UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CAMILA LOPES FERREIRA TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira DISSERTAÇÃO PONTA GROSSA 2010 CAMILA LOPES FERREIRA TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Área de Concentração: Conhecimento e Inovação. Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Pilatti PONTA GROSSA 2010 Durante este trabalho... As dificuldades não foram poucas... Os desafios foram muitos... Os obstáculos, muitas vezes, pareciam intransponíveis. Muitas vezes me senti só, e, assim, o estive... O desânimo quis contagiar, porém a garra e a tenacidade foram mais fortes, sobrepondo esse sentimento, fazendome seguir a caminhada, apesar da sinuosidade do caminho. Agora, ao olhar para trás, a sensação de dever cumprido se faz presente e posso constatar que as noites de sono perdidas, o cansaço, os longos tempos de leitura, digitação, discussão, ansiedade em querer fazer e a angústia de muitas vezes não o conseguir, por problemas estruturais; não foram em vão. Aqui estou, como sobrevivente de uma longa batalha, porém muito mais forte, com coragem para mudar a minha postura, apesar de todos os percalços... A cada vitória o reconhecimento devido ao meu Deus, pois só Ele é digno de toda honra, glória e louvor. AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas do meu convívio que acreditaram e contribuíram, mesmo que indiretamente, para a conclusão desse estudo. Aos meus pais Célia Acácia e Antonio Carlos, por terem feito o possível e o impossível para me oferecerem a oportunidade de estudar, nunca deixando que as dificuldades acabassem com os meus sonhos, serei imensamente grata. Aos meus irmãos, por terem sentido junto comigo, todas as angústias e felicidades, acompanhando cada passo de perto. Pelo amor, amizade e apoio depositados, agradeço de coração. Às minhas filhas, que embora não tivessem consciência da importância dessa conquista, aceitaram a minha ausência quando necessário e iluminaram de maneira especial os meus pensamentos me levando a buscar mais conhecimento. Professor Pilatti, “chegamos” ao fim. Meu orientador e organizador dos meus pensamentos mais desconexos, um muito obrigada especial pelo seu incentivo, carinho e, acima de tudo, paciência. Aos meus amigos e familiares, relegados a segundo plano por conta da vida de mestranda, mas que nunca deixaram de estar ao meu lado. Enfim, a todos os que por algum motivo contribuíram para a realização dest e estudo, agradeço por acreditarem no meu potencial, na minha profissão, nas minhas idéias, nos meus devaneios, principalmente quando nem eu mais acreditava. Sem vocês nada disso seria possível. “Quem é mestre na arte de viver distingue pouco entre o trabalho e o tempo livre, entre a própria mente e o próprio corpo, entre a sua educação e a sua recreação, entre o seu amor e a sua religião. Com dificuldade sabe o que é uma coisa e outra. Busca simplesmente uma visão de excelência em tudo que faz, deixando que os outros decidam se está trabalhando ou brincando. Ele pensa sempre em fazer ambas as coisas ao mesmo tempo.” (DE MASI, 2001) RESUMO FERREIRA, Camila Lopes. Trabalho, tempo livre e lazer: uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira. 2010. 80 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ponta Grossa, 2010. A existência da vida humana está atrelada ao trabalho, tanto na estrutura da sociedade como na formação do sujeito na modernidade. O trabalho causou crises ao longo da história, valores e categorias foram sendo alterados, exigindo nova caracterização. Assim, o trabalho teve domínio na estrutura social, até que o tempo livre e o lazer passaram a integrá-la. Esse estudo tem como objetivo analisar as possibilidades de uso do tempo no espectro do tempo livre dos trabalhadores brasileiros. Para tanto, o procedimento técnico adotado para a coleta de dados foi o da pesquisa documental. O referido documento trata-se da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no ano de 2005. A partir desse estudo, pode-se perceber a necessidade de se refletir sobre o uso do tempo, seja este livre ou destinado ao trabalho ou ao lazer; já que o mesmo contribui de forma direta na produção e na estrutura da sociedade como um todo. Trabalho, tempo livre e lazer são interdependentes mesmo estando em esferas diferentes. Sendo assim, é imprescindível tratar o tempo como elemento estruturante da vida humana. Palavras-chave: Trabalho. Tempo livre. Lazer. Uso do tempo. ABSTRACT FERREIRA, Camila Lopes. Work, free time e leisure: a reflexion about the use of time by The Brazilian population. 2010. 80 f. Dissertation (Master in Production Engineering) - Graduate Program in Production Engineering, Federal Technological University of Paraná. Ponta Grossa, 2010. The existence of the human life is connected to work, as much the structure of societty as the formation of a person in the modernity. Work has caused crisis during history, values and cathegories have been changed, demanding a new characterization. This way, work has controlled our social structure, and has reached the point that even our free time and leisure started being integrated into it. This study has as goal to analyze the possibilities of using the time during The Brazilian workers free time. Therefore, the tecnical procedure adopted for this data collection was a documented research. The referring document is based on a nacional research through some sample residences, developed by The Brazilian Geography and Statistic Institute, in 2005. After this study, it can be noticed the necessity of reflection about how the time is used, being it during the free time, the work time or the leisure one, once time contributes the production and the structure of society in a direct way as a whole. Work, free time and leisure are dependable of each other even being found in different contexts. This way is essential to deal with time as a structuring element of the human's life. Keywords: Work. Free time. Leisure. The use of the time. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legal……………..33 Gráfico 2 – Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por sexo – Brasil – 2001 e 2005…………………………………46 Gráfico 3 – Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade do sexo masculino que cuidam de afazeres domésticos por sexo – Brasil – 2001 e 2005......................47 Gráfico 4 - Número médio de horas semanais gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor/raça - Brasil - 2005................52 Gráfico 5 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por sexo e grupos de idade - Brasil - 2005.............55 Gráfico 6 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuida de afazeres domésticos por sexo e condição na família - Brasil - 2005.........................63 Gráfico 7 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e condição na família - Brasil - 2005.................65 Gráfico 8 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e tipo de família - Brasil - 2005..........................66 Gráfico 9 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de referência da família do sexo feminino por classes de rendimento per capita por e tipo de família - Brasil - 2005......................................................................................68 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Horas médias trabalhadas por ano, em países selecionados ................. 27 Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho em países selecionados ........................... 28 Tabela 3 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados ......... 28 Tabela 4 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados ......... 29 Tabela 5 - Jornada média semanal dos assalariados por setor da economia – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2004-2007 (em horas)............................. 32 Tabela 6 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 ..... 48 Tabela 7 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões 2005 .............................................................................................................................. 49 Tabela 8 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões -2005 .............................................................................................................. 50 Tabela 9 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .................. 51 Tabela 10 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos e número médio de horas gastas em afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 ............................................ 53 Tabela 11 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que realizam afazeres domésticos e número médio de horas gastas na semana em afazeres domésticos por sexo segundo os grupos de anos de estudo - 2005 ......................... 54 Tabela 12 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade ocupadas por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .............................................................................................. 56 Tabela 13 - Número médio de horas trabalhadas das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas por sexo e grupos de idade segundo as Grandes Regiões - 2005 ...................................................................................................................................... 57 Tabela 14 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões 2005 .............................................................................................................................. 58 Tabela 15 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 ............................................................................................................. 59 Tabela 16 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos, total e proporção, por sexo segundo a posição na ocupação 2005 .............................................................................................................................. 60 Tabela 17 - Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade no cuidado de afazeres domésticos e média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas no trabalho principal por sexo - 2005 ................... 61 Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que iam direto do domicílio para o local de trabalho, total e sua respectiva distribuição por períodos de tempo de deslocamento segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .................. 62 Tabela 19 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos dos membros das famílias por tipo de família segundo o sexo e condição na família - 2005 ......... 64 Tabela 20 - Pessoas de referência que cuidam de afazeres domésticos por tipo de família e número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família segundo o sexo - 2005 .............................................................. 67 Tabela 21 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família por tipo de família segundo sexo e as classes de rendimento familiar per capita - 2005.............................................................................................. 69 LISTA DE SIGLAS IBGE OIT PPV Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Organização Internacional do Trabalho Pesquisa sobre Padrões de Vida LISTA DE ACRÔNIMOS ICATUS ONU PEA PED PNAD UNIFEM International Classification of Activities on Time-Use Survey Organização das Nações Unidas População Economicamente Ativa Pesquisa de Emprego e Desemprego Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Fundo das Nações Unidas para a Mulher SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14 2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 18 2.1 O DIREITO À PREGUIÇA ............................................................................. 18 2.2 A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO .............................................. 26 2.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER .... 36 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................. 44 3.1 INDICADORES SEGUNDO OS DADOS DA PNAD 2005 ............................ 46 3.2 A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO DESTINADO AOS AFAZERES DOMÉSTICOS NO ÂMBITO FAMILIAR ............................................................. 63 3.3 TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER ......................................................... 70 3.3.1 Trabalho ..................................................................................................... 70 3.3.2 Tempo livre e lazer ..................................................................................... 72 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 75 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 78 14 1 INTRODUÇÃO O mundo do trabalho, mesmo sofrendo constantes transformações, é o elemento fundamental e estruturante da vida das pessoas. O trabalho contribui para a formação e a organização das sociedades, proporciona a sobrevivência do homem e o aumento do capital, bem como conduz e estrutura as organizações e as relações sociais. Trabalhar é inerente à condição humana. Para garantir sua sobrevivência, o indivíduo depende do seu labor. A estrutura da vida social é influenciada pelo trabalho; pois, este é o componente fundamental da organização social e interfere diretamente na utilização do tempo dos trabalhadores, fazendo-se necessária a compreensão do mesmo. A divisão do tempo é consequência da importância a que se atribuem certos valores na vida. Como o trabalho, na maioria das vezes, é visto como decisivo nessa divisão; em função do tempo de trabalho, as demais atividades acabam sendo secundárias. A história demonstra que, até o final do século XIII e início do século XIV, não havia separação na utilização do tempo, pois o tempo de trabalho não era tomado inteiramente. Vivia-se um tempo natural, balizado pelos fenômenos da natureza (THOMPSON, 1991). A distinção entre vida e trabalho deu-se após a Revolução Industrial, quando o trabalho tornou-se a forma de auferir a vida, mas não tendo o significado da mesma. O tempo de trabalho pode ser definido como aquele destinado à produção de meios para a própria sobrevivência. Quando este não for o caso, diz-se que o tempo é livre ou de não trabalho. Nessa concepção, percebe-se como é fundamental o trabalho na formação do tempo livre: o trabalho define o tempo na vida dos indivíduos, visto que trabalhar é viver. Antes, o trabalhador detinha o controle sobre o processo de produção e, assim, o fazia de acordo com a sua vontade ou as exigências impostas pela 15 natureza, pois até então a ideia era trabalhar para atender às necessidades básicas. Com o advento do capitalismo, essa independência acabou e pode-se observar o aumento abusivo da jornada de trabalho. Em defesa do direito do trabalhador, diversas vozes ecoaram em diferentes períodos da história. Uma dessas vozes, talvez a mais ressonante, foi a de Paul Lafargue. Lafargue escreveu um conjunto de manifestos que, mais tarde, foram transformados na obra O Direito à Preguiça. Na obra, ao se fazer uma análise da sociedade da época (final do século XIX), é elaborada uma crítica refinada e contundente ao proletariado e à ideologia do trabalho no sistema capitalista. Lafargue conseguiu reproduzir a preguiça e o trabalho e a sua interatividade de forma surpreendente, pois o seu manifesto foi de grande sucesso. O texto destaca a importância da redução da jornada de trabalho, tanto para benefício dos trabalhadores como para divisão das horas trabalhadas por todos aqueles que precisam. Na lógica de Lafargue, a superprodução é maléfica ao próprio trabalhador, e este deve lutar pelo direito à preguiça e pela redução da jornada de trabalho. O capitalismo conseguiu transformar o conceito de tempo, fazendo com que esse passasse a ser controlado pelo relógio (THOMPSON, 1991). O tempo passou a ter uma conotação dualista: o tempo para produzir e o tempo para recuperar as forças para retornar à produção, deixando de lado o tempo livre e o lazer. Numa leitura marxista frankfurtiana, o tempo tornou-se meramente compensatório (LENK, 1972). O tempo de trabalho é reflexo da luta entre as classes sociais, trabalhadores e empregadores, em que aqueles foram obrigados a trabalhar mais para o acúmulo do capital buscado por estes. Esse sistema instituiu a ideia de que é necessário trabalhar para viver. O tempo passou. A história mudou. A jornada de trabalho foi reduzida e legalizada. Entretanto, isso não quer dizer que a reivindicação dos trabalhadores tenha acabado, pois os mesmos continuam fazendo parte de uma sociedade que ainda impõe as suas regras e o trabalho continua precário, em muitos casos, prejudicando a vida do trabalhador. 16 O trabalhador faz parte de uma dimensão social e busca desenvolvimento e relacionamento pessoal como fonte de satisfação. Assim, o tempo livre e a construção da liberdade são ideais, também, a serem conquistados (ROSSO, 1996). Faz-se pertinente a interação entre o tempo de trabalho, o tempo livre e o lazer, como forma de resgate do tempo, como superação do objetivo do capital e dos efeitos do capitalismo. Assim, o tempo livre ou o direito à preguiça defendido por Lafargue podem superar o capitalismo trazendo, ainda, aumento da produtividade nas organizações e melhoria da qualidade de vida e do próprio trabalho. O tempo livre, reivindicado por Lafargue, aumentou com as conquistas trabalhistas ocorridas ao longo da história; e, ao mesmo tempo, foi apropriado pela indústria cultural, da moda, do turismo, do esporte e do lazer, onde a busca pelo consumo tornou-se desenfreada. Porém, para se consumir mais é necessário trabalhar mais. As ideias construídas por Lafargue, em essência, são corretas. Nesta direção, compreender as transformações no tempo presente é uma necessidade. Sendo assim, o objetivo estabelecido para o este estudo foi analisar as possibilidades de uso do tempo no espectro do tempo livre dos trabalhadores brasileiros. Para o alcance do objetivo geral foram definidos os seguintes objetivos específicos: a) identificar a influência do trabalho no tempo livre dos trabalhadores brasileiros; b) avaliar as possibilidades temporais de lazer que são possíveis aos trabalhadores em função de sua jornada de trabalho; c) conhecer a forma de utilização do tempo livre da população trabalhadora brasileira. Para o desenvolvimento do estudo, o procedimento técnico adotado para a coleta de dados foi o da pesquisa documental. Para tal, foi utilizada a técnica da reelaboração de material com foco nos objetos da pesquisa. O documento utilizado foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual 17 pertence ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão através de um estudo organizado por Cristiane Soares e Ana Lucia Sabóia, e publicado em 2007, no Rio de Janeiro, através da Diretoria de Pesquisas e Coordenação de População e Indicadores Sociais. As informações dizem respeito ao uso do tempo relacionado aos afazeres domésticos e foram coletadas entre as pessoas de 10 anos ou mais de idade totalizando uma amostra de 109,2 milhões de pessoas agrupadas por região, sexo e idade. O estudo foi desenvolvido em quatro capítulos. O primeiro capítulo apresenta uma contextualização ampla do tema, o objetivo geral, os objetivos específicos e a metodologia. O segundo capítulo constitui-se do embasamento teórico necessário para o desenvolvimento do estudo em questão. A discussão foi iniciada com o manifesto „O direito à Preguiça‟, escrito por Paul Lafargue em 1883. O manifesto reflete as reivindicações de lazer (preguiça, o termo usado por Lafargue tem esta conotação) feitas pelas classes operárias nos primórdios do capitalismo. Depois, abordou-se a questão das conquistas trabalhistas ao longo da história. Intentou-se mostrar, considerando o aparato legal, as transformações ocorridas; e, na parte final do capítulo, o lazer, inserido dentro do espectro do tempo livre, é tratado na perspectiva de Elias e Dunning. O terceiro capítulo é centrado na discussão dos dados da PNAD desenvolvida pelo IBGE e, através dos mesmos, buscou-se chegar a um escólio considerável, com resultados pertinentes sintetizados a partir da realidade estudada. São apresentadas considerações a respeito da relação entre trabalho, tempo livre e lazer, que pertencem a um abrangente campo de discussão, envolvendo todas as classes sociais. Na parte final do desenvolvimento é apresentada uma síntese dos resultados encontrados e sugestões para trabalhos futuros. 18 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 O DIREITO À PREGUIÇA Duas máquinas a vapor projetadas por James Watt, instaladas numa mina em 1776, produziram as condições para que uma revolução se efetivasse, a Revolução Industrial. Depois desse “momento inicial”, o mundo do trabalho foi completamente transformado. Os processos foram continuamente aprimorados, produzindo novas técnicas de fabricação. A produtividade aumentou com a absorção do trabalho humano pelas máquinas. Muitos trabalhadores rurais, despreparados para as novas formas de trabalho, migraram para os centros urbanos com a ilusão de uma vida melhor. Encontraram condições de trabalho e vida precárias. Passaram a residir em locais sem condições mínimas de higiene e limpeza, a alimentação que consumiam não atendia necessidades mínimas. Com efeito, ocorreu a proliferação de doenças e acidentes de trabalho. Para Pilatti (2007, p. 42-43), Outros fatores contribuíram para tornar o trabalho ainda mais impróprio: a fadiga causada pelo excesso de esforço requerido, a falta de higiene e inadequação do ambiente fabril, jornadas demasiadamente longas de trabalho. Com efeito, ocorre uma proliferação de doenças e um número elevado de acidentes. O aparato jurídico existente, com parâmetros públicos de regulamentação das relações de trabalho, torna-se obsoleto, sendo sistematicamente derrubado. A precarização e aprofundamento da exploração do trabalhador foram consequências notórias. A revolução do aço e da eletricidade, ocorrida entre 1860 a 1914, configurou a segunda etapa da Revolução Industrial. Nesta etapa, a substituição da máquina a vapor pelo motor a explosão e a adoção da eletricidade como força propulsora possibilitaram a sofisticação dos processos existentes. A especialização do trabalho foi ampliada. Em paralelo, os trabalhadores passaram, de forma mais organizada, a 19 lutar por melhores condições de trabalho e vida. Surgem entidades representativas engajadas nas lutas da classe proletária (CARVALHO, 2004). Ainda que avanços nas condições de vida dos trabalhadores tenham sido registrados, a situação lhes era muito semelhante às existentes na etapa anterior da Revolução Industrial. Surge neste momento uma voz que ecoou fortemente na defesa deste trabalhador colocado em condições precárias e explorado: Paul Lafargue. Lafargue nasceu em 1842 na província cubana de Santiago de Cuba. Antes de completar dez anos foi levado para a França, onde concluiu os estudos secundários e, posteriormente, formou-se em medicina. No Quartier Latin, seu ambiente de estudos, teve contato com as ideologias positivistas, materialistas e do socialismo, de fonte proudhoniano e posteriormente marxista. Em 1865 encontrou Marx, conhecendo sua filha com quem três anos mais tarde veio a se casar. Do casamento nasceram três filhos, todos precocemente falecidos. Desgostoso com a medicina, Lafargue envereda para outros setores, entre eles e sobretudo, profissionalmente, a política revolucionária. Ativista da Internacional Socialista, Lafargue foi várias vezes preso. O folheto que gerou sua mais conhecida obra, O direito à preguiça, publicado entre 16 de junho e 4 de agosto de 1880 no Jornal L‟Égalité , foi terminado no cárcere de Sainte-Pélagie. No final de 1911, Lafargue e Laura, sua esposa, após um dia aparentemente normal, desgostosos com a velhice, suicidaram-se durante a noite. De Masi (2001, p. 28), ao comentar sobre a carta deixada para explicar o ato, expõe que: Muito se discutiu sobre a natureza desse gesto, que sempre me pareceu evidente e sobre cujo significado a última carta não deixa dúvidas: diante da necessidade de renunciar ao ócio, diante da perspectiva de se tornar um peso para os demais, privando-os de seu próprio ócio, Lafargue escolhe a via ociosa de ir embora de fininho, junto com a linda companheira a quem sempre amou. Outra obra de Lafargue, La réligion du capital (A religião do capital), escrito sete anos depois de sua obra mais notória, também ecoou entre o público de esquerda ganhando notoriedade. Defendendo o direito à preguiça como uma espécie de equilíbrio existencial, Lafargue não é contrário ao trabalho. A leitura de O direito à preguiça revela, de 20 forma sútil, um autor que vê no trabalho algo necessário e que até melhora à preguiça. É importante ressaltar que o entendimento de preguiça proposto por Lafargue tem aderência a conceitos contemporâneos como os de lazer e prazer. As aproximações são evidentes. Lafargue objetivou reorganizar a classe operária. Para tanto, acreditava que a luta de classes era o motor da história. Para alcançar seu intento buscou conscientização da necessidade de uma ação revolucionária. Aliou-se a Marx e Engels nessa luta, os quais diziam serem operários revolucionários franceses. O manifesto escrito de forma direta baseia-se em quatro marcos temporais: a) O movimento insurrecional popular de 1848, no qual a derrota causou a restauração da monarquia e no Segundo Império de Napoleão; b) 1871 com a Comuna de Paris e do nascimento da Terceira República francesa; c) o Congresso de Haia ocorrido em 1872, onde as lutas entre Marx e Bakunin levaram à morte a Primeira Internacional; d) Congresso imortal de Marselha ocorrido em 1879, no qual é proposta a criação de um partido socialista revolucionário da classe operária. O intuito de Lafargue no manifesto era atacar a classe burguesa e os cristãos, os quais santificavam o trabalho. Lafargue enaltecia a preguiça, descaracterizando-o da forma de um pecado capital. Mesmo declarando-se não cristão, fazia analogia à conduta de Deus, colocando que Este deu aos seus seguidores o exemplo da preguiça total: após seis dias de trabalho, descansou. O cenário que serviu de pano de fundo para os escritos de Lafargue era absolutamente precário. As condições de trabalho inumanas e desiguais. De Masi (2001, p. 29-30) faz a seguinte análise: Na época em que Lafargue escrevia seus artigos sobre o ócio, a divisão do trabalho na Inglaterra era mais ou menos a que fora levantada pelo recenseamento de 1861: uma população total de 20 milhões, dentre a qual 1.098.000 trabalhadores agrícolas e 1.600.000 operários têxteis, metalúrgicos e siderúrgicos. Os privilegiados (aristocratas, grandes herdeiros, empresários) tinham ao seu serviço direto ou indireto 1.200.000 indivíduos, entre os quais mordomos, garçons, cocheiros, pajens, uma multidão imponente e variada 21 de pessoal dedicada “exclusivamente a satisfazer os gostos dispendiosos e fúteis das classes ricas”: bordadeiras, rendeiras, estilistas, decoradores, cabeleireiros e esteticistas de todos os tipos. A estes somavam-se militares, policiais e magistrados, “burocratas mantidos no ócio da improdutividades atarefada”. Seguindo a linha de raciocínio proposta por Lafargue, as classes proletárias viviam em um mundo inumano de servidão para manter os privilégios de uma minoria crescente que passou a ganhar dinheiro e reivindicar o lazer como com condição para manutenção de seu status. Dois autores notórios, Thorstein Bunde Veblen em A teoria da classe ociosa e Eric J. Hobsbawm em A era dos impérios, de forma aprofundada mostram como as classes superiores tornaram-se crescentemente improdutivas. A improdutividade era, inclusive, uma condição de pertencimento de classe. Para De Masi (2001, p. 30), a divisão de classes era notória, [...] de um lado havia a classe dos operários, cada vez mais imprensados pelos ritmos da produção industrial, dilacerados na própria carne e com os nervos arrebentados, obrigados ao “papel de máquinas fornecedoras de trabalho sem trégua nem remissão”, intelectualmente degradados e fisicamente deformados pelo esforço e abstinência a eles impostos. De outro lado estava a classe dos capitalistas “condenados ao ócio e ao prazer forçado, à improdutividade e ao superconsumo”. No meio havia a estupidez astuta dos mexeriqueiros encarregados do desperdício vistoso dos ricos. O cenário perspectivado por De Masi é esmiuçado nos escritos de Chaui. Para a autora, particularmente nos anos 70 e 80 do século dezenove, fruto da longa crise econômica francesa, a situação de exploração do proletariado atingia limites intoleráveis, apontando para necessidade de mudanças urgentes. Para Chaui (2000, p. 23), A baixa dos salários, o aumento do custo de vida, a jornada de doze horas, a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores, o deslocamento ou fechamento de fábricas, as greves locais ou parciais reprimidas pelas forças da ordem com derramamento de sangue, e as guerras coloniais para conquista de novos mercados, evidenciavam que era a hora a vez de a classe operária agir revolucionariamente. 22 Não obstante, como denuncia Lafarge, o proletariado permanecia preso nas amarras montadas pelo patronato, tendo a cumplicidade de padres, economistas e moralistas que discursavam aos trabalhadores com o intuito da manutenção da frugalidade, a ausência de inquietação e a “paixão funesta pelo trabalho”, levada ao limite da capacidade física do indivíduo. Para De Masi (2001, p. 30-31), [...] Enquanto os ricos custodiavam zelosamente o próprio direito ao ócio, os pobres, estupidamente, exigiam o direito ao trabalho: uma tortura de quinze horas por dia na atmosfera insalubre das oficinas, precedidas e seguidas por longas horas de um penoso deslocamento e pelo breve repouso em míseros casebres. Lafargue (2000) não aceitava como os proletários, apesar das condições inumanas a que eram submetidos, deixavam-se dominar pelo dogma do trabalho e como este se tornou uma paixão. Daí justifica-se a escolha pelo termo preguiça, uma crítica materialista ao trabalho assalariado ou ao trabalho alienado. O objetivo de O direito à preguiça não era outro que o de conscientizar o proletariado das causas e das formas de trabalho na economia capitalista. Inicialmente, Lafargue pensou em intitular seu manifesto como direito ao lazer ou direito ao ócio, mas optou pela preguiça; sendo proposto como direito um pecado capital. Esse manifesto é contra o louvor ao trabalho quando este é alienado e não distribui os seus benefícios, apenas fortalece a divisão entre as classes e aprisiona os trabalhadores. Adicionalmente, busca outra forma de trabalho e outro sistema de troca, onde o lucro possa ser dividido entre as classes e a jornada de trabalho reduzida. Nem mesmo a automação que livrou o trabalhador de seu fardo mecânico possibilitou a recuperação do seu tempo livre. O exemplo utilizado por Lafargue para evidenciar sua indignação é o labor de uma operária ao tear. Enquanto com o fuso uma tecelã não produz mais que cinco malhas por minuto, alguns teares circulares produziam até 30 mil neste tempo. Neste exemplo, a tecelã levaria aproximadamente 100 horas para alcançar a produção de um minuto da máquina. A indignação reside no fato de que a mecanização existente no final do século XIX não serviu para a redução drástica da jornada de trabalho e, por extensão, o aumento do ócio. Pelo contrário, a aprimoramento do maquinário foi 23 acompanhado de um prolongamento “injustificado” do labor (uma estranha loucura). Para Lafargue (2000), o trabalho só será benéfico ao trabalhador e lhe proporcionará prazer quando for regulamentado e limitado em três horas diárias. Neste ideário, o autor (2000, p. 71-72) infere que: É dizer que os filhos dos heróis do Terror se deixaram degradar pela religião do trabalho a ponto de aceitar, após 1848, como uma conquista revolucionária, a lei que limitava a doze horas o trabalho nas fábricas; eles proclamavam, como sendo um princípio revolucionário, o direito ao trabalho. Envergonhe-se o proletariado francês! Somente escravos seriam capazes de tamanha baixeza! [...] E se as dores do trabalho forçado, se as torturas da fome se abaterem sobre o proletariado em número maior que os gafanhotos da Bíblia, foi ele que as invocou. O trabalho que, em junho de 1848, os operários exigiam, armas nas mãos, foi por eles imposto a suas famílias; entregaram, aos barões da indústria, suas mulheres e seus filhos. Com suas próprias mãos demoliram seus lares; com suas próprias mãos, secaram o leite de suas mulheres; as infelizes, grávidas que amamentavam seus filhos, tiveram de ir para as minas e manufaturas curvar a espinha e esgotar os nervos; com suas próprias mãos, estragaram a vida e o vigor de seus filhos. Envergonhem-se os proletários! Como se pode perceber, os escritos Lafargue são elaborados com requinte através dos instrumentos da retórica, a qual quando seguida suas regras, compõem um texto perfeito, como é o caso. Além desta, a oralidade também se faz presente e, esse conjunto, é capaz de comover e persuadir. Esse manifesto vai além. Seu discurso pode ser comparado a uma violenta paródia dos sermões religiosos, pois começa com a religião do trabalho (substituindo a leitura do evangelho) e termina com uma oração (através de uma invocação à Deusa Preguiça). Mesmo o tema sendo o elogio à preguiça, como condição para o desenvolvimento físico, psíquico e político do proletariado, Lafargue (2000) tem como pressuposto principal o significado do trabalho no modo de produção capitalista, isto é, a divisão social do trabalho e a luta de classes. O pioneirismo do trabalho de Lafargue está no idear de que a libração do trabalhador não se produz com o desaparecimento do capital e dos capitalistas, mas com a permissão de livrar-se de sua alma, que é o princípio redobrado de sua sujeição (MATOS, 2003). Suas ideias são inspiradas em Marx, seja através dos 24 „Manuscritos Econômicos de 1844‟ sobre o trabalho alienado e n„O Capital‟ sobre a análise do trabalho assalariado. Vale ressaltar que Marx e Lafargue apontam o trabalho como uma dimensão da vida que pode revelar o homem, pois através deste pode-se dominar as forças da natureza, satisfazer as necessidades básicas e exteriorizar a capacidade imaginativa e criadora. Nesta linha de raciocínio, o trabalho alienado pode ser definido como aquele onde o trabalhador não se reconhece como um produtor, sendo desconsideradas as suas aptidões e habilidades, assim como suas necessidades e pretensões. Para elucidar essa questão, o trabalhador pertencente a uma classe social – o proletariado – para sobreviver, trabalha para outra classe social – a burguesia – vendendo sua força de trabalho ao mercado. Isso é alienação, a força de trabalho torna-se uma mercadoria destinada a fabricar novas mercadorias. Além disso, o preço pago por esse trabalho realizado é muito baixo e, desta forma, os trabalhadores empobrecem à medida que produzem riquezas. Não só isso. Os produtos fabricados pelo trabalhador, muitas vezes, não estão dentro do seu padrão de consumo. Assim, os trabalhadores são condenados à abstinência dos bens que produzem (LAFARGUE, 2000). Chauí (2000, p. 36-37) acrescenta que: [...] como os preços dos produtos seguem as leis de mercado impostas pelos capitalistas e como os trabalhadores precisam de muitos desses produtos para sobreviver, passam a aceitar as piores condições de trabalho, os piores salários, a pobreza, a miséria, a fome, o frio, a doença para terem o direito ao trabalho, com o que terão salário para comprar o mínimo daquilo que eles mesmos produziram. O embasamento de todo o manifesto dá-se através do trabalho alienado e do trabalho assalariado. Nos panfletos é mostrado que os trabalhadores que produzem o capital com a superprodução, ao invés de usar racionalmente as máquinas, reduzindo a jornada diária de trabalho (pelos seus cálculos, a necessidade seria de três horas) e o ano produtivo seria de seis meses. Se essa realidade está longe de acontecer, é porque os trabalhadores se deixaram sobrepujar pela religião do trabalho, acreditando ser este sacrossanto e fonte de virtude; quando, na verdade, é a causa da miséria, a qual cresce na 25 proporção do capital por esta produzido. O Direito à Preguiça tem duas linhas de raciocínio: a) a primeira, coloca o trabalho como um vício e a preguiça como a mãe das virtudes; b) a segunda, como não é possível acabar com o trabalho assalariado, Lafargue propõe a redução da jornada diária de trabalho. Isso para que os trabalhadores possam praticar “as virtudes da preguiça” e/ou “o prazer da vida boa (a boa mesa, a boa casa, as boas roupas, festas, danças, música, sexo, ocupação com as crianças, lazer e descanso) e o tempo para pensar e fruir da cultura, das ciências e das artes.” (CHAUÍ, 2000, p. 45). Lafargue retorna no tempo expondo que, na Antiguidade, o trabalho era desprezado e o ócio valorizado. Em sua obra, encontram-se as ideias defendidas por Aristóteles, que acreditava que as máquinas poderiam substituir o trabalho humano e não mais haveria necessidade de escravos. Pode-se dizer que essas ideias tornaram-se parcialmente verdadeiras, pois a máquina substituiu a força do trabalho, mas a libertação do homem não ocorreu. Para que isso tivesse acontecido, infere Lafargue (2000), os trabalhadores precisariam ter seguido as afirmações apresentadas no manifesto; entretanto, o teste do tempo mostrou que a luta pelo direito ao trabalho continuou, através de reivindicações por uma jornada de oito horas diárias, por um salário mínimo, por férias, aposentadoria e, até, seguro desemprego. O mundo do trabalho passou a ser administrado através da organização científica, que manteve o controle do trabalhador. O tempo livre reivindicado por Lafargue para às virtudes da preguiça, em alguma medida, aumentou com as conquistas auferidas no curso da história. As formas de apropriação deste tempo foram sofisticadas e parcialmente apropriadas pela indústria cultural, da moda, do turismo, do esporte e do lazer. Para Lafargue, a entrega dos trabalhadores, ingênua e impetuosamente, ao vício do trabalho, gerou uma produção que transcendeu as necessidades, produzindo uma crise, a crise da superprodução. 26 A burguesia, ao mesmo tempo que perdeu muito pouco com as conquistas trabalhistas adquiridas no curso longo da história, ganhou e muito com invisibilidade conquistada em relação a dominação de classe e a exploração. O trabalhador continuou com o livre arbítrio de vender seu trabalho, e esta característica despersonaliza a exploração antes notória. 2.2 A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO No decorrer da história, a jornada de trabalho aumentou consideravelmente, chegando ao limite da capacidade do trabalhador com a Revolução Industrial e a consolidação do regime capitalista. Maior tempo livre é uma reivindicação feita há muitos e muitos anos; a luta pela redução da jornada de trabalho teve sua primeira manifestação notória em 1866, através do Conselho Internacional dos Trabalhadores em Genebra. Marx (1983, p. 211), na obra O Capital, defende de maneira veemente a redução da jornada, apontando que: Em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por mais trabalho, o capital atropela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo necessário para o consumo de ar puro e luz solar. Reduz o sono saudável para concentração, renovação e restauração da força vital e tantas horas de torpor quanto a reanimação de um organismo absolutamente esgotado torna indispensável [...] A partir de reivindicações como estaS, é que conquistas foram acontecendo. Economizar tempo de trabalho é aumentar o tempo livre, isto é, o tempo que serve ao desenvolvimento completo do indivíduo. O tempo livre para a distração [...] transformará naturalmente quem dele tira proveito em um indivíduo diferente [...] (MARX, apud DUMAZEDIER, 1994, p. 47). 27 Desde o capitalismo (ou antes disso), a reivindicação pela diminuição do tempo de trabalho foi uma constante nas reivindicações trabalhistas. Para Guedj e Vindt (1997, p. 14): [...] um fato marcante na história do tempo de trabalho é, sem dúvida, a formidável resistência à sua redução, começando pelo patronato. Entre as razões disso destacam-se: a busca do lucro máximo; a necessidade de isolar os assalariados (antigos artesãos ou camponeses) de seu meio de origem e de lhes impedir uma atividade e, portanto, um rendimento complementar; a desconfiança sobre como os trabalhadores utilizariam o tempo livre; e a oposição, por princípio, à intervenção do Estado no que se considera ser assunto privado. Através de greves, rebeliões e reivindicações, os trabalhadores, aos poucos, foram conquistando o seu espaço perante seus patrões e objetivos foram sendo alcançados. Segundo Turino (2005), a primeira limitação da jornada de trabalho aconteceu na Inglaterra em 1802 sendo estabelecido o limite máximo de 12 horas diárias. Já na França, essa mesma limitação aconteceu na primeira metade do século XIX. Em 1947, na Inglaterra a jornada máxima foi reduzida para 10 horas diárias. Somente em 1919, depois de muita reivindicação junto a sindicatos e discussões entre patrões e empregados, através da Convenção número 1 da OIT é que ficou estabelecida a jornada semanal de 48 horas. Para melhor contextualização, seguem as tabelas na sequência: Tabela 1 – Horas médias trabalhadas por ano, em países selecionados Ano País Alemanha 1870 1913 1938 1950 1970 1979 2.941 2.584 2.316 2.316 1.907 1.719 2.945 2.588 2.110 1.838 1.755 1.619 Austrália 2.935 2.580 2.312 1.976 1.848 1.660 Áustria 2.964 2.605 2.267 2.283 1.986 1.747 Bélgica 2.964 2.605 2.240 1.967 1.805 1.730 Canadá 2.964 2.605 2.062 1.867 1.707 1.607 EUA 2.945 2.588 1.848 1.989 1.888 1.727 França 2.964 2.605 2.244 2.208 1.910 1.679 Holanda 2.886 2.536 1.927 1.997 1.768 1.566 (a) Itália 2.945 2.588 2.391 2.272 2.252 2.129 Japão 2.984 2.624 2.267 1.958 1.735 1.617 R. Unido 2.945 2.588 2.204 1.951 1.660 1.451 Suécia Fonte: Adaptada de Bosch, Dawkins e Michon (1994, p. 8 apud DIEESE, 2010). Nota: (a) refere-se ao ano de 1978. 28 Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho em países selecionados Ano País 1979 1983 1989 1992 1994 1998 Austrália (a) 35,5 34,6 33,1 33,0 33,2 --- Alemanha (b) 41,9 40,5 40,1 39,0 38,3 --- Canadá (b) --32,4 31,7 30,5 30,6 (c) --Chile (a) --42,4 44,3 44,7 45,3 43,9 Coréia (a) 50,5 52,5 49,2 47,5 ----Espanha (a) 41,9 39,1 37,4 36,8 36,8 36,7 EUA (b) 35,7 35,0 34,6 34,4 34,7 34,6 França (a) 41,2 39,3 39,1 39,0 38,9 --Israel (a) 36,6 35,3 36,1 36,7 37,4 --Japão (a) 47,3 47,4 46,9 44,4 43,5 42,5 Noruega (a) 36,4 35,6 35,7 34,9 35,0 --Reino Unido (b)(d) --42,4 40,7 40,0 40,1 40,2 Suécia (a) 35,7 35,7 37,5 37,2 36,4 --Fonte: OIT, Anuario de Estadísticas del Trabajo (1986, 1995 e 1999, apud DIEESE, 2010). Notas: (a) horas trabalhadas; (b) horas remuneradas; (c) em 1993; (d) exceto Irlanda do Norte. Para detalhar ainda mais a contextualização, segue tabela referenciando somente a jornada de trabalho na indústria: Tabela 3 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados Ano País Alemanha (a)(b) 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 38,9 37,6 38,0 38,3 37,4 37,4 37,5 43,7 44,0 44,0 45,1 (f) 46,3 46,5 46,7 (g) Argentina (c)(d)(e) 42,0 43,0 43,0 43,0 43,0 43,0 42,0 Brasil (São Paulo) (h) 38,3 38,3 38,9 38,5 38,4 39,3 38,6 Canadá (a) 36,3 36,2 36,5 36,7 37,1 37,1 37,1 Espanha (c)(i) 43,6 43,6 44,6 44,1 44,9 44,2 43,7 Chile (c)(j) 41,0 41,4 42,0 41,6 41,6 42,0 41,7 Estados Unidos (a) 43,8 43,0 43,0 43,5 43,3 42,7 42,5 Japão (c) ND 45,0 ND 45,4 45,5 46,4 46,0 México (c) 41,5 41,3 41,6 42,1 41,9 42,0 41,8 Reino Unido (a) 48,7 49,2 49,3 49,3 49,4 49,5 48,4 Singapura (a) 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 Suíça (c) Fonte: OIT, Anuário de Estatisticas del trabajo (apud DIEESE, 2010). Notas: (a) Horas remuneradas; (b) Dados referem-se à República Federal da Alemanha antes da unificação; (c) Horas efetivamente trabalhadas; (d) Dados de Buenos Aires; (e) Ocupação principal, exclui horas extras; (f) Dados da Grande Buenos Aires; (g) Dados de Maio de 1998; (h) Dados da região metropolitana de São Paulo; (i) Pessoas com 16 anos ou mais; (j) Pessoas com 15 anos ou mais. Obs.: Horas efetivamente trabalhadas, incluindo horas extras. 29 Com o passar dos anos, a jornada de trabalho realmente reduziu, principalmente quando se analisa anos como 1870 ou 1913. As reivindicações feitas pelos trabalhadores foram ganhando seu espaço através das conquistas. Apontando anos mais recentes, tem-se: Tabela 4 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados Ano País Alemanha (a) 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 37,5 37,9 37,8 37,6 37,7 37,6 37,6 37,6 45,8 45,4 44,6 42,6 42,8 42,8 44,6 ND Argentina (b)(c)(d) 43,0 44,0 43,0 44,0 44,0 43,0 43,0 43,0 Brasil (e) 38,9 38,9 39,0 39,1 38,9 38,6 38,4 39,6 Canadá (f)(g) 36,3 36,1 36,3 36,0 36,0 35,8 36,2 35,3 Espanha (h) 43,2 (i) 43,6 (i) 43,6 44,1 43,3 (i) 43,0 ND ND Chile (o) 41,4 41,3 40,3 40,5 40,4 40,8 40,7 41,1 Estados Unidos (j) 42,7 43,7 42,8 43,1 43,1 43,5 43,5 43,2 Japão 46,4 45,5 45,0 46,1 45,3 45,8 ND ND México (k) 41,4 41,4 ND ND ND ND ND 40,7 Reino Unido (g)(l)(m) 49,2 49,8 48,6 48,9 49,0 49,8 50,2 ND Singapura (n)(q) 41,3 41,3 41,2 41,2 41,2 41,2 41,2 ND Suíça (o)(p) Fonte: Anuário dos trabalhadores (apud DIEESE, 2010). Notas: (a) Assalariados; (b) Aglomerados urbanos; (c) Pessoas com 10 anos ou mais; (d) Dados do 2º. Semestre de cada ano; (e) Dados da Região Metropolitana de São Paulo; (f) Assalariados remunerados por hora; (g) Inclui as horas extras; (h) Pessoas de 16 anos ou mais; (i) Pessoas com 15 anos ou mais; (j) Setor privado; (k) Pessoas no emprego principal e trabalhando; (l) Abril, exclui Irlanda do Norte; (m) Assalariados em tempo integral pagos sobre a base de taxas de salários para adultos; (n) Setembro de cada ano; (o) Somente assalariados em tempo integral; (p) Duração normal de trabalho; (q) Empresas com 25 ou mais trabalhadores. A partir das últimas décadas do século XX, os estudos voltados ao tempo de trabalho cresceram e muito, principalmente em função das mudanças ocorridas no ambiente produtivo. Enquanto a economia multiplicou-se por vinte, entre os séculos XIX e XX, a redução do tempo de trabalho deu-se somente em 40% (muito pouco em função do aumento exorbitante da produtividade) conforme afirma Turino (2005). Essa questão deixou de ser tema de reivindicação entre os trabalhadores, pois passou a ser decidida em nível de Estado, e não mais uma decisão de patrões. 30 O tempo de trabalho acaba recebendo uma atenção maior do que o tempo livre, sendo ainda questão tida como referência sindical, legislativa e social, ainda mais que acaba por influenciar os modos de vida da sociedade. Por exemplo, a adoção do banco de horas na maioria das organizações pode gerar um maior tempo de férias ou finais de semana prolongados (três dias), o que acaba por impactar diretamente no tempo livre dos trabalhadores. (TURINO, 2005). Por outro lado, essa redução da jornada de trabalho pode acarretar uma disponibilidade aparente, pois existem aqueles casos em que o trabalhador não está na empresa, mas precisa estar à sua disposição para qualquer necessidade, fazendo com que o seu tempo livre não seja tão livre assim, pois esta expectativa acaba influenciando na decisão do que fazer. A utilização do aparelho celular e a internet também têm causado impacto relevante na vida dos trabalhadores, principalmente aqueles vinculados a grandes empresas, pois acabam estando disponíveis vinte e quatro horas em c aso de necessidade, independentemente do que estejam fazendo no seu tempo (o qual seria livre). Segundo estudos realizados por Guedj e Vindt (1997), existem três fases na evolução do tempo de trabalho, a saber: a) com o começo da industrialização, a jornada de trabalho aumentou consideravelmente, atingindo-se quinze horas diárias, seis dias por semana; b) após a consolidação da industrialização (o que aconteceu emc momentos diferentes em cada país: por exemplo, na Inglaterra em meados do século XIX e, no Brasil, em meados do século XX), a jornada de trabalho começou a ser diminuída. A princípio, o trabalho aos sábados foi reduzido em metade e o mesmo passou a ser controlado para evitar a superexploração (inclusive do trabalho infantil); c) no final do século XIX, na Europa, a redução da jornada foi bastante acentuada, mas somente, para trabalhadores de grandes empresas. Após a Primeira Guerra Mundial, a consolidação do controle da jornada de trabalho deu-se através de uma legislação própria. No Brasil, essa legislação somente foi instituída em 1943, através da CLT. 31 Essa busca pelo sentido do tempo de trabalho e tempo livre é muito antiga. Aristóteles (1999, p. 177), há mais de dois mil anos, já pensava nisso: Uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social [...] somente poderá efetivar-se por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para além da visão hierárquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade. Ainda: Uma sociabilidade tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente associada, na qual a ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e ócio [...] possibilitem as condições para a efetivação da identidade entre indivíduo e gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões. Em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e necessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho torna-se dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo. A busca pela defesa de um tempo livre que tenha condições de atender às necessidades do trabalhador é para contrapor, tirar o sentido da vida do homem, seja através de sua alienação ou, até mesmo, pela invasão de seu tempo livre. O tempo livre acaba por influenciar o tempo de trabalho, transformando-o, por meio de comportamentos ou atitudes, podendo fazer deste fonte de realização e satisfação. A redução da jornada de trabalho por si só já traz consigo consequências benéficas a população como um todo. Um caso dessa comprovação aconteceu na França, a qual em 1998 reduziu a jornada de trabalho para 35 horas semanais. Até então, apresentava o segundo maior índice de desemprego da Comunidade Européia (12,5% em 1996); depois de dois anos, reduziu para 9,5% da População Economicamente Ativa (PEA). Em 2000, criou 500 mil novos postos de trabalho. Isso gerou ganhos para o governo, patrões e trabalhadores, além das margens do Sena ganharem mais encontros de namorados e pessoas lendo ao sol. (TURINO, 2005). 32 Também, o déficit público diminuiu o que fez com que a capacidade de investimento do Estado aumentasse (o que permitiu uma redução nos impostos). Houve o acréscimo de dias livres no ano (entre onze e dezesseis dias para cada trabalhador assalariado francês) o que causou um expressivo aumento nas vendas e em atividades voltadas ao lazer. Aumentou também a venda de livros e a ida a cafés; o que diminuiu foi a tensão social e a violência urbana. (TURINO, 2005). No Brasil, a regulamentação sobre a jornada de trabalho faz parte da Lei n. 9601 de 1998. A mesma foi escrita com o intuito de evitar demissões, instituindo uma liberdade de flexibilização, para atender aos interesses de patrões e trabalhadores. Essa possibilidade de flexibilização é aparente, pois a empresa acaba se apropriando do tempo livre de seus trabalhadores em função da disponibilidade que os mesmos mantêm. A tabela 5 pode comprovar essa situação, pois mesmo sendo regulamentada uma jornada de trabalho máxima de 44 horas/semana, a realidade apresenta-se de forma divergente: Tabela 5 - Jornada média semanal dos assalariados por setor da economia Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2004-2007 (em horas) Regiões Metropolitanas São Paulo Indústria Comércio Serviços (a) 2004 2005 2006 2007 2004 2005 2006 2007 2004 2005 2006 2007 44 43 43 43 47 47 46 46 42 42 42 42 44 44 43 44 46 46 46 46 41 41 41 41 Porto Alegre 42 42 41 42 45 44 44 44 38 39 38 38 Belo Horizonte 44 44 44 44 47 47 47 47 39 40 40 40 Salvador 47 47 47 47 50 50 50 50 42 43 42 42 Recife 45 44 44 43 48 47 47 47 40 40 40 40 Distrito Federal (b) Fonte: DIEESE, Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), (2010). Nota: (a) Exclui serviços domésticos; (b) A série histórica do Distrito Federal foi revisada de forma a compatibilizar o indicador de setor de atividade econômica com o das demais PEDs. Observação: (1) A média de horas trabalhadas exclui os que não trabalharam na semana; (2) A média semanal de horas trabalhadas é resultado das médias semanais durante o ano. 33 A mesma realidade em São Paulo: Gráfico 1 – Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legal Região Metropolitana de São Paulo 1985-2007 (em %) Fonte: DIEESE (2010). Observação: (1) A partir de novembro de 1988, a jornada legal considerada passa de 48 para 44 horas semanais; (2) Exclusive os assalariados que não trabalharam na semana. “No lugar de o trabalhador ganhar tempo para si próprio, o que acontece é um aumento do controle e da submissão dele à lógica da produção”. (TURINO, 2005, p. 77). Isso fez com que o trabalhador se tornasse escravo do sistema capitalista, além de aceitar um trabalho alienado, acaba por fazer parte da sociedade do consumo. Em razão disso, trabalha cada vez mais. Dal Rosso (apud TURINO, 2005, p. 43) confirma essa ideia dizendo: [...] acrescida de inumeráveis horas extras, coloca o Brasil no restrito grupo das jornadas mais longas [e que] a política de redução da jornada continua na agenda social pelas duas razões históricas que sempre a sustentaram: trabalhar menos é importante por criar espaços de não-trabalho, nos quais os atores sociais podem definir seus interesses e lutar por projetos sociais com significado; e lutar pela diminuição do tempo de trabalho é também procurar construir uma sociedade compartilhada com mais justiça e igualdade, em que o trabalho, que é fonte do rendimento e dos direitos, seja 34 acessível a todos e não elemento da exploração sobre o homem, mas como elemento de auto-realização. A redução da jornada de trabalho possibilita uma vida fora do ambiente de trabalho criando novos postos de serviço e aumenta a demanda por lazer; além, é claro, de minimizar o desemprego. Essa minimização acontecendo, a capacidade de consumo aumenta e os gastos com seguridade social podem ficar menores (seja através de maior arrecadação ou menos salário-desemprego). Questões como essa podem acabar por influenciar até mesmo no déficit público, o qual se for reduzido, pode fazer com que o governo consiga, também, uma redução nos juros. Turino (2005, p. 86) afirma: Com juros menores, sobram recursos para o país investir mais na atividade produtiva; com mais investimento, a economia cresce; com crescimento econômico, os lucros podem aumentar, mesmo que em termos relativos haja melhor distribuição dos ganhos entre o capital e o trabalho. Os trabalhadores, estando empregados e com um maior tempo livre, consequentemente, terão um tempo maior para destinar ao lazer, o que aumentaria os gastos com o mesmo; portanto é um mercado com grandes chances de crescimento, em função, principalmente, de que a satisfação das pessoas é ilimitada, não existe um limite. Atividades como um cinema, uma viagem ou uma festa têm efeito diferente de uma compra de bens materiais. As necessidades de consumo podem ser as mais variadas e as atividades voltadas ao lazer têm uma capacidade de inovação permanente. Ao analisar de forma mais específica algumas atividades, pode-se dizer que a redução da jornada de trabalho só traria consequências benéficas a todo o tipo de trabalhador. Nas indústrias, com a redução do tempo de trabalho, o trabalhador poderia ter sua força (seja física ou intelectual) recomposta de forma mais rápida, o que proporcionaria uma maior capacidade de produção e aumentaria a produtividade da empresa como um todo. No serviço público, a mesma coisa. Na saúde, a jornada tem horário diferenciado, mas em virtude dos baixos salários, as pessoas acabam tendo mais de um emprego. Quantos médicos fazem plantão de 24 horas seguidas... Quando se trata da educação, a situação não é diferente, 35 professores têm dois ou três empregos para conseguir satisfazer suas necessidades. A redução da jornada de trabalho, além de fazer com que as pessoas tivessem um maior tempo livre, poderiam ser beneficiadas com uma melhor qualidade de vida, não só no trabalho. Ainda, pode ser significativa no futuro através da ampliação do tempo livre para se ter uma emancipação social, ao invés de pessoas desempregadas e com tempo livre forçado. As empresas atualmente buscam distribuir o trabalho aproveitando o máximo do tempo à disposição dos empregados. O modelo da Administração defendido por Taylor e Ford já visava acabar com os tempos „mortos‟ de uma jornada. Os modelos de gestão visam o melhor aproveitamento do tempo, muitas vezes, convertendo o tempo de descanso em tempo de trabalho efetivo. O momento da globalização faz diferença de um país para o outro, afetando o tempo de trabalho dos mesmos. Por exemplo, há países ricos com jornadas de trabalho entre trinta e trinta e nove horas por semana (Europa e América do Norte). Há países ricos com jornadas semanais de quarenta e quatro horas (Japão). Existem países pobres, como o Brasil, que têm jornadas ainda maiores. Existem países pobre que trabalham com jornadas muito inferiores pois não têm demanda para jornadas maiores. (ROSSO, 1996). Embora a redução da jornada seja uma tendência, nem sempre acontece na maioria dos países. No final do século XX, causas como o crescimento econômico nos países pobres (Chile e Paraguai) e a crise econômica (Suécia, Israel e Austrália) aumentam as jornadas de trabalho. (ROSSO, 1996). A relação entre tempo e trabalho é uma práxis social bastante complexa. 36 2.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER Três conceitos são chaves para o desenvolvimento desta pesquisa. São eles: trabalho, tempo livre e lazer. O primeiro conceito será compreendido na perspectiva de Norbert Elias e Eric Duning como um tempo que está fora do espectro do tempo livre. Neste sentido, a compreensão do espectro livre permitirá sua construção em oposição. Para tempo livre, um segundo conceito se torna necessário. Conceito de tempo disponível. Para tal, será utilizada a distinção proposta por Gebara (1994) construída dentro de uma tradição marxista ortodóxica. Gebara (1994) compreende o tempo livre como sendo um tempo individual e o tempo disponível como um tempo social. Por exemplo, com foco na indústria do entretenimento, o tempo é utilizado na dimensão do tempo disponível. O terceiro conceito e, o mais importante deles, é o conceito de lazer. O conceito de lazer será fundado dentro do modelo proposto pela teoria eliasiana. Elias e Dunning encontram-se entre os primeiros sociólogos a ter como foco de estudo o lazer, colocando este em posição tão privilegiada quanto o trabalho. Mesmo os estudos tendo data das décadas de 60 e 70, ainda são explorados e apontados como fonte de referência. Afirmam esses autores que sua linha de pesquisa era voltada para “[...] uma teoria central do lazer capaz de servir como quadro comum de investigação relativamente a todas as espécies de problemas específicos do lazer.” (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 144). Para que se possa entender o significado e a dimensão social do lazer, assim como atividades de recreação e divertimento, faz-se necessária a compreensão da influência do processo civilizador sobre as necessidades e hábitos de lazer dos indivíduos. O processo civilizador reflete [...] o desenvolvimento de normas de conduta social que inibem tanto as agressões físicas como as demonstrações 37 espontâneas de sentimentos, conformando hábitos culturais „civilizados‟ e padrões de relacionamento que são internalizados pelos indivíduos e reproduzidos quase automaticamente. (PRONI, 2008, p. 495). Assim, somente às crianças é permitida a demonstração de sentimentos, os adultos devem se comportar de forma contida e racional na maioria de seu tempo; sendo este comportamento a base de sua vida política, econômica e cultural. Segundo Proni (2008), o processo civilizador associa-se à transformação: a) na estrutura da personalidade dos indivíduos; b) no estilo de vida reinante; c) nas diversas configurações sociais existentes. Estas transformações estão relacionadas ao desenvolvimento de formas de controle mais eficazes, bem como ao surgimento de várias opções de entretenimento, o que disseminou entre os indivíduos, após o momento em que estes assumiram, o controle de seus instintos e emoções. Para comprovar essa questão, basta perceber a substituição das festas de rua e dos jogos populares, pelos bailes, cinemas e esportes feitos nos clubes; colocando o indivíduo como um ser em desenvolvimento psicossocial, o qual possui um maior controle na esfera social. Nesse sentido, as atividades de lazer transformaram-se ao longo da história; a diversidade aumentou e as suas funções foram sendo modificadas. Essas são algumas das consequências que o processo civilizador promoveu ou estimulou, fazendo com que o lazer fosse sendo alterado de forma civilizada. Para Elias e Dunning (1992, p. 73), as atividades de lazer diminuem com o estresse diário, permitindo manifestação de sentimento; entretanto, sem prejudicar a integridade física e moral dos indivíduos ou acarear a ordem estabelecida. O lazer é capaz de “[...] produzir um descontrolo de emoções agradável e controlado.” O lazer é a satisfação de uma necessidade de emoções fortes, podendo ser visto como o complemento das atividades formalmente impessoais, oriundas do mundo do trabalho. Quando se avalia o lazer no espectro do tempo livre, percebe-se que as atividades voltadas ao lazer não estão em primeiro plano na vida da maioria das 38 pessoas, muito pelo contrário, só aparecem depois das obrigações trabalhistas, das familiares, das necessidades básicas, entre outras. Para Dumazedier (2001, p. 92), o lazer é um tempo em que a pessoa “[...] se libera ao seu gosto da fadiga, descansando; do tédio, divertindo-se; da especialização funcional, desenvolvendo de maneira interessada as capacidades de seu corpo e de seu espírito”. Essa contextualização não leva em conta somente a autossatisfação e não é uma decisão individual, pode ter influência política, econômica e social, através de valores e direitos sociais. Ainda para Dumazedier (2001), o lazer pode ser distinto em quatro períodos: a) lazer do fim do dia; b) lazer do fim de semana; c) lazer do fim do ano (férias); d) lazer do fim da vida (aposentadoria). O que os diferencia são interesses específicos, como físicos, práticos, artísticos, intelectuais ou sociais; os quais “[...] dependem de condicionantes econômicas, sociais, políticas e culturais de cada sociedade. (TURINO, 2005, p. 121). Em função disso, a relação do lazer com o trabalho torna-se fundamental, envolvendo questões de natureza biológica e psicológica dependendo do interesse de cada um. Dumazedier (2001) criou um sistema de classificação relacionado às características específicas do lazer, identificado por quatro atributos, a saber: a) liberatório: liberação das obrigações institucionais, mas dependente das obrigações e condicionantes sociais ou interpessoais; b) c) desinteressado: é o prazer de fazer aquilo que se gosta; hedonístico: quando a pessoa não se sente satisfeita, gera uma sensação de frustração; 39 d) pessoal: são três os tipos de necessidades: liberação do cansaço físico ou nervoso; liberação do tédio e das tarefas repetitivas; oportunidade para a conquista da superação de si mesmo. Nesse contexto, o lazer pode ser definido como uma combinação de tempo e de atitude; o que o torna estritamente único. Cada pessoa pode ter uma sensação diferente, seja pelo interesse, experiência, idade, sexo ou classe social. A contextualização defendida por Elias e Dunning (1992) não coloca o lazer como oposto ao trabalho (prazer versus dever); e, sim, o coloca como aversão às atividades sociais, das quais o trabalho faz parte. O tempo divide-se entre tempo de trabalho e tempo livre, sendo que este engloba desde a administração familiar, atividades sociais e atividades de entretenimento. Observa-se, com isso, que apenas uma parte do tempo livre pode ser destinada ao lazer. Para Elias e Dunning (1992, p. 107), o tempo livre é visto com uma consequência das sociedades industriais que evoluíram, sendo definido “[...] de acordo com os actuais usos linguísticos, é todo o tempo liberto das ocupações de trabalho.” Ainda segundo esses autores (1992, p. 149), “O espectro do tempo livre é um quadro de classificação que indica os principais tipos de actividades de tempo livre nas nossas sociedades.” As atividades de tempo livre das pessoas podem ser divididas em cinco esferas, argumentam Elias e Dunning (1992, p. 108-109), assim distribuídas: a) trabalho privado e administração familiar: nesse contexto estão englobadas todas as atividades da família, como provisão da casa, orientação dos filhos, estratégia familiar, entre outras; b) repouso: a esta categoria pertence o não fazer nada, as futilidades e, acima de tudo, o dormir; c) provimento das necessidades biológicas: aqui se encontram atividades como comer, beber, defecar, fazer amor, enfim suprir as necessidades básicas; d) sociabilidade: não é considerada trabalho, embora possa auxiliar neste, através de relacionamentos com colegas de trabalho ou superiores 40 hierárquicos; e, também, atividades que não têm nenhuma relação trabalhista, como ir a um bar, a uma festa, a um clube; e) categoria das atividades miméticas ou jogo: aqui se encontram as atividades de lazer, tais como a ida ao teatro, ao cinema, à pesca, à caça, dançar, ver televisão. Essa divisão prova que nem todas as atividades executadas no tempo livre podem ser caracterizadas como atividades de lazer. Segundo Elias e Dunning (1992, p. 110), “A tipologia mostra, de forma muito nítida, que uma parte considerável do nosso tempo livre não se pode identificar com o lazer.” Para confirmar essa afirmação, Bonato (2006, p. 44) diz: “O tempo disponível ou excedente, ainda que possa ser fonte de lazer, necessariamente não é destinado a ele”. Em contrapartida, o tempo livre deve ser construído para superar os problemas no campo do trabalho e no campo do lazer, buscando melhorias na qualidade de vida. A maioria das atividades de lazer corresponde às atividades realizadas no tempo livre, mas nem todas as atividades realizadas no tempo livre são consideradas atividades de lazer. Entretenimento e descanso estão intimamente relacionados com lazer, porém não só atividades que os envolvam podem ser consideradas lazer, pois este também almeja o desenvolvimento pessoal e social. Os estudos desenvolvidos por Elias e Dunning (1992) facilitam a compreensão e a distinção entre tempo livre e lazer. Estes autores afirmam que o lazer: [...] representa uma esfera de vida que oferece mais oportunidades às pessoas de experimentarem uma agradável estimulação das emoções, uma divertida excitação que pode ser experimentada em público, partilhada com outros e desfrutada com aprovação [...] (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 151). As atividades voltadas ao lazer procuram proporcionar uma excitação agradável ou um estímulo das emoções, através de escolhas e vontades individuais. 41 Elias e Dunning (1992) ainda dividem as formas do uso do tempo fora do ambiente profissional em três categorias de acordo com o grau de rotina, a saber: a) rotinas do tempo livre (atividades rotineiras e pouco prazerosas): tempo destinado ao atendimento das próprias necessidades biológicas, cuidado com o corpo e rotinas familiares; b) atividades intermediárias ou de formação e autodesenvolvimento (menos rotineiras e gratificantes, mas exigem disciplina): são destinadas ao desenvolvimento pessoal seja através de participação política, religiosa, estudo, filantrópica, entre outras; c) atividades de lazer (atividades não rotineiras que geram um descontrole controlado das restrições sobre as emoções): são as atividades sociáveis como um jantar ou uma viagem, o lazer comunitário e o jogo (através das atividades miméticas). Para Elias e Dunning (1992), além do grau de rotina, podem-se avaliar as atividades de lazer sobre dois outros aspectos: a) grau de compulsão social: nas atividades de lazer o grau de compulsão é menor, a participação é voluntária e menos sujeita a constrangimentos; b) grau de pessoalidade: as decisões são tomadas baseadas no „eu‟ e não no „eles‟; respeitando os limites sociais estabelecidos. Ainda que os indivíduos não tenham tempo suficiente para se dedicarem às atividades de lazer, estas são fundamentais; assumindo uma dimensão social bastante ampla mesmo que preponderando a individualidade. Quando se busca a excitação no lazer, Elias e Dunning (1992) apontam que os indivíduos não a buscam simplesmente para o lazer se justapor ao tédio; até porque a sociedade é bastante diversificada e com desafios a serem superados a todos os instantes, bem como o lazer faz parte de todo esse contexto. Estes autores acreditam que a manifestação de sentimentos e emoções acaba por ser restringida em face de oscilação e aflição que caracterizam o cotidiano da vida humana. 42 As rotinas são necessárias, entretanto os indivíduos precisam se revelar e desafiar essa rotina, pois: Quando o lazer destrói a rotina, expõe a pessoa a certo nível de insegurança, a um maior ou menor risco produzindo adrenalina e endorfina, gerando medo, esperança, exaltação, incerteza, catarse, choro, alegria, prazer e todo um rol de experiências essencialmente humanas. (PRONI, 2008, p. 498) Caso aconteça o contrário, a atividade de lazer transforma-se em rotina e acaba por perder a sua função principal, visto que o lazer é fundamental para a qualidade de vida e para a saúde dos indivíduos. Além de se estudar as necessidades de lazer de cada indivíduo, para Elias e Dunning (1992), faz-se necessário compreender as características das atividades, as quais podem se apresentar sob três formas: a) sociabilidade: elemento básico que faz parte das atividades de lazer, como os cassinos e os bares; b) mobilidade: refere-se ao movimento corporal e a vivência de um sentimento de liberdade, como ir à praia ou a uma danceteria; c) imaginação: engloba as atividades miméticas onde é possível experimentar sentimentos fortes e emoções perigosas sem estar em perigo, como assistir a um filme, ouvir uma música ou jogar vídeo game. Ressalta-se que podem existir situações onde a exposição ao risco e a perda do controle pode estar muito próximas, provocadas pela marginalização de certos grupos sociais. Ainda, o lazer não deve ser visto como um produto da urbanização e da industrialização, simplesmente para atender a uma exigência do mundo do trabalho para reduzir o cansaço e o estresse; depois, a interdependência entre as atividades de lazer e as demais atividades, não existe uma subordinação entre as mesmas; e, essa questão, deve ser vista como fundamental para o desenvolvimento social equilibrado. 43 Os estudos de Elias e Dunning (1992) são significativos e originais quanto a sua forma de abordagem no que concerne à utilização do tempo livre, principalmente ao lazer; como forma de romper com a rotina e com o controle existente. O controle acontece da sociedade em relação às pessoas e das pessoas em relação a elas mesmas, e o lazer surge num determinado momento histórico e a partir de uma liberação consentida, em que a satisfação e a liberdade individuais são elementos secundários, mas necessários para esse sistema de regulação imposto pelo capitalismo. (TURINO, 2005, p. 126). Ainda na visão desse autor, o homem precisa controlar a busca pela sua satisfação, subordinando-a aos interesses da sociedade capitalista, onde estes são voltados para a acumulação de capital, o qual domina o meio humano e natural para produzir bens que gerem novos bens e assim sucessivamente. Os estudos voltados ao lazer devem ir além, visto que este na concepção de Elias e Dunning (1992), não é somente um produto da urbanizaç ão e da industrialização; e, sim, tem um conceito mais abrangente, com caráter cultural e orgânico (ser humano). 44 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS As pesquisas relacionadas ao uso do tempo são fundamentais pois através destas pode-se conhecer a realidade que permeia o tecido social. São chamadas de „diários de emprego do tempo ou diários de atividades‟ e buscam “[...] identificar e quantificar o tempo gasto na dedicação a tantas outras atividades, e não somente as atividades econômicas de produção e consumo, já normalmente aferidas nas pesquisas sobre trabalho”. (SOARES; SABÓIA, 2007, p. 7). Na verdade, essas pesquisas preocupam-se em conhecer as aplicações do uso do tempo em todas as formas de trabalho, desde atividade econômica e trabalho voluntário até trabalho não remunerado voltado aos afazeres domésticos. São desenvolvidos em países de todo o mundo, sendo diferenciado pela forma de coleta de dados (podendo ser através de pesquisa específica ou por módulos nas pesquisas domiciliares e condições de vida). A amostra normalmente envolve pessoas de 15 anos ou mais, as quais podem ser avaliadas através do relato das atividades realizadas durante diferentes espaços de tempo, os quais são definidos com antecedência, podendo ser 24 horas de um dia, assim como intervalos de minutos. As pesquisas relacionadas ao uso do tempo permitem identificar como as pessoas o utilizam, podendo ser: a) execução de tarefas domésticas; b) cuidados pessoais e com as pessoas da família; c) cuidados com a saúde; d) alimentação e exercícios físicos; e) deslocamentos para desempenhar atividades necessárias; f) contato social e lazer; g) estudos; h) utilização de tecnologias. 45 Variáveis sociais, econômicas e demográficas têm impacto nesse processo tempo versus atividades; como, por exemplo, a dupla jornada do universo feminino. A mulher acaba se dividindo entre o trabalho e os afazeres domésticos por não conseguir alguém que a substitua em casa, seja por falta de condições financeiras (variável econômica) ou por não ter uma creche onde possa deixar seus filhos (variável demográfica). No Brasil, em função da quantidade de pessoas com idade cada vez mais avançada, não são somente as crianças que dependem das mulheres, mas os idosos também acabam demandando cuidados. Com isso, a tendência da jornada de trabalho feminina é aumentar, fazendo com que o tempo seja redistribuído para os cuidados pessoais e lazer, pois no que concerne ao ambiente de trabalho e cuidados com a família, a exigência será a mesma ou ampliada. Vários estudos são realizados sobre o uso do tempo. Um exemplo, em 2007, no Rio de Janeiro, realizou-se um seminário internacional intitulado „Pesquisas de uso do tempo: aspectos metodológicos e experiências internacionais‟, o qual foi organizado pelo IBGE e pelo Fundo das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM). (SOARES; SABOIA, 2007, p. 8). A preocupação com estudos nessa área não é recente. O IBGE, através da PNAD, em 1982 já investigava sobre o tempo destinado à realização de atividade física, a assistir televisão, aos afazeres domésticos, ao trabalho profissional e aos estudos. À mesma pesquisa, em 1992, foi acrescentado o questionamento quanto ao tempo de deslocamento entre a residência e o ambiente de trabalho. Em 1996-1997, a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) contou com um bloco sobre o uso do tempo onde se investigou sobre o tempo gasto no trabalho produtivo, afazeres domésticos, trabalho comunitário, permanência em estabelecimento de ensino e tempo gasto com transporte. Nesta pesquisa constatou-se que o trabalho produtivo e os afazeres domésticos consomem a maior parte do tempo dos moradores, seguido do tempo gasto em estabelecimento de ensino e trabalho comunitário. (SOARES; SABOIA, 2007, p. 9). Em 2001, foi realizada uma nova pesquisa a qual se baseou na classificação internacional das atividades de uso do tempo, estabelecidas pela Organização das 46 Nações Unidas (ONU) – International Classification of Activities on Time-Use Survey (ICATUS). A PNAD é desenvolvida pelo IBGE através de uma amostra de domicílios brasileiros e busca conhecer características socioeconômicas da população de acordo com a necessidade de conhecimento. Para esse estudo, utiliza-se a PNAD elaborada em 2005 e publicada em 2007. 3.1 INDICADORES SEGUNDO OS DADOS DA PNAD 2005 Os dados apresentados sobre os afazeres domésticos envolvem pessoas de 10 anos ou mais de idade, sendo que estas podem realizar tais atividades de forma parcial ou integral, independente da condição da atividade ou ocupação na semana. Para esse estudo em específico, analisar-se-á (quando possível) a faixa etária de 18 a 59 anos, em função desta estar apta às atividades laborais de acordo com a legislação brasileira. Gráfico 2 – Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por sexo – Brasil – 2001 e 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). 47 Entre os períodos de 2001 e 2005, observou-se que houve um aumento do tempo dedicado à realização dos afazeres domésticos sendo 66,9% (em 2001) e 71,5% (em 2005). Essa situação justifica-se pelo fato das pessoas estarem contratando menos trabalhadores domésticos remunerados (tinha-se 7,8% de população ocupada em 2001 e 7,6% em 2005), fazendo com que estas ampliem as suas jornadas para suprirem essa falta do trabalhador doméstico (SOARES, SABOIA, 2007). Outra questão que influenciou nessa realidade é a queda no rendimento real das pessoas o qual passou de R$ 858,00 (451,58 dólares) em 2001 para R$ 763,00 (287,92 dólares) em 2005; justificando-se a diminuição ou alteração dos serviços domésticos contratados. (SOARES, SABOIA, 2007). Esse aumento na quantidade de horas destinadas aos afazeres domésticos deu-se, também, devido a participação efetiva dos homens, pois foi apontado um crescimento de 8,6 pontos contra apenas 1,1 ponto para as mulheres no período de 2001 a 2005. Gráfico 3 – Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade do sexo masculino que cuidam de afazeres domésticos – Brasil – 2001 e 2005 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Os dados demonstram que a faixa etária de 50 a 59 anos foi a que teve maior crescimento (9,2 pontos percentuais) na proporção de pessoas do sexo 48 masculino que cuidam de afazeres domésticos, conforme mostra o Gráfico 3. (IBGE, 2007). A tabela 6 mostra, por grupos de idade segundo o sexo, a quantidade de pessoas que cuidam de afazeres domésticos por região: Tabela 6 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Sexo e Grandes Regiões Total Grupos de idade 25 a 49 50 a 59 18 a 24 anos anos 60 anos ou mais Total 91.237.484 16.177.973 49.460.967 12.504.390 13.094.154 Norte 6.496.270 1.505.898 3.717.281 637.507 635.584 Nordeste 23.061.531 4.894.301 12.199.741 2.841.686 3.125.803 Sudeste 40.472.344 6.283.430 21.822.593 5.997.618 6.368.703 Sul 14.968.655 2.315.400 8.171.846 2.244.727 2.236.682 Centro-Oeste 6.238.684 1.178.944 3.549.506 782.852 727.382 Homens 31.031.363 5.529.673 17.143.287 4.180.072 4.178.331 Norte 2.306.462 528.580 1.323.648 218.955 235.279 Nordeste 7.377.694 1.625.419 3.932.315 877.457 942.503 Sudeste 13.513.588 2.079.921 7.513.447 1.941.862 1.978.358 Sul 5.715.245 884.374 3.180.742 874.618 775.511 Centro-Oeste 2.118.374 411.379 1.193.135 267.180 246.680 Mulheres 60.206.121 10.648.300 32.317.680 8.324.318 8.915.823 Norte 4.189.808 977.318 2.393.633 418.552 400.305 Nordeste 15.683.837 3.268.882 8.267.426 1.964.229 2.183.300 Sudeste 26.958.756 4.203.509 14.309.146 4.055.756 4.390.345 Sul 9.253.410 1.431.026 4.991.104 1.370.109 1.461.171 Centro-Oeste 4.120.310 767.565 2.356.371 515.672 480.702 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Segundo os dados apresentados na Tabela 6, 85,6% do total de pessoas que afirmam exercer atividades enquadradas como afazeres domésticos encontramse na faixa etária de 18 a 59 anos, destes 65,6% são mulheres, constituindo os afazeres domésticos como atividades predominantemente femininas. Na sequência, tem-se a Tabela 7 com a proporção das pessoas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade, sexo e região: 49 Tabela 7 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões – 2005 Sexo e Grandes Regiões 18 a 24 Grupos de idade 25 a 49 50 a 59 anos anos 60 anos ou mais Total 66,3 75,1 76,3 71,7 Norte 72,6 74,8 72,3 69,2 Nordeste 67,0 72,6 73,8 66,2 Sudeste 62,9 74,8 76,2 73,2 Sul 70,5 81,5 82,5 77,3 Centro-Oeste 67,0 73,0 72,8 71,0 Homens 45,1 54,2 54,0 52,1 Norte 52,0 53,9 49,3 52,3 Nordeste 44,1 48,9 48,9 44,4 Sudeste 41,3 53,8 53,1 53,5 Sul 53,1 65,9 66,5 61,5 Centro-Oeste 47,2 51,0 50,7 51,1 Mulheres 87,7 94,5 96,1 87,1 Norte 92,3 95,1 95,6 85,5 Nordeste 90,4 94,4 95,6 84,0 Sudeste 84,4 94,1 96,2 87,8 Sul 88,3 95,9 97,5 89,5 Centro-Oeste 86,3 93,3 94,0 88,8 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). De uma forma geral, a maior parte da população destina uma parcela do seu tempo à execução de atividades domésticas, conforme a Tabela 7. Os resultados mostram que os afazeres domésticos são atividades que acompanham a vida dos indivíduos. Quando se analisam as desigualdades de acordo com o sexo e os grupos de idade que mais interessam (18 a 59 anos), percebe-se que somente 51,1% dos homens realizam afazeres domésticos enquanto as mulheres atingem um percentual de 92,8%. O Nordeste é a região onde essa realidade está mais presente: o público masculino atinge 47,3% contra 61,8% da região Sul. Uma provável justificativa na baixa da participação desse público pode-se encontrar na cultura da região. Os homens nordestinos, em função do machismo preponderante, apontam a execução de afazeres domésticos como uma atividade de responsabilidade feminina. (SOARES; SABÓIA, 2007). Ao se analisar o número de horas gastas em afazeres domésticos, primeiramente fazendo um comparativo entre os anos de 2001 e 2005 observa-se 50 que apesar do aumento na proporção de pessoas que realizam afazeres domésticos, a pesquisa mostra que no que tange à quantidade de horas dedicadas a essas atividades, houve uma queda de quase 4 horas; em 2001, as pessoas dedicavam 23,4 horas semanais o que passou para 19,9 horas semanais em 2005. Essa diminuição foi mais evidente entre as mulheres (com 3,7 horas enquanto foi 1,1 horas para os homens) e na faixa etária de 25 a 49 anos, faixa esta onde as mulheres estão em maior atividade no mercado de trabalho. A redução do tempo na realização dos afazeres domésticos também se justifica pela utilização de novas tecnologias as quais podem estar facilitando esse trabalho. Pode-se verificar que, com o passar dos anos, a população masculina se dedica cada vez mais aos afazeres domésticos (principalmente em idade mais avançada, provavelmente em função da aposentadoria), apresentando uma diferença notável nesse contexto. Já, para as mulheres, o tempo destinado a esse tipo de atividade não diferencia muito ao longo da idade, sendo mais intenso na faixa etária de 50 a 59 anos (Tabela 8). Tabela 8 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões – 2005 Grupos de idade Sexo e Grandes 50 a Regiões 25 a 49 59 60 anos 18 a 24 anos anos ou mais 17,6 21,5 24,3 23,7 Total Norte 18,0 19,9 25,5 20,5 Nordeste 19,8 23,7 25,1 24,1 Sudeste 16,6 21,5 21,9 24,3 Sul 15,5 19,4 22,9 22,7 Centro-Oeste 17,2 20,5 24,3 22,3 Homens 9,0 9,8 10,8 13,0 Norte 9,9 10,0 10,4 12,0 Nordeste 9,5 10,4 11,2 13,1 Sudeste 8,7 9,7 11,2 13,1 Sul 8,3 9,0 9,9 12,9 Centro-Oeste 8,7 9,6 10,3 13,0 Mulheres 22,1 27,7 31,0 28,7 Norte 22,3 25,3 26,9 25,4 Nordeste 24,9 30,0 31,9 28,8 Sudeste 20,6 27,7 31,7 29,4 Sul 19,9 26,1 29,6 27,9 Centro-Oeste 21,8 26,1 29,5 27,1 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). 51 Quando se compara a realidade do Brasil com outros países, não se encontra diferença muito grande. Em um estudo feito por Aguirre, Sainz e Carrasco (2005), em Barcelona, observou-se que as mulheres dedicam mais tempo aos afazeres domésticos que os homens e, estes, só se dedicam de forma relevante quando param de trabalhar. Situação igual foi descrita com a população brasileira. Em 2005, na faixa etária de 25 a 49 anos, a participação feminina no mercado de trabalho era de 71,8%, enquanto que a dos homens na mesma faixa etária chegava a 94,3%. (IBGE, 2006). Além da idade, outros fatores sócio-demográficos podem ser considerados nessa análise. Quanto a cor/raça foram obtidos os seguintes resultados (Tabela 9): Tabela 9 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Sexo e Grandes Preta e parda Regiões Total Branca Cor/ raça Total 109.251.223 55.021.206 53.433.245 Norte 8.400.757 1.963.003 6.386.801 Nordeste 28.597.718 8.022.402 20.478.079 Sudeste 46.951.393 27.450.403 19.032.394 Sul 17.698.611 14.341.437 3.243.821 Centro-Oeste 7.602.744 3.243.961 4.292.150 Homens 37.738.071 18.652.469 18.805.022 Norte 3.072.769 666.262 2.391.917 Nordeste 9.344.626 2.360.188 6.954.816 Sudeste 15.861.170 9.080.667 6.614.067 Sul 6.817.574 5.470.493 1.298.599 Centro-Oeste 2.641.932 1.074.859 1.545.623 Mulheres 71.513.152 36.368.737 34.628.223 Norte 5.327.988 1.296.741 3.994.884 Nordeste 19.253.092 5.662.214 13.523.263 Sudeste 31.090.223 18.369.736 12.418.327 Sul 10.881.037 8.870.944 1.945.222 Centro-Oeste 4.960.812 2.169.102 2.746.527 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). 52 Pode-se perceber que a cor/raça não tem influência significativa na execução dos afazeres domésticos, a diferença é 0,82% a mais para os homens da cor/raça preta e parda e 5,03% a mais para as mulheres de cor/raça branca. Gráfico 4 – Número médio de horas semanais gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor/raça – Brasil – 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005. Com relação ao tempo destinado à execução dessas atividades, observa-se que as mulheres de cor/raça preta e parda gastam mais tempo (25,7 horas) com essas atividades do que as mulheres brancas (24,9 horas), conforme o gráfico 4. Quando se analisa em termos de sexo e cor/raça, os resultados com horas semanais gastas com afazeres domésticos são muito próximos, não apresentando diferença significativa (Gráfico 4). A Tabela 10 apresenta a proporção de pessoas que cuidam de afazeres domésticos, assim como o número de horas gastas, de acordo com a cor/raça: 53 Tabela 10 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos e número médio de horas gastas em afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Proporção de pessoas de 10 Número médio de horas anos ou mais de idade que gastas em afazeres cuidam de afazeres domésticos Sexo e Grandes domésticos Regiões Preta e Preta e Total Branca Total Branca parda parda Total 71,5 71,4 71,7 19,9 19,7 20,2 Norte 73,6 72,0 74,1 17,9 17,6 18,0 Nordeste 69,4 66,8 70,4 21,2 21,3 21,2 Sudeste 70,5 70,0 71,2 20,3 20,3 20,4 Sul 77,7 77,7 77,8 18,3 18,1 19,0 Centro-Oeste 70,7 69,3 71,9 18,9 18,6 19,0 Homens 51,1 51,2 51,0 9,9 9,6 10,1 Norte 54,5 52,1 55,2 9,9 9,7 9,9 Nordeste 46,7 42,4 48,4 10,3 10,0 10,4 Sudeste 49,7 49,1 50,4 9,9 9,8 10,1 Sul 62,0 61,9 62,2 9,2 9,0 9,8 Centro-Oeste 50,5 48,5 52,1 9,6 9,4 9,7 Mulheres 90,6 89,4 91,9 25,3 24,9 25,7 Norte 92,2 89,5 93,2 22,5 21,7 22,8 Nordeste 90,7 88,0 92,0 26,5 26,0 26,8 Sudeste 89,7 88,7 91,3 25,6 25,5 25,9 Sul 92,4 92,2 93,3 24,0 23,7 25,1 Centro-Oeste 89,9 88,1 91,5 23,8 23,2 24,3 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Quando se faz a análise por Regiões em relação ao tempo destinado aos afazeres domésticos, verifica-se que as mulheres pretas e pardas da Região Nordeste são as que mais se dedicam aos afazeres domésticos, chegando a quase 4 horas diárias (Tabela 10). Quando se avalia a questão de pessoas que se dedicam a esse tipo de atividade, destacam-se as mulheres pretas e pardas da Região com o maior percentual (93,3%). Outro fator considerado foi a escolaridade das pessoas pesquisadas, a qual mostrou ter influência acentuada nos resultados (Tabela 11): 54 Tabela 11 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que realizam afazeres domésticos e número médio de horas gastas na semana em afazeres domésticos por sexo segundo os grupos de anos de estudo - 2005 Grupos de anos de estudo Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos Total Homens Mulheres Número médio de horas gastas em afazeres domésticos Total Homens Mulheres Até 4 anos 67,9 47,0 89,0 21,8 10,6 5 a 8 anos 72,1 51,3 92,3 20,1 9,7 9 a 11 anos 73,3 52,5 92,8 19,8 9,9 12 anos ou mais 73,0 54,0 88,7 18,1 9,2 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). 27,8 25,8 25,1 22,6 Ao se analisar o tempo de estudo, verifica-se que o grupo menos escolarizado (até 4 anos de estudo) é o que tem a menor participação na execução dos afazeres domésticos (67,9%); entretanto, de acordo com a jornada semanal, esse mesmo grupo é o que mais gasta tempo com esse tipo de atividade (21,8 horas). Já na população com 12 anos ou mais de estudo, o tempo dedicado aos afazeres domésticos, independente de ser homem ou mulher, é o menor encontrado (18,1 horas). No caso dos homens, nota-se que quanto maior o nível de escolaridade, maior a participação na realização de atividades domésticas, inversamente é a situação do tempo destinado à execução desse tipo de atividade. Neste mesmo caso, a situação no universo feminino mostra que quanto maior o tempo de estudo menos se dedica a essa atividade. Como o nível de escolaridade tem relação com o rendimento, as pessoas que ganham mais têm condições de contratar outras para a execução dessas atividades. No caso das mulheres com esse grau de escolaridade, a jornada semanal dedicada aos afazeres domésticos chega a ser 5 horas/semana menor do que a jornada de mulheres com tempo de estudo inferior. (SOARES; SABÓIA, 2007). 55 Gráfico 5 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por sexo e grupos de idade – Brasil – 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Mesmo as mulheres estando inseridas no mercado de trabalho, estas não abandonam seus afazeres domésticos, pois 95,8% (faixa etária de 50 a 59 anos) afirmam que, mesmo tendo atividades profissionais cuidam, de suas tarefas; enquanto os homens, nesse mesmo contexto, apenas 44,0% (faixa etária de 18 a 24 anos) dizem realizar algum tipo de atividade doméstica (Gráfico 5). Ainda no mesmo gráfico, pode-se perceber que o tempo de dedicação aos afazeres domésticos aumenta com a idade – no caso das mulheres, de 84,1% (faixa etária de 18 a 24 anos) para 96,2% (faixa etária com 60 anos ou mais) e no caso dos homens, de 44,0% (faixa etária de 18 a 24 anos) para 52,5% (faixa etária com 60 anos ou mais). A Tabela 12 apresenta o número de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas ocupadas segundo a idade, o sexo e a região: 56 Tabela 12 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade ocupadas por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Sexo e Grandes Regiões Grupos de idade 25 a 49 50 a 59 60 anos 18 a 24 anos anos ou mais 13,3 16,8 18,5 18,7 Total 13,9 15,8 16,8 17,6 Norte 15,0 18,8 20,4 20,1 Nordeste 12,6 16,4 18,5 18,3 Sudeste 12,2 15,8 17,0 18,2 Sul 12,7 16,1 17,0 16,9 Centro-Oeste 8,4 9,2 9,5 10,8 Homens 9,1 9,6 9,7 9,8 Norte 8,9 9,8 10,4 11,6 Nordeste 8,2 9,1 9,4 10,3 Sudeste 7,7 8,5 8,9 11,2 Sul 8,3 9,0 9,1 10,4 Centro-Oeste 17,1 22,5 25,2 25,9 Mulheres 18,2 21,0 22,6 25,8 Norte 20,0 24,9 26,9 27,2 Nordeste 15,6 21,9 25,0 25,7 Sudeste 15,8 21,7 24,2 24,9 Sul 16,2 21,0 23,9 24,4 Centro-Oeste Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Na análise dos anos de 2001 e 2005, no que concerne ao tempo destinado à execução dos afazeres domésticos, houve a diminuição do tempo destinado a essas atividades, o qual reduziu de 18,4 horas semanais para 16,6 horas semanais. Analisando-se a tempo utilizado (Tabela 12) para a realização dos afazeres domésticos, percebe-se que as mulheres utilizam quase o dobro (ou mais, em alguns casos) do tempo destinado pelos homens. Na sequência, encontra-se a Tabela 13, a qual apresenta o número médio de horas trabalhadas das pessoas ocupadas, segmentadas por sexo e grupos de idade: 57 Tabela 13 - Número médio de horas trabalhadas das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas por sexo e grupos de idade segundo as Grandes Regiões - 2005 Grupos de idade 25 a 49 50 a 59 60 anos 18 a 24 anos anos ou mais 40,0 41,2 39,5 32,8 Total 39,8 40,8 40,1 34,9 Norte 37,3 38,9 36,6 30,4 Nordeste 41,4 42,2 40,5 34,9 Sudeste 40,5 41,9 40,1 30,7 Sul 41,3 42,1 41,2 37,0 Centro-Oeste 42,2 45,2 44,3 37,9 Homens 42,4 44,9 45,2 40,9 Norte 39,8 43,3 42,4 35,6 Nordeste 43,2 45,8 44,8 39,5 Sudeste 43,1 46,2 44,9 35,9 Sul 43,7 46,2 45,7 42,1 Centro-Oeste 36,8 36,1 32,8 24,1 Mulheres 35,6 35,1 32,0 23,1 Norte 33,2 33,1 29,1 21,7 Nordeste 38,9 37,7 34,6 26,8 Sudeste 37,1 36,8 33,6 23,0 Sul 37,8 36,8 33,9 25,9 Centro-Oeste Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Nota: Horas no trabalho principal na semana de referência Sexo e Grandes Regiões Quando se compara o número médio de horas trabalhadas com o tempo destinado aos afazeres domésticos, a situação do universo masculino e feminino é oposta: nestes as mulheres dedicam maior tempo, já naquele são os homens. No mercado de trabalho a utilização do tempo analisado por sexo, não tem tanta diferença, pois as mulheres têm uma jornada semanal de 34,7 horas enquanto os homens 42,9 horas, apresentando um aumento de 23,6% (Tabela 13). Ao se considerar a jornada de trabalho semanal das pessoas (tanto profissional quanto dedicada aos afazeres domésticos) nos 5 dias úteis da semana, nota-se que as mulheres trabalham 11,5 horas por dia contra 10,6 horas trabalhadas pelos homens. Mesmo trabalhando mais, na maioria das vezes, as mulheres recebem menos por isso, pois ainda não têm um salário igual ao dos homens que ocupam a mesmo função, assim como não recebem nenhum tipo de remuneração pelas horas dedicadas aos afazeres domésticos. (SOARES, SABÓIA, 2007) 58 Na sequência, é apresentada a Tabela 14 com os dados referentes às pessoas ocupadas que realizam afazeres domésticos: Tabela 14 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Sexo e Grandes Regiões 18 a 24 Grupos de idade 25 a 49 50 a 59 anos anos 60 anos ou mais Total 9.127.238 36.109.297 7.460.675 3.796.102 Norte 784.868 2.691.460 427.857 233.462 Nordeste 2.546.388 8.583.027 1.838.684 1.114.980 Sudeste 3.586.024 15.757.928 3.261.823 1.404.766 Sul 1.548.215 6.479.947 1.465.562 828.485 Centro-Oeste 661.743 2.596.935 466.749 214.409 Homens 3.986.555 15.350.341 3.197.036 1.826.478 Norte 370.369 1.209.263 191.706 119.654 Nordeste 1.150.423 3.454.046 725.022 507.880 Sudeste 1.472.426 6.685.011 1.368.191 676.486 Sul 695.581 2.927.064 694.898 407.512 Centro-Oeste 297.756 1.074.957 217.219 114.946 Mulheres 5.140.683 20.758.956 4.263.639 1.969.624 Norte 414.499 1.482.197 236.151 113.808 Nordeste 1.395.965 5.128.981 1.113.662 607.100 Sudeste 2.113.598 9.072.917 1.893.632 728.280 Sul 852.634 3.552.883 770.664 420.973 Centro-Oeste 363.987 1.521.978 249.530 99.463 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Através dos dados, percebe-se que a faixa etária de 25 a 49 anos engloba 63,9% da população pesquisada. Essa faixa é a maioria quando se analisam os indivíduos ocupados que cuidam de afazeres domésticos, tanto homens quanto mulheres(Tabela 14). A tabela 15 apresenta a proporção das pessoas ocupadas que cuidam de afazeres domésticos: 59 Tabela 15 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Sexo e Grandes Regiões 18 a 24 Grupos de idade 25 a 49 50 a 59 anos anos 60 anos ou mais Total 60,1 71,3 70,4 68,7 Norte 64,5 70,0 66,5 65,9 59,9 68,3 69,0 66,4 Nordeste Sudeste 56,9 70,7 69,1 67,2 67,1 79,4 79,0 77,2 Sul Centro-Oeste 60,1 68,8 66,0 65,4 44,0 54,0 52,0 52,5 Homens Norte 49,0 53,4 48,5 50,9 Nordeste 43,4 48,9 48,0 48,4 40,0 53,4 50,0 50,9 Sudeste 52,8 65,9 65,2 63,2 Sul Centro-Oeste 45,3 50,9 49,7 51,4 84,1 93,3 95,8 96,2 Mulheres Norte 90,0 93,9 95,3 95,4 87,2 93,4 96,3 96,1 Nordeste 80,7 92,7 95,3 95,6 Sudeste 86,0 95,5 97,8 98,0 Sul Centro-Oeste 82,1 91,5 92,6 95,5 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Primeiramente, através dos resultados apresentado pela PNAD de 2001 e 2005, percebe-se que quando se analisa a população ocupada, a proporção de pessoas que se dedicam aos afazeres domésticos aumentou de 62% (em 2001) para 68,6% (em 2005), sendo que o aumento maior foi na população masculina, principalmente na faixa etária de 10 a 17 anos (10,5 p.p). Quando se compara as pessoas ocupadas com as não ocupadas, pode-se observar que a realidade não é diferente no que concerne à proporção das mesmas que se dedicam aos afazeres domésticos. Analisando a faixa etária com maior concentração de pessoas (25 a 49 anos), tem-se: 54,2% para os homens e 54% para os homens ocupados; no caso das mulheres 94,5% e 93,3% para as mulheres ocupadas. Os dados revelam que não existe diferença significativa para tal situação (Tabelas 7 e 15). A Tabela 16 apresenta o número de pessoas ocupadas e respectiva proporção que cuidam de afazeres domésticos: 60 Tabela 16 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos, total e proporção, por sexo segundo a posição na ocupação - 2005 Posição na ocupação Total Proporção Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total 59.764.555 26.040.114 33.724.441 68,6 51,6 92,0 Empregado com Carteira 17.733.730 9.240.678 8.493.052 65,6 53,1 87,9 Assinada Empregado sem Carteira 9.373.256 5.116.390 4.256.866 60,7 47,9 89,2 Assinada Militar 132.459 128.909 3.550 52,0 51,8 62,9 Fun. Público Estatutário 4.100.933 1.247.607 2.853.326 78,3 58,5 91,9 Trabalhador Doméstico 6.012.662 270.742 5.741.920 90,3 59,8 92,5 Trabalhador por Contra 12.464.931 6.773.114 5.691.817 66,2 52,6 95,6 Própria Empregadores 1.976.521 1.155.860 820.661 53,7 42,6 84,6 Trabalhador na Prod. para 3.366.936 732.687 2.634.249 86,5 59,3 99,1 Próprio Consu Trabalhador na Const. para 85.938 69.900 16.038 70,1 66,4 92,8 Próprio Uso Não Remunerado 4.517.189 1.304.227 3.212.962 76,4 50,1 97,1 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Conforme os dados apresentados na Tabela 16 em termos percentuais totais, percebe-se que os trabalhadores domésticos são os que mais se dedicam aos afazeres domésticos (90,3%); enquanto os militares são os que menos se dedicam a esse tipo de atividade (52,0%). Para auxiliar na compreensão da referida tabela, foi denominado de „trabalhador na produção do próprio consumo‟ a pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, em atividades como agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal, pesca e piscicultura, para a própria alimentação ou de pelo menos de um membro da unidade domiciliar. (PNAD, 2007). Na Tabela 17 tem-se a média de horas semanais das pessoas, ocupadas ou não, no cuidado de afazeres domésticos: 61 Tabela 17 - Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade no cuidado de afazeres domésticos e média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas no trabalho principal por sexo - 2005 Posição na ocupação |Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade no cuidado de afazeres domésticos Total Homens Mulheres Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas no trabalho principal Total Homens Mulheres Total 19,9 9,8 25,2 Empregado com Carteira 12,7 8,6 17,1 Assinada Empregado sem Carteira 13,9 9,2 19,5 Assinada 8,0 7,9 10,8 Militar 16,9 9,3 20,3 Fun. Público Estatutário 20,1 11,1 20,6 Trabalhador Doméstico 17,3 9,8 26,2 Trabalhador por Contra Própria 11,6 7,6 17,3 Empregadores Trabalhador na Prod. para 27,6 11,7 32,1 Próprio Consumo Trabalhador na Const. para 16,1 13,3 28,4 Próprio Uso 19,6 8,6 24,1 Não Remunerado Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). 39,5 42,9 34,8 44,2 45,6 41,8 40,5 42,5 36,0 43,0 36,9 39,9 39,5 48,2 43,2 40,2 44,7 43,6 49,2 34,5 34,7 39,5 31,0 45,4 16,4 23,5 13,0 27,9 28,3 25,1 28,1 28,2 28,0 As mulheres que se dizem trabalhadoras na produção do próprio consumo (99,1%), não remuneradas (97,1%) e trabalhadoras por conta própria (95,6%) são as que mais de dedicam aos afazeres domésticos. As trabalhadoras da produção são as que têm a maior jornada semanal com afazeres domésticos, chegando a 32,1 horas/semana; entretanto, a jornada semanal de trabalho é de 13 horas. No caso dos homens ocupados, os que dedicam mais tempo às atividades profissionais (49,2 horas por semana) são os que gastam menos tempo com os afazeres domésticos como os empregadores com 7,6 horas por semana; e, em segundo lugar, aparecem os militares com 7,9 horas por semana. Quanto aos que gastam mais tempo, encontram-se os trabalhadores na produção para o próprio consumo e para o próprio uso com 11,7 horas e 13,3 horas, respectivamente. Observa-se que o trabalho doméstico é destinado aos que não tem um trabalho regular, a dedicação é maior das pessoas que não trabalham fora. Na Tabela 18 são apresentados os dados referentes ao deslocamento do domicilio para o local de trabalho, a saber: 62 Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que iam direto do domicílio para o local de trabalho, total e sua respectiva distribuição por períodos de tempo de deslocamento segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 Períodos de tempo de deslocamento do domicílio para o local de trabalho Sexo e Mais de Grandes Total 30 Mais de Até 30 Mais de 2 Regiões minutos 1 até 2 minutos horas até 1 horas hora 65.433.129 68,2 22,2 7,9 1,8 Total 72,1 20,1 5,8 2,0 Norte 4.381.399 71,4 21,1 5,9 1,7 Nordeste 15.812.223 30.529.429 62,5 24,6 10,6 2,2 Sudeste 77,8 17,8 3,7 0,7 Sul 9.936.296 70,0 21,3 7,3 1,4 Centro-Oeste 4.773.782 39.248.486 66,3 23,3 8,2 2,2 Homens 69,0 21,9 6,5 2,7 Norte 2.741.538 9.938.488 69,0 22,3 6,5 2,2 Nordeste 60,9 25,7 10,8 2,5 Sudeste 18.028.958 76,6 18,5 3,9 1,0 Sul 5.742.929 67,8 22,3 7,9 2,1 Centro-Oeste 2.796.573 26.184.643 71,0 20,6 7,4 1,1 Mulheres 77,3 17,1 4,8 0,8 Norte 1.639.861 5.873.735 75,4 19,1 4,9 1,7 Nordeste 64,9 23,0 10,4 1,7 Sudeste 12.500.471 79,4 16,9 3,5 0,2 Sul 4.193.367 73,0 20,0 6,5 0,5 Centro-Oeste 1.977.209 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). A PNAD (2007) fornece dados sobre o tempo dispensado para o deslocamento do domicílio para o trabalho; onde, de acordo com os resultados apresentados pode-se perceber que 75% das pessoas vão direto de casa para o trabalho, sendo, que 68,2% levam até 30 minutos nesse deslocamento e 22,2% levam entre 30 minutos e 1 hora. As mulheres (71%), gastam menos tempo em deslocamento do que os homens (66,3%). Isso possibilita que estas cheguem a casa mais cedo para terem tempo para realizar outras atividades. (SOARES, SABÓIA, 2007). 63 3.2 A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO DESTINADO AOS AFAZERES DOMÉSTICOS NO ÂMBITO FAMILIAR A família é uma organização importante nos estudos estatísticos relativos à distribuição de renda, comportamento demográfico, mercado de trabalho, entre outros. No que concerne ao uso do tempo não é diferente. Mesmo com todas as transformações ocorridas no mundo, tanto no ambiente profissional ou familiar, através das estatísticas da PNAD, observa-se que as mulheres continuam sendo responsáveis pela execução dos afazeres domésticos (Gráfico6). Gráfico 6 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por sexo e condição na família - Brasil - 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Segundo o Gráfico 6, independente da posição que ocupe na família, as mulheres realizam mais afazeres domésticos do que os homens, conforme os dados da os dados da pesquisa que comprovam essa afirmação. Quando se analisa a pessoa de referência, os percentuais são: 41,6% de mulheres e 58,4% de homens. Isso não quer dizer que os homens chefes de 64 famílias realizam mais afazeres domésticos que as mulheres chefes de família; mas, sim, que o número de homens chefes de família é maior nas famílias brasileiras. Segundo Horta e Strey (2006), o chefe de família está associado a finanças, decisão, cuidados e esteio; e o Censo Demográfico de 2000, utilizou a mesma definição para identificação das pessoas nessa condição. Na pesquisa, a escolha de uma pessoa de referência, ocorre segundo a estrutura familiar e essa define a relação entre os membros da família, O Gráfico 6 mostra a proporção de pessoas que cuidam de afazeres domésticos nesse sentido. A Tabela 19 expõe o número de horas gastas em afazeres domésticos por tipo de família e sexo: Tabela 19 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos dos membros das famílias por tipo de família segundo o sexo e condição na família – 2005 Sexo e condição na família Pessoa Casa l sem s filho s Tipos de família Casal Casal Mãe Mãe com com com com Casal Mãe filhos todo filhos todo Outro Casa com com menore s os menore s os s l com filhos filhos s de 14 filhos s de 14 filhos tipos filho menore menore anos e de 14 anos e de 14 de s s de 14 s de 14 de 14 anos de 14 anos família anos anos anos ou ou anos ou ou mais mais mais mais 20,1 21,8 19,7 18,1 20,9 20,6 17,8 17,7 Total 19,9 20,5 Pessoa de referência 16,6 12,0 11,8 11,7 12,3 11,6 23,5 27,6 Cônjuge 30,4 26,7 31,5 31,4 31,6 31,4 Filho 12,4 - 11,8 9,4 12,6 12,0 9,7 14,3 Outro 16,4 13,7 16,7 18,5 14,8 16,8 18,2 14,5 parente Outro (1) 15,9 18,9 19,0 19,4 19,1 18,3 17,6 17,3 Homens 9,8 10,2 9,2 9,5 9,1 8,7 7,6 9,7 Pessoa de referência 10,4 10,2 9,6 9,8 9,6 9,1 Cônjuge 10,9 10,6 11,1 10,8 11,3 11,4 Filho 8,6 8,2 7,4 8,3 8,3 7,3 9,9 Outro 9,6 8,9 9,1 9,4 8,6 9,4 8,7 8,6 parente Outro (1) 9,0 10,4 8,6 7,8 11,3 5,9 12,7 8,5 Mulheres 25,2 26,7 26,3 29,0 25,6 23,5 20,0 23,6 Pessoa de referência 25,4 24,3 29,0 28,8 29,7 28,4 23,5 27,6 Cônjuge 31,1 27,5 32,2 32,1 32,3 32,1 Filho 14,9 - 14,2 10,6 15,4 14,4 11,1 17,5 Outro 19,6 16,7 19,7 21,8 17,2 20,1 24,1 17,6 parente 19,2 21,9 21,2 21,1 21,0 21,9 18,1 21,6 Outro (1) Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Nota: (1) Outro: Agregado, pensionista, empregado doméstico e parente de doméstico. 26,2 12,5 16,2 15,2 8,9 9,0 9,4 4,5 20,5 26,2 14,7 19,2 23,2 18,2 15,9 17,3 13,1 12,8 13,6 10,8 10,6 9,0 21,9 22,8 20,7 20,8 16,5 empregado 65 Ao se avaliar o tempo destinado aos afazeres domésticos, o dos cônjuges é maior que o tempo dos demais, sendo, a jornada feminina (31,1 horas) praticamente o triplo da jornada masculina (10,9 horas). A jornada das mulheres no mercado de trabalho (34,7 horas semanais) é bastante próxima da jornada doméstica (31,1 horas semanais). O tempo dedicado pelo filho é o menor de todas as categorias, com 8,6 horas (Tabela 19), o que indica que os afazeres domésticos são atividades de responsabilidade das mulheres, pois é dessa forma que são criadas (KOVALESKI, 2002). Gráfico 7 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e condição na família – Brasil - 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). As mulheres gastam um tempo maior com os afazeres domésticos independente do papel que ocupem na família; não é só aquela que se tornou cônjuge, mas também a filha, a outra parente, todas encontram-se na mesma situação. 66 Essa situação “[...] indica uma construção social, inerente no âmbito da família, de que cabe às mulheres e à mãe o trabalho doméstico”. (SOARES, SABÓIA, 2007). A pesquisa, em todo seu desenvolvimento, confirma a afirmação dos referidos autores. Gráfico 8 – Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e tipo de família – Brasil – 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). As filhas dedicam 14,9 horas semanais com os afazeres domésticos, aumentando essa jornada para 17,5 horas semanais quando vivem em uma família onde a mãe não tem um cônjuge e tem filhos maiores ou menores de 14 anos. (SOARES, SABÓIA, 2007). Nesse caso, quando a mãe é responsável pelo sustento da família, gasta seu tempo no mercado de trabalho, o que faz com que a filha assuma algumas de suas responsabilidades, como os afazeres domésticos e o cuidado com os irmãos. As mulheres que compõem família constituída por casal com filhos menores de 14 anos são as que acabam por ter maior tempo destinado aos afazeres domésticos (29 horas semanais). De Decca (2005) acredita que essa incidência de maior jornada (demonstrada através do Gráfico 8) justifica-se pelo fato de as mulheres terem responsabilidades junto aos filhos pequenos e, em função disso, acabam por se 67 submeter a situações no mercado de trabalho que lhe são desfavoráveis. A jornada também é intensa pela falta de opção em termos de equipamentos e serviços sociais públicos de atendimento infantil. Na sequência a Tabela 20 aponta as pessoas de referência assim como o número médio de horas gastas com afazeres domésticos: Tabela 20 - Pessoas de referência que cuidam de afazeres domésticos por tipo de família e número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família segundo o sexo - 2005 Tipos de família Sexo Famílias Casal sem filhos Casal com filhos Casal com filhos menores de 14 anos Casal com filhos menores de 14 anos e de 14 anos ou mais Casal com todos os filhos de 14 anos ou mais Mãe com filhos menores de 14 anos Mãe com filhos menores de 14 anos e de 14 anos ou mais Mãe com todos os filhos de 14 anos ou mais Outros tipos de família Pessoas Total 39.154.603 5.384.745 15.985.954 8.246.677 4.812.869 2.921.336 3.510.965 4.982.237 1.160.075 8.126.109 Homens 22.871.656 4.692.759 14.146.899 7.408.924 4.182.030 2.550.873 - 4.031.998 Mulheres 16.282.947 691.986 1.839.055 837.753 630.839 370.463 3.510.965 4.982.237 1.160.075 4.094.111 Horas Total Homens 16,7 10,4 12 10,2 11,8 9,6 11,7 9,8 12,3 9,6 11,6 9,1 23,5 - 27,6 - 26,2 - 18,2 13,6 Mulheres 25,4 24,3 29 28,8 29,7 28,4 23,5 27,6 26,2 22,8 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Quando se avalia o tempo destinado aos afazeres domésticos da pessoa de referência, observa-se a elevada jornada das mulheres „chefes‟ de família quando comparada à dos homens „chefes‟, mais do que o dobro praticamente em todas as categorias, independente de se ter cônjuge ou filho(s). A maior jornada das mulheres „chefes‟ se encontra na família constituída por casal com filhos menores de 14 anos e de 14 anos ou mais com 29,7 horas semanais. Alterando o fato da mulher não ter cônjuge, a jornada desse tipo de atividade diminui para 27,6 horas semanais. Pode-se deduzir dessa comparação que a existência de um cônjuge masculino conduz a um aumento do tempo destinado aos afazeres domésticos para as mulheres. 68 Para os homens, a maior jornada para esse tipo de atividade encontra-se em arranjos familiares com cônjuge e sem filhos (10,2 horas semanais). Estes dados apontam que os homens entendem que a responsabilidade pelos filhos é das mulheres. (SOARES, SABÓIA, 2007). Outro fator que pode ser analisado na alocação do tempo destinado aos afazeres domésticos diz respeito à renda das pessoas. Para tanto, tem-se o Gráfico 9: 32,3 33,2 32,6 30,5 29,1 27,9 26,5 24,1 23,3 24,3 24,8 19,5 Casal sem filhos 27,6 26,1 18,6 Casal com filhos Casal com Casal com Casal com Mãe com Mãe com Mãe com Outros tipos filhos filhos todos os filhos filhos todos os de famílias menores de menores de filhos de 14 menores de menores de filhos de 14 14 anos 14 anos e de anos ou mais 14 anos 14 anos e de anos ou mais 14 anos ou 14 anos ou mais mais Até 1 SM Mais de 3 SM Gráfico 9 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de referência da família do sexo feminino por classes de rendimento familiar per capita e tipo de família Brasil - 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Nas famílias mais pobres (com renda de até um salário mínimo per capita), o maior tempo utilizado para a realização desse tipo de atividade encontra-se nas famílias formadas por casal com filhos menores de 14 anos com 33,2 horas semanais. 69 No caso das famílias com renda per capita superior a três salários mínimos, o maior tempo despendido acontece em famílias formadas por casal com filhos maiores de 14 anos com 26,5 horas semanais (Gráfico9). Na sequência, a Tabela 21 mostra o número médio de horas gastas em afazeres domésticos no que concerne à pessoa de referência da família segundo o sexo e rendimento: Tabela 21 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família por tipo de família segundo sexo e as classes de rendimento familiar per capita – 2005 Tipos de família Casal Casal Mãe Mãe com com com com Sexo e Casal Mãe filhos todos filhos todos Classes de com com Outros Casal Casal menores os menores os Rendimento Famílias filhos filhos tipos sem com de 14 filhos de 14 filhos familiar per menores menores de filhos filhos anos e de 14 anos e de 14 capita de 14 de 14 famílias de 14 anos de 14 anos anos anos anos ou ou anos ou ou mais mais mais mais TOTAL 11,7 12,3 11,6 23,5 27,6 26,2 Total 16,7 12,0 11,8 18,2 10,4 10,2 9,6 9,8 9,6 9,1 13,6 Homens 25,4 24,3 29,0 28,8 29,7 28,4 23,5 27,6 26,2 22,8 Mulheres ATE 1 SM 17,7 13,2 12,2 12,1 12,5 12,3 24,8 27,9 27,6 20,3 Total 10,4 11,0 9,8 9,9 9,9 9,5 0,0 0,0 0,0 15,0 Homens 27,1 29,1 32,3 33,2 32,6 30,5 24,8 27,9 27,6 26,1 Mulheres MAIS DE 3 SM 10,4 10,2 9,3 15,9 25,2 17,8 13,7 10,6 10,2 15,0 Total 9,2 9,2 8,3 8,5 8,4 7,1 0,0 0,0 0,0 10,9 Homens 20,9 19,5 24,1 23,3 24,3 26,5 15,9 25,2 17,8 18,6 Mulheres Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Nas famílias com renda maior, nota-se a diminuição do tempo destinado aos afazeres domésticos tanto pelas mulheres quanto pelos homens; o que pode ser explicado, pois: a) o tamanho da família é menor; b) essas famílias têm condições de terem empregados domésticos responsáveis pelos serviços dessa natureza. 70 No caso das mulheres, o tamanho da família interfere na quantidade de horas destinadas a esse tipo de atividade, independente da renda. No arranjo familiar „casal sem filhos‟ e „casal com filhos‟ é possível observar o aumento da jornada em função da presença dos filhos. No caso dos homens, como já foi comentado anteriormente, a situação é totalmente inversa. Não há uma explicação comprovada para tal questão, mas acredita-se que a responsabilidade dos filhos e da casa seja da mulher. (SOARES, SABÓIA, 2007). Ainda, a maior jornada de dedicação aos afazeres domésticos é de 27,6 horas por semana no arranjo „mãe com filhos menores de 14 anos e de 14 anos ou mais. A menor, 11,6 horas por semana, no arranjo „casal com todos os filhos de 14 anos ou mais‟. Em função dos dados apresentados, pode-se perceber que o tipo de arranjo familiar influencia diretamente no tempo destinado aos afazeres domésticos realizados pela população. Nas famílias de baixo rendimento, a presença dos filhos menores de 14 anos exige uma participação mais efetiva das mulheres nos afazeres domésticos. Como a educação infantil e a educação obrigatória exigem cuidados especiais, as mães acabam sendo responsáveis por essa tarefa, ampliando ainda mais o seu tempo de dedicação aos afazeres domésticos. 3.3 TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER 3.3.1 Trabalho Conforme os dados do DIEESE (2010), a jornada de trabalho foi reduzida com o passar do tempo na grande maioria dos países. Enquanto por volta de 1870, 71 trabalhava-se na faixa de 2964 horas por ano (nos Estados Unidos), um século depois já se tinha apenas 1707 horas por ano no mesmo país. Ainda, quando se avalia um espaço menor de tempo, mas num contexto contemporâneo, percebe-se uma redução mesmo que simbólica. Analisando-se o Japão (país com a segunda maior jornada na época): em 1979, sua jornada semanal era de 47,3 horas (DIEESE, 2010); já em 1998, chegava a 42,5 horas (OIT, 2010). No caso do Brasil, embora a legislação trabalhista limite a jornada a 44 horas semanais, segundo os dados desse estudo, a jornada efetiva, em algumas regiões, é divergente do estabelecido (exigindo mais dos trabalhadores). Os dados do DIEESE (2010) mostram que, em 2007, a jornada média semanal dos trabalhadores assalariados do comércio era de 50 horas no Recife, 47 horas no Distrito Federal e em Salvador e 46 horas em São Paulo e porto Alegre. Segundo a mesma fonte de dados, a realidade de São Paulo aponta que 37,4% (2007) dos assalariados trabalham mais do que a jornada legal. Na PNAD (2007), quando se analisa por faixa etária, os dados mostram que, na esfera do trabalho, os homens (principalmente na faixa etária de 25 a 49 anos) trabalham mais que as mulheres chegando a uma jornada média de 45,2 horas; e, no caso das mulheres, a jornada média é de 36,8 horas (na faixa etária de 18 a 24 anos). Analisando-se a jornada de trabalho quanto à atividade desenvolvida, a qual alcançou a maior jornada semanal foi a dos empregadores tanto no caso dos homens (49,2%) como no caso das mulheres (45,4%) (IBGE, 2005). Isso quer dizer que não são somente os trabalhadores que têm uma jornada longa, mas alguns empregadores se encontram em situação semelhante. Outro ponto avaliado diz respeito ao tempo de deslocamento do domicílio para o trabalho. Aponta-se que 75% dos trabalhadores vão direto de seus domicílios para o trabalho; destes, 68% levam até 30 minutos para tanto e 22,2% levam entre 30 minutos e 1 hora. Observa-se ainda que as mulheres gastam menos tempo no deslocamento (71%) quando comparadas aos homens (66,3%). (IBGE, 2005). Quando se avalia os dados apresentados em conjunto com o manifesto „O direito à preguiça‟ percebe-se que a duração da jornada de trabalho mudou, mas não tanto quanto era defendido na época (3 horas diárias) por Lafargue (1992) 72 A mudança maior deu-se na sofisticação da vida dos trabalhadores. Isso aconteceu, entretanto, o tempo que o trabalhador ganhou em função das conquistas trabalhistas não é destinado a ele próprio; mas, muitas vezes à prolongação do trabalho além do ambiente laboral (internet, celular, entre outras maneiras) e à lógica do capitalismo. Outro ponto percebido, é que assim como aumenta a faixa etária (de 18 até 49 anos), aumenta-se também a quantidade de horas trabalhadas semanalmente, tanto para homens quanto para mulheres. 3.3.2 Tempo livre e lazer O tempo livre está vinculado ao tempo de trabalho. Os valores do trabalho exaltam a produtividade e transformam o tempo em mercadoria e dinheiro (WEBER, 2001). Assim, o tempo livre acaba sendo „cronometrado‟ como o tempo de trabalho. Isso faz com que os trabalhadores acreditem que o tempo livre também deva ser produtivo. Para melhor análise das esferas do tempo livre e lazer, retomam-se os conceitos defendidos por Elias e Duning (1992) através do espectro do tempo livre, o qual é dividido em três categorias, a saber: a) Rotinas do tempo livre (Provisão rotineira das próprias necessidades biológicas e cuidados com o corpo e o governo da casa e rotinas familiares): essas atividades são compreendidas como rotineiras e inerentes à sociedade contemporânea; b) Atividades intermediárias (trabalho particular – não profissional, atividades religiosas, atividades de formação de caráter mais voluntário, socialmente menos controlado e com frequência de caráter acidental): aqui encontram-se as atividades voltadas às necessidades de formação, autossatisfação e autodesenvolvimento, essas são atividades também rotineiras mas em um grau menor de frequência; 73 c) Atividades de lazer (atividade pura ou simplesmente sociável, atividades de jogo ou miméticas, miscelânea de atividades de lazer menos especializadas com o caráter vinculado de agradável destruição da rotina e com frequência multifuncional): essas atividades envolvem a destruição da rotina e alívio das restrições. Retomando os dados apresentados pela PNAD (2005) e fazendo uma análise considerando a média do tempo gasto pelos trabalhadores com base na jornada semanal, tem-se: tempo de trabalho (8 horas diárias), intervalo entre a jornada de trabalho para alimentação (1 hora), tempo de deslocamento (1 hora), ponderando que as pessoas precisam de 8 horas de sono e gastam, na média, 5 horas com afazeres domésticos, resta apenas 1 hora diária para o lazer, estudos, cuidados pessoais, entre outras atividades. Percebe-se, segundo a teoria elisiana, que as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores brasileiros são bastante rotineiras e tomam praticamente todo o tempo, não restando alternativa para que o tempo seja destinado ao lazer. Ainda na perspectiva de Elias, o tempo passou a ter um novo componente: o trabalho fora do trabalho. Na verdade, a relação existente entre trabalho, tempo livre e lazer é interdependente. O tempo livre está condicionado ao tempo de trabalho e, ainda, relaciona-se diretamente à prática do lazer. Assim, o lazer também está condicionado ao tempo de trabalho, entretanto é uma opção e possibilidade Retomando as ideias apresentadas por autores que forneceram o suporte teórico do presente estudo, o trabalho foi apresentado como elemento estruturante e central na vida humana, sendo realizado de acordo com as regras impostas pelo sistema capitalista: formando e deformando o tempo, situação essa que influencia diretamente no tempo livre. Na Antiguidade, esse tempo praticamente não existia, pois quando não estava desenvolvendo suas atividades profissionais, o trabalhador precisava recompor suas forças para voltar ao trabalho em função das longas jornadas. Essa época não é foco do estudo em questão, mas através da literatura disponível, a realidade apresentada é de jornadas de trabalho excessivas, crianças 74 trabalhando, pessoas envelhecendo precocemente nas fábricas. Para os trabalhadores, o divertimento ou o lazer praticamente não existia. Após a Revolução Industrial, a tecnologia ganhou espaço. Taylorismo, fordismo, toyotismo são modelos que foram criados para auxiliar o gerenciamento das crescentes organizações e a introdução de novas tecnologias. Com isso, o trabalhador passou a ser explorado de outra forma, pois os produtos passaram a ser fabricados em menor espaço de tempo, mas isso não permitiu o aumento do seu tempo livre. Seja pelas reivindicações feitas pelos trabalhadores, seja pelo progresso da sociedade, as transformações foram acontecendo. Ainda que hoje questões criticadas por Lafargue (1992) no final do século XIX possam ser vistas ou que a realidade seja mais sofisticada, o tempo livre foi modificado, expandido e diversificado. Nesse sentido, o lazer também sofre e vai sofrer alterações, sempre condicionado à lógica do trabalho. O tempo livre que poderia ser destinado ao lazer é intensamente usado para a preparação do trabalho e na busca pela garantia deste, através da competitividade profissional, aquisição de bens ou serviços, entre outras questões que estão disponíveis e são valorizadas pela sociedade do consumo. A relação entre trabalho, tempo livre e lazer é bastante complexa, muitas vezes conflitante e antagônica. O tempo de trabalho concerne à necessidade, enquanto tempo livre, à liberdade; condições essas adversas à superação da exploração dos trabalhadores. 75 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora o uso do tempo seja um tema recente no meio acadêmico, vem ganhando cada vez mais espaço entre os estudiosos. Diversos países iniciaram a implementação de levantamentos para conhecer o uso do tempo de sua população e, no caso do Brasil, é através da PNAD que tal assunto passou a ser avaliado com maior ênfase por meio de informações sobre a execução e o tempo de dedicação aos afazeres domésticos da população brasileira. O conhecimento desse tema possibilita confrontar o uso do tempo em duas esferas: primeira, aquele voltado ao trabalho e o gasto com deslocamento para a sua realização; segunda, é aquele destinado à organização familiar. Ambas sofrem influência das alterações que acontecem no mundo, sejam estas tecnológicas, políticas, econômicas, legais, sociais ou culturais. As transformações ocorridas no mundo do trabalho, principalmente após a Revolução Industrial, têm mostrado a necessidade de alterações nas relações de trabalho já que este é inerente à condição humana e elemento estruturante da vida social, além de influenciar diretamente na distribuição do uso do tempo. Na sociedade capitalista, a utilização do uso do tempo está sujeita a influência das organizações governamentais e culturais, as quais acabam por regular a duração e a interdependência entre trabalho, tempo livre e lazer. Muitas vezes, não é possível dispor de forma autônoma do seu uso, pois a alocação do mesmo acaba sendo imposta. A preocupação com a jornada de trabalho tem duas vertentes: primeiro, os defensores da redução com justificativa nos avanços tecnológicos que proporcionam maior produtividade sem a necessidade de maior tempo de serviço; segundo, aqueles que acreditam que a redução da jornada de trabalho é um estratégia para o combate ao desemprego (ideia esta já defendida por Lafargue, em 1883). Percebe-se que as duas vertentes têm preocupação de caráter econômico. O uso do tempo está condicionado, nesse sentido, à lógica da maior eficiência e da concorrência capitalista, sendo capaz de gerar oportunidades de novos postos de trabalho. Mas as consequências de tal ação também implicam sobre o uso do tempo em todas as esferas, principalmente na social, já que ambas estão relacionadas. 76 Não obstante a tantas alterações no mundo do trabalho, benéficas ou maléficas ao próprio trabalhador, é necessário entender que este é um elemento estruturante da vida social. Trabalhar é e sempre será condição de sobrevivência e dependente da administração do tempo para a sua execução. Não existe somente o tempo de trabalho ou de realização de atividades laborais ou, ainda, tempo para recuperação das forças para se voltar ao trabalho. Este é o único meio de sobrevivência na sociedade capitalista, entretanto faz-se necessário uma alteração dessa concepção, pois este não é o único motivo de se viver, mas apenas um deles. Na sociedade capitalista prevalece o consumo, a aquisição de bens; e isso, faz com que o trabalho influencie diretamente no tempo livre e este, por sua vez, no tempo destinado ao lazer. Esse estudo apontou alguns aspectos da disparidade de gênero inerentes à vida familiar no que diz respeito à execução dos afazeres domésticos. Pode-se observar, de uma forma geral, que as atividades voltadas aos afazeres domésticos são necessariamente destinadas às mulheres. Mesmo assim, a participação dos homens tem crescido, principalmente entre os mais velhos. O fato de não existir um detalhamento das atividades realizadas e por quem são realizadas, dificulta um pouco a compreensão do universo masculino e feminino no ambiente doméstico. Entretanto, percebe-se a diferenciação da utilização do tempo em atividade remunerada e não remunerada através das variáveis sócio-demográficas. O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho não fez com que estas abandonassem os afazeres domésticos, muito pelo contrário, em diversos momentos pode-se verificar até o aumento (da jornada) de trabalho em função da dupla jornada que as mesmas se sujeitam. Mesmo a jornada de trabalho das mulheres sendo menor que a dos homens, quando se soma a quantidade de horas dedicadas à execução dos afazeres domésticos e família, essa carga horária chega a ser 5 horas por semana maior que a carga masculina. A desvantagem não é somente no que se refere à jornada de trabalho, seja esta profissional, familiar ou doméstica, mas a dificuldade de conciliação dos papéis que precisam ser cumpridos, fazendo com que o tempo que sobra seja insuficiente 77 para ser dedicado de maneira eficiente aos estudos e as atividades de lazer, necessárias para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Essa disparidade entre a esfera econômica e social é motivo de desequilíbrio social e, no Brasil, amplia a desigualdade. O trabalho e a sua jornada é um fator central da dimensão do uso do tempo. Nesse contexto, surge a necessidade de articular esse uso de forma mais abrangente, principalmente no que concerne ao seu impacto na vida dos trabalhadores. O que ficou claro, através da PNAD, é que mercado de trabalho tem caráter masculino e, afazeres domésticos, feminino. Na verdade, a jornada de trabalho das mulheres acaba sendo muito maior quando comparada à dos homens. O tempo pode ser aproveitado de diversas formas com atividades não laborais, sedo uma delas as atividades de lazer. Nesse sentido, outro ponto a ser levantado é a questão do tempo que „sobra‟ para dedicar ao lazer. Através dos dados apresentados, percebe-se que este é bastante inferior aos demais. E as atividades ligadas a esse tipo de atividade têm influencia indescritível na vida dos trabalhadores no que diz respeito à qualidade de vida. O resgate da importância do lazer torna-se uma necessidade a partir do momento que este contribui para a formação e desenvolvimento da integridade física e moral dos indivíduos. O lazer é um valor em crescimento e envolve diferentes áreas de interesses (físicos, práticos, artísticos, intelectuais e sociais) de acordo com o nível social, cultural e profissional. Vale ressaltar que trabalho, tempo livre e lazer são interdependentes mesmo estando em esferas diferentes. Sendo assim, é imprescindível tratar o tempo como elemento estruturante da vida humana. Por fim, para o desenvolvimento de trabalhos futuros sugere-se que sejam realizados estudos focalizados, em grupos específicos, considerando váriaveis como descanso no trabalho, lazer, atividades de trabalho no tempo livre entre outras. Assim, realidades específicas poderão ser aprofundadas, considerando que o Brasil é um país de dimensão continental composto por realidades muito distintas. 78 REFERÊNCIAS AGUIRRE, R.; SAIZ, C.; CARRASCO, C. El tiempo, los tiempos, una vara de desigualdad. CEPAL: Unidad Mujer y Desarrollo. Serie Mujer y Desarrollo. Santiago de Chile: julio del 2005. ARISTÓTELES. Poética. 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