AINDA A TAXA DE JUROS
Antonio Delfim Netto
Valor Econômico, 5.2.2002
Acreditamos que o trabalho "Uma estratégia de desenvolvimento com
estabilidade" que o ex-ministro Bresser Pereira e o ex-secretário Yoshiaki Nakano
produziram por solicitação do PSDB, merece mais atenção do que lhe dedicaram os
ranfastídeos de mais colorida plumagem. É certo que no estudo há alguns argumentos
duvidosos (até supérfluos) e sugere um certo voluntarismo. Ele incomoda, porque a
crítica que faz à política econômica de FHC é basicamente correta: a dependência
interna (uma dívida de R$ 624 bilhões) e a dependência externa (uma dívida de US$ 210
bilhões), que exigem imenso superávit primário (da ordem de 3,5% do PIB) e robusto
superávit comercial (mais de US$ 10 bilhões) criaram uma armadilha para a redução da
taxa de juros. A resposta do governo (e de seus aliados) é sempre a mesma:
desqualificação ligeira do crítico e o seu sepultamento. Quando terminar, a especialidade
deste governo terá sido sua imensa capacidade de interditar o debate.
Não nos parece que assiste razão aos autores quando dizem que "em termos
gerais, a taxa de juros é tão alta no Brasil porque as autoridades econômicas e mais
amplamente o sistema financeiro no Brasil têm atribuído à taxa de juros funções
múltiplas nos últimos anos". As cinco razões que apontam não são simultâneas (algumas
são redundantes), o que leva à suspeição de que existem causas gerais mais profundas
e derivadas dos defeitos da própria estrutura construída ao longo de todos estes anos.
Se isto for verdade (como cremos que é) a redução da taxa de juro real para patamares
decentes depende de profundas mudanças estruturais que tornem possível
compatibilizar o equilíbrio interno e externo com a aceleração do desenvolvimento
econômico. A tarefa, simp lesmente, não está ao alcance da vontade do Banco Central.
É preciso reconhecer que o Banco Central trabalha com uma estrutura dada. É
dentro dela que tem que operar, no regime de metas inflacionárias, o seu único
instrumento: a taxa de juro nominal de curto prazo. Pode-se discutir se a taxa Selic de
19%, mantida constante ao longo de seis meses é exagerada. Mas com base em que?
Com toda a precariedade da modelagem da política monetária é preciso reconhecer que
em condições normais de pressão e temperatura, o Banco Central dispõe de mais e
melhores informações do que nós. Veja-se, por exemplo, as páginas 127-132 do relatório
de Inflação, dezembro de 2001, do Banco Central, onde se procura "explicar" o "spread"
do C-Bond, fator importante na determinação da taxa de juros interna. O exercício tem
algum sucesso, mas inclui como variáveis Reservas Internacionais/PIB, Dívida Líquida
do Setor Público/PIB e Saldo de Transações Correntes/PIB, tudo com médias móveis de
12 meses e mais três constantes para as crises de janeiro/95, agosto/98 e dezembro/99).
Todas elas fora do controle do Banco no curto prazo.
A relação entre a taxa de juros e o "risco" país (o "spread") e entre estes e as
classificações de risco das agências de "rating", parece mais complexa do que supõe o
trabalho. O que, afinal, determina o "risco do país"? Quais as variáveis que determinam
os "Moody´s Ratings" ou os "Standard and Poor´s Ratings"? Noventa por cento das
variações dos dois "ratings" são explicados pelas mesmas cinco variáveis: renda "per
capita"; taxa de inflação; dívida externa; indicadores do desenvolvimento e a existência
ou não de "default" na história do país.
A afirmativa do trabalho que a diferença entre Brasil e Rússia não pode ser
explicada pelo "default" brasileiro de 1987, uma vez que a Rússia teve um "default"
recente deve ser qualificada. Um estudo da Goldman Sachs confirma que a variável
"default" (ou melhor a reestruturação da dívida) é altamente significante para explicar o
"spread". De fato, os países que renegociaram suas dívidas, têm 165 pontos a mais no
seu "spread". O que se pode dizer é que sem "default", o "spread" da Rússia e do Brasil
seriam menores. Neste mesmo estudo se conclui que para "explicar" 55% das variações
dos "spreads" é preciso incluir a taxa de crescimento de longo prazo do país; a relação
Amortizações/Reservas; a relação dívida externa/PIB; o déficit nominal/PIB; a relação
exportação/PIB e o nível de "desenvolvimento" da taxa de câmbio real, além da história
do "default". Devido à influência do "spread" sobre a taxa de juro interna esses fatos
confirmam que esta depende, também, de variáveis que estão fora do controle do Banco
Central e que ele não pode manobrar voluntariamente.
Um recente estudo do FMI (Sy, A.N.R. - "Emerging Market Bond Spreads and
Sovereign Credit Ratings" (Working Paper 01/165, October 2001) mostra uma
espetacular convergência entre os "ratings" das agências e os "spreads" do mercado,
como se houvesse, entre 1994 e 2001 um processo de correção recíproco. Assim,
gostemos ou não, elas vão continuar a determinar os "spreads" e influir na taxa de juros
interna.
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Antonio Delfim Neto, Valor Econômico, 5.2.2002