A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE CAMPO PARA DESCONSTRUIR ESTERIÓTIPOS DE POVOS INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DO DOCENTE Liziane Neves dos Santos Discente do curso de geografia UFRRJ/IM; Bolsista do PIBID; Estudantepesquisadora do grupo de pesquisa GeoPovos- Cnpq. Resumo O trabalho de campo, no processo de ensino-aprendizagem, traz o conhecimento empírico através da observação das interações sociais e físicas, com isso, podemos compreender as dinâmicas sociais, políticas, econômicas, e de organização espacial. O presente texto tem como objetivo discutir a formação do docente de geografia para com os estereótipos que são construídos através do senso comum, apresentando o trabalho de campo como instrumento de desconstrução de estereótipos em relação aos povos tradicionais. A etnia krahô, da aldeia Pedra Branca, no estado do Tocantins, tornou-se sujeito e objeto de análise, a partir da vivência realizada por alunos e professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto Multidisciplinar do curso de licenciatura plena em geografia, sob orientação do Grupo de Pesquisa Geografias e Povos Indígenas - GeoPovos. Em fase inicial, a pesquisa tende a explicitar e compreender as relações e reflexões geradas a partir da experiência realizada em campo, assim como analisar o processo de construção do pensamento e formação da sociedade em relação aos povos indígenas, apresentando a importância da abordagem dessa temática na formação do educador e desconstruindo mitos criados pelo senso comum. Os recursos metodológicos utilizados consistem na elaboração e aplicação de questionários aos estudantes e docentes envolvidos para análise de perspectiva anterior e posterior ao trabalho de campo e levantamento bibliográfico. Palavras-chave: Ensino de geografia; Formação de professores; Sociedades indígenas. 2 Introdução A educação no Brasil constitui em parte de seu currículo o desenvolvimento e construção da sociedade, sendo assim, torna-se necessário a apresentação de todos os principais fatores que contribuíram para a construção da sociedade que hoje conhecemos. Analisando o modelo de educação utilizado no país podemos observar que o mesmo possui caráter eurocêntrico e hierárquico, fazendo com que haja uma padronização de perspectiva em relação à formação populacional brasileira, reproduzindo o pensamento colonizador, não atribuindo as perspectivas de outras sociedades. Nesse contexto, o papel das sociedades indígenas no processo de desenvolvimento e distribuição geográfica da população brasileira obtém invisibilidade após o período colonial, apresentado somente no processo de descobrimento do país, assim, o pensamento em relação aos povos originários consiste em caracterizá-los com o imaginário fixado desse período. Nessa perspectiva, o discurso de caráter estagnado em relação às sociedades indígenas configura um paradigma, que se consolida através de práticas pedagógicas e ações midiáticas que reproduzem a imagem dessas sociedades distante da realidade, de maneira por vezes romântica e distorcida, apresentando-os contendo uma cultura homogênea. A partir da construção do conhecimento baseado no senso comum, os estereótipos ao longo dos anos são reforçados e reproduzidos no processo de formação do indivíduo, fazendo-o conceituar os povos tradicionais de forma preconceituosa e acrítica. Desta forma este trabalho tem por objetivo explicitar a necessidade da implementação da temática indigenista, incorporando o trabalho de campo como metodologia para desmitificar estereótipos e analisar a formação do professor quanto à reprodução de conceitos formados pelo senso comum, apresentando a geografia como um fator crítico para discutir a questão e fomentar indagações sobre. Com isso, incluindo a importância de trabalhar as temáticas geográficas com diferentes olhares. A Geografia e a formação docente Considerando a educação básica como importante fator para construção do indivíduo, analisa-se a formação do docente em geografia para desconstruir o pensamento hegemônico para com essas sociedades. Nesse viés, para Lima (2007), 3 pensar em desconstrução de estigmas que rodeiam a sociedade e, assim, a transformação social, se faz necessário salientar a importância de uma reafirmação de ideal dos futuros professores quanto à questão de uma intervenção que aproxime e apresente a realidade vivida, “é necessário posicionamento de professores sobre a leitura da realidade de sua própria formação”, assim, toma-se a concepção da educação como um ato político. Para isso, há a necessidade de desmitificar o discente do discurso hegemônico para entender as dinâmicas sociais ao seu entorno e observar com criticidade. Segundo Lacoste (1977), a geografia, na produção do saber, trata-se do reconhecer e dominar os elementos do concreto e extrair idéias de sua função problemática, assim, obtém ferramentas para desconstruir o pensamento colonizador. Com isso, propomos a desvinculação do senso comum utilizando a geografia como instrumento, através de sua perspectiva abrangente metodológica que compreende as dinâmicas dessas sociedades, suas interações sociais, espaciais, políticas e culturais a partir do senso crítico. A geografia obtém perspectiva abrangente, em sua epistemologia contém a indagação de ser uma ciência que reúne outras ciências, que em seu conjunto de disciplinas põem-se a explicitar individualmente para compreender o global, com isso o estudo de questões indígenas compõem-se como parte dessa unidade. Segundo Milton Santos: O mundo é um só. Ele é visto através de um dado prisma, por uma dada disciplina, mas, para o conjunto de disciplinas, os materiais constitutivos são os mesmos. É isso, aliás, o que une as diversas disciplinas e o que para cada qual, deve garantir, como uma forma de controle, o critério de realidade total. Uma disciplina é uma parcela autônoma, mas não independente, do saber geral. É assim que se transcendem as realidades truncadas, as verdades parciais, mesmo sem a ambição de filosofar ou teorizar. (SANTOS, 2008, p. 20) A questão indígena e a Geografia Depois de sancionada a lei 11.645 em 2008, tornou-se obrigatório a história e cultura afro-brasileira, África e indígena no currículo escolar, inserindo a temática como um fator importante para a construção do país. No Brasil, há 896,6 mil autodeclarantes indígenas com 305 etnias e 276 idiomas, segundo o CENSO 2010 (IBGE). Assim, práticas que apresentam essas sociedades considerando-as parte do passado ou extintas 4 são perspectivas equivocadas, principalmente considerando o rápido crescimento populacional em relação ao censo de 1991. Podemos observar, que mesmo com a criação e aplicação da legislação indagamos as metodologias que ainda são utilizadas por educadores que reproduzem o senso comum, pois mesmo representando essas sociedades de maneira erronia a legislação estaria sendo “efetivada”. Com isso, há a necessidade de subsídio para os profissionais da educação para a elaboração de conteúdos que aproximem da realidade e apresente os povos originários como parte do presente, não seguindo somente os livros didáticos. Em reflexão ao que a legislação propõe, podemos observar que a mesma contém a perspectiva de apresentar outras culturas e sociedades, que não obtém o intuito de substituir a cultura dita padrão do mundo globalizado, e sim, explicitar as partes dessa unidade global compreendendo que as interações que constituíram a formação da populacional. No que tange a geografia, para o estudo dessas relações, temos o trabalho de campo como instrumento/ferramenta para auxílio de compreender a realidade dessas populações, que por vezes são apresentados como extintas ou a se extinguir. Partindo da formação docente para desestruturar o pensamento único e o estigma que ainda existe para com essas populações o trabalho de campo possui a vital importância para análise e empirismo no campo científico para a formação do educador, em como através dessa experiência será tratado essa temática na educação básica, e essa percepção contribuirá para a carreira docente, assim como parte da contribuição da formação social a partir de práticas pedagógicas partindo do conhecimento adquirido em campo. Através da observação e interações sociais, o conhecimento empírico contribui para a desconstrução do estereótipo sobre os povos indígenas. Para Freire (1921-1997) “não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade”, assim, há assim a análise de outros grupos sociológicos parte da observação, por vezes considerado com cunho antropológico, tange a geografia pelo caráter crítico aplicada à temática. Sendo assim, analisamos a proposta utilizada pelo trabalho de campo integrado do curso de licenciatura plena em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro do Instituto Multidisciplinar, realizado no Planalto Central em setembro de 2013. A atividade constituiu em seu trajeto a vivência de aproximadamente 4 dias na Aldeia da Pedra Branca, da etnia krahô, localizado próximo o município de ItacajáTocantins. 5 Metodologia Para abordagem das questões apresentadas, a metodologia será analisada em 5 etapas, entre elas será analisado também o trabalho de campo utilizado aqui como exemplo de atividade para desmitificar povos tradicionais. As 5 etapas dividem-se em: a) Referenciais teóricos; b) O pré-campo; c) O trabalho de campo; d) Avaliação póscampo; e) Questionário de avaliação reflexiva. a) Referenciais teóricos O levantamento bibliográfico do presente trabalho teve como objetivo relacionar as temáticas, para compreender como o trabalho de campo pode influir na formação do docente e trazer uma perspectiva maior da realidade que pretende ser estudada, podendo se estender a diversidade cultural e de sociedades no Brasil. Entretanto, consiste também, em apresentar a temática indigenista que faz parte do cenário político e histórico brasileiro, e assim, apresentar conteúdos que contém importantes contribuições para a geografia brasileira, visando fomentar o licenciando em geografia a abordar as temáticas geográficas com a diversidade de perspectivas culturais. b) O pré-campo O planejamento, denominado como pré-campo consistiu na elaboração de oficinas para explicitar a temática indigenista em que os discentes e docentes discutiram as interações e olhares a respeito à essas sociedades. Entre as abordagens, utilizou-se o vídeo como recurso exibindo o curta-metragem Pajerama i com debate posterior sobre as interações entre a aldeia e a cidade, assim como a diversidade cultural entre a realidade dos participantes do campo e a comunidade da aldeia em que o campo foi realizado. Além disso, foram apresentados aspectos culturais da etnia krahô para uma síntese de diferenciação das sociedades e proporcionar aos integrantes do campo uma amenização do choque cultural. c) O trabalho de campo O trabalho de campo como objeto de conhecimento empírico faz da vivência um instrumento de práxis pedagógicas, que a conceituação teórica não atende para compreensão global da realidade. A perspectiva da pesquisa in loco contém êxito nessa relação entre a teoria e a prática, compreendendo a dinâmica da aldeia participante do campo, durante as atividades desenvolvidas na vivência. 6 Apesar da preparação inicial, anterior ao campo, foi visível o impacto cultural entre docentes e discentes para com a cultura indígena, pois desconstruiu uma cadeia de pensamentos que os envolveram na sua formação enquanto indivíduo baseado no senso comum, fazendo com que houvesse uma reflexão sobre todo o modelo educacional e ao o que nos é apresentado sobre a diversidade de culturas que não se guiam através do modelo hegemônico. Entre as atividades realizadas, os integrantes do campo foram distribuídos nas “casas” das famílias pertencentes à aldeia e a partir disso fizeram parte da dinâmica de cada família, tornando-se, também, integrante da família através do “ritual” de batismo, dando aos integrantes seus nomes krahô. Com isso, analisamos a forma de integração interpessoal realizado por essa etnia e em como a recepção para com outros indivíduos se diferem dos costumes que apresentam nossa sociedade. Outro fator importante foi à discussão do modelo de educação que é utilizado na aldeia, que insere nossa perspectiva de educação, interferindo nos processos culturais dessa etnia, ocasionando um embate da cultura e educação krahô e com o modelo educacional oferecido pelo governo. Entretanto, podem-se observar as alternativas buscadas pelos profissionais que ali trabalham na tentativa de conciliar e produzir materiais didáticos que integrem os conhecimentos, apesar da educação diferenciada ii oferecida pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI. d) Avaliação pós-campo A avaliação foi realizada no dia posterior a saída da aldeia, que consistiu numa roda de conversa em que cada envolvido desenvolveu oralmente suas percepções em relação à vivência fomentando discussões em que desenvolveram a preocupação da preservação da cultura desta etnia, assim como a das outras etnias, a inserção de elementos da nossa cultura e as suas conseqüências. e) Questionário de avaliação reflexiva Dentre alguns participantes, foram aplicados questionários com o propósito de analisar as reflexões obtidas entre docente e discente em relação à perspectiva anterior e posterior a vivência, assim como sua importância na formação docente. Em análise, observa-se a relação de conhecimento por ambas as partes baseado no que foi apresentado na educação escolar e nos veículos de mídia (como televisão, jornais, revistas e redes sociais). Outro fator importante foi à reflexão para com a diferenciação 7 e preservação da diversidade de culturas, que são pressionadas pelo modelo globalizado de padrão cultural. Além disso, temos também reconhecimento da autodeclaração indígena como resistência ao modelo de pensamento único de sociedade, com a tentativa de descaracterização do indígena por interesses mercadológicos. Entre as perguntas do questionário, indagamos a necessidade de apresentar uma disciplina que insira a temática indígena utilizando o trabalho de campo, tornando-o uma experiência obrigatória na formação do docente em geografia. Dentre as repostas, foi observada a preocupação do apoio da instituição para com essa atividade, que requer recursos e auxilio aos participantes, que demanda uma integração das partes interessadas. Além disso, foi discutida a palavra “obrigatoriedade”, pois apesar de ser uma experiência e vivência afirmada nos questionários como imprescindível para formação, o caráter obrigatório tiraria o viés de confortabilidade dos participantes do campo, na questão de atrair os olhares para essa temática, pois a obrigatoriedade é um modelo de imposição de conhecimento que faz parte do modelo de educação tradicional. Modificando, assim, a abordagem de fomentar os participantes de maneira positiva sobre o assunto em questão. Considerações finais A desconstrução dos paradigmas do trabalho de campo obtém maior senso crítico em relação à perspectiva contra hegemônica que no que tange as questões indígenas. Através de integração intercultural na formação do professor a mediação da experiência de vivência contribui para alterar práticas pedagógicas arcaicas que obtém caráter segregador. Sendo assim, a utilização da geografia como intervenção crítica e o trabalho de campo como instrumento auxilia a descaracterização da problemática acrítica em relação às sociedades indígenas. Em pesquisa inicial, a discussão da inserção de questões indigenistas no processo de formação de professores de Geografia e a utilização de trabalhos de campo como instrumento para desmistificação não se esgota no presente trabalho, pois os impactos relacionados com as experiências promovidas pelo campo serão refletidos em docência, e que obtêm processo de resultado gradual, se estendendo nas práticas pedagógicas adotadas pelo profissional da educação que obteve a vivência. Segundo Lacoste: 8 Primeiramente, que os estudantes de Geografia, mesmo iniciantes em boa parte, podem apresentar após uma dezena de dias de trabalho intensivo – este tempo não é, aliás, suficiente- um conjunto coerente de informações em grande proporção inéditas. Elas contribuíram para tomada de consciência por uma parte da população estudada (mas não somente os notáveis e os intelectuais) de um certo número de problemas que, até então, ela não se colocava, e cujas soluções determinarão seu futuro. Seguramente, só se trata, de uma iniciação à pesquisa mas, é o começo de uma verdadeira pesquisa. (LACOSTE, 1977, P.19) Considerando a citação acima, concluímos que o trabalho de campo, traz a relação das abordagens geográficas através do conhecimento de percepção do espaço, co-relacionando as interações que ali habitam, contendo a teoria e a prática necessária pra compreender a dinâmica do determinado local através da vivência. Assim, toma-se uma completude do conteúdo analisado. Bibliografia FREIRE, Paulo, 1921-1997. Educação e mudança. 1, Ed.- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. IBGE, Censo demográfico 1991-2010. População residente, segundo a situação do domicílio e condição de indígena – Brasil 1991-2010. Brasil: IBGE. Disponível em: http://indigenas.ibge.gov.br/graficos-e-tabelas-2 LACOSTE, Yves. A pesquisa e o trabalho de campo: Um problema político para os pesquisadores, estudantes e cidadãos. Revista Hérodote n° 8, Out./Dez. de 1977, p.320. LIMA, Paulo G.; BARRETO, Elvira M. G.; LIMA, Rubens R. Formação docente: uma reflexão necessária. Revista de Educação EducereEtEducare nº4, vol. 2, Jul/Dez. 2007, p. 91-101. ISSN 1809-5208 SANTOS, Milton. Introdução. In:____________. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 4 ed., 4 reimpr., 2008. 9 i Curtametragem produzida https://www.youtube.com/watch?v=BFzv0UhHcS0 ii em 2008. Disponível em: O termo “educação diferenciada” e sua aplicação não serão discutidos no presente trabalho. Essa temática pode ser aprofundada pela FUNAI. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/educacao-escolar-indigena