Baixo retorno político
Na avaliação do senso comum, educação e politização andam de mãos dadas. Para
a elite brasileira – de acordo com pesquisas de opinião –, o aumento da
escolaridade da população tem o poder de gerar cidadãos que participam mais da
vida política do país e que valorizam mais a democracia. Mas um novo estudo
mostra que essa visão não corresponde à realidade.
A pesquisa de doutorado de Rogério Schlegel, defendida no Departamento de
Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da
Universidade de São Paulo (USP), utilizou análises estatísticas para interpretar os
dados de pesquisas de opinião realizadas entre 1989 e 2006. O trabalho concluiu
que a educação brasileira está trazendo ganhos decrescentes em termos políticos.
“O estudo mostrou que os cidadãos mais escolarizados já não se tornam tão
participativos e democráticos como ocorria há duas décadas. O maior nível de
escolaridade ainda diferencia os cidadãos, mas essa diferença encolheu muito em
20 anos – isto é, os retornos políticos da educação têm sido decrescentes no Brasil.
Em alguns quesitos de participação e apoio à democracia, a diferença entre os mais
e os menos escolarizados chega a ser inexistente”, disse Schlegel.
A pesquisa de Schlegel foi orientada pelo professor José Álvaro Moisés, da FFLCHUSP, e integra o Projeto Temático "A Desconfiança do Cidadão nas Instituições
Democráticas", coordenado por Moisés e financiado pela Fapesp.
Segundo Schlegel, uma pesquisa de opinião coordenada em 2000, pela professora
Elisa Reis, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), já mostrava que, na avaliação da elite brasileira, a baixa
escolaridade é o maior entrave para a democracia no país.
“Por trás dessa ideia há um pressuposto de que a educação só tem impacto no
comportamento político por meio da capacitação cognitiva – isto é, basta fornecer
mais educação e as pessoas terão mais recursos para acompanhar a política,
discutindo, lendo jornais e fazendo exigências. Mas na realidade há caminhos
alternativos para a entrada nessa vida política. Os resultados do estudo indicam
que não há uma relação linear entre obter mais acesso à educação e obter mais
instrumentos para participar da democracia”, afirmou.
Foram analisados vários mecanismos capazes de explicar os retornos políticos
decrescentes da escolarização. A hipótese mais plausível é que o fenômeno tenha
sido causado pela queda na qualidade da educação brasileira.
“Ao falhar na capacitação cognitiva do indivíduo e na transmissão de conhecimentos,
o sistema educacional brasileiro estaria deixando de dar as ferramentas que
ajudam o cidadão a atuar na esfera política. O resultado é que o aumento do
acesso ao ensino ou do volume de escolarização – em tempo passado na escola ou
anos de estudo completados – não é acompanhado pelos ganhos esperados em
matéria de comportamento político”, disse.
O estudo teve fundamento em quatro pesquisas de opinião realizadas pelo grupo
ligado ao Projeto Temático, a primeira realizada logo após a redemocratização, em
1989, e a mais recente – financiada pela Fapesp –, em 2006.
A partir desses dados, Schlegel utilizou análises estatísticas para controlar as
diversas variáveis sociodemográficas disponíveis e observar, de forma isolada, o
efeito da escolaridade no comportamento do cidadão ao longo do tempo.
“Na sociologia econômica é comum o uso, por exemplo, do conceito de ‘retorno
econômico da educação’ para avaliar até que ponto uma maior escolaridade pode
se refletir em maior renda, ou em maior arrecadação de impostos. A partir desse
conceito, o estudo trabalha com a ideia de ‘retorno político da educação’”, explicou.
Indiferença política
O retorno político foi avaliado por meio de diferentes quesitos, como participação,
apoio aos princípios democráticos e confiança nas instituições. Os resultados
mostraram que a distância entre mais e menos escolarizados caiu marcadamente
em relação à demonstração de interesse por política, consumo de notícias sobre o
tema e hábito de conversar sobre ele.
“Em alguns quesitos, o nível de escolaridade é praticamente indiferente. No caso da
participação em partidos, sindicatos e associações de bairro, por exemplo, o
envolvimento é igualmente baixo entre os menos e mais escolarizados”, disse
Schlegel.
A maior perda de retorno político, durante os 17 anos do período analisado, deu-se
na faixa do ensino médio – faixa de escolarização que teve a maior expansão de
alunos nas últimas duas décadas.
“Na média, hoje não se diferencia alguém que se formou no ensino médio de um
cidadão com fundamental incompleto, em termos de preferir a democracia como
forma de governo ou rejeitar a concentração de poder nas mãos de um líder
centralizador”, afirmou.
Em 1993, de acordo com o estudo, a chance de um universitário ser muito
interessado em política era 3,6 vezes maior que a de alguém com o ensino
fundamental incompleto. Em 2006, as chances se reduziram para 1,6. “A diferença
entre o universitário e alguém sem nenhum diploma escolar era enorme, em
termos de interesse na política. Agora, a diferença ainda existe, mas é muito
menor”, ressaltou Schegel.
Em 1989, uma pessoa com o segundo grau completo tinha 66% mais chance de
preferir a democracia a qualquer outro regime, em comparação com alguém sem
diploma do ensino fundamental. “Em 2006, já não havia mais diferença estatística
entre os dois públicos. Nesse quesito, havia no passado uma distância que
desapareceu entre os diferentes níveis de escolaridade em termos de
comportamento político”, disse.
A confiança nas instituições tem uma relação especial com a escolaridade. Em 1993,
quem tinha mais escolaridade confiava mais nos partidos que em 2006. Mas os
dados não permitem concluir se houve de fato um aumento ou diminuição da
confiança.
“Tratava-se de um momento em que os partidos estavam em reconstrução e havia
uma noção generalizada de que eles eram o caminho para construir a democracia.
Em 2006, essa noção já havia sido desfeita pelos partidos de aluguel e isso pode
ter desencadeado a maior desconfiança dos mais escolarizados”, explicou.
Para Schlegel, os resultados do estudo, ao identificar que a escolarização vem
trazendo ganhos decrescentes em termos políticos, desaconselham apostas na
educação como panaceia capaz de promover uma cidadania superior e fazer
superar os déficits democráticos no Brasil.
“A educação importa, mas sozinha não resolve. Os efeitos benéficos da
escolarização para a convivência democrática precisam de ensino de qualidade para
todos para se concretizarem plenamente”, disse.
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP
Download

Baixo retorno político Na avaliação do senso comum, educação e