Organização Focal e Relações de Poder em um Campo Organizacional Autoria: Clóvis L. Machado-da-Silva, Claudia Coser RESUMO O presente trabalho vislumbra como contribuição uma análise que compreenda as organizações a partir das suas relações com as outras dentro de um determinado contexto, constituído por dimensões econômicas, históricas, culturais políticas e sociais. O suporte teórico capaz de abranger estas dimensões é constituído pela abordagem institucional que oferece o conceito de campo organizacional, enquanto adequado nível de análise, e as estruturas institucionais, enquanto construções das interações entre os atores. O conceito de espaço social atribui dinâmica ao território que compreende o município de Videira. O estudo se concentra sob um campo organizacional, composto por 40 organizações com uma organização focal – uma empresa agroindustrial de grande porte. Destacam-se no estudo as estruturas institucionais regulativas, normativas e cognitivas do referido campo organizacional, bem como a participação da organização focal nas definições dessas estruturas mediante as diversas dimensões contextuais e as relações de poder. INTRODUÇÃO A compreensão em torno das organizações carece de análises que tenham como perspectiva o contexto ambiental das organizações. Com apoio neste raciocínio o presente estudo privilegia uma análise que se preocupa com elementos das relações interorganizacionais, que transcendem a troca de recursos materiais, ultrapassando a dimensão econômica, e alcançando dimensões políticas, sociais e culturais, historicamente consideradas. No referido espaço social a história da organização focal e do município, por exemplo, se confundem se é que existem duas histórias neste caso. A organização focal foi fundada em 1934 por duas famílias, descendentes italianas, numa vila de nome Perdizes, que se situava numa das margens do Rio do Peixe; do outro lado, a vila Vitória. Quase uma década depois transforma-se no emancipado município de Videira, em Santa Catarina, tendo como prefeito um dos fundadores da organização focal. Por muito tempo o domínio político por parte da organização focal se fez marcante na condução do município. Até os dias atuais é presente o reconhecimento por parte dos atores do campo organizacional e do espaço social, enquanto participantes de uma economia que se sustenta a partir de atividades relacionadas à organização focal, uma agroindústria, movimentando e talvez controlando mais de 90% das atividades do referido espaço social. Torna-se, desta forma, importante considerar as análises do campo organizacional como imerso em níveis mais abrangentes, do global ao local, pois, por mais fechada que seja uma sociedade, nos dias atuais, sempre ocorrem influências externas. O recorte para análise, então, vislumbra o campo organizacional enquanto composto e componente do que se denomina de espaço social da cidade de Videira. É via a demarcação do estudo, vislumbrando, o quanto possível, variáveis de contexto, que se propõe a análise de estruturas institucionais regulativas, normativas e cognitivas vigentes no campo organizacional e no espaço social, bem como a avaliação das relações de poder que viabilizam e são viabilizadas por essas estruturas institucionais. Os dados, que consubstanciam as análises deste estudo, foram obtidos a partir de entrevistas semi-estruturadas com atores das 40 organizações do campo organizacional, bem como por meio da análise de documentos, tais como: contratos entre as organizações, jornais, 1 periódicos, literatura histórica sobre o município de Videira. Também pela observação de eventos no espaço social, promovidos mediante ação conjunta dos atores, liderados pela organização focal; ainda, através da observação de seminários realizados pela organização focal com a participação de outros atores do campo organizacional e do espaço social. Ademais, entrevistas não-estruturadas com atores do espaço social foram realizadas nos bancos das praças, nos locais de espera e nas residências dos atores sociais. O propósito da presente investigação, portanto, é procurar trazer para a luz do dia o maior número possível de constatações que permitam inferências da realidade sob estudo. Parte-se da idéia de que as estruturas institucionais do campo organizacional e do espaço social em exame não se distanciam, possuindo praticamente as mesmas bases de construção, que se solidificam a partir das interações entre os atores organizacionais. DELIMITAÇÕES CONTEXTUAIS: CAMPO ORGANIZACIONAL E ESPAÇO SOCIAL O campo organizacional é para Scott (1991) o nível de maior significância para a teoria institucional. Ele se refere a um grupo de organizações que constituem uma área reconhecida de vida institucional, onde são compartilhados sistemas de significados comuns. Conforme Scott (1995), a identificação dos campos organizacionais tem contribuído para o exame dos tipos de diferenciação e dos sistemas de ligações que surgem entre os diversos conjuntos de organizações presentes em determinada localidade. As tentativas de verificar elos entre o nível local e o nível societário podem esclarecer as conexões não locais, as influências culturais, políticas e técnicas. DiMaggio e Powell (1983, p. 148) fazem as seguintes ponderações com relação ao campo organizacional: “Campos somente existem na medida em que são institucionalmente definidos. Os processos de definição institucional ou ‘estruturação’ do campo, consistem de quatro partes: aumento no grau de interação entre as organizações no campo; a emergência de estruturas de dominação e padrões de coesão bem definidos; um aumento na carga informacional com as quais as organizações devem competir e o desenvolvimento de consciência mútua entre os participantes num grupo de organizações que estão envolvidas em um empreendimento comum” Esses requisitos fornecem elementos para o tratamento das 40 organizações em estudo no espaço social de Videira como constituindo um campo organizacional. Ou seja, há entre elas interações, que obedecem ou seguem estruturas definidas em torno de objetivos atrelados a um ciclo econômico instituído, tendo como ator focal uma organização que é responsável por 90% da arrecadação do município e é reconhecida por todos os outros atores como o eixo, a mola mestra ou, até, a mãe do município, onde cada ator se reconhece e reconhece o outro como basicamente unidade de apoio do complexo agroindustrial instaurado no município há quase setenta anos. O fato de que o nível do campo organizacional é permeável a níveis societários maiores (Scott, 1995) conduz à constatação de que o campo organizacional em estudo, dado as suas características específicas de contexto, necessita das delimitações advindas do conceito de espaço social, do espaço que compreende o município de Videira nas suas dimensões econômicas, sociais e culturais, historicamente consideradas. Implica dizer que o referido campo organizacional constitui e é constituído pelo espaço social. Pode-se afirmar que a delimitação das fronteiras entre campo e espaço social é difícil de traçar, no caso em exame. O conceito de espaço social não é estritamente geográfico, mas revelador de atores e ações sociais, um espaço de interação e de convivência marcado pela diversidade e pela 2 homogeneidade, pelo isomorfismo e pelo conflito. De acordo com Lefebvre (1991), o espaço social é uma construção, é produto social que também é útil como ferramenta de pensamento e de ação. Além de conter um significado de produção, também contêm os significados de controle, de dominação e de poder. Se as organizações são um tipo de unidade social (Etzioni, 1971), é necessário compreendê-las a partir da complexidade que as envolvem. É importante visualizá-las com base em visão interdisciplinar, da complementaridade possível entre teorias. O que se pretende, então, é proporcionar à simples demarcação geográfica, objetivada no município de Videira, uma dimensão que possibilite abertura para as dinâmicas sociais que se instauram, para as relações de poder, para as instituições. Significa compreender as relações entre as organizações do campo organizacional sem deixar de considerar o que compõe o gene dessas relações. AS ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS As estruturas institucionais consistem nas pressões de natureza regulativa, normativa e cognitiva existentes no campo organizacional. São definidas e redefinidas a partir da interpretação e interação entre os atores organizacionais, estabelecendo critérios para a legitimidade das ações. A legitimidade, amplamente abordada por institucionalistas, sugere que os contextos institucionais exercem pressão sobre as organizações para justificar suas atividades, o que as estimula a incrementar a legitimidade mediante a acomodação com as estruturas institucionais prevalecentes (Scott, 1995). A conformidade das organizações em relação aos critérios socialmente construídos constitui questão de sobrevivência (Meyer e Rowan, 1991; Scott, 1995; Machado-da-Silva e Fonseca, 1996). O que se quer saber sobre as estruturas institucionais presentes no campo organizacional em estudo pode ser resumido na seguinte pergunta: quais são as estruturas e qual é a influência da organização focal na construção delas. Para tanto foram necessárias entrevistas semi-estruturadas com os dirigentes de cada uma das 40 organizações do campo, bem como a análise de documentos como contratos, ofícios e periódicos. As estruturas institucionais regulativas consistem em regras, sanções e recompensas que regularizam o comportamento dos atores de dado campo organizacional, atuando como mecanismo de controle que pode ser desencadeado formal ou informalmente. A intenção preponderante nas relações interorganizacionais no interior de um campo é a de demonstrar ou melhorar a reputação, imagem, prestígio ou, ainda, o nível de congruência com o contexto institucional. As relações aqui tratadas, ocorrem geralmente em torno daquela organização tida como focal, e que de acordo com Oliver (1990), possuem alto grau de legitimidade o que conduz as novas organizações a se filiarem a organizações conhecidas para adquirir ou incrementar legitimidade. Apropriadas formas organizacionais e comportamentos são assumidos e aceitos como regras no pensamento e ação social (Martinez, 1999; Olsen, 2001); são “estruturas socialmente construídas, de programas ou regras reproduzidas nas rotinas, estabelecendo identidades e roteiros para estas identidades” (Jepperson 1991, p. 146). Os atores buscam estabelecer e manter regras sociais como caminho para a produção de uma comunicação clara, que evite a ambiguidade e o surgimento de conflitos nas interações. De acordo com Burns (1990) atores desenvolvem um sistema social de regras formais ou informais para dar identidade a si próprios, bem como para se diferenciar de outros grupos de atores. As regras dão estabilidade e continuidade à atividade social. Admite-se que sem elas a vida social seria altamente imprevisível e instável. Elas conferem aos atores ferramentas para lidar com as incertezas nas relações, tornando o comportamento do outro mais previsível. 3 As questões que perfizeram a operacionalização das estruturas regulativas incidiram sobre a identificação das regras nas relações com a organização focal e nas atividades, bem como sobre a compreensão e o posicionamento dos atores acerca dessas regras. Contata-se que os atores do campo organizacional obedecem a um conjunto de regras oriundas de três bases principais: as regras concernentes a atividades específicas, que são fiscalizadas por órgãos especializados, que permitem a continuidade das atividades; o segundo caminho regulativo é governamental, viabilizado pela legislação, objetivada nos pré-requisitos legais que possibilitam a legalidade das atividades; a terceira abertura para as estruturas regulativas é estabelecida a partir das relações com a organização focal. As estruturas institucionais regulativas desencadeadas a partir das relações com a organização focal, são constituídas a partir das exigências em relação aos padrões de qualidade dos produtos ou serviços, elementos de troca entre as organizações do campo organizacional. A organização focal também exerce pressões regulativas, características do papel do Estado, quando contrata atores que denomina de terceiros. As exigências implícitas nos contratos dizem respeito ao cumprimento legal, fiscal e principalmente trabalhista. Os atores, sob pena de não receberem vencimentos referentes à prestação dos serviços, entregam para a organização focal toda a documentação necessária para comprovar regularidade legal. São exigências que, usualmente, apenas órgão públicos são obrigados a executar. Desta forma, as relações entre as organizações do campo são facilitadas pelo argumento da legalidade das atividades, ou seja, essas estruturas regulativas constrangem as ações das organizações mas, por outro lado servem de segurança às potenciais interações. Trabalhar com a organização focal significa estar em acordo também com o Estado e com os parâmetros mais atuais do mercado nacional e internacional. Atores também reconhecem as exigências em relação às condições dos produtos e serviços não apenas como requisitos da organização focal, mas como uma ordem mundial do mercado, que chega até aos atores com efeito cascata. O discurso em torno das exigências do mercado, canalizado pela globalização, tornase um dos mecanismos mais consistentes e legítimos para a instituição de estruturas regulativas que dão suporte ao modus operandi da organização focal, aliado, é claro. às sanções pertinentes nas relações de poder entre a organização focal e os demais atores do campo organizacional, reforçadas, ainda mais, na constatação de inevitável dependência da organização focal. Pode-se afirmar que as estruturas regulativas do campo organizacional em estudo são construídas a partir da organização focal e estão instituídas com base nas leis do mercado, principalmente no que tange à qualidade e à competitividade dos produtos e serviços. Dessa forma, a estrutura regulativa em torno desses padrões obriga as organizações a estabelecerem uma conduta de ação bastante rígida, orientada por estas exigências, evidenciando o isomorfismo coercitivo. A finalidade é aproximar-se desses padrões para progredir ou sobreviver. As estruturas normativas consistem em valores e normas enraizadas na lógica da conveniência, daquilo que é adequado (March e Olsen, 1989), o que inclui uma dimensão prescritiva e avaliativa no campo organizacional. Os atores estariam sujeitos à aplicação de normas societárias generalizadas pela existência de uma variedade de padrões ocupacionais e profissionais para os quais os atores estão subscritos (DiMaggio e Powell, 1983) que determinam quais são os meios e fins apropriados dentro de determinados ambientes. Os dirigentes são um grupo crítico no exame dos valores defendidos em um campo organizacional, porque eles controlam o desenho e o funcionamento das organizações. As estruturas podem refletir os valores dos dirigentes e podem mudar também de acordo com a legitimação de novos valores. Em qualquer grupo ou setor de organizações há estratégias aceitas. Elas constituem arquétipos e como tal contêm enunciados sobre valores (domínios 4 preferidos, projetos e princípios de avaliação) e estruturas apropriadas (sistemas de papéis e responsabilidades) para realizar aqueles valores. Elas estão presentes, dentro de um setor como congruentes com a rígida ligação entre valores e estrutura, onde a estrutura seria o instrumento para atingir os resultados estimados (Hinings, Thibault, Slack e Kikulis, 1996). A importância da organização focal para o referido campo organizacional bem como de alguns dos seus dirigentes institucionalizados e compreendidos a partir de papéis sociais, torna-se evidente na definição e redefinição dos valores e normas para todo o campo organizacional e para o espaço social. A compreensão acerca da distribuição dos papeis construídos socialmente é necessária para a identificação das principais fontes de valores e normas que compõem a estrutura normativa do campo organizacional. Com base nos 40 atores entrevistados pode-se afirmar que a compreensão de cada um acerca dos seus papéis está atrelada a identificação de si e do outro como dispensável unidade de apoio às atividades da organização focal. A dependência que os atores têm em relação à organização focal é um dos indícios concretizados a partir da constatação de que mais de 60% dos atores possuem entre 40% a 100% das atividades atreladas à organização focal. Interessante é que os atores se identificam e também identificam os outros atores do campo organizacional como situados na mesma condição, o que parece ser motivo legítimo de conformidade para eles. Em relação ao espaço social, atores se reconhecem enquanto contribuintes, geradores de recursos para o município mediante o pagamento de impostos. Há também o posicionamento pautado na realização de atividades sociais beneficentes. Existe aí clara referência quanto a duas dimensões, a do campo organizacional, que se refere à organização focal (ciclo produtivo) e a do espaço social, associada ao setor público de concretização no cumprimento das obrigações pecuniárias. A freqüência dos valores citados segue uma linha descendente iniciando com o atendimento ao cliente, qualidade, profissionalismo, ética, acompanhamento dos avanços tecnológicos, morais e de rentabilidade dos negócios. A partir daí pode-se fazer uma conexão com os valores intensamente pregados pela organização focal, obedecendo a seguinte ordem: valorização do cliente, desenvolvimento individual, responsabilidade profissional, ética nos relacionamentos, agilidade nas mudanças, trabalho em equipe, satisfação do consumidor e gestão eficaz. Nota-se que os valores presentes no campo que convergem com a organização focal consistem naqueles acerca da valorização do cliente, do profissionalismo, da ética e da gestão eficaz. O discurso em torno do cliente é bastante impregnado de frases prontas do tipo o cliente em primeiro lugar, tanto em organizações públicas quanto privadas. O cliente aqui é percebido como a garantia de sobrevivência, tanto para organizações que tem carteira mais pulverizada de clientes, quanto para aqueles que dependem praticamente da organização focal para sobreviver. É evidente que para àquelas organizações que possuem a organização focal como carro-chefe, as relações são muito mais delicadas no sentido de se ter de cumprir com todas as promessas de qualidade, agilidade e pontualidade. O outro cliente, àquele que se pretende alcançar, também tem sua importância, principalmente para aquelas organizações que se esforçam para diminuir a insegurança de trabalhar em função de apenas um cliente. Outro valor preponderante no campo organizacional consiste no esforço em demonstrar ou fazer as coisas com profissionalismo. Seguramente este valor germinou na organização focal, nos seus árduos processos de transição da gestão familiar para gestão profissional, iniciada em setembro de 1994. Este período inaugurou uma nova fase sob nova direção. Nova gestão onde a competência e o profissionalismo ganharam, aos poucos, espaço dentro da organização, acompanhadas pela disseminação em toda a sua cadeia de relações do campo e do espaço social, mais incisivamente sobre os atores mais dependentes. 5 Acompanhado do profissionalismo, desenvolveu-se o movimento para a qualidade total. Essa dobradinha para muitos entrevistados foi o que realmente alavancou a organização focal na sua fase mais difícil. Valores em torno da qualidade foram disseminados de forma bastante intensa, internamente na organização, e também nas organizações do campo organizacional e no espaço social de Videira. Faixas, alto-falantes, bonés, camisetas, folders, palestras em escolas e seminários foram alguns dos mecanismos de disseminação do ideário da Qualidade Total. Atualmente muitas dessas atividades perduram no espaço social, principalmente nas escolas, pautadas em estratégias de longo prazo. Afinal de contas o que se quer é uma filosofia da qualidade na organização, uma cultura da qualidade, cristalizando conceitos e valores nos futuros funcionários. Sobre a ética, existe um discurso pouco definido, que se objetiva na medida do possível. É levada à serio no campo principalmente quando se tratam questões técnicas, quando é conduzida por regras, sendo interpretada por diversos atores como o sigilo de informações. Em muitos casos a ética serve para enfeitar um discurso que se desmantela com afirmações do tipo tem de ser esperto, duas cobras não podem ficar no mesmo ninho, a gente faz o que dá..., tem de ter aquele jeitinho. Para alguns, ainda, a ética consiste no cumprimento do que se prevê nos contratos assinados. A moral assume o sentido dos bons costumes, pois a cidade é pequena e as pessoas se conhecem. Muitos dirigentes entrevistados são de famílias tradicionais no espaço social, o que facilita a personificação da organização na figura do fundador ou proprietário. Os bons costumes servem para o dirigente enquanto pessoa física, membro de algum grupo social, e que também se estende para a organização. Quanto ao valor gestão eficaz, varia muito em termos de aplicação. Na organização focal abrange a consideração de todos os outros valores defendidos, bem como a gestão eficaz de todos os recursos da organização com a finalidade de remunerar os acionistas. Esse valor sofre redução à medida que se discutem, na maioria das organizações, questões como investir certo ou ganhar nas negociações. São considerados aí índices de rentabilidade, liquidez, entre outros. Enquanto na organização focal este valor perdura e está impregnado nos processos, na maioria das outras organizações ele assume uma característica pontual, ou seja, é levado em conta nas transações, contratos e investimentos pontuados ao longo do tempo. A formação cultural desses dirigentes parece ser fundamental para explicar essa evidência. A procura incessante de acompanhamento do desenvolvimento tecnológico tem sido um dos valores mais apresentados por aquelas organizações do campo que trabalham com a organização focal, mas nas quais o nível de dependência é menor, bem como possuem em sua carteira clientes de outros municípios, estados e até países. O contexto de referência para essas organizações é entre tipos: nacional e internacional. Isso se concretiza na medida em que são feitas viagens para feiras nacionais e internacionais, onde os atores organizacionais trazem novidades para os processos, tanto em termos de conhecimento quanto de bens físicos, como maquinaria de ponta para o campo organizacional. Atores em alguns casos assumem riscos na compra desses bens: trazer junto com o equipamento o desenvolvimento de novos produtos e melhoria no nível de competitividade, ou uma bomba que significa apenas perda de investimento, ficando num canto das instalações sem possibilidade de uso. Os atores entrevistados, que se enquadram com esse valor, e que tiveram resultados positivos e negativos com a experiência, não abandonam a intenção de sempre estar na vanguarda, pois preferem o risco à estagnação. As profissões mais valorizadas nas organizações pelos dirigentes detêm baixa sofisticação organizacional. A valorização das profissões está estritamente associada à atividade fim das organizações, ou seja, os níveis técnico e operacional são bastante valorizados nas organizações. Para se ter uma idéia, apenas seis entrevistados classificaram a profissão do administrador como a mais importante para as organizações. Este número pode 6 ser um dos indicadores do porquê atores organizacionais dirigem as organizações de forma a valorizar questões mais internas como produtividade, eficiência, qualidade do que externas – relações interorganizacionais. Os resultados das entrevistas apontam um número bastante reduzido de organizações que admitem se relacionar com a universidade no sentido de buscar soluções para problemas, desenvolvimento de pesquisa e de conhecimento, entre outros. Dos atores entrevistados, sete reconhecem a importância da universidade local para a gestão de suas organizações, o que é pouco, pois há treze egressos. Pode-se afirmar, por este dado que a universidade local não assume influência marcante nas estruturas normativas das organizações do campo, pelo menos no nível dos dirigentes, entre os quais vinte e seis são graduados. Os outros catorze atores dirigem as organizações com formação educacional que não ultrapassa o ensino médio. Esse grupo é constituído na sua maioria por proprietários, que administram a organização com os filhos, com apoio técnico de alguns profissionais de escritórios de contabilidade ou a próprio punho carregando a organização nas costas, centralizando todas as decisões para si. As relações com a universidade local se concretizam mais a partir da noção de que ela é uma grande organização, grande compradora de produtos e serviços necessários a sua infraestrutura física. Em contrapartida a universidade local tem consciência dessa distância em relação ao empresariado local e se esforça para diminuir esse abismo. Além da sustentação do ciclo vigente no campo organizacional e no espaço social, a universidade local procura disseminar alguns valores do tipo profissionalismo, ética e cidadania. O profissionalismo consiste em um dos valores mais defendidos no curso de administração. Cabe, então, o questionamento sobre a existência de um movimento inverso: em vez de a universidade ser a principal agente das estruturas normativas é ela quem sofre as pressões normativas, nesse caso, advindas primordialmente da organização focal. O que inverte o movimento: O poderio econômico da organização focal? A forte presença de dirigentes da organização focal no quadro docente da universidade? Os alunos, que preenchem quase metade das carteiras da universidade? É possível que a soma desses e de muitos outros fatores contribuam para a transmissão, reprodução e manutenção de valores presentes no ciclo agroindustrial, em que a universidade parece se identificar também, grosso modo, mais enquanto unidade de reforço e de apoio à estruturação econômica, social e política vigente, do que geradora de novos conceitos. De uma forma ou de outra os atores tem ciência de que estão envolvidos com a organização focal, bem como da influência dela sobre os padrões de atividade, pois quem não trabalha para a organização focal, produz alguma coisa para ela, e essa relação extrapola a troca de bens ou serviços. As trocas em termos de construção de uma estrutura normativa porém parecem ser bastante unilaterais, ou seja, iniciam-se, na maioria das vezes, a partir da organização focal, o que para a maioria é legítimo. Os predicados da organização focal têm sido considerados no sentido de orientar as decisões da maioria dos atores do campo e do espaço social. É aquela que incentiva, estimula, conduz, organiza, direciona de forma natural e legítima a maioria das ações sociais organizadas no espaço social, principalmente pela reconhecida capacidade de organização de esforços e recursos. Diante do exposto pode-se questionar: Até que ponto a organização focal pretende ser o que é para o campo organizacional e para o espaço social? Até que ponto é vantagem para ela e para os outros atores organizacionais do espaço social estabelecerem tal relação de dependência? Até que ponto rotular a organização focal como a responsável por tudo é interessante para todos os atores envolvidos nessas relações? São questionamentos feitos aos dirigentes da organização focal e as respostas parecem ter indicado uma revisão das práticas. É um querer e um não querer, pois a relação construída pela organização focal no espaço social e com os outros atores do campo organizacional constitui vantagem à medida que a 7 maioria dos atores compartilha dos valores da organização, os aceita e os legitima. Por outro lado estar em situação de determinar a maioria das coisas implica em estar na vitrine da sociedade e ser freqüentemente cobrada por ações coerentes com o que está instituído no contexto. A organização focal então exerce alto grau de influência sobre as estruturas normativas vigentes no campo organizacional e no espaço social. Muito mais do que a universidade, que parece ser fortemente influenciada por valores da organização focal, e muito mais do que os profissionais de consultoria e agentes do Estado, atores organizacionais apontados por Scott (1994) como responsáveis pela disseminação de valores. Nota-se por parte dos atores a intenção de interagir mais, de trocar mais idéias coletivamente, derivada da constatação de que os atores do campo agem isoladamente e que as suas ações são pouco estratégicas. Alguns valores podem ser definidos e redefinidos a partir dessa vontade e da necessidade de interação, embora ainda enfraquecida. Um envolvimento maior entre os atores do campo e de todo o espaço social poderia ser propulsor também do surgimento de novos valores a serem compartilhados, da reinterpretação e avaliação dos valores vigentes, bem como a interpretação conjunta a respeito do ambiente, de suas identidades, assunto pertinente às estruturas cognitivas. Os elementos cognitivos são as regras que especificam quais tipos de atores são desejáveis, quais feições estruturais podem exibir, que procedimentos eles podem seguir e que significados estão associados com essas ações. As estruturas cognitivas são básicas para as operações do sistema social, providenciando as estruturas para a construção dos sistemas normativos e regulativos. A prevalência ou densidade de uma forma ou prática é freqüentemente empregada como um indicador de legitimidade cognitiva (Fligstein, 1990), e pode ser evidenciada quando atores consideram determinadas normas e regras como caminho natural para se atingir determinados objetivos. As estruturas cognitivas então consistem no resultado da interpretação dos atores acerca do ambiente e das suas identidades, via construção de categorias de interpretação compartilhadas entre os atores do campo organizacional, aplicadas na reflexão e na ação, o que contribui para uma certa ordem social ou ortodoxia no interior do campo organizacional. Convenciona-se iniciar as explanações sobre as estruturas cognitivas a partir da identificação das categorias de interpretação do ambiente, compartilhadas entre os atores organizacionais do campo. Constata-se que o princípio dos discursos se perfila na interpretação de que o que acontece no campo organizacional tem sua origem na organização focal. Como já se evidenciou, as regras e as normas que imperam no campo organizacional objetivamente partem da organização focal, o que assegura certa conexão entre as três estruturas institucionais. Mas há de se estar atento às evidências de disseminação das estratégias dos atores organizacionais do campo diante das incertezas ambientais. As categorias de interpretação do ambiente parecem nortear ações estratégicas um tanto quanto diversificadas. Principia-se pela interpretação do ambiente pelos atores do campo organizacional e atesta-se que as percepções acerca do ambiente estão bastante associadas à competição, dentro e fora do campo organizacional. Os atores públicos declaram não sofrerem pressões derivadas da competição, porém há atores organizacionais que sofrem com a competição em escala internacional. O ambiente para muitas organizações do campo organizacional é competitivo dado o fato de estarem oferecendo produtos e serviços para a organização focal que podem ser substituídos com certa facilidade. Afinal de contas, com muita freqüência concorrentes nacionais e estrangeiros batem na porta da organização focal para apresentarem as vantagens dos seus produtos ou serviços. A ciência destas condições impulsiona muitos atores do campo a procurarem se situar, o quanto possível, próximos do que há de inovador, avançado e 8 competitivo. O ambiente de referência para estes atores organizacionais é entre-tipos ou híbrido, isto, tanto nacional como internacional. Essa preocupação é percebida com mais intensidade, nas declarações de atores que procuram expandir a sua carteira de clientes, tentando se desvencilhar da relação de dependência da organização focal. Um dado interessante consiste na afirmação, por parte deste grupo de atores, de que a organização focal faz questão que os negócios sejam expandidos. Em alguns casos o incentivo é objetivo e declarado. Ao mesmo tempo em que a organização focal valoriza as organizações locais, visando vantagens estratégicas, ela também estimula a ultrapassagem das fronteiras locais. Parece ser indício de tentativa da organização focal de contornar um fenômeno que ela mesma criou. É certamente interessante para a organização focal ter uma cadeia de fornecedores locais competitiva, que lhe forneça serviços e produtos com preços e qualidade desejadas e próximas de seu parque industrial, o que reduz sensivelmente os custos. O poder que se tem a partir das relações de dependência também constitui vantagem, mas o que parece preocupar é a responsabilidade inclusa na relação. A constante cobrança por parte dos atores, aliada à centralidade da organização, constituem limitação a ser constantemente considerada nas ações da organização focal, pois as demais também esperam, em contrapartida, ações legítimas. A constante revisão do ambiente institucional pode afetar os resultados técnicos (Scott, 1994). Um exemplo de cobrança por parte do campo e do espaço social, é que ela continue sendo o que é – eixo, mãe entre outros termos citados, já que os rumos do campo e do espaço social obedecem esta ordem desde a origem. O elo é econômico, social, político e cultural, historicamente construído; enfim transcende os limites dos conceitos genuinamente técnicos a respeito das organizações. Aqui a relação é visceral nas diversas dimensões. Como conseqüência, as discussões despontam: Até que ponto a organização focal sacrifica índices técnicos em detrimento de resposta adequada às pressões institucionais presentes no campo organizacional e no espaço social em análise? Preferiria ela estar num espaço social maior, deixar de ser focal e de ser cobrada e avaliada constantemente pelas decisões que escolhe? Não significa afirmar que em espaços maiores, entre muitas organizações, uma organização como a organização focal não vá sofrer com pressões institucionais, mas no mínimo não vai ser percebida como tendo propriedades de instituição, o que leva a que se preocupe muito mais com as pressões institucionais do ambiente do que com questões técnicas. A fim de obterem legitimidade, as organizações criam mitos sobre si próprias por meio da perpetuação de atividades simbólicas, cerimoniais e históricas (Mizruchi, 1999). A organização focal, conforme demonstrado, já possui todos estes elementos instituídos tanto no campo organizacional como no espaço social, conseguindo extrair deles, de forma bastante legítima os recursos de que precisa ao mesmo tempo em que desenvolve uma estrutura poderosa (Pfeffer, 1982), a partir da dependência e do imaginário desenvolvidos em torno dela, trunfo que parece ter se tornado uma incógnita, um risco para as decisões da organização. As três estruturas institucionais oferecem ascensão à legitimidade, definida como uma “condição refletindo o alinhamento cultural, suporte normativo ou consonância com normas e leis relevantes” (Scott, 1995, p. 45). Embora a legitimidade seja possuída objetivamente, é criada subjetivamente (Suchman, 1995, p. 574), ou seja, concretiza-se a partir das interações entre os atores do campo que, de acordo Oliver (1991), não são simplesmente recipientes passivos dos processos de legitimação, mas trabalham ativamente para influenciar e manipular as avaliações normativas que recebem nas múltiplas relações. Para Baum e Oliver (1992) à medida que uma população ou organização cresce ela passa a ser mais assistida pela comunidade, pelos órgãos governamentais, pela comunidade institucional. Desta forma o controle social sobre as organizações passa a ser mais intenso. Essa assertiva é corroborada pela verificação de que a organização focal ao passo que ocupou 9 dimensões maiores e mais profundas no espaço social e no campo organizacional, adquiriu autoridade, legitimidade para impor condições para os atores do campo. Em contrapartida, há um preço a pagar, a vigilância dos níveis societários mais próximos torna-se constante, intensa e, até, constrangedora. A abordagem institucional é apropriada para o presente estudo na medida em que representa uma “mudança de foco, da lógica de cálculo racional de conseqüências utilitárias, tendendo a priorizar preferências para formas alternativas de inteligência e lógica de comportamento, explorando a lógica do apropriado, fundamentada num senso de identidade” (March e Olsen, 1989, p. 23), pois para se compreender o mosaico organizacional da moderna sociedade é necessário ir além da imagem das hierarquias e dos mercados (Olsen, 2001), ir além da lógica funcional e instrumental. AS RELAÇÕES DE PODER Já afirmavam Meyer e Rowan (1977) que é preciso ter abertura para as possibilidades de que atores institucionais têm, freqüentemente, múltiplos e inconsistentes interesses. Para (D’Aunno, 2000) as forças do mercado e as forças institucionais afetam as mudanças divergentes num campo organizacional, dentro de um diferente contexto histórico. A partir dos interesses inconsistentes que surgem no campo organizacional, os conflitos são inevitáveis e as relações de poder indispensáveis. As relações que geram conflitos compreendem a oposição gerada a partir dos diversos interesses, formas de agir e interpretar a realidade, desencadeados nas interações entre os atores do campo organizacional. É sabido que o conflito não consiste no foco de análise do institucionalismo, que se volta mais para as questões associadas ao que está instituído, ao que está mais ou menos estável e previsível. Dessa forma as análises sobre conflito serão assentadas nas versões da abordagem institucional e do espaço social, que captura a diversidade e o conflito de forma mais enfática. Há que se admitir que mesmo em ambientes e relações altamente institucionalizadas o conflito está presente, explícito ou latente. Os atores entrevistados admitem a presença de conflitos nos discursos, na divergência de idéias, nas relações entre os atores do campo, na competição e principalmente nas relações de poder. Para Clegg e Orssato (1999) se o conhecimento está imerso em estruturas e rotinas mais que em pessoas, então o poder está incorporado nas relações do conhecimento que estão embebidas na cultura de um campo organizacional. Nestas culturas, organizações representativas são centrais, visando influenciar o desenvolvimento de estratégias ambientais. Um episódio em que o poder é exercido faz diferença, dependendo de como o campo organizacional é sistematicamente estruturado. Ele não pode ser exercido independentemente de um contexto que mantém e estabiliza o acesso de atores aos recursos. E os caminhos em que as relações de poder estão constituídas dependem da reprodução de certos percursos obrigatórios para se fazer coisas. Rotinas formais e informais são exemplos claros disso. É reconhecida a capacidade dos atores de manipular e reinterpretar e contestar estes símbolos e práticas das instituições. E a natureza institucional do poder fornece oportunidades específicas não apenas para a reprodução, mas também para a transformação. Existe relação entre a ação dos atores, que são as organizações, com uma estrutura social maior, que é o campo organizacional. As instituições aqui, exibem uma inerente dualidade: “elas surgem de, e constrangem a ação social (...) constituindo-se em normas e tipificações compartilhadas que identificam categorias de atores sociais e suas apropriadas atividades e relações (...) instituições que têm pouca história, pouca profundidade e pouca aceitação estão mais vulneráveis aos desafios, bem como são menos aptas para influenciar ações”(Barley e Tolbert, 1997, p. 95-96). 10 Giddens (1984) oferece um esquema que apresenta a estruturação dos domínios institucionais e de ação (vide Figura 1). O domínio institucional representa a existência de uma estrutura de regras e tipificações derivadas de uma história cumulativa de ação e interação. Figura 1: Modelo de Estruturação Domínio Institucional Significação Dominação Legitimação (Modalidades) Esquemas Interpretativos Recursos Normas Domínio da Ação Comunicação Poder Sanções Fonte: GIDDENS, Anthony. The constitution of society. Berkeley: University of California Press, 1984. De acordo com Giddens (1984), imperativos institucionais consistem em princípios gerais preparados sob sistemas de significação, dominação e legitimação. Em contrapartida, o domínio da ação se refere aos reais arranjos dos atores, objetos e eventos do desenvolvimento da vida social. Autores como Dryzek (1996), atestam que as instituições estão muito atreladas aos discursos, ou seja, às regras, procedimentos, normas e padrões seriam comparadas ao hardware, enquanto que o discurso em torno do que é tido como adequado seria o software. Para o autor o desenho institucional é em grande parte uma questão de redesenhar a constelação de discursos dominantes na sociedade, bem como o que os suporta e para o que e quem é válido. O discurso sobre o que é adequado acontece subjetivamente, mas é solidificado na ação, objetivamente. O discurso que se espalha pelas organizações, bem como na literatura, é o de que uma organização é como um conjunto de representações que estão diretamente voltadas a uma proposta objetivada de vantagem competitiva. Pesquisadores quando compartilham dessa visão exploram o efeito desse poder em sustentar e modernizar regimes particulares de administração pelos mecanismos da disciplina e da vigilância (Knights, 1994). Entre as necessidades, ditadas para as organizações, como a exigência de apresentação de demonstrações e racionalizações para credores e acionistas, o desenvolvimento de companhias multidivisionais e multinacionais, o crescimento da educação gerencial, gerando novas disciplinas, o incremento da importância do mercado e do consumo nas economias do ocidente, além de outras tantas, fazem parte do discurso espalhado pelo mundo organizacional (Knights, 1994). O poder para Foucault (1980), não é algo que é adquirido, amarrado ou dividido, algo que algum ator detém, mas é relacional e torna-se aparente quando é exercido. Em função desse aspecto relacional, é que o poder não pode ser associado a uma instituição particular, 11 mas com as práticas, técnicas e procedimentos empregados em vários níveis e através de diversas dimensões (Townley, 1993). Então questões como quem tem poder?, ou onde, em que o poder reside? nessa ótica precisam ser mudadas e reconhecidas com a questão como, quais práticas, técnicas e procedimentos proporcionam esse efeito (Townley, 1993). Dessa forma, a prática do poder pode ser caracterizada por um discurso, por lei, mas também por uma fechada grade de ligações de coerções disciplinares com o propósito de assegurar a coesão de um corpo social (Foulcault, 1980). As relações de poder, no plano do discurso são caracterizadas então pela intersubjetividade, pelas relações entre os atores. A concretização do poder aconteceria no plano concreto e objetivo das ações, particularmente mediante o controle de determinados recursos materiais, como financeiros, matéria-prima entre outros bem como imateriais como a legitimidade das práticas, o ajuste com os parâmetros estipulados socialmente, ou a tentativa de convencer e fazer prevalecer padrões mais ajustados aos interesses próprios de determinado ator. Para Bourdieu e Wacquant (1992, p. 96) pensar em termos de campo “é pensar relacionalmente”, compreendido enquanto interação e intersubjetividade. A noção de campo pressupõe uma ruptura com a representação realista a qual conduz a redução do efeito do ambiente para o efeito da ação direta como atualizada durante uma interação: “a cada momento, o estado das relações de força entre os atores é o que define a estrutura do campo” (Bourdieu e Wacquant, 1992, p. 99), onde cada ator tem uma espécie de capital, uma relativa força no jogo, relativa posição e uma orientação estratégica. As fronteiras de um campo podem são marcadas por “barreiras de entrada mais ou menos institucionalizadas”(Bourdieu e Wacquant, 1992, p. 100). Então os limites de um campo organizacional estão situados no ponto onde os efeitos do campo cessam. Para Bourdieu e Wacquant (1992) uma análise em termos de campo envolve três momentos necessários e internamente conectados. Primeiro, análise das posições vis-à-vis, pois o campo é contido dentro de um campo de poder. Segundo, mapear a estrutura objetiva das relações entre posições ocupadas pelos atores que competem por legitimadas formas de autoridade específica do qual o campo está inserido. E terceiro, analisar o hábito dos agentes, os diferentes sistemas de disposições que eles têm adquirido pela internalização de um determinado tipo de condição social e econômica. Powell (1991, p. 191) aponta quatro caminhos para a reprodução institucional, que estão fortemente atrelados às relações de poder: “(1) o exercício do poder, (2) interdependências complexas, (3) suposições tidas como adequadas, (4) desenvolvimento de processos de dependência”. O poder está relacionado com a preservação histórica de padrões de valores. A intervenção das elites também pode ser fundamental na formação institucional, onde se procuram manter as práticas, procedimentos e valores que dão sustentação às convenções das elites. Quanto à interdependência, acontece a partir de relações hierárquicas, partindo de organizações centrais, onde as práticas resistem aos esforços para a mudança. Quanto aos padrões sociais, providenciam definições morais de intenções e regulações acerca da vida social. Quanto ao quarto fator, alega que as práticas e procedimentos têm efeitos externos positivos, consequentemente, as escolhas feitas por uma organização são bastante influenciadas pelas escolhas de outras. De acordo com Friedland e Alford (1991, p. 244) “os limites, os instrumentos e a estrutura de poder variam institucionalmente, e nem a incerteza nem as relações de poder são suficientes para explicar as transformações institucionais”. Estas transformações são simultaneamente materiais e simbólicas, envolvem mudanças na estrutura de poder e interesses e também nas definições do poder e interesse. O campo organizacional em estudo, quando os atores se referem ao poder, concentram-se na organização focal. Embora pareça tautológico perceber o poder como 12 propriedade de grupos ou algum ator, não há como negligenciar ou ignorar o fato de que a expressão que a organização focal tem tanto no campo quanto no espaço social é percebida por todos os atores, ela é identificada como poderosa, não apenas pela sua posição no campo, mas também pela evidência, por parte dos entrevistados, de que a organização focal vai além das questões econômicas, atingindo também as esferas cultural, social e política. A notificação de hierarquia no campo, pressupõe que as relações entre os atores e a organização focal são mais verticais do que horizontais, com exceção de alguns casos em que as relações são mais bilaterais. Em muitos casos, as relações de poder parecem ser suavizadas entre àqueles atores que possuem carteira de clientes diversificada, assumindo uma posição entre-tipos, nacional e internacional, como referência para interpretação do ambiente. São atores que apresentam objetivamente menores graus de dependência com a organização focal. A dependência de recursos aparece como vetor para as relações de poder. Embora poucos admitam que são importantes para a organização focal a ponto de usar este argumento como forma de amenizar as imposições. Nenhum dos atores se sente dotado de poder nas relações que estabelece no campo, todos são dispensáveis. O reconhecimento dessa condição serve para a compreensão de si e dos outros atores do campo organizacional. Essa sensação é potencializada quando atores não avistam possibilidade para a entrada de outras organizações maiores no espaço social ou quando constatam que as suas ações não são conjuntas o suficiente, a ponto de formar um grupo coeso capaz de impor, propor e realizar ações efetivas que diminuam os impactos sentidos pelas relações de poder instituídas no campo. O imaginário que se criou em torno da organização focal, ao longo dos tempos é, pelo menos, intrigante. Além de a organização ser focal, portanto importante para os atores, eles a percebem como uma organização que está em uma dimensão diferente das demais, inatingível e inabalável, o que potencializa a crença na impotência dos atores do campo e do espaço social. Em termos concretos, a organização focal não é para a maioria, orgânica, passível de falência ou desaparecimento. As razões para tal crença se pautam nas evidências de “grandes crises” superadas pela organização focal, principalmente da fase em que ela acumulava prejuízos, chegando praticamente à falência, fase que culminou na venda da organização e transição de uma gestão familiar para a gestão profissional. Há uma certa segurança de que de um jeito ou de outro ela sempre vai existir e superar obstáculos. A confiança na superação de todos os problemas e crises organizacionais acalenta e alimenta aos que dependem dela e a têm como único padrão de referência. Pode-se inferir que à medida que os atores forem ultrapassando os padrões de referência locais, alcançando os níveis nacional e internacional, a percepção da vulnerabilidade das organizações e como conseqüência da organização focal tende a ser mais intensa. A tensão provocada pela constatação da instabilidade do ambiente e falibilidade até das grandes organizações, desencadeia nos atores a necessidade constante de diminuir relações de dependência que comprometam a sua sobrevivência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista que as estruturas institucionais vão sendo definidas, construídas socialmente e recebendo altos níveis de influência da organização focal, marcadas por relações de poder coercitivas ou sutis, um modus operandi vai se cristalizando no campo organizacional e no espaço social, assegurando certa estabilidade, previsibilidade e padronização do que é idealizado, neste caso, pela organização focal. E enquanto este modus operandi vigorar, as relações de poder, os recursos materiais e imateriais, as posições no campo e no espaço social estarão mais asseguradas. À medida que as relações de poder são institucionalizadas, os conflitos dentro do campo organizacional e do espaço social tendem a serem diminuídos, gerando certo conforto e estabilidade em determinadas condições. 13 Se o poder é relacional, se concretiza a partir do discurso, da intersubjetividade, podese afirmar, então, que o discurso que dá sustentação a todas as imposições que a organização focal efetiva no campo das transações, é elaborado a partir das construções, das estruturas institucionais, que ao mesmo tempo que oferecem padrões de ação são redefinidas nessas interações, que são também marcadas por relações de poder. O discurso em torno da competitividade, da globalização, da qualidade entre outros, sustenta as relações de poder num plano legítimo e posteriormente componente de estruturas institucionalizadas, o que permite que as relações de poder sejam sentidas como naturais e legítimas. As estruturas institucionais então, sustentam e são sustentadas também pelas relações de poder, que são em parte, responsáveis por processos isomórficos dentro do campo organizacional. Mediante as relações de poder, os atores têm a possibilidade de determinar quais são os padrões de ação socialmente aceitáveis, que provavelmente contribuem na manutenção de um modus operandi interessante para si e que, ao mesmo tempo, garanta a continuidade das posições dentro do campo. Conforme apontado, as relações de poder consistem numa das dimensões das estruturas institucionais do referido campo organizacional. As estruturas institucionais do campo são também elaboradas a partir das dimensões econômica, política, social e cultural. A participação da organização focal no espaço social de Videira acontece há quase setenta anos e isso é levado em consideração nas interações entre os atores, enquanto definem e redefinem as estruturas institucionais. As relações que organização focal estabeleceu no campo e no espaço social tem reforçado, além de relações de dependência, um imaginário de “pertença”. Atores percebem a organização focal enquanto entidade que pertence ao espaço social. Esse tipo de vínculo é questionável na medida em que atribui à organização focal características de instituição. Verificam-se vantagens, como o poder de delimitar estruturas institucionais convergentes com os seus interesses. Mas até onde isso se constitui em vantagem, se é sobre ela que se concentram também a constante vigilância e avaliação de suas práticas? 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARLEY, Stephen R.; TOLBERT, Pamela S. Institutionalization and Structuration: studying the links between action and institution. Organization Studies. Vol. 18, n. 1, p. 93-117, 1997. BAUM, Joel A C.; OLIVER, Christine. Institutional embeddedness and the dynamics of organizational populations. American Sociological Review. Vol. 57, n.4, p. 540-559, aug. 1992. BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loïc J.D. An Invitation to Reflexive Sociology. Chicago: University of Chicago Press, 1992. BURNS, Tom R. Social rule system theory. In: BURNS, Tom R.; FLAM, Helena. The shaping of social organization. London: Sage Publicatios, 1990. CLEGG, Stewart R.; ORSSATO, Renato J. The political ecology of organizations: toward a framework for analyzing bussiness-environment relationships. Organization & Environment. Vol. 12, n. 3, p. 263-279, sep. 1999. D’AUNNO, Thomas. The role of institutional and market forces in divergent organizational change. Administrative Science Quarterly. Dec. 2000. DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, vol. 48, p. 147-160, 1983. DRYZEK, John S. The informal logic of institutional design. In GOODIN, Robert E. The Theory of Institutional Design. Cambrige: Cambrige University Press, 1996. ETZIONI. Amitai. Organizações Complexas: estudo das organizações em face dos problemas sociais. São Paulo: Atlas, 1971. FLIGSTEIN, Neil. The transformation of corporate control. Cambrige: Harvard University Press, 1990. FOUCAULT, Michel. Power/knowledge: Selected interview and other writings by Michel Foulcault, 1972-77. Brighton: Harvester, 1980. FRIEDLAND, Roger; ALFORD, Robert R. Bringing society back in: symbols, practices, and institutional contradictions. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991. GIDDENS, Anthony. The constitution of society. Berkeley: University of California Press, 1984. HININGS, C.R.; THIBAULT, L.; SLACK, T.; KIKULIS, L.M. Values and organizational stucture. Human Relations. Vol. 49, n.7, p. 885-916, 1996. JEPPERSON, Ronald L. Institutions, institutional effects, and institutionalism. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991. KNIGHTS, David. Changing spaces: the disruptive impact of a new epistemological location for the study of management. Academy of Management Review. Vol. 17, n. 3, p. 514-536, jul. 1992. LEFEBVRE, Henry. The production of space. Oxford: Basil Blackwell, 1991. MACHADO-DA-SILVA, Clóvis L.; FONSECA, Valéria Silva da. Competitividade organizacional: uma tentativa de reconstrução analítica. Organizações e Sociedade, v. 4, n. 7, p. 97 –114, dez. 1996. MARCH, James; OLSEN, Johan. Rediscovering institutions: the institutional basis of politcs. New York: Free Press, 1989. MARTINEZ, Richard J. Efficiency motives and normative forces: combining transactions costs and institutional logic. Journal of Management. Jan-feb. 1999. 15 MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991. MEYER, John. W; ROWAN, Brian. Institutionalized organizations: formal structures as myth and ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, p. 341-363, 1977. MIZRUCHI, Mark S. The social construction of organizational knowledge: a study of the uses of coercive, mimetic, and normative isomorphism. Administrative Science Quarterly. Dec. 1999. OLIVER, Christine. Determinats of interorganizational relationships: integration and future directions. Academy of Management Review. Vol. 15, n. 2, p. 241-265, apr. 1990. OLIVER, Christine. Strategic responses to institutional process. Academy of Management Review, v. 16, n.1, p. 145-179, 1991. OLIVER, Christine. The antecedents of deinstitutionalization. Organization Studies. Vol. 13, n. 4, p-563-588, 1992. OLSEN, Johan P. Garbage cans, new institutionalism, and the study of politics. American Political Science Review. Mar, 2001. PFEFFER, J. Organizations and organization theory. Boston: Pitman, 1982. POWELL, Walter W. Expanding the scope of institutional analysis. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991. SCOTT, W. Richard. Unpacking institutional arguments. In: POWELL, W; DIMAGGIO, P. J. (Eds.). The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, 1991. SCOTT, W. Richard. Institutions and organizations: toward a theoretical synthesis. In: SCOTT, W. Richard: MEYER, John W. Institucional environments and organizations: structural complexity and individualism. London: Sage Publications, 1994. SCOTT, W. Richard. Institutions and Organizations. London: Sage Publications, 1995. SUCHMAN, Mark C. Localism and globalism in institutional analysis: the emergenge of contractual norms in venture finance. In: SCOTT, W. Richard.; SOREN, Christensen. The institutional construction of organizations: international and longitudinal studies. London: Sage Publications, 1995. TOWNLEY, Barbara. Foulcault, power / knowledge, and its relevance for human resource management. Academy of Management Review. Vol. 18, n. 3, p. 518-545, jul. 1993. 16