A VISITA DOMICILIAR EM SAÚDE MENTAL COMO UM DISPOSITIVO DE
ATENÇÃO A SAÚDE DO USUÁRIO E SUA REDE DE APOIO
*Lisiani Leodoro Tavares
**Carla Adriana Villwok
RESUMO: A Visita Domiciliar é uma das práticas em saúde pública que nos possibilita um
contato mais direto com a realidade do usuário, nos permitindo acessar para além do paciente
em questão, o ambiente no qual este está inserido e também sua rede de apoio familiar ou
mesmo a ausência desta, o que pode facilitar a compreensão e o cuidado desta população. O
presente trabalho visa à articulação da prática de estagio supervisionado em Psicologia –
Processos de Prevenção e Promoção de Saúde, com a teoria no que diz respeito às Visitas
Domiciliares em saúde mental na atenção básica, por este ser um dispositivo que muito tem
auxiliado no acompanhamento/monitoramento de muitos casos na Policlínica Central de
Eldorado do Sul.
Palavras-chave: Visitas Domiciliares, Estágio, Saúde Pública.
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista a funcionalidade da prática das visitas domiciliares em saúde mental
no que diz respeito à criação e manutenção de vínculos com os pacientes, a riqueza das trocas
e do fortalecimento do trabalho interdisciplinar, a proximidade com a realidade de cada um
dos pacientes e o amplo aprendizado proporcionado aos profissionais e estagiários
envolvidos, o presente artigo busca fazer uma explanação sobre a prática das visitas
domiciliares e o papel do estagiário que tem a oportunidade de vivenciá-la como uma das
atividades do estágio em processos de promoção e prevenção de saúde em psicologia social.
O interesse em eleger esta temática provém do fato de que é uma atividade bastante
envolvente que proporciona o fortalecimento de vínculos dos usuários com o serviço bem
como com os profissionais e estagiários que vão a campo, o que é de grande riqueza tanto em
aprendizado quanto em resolutividade de situações.
*Acadêmica estagiária de Psicologia – processos de promoção e prevenção de saúde em psicologia da
ULBRA/Guaíba;
**Supervisora Acadêmica do Estágio de Psicologia _ processos de promoção e prevenção de saúde em
psicologia da ULBRA/Guaíba.
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2 A PRÁTICA
DAS VISITAS DOMICILIARES EM SAÚDE MENTAL
A tradicional intervenção da psicologia no campo da saúde mental tornou-se mais
complexa e desafiadora com o advento da Reforma Psiquiátrica, ocorrida nos anos 90 do
século passado.
Segundo Amarante (1995, apud TENÓRIO, 2002), está sendo considerada Reforma
Psiquiátrica o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como
objetivos e estratégias o questionamento e a elaboração de propostas de
transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. No Brasil, a
reforma psiquiátrica é um processo que surge mais concreta e principalmente a partir
da conjuntura da redemocratização, em fins da década de 1970, fundado não apenas
na crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental, mas também, e
principalmente, na crítica estrutural ao saber e às instituições psiquiátricas clássicas,
no bojo de toda a movimentação político-social que caracteriza esta mesma
conjuntura de redemocratização.
A Reforma Psiquiátrica prioriza a desconstrução do paradigma da psiquiatria
manicomial, por meio da humanização dos serviços e desinstitucionalização dos usuários,
(FERMINO et al, 2009). Isso implica formas mais participativas em contextos dos mais
diversos em busca de estar a par da situação do paciente e das suas redes de apoio fora das
instituições. Além disso, pode contribuir de forma mais efetiva para que este paciente possa se
manter na condição de desinstitucionalizado.
Dentre as formas de intervenção junto às comunidades de inserção dos usuários,
encontram se as Visitas Domiciliares, um dos dispositivos utilizados em saúde mental, onde
há o deslocamento do profissional até o domicílio do usuário com o objetivo de prestar
atenção à saúde, seja investigando alguma situação específica, seja fazendo algum
comunicado ou resgate de paciente ao serviço, ou ainda fazendo acompanhamento como
forma de mantê-lo vinculado ao tratamento. A VD (visita domiciliar) amplia a interatividade
entre o serviço e o usuário e se desenvolve dentro dos princípios da humanização.
Por humanização entendemos a “valorização dos diferentes sujeitos implicados no
processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores. Os valores que norteiam
esta política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles,
o estabelecimento de vínculos solidários e a participação coletiva no processo de gestão”.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). A Humanização enquanto Política que atravessa as
diferentes ações e instâncias gestoras do SUS (Sistema Único de Saúde) segundo Costa, 2002,
implica:
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*Traduzir os princípios do SUS em modos de operar dos diferentes equipamentos e
sujeitos da rede de saúde;
* Construir trocas solidárias e comprometidas com a dupla tarefa de produção de
saúde e produção de sujeitos;
*Oferecer um eixo articulador das práticas em saúde, destacando o aspecto subjetivo
nelas presente;
*Contagiar por atitudes e ações humanizadoras a rede do SUS, incluindo gestores,
trabalhadores da saúde e usuários.
Segundo Chiaverini et al (2011), o recurso da visita domiciliar faz parte do arsenal
terapêutico dos serviços de saúde de base territorial. Supõe-se que centros de atenção
psicossocial e equipes de saúde competentes realizem, com regularidade, visitas domiciliares
a usuários que, por diversas razões não vem até o serviço ou tenham dificuldade de adesão ao
tratamento.
Ao longo deste trabalho serão feitas colocações referentes a prática de estágio
supervisionado de psicologia comunitária e as visitas domiciliares em saúde mental que vem
sendo usado em uma unidade de saúde de Eldorado do Sul, onde as estagiárias realizam essa
prática, por vezes sós e por vezes acompanhadas de algum profissional da unidade, sempre
com a oportunidade de fazer um relato das percepções e do estado de saúde em que
encontraram tal paciente, bem como do contexto de inserção.
Segundo Marins et al (2011), se reconhece a VD como um instrumento de atenção à
saúde capaz de fortalecer a ampliação do olhar sobre as necessidades de saúde das pessoas,
famílias e comunidade. De acordo com esta colocação, fica subentendida a importância de os
profissionais em formação, terem a oportunidade de vivenciarem esta modalidade de atenção.
Pelos mesmos autores, no cenário real, os estudantes reconhecem as necessidades de
saúde das pessoas, famílias e comunidade a partir da realização de visitas domiciliares às
famílias e participação no processo de trabalho da equipe. Neste contexto, problematizam-se
as necessidades de saúde da pessoa/família, formula-se o problema de saúde e elabora-se um
plano de cuidado que é implementado e avaliado pelos estudantes de forma articulada com a
equipe.
De acordo com Lopes et al (2008), com a reorientação do modelo de atenção à saúde
preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), podemos apontar a Visita
Domiciliar como um eixo transversal que passa pela universalidade, integralidade e
equidade. É também um espaço construtor de acesso às políticas públicas, através da
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relação que se estabelece entre os diferentes sujeitos do processo. Para atingir este
objetivo, tem-se na prática da Visita Domiciliar um dos instrumentos fundamentais
para o entendimento da totalidade dos condicionantes que afetam a vida do cidadão.
A visita domiciliária esteve presente no contexto histórico brasileiro, assumindo
características diferentes de acordo com os diferentes cenários sociais, políticos e ideológicos
como “um conjunto de ações de saúde voltadas para o atendimento tanto educativo como
assistencial”. (SANTOS e KIRSCHBAUM, 2008).
Segundo Lopes et al (2008), atualmente a visita domiciliar é utilizada pelos mais
diversos profissionais, objetivando atender o indivíduo na sua integralidade. Daí decorre a
importância de, nesta abordagem, trabalhar a interdisciplinaridade das profissões de forma
fundamentada. O ponto precípuo desta técnica é constituí-la e desenvolvê-la sobre bases
éticas, humanas, mas também profissionais.
A atenção às famílias e à comunidade é o objetivo central da visita domiciliar, sendo
entendidas, famílias e comunidade, como entidades influenciadoras no processo de adoecer
dos indivíduos os quais são regidos pelas relações com o meio e com as pessoas. “As visitas
constituem um instrumento facilitador na abordagem de usuários e sua família. Por meio
desse instrumento, é possível compreender a dinâmica familiar, verificando as possibilidades
de envolvimento dessas, no processo de assistência oferecido ao usuário.” (SANTOS e
KIRSCHBAUM, 2008)
Na prática de estágio é bastante clara a importância de se poder acessar para além do
paciente que se encontra em sofrimento psíquico, também o contexto no qual este está
inserido. Muitas vezes os relatos trazidos ao serviço pelos usuários e mesmo pela família e/ou
rede de apoio são insuficientes para que se possa entender a situação do usuário. A V.D.
possibilita aos profissionais verem com seus próprios olhos o que os usuários não se permitem
por algum motivo trazer até o serviço.
Segundo Abrahão, (2011), a VD diz respeito a manutenção ou monitoramento, na
residência, de situações específicas de saúde, temporárias ou não, bem como ao
acompanhamento das demais situações do contexto familiar, buscando ações de promoção da
saúde. Nos acompanhamentos, é monitorado, igualmente, o consumo de medicamentos
controlados ou de uso contínuo como os utilizados em casos de transtornos mentais e ou ainda
fármacos utilizados para outras patologias.
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Ainda pelo mesmo autor, na VD (Visita Domiciliar), as relações equipe/família são
otimizadas, aumentando-se o vínculo e a responsabilidade com as ações de saúde. O objetivo
é que tais ações gerem efeito positivo na qualidade de vida do grupo familiar.
Por Pietroluongo e Resende (2007), outro ponto de grande importância na visita é que
esse trabalho permite, também, que o sujeito que sofre e sua família tenham maiores
possibilidades de vinculação afetiva com alguns dos profissionais. Esse profissional seria o
técnico de referência, no qual a família se apoiaria para falar de seu sofrimento.
Vecchia e Martins (2009) citam alguns componentes fundamentais da articulação
atenção básica/saúde mental. Entre eles o segundo:
Superar a centralização em ações restritas aos enquadres tradicionais aos quais
recorrem os profissionais do campo da saúde mental. Com relação a este
componente, nota-se consistir em um desafio para muitos profissionais especialistas
em saúde mental, prescindirem do atendimento individual como estratégia
privilegiada. Alguns profissionais mais flexíveis veem com certa reserva visitas
domiciliares ou outras atividades no espaço da comunidade, quanto as possibilidades
de cuidado de pessoas com transtornos mentais. Situações como violência
doméstica, assistência a população de rua e a complexa atuação diante de problemas
relacionados ao uso de álcool e outras drogas, exigem, da atuação na atenção básica,
uma disponibilidade para atuar em espaços “não protegidos”. Intervenções que
priorizem a articulação com a rede social de apoio da pessoa e da família são
emblemáticas ao apresentar a potencialidade das ações extramuro (ou seja, centradas
nas famílias e comunidade) na desinstitucionalização dos cuidados de pessoas com
transtornos mentais na atenção básica.
Segundo Tenório (2010), “no plano familiar a VD permite aos profissionais da equipe
conhecerem a dinâmica familiar, estreitarem vínculo terapêutico e qualificarem a intervenção.
Além disso, a VD tem um significado simbólico extremamente forte. Para os profissionais,
significa atuar em um espaço “concedido” pelo usuário”. Este espaço que é concedido pelo
usuário, se transforma no espaço de criação e de fortalecimento de vínculos. E a partir da
vinculação com o paciente identificado, muitas vezes acaba-se por encontrar outras situações
também dignas de atenção.
No momento em que a equipe, dentro do processo de visita domiciliar, abre a
possibilidade de subjetivação, a partir da desconstrução da psicose enquanto doença,
vendo-a como saída existencial legítima, outras facetas do sujeito que sofre
começam a surgir, seu discurso passa a ser valorizado bem como a sua capacidade
para escolher e para resolver problemas. A família pode começar a ver esse sujeito
como um novo ser, alguém não mais idealizado, normatizado, mas sim, um sujeito
que, apesar, por exemplo, de delirar, tem muito a contribuir para o sistema familiar e
social. Este novo olhar pode ajudar o sujeito a encontrar novos lugares nos sistemas
onde está inserido. (PIETROLUONGO e RESENDE, 2007).
A discussão sobre um caso de visita domiciliar, que tende a ser mais complexo, deve
incluir o maior número de participantes possível. A presença concomitante de variadas ideias
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e visões facilita o surgimento de percepções e de ações que podem vir a ser bem sucedidas.
(Chiaverini et al, 2011 ).
Na unidade de saúde em questão, as visitas geralmente são realizadas por um número
pequeno de profissionais e ou estagiárias, no entanto a discussão dos casos é feita por toda a
equipe local a partir do relato de quem esteve em visita, e em alguns casos, além da equipe
local, também se fazem presentes para a discussão, outros profissionais da rede como
assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos de outros setores (educação, CRAS).
Segundo Chiaverine et al, (2011), um aspecto importante a ser lembrado é que, numa
visita domiciliar, as habilidades de comunicação e de adaptabilidade cultural são essenciais.
Além disso, se por um lado essas visitas são provavelmente o procedimento matricial mais
complexo, por outro lado elas são capazes, para olhos e mentes atentos, de prover um número
incrível de pistas que irão auxiliar a condução do caso.
Conforme mencionado, de fato muitas pistas importantes emergem de uma visita,
especialmente quando envolve mais de um ator, uma vez que podem surgir percepções
diferentes e complementares. É importante considerar-se que para que se possa ter sucesso ao
“adentrar” o espaço do usuário, é preciso que estejamos livres de todo e qualquer tipo de
preconceito e especialmente que tenhamos claros os objetivos e as questões éticas e sigilosas
envolvidas, da mesma forma como devemos tê-los para quaisquer outras formas de
intervenção.
Pode-se dizer que a transformação da moral, em visita domiciliar, teria como ponto de
partida a destituição da imagem social da família enquanto culpada e incapacitada de cuidar.
Só assim pode-se entrar no cerne do sofrimento familiar, encapsulado pela normatização, e,
desse sofrimento, buscar a saúde que existe no sistema, permitindo que os membros da
família se sintam valorizados e seguros para encontrar soluções criativas para o seu
sofrimento. (PIETROLUONGO e RESENDE, 2007).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas literaturas consultadas e especialmente nas vivências de estágio nesta
prática, é de suma importância ressaltar que o preceito da humanização do SUS, vem ao
encontro desta forma de trabalho, uma vez que proporciona acessar o usuário em sua diversas
facetas dentro da comunidade em que este está inserido, e a partir do observado pensar no
plano terapêutico que mais se enquadre a realidade deste. As experiências tem demonstrado
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bastante êxito na atenção ao usuário e sua família. Vale resaltar que por fazer pouco tempo
que esta é uma atividade de estágio, o contato ainda pode ser insuficiente para que possamos
ver alguma limitação ou mesmo algum ponto negativo neste tipo de modalidade de
atendimento. Se faz necessário que ao longo do período de estágio se tenha a possibilidade de
continuar fazendo esta análise qualitativa em relação à prática, da mesma forma como ir
implementando a mesma.
Esta é uma modalidade de atendimento/atenção ao usuário que tem proporcionado
grande aprendizado tanto em ralação aos transtornos, quanto em relação as configurações das
redes de apoio e a criação de vínculos. Certamente é uma prática enriquecedora que tem
contribuído muito para o meu crescimento profissional e acadêmico. Considero de grande
importância que enquanto acadêmica tenha esta oportunidade de atuação dentro de diversos
contextos da comunidade.
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