituições estão muito atreladas aos
discursos, ou seja, às regras, procedimentos, normas e padrões seriam comparadas ao
hardware, enquanto que o discurso em torno do que é tido como adequado seria o software.
Para o autor o desenho institucional é em grande parte uma questão de redesenhar a
constelação de discursos dominantes na sociedade, bem como o que os suporta e para o que e
quem é válido. O discurso sobre o que é adequado acontece subjetivamente, mas é
solidificado na ação, objetivamente.
O discurso que se espalha pelas organizações, bem como na literatura, é o de que uma
organização é como um conjunto de representações que estão diretamente voltadas a uma
proposta objetivada de vantagem competitiva. Pesquisadores quando compartilham dessa
visão exploram o efeito desse poder em sustentar e modernizar regimes particulares de
administração pelos mecanismos da disciplina e da vigilância (Knights, 1994). Entre as
necessidades, ditadas para as organizações, como a exigência de apresentação de
demonstrações e racionalizações para credores e acionistas, o desenvolvimento de
companhias multidivisionais e multinacionais, o crescimento da educação gerencial, gerando
novas disciplinas, o incremento da importância do mercado e do consumo nas economias do
ocidente, além de outras tantas, fazem parte do discurso espalhado pelo mundo organizacional
(Knights, 1994).
O poder para Foucault (1980), não é algo que é adquirido, amarrado ou dividido, algo
que algum ator detém, mas é relacional e torna-se aparente quando é exercido. Em função
desse aspecto relacional, é que o poder não pode ser associado a uma instituição particular,
11
mas com as práticas, técnicas e procedimentos empregados em vários níveis e através de
diversas dimensões (Townley, 1993). Então questões como quem tem poder?, ou onde, em
que o poder reside? nessa ótica precisam ser mudadas e reconhecidas com a questão como,
quais práticas, técnicas e procedimentos proporcionam esse efeito (Townley, 1993). Dessa
forma, a prática do poder pode ser caracterizada por um discurso, por lei, mas também por
uma fechada grade de ligações de coerções disciplinares com o propósito de assegurar a
coesão de um corpo social (Foulcault, 1980).
As relações de poder, no plano do discurso são caracterizadas então pela
intersubjetividade, pelas relações entre os atores. A concretização do poder aconteceria no
plano concreto e objetivo das ações, particularmente mediante o controle de determinados
recursos materiais, como financeiros, matéria-prima entre outros bem como imateriais como a
legitimidade das práticas, o ajuste com os parâmetros estipulados socialmente, ou a tentativa
de convencer e fazer prevalecer padrões mais ajustados aos interesses próprios de
determinado ator.
Para Bourdieu e Wacquant (1992, p. 96) pensar em termos de campo “é pensar
relacionalmente”, compreendido enquanto interação e intersubjetividade. A noção de campo
pressupõe uma ruptura com a representação realista a qual conduz a redução do efeito do
ambiente para o efeito da ação direta como atualizada durante uma interação: “a cada
momento, o estado das relações de força entre os atores é o que define a estrutura do campo”
(Bourdieu e Wacquant, 1992, p. 99), onde cada ator tem uma espécie de capital, uma relativa
força no jogo, relativa posição e uma orientação estratégica.
As fronteiras de um campo podem são marcadas por “barreiras de entrada mais ou
menos institucionalizadas”(Bourdieu e Wacquant, 1992, p. 100). Então os limites de um
campo organizacional estão situados no ponto onde os efeitos do campo cessam.
Para Bourdieu e Wacquant (1992) uma análise em termos de campo envolve três
momentos necessários e internamente conectados. Primeiro, análise das posições vis-à-vis,
pois o campo é contido dentro de um campo de poder. Segundo, mapear a estrutura objetiva
das relações entre posições ocupadas pelos atores que competem por legitimadas formas de
autoridade específica do qual o campo está inserido. E terceiro, analisar o hábito dos agentes,
os diferentes sistemas de disposições que eles têm adquirido pela internalização de um
determinado tipo de condição social e econômica.
Powell (1991, p. 191) aponta quatro caminhos para a reprodução institucional, que
estão fortemente atrelados às relações de poder: “(1) o exercício do poder, (2)
interdependências complexas, (3) suposições tidas como adequadas, (4) desenvolvimento de
processos de dependência”. O poder está relacionado com a preservação histórica de padrões
de valores. A intervenção das elites também pode ser fundamental na formação institucional,
onde se procuram manter as práticas, procedimentos e valores que dão sustentação às
convenções das elites. Quanto à interdependência, acontece a partir de relações hierárquicas,
partindo de organizações centrais, onde as práticas resistem aos esforços para a mudança.
Quanto aos padrões sociais, providenciam definições morais de intenções e regulações acerca
da vida social. Quanto ao quarto fator, alega que as práticas e procedimentos têm efeitos
externos positivos, consequentemente, as escolhas feitas por uma organização são bastante
influenciadas pelas escolhas de outras.
De acordo com Friedland e Alford (1991, p. 244) “os limites, os instrumentos e a
estrutura de poder variam institucionalmente, e nem a incerteza nem as relações de poder são
suficientes para explicar as transformações institucionais”. Estas transformações são
simultaneamente materiais e simbólicas, envolvem mudanças na estrutura de poder e
interesses e também nas definições do poder e interesse.
O campo organizacional em estudo, quando os atores se referem ao poder,
concentram-se na organização focal. Embora pareça tautológico perceber o poder como
12
propriedade de grupos ou algum ator, não há como negligenciar ou ignorar o fato de que a
expressão que a organização focal tem tanto no campo quanto no espaço social é percebida
por todos os atores, ela é identificada como poderosa, não apenas pela sua posição no campo,
mas também pela evidência, por parte dos entrevistados, de que a organização focal vai além
das questões econômicas, atingindo também as esferas cultural, social e política.
A notificação de hierarquia no campo, pressupõe que as relações entre os atores e a
organização focal são mais verticais do que horizontais, com exceção de alguns casos em que
as relações são mais bilaterais. Em muitos casos, as relações de poder parecem ser suavizadas
entre àqueles atores que possuem carteira de clientes diversificada, assumindo uma posição
entre-tipos, nacional e internacional, como referência para interpretação do ambiente. São
atores que apresentam objetivamente menores graus de dependência com a organização focal.
A dependência de recursos aparece como vetor para as relações de poder. Embora
poucos admitam que são importantes para a organização focal a ponto de usar este argumento
como forma de amenizar as imposições. Nenhum dos atores se sente dotado de poder nas
relações que estabelece no campo, todos são dispensáveis. O reconhecimento dessa condição
serve para a compreensão de si e dos outros atores do campo organizacional. Essa sensação é
potencializada quando atores não avistam possibilidade para a entrada de outras organizações
maiores no espaço social ou quando constatam que as suas ações não são conjuntas o
suficiente, a ponto de formar um grupo coeso capaz de impor, propor e realizar ações efetivas
que diminuam os impactos sentidos pelas relações de poder instituídas no campo.
O imaginário que se criou em torno da organização focal, ao longo dos tempos é, pelo
menos, intrigante. Além de a organização ser focal, portanto importante para os atores, eles a
percebem como uma organização que está em uma dimensão diferente das demais, inatingível
e inabalável, o que potencializa a crença na impotência dos atores do campo e do espaço
social. Em termos concretos, a organização focal não é para a maioria, orgânica, passível de
falência ou desaparecimento. As razões para tal crença se pautam nas evidências de “grandes
crises” superadas pela organização focal, principalmente da fase em que ela acumulava
prejuízos, chegando praticamente à falência, fase que culminou na venda da organização e
transição de uma gestão familiar para a gestão profissional. Há uma certa segurança de que de
um jeito ou de outro ela sempre vai existir e superar obstáculos.
A confiança na superação de todos os problemas e crises organizacionais acalenta e
alimenta aos que dependem dela e a têm como único padrão de referência. Pode-se inferir que
à medida que os atores forem ultrapassando os padrões de referência locais, alcançando os
níveis nacional e internacional, a percepção da vulnerabilidade das organizações e como
conseqüência da organização focal tende a ser mais intensa. A tensão provocada pela
constatação da instabilidade do ambiente e falibilidade até das grandes organizações,
desencadeia nos atores a necessidade constante de diminuir relações de dependência que
comprometam a sua sobrevivência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista que as estruturas institucionais vão sendo definidas, construídas
socialmente e recebendo altos níveis de influência da organização focal, marcadas por
relações de poder coercitivas ou sutis, um modus operandi vai se cristalizando no campo
organizacional e no espaço social, assegurando certa estabilidade, previsibilidade e
padronização do que é idealizado, neste caso, pela organização focal. E enquanto este modus
operandi vigorar, as relações de poder, os recursos materiais e imateriais, as posições no
campo e no espaço social estarão mais asseguradas. À medida que as relações de poder são
institucionalizadas, os conflitos dentro do campo organizacional e do espaço social tendem a
serem diminuídos, gerando certo conforto e estabilidade em determinadas condições.
13
Se o poder é relacional, se concretiza a partir do discurso, da intersubjetividade, podese afirmar, então, que o discurso que dá sustentação a todas as imposições que a organização
focal efetiva no campo das transações, é elaborado a partir das construções, das estruturas
institucionais, que ao mesmo tempo que oferecem padrões de ação são redefinidas nessas
interações, que são também marcadas por relações de poder. O discurso em torno da
competitividade, da globalização, da qualidade entre outros, sustenta as relações de poder
num plano legítimo e posteriormente componente de estruturas institucionalizadas, o que
permite que as relações de poder sejam sentidas como naturais e legítimas.
As estruturas institucionais então, sustentam e são sustentadas também pelas relações
de poder, que são em parte, responsáveis por processos isomórficos dentro do campo
organizacional. Mediante as relações de poder, os atores têm a possibilidade de determinar
quais são os padrões de ação socialmente aceitáveis, que provavelmente contribuem na
manutenção de um modus operandi interessante para si e que, ao mesmo tempo, garanta a
continuidade das posições dentro do campo.
Conforme apontado, as relações de poder consistem numa das dimensões das
estruturas institucionais do referido campo organizacional. As estruturas institucionais do
campo são também elaboradas a partir das dimensões econômica, política, social e cultural. A
participação da organização focal no espaço social de Videira acontece há quase setenta anos
e isso é levado em consideração nas interações entre os atores, enquanto definem e redefinem
as estruturas institucionais.
As relações que organização focal estabeleceu no campo e no espaço social tem
reforçado, além de relações de dependência, um imaginário de “pertença”. Atores percebem a
organização focal enquanto entidade que pertence ao espaço social. Esse tipo de vínculo é
questionável na medida em que atribui à organização focal características de instituição.
Verificam-se vantagens, como o poder de delimitar estruturas institucionais convergentes com
os seus interesses. Mas até onde isso se constitui em vantagem, se é sobre ela que se
concentram também a constante vigilância e avaliação de suas práticas?
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARLEY, Stephen R.; TOLBERT, Pamela S. Institutionalization and Structuration: studying
the links between action and institution. Organization Studies. Vol. 18, n. 1, p. 93-117,
1997.
BAUM, Joel A C.; OLIVER, Christine. Institutional embeddedness and the dynamics of
organizational populations. American Sociological Review. Vol. 57, n.4, p. 540-559, aug.
1992.
BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loïc J.D. An Invitation to Reflexive Sociology.
Chicago: University of Chicago Press, 1992.
BURNS, Tom R. Social rule system theory. In: BURNS, Tom R.; FLAM, Helena. The
shaping of social organization. London: Sage Publicatios, 1990.
CLEGG, Stewart R.; ORSSATO, Renato J. The political ecology of organizations: toward a
framework for analyzing bussiness-environment relationships. Organization &
Environment. Vol. 12, n. 3, p. 263-279, sep. 1999.
D’AUNNO, Thomas. The role of institutional and market forces in divergent organizational
change. Administrative Science Quarterly. Dec. 2000.
DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. The iron cage revisited: institutional isomorphism
and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, vol. 48, p.
147-160, 1983.
DRYZEK, John S. The informal logic of institutional design. In GOODIN, Robert E. The
Theory of Institutional Design. Cambrige: Cambrige University Press, 1996.
ETZIONI. Amitai. Organizações Complexas: estudo das organizações em face dos
problemas sociais. São Paulo: Atlas, 1971.
FLIGSTEIN, Neil. The transformation of corporate control. Cambrige: Harvard University
Press, 1990.
FOUCAULT, Michel. Power/knowledge: Selected interview and other writings by Michel
Foulcault, 1972-77. Brighton: Harvester, 1980.
FRIEDLAND, Roger; ALFORD, Robert R. Bringing society back in: symbols, practices, and
institutional contradictions. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new
institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991.
GIDDENS, Anthony. The constitution of society. Berkeley: University of California Press,
1984.
HININGS, C.R.; THIBAULT, L.; SLACK, T.; KIKULIS, L.M. Values and organizational
stucture. Human Relations. Vol. 49, n.7, p. 885-916, 1996.
JEPPERSON, Ronald L. Institutions, institutional effects, and institutionalism. In: POWELL,
W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis.
Chicago: University of Chicago Press, 1991.
KNIGHTS, David. Changing spaces: the disruptive impact of a new epistemological location
for the study of management. Academy of Management Review. Vol. 17, n. 3, p. 514-536,
jul. 1992.
LEFEBVRE, Henry. The production of space. Oxford: Basil Blackwell, 1991.
MACHADO-DA-SILVA, Clóvis L.; FONSECA, Valéria Silva da. Competitividade
organizacional: uma tentativa de reconstrução analítica. Organizações e Sociedade, v. 4, n. 7,
p. 97 –114, dez. 1996.
MARCH, James; OLSEN, Johan. Rediscovering institutions: the institutional basis of
politcs. New York: Free Press, 1989.
MARTINEZ, Richard J. Efficiency motives and normative forces: combining transactions
costs and institutional logic. Journal of Management. Jan-feb. 1999.
15
MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized organizations: formal structure as myth
and ceremony. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in
organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991.
MEYER, John. W; ROWAN, Brian. Institutionalized organizations: formal structures as myth
and ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, p. 341-363, 1977.
MIZRUCHI, Mark S. The social construction of organizational knowledge: a study of the
uses of coercive, mimetic, and normative isomorphism. Administrative Science Quarterly.
Dec. 1999.
OLIVER, Christine. Determinats of interorganizational relationships: integration and future
directions. Academy of Management Review. Vol. 15, n. 2, p. 241-265, apr. 1990.
OLIVER, Christine. Strategic responses to institutional process. Academy of Management
Review, v. 16, n.1, p. 145-179, 1991.
OLIVER, Christine. The antecedents of deinstitutionalization. Organization Studies. Vol.
13, n. 4, p-563-588, 1992.
OLSEN, Johan P. Garbage cans, new institutionalism, and the study of politics. American
Political Science Review. Mar, 2001.
PFEFFER, J. Organizations and organization theory. Boston: Pitman, 1982.
POWELL, Walter W. Expanding the scope of institutional analysis. In: POWELL, W;
DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago:
University of Chicago Press, 1991.
SCOTT, W. Richard. Unpacking institutional arguments. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P.
J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of
Chicago Press, 1991.
SCOTT, W. Richard. Institutions and organizations: toward a theoretical synthesis. In:
SCOTT, W. Richard: MEYER, John W. Institucional environments and organizations:
structural complexity and individualism. London: Sage Publications, 1994.
SCOTT, W. Richard. Institutions and Organizations. London: Sage Publications, 1995.
SUCHMAN, Mark C. Localism and globalism in institutional analysis: the emergenge of
contractual norms in venture finance. In: SCOTT, W. Richard.; SOREN, Christensen. The
institutional construction of organizations: international and longitudinal studies. London:
Sage Publications, 1995.
TOWNLEY, Barbara. Foulcault, power / knowledge, and its relevance for human resource
management. Academy of Management Review. Vol. 18, n. 3, p. 518-545, jul. 1993.
16
Download

Organização Focal e Relações de Poder em um Campo