“A Segurança em suas mãos” Esta frase é estampada nas capas das edições da Revista Dédalo e, juntamente com a imagem, em primeiro plano, da mão de um aeronavegante, tem por objetivo apresentar a mensagem de que cada integrante da comunidade aviatória deve procurar desempenhar um papel pró-ativo para contribuir com a anulação ou mitigação dos fatores que levam aos incidentes/acidentes Gen Bda Roberto Sebastião Peternelli Júnior aeronáuticos. É uma frase que atribui responsabilidade, não só para quem está na ponta da linha, operando as aeronaves, como também Universidade de Taubaté - UNITAU para todos os envolvidos na atividade aérea, sejam órgãos normativos Ten Cel R-1 Jocelyn Santos Reis - CENIPA e reguladores, sejam organizações civis e militares operadoras, empresas que vendem produtos ou prestam serviços aeronáuticos Ten Cel Evandro Luis Lopes Ferreira - CAvEx e, inclusive, para aqueles que buscam difundir a filosofia e os preceitos Maj Henrique Rubens Balta de Oliveira - CCPAB da Segurança de Voo. Para nós, mais que uma responsabilidade, é Maj Ronaldo Medeiros Lopes - CAvEx um ideal. No princípio do ano, iniciam-se os trabalhos para a produção Maj Antônio Geraldo Rodrigues - CAvEx de mais uma edição da revista, e eis que os céus se tingem de negro. Maj Marcello Campos de Sá - CENIPA É a crise que se apresenta e, com ela, todas as dificuldades inerentes. Como levar adiante o ideal? Como contornar os óbices? Como manter Maj Marcelo Buonocore Nunes - CTEx viva a Revista Dédalo? Maj Med Carla Lobo Loureiro - CAvEx Há um ditado que diz: “Nos momentos de dificuldades Cap Felipes Koeller Rodrigues Vieira - SERIPA III encontramos os verdadeiros amigos”. A experiência de produzir a edição deste ano nos leva a escrevê-lo de outra forma: “Durante Cap André Luiz Pereira Santos - 1º BAvEx uma crise é que reconhecemos os parceiros”, pois, quando não se Cap Artur Gonçalves Ferreira - 2/6 GAV via um horizonte favorável, e quando a solução que se impunha era Cap Rodrigo Machado de Albuquerque - 1º BAvEx desistência, apresentaram-se os entusiastas e admiradores da Revista Dédalo, com suas palavras de estímulo e incentivo; os Cap Leonardo Gomes Saraiva - CIAvEx articulistas, que se esmeraram em produzir artigos de qualidade, e Cap Leonardo Celso de Almeida Alves - 3º BAvEx as empresas que, a despeito das dificuldades econômicas, se propuseram a apoiá-la. Se mais uma vez conseguimos cumprir o 1º Ten Fabiano Fernandes Crovato - 2º BAvEx nosso papel de instrumento de difusão da Segurança de Voo, 1º Ten Raphael Gomes Cortes - B Mnt Sup AvEx devemos muito a esses parceiros. Dentre os entusiastas e colaboradores, queremos destacar 2º Ten Alessandra Gleysse Del Guerra Scigliano um, a quem dedicamos esta edição, para prestar justa homenagem CAvEx a um excelente e abnegado profissional, por meio do qual 2º Sgt Alexandre Cordeiro da Silva - CIAvEx homenageamos a todos. Trata-se do Prof. Joel Abdala, mestre em 3º Sgt Cícero de Oliveira Neto - CIAvEx língua portuguesa que há vários anos tem sido o revisor da Revista Dédalo. Mais uma vez, demonstrou ser uma pessoa especial, pois, mesmo estando na condição de convalescente de cirurgia cardíaca, prontificou-se a revisar a presente edição, tendo, inclusive, trabalhado PROJETO, DIREÇÃO E COORDENAÇÃO de madrugada e em momentos que deviam ser destinados ao lazer. Miriam Pasquini Zani Para nós, foi uma injeção de ânimo ver o comprometimento com a Segurança de Voo de alguém que não pertence à comunidade JORNALISTA RESPONSÁVEL aviatória. Um fato que nos sensibilizou profundamente e que Miriam Pasquini Zani (Mtb 36291) deve ser louvado. Os nossos agradecimentos ao Prof. Joel e a todos REVISÃO os entusiastas, colaboradores e parceiros, por Prof. Ms Joel Abdala - GELP/UNITAU terem possibilitado mais uma edição da Revista Dédalo e a continuidade IMPRESSÃO - Resolução Gráfica da realização de um ideal. A Revista Dédalo é mais uma publicação do Studio Águia Editora Fone:12 2123-7511 - e-mail: [email protected] Seção de Segurança de Vôo do Comando de Aviação do Exército Fone/Fax: (0xx) 12 2123-7353 e-mail: [email protected] A Revista Dédalo não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. É proibida a reprodução parcial ou integral dos textos, fotos e ilustrações sem a autorização do Studio Águia Editora ou dos autores. Entrevista com o General de Brigada Roberto Sebastião Peternelli Júnior - Comandante de Aviação do Exército Os temidos cumulonimbus e as formas de evitá-los e enfrentálos Hierarquia e disciplina X Segurança de Voo CRM – Sob uma nova proposta metodológica Manutenção e Segurança de Voo - um desafio constante O perigo da fauna no Brasil Future Air Navigation Systems – FANS O SMS: A evolução natural da Segurança Operacional Health Monitoring Systems para Segurança de Voo “Dores nas costas” no aeronavegante: como não ser mais uma vítima? Simulação: o uso da tecnologia em prol da Segurança de Voo Recuperação de atitudes anormais em helicópteros ENTREVISTA COM O COMANDANTE DE AVIAÇÃO DO EXÉRCITO REVISTA DÉDALO - Ao longo do ano de 2009, quais atividades relacionadas à Segurança de Voo foram realizadas na Aviação do Exército? GEN PETERNELLI - No ano de 2009, foram realizadas diversas atividades que incrementaram a nossa segurança de voo no complexo da Aviação do Exército. Em Taubaté, onde está localizada a sede do nosso Comando, tivemos duas Jornadas de Segurança de Voo, nas quais foram abordados temas relevantes que atingiram o objetivo proposto – aumentar a consciência situacional dos diversos segmentos da nossa Aviação, na área de manutenção, de pilotagem, do pessoal de infraestrutura aeroportuária ou do controle do espaço aéreo. Nessas jornadas esteve presente o efetivo de aeronavegantes de todas as organizações militares de Aviação do Exército, inclusive representantes do 4º BAvEx, sediado em Manaus. Também, militares da Força Aeronaval, da Força Aérea Brasileira e da Polícia Militar de São Paulo. Além desses eventos, as nossas unidades aéreas, dentro da sua rotina anual, promoveram reuniões de segurança de voo, solucionaram e divulgaram relatórios de prevenção e executaram vistorias nas diversas seções de seus batalhões de aviação. REVISTA DÉDALO - Sabemos que a Segurança de Voo não busca culpados, mas sim apontar os fatores contribuintes para determinada ocorrência. Entretanto, como a Aviação do Exército lida com os regulamentos e normas castrenses sem inibir as atividades da Segurança de Voo? GEN PETERNELLI - A Aviação do Exército trata os regulamentos disciplinares do Exército e a filosofia de Segurança de Voo como parceiros que têm como objetivo final realizar todas as atividades aéreas com segurança. Diferencia-se na Aviação do Exército, com bastante propriedade, o erro humano da violação intencional. Assim, os tratamentos dados às ocorrências são baseados na análise primária que distingue, inicialmente, erro de violação intencional. Se for erro humano, trata-se pelo Sistema de Segurança de Voo e, se for violação intencional, o tratamento será dado de acordo com os regulamentos disciplinares em vigor no Exército. Saliento que a ação de nossos comandantes, em todos os níveis, é fundamental para as nossas atividades de Segurança de Voo. A correção de atitudes dos comandantes tem direcionado suas tripulações para uma atividade aérea operacional segura, corroborando sobremaneira a prevenção de acidentes. REVISTA DÉDALO - A Aviação do Exército completou 23 anos de sua recriação. Como o Sr. analisa a atividade da Segurança de Voo, nesse período? GEN PETERNELLI - Com toda certeza, posso atestar que a Segurança de Voo foi peça importantíssima para atingirmos o nível de operacionalidade que atualmente alcançamos na Aviação do Exército. A Segurança de Voo, também conhecida no nosso ambiente como Segurança Operacional, proporcionou significativas ferramentas de apoio à decisão, no assessoramento aos Comandantes de Aviação do Exército e aos Comandantes de Unidades Aéreas. Contribuiu diretamente na preservação dos nossos caros equipamentos e na manutenção da integridade do nosso bem mais valioso, os especialistas de aviação. Além disso, devido a sua eficácia comprovada, conseguiu também transpor nossas unidades aéreas e influenciar positivamente o Exército, com a filosofia de prevenção de acidentes no Exército. Tenho a convicção de que o assessoramento dado pelos nossos oficiais de Segurança de Voo permanecerá como um dos fatores essenciais para o êxito das nossas operações aéreas. REVISTA DÉDALO - Sabe-se que a Aviação do Exército realiza missões aéreas com óculos de visão noturna (OVN). Gostaríamos de esclarecer se essa atividade aumenta o risco das operações à noite. GEN PETERNELLI - A Aviação do Exército teve um ganho expressivo de capacidade operacional, com a utilização de OVN nas suas atividades aéreas. Esse tipo de voo eminentemente militar requer preparação criteriosa e planejamento bastante judicioso, a fim de reduzir os riscos inerentes ao voo com OVN. Em 1999, com a chegada dos helicópteros Blackhawk a Manaus, a Aviação do Exército iniciou o seu treinamento com OVN na região amazônica. Desde aquele ano, não parou mais, pelo contrário, expandiu o conhecimento para as unidades aéreas sediadas em Taubaté e, atualmente, a Aviação do Exército tem condições operacionais de realizar, com segurança, as atividades noturnas de que o Exército Brasileiro necessitar. Essa condição atual de operacionalidade com segurança foi adquirida paulatinamente, com o assessoramento oportuno e diário de diversas seções de nossa Aviação do Exército, particularmente daquelas ligadas ao sistema de prevenção de acidentes aeronáuticos. REVISTA DÉDALO - No futuro cenário que é projetado para a Aviação do Exército, como o Sr. analisa os novos desafios da Segurança de Voo? GEN PETERNELLI - O futuro da Aviação do Exército apresenta-se bastante promissor. No próximo ano, terá início o processo de recebimento de 16 helicópteros de emprego geral EC725, equipados com tecnologia moderna, que aumentarão a flexibilidade do nosso Exército. Em médio prazo, projetos de novos armamentos aéreos e a transferência do 3º BAvEx e do 2º BAvEx para Campo Grande – MS e Florianópolis – SC, respectivamente, proporcionarão maior capacidade de pronta resposta, principalmente para o Comando Militar do Oeste e para o Comando Militar do Sul. Além disso, contribuirão para o incremento do poder de dissuasão do Exército Brasileiro. Diante desses novos desafios e de outros que estarão por vir, a Aviação do Exército tem uma solução, há bastante tempo utilizada e muito eficaz, que é o planejamento eficiente e a especialização dos seus recursos humanos. Esse investimento, ao longo de 23 anos de existência da Aviação do Exército, gerou frutos positivos e está comprovado pelos índices estatísticos significativos de nossa Segurança de Voo. A seleção criteriosa de pessoal, cursos de qualificação de mecânicos e pilotos para as novas aeronaves, projetos de rearticulação dos Batalhões de Aviação do Exército, reorganização de equipamentos e pessoal especialista e treinamento em simulador de voo são ações que darão suporte para a implementação dos futuros desafios. Todas essas atividades estão sendo implementadas de acordo com planejamento criterioso aprovado pelo Estado-Maior do Exército e, com certeza, serão de grande valia para redução dos riscos inerentes às atividades da nossa Aviação do Exército. General-de-Brigada Roberto Sebastião Peternelli Júnior, Comandante de Aviação do Exército, piloto de aeronave em atividade. OS TEMIDOS CUMULONIMBUS E AS FORMAS DE EVITÁ-LOS E ENFRENTÁ-LOS As formações nebulosas com grande desenvolvimento vertical – CUMULONIMBUS (CB) – também identificadas como tempestades de trovoada, ocorrem em todo o território brasileiro, a qualquer hora do dia ou da noite, ao longo de todo o ano. A ocorrência de tempestades com trovoadas é mais comum nos meses mais quentes, no período final da tarde. A cada momento, aproximadamente 1.800 cumulonimbus estão em desenvolvimento em torno do planeta, associados a descargas atmosféricas (raios) que atingem o solo 100 vezes a cada segundo. Para a aviação, além de ser um limitador de espaço aéreo, pois o voo dentro dessas nuvens é de extremo risco, também pode afetar os procedimentos de pouso e decolagem, devido às cortantes de vento geradas pelas fortes correntes, ascendentes e descendentes, em torno da nuvem. Turbulência, granizo, formação de gelo, saraiva (granizos que são lançados para fora da nuvem, em ar claro), relâmpagos e, por vezes, tornados poderão estar associados aos cumulonimbus, e influenciar, assim, na segurança das operações aéreas. A ação de um cumulonimbus fica limitada ao diâmetro entre 5 e 25 milhas, sendo, portanto, uma tempestade muito localizada, cujos topos podem chegar aos 17.000 metros, ou ultrapassá-los, nas latitudes baixas e nas regiões de ciclones tropicais e furacões. Para o desenvolvimento de um cumulonimbus, existem três ingredientes essenciais: Umidade - a presença de umidade na atmosfera é necessária para a formação da nebulosidade e de precipitação. O Sol, além de aquecer o solo e o ar sobre ele, provoca a evaporação da umidade do solo, lagos, rios e oceanos, aumentando assim a umidade do ar. Instabilidade - o aquecimento do ar nos níveis próximos ao solo, associado ao aumento da umidade, desestabiliza a massa de ar. O ar quente é menos denso (mais leve) que o ar frio; portanto, existindo ar frio e ar seco acima, a tendência será de troca de ar, com o ar frio descendo e o ar quente subindo. Levantamento – este é o gatilho para o início de ascensão do ar e o princípio da tempestade. Vejamos: o ar movendo-se para cima de uma montanha (levantamento orográfico); o ar colidindo com uma frente (levantamento frontal). Frente é a zona de transição entre duas massas de ar diferentes. Onde as massas colidem, o ar menos denso (quente ou mais úmido) ascende sobre o outro; o ar frio soprando do oceano ou lago pode formar frente de brisa marítima, caso o ar frio colida com o ar mais quente sobre o continente; e, a corrente descendente fria que sai do cumulonimbus forma “frentes de rajadas”, as quais podem causar o desenvolvimento de novos cumulonimbus. O cumulonimbus apresenta três estágios de vida. O primeiro estágio é aquele em que uma nuvem cumulus começa a se desenvolver verticalmente, devido às correntes de ar ascendentes que dominam toda a nuvem, transformando-se em uma TORRE DE CUMULUS, como mostra a figura 1. Figura 1 – Estágio cumulus de um cumulonimbus O segundo estágio, o mais perigoso, é quando a nuvem se encontra em sua fase de MATURIDADE. As correntes ascendentes (na vertical) podem chegar a velocidades próximas a 40 nós. Em seu topo, os ventos em altos níveis (na horizontal) começam a formar sua “bigorna ou cabeleira”, chegando, por vezes, a estendê-la até 100 milhas, a favor do vento. Nessa fase, as correntes ascendentes podem transportar até 8.000 toneladas de água por minuto. O vapor d’água condensa ao colidir nas gotículas da nuvem, as quais aumentam de tamanho à medida que vão sendo levadas para cima. Nesse momento também podem ocorrer correntes descendentes, em virtude de algumas gotículas caírem ao se tornarem mais pesadas, vencendo as correntes ascendentes. Na descida, podem passar por camadas de ar não saturadas, e alguma evaporação pode ocorrer. Evaporação é um processo de resfriamento, portanto esse processo causa um maior resfriamento da parcela de ar que está em sua volta, dando início a um afundamento do ar, intensificando, assim, as correntes descendentes (downdraft). Um cumulonimbus é considerado em seu estágio de maturidade quando estiver com correntes ascendentes e descendentes (Figura 2). Figura 2 – Estágio de maturidade de um cumulonimbus O terceiro estágio, DISSIPAÇÃO, começa quando as correntes descendentes frias atingem o solo, a chuva resfria o ar nos níveis mais baixos e nenhuma nova fonte de instabilidade está presente. Figura 3 – Estágio de dissipação de um cumulonimbus Os cumulonimbus podem aparecer das seguintes formas: ISOLADOS - quando a nuvem é única e de forma isolada, em uma determinada área; MULTICÉLULAS - quando existem vários cumulonimbus em uma determinada área e sem uma disposição organizada, como na figura 4. Figura 4 – Multicélulas de cumulonimbus em uma imagem de satélite meteorológico LINHA DE INSTABILIDADE - quando existem vários cumulonimbus formados em linha, de maneira compacta. É muito comum que essa linha apareça antes da chegada de uma frente fria. SUPERCÉLULA - formação extremamente perigosa, com correntes de ar ascendentes e descendentes, suficientemente capazes de se manterem sozinhas como uma só entidade, por horas (Figura 5). A rotação do ar elevando-se dentro desse mesociclone favorece a formação de tornados. Ao final, as correntes descendentes predominam e o cumulonimbus tende a se dissipar, sobrando apenas a bigorna como nuvem cirrus (nuvem alta). O ciclo médio de vida entre os estágios de cumulus e de dissipação pode levar de 30 a 40 minutos. Isso mostra porque o cumulonimbus pode causar tantos estragos e, muitas vezes, de forma inesperada. Agora veremos algumas orientações básicas aos pilotos. Antes do voo: é de vital importância um planejamento adequado. A consulta às informações meteorológicas aeronáuticas, disponíveis nas salas AIS, apresentará ao piloto as áreas e locais mais favoráveis à ocorrência dessas instabilidades. Essa consulta deverá ser efetuada sobre as cartas de tempo significativo (SIG WX), previsão de área (GAMET), previsão terminal de aeródromo (TAF) e mensagens de vigilância meteorológica (SIGMET), imagens de satélites e de radares meteorológicos. Caso necessário, deverão ser solicitados mais esclarecimentos (briefing) a um especialista em meteorologia. Durante o voo: o piloto deverá manter contato com o Centro Meteorológico de Vigilância (CMV) da área, na frequência VOLMET, a fim de se manter informado sobre as condições meteorológicas em sua rota. O bom senso diz que a única regra de voo válida para todos os níveis e todas as categorias de aeronaves é EVITAR O VOO DENTRO DE UM CB. Como isso nem sempre é possível, um piloto deverá estar preparado psicologicamente para executá-lo. Para tal, dois requisitos são essenciais: o piloto deverá ter experiência de voo e a aeronave deverá estar convenientemente equipada e possuir estrutura condicionada para tal voo. Antes de iniciar a penetração na nuvem, o piloto deve tomar algumas providências: Apertar os cintos de segurança e fixar todos os objetos que estejam soltos; Confeccionar mensagem de posição (AIREP); Efetuar varredura com radar, para melhor avaliação da nuvem; Desligar o rádio e retirar os fones; Manter luzes acesas e cortinas fechadas, para evitar cegueira causada pelos relâmpagos; e Ajustar a potência para manutenção da VELOCIDADE ÓTIMA DE PENETRAÇÃO. Tomadas essas providências, a penetração na nuvem obedecerá às seguintes regras: Manter o rumo de penetração e nunca tentar voltar; Manter ATITUDE DE VOO com base no horizonte artificial; Esquecer as variações de altitude; e Ajustar a potência da aeronave apenas para manter a velocidade em torno da velocidade ótima de penetração. Portanto, para que se possa fazer um voo seguro, o piloto deve se preparar antecipadamente, verificando todas as informações meteorológicas necessárias para sua tomada de decisão. Isso porque enfrentar um cumulonimbus é, no mínimo, desconfortável, para não dizer o que todos já sabem: Perigoso! Texto: Cap Artur G. Ferreira. O Autor é oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), especialista em Meteorologia Aeronáutica, pós-graduado em Gestão Ambiental pela Universidade de Brasília e em Gestão Pública pela UFF, e exerce a função de Assessor de Meteorologia Aeronáutica do Subdepartamento de Operações do DECEA. E-mail: [email protected] Figura 5 – Esquema de uma supercélula de cumulonimbus HIERARQUIA E DISCIPLINA X SEGURANÇA DE VOO À primeira vista, o título deste artigo pode parecer no mínimo discrepante, pois os princípios que regem a hierarquia e a disciplina sempre estiveram intimamente ligados aos fundamentos da Segurança de Voo. Entretanto, sem que sejam perdidos os preceitos de tão estimadas qualidades, podemos, sob a ótica da Segurança de Voo, abordar o tema sob um novo foco, mostrando como essas características podem influenciar nossa decisão em determinadas situações. Quando falamos sobre hierarquia e disciplina – pilares das instituições militares –, voltamo-nos naturalmente para os valores que foram ensinados em nossas escolas de formação. Tais referências amparam e norteiam nossas atividades, em particular na Aviação do Exército, e contribuem de maneira decisiva para a elevação do nível de Segurança de Voo. Dessa forma, não podemos nos esquecer de que nossas tripulações são formadas por militares que obedecem a rígidas regras, as quais evitam desvios de comportamento em voo e reduzem as chances de improvisos. Esse processo garante a integridade da consciência situacional das tripulações, ao mesmo tempo em que contribui para a padronização, para o aprimoramento da cultura organizacional e para o fiel cumprimento das diversas missões aéreas. Será que se pode concluir, então, que a hierarquia e a disciplina contribuem para uma elevação do nível de Segurança de Voo? Em uma primeira instância, SIM. Em uma atividade marcada pela complexidade e flexibilidade das suas operações, é extremamente favorável que seus executores sejam disciplinados e regidos por um código de ética e moral que os oriente, e que tenham seus cargos e funções bem definidos. Analisando dessa maneira, só podemos colher vantagens dessas características que, sem dúvida, já nos pouparam de diversos incidentes e, quem sabe, até mesmo de alguns acidentes. Pode-se, ainda, indagar: em que situação teremos um quadro em que esses conceitos – hierarquia e disciplina – passarão a prejudicar a atividade de Segurança de Voo? Um dos diversos desdobramentos desses conceitos é o Espírito de Cumprimento de Missão. A disciplina e a hierarquia estão por demais enraizadas em nossa formação, e esses quesitos tão desejáveis em nossas atividades muitas vezes fazem com que sejam assumidos riscos além do necessário, no cumprimento de determinadas missões. Não foram poucas as vezes em que, pelo simples fato de não se dizer “infelizmente nós não podemos cumprir esta missão”, tripulações e passageiros enfrentaram situações de perigo. Muitos de nós encaramos esse “não cumprimento de missão” como um fato desabonador e, não raras vezes, alguns tripulantes se vangloriam de ter realizado determinada missão depois de fulano ou beltrano não a terem cumprido. Se, além disso, passarem por momentos de risco, a satisfação será ainda maior, pois, para esses tripulantes, somente eles seriam capazes de realizar aquela missão. A rigidez da hierarquia e a disciplina da caserna muitas vezes impedem que subordinados exponham suas opiniões a militares mais antigos, principalmente em caso de discordância. Assim, nossos comandantes perdem duas das mais preciosas ferramentas do Gerenciamento de Recursos da Tripulação (CRM): a consciência situacional e a comunicação entre os tripulantes. Para minimizarmos os riscos decorrentes do Espírito de Cumprimento de Missão, é preciso que os militares mais modernos não tenham receio de expressar suas opiniões, sejam elas positivas ou negativas. Por outro lado, os militares mais antigos devem promover o ambiente propício para que essas opiniões sejam explanadas, para análise do comandante da aeronave e inclusão no seu processo decisório, se for o caso. Ou seja, nada mais é do que o conceito de CRM, porém não restrito à tripulação e à aeronave, mas sim aplicado desde o planejamento inicial da missão. No entanto, somente o CRM não impedirá que tripulações deparem cenários em que o cumprimento da missão, assumindo riscos altíssimos, seja praticamente impositivo. Para que tais situações sejam evitadas, uma das melhores ferramentas é o Gerenciamento do Risco, que nada mais é do que uma seqüência de filtros, interpostos desde o planejamento da missão. Tem, como principal finalidade, fazer com que os elementos executores, a chamada “ponta da linha”, não tenham que assumir riscos inaceitáveis, e sim gerenciar de maneira segura os eventuais riscos inerentes a cada missão. É importante salientar que não pretendemos que haja um enfraquecimento da hierarquia, e muito menos da disciplina, por parte das tripulações no âmbito da Aviação do Exército. A intenção é que sejam mantidos a disciplina e o respeito pela hierarquia, que sempre caracterizaram a nossa Aviação; porém, há necessidade de aceitação e compreensão de que certos riscos não devem e, principalmente, não precisam ser corridos. Trata-se, antes de tudo, de uma atitude profissional. Devemos, em primeiro lugar, conhecer e respeitar os nossos limites e os limites das nossas aeronaves. Cada vez que diminuímos a nossa margem de segurança e aceitamos novos limites, impostos pela operação ou pela manutenção, temos novas variáveis que são implementadas e que não apresentam resultados previsíveis. Todos nós sabemos que em nossas atividades há riscos inerentes, portanto devemos ter a exata noção dos limites de riscos a que podemos expor nossas tripulações e aeronaves. Esta, porém, não é uma decisão tão fácil, caso contrário não teríamos o fato de que a maioria dos incidentes/acidentes é resultante de decisões operacionais. A estatística atual da Aviação do Exército demonstranos que mais de 70% dos incidentes/acidentes têm como principal fator contribuinte o Fator Operacional. Devido à nossa situação prolongada de paz, a aceitação de riscos deve ser avaliada com muito cuidado, pois as conseqüências de um acidente fazem com que qualquer risco assumido não tenha valido a pena. Cabe a todos nós, desde o mais alto nível de planejamento, passando pela manutenção e chegando até a tripulação executante da missão, estabelecer o delicado equilíbrio entre o nível de segurança e a operação propriamente dita. Texto: Maj Marcello Campos de Sá O autor é oficial do Exército Brasileiro, piloto de aeronaves especializado pelo Centro de Instrução de Aviação do Exército. Especializado em Segurança de Vôo pelo CENIPA, exerce a função de Adjunto da Divisão de Investigação e Pesquisa de Acidentes Aeronáuticos Militares do CENIPA. E-mail: [email protected] CRM – SOB UMA NOVA PROPOSTA METODOLÓGICA Os fatores humanos, em virtude de sua complexidade, têm obtido gradativa importância no contexto da Segurança de Voo. Os assuntos correlatos a eles estão presentes em pesquisas, trabalhos, investigações, treinamentos e outras abordagens. Tal destaque é pertinente, se considerarmos que a maior parte das estatísticas que tratam de acidentes e incidentes aeronáuticos revela que determinados contribuintes para a sua ocorrência têm, em seu teor, componentes ligados aos fatores humanos. Dia após dia, diversos setores da comunidade aeronáutica desdobram-se em pesquisa e desenvolvimento de técnicas e ferramentas para identificar e tratar os eventos humanos que podem causar risco à atividade aérea e, com isso, por meio de treinamento, aperfeiçoamento e conscientização dos envolvidos na atividade aérea, mitigar ou amenizar os seus efeitos nocivos. A Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Comando de Aviação do Exército (SIPAA/CAvEx) também tem essa preocupação e, considerando as atividades voltadas para a prevenção de fatores humanos, levantou a possibilidade de abordar os fatores de risco ao quesito humano por meio de uma metodologia diferenciada, que já tem sido adotada por algumas empresas de aviação civil. Essa metodologia fundamenta-se no CRM (Corporate Resource Management), o qual, historicamente, foi introduzido na Aviação do Exército, inicialmente em um batalhão, a partir do ano de 2003, em face da necessidade de se lançar mão de todos os instrumentos de prevenção e interligá-los ao treinamento. A metodologia calcada na aplicação de CRM tem como principal objetivo o aperfeiçoamento de técnicas e comportamentos com intuito de minimizar os conflitos latentes que interferem na atividade de voo e, assim, diminuir os riscos proeminentes implicados na maior parte das operações militares. Seria leviano não considerar que toda a atividade voltada ao voo tem o fator humano como executor; portanto, não atentar para as possíveis falhas humanas não surte efeito positivo, quando a proposta é a modificação de padrões e comportamentos que representem certo grau de risco. O treinamento em CRM tem como meta modificar os comportamentos humanos. O fato é que apenas saber ministrar o treinamento em CRM não garante a eficácia da assimilação da cultura pelo público-alvo de aviação. Somente informar os conceitos não garante a tão almejada transformação dos hábitos que provocam danos à atividade. É preciso saber que subconjunto do público deve receber tal informação e o momento e modo mais propícios, pois vários fatores interferem na atividade aérea, como missões, estados de humor, tipo de perfil do público, enfim, atributos que também determinarão a eficiência do método. Por isso, os psicólogos têm contribuído na concepção e na execução desse treinamento, pois esses profissionais, por meio de métodos de avaliação específicos, auxiliam na seleção da população adequada, ou mesmo na formatação do treinamento e na definição do momento mais adequado e oportuno para sua realização, o que o torna mais eficaz. Dessa forma, ao se realizar treinamentos consonantes com as diversas populações, todo o público-alvo da organização terá absorvido a cultura que se pretende estabelecer. Nesse sentido, uma das vantagens que se pode obter com a proposta diferenciada de abordagem de CRM é a aplicação imediata do teor do treinamento à realidade cotidiana da organização, atuando diretamente nas possíveis origens de ocorrências que geram os potenciais riscos à atividade. Dessa maneira, busca-se dar recursos ao aeronavegante, treinando-o para lidar com as diversas situações já detectadas por meio das análises feitas para o treinamento. Em outras palavras, mesmo que poucos recebam o treinamento, esses já possuirão ferramentas para lidar com as adversidades de voo provenientes do relacionamento interpessoal durante a missão ou na rotina da organização. As metodologias inicialmente utilizadas pelas organizações da Aviação do Exército eram genéricas, não eram calcadas em perfis do público ou na oportunidade. O que diferencia a proposta atual é o fato de se tratar de uma metodologia personalizada e compartilhada. Para assimilar e utilizar a metodologia em uso no cenário aeronáutico, o Comando de Aviação do Exército (CAvEx), em parceria com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em 2007 criou uma Comissão de Estudos para a Proposta de um Método de Aplicação de CRM, a qual foi estabelecida com a meta de implementar a customização das instruções e abordagens utilizadas durante o treinamento, ou seja, conforme preconiza a IAC 060-1002-A, a adaptação dos conceitos de CRM à cultura da organização. A Comissão foi constituída pela SIPAA/CAvEx, pelos Oficiais de Segurança de Voo e facilitadores integrantes das unidades aéreas do CAvEx. Um dos passos iniciais da Comissão, que considerou a metodologia sugerida pela ANAC, foi a análise e utilização dos instrumentos de segurança de voo, como Relatórios de Prevenção (RELPREV), Relatórios de Acidentes (RELIAA), Relatórios de Incidentes (RELIN), Vistorias, Pesquisa de Clima e Cultura Organizacionais. À luz dos “Elementos Curriculares Mínimos” da IAC 060-1002-A, a Comissão teve como objetivo quantificar e qualificar as ocorrências e os potenciais riscos atinentes à segurança de voo, para fundamentação do Treinamento em CRM. Com o objetivo de adequar os treinamentos aos diversos públicos da Aviação do Exército, a Comissão também lançou mão de um dos mais importantes instrumentos para a execução dessa metodologia, a Pesquisa de Clima Organizacional, que vem sendo realizada desde 2006 nas unidades aéreas. Também foram realizadas pesquisas nas páginas eletrônicas do Exército, do CAvEx, e até mesmo um questionário foi aplicado, em 2008, como meio de coleta de informações a respeito da Cultura Organizacional. A Cultura Organizacional, no contexto de aviação, deve ser entendida como hábitos e atitudes, formais ou não, que permeiam o meio militar de Aviação. Dessa forma, esses dados possibilitam um resultado que contribui na elaboração das instruções e na escolha das dinâmicas a serem utilizadas durante o treinamento. Garante-se, assim, a aproximação e manipulação de eventos que merecem aperfeiçoamento, para se obter Segurança de Voo. Esses instrumentos têm-se mostrado de vital importância para a elaboração do treinamento em CRM, tanto para a 1ª e 2ª fases, como também para a 3ª fase, pois ambos revitalizam e personalizam o CRM, orientando para a melhor exploração de um determinado tema sobre o fator humano com maior potencialidade de levar a conflitos de relacionamento de equipe que caracterize uma falha latente. A metodologia utiliza-se, ainda, dos facilitadores de CRM, formados pelo CENIPA, ou pela ANAC, de uma forma diferente. Para realizar os treinamentos previstos em uma organização, a Comissão de Estudos para a Proposta de um Método de Aplicação de CRM define e distribui os temas a serem abordados por facilitadores de diferentes unidades aéreas. Dessa forma, cada facilitador pode focar apenas um tema e utilizar as experiências colhidas em sua organização para ilustrar o treinamento. Como resultado, os participantes do treinamento de uma organização específica, em uma mesma jornada, têm contato com informações calcadas na vivência de diferentes facilitadores e unidades, o que propicia maior intercâmbio de experiências e o enriquecimento da cultura. O resultado é um treinamento mais eficiente para a organização. Depois de um ano da adoção da nova metodologia, já se evidenciam sinais que apontam para uma história de sucesso. Um deles é obtido logo após o treinamento, quando é realizada uma pesquisa junto aos participantes, os quais têm expressado uma postura positiva quanto a sua qualidade e eficiência. Outro sinal bastante importante é o aumento significativo do número de Relatórios de Prevenção/Hora de Voo, nas unidades em que ela foi aplicada, denotando o aumento do nível de atenção e comprometimento de seus integrantes. Foto: 2ª fase do CRM no treinador sintético do CIAvEx - Análise do relacionamento da tripulação Outro aspecto importante a se ressaltar da experiência de aplicação da nova metodologia é que não houve necessidade de incremento dos recursos humanos alocados para sua implementação e para a aplicação dos treinamentos, ou seja, não há o consumo adicional de homens/hora ou sobreposição de tarefas. Ainda, a metodologia mostrou-se aplicável em qualquer organização, não importando sua área de atuação. A nova metodologia tem-se mostrado proficiente no âmbito da Aviação do Exército e em organizações civis e militares, e as empresas ligadas à atividade aérea podem encontrar nessa nova metodologia um instrumento eficiente para elevar o nível de consciência de seu público interno e para reduzir os riscos inerentes à atividade. Com ela, é possível obter aumento da operacionalidade ou da lucratividade, uma vez que o investimento da prevenção garante que recursos sejam poupados, pois são evitados e reduzidos os danos à máquina e ao elemento humano. Texto: 2º Ten Psi Alessandra Gleysse Del Guerra Scigliano A autora, psicóloga formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é especializada em Psicoterapia Breve, pelo Instituto Sedes Sapientiae. Também é credenciada em Fator Humano, pelo CENIPA, e colaboradora direta dos Treinamentos em CRM nas Unidades de Aviação do Exército. Exerce a função de Adjunta na Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do Comando de Aviação do Exército. E-mail: [email protected] MANUTENÇÃO E SEGURANÇA DE VÔO - UM DESAFIO CONSTANTE Era uma linda manhã de um dia do ano de 1976. Eu estava junto a um F-103 (Mirage). O piloto acabara de fazer a inspeção externa e, quando ia se acomodar no cockpit, para acionar o motor, ouvimos um terrível estrondo. Olhamos para o hangar do Grupo de Manutenção e, estupefatos, vimos um assento ejetável “voando”, subindo na vertical, após varar o telhado. Corremos até lá e deparamos com uma cena horrível: o Manuel, mecânico de armamento, caído no solo e todo ensangüentado. Felizmente ele não morreu e nem ficou com sequelas. Hoje, mais de três décadas após esse fato, a exemplo do deus Janus, eu olho para o passado e, de posse dos conhecimentos e experiências adquiridos ao longo da carreira profissional, vejo que, em muitas oportunidades, quase fui um “ator coadjuvante de um possível filme de terror”, e sem perceber isso. Mas como? - perguntaria você, ilustre leitor. Para responder, digo: executando uma tarefa sem o ferramental requisitado e adequado ou sem estar devidamente instruído para realizá-la. Dentro do universo do tema Segurança de Vôo – Fator Operacional Manutenção, quando se analisa ou se investiga um acidente ou incidente aeronáutico, conclui-se que a FALHA HUMANA está presente na maioria das ocorrências. Diversos estudiosos deste assunto chegaram à conclusão de que existem dois tipos de falha ou erro humano: o ERRO ATIVO e o ERRO LATENTE. O primeiro, geralmente, é o último elo da cadeia de eventos que leva ao acidente, é a última peça do dominó a tombar. Ele ocorre na “ponta” do sistema, na fase de execução da tarefa propriamente dita. Em resumo, é cometido pelo profissional na execução do seu serviço, com conseqüências imediatas e muitas vezes com a ocorrência de fatalidades. O segundo, aparentemente menos perigoso, é muito mais grave. É sutil e é a “geratriz” do erro ativo. Ele é quase “invisível”, e fica camuflado dentro do sistema organizacional da empresa ou organização. É cometido no nível gerencial, de chefia ou direção e caracteriza-se pela demora na adoção de providências quanto à aquisição, em tempo hábil, de equipamentos, ferramentas especiais ou equipamentos de proteção individual (EPI), ou, ainda, quanto à aplicação oportuna de cursos para os funcionários que operam equipamentos especiais que, se manuseados fora do modo recomendado, com o conhecido “jeitinho brasileiro”, podem provocar graves acidentes. No caso do mecânico Manuel, citado no início deste artigo, ele estava desarmando o canhão do assento ejetável sem a ferramenta padrão para tal serviço, pois a mesma ainda não havia chegado do fabricante (Europa). A aeronave começou a ser operada, venceu uma inspeção do assento, mas a ferramenta para retirada do cartucho principal do canhão ainda não havia chegado para o operador. Numa análise mais acurada deste palpitante assunto, percebe-se que a formação de recursos humanos para manutenção aeronáutica requer a transmissão de inúmeros conhecimentos, a exemplo de “como executar determinada tarefa”. Aprendido o modus faciendi, a execução tende a se tornar uma rotina que pode conduzir a um relaxamento quanto às normas de segurança ou procedimento padronizado. Por mais elaborada que tenha sido a educação recebida, o “bicho homem” do século XXI, em plena era da Informática, ainda carrega em seus genes algumas “coisas” do homem das cavernas. Algumas delas são: preguiça, negligência, imprudência, imperícia, complacência e muitas outras “ícias” e “ências” altamente letais. Com o objetivo de impedir a queda da última peça do dominó que gera o fato indesejável, o Programa de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (documento produzido pelo operador) deve apontar uma série de eventos regulares que, além de formarem, mantenham em alto nível uma MENTALIDADE DE PREVENÇÃO. O PPAA precisa conter atividades instrucionais, não somente para os operadores (pilotos), mas também para todas as pessoas que “orbitam” em torno desse engenho chamado aeronave. Prevenção de acidentes requer MOBILIZAÇÃO GERAL, desde o Comandante, Chefe, Diretor ou Presidente, até ao profissional menos graduado. Finalizando, lembro que outro momento crítico é a implantação de um novo projeto (aeronave), fato que exige inúmeras providências pertinentes. Uma delas é a prévia capacitação dos recursos humanos responsáveis pela manutenção da nova aeronave, como também toda a infraestrutura, equipamentos e ferramental requeridos. Os mecânicos podem estar “viciados” com a aeronave substituída, podendo cometer falhas ao manusearem a nova aeronave. Todavia, repito que todo esforço deve ser feito com o objetivo de se formar uma mentalidade de segurança por meio de um PPAA bem elaborado que, ao longo do ano, mantenha sempre alto o nível de conscientização no que diz respeito à PREVENÇÃO de acidentes e incidentes aeronáuticos. Texto: Ten Cel Jocelyn Santos Reis O autor é oficial da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB) e trabalhou como gerente de manutenção de aeronaves por mais de 15 anos. É instrutor de Segurança de Voo desde 1997. Atualmente, presta serviço como contratado na DIPAA do CENIPA. E-mail: [email protected] O PERIGO DA FAUNA NO BRASIL Como foi observado em Nova Iorque, no último dia 15 de janeiro, o uso concomitante do mesmo espaço aéreo por aves e aeronaves expõe estas últimas a impactos que podem colocar em risco vidas humanas. Não há nenhuma novidade nisso, afinal o primeiro acidente aéreo com vítima fatal ocorreu em 1912, nos EUA. Porém, até a amerissagem no Hudson, talvez diversas pessoas pudessem desconhecer tais consequências de eventos dessa natureza. Hoje, é praticamente impossível que alguém desconheça “o milagre do Hudson”, nome pelo qual os norteamericanos citam o evento. Diante disso, é chegado o momento decisivo, e as autoridades brasileiras devem avaliar seu nível de engajamento em ações que viabilizem o controle da situação por aqui. Afinal, em breve sediaremos eventos esportivos de grande magnitude e não seria aceitável que ocorresse um acidente, o que mancharia a imagem do país. A frase anterior pode parecer um apelo à tragicidade, mas devese considerar que, nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, na época do ano em que ocorrerá o evento, tem sido reportado, em média, um impacto a cada 1.100 movimentos de aeronaves. Isso sem considerar a estimativa, internacionalmente aceita, de que somente 20 a 25% das colisões são efetivamente comunicadas Ou seja, existe a probabilidade de que ocorra no mínimo uma colisão com a fauna, envolvendo uma das delegações participantes. As conseqüências dessa colisão podem não ser sequer percebidas, mas podem também causar a queda da aeronave – uma espécie de roleta russa envolvendo aeronaves, pessoas a bordo e no solo e a fauna, em especial as aves – conhecida como perigo aviário ou perigo da fauna. O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) desde 1987 vem investindo na conscientização e, consequentemente, na prevenção de colisões com aves. Entretanto, em função da complexidade e multidisciplinaridade inerentes à redução dos focos atrativos próximos aos aeroportos, diversos pontos nevrálgicos devem ser gerenciados de modo mais efetivo. Muitas das ações nesse sentido são afetas ao Poder Público, em suas esferas de atuação. Afinal, são de sua responsabilidade, ou são por ele reguladas ou fiscalizadas. Um ponto a ser melhorado é a identificação das aves envolvidas em colisões, pois atualmente cerca de 60% dos choques não são associados a uma espécie de ave. Urge, portanto, a necessidade de estruturação de uma rede de instituições que possa receber e identificar o material biológico coletado, a exemplo do que ocorre nos EUA, por meio do Smithsonian Institute. Ideal seria que fossem inseridas nesse processo entidades em diferentes regiões do país, a fim de garantir celeridade ao processo, além de evitar sobrecarga em uma instituição. No montante atribuído a uma espécie, observa-se a forte presença de animais ligados à oferta de alimento em áreas de deposição de lixo. A incorreta destinação ainda é, infelizmente, uma realidade em muitos locais. Existem, tanto depósitos oficialmente utilizados pela própria administração, os chamados “lixões municipais”, como aqueles clandestinamente eleitos pela população, denominados “áreas viciadas”. Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano 2000, mostraram que 52,8% dos municípios brasileiros lançavam seus resíduos em lixões, o que correspondia a cerca de 66.150 mil toneladas de lixo sendo despejados inapropriadamente no solo brasileiro a cada dia. Essas condições refletem dificuldades na execução do plano diretor municipal e nos sistemas de coleta, transporte e gerenciamento de resíduos sólidos. Essas atividades são de difícil ordenamento e demandam custos gerenciais elevados; no entanto, são fundamentais à prevenção do perigo apresentado pela fauna, dentre outros riscos. Refletem também um problema cultural sério, visto que muitas das comunidades dispõem de condições para evitar o lançamento de lixo indiscriminadamente no solo urbano. O número anual de colisões informadas tem tido significativo acréscimo, conforme podemos observar abaixo. Antes de analisálos, porém, devemos considerar alguns aspectos: a evolução das aeronaves que, cada vez mais velozes e silenciosas, exigem uma reação mais rápida dos pilotos e das aves para evitar o choque; a preservação ambiental, que estimulou o aumento da população de aves anteriormente ameaçadas de extinção, como é o caso da águia americana, nos Estados Unidos da América (EUA); o aumento do número de voos; e, ainda, a melhoria da conscientização no âmbito da comunidade aeronáutica, resultado dos trabalhos de conscientização realizados até hoje. Dados atualizados até 30 de outubro de 2009 – fonte: CENIPA É senso comum que restringir o avanço tecnológico, a oferta de voos ou buscar o abate indiscriminado não são caminhos aceitáveis para a redução do risco. No entanto, com o uso de conhecimento apropriado, ações viáveis podem ser postas em prática. Caberá o óbvio gerenciamento da execução, tendo em mente que pode ser necessário realizar ajustes, até que se chegue ao procedimento mais efetivo, de acordo com as características únicas de cada aeroporto. Isso nada mais é que o gerenciamento do risco aplicado ao problema. Surge, então, a necessidade de avaliar o risco, o que deve ocorrer desde antes do início das ações mitigatórias, pois o estabelecimento da condição inicial do local é fundamental, visto que viabilizará a futura avaliação da eficiência das atividades realizadas. Daí também virá o estímulo a todos os envolvidos, pois o progresso alcançado, fruto do trabalho individual e coletivo, servirá como alavanca motivacional. Tal avaliação é uma ferramenta válida para acelerar os processos contidos na Instrução Normativa nº 72, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IN 72 / IBAMA), que define todo o processo de execução do Plano de Manejo de Avifauna em Aeródromos. FASE 1 – DIAGNÓSTICO Identificar riscos – levantamento das espécies-problema. Verificar legislação – estudo das leis e regulamentos aplicáveis ao assunto. Resolver conflitos – denominador comum entre órgãos envolvidos na redução do risco. Avaliar riscos – quantificar os riscos decorrentes da presença das espécies-problema. FASE 2 – APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE CONTROLE Comprometer gestores – conscientizar os gestores sobre a importância das ações que serão implantadas. Definir ações – após estudo científico, estabelecer as atividades e como serão realizadas. Introduzir ações – iniciar a aplicação das atividades mitigantes. Supervisionar e gerenciar – acompanhamento da realização, frente ao planejamento técnico realizado. Observar comportamentos – levantamento das alterações comportamentais das espécies-problema. Adequar ações – implantar alterações nas ações, em decorrência das alterações comportamentais observadas. É bastante improvável que alguma organização possa realizar as atividades citadas em âmbito nacional, devido à grandeza e diversidade das regiões brasileiras. Sendo assim, para dinamizar o processo, deve-se descentralizá-lo, por meio da criação de comissões que reúnam representantes da sociedade local para tratar do assunto, sob a coordenação do administrador aeroportuário. Somente uma equipe em regime de dedicação exclusiva terá condições de planejar, executar, avaliar, adequar e orientar ações que possam reduzir o risco de modo eficiente. O administrador, como coordenador dessa equipe, tem condições de reunir entidades locais, envolvidas nos fatores identificados como concorrentes para a presença das espécies da fauna na Área de Segurança Aeroportuária (ASA). Aliás, faz-se necessário clarificar que ASA é a área de segurança aeroportuária definida, pelo Conselho Nacional de meio Ambiente (CONAMA), por meio de sua Resolução nº 4, de 9 de outubro de 1995. Devido ao fato de a questão estar muito além dos muros do aeroporto, somado às consequências nefastas de um provável acidente aéreo sobre área urbana, é fundamental a participação da administração pública municipal e das Procuradorias da República (PR) em cada estado. Convém relembrar que a primeira é a responsável pelos planos de uso e ocupação do solo urbano, bem como pelo plano diretor, sendo este instrumento obrigatório a todos os municípios com mais de 20.000 habitantes. A segunda é responsável pela salvaguarda dos interesses públicos, podendo agir como uma espécie de “anjo da guarda” do coordenador local, já que na comunidade aeronáutica não há nenhuma organização que disponha do poder de polícia. A participação pública deve abranger ações educacionais junto à população, e fiscalizadoras, junto aos contratados responsáveis pelo sistema de coleta e destinação final de resíduos sólidos Portanto, sua atuação é fundamental para perenizar condições adequadas ao gerenciamento do problema. Como foi citado, houve um aumento significativo de reportes de colisões com a fauna, porém ainda há necessidade de divulgar internamente o assunto, melhorando a quantidade e a qualidade das fichas CENIPA 15. A nova ficha está disponível no site do Centro, onde também são dadas orientações para seu correto preenchimento. Pode parecer futilidade, mas a base de dados gerada pelo envio de informações é o único meio de viabilizar determinados processos, que ora são impeditivos à redução da presença de aves em nossos aeródromos. Mesmo que não tenha ocorrido a colisão, somente a presença de animais já representa risco em potencial, o que justifica o envio da informação para que haja ciência do problema e posterior início das ações de mitigação. Como se pôde observar, a complexidade do perigo da fauna no Brasil passa pela conscientização e pelo envolvimento de diversos setores de nossa sociedade. A divulgação do assunto é trabalho incessante e requer o envolvimento de todos, pois qualquer um de nós pode sofrer suas conseqüências, mesmo aqueles que jamais entraram em um avião. Texto: Maj Henrique Rubens Balta de Oliveira O autor, oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de aeronaves especializado em Segurança de Voo pelo CENIPA, é Líder de Esquadrão de Caça e de Reconhecimento Tático, tendo voado no 1º/ 10º Grupo de Aviação de 2004 a 2008. Atualmente exerce a função de Coordenador da Comissão de Controle de Perigo Aviário no Brasil (CCPAB). E-mail: [email protected] FUTURE AIR NAVIGATION SYSTEMS – FANS O atual sistema de controle de tráfego aéreo ainda é baseado em auxílios de solo, radar e comunicação de voz. Futuramente, esse sistema não suportará a crescente demanda de tráfego aéreo. O aumento do número de aeronaves e rotas exige um criterioso controle. As rotas são rigorosamente definidas como verdadeiros corredores no ar, e a redução da distância entre os níveis de voo e outras regras severas exigem soluções adequadas para garantir a segurança das aeronaves. Os fabricantes e entidades ligados à atividade aérea vêm atuando no projeto de um novo sistema de navegação, o Future Air Navigation System (FANS). Esse sistema de aviônicos oferece link direto de comunicação de dados, via satélite, entre o piloto e o controle de tráfego aéreo. O FANS, da maneira como está sendo concebido, é mais barato e menos dependente de infraestrutura em solo do que o atual sistema de controle de tráfego aéreo. A comunicação é feita por meio de links de dados via satélite, e não mais por voz. As aeronaves realizam suas mensagens de posição, via link de dados, por meio de GPS. Em suma, este atualizado sistema reúne, como poderá ser observado, uma série de inovações que garantem a segurança do espaço aéreo. As aeronaves devem possuir equipamentos para recepção e transmissão de dados fornecidos por satélites: AOC Data Link, ADS, ATC Data Link, RNP e RTA. Esses sistemas serão tratados a seguir. Global Positioning System Integration (Sistema de Posicionamento Global Integrado) O Sistema de Posicionamento Global, popularmente conhecido por GPS (Global Positioning System), com sua estrutura baseada em um conjunto de satélites, é um sistema de informação eletrônico que fornece, via rádio, a um aparelho receptor na aeronave, a posição desta em relação às coordenadas terrestres. Um receptor GPS decodifica as transmissões do sinal de código e fase de múltiplos satélites, e calcula a sua posição com base nas distâncias entre eles. A posição é dada por latitude, longitude, altitude e coordenadas geodésicas. Esse melhoramento provê maior precisão para operações em rota e em alguns procedimentos de aproximação. O GPS não substitui integralmente o sistema de navegação astronômica; ele informa as coordenadas do receptor, e não o rumo indispensável à navegação estimada, o que seria completado por um simulador integrado ao receptor. Existem, atualmente, dois sistemas efetivos de posicionamento por satélite: o GPS americano e o Glonass russo. Futuramente, entrará em operação o europeu Galileu. Mais de 50 satélites, como o Navstar (pág. 15), permitem a precisão nas informações sobre coordenadas fornecidas pelos GPS. AOC Data Link – Airline Operational Control Data Link (Controle de Linha Aérea Operacional por rede de dados) O AOC permite aos sistemas de planejamento de voo das companhias a transmissão de novas rotas, informações sobre ventos, meteorologia etc. A chave é o Aircraft Communications Addressing and Reporting System (ACARS), sistema de datalink digital para transmissão de mensagens curtas e relativamente simples entre aeronaves e estações terrestres via rádio ou satélite. Esse sistema utiliza na aeronave um computador chamado de Aviônica ACARS Management Unit (MU) e uma tela digital de controle ou Control Display Unit (CDU). Utiliza-se, no sistema ACARS, o padrão ARINC (aeronave dirigida com aviônica apoiada na interface de barramento de dados digitais). No início dos anos 90, a interface entre o FDAMS/sistemas ACMS e o MU ACARS, que resultou em datalink, ganhou maior aceitação por parte das companhias aéreas, pois o FDAMS/ACMS analisa motor, aeronave e condições de desempenho operacional. Fornece dados de desempenho para as companhias aéreas em solo, por meio da rede ACARS, ajudando na identificação de voo anormal e, automaticamente, oferecendo mensagens e relatórios, em tempo real, para a companhia aérea, o que proporciona melhor acompanhamento do desempenho dos motores e identificação de reparos nos planos e atividades de manutenção. ADS – Automatic Dependent Surveillance (Vigilância Auto Dependente) É uma técnica de vigilância cooperativa para o controle de tráfego aéreo e aplicações relacionadas. Uma aeronave equipada com ADS-B determina sua posição por meio de um sistema global de navegação por satélite (GPS), e periodicamente difunde essa posição e outras informações relevantes para as estações de controle em terra e outras aeronaves dotadas com outro equipamento ADS-B. Esse sistema fornece informações precisas e frequentes atualizações para aeronaves e controladores, melhorando a utilização do espaço aéreo e reduzindo o limite das restrições de visibilidade. Melhora também a vigilância de superfície e fornece segurança reforçada (gestão de conflitos). Existe também o ADS-destinatário/contrato (ADS-A ou C) que, com base em uma negociação um-para-um entre duas aeronaves, fornece informações e facilita o recebimento de mensagens ADS em solo. No sistema FANS, a comunicação utilizando o ADS-A/C permite que as informações transmitidas de uma aeronave que esteja voando em área sem cobertura radar sejam dirigidas para uma outra aeronave específica, e que esta realize uma “ponte” e repasse as informações para um controle de tráfego. ATC Data Link– Air Traffic Control Data Link (Controle de Tráfego Aéreo por Transmissão de Dados) O Controle de Trafego Aéreo (ATC) é um serviço prestado às aeronaves no solo e no ar por controladores baseados em estações terrestres. O objetivo principal é manter as aeronaves separadas para evitar colisões, organizar o fluxo de tráfego, fornecer informações e outros apoios para os pilotos. Evitar colisões requer distância entre aeronaves, com o uso de mínimos de separação lateral, vertical e longitudinal. Hoje, utilizam-se sistemas anticolisão instalados para funcionar como um backup para ATC, observações e instruções. Além de sua função primária, o ATC pode fornecer serviços adicionais, como informações sobre meteorologia, navegação e NOTAMs. A função Data Link, por sua vez, substitui as comunicações de voz entre a tripulação e os controladores de tráfego aéreo, permitindo à tripulação solicitar desvios ou alterações no plano de voo de forma mais rápida e segura. O controlador, por sua vez, tem a possibilidade de solicitar, diretamente, alterações no plano de voo. RNP – Required Navigational Performance (Performance de Navegação Necessária). O critério RNP parte de um conceito mais amplo, chamado “Performance de Navegação”. É um método de execução de rotas de voo que difere dos métodos anteriores, pois, além da especificação de desempenho que a aeronave deve seguir antes do voo, o sistema acompanha o desempenho alcançado e fornece um alerta, no caso do não cumprimento das especificações do plano de voo. A performance de navegação é constantemente monitorada. Ele determina as necessidades na orientação e controla as aeronaves em voo normal, no solo e com baixas visibilidades, melhorando a segurança do voo em toda a sua duração. O sistema também é reconhecido por sua capacidade de reduzir o consumo de combustível, o ruído e a emissão de gases, e de aumentar a eficiência operacional. O RNP permite aos controladores apurar os dados para aproximação e aterragem bem antes que as aeronaves cheguem ao seu destino. Em consequência, as aeronaves, em uma velocidade ideal, percorrem caminhos estreitos, rápidos e extremamente seguros, nos terminais de operação. RTA – Required Time of Arrival (Tempo Necessário de Chegada) Permite à tripulação ajustar a aeronave para cruzar uma latitude ou longitude em um horário predeterminado. A velocidade de cruzeiro é automaticamente definida para atingir uma posição no espaço no horário desejado, com precisão de mais ou menos 30 segundos. Como vantagens para os operadores, há também redução no consumo de combustível e aumento na capacidade de carga útil em vôos com restrição de peso máximo para decolagem. Além dessas vantagens econômicas, alguns ganhos operacionais podem ser citados: - menor separação entre as aeronaves, fazendo com que mais aeronaves voem em suas altitudes ideais; - criação de rotas dinâmicas, tendo em vista que as informações meteorológicas podem ser transmitidas em tempo real para a tripulação, possibilitando a alteração do plano de voo atual; - menor tempo de resposta, pois a tripulação pode receber resposta a uma solicitação mais rapidamente e executar a ação desejada; - rotas otimizadas, pois com o FANS é possível traçar rotas mais diretas, reduzindo o tempo e, consequentemente, o consumo de combustível. Enfim, são inúmeras as melhorias do sistema FANS: a transição da comunicação de voz para a comunicação digital, utilizando o ACARS como meio de comunicação, a transição da navegação por inércia para a navegação por satélite, utilizando os satélites GPS e introduzindo o conceito real de performance de navegação (ANP), e a transição dos relatórios de voz para relatórios automáticos digitais, por meio do aplicativo ADS. Rotas extremamente definidas, impedindo erros que venham a provocar colisão entre aeronaves; mudanças de plano de voo on line, permitindo o aproveitamento de correntes de ar e a fuga de situações climáticas adversas e perigosas, e níveis de voo mais precisos, comportando o crescente fluxo de aeronaves e permitindo menor distância entre elas, são aspectos que garantem a segurança de vôo hoje e amanhã. Esse novo sistema de navegação aérea também possibilita a troca de informações detalhadas entre a cabine e a TWR (transmissão de dados virtuais de fácil visualização), reduzindo a excessiva conversação, garantindo à tripulação uma informação correta sobre a navegação e a troca de informações on line sobre os diversos sistemas da aeronave (motor, aviônicos, sistema hidráulico, etc). Todos esses conceitos que, como peças de um grande quebra-cabeças, formam um moderno e eficaz sistema de troca de dados, reflete diretamente na segurança de voo e na navegação, com economia de combustível e redução do tempo de voo. Texto: Maj Antônio Geraldo Rodrigues O autor é oficial do Exército Brasileiro, especializado em Gerência de Manutenção de Aeronaves e pós-graduado em Logística de Aviação pelo Centro de Instrução de Aviação do Exército, possui o Curso de Logística e Mobilização da Escola Superior de Guerra e atualmente exerce a função de Adjunto, na 3ª Seção do Comando de Aviação do Exército (CAvEx). e-mail: [email protected] O SMS: A EVOLUÇÃO NATURAL DA SEGURANÇA OPERACIONAL A labuta incessante da Segurança Operacional nesses últimos anos conta com uma iniciativa promissora da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI): a criação do Safety Management Systems (SMS) ou Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional, apresentada em seu Doc 9859, do ano 2006. O SMS é fruto da evolução natural do “universo” da investigação de acidentes aeronáuticos, onde é inevitável apontarmos, atualmente, para os fatores organizacionais como elementos de estudos e análises dos prováveis fatores contribuintes de incidentes e acidentes aéreos. Foram-se os anos 50, quando os aspectos técnicos e materiais estavam no escopo das investigações, bem como a década de 70, durante a qual os fatores humanos e suas intrínsecas análises psicológicas fluíam nas recomendações de segurança. Agora, mais precisamente a partir dos anos 90, não desprezando os focos anteriores, mas observando o futuro, a Segurança Operacional fixa suas atenções na organização, na empresa aérea como um todo. Buscase a interação da Segurança Operacional com os vários sistemas que compõem o complexo da aviação. Por que não transformá-la em um sistema que venha a permear todos os outros? Afinal de contas, o relacionamento profícuo entre os sistemas de aviação garantirá a viabilidade do “negócio aéreo”, e nada mais salutar do que contar com a Segurança Operacional como um sistema com o objetivo de preservar a vida humana, os meios aeronáuticos e, nos dias de hoje, a confiabilidade, que é de importância fundamental para as empresas e organizações. Atenta à relevância do assunto, a OACI desenvolve o tema com propriedade e define o SMS como “[...] uma abordagem sistemática para o gerenciamento de segurança, abrangendo as estruturas organizacionais, responsabilidades, políticas e procedimentos de uma organização”, isto é, por meio do SMS objetiva-se implantar a Segurança Operacional da forma mais abrangente possível em uma organização, enraizando seus princípios em todos os seus integrantes. Para se atingir tal objetivo, o SMS conta com seus quatro pilares fundamentais: - A determinação de uma POLÍTICA segundo a qual a organização ou empresa determina seus objetivos de segurança, estabelece responsabilidades e regras que definirão uma direção a ser seguida; - O GERENCIAMENTO DO RISCO, que é uma análise diuturna dos fatores de risco inerentes à atividade aérea, confrontando-se as probabilidades do acontecimento de um evento versus a gravidade do mesmo. Obtém-se uma quantificação dos riscos que permitirá a tomada de medidas mitigatórias, reduzindo-os a níveis aceitáveis; - A COMUNICAÇÃO das ações mitigatórias após análise dos riscos é fundamental para que não se incorra em acidentes e incidentes previamente estudados; e - A CULTURA DE SEGURANÇA de uma organização, que deve permear todos os seus membros. O “pensar Segurança Operacional” em cada tarefa deve ser natural entre os integrantes de uma empresa aérea. A obtenção dessa consciência coletiva elevará a segurança a níveis desejados, praticamente sem custos adicionais. O SMS, como o mais novo integrante dos Sistemas de Aviação, vem estabelecer ações preditivas que visam mitigar os riscos muito antes de eles se manifestarem, reduzindo seus efeitos ao mínimo possível e mantendo a continuidade das operações com segurança. Segue-se a mesma filosofia que diz “a Segurança de Voo não impede a atividade aérea; antes, permite sua realização com segurança”. Portanto, espera-se que em breve o SMS venha a contribuir de forma contumaz em todas as áreas da aviação, estabelecendo políticas, estimulando a comunicação, gerenciando todos os riscos perceptíveis e, por fim, desenvolvendo uma cultura de segurança abrangente que envolva todos em uma mesma consciência: a preservação da vida humana. Texto: Cap André Luiz Pereira Santos o autor é oficial do Exército Brasileiro, especializado como piloto de aeronaves pelo Centro de Instrução de Aviação do Exercito, possui o curso de Oficial de Segurança de Operacional pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e atualmente exerce a função de Chefe da Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do 1º Batalhão de Aviação do Exercito E-mail [email protected] HEALTH MONITORING SYSTEMS PARA SEGURANÇA DE VOO O que há alguns anos poderia parecer ficção científica, atualmente já é uma tecnologia comum nas aeronaves modernas. Os chamados Health Monitoring Systems (HMS) são sistemas que visam manter a aeronave nas suas condições nominais de funcionamento e garantir a segurança e a eficiência toda vez em que ocorrerem situações anormais. O HMS é realizado pelo monitoramento do ciclo de vida de componentes e subsistemas, por meio de sensores e algoritmos computacionais. A arquitetura básica desse tipo de sistema consiste de sensores que transformam em sinais elétricos as variáveis de interesse da aeronave. Em seguida, esses sinais são processados e comparados com o banco de dados existente da variável em questão e, por fim, é apresentado para um operador ou para uma central de monitoramento o estado atual do componente e sua probabilidade de falha, conforme mostrado na figura 1. Figura 2 - Estado do Material pelo tempo (a), usando Manutenção Agendada, e (b), usando Manutenção Condicionada Nos últimos 10 anos, os avanços tecnológicos em equipamentos da cabine de comando e na análise de dados aumentaram o potencial de obtenção e análise de informações sobre as características de voo de uma aeronave durante sua operação. Mais importante do que determinar as causas de um acidente é o uso dessas informações para analisar rotineiramente os dados gravados durante operação em linhas aéreas, visando prevenir acidentes. Em anos recentes, muitos países já desenvolveram programas para gravação e análise de dados operacionais. O uso dessa ferramenta reduz atrasos de manutenção e cancelamentos de voos, manutenções desnecessárias, o preço do seguro devido à redução do número de acidentes, e incidentes e despesas advindas de sinistros. Figura 1 – Diagrama simplificado de um Health Monitoring System Incremento do Nível de Segurança de Voo Inspeções agendadas e periódicas são necessárias para a manutenção da segurança de voo e para a confiabilidade dos componentes e sistemas. Essas inspeções buscam rachaduras, fadiga e pontos de corrosão. Algumas vezes, nenhum dano é encontrado; entretanto, as falhas imprevistas podem ocorrer entre uma inspeção e outra, e isso pode levar a acidentes, como demonstrado na figura 2 (a). Isso é o que chamamos de manutenção agendada e preventiva. Com o emprego de ferramentas de HMS, é possível elevar o nível de confiabilidade e segurança de uma aeronave, e detectar falhas imprevisíveis antes que elas ocorram. Isso porque um sistema, estando em constante monitoramento, permite identificar as tendências a falhas futuras, de acordo com algum desvio do padrão de comportamento conhecido. Dessa forma, uma intervenção de manutenção pode ser realizada imediatamente, evitando-se a ocorrência de falhas. Isso é o que chamamos de manutenção preditiva, como demonstrado na figura 2 (b). FOQA Além de agir na manutenção, o conceito de HMS também é utilizado no Flight Operational Quality Assurance (FOQA), um programa de prevenção específico, utilizado atualmente por diversas empresas aéreas para aumentar o nível de segurança e minimizar custos. O FOQA é um programa pró-ativo e não punitivo baseado na análise dos parâmetros de voo e manutenção registrados nos gravadores de voo das aeronaves. O FOQA realiza a análise de dados de voo por meio de um software especializado para identificar e corrigir desvio de operação ou ocorrências anormais antes que seus efeitos adversos comprometam a segurança operacional. A implementação do FOQA requer a captura de parâmetros críticos de voo da aeronave, processamento e análise desses dados coletados e também providências de manutenção. A Federal Aviation Administration (FAA) estima que as aeronaves no estado da arte proporcionam uma economia de 892 milhões de dólares por ano, devido a redução de despesas com combustível, manutenção e custos diretos relacionados com acidentes. HUMS Como exemplo de sistema desenvolvido para gravação e análise do voo, temos o Health and Usage Monitoring System (HUMS), um sistema de diagnóstico de falhas voltado para aeronaves de asas rotativas que tem como propósito a indicação, em tempo real, da degradação de componentes de um helicóptero, para que, assim que um nível crítico seja atingido, ocorra uma intervenção de manutenção e reparo do defeito. O HUMS é usado como um método complementar aos métodos de revisões de manutenção já existentes, com o intuito de aumentar a aeronavegabilidade continuada da aeronave, com uma margem de segurança maior. A característica mais importante desse sistema é que ele identifica defeitos do helicóptero, analisando variações nas amplitudes das frequências de vibração da aeronave. Isso é especialmente importante para identificar problemas nos conjuntos rotativos dos helicópteros, o que por muitas vezes eliminará a necessidade da realização de voos de manutenção para ajustes no conjunto dinâmico que são o rotor e as pás. A figura mostra o espectro de vibração característico de um helicóptero, que corresponderia a sua impressão digital. A vibração medida em cada faixa de frequência está relacionada principalmente à oscilação de uma parte da aeronave, que pode ser o motor, o rotor, a transmissão, a fuselagem, etc. Qualquer variação com amplitude anormal detectada numa faixa de frequência indicará um defeito em um determinado subsistema do helicóptero. Figura 3 - Espectro de Vibração de um helicóptero O HUMS tem demonstrado que pode contribuir para o incremento da aeronavegabilidade continuada, pois, segundo dados da autoridade aeronáutica civil britânica, com ele se consegue a detecção de mais de 70% das falhas que ocorrem em um helicóptero. PERSPECTIVAS DO USO DO HMS Observa-se uma tendência mundial de redução de acidentes relacionados a falhas catastróficas de sistemas, em virtude dos avanços tecnológicos alcançados e também do uso de sistemas como o HMS. O ponto crítico, que ainda rende muitas pesquisas sobre esses sistemas, são os sensores, que precisam ser confiáveis, baratos, resistentes a uma gama de temperaturas e à vibração das aeronaves. O crescimento do uso de um sistema desse tipo depende do aumento da confiabilidade dos sensores. Como exemplo, no Japão existem estudos em andamento para o monitoramento e diagnóstico de materiais compósitos usados estruturalmente em aeronaves. O intuito é permitir que as falhas nesses materiais possam ser identificadas prematuramente, para que mais partes da aeronave possam ser constituídas desses materiais, agregando qualidades, como o baixo peso desse material, o que permitirá uma grande redução de peso e, por conseguinte, economia de combustível para as companhias aéreas. Texto: Cap Rodrigo Machado de Albuquerque O autor é oficial do Exército Brasileiro, piloto de aeronaves especializado pelo Centro de Instrução de Aviação do Exército, atualmente está realizando o Curso de Especialização em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada no ITA, e exerce a função de Ajudante - Secretário do 1º Batalhão de Aviação do Exército (1º BAvEx). 1º Ten Raphael Gomes Cortes O autor é oficial do Exército Brasileiro, graduado em Engenharia Eletrônica no Instituto Militar de Engenharia (IME), possui o curso de especialização de Engenheiro de Ensaios em Voo modalidade asas rotativas, no Grupo Especial de Ensaios em Voo (GEEV). Atualmente, realiza o Curso de especialização em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada, no ITA, e exerce a função de adjunto na Seção de Engenharia do Batalhão de Manutenção e Suprimento de Aviação do Exército. “DORES NAS COSTAS” NO AERONAVEGANTE: COMO NÃO SER MAIS UMA VÍTIMA? – Oi Paulo, bom dia! Você tá indo pra onde? – Tô levando uma turma para a plataforma P26. – Ué, você não tava voando com o Pedro? Cadê ele? – Nem te conto. Foi despedido de uma hora pra outra. Ele tava reclamando de dores na coluna e não tava aguentando pilotar. Então, foi ao médico e pegou um atestado para dois dias e, quando voltou, tava na rua. Os caras não querem nem saber. – Pois é, a gente tem que se cuidar! Faça um teste com os seus companheiros aeronavegantes. Pergunte, aleatoriamente, quem apresenta ou já apresentou algum sintoma de “dor nas costas” (nas suas várias manifestações), em algum momento de sua vida profissional. Você ficará surpreso ao verificar que muitos responderão positivamente. Muitas são as causas do sintoma “dor nas costas” na rotina da clínica médica, considerando-se a população em geral. Podem ser citados, como exemplos: desequilíbrios musculares, protusão discal, hérnia discal, má postura, tumores, e outros. O aeronavegante, além de estar sujeito a todas as forças negativas inerentes à postura bípede do homem, paga um preço bem alto, quando se aventura a voar. Essa afirmativa se torna mais expressiva quando se considera o voo de helicóptero. Nesse voo, a vibração e a ergonomia da aeronave contribuem para uma sobrecarga maior para toda a coluna vertebral, havendo, conseqüentemente, maior número de profissionais com queixas de lombalgia e/ou cervicalgia, nesse universo. As estatísticas mostram que a prevalência de “dores nas costas” em pilotos de helicópteros chega quase a 90%. Esse número isolado já reflete o quanto é delicado esse assunto, se raciocinarmos da seguinte forma: será conveniente à saúde do aeronavegante o exercício de sua profissão sob ação desconfortante da dor? Será conveniente à segurança de voo a presença da lombalgia ou cervicalgia agindo desfavoravelmente, tanto na concentração daquele profissional, quanto na sua performance? É de extrema importância, portanto, respondermos a duas questões fundamentais, nesse cenário: 1. Por que é tão prevalente essa patologia entre os aeronavegantes? 2. Como se prevenir de tal quadro clínico? Para responder à primeira pergunta, deve-se entender que o aeronavegante muitas vezes permanece na mesma posição por horas seguidas sob estresse psicológico e físico inerente à própria atividade, o que, por si só, já favorece o aparecimento do quadro clínico expresso pela queixa de “dor nas costas”. Aliado a esse fator, que é comum a todos os aeronavegantes, pode-se citar como um grande complicador a ergonomia de muitas aeronaves, que favorece os desequilíbrios musculares, posturas inadequadas e, em decorrência, o desenvolvimento do quadro de lombalgias e/ou cervicalgias. Ao examinar a ergonomia das aeronaves de asas rotativas, por exemplo, observamos que a postura do piloto durante o voo é com o tronco ligeiramente girado para a esquerda e, simultaneamente, ligeiramente inclinado para frente, culminando, ao longo do tempo, em alterações posturais importantes da coluna vertebral, sobrecarregando grupos musculares e outras estruturas anatômicas de forma significativa (FIG.1). FIG.1 Ilustração da postura que o piloto de helicóptero mantém durante o voo (foto do Artigo Técnico – ANAC: “O piloto e o helicóptero”) Tal postura é responsável pelo encurtamento muscular unilateral da musculatura que sustenta o corpo e que está ligada à coluna vertebral, resultando em dores e alterações músculoesqueléticas importantes. Ainda respondendo à primeira questão, outro importante fator para maior prevalência de lombalgias e cervicalgias em aeronavegantes é o elemento “vibração”, tão presente nos helicópteros. A fim de entender seu modo de ação, inicialmente é imperativo defini-la: “VIBRAÇÃO é uma onda mecânica que se propaga pela estrutura com a qual faz contato”, sendo de conhecimento científico que, quanto mais próxima a frequência de vibração estiver da freqüência de ressonância do tecido, de maneira mais intensa este responderá aos efeitos prejudiciais desse fator. Tal informação é relevante quando se entende que a freqüência de ressonância da coluna vertebral é muito próxima à freqüência de vibração do rotor principal da maioria das aeronaves de asas rotativas, em torno de 4 a 8 Hz, o que contribui para que a coluna vertebral responda de maneira muito negativa à vibração. Essa ação mecânica leva a um prejuízo direto nos discos intervertebrais, além de provocar maior compressão nesse nível quando o indivíduo se encontra sentado. Outro aspecto importante é a resposta muscular adjacente a essa estrutura, que mantém uma contração rítmica em resposta à vibração. Dessa forma, existe um aumento da força compressiva sobre a coluna, que já se encontra em rotação pelo próprio padrão do voo, como já evidenciado. Aqui, cabe salientar que o tecido adiposo amplifica os efeitos prejudiciais da vibração nos tecidos e articulações, em especial na coluna vertebral. Uma vez estabelecidos os vários fatores estressogênicos aos aeronavegantes e seu sistema osteomuscular – no contexto deste artigo, sua coluna vertebral –, torna-se possível traçar estratégias preventivas para que se impeçam ou se minimizem todos os prejuízos causados pela rotina laboral desse grupo de profissionais. AUTO -ALONGAMENTO 0. Inicialmente, deitar-se sobre uma superfície rígida, com todos os segmentos do corpo apoiados, procurando se conscientizar da postura corporal adotada. Respiração tranquila. 1. Abraçar os dois joelhos fletidos juntos. 2. Abraçar um joelho fletido de cada vez. 3. Sentar-se com a coluna apoiada na parede, abraçar os dois joelhos fletidos juntos. 4. Sentar-se com a coluna apoiada na parede, jogar o joelho fletido para o lado contralateral e abraçá-lo levando a uma rotação do tronco. 5. Ainda sentado, com apoio na parede, estender as duas pernas e flexionar os pés – dorso flexão. 6. No próximo passo, apoiar os braços na parede, flexionando o tronco, alongando a coluna, os braços e a região peitoral. 7. De pé, com as pernas fechadas, lateralizar o tronco usando o peso do corpo para maior eficiência do alongamento. Abaixo são apresentadas as várias medidas preventivas que podem ser adotadas para se obter melhor qualidade de vida, tanto em curto quanto em médio e longo prazos, sempre visando ao equilíbrio entre os aspectos profissionais e individuais dos aeronavegantes. 1. TRABALHO DE ALONGAMENTO – visando à simetria muscular, principalmente da musculatura anterior e lateral de tronco, musculatura posterior de perna, musculatura anterior de pescoço e de quadril. Dessa forma, enfatizamos o AUTO-ALONGAMENTO, antes e após a atividade de voo, melhorando a postura e minimizando possíveis quadros álgicos. Ao lado, sugerimos sete posições de fácil execução que devem ser realizadas em duas séries de trinta segundos para cada exercício – lado direito e esquerdo (tempo total: 7 a 10 minutos). 2. TRABALHO POSTURAL GLOBAL, SOB SUPERVISÃO ESPECIALIZADA – no mínimo, duas vezes por semana, objetivando estabilização, alongamento e fortalecimento, tanto da musculatura utilizada na atividade, quanto da musculatura profunda de estabilização que se encontra inibida na presença do quadro álgico. Para esse trabalho, o ideal é procurar profissionais da área de FISIOTERAPIA que sejam especialistas nas técnicas de RGP e/ou PILATES, e/ou ISOSTRETCHING, sendo fundamental a inclusão, na terapêutica, de técnicas de “estabilização segmentar” no tratamento. 3. Manutenção do peso corporal dentro dos parâmetros da normalidade, para evitar que o tecido adiposo seja um amplificador dos efeitos prejudiciais da vibração sobre o organismo, no caso das aeronaves de asas rotativas. 4. Manutenção de atividade física regular, preparando assim todo o sistema musculoesquelético para a rotina extenuante à qual é submetido o aeronavegante. Cabe ressaltar que algumas lesões em discos intervertebrais (Ex.: hérnia discal), ou seja, na coluna vertebral, têm caráter irreversível. Uma vez presentes, resta somente a estabilização do quadro por meio de medidas terapêuticas conservadoras ou, mesmo, intervenção cirúrgica. Podemos concluir que, na atividade aérea, o organismo está a todo instante sendo testado na sua capacidade de resistência e adaptação. Aos profissionais dessa área deve ser dado todo o esclarecimento necessário, a fim de que possam fazer das medidas de prevenção uma rotina diária e consciente, objetivando equilíbrio físico e psíquico, tanto na vida profissional quanto na vida pessoal. Todos devem ter em mente que cuidar do corpo é um investimento de longo prazo com retorno garantido. A vida há de cobrar! Texto: Major Carla Lobo Loureiro A autora é oficial do Exército Brasileiro, graduada em medicina pela UFRJ, possui o Curso de Formação de Oficial Médico da Escola de Saúde do Exército, Curso de Especialização em Medicina Aeroespacial da Universidade da Força Aérea (UNIFA) e o Curso de Investigação de Acidentes Aeronáuticos – Fator Humano - do CENIPA. Atualmente é membro da Junta de Inspeção de Saúde do Comando de Aviação do Exército. Fabrício Lisboa Azzolini O autor é fisioterapeuta, graduado em pela Universidade de Taubaté, pós graduado em Ortopedia Traumato Desportiva pela Universidade de Taubaté, especialista em Reeducação Postural Global (RPG) e Pilates pelo Centro Brasileiro De Fisioterapia (CBF). Atualmente é integrante do Centro Integrado de Reabilitação (CIR) do município de Caçapava e atua na área traumato desportiva do município de Taubaté. SIMULAÇÃO: O USO DA TECNOLOGIA EM PROL DA SEGURANÇA DE VOO O domínio do espaço aéreo representa uma vantagem estratégica definitiva em situações de conflito, como comprovado nas Guerras do Golfo. Esse fenômeno tem exigido investimentos crescentes dos exércitos, em suas forças de aviação. Um resultado imediato desse processo é o aumento do número de tripulações a serem treinadas, o que representa aumento de custos para as instituições envolvidas, militares ou civis. Uma vez que o mais caro elemento envolvido no voo é a vida humana, a questão da segurança de voo deve ter sempre prioridade, principalmente no que se refere ao treinamento das tripulações, responsáveis diretos pelas vidas transportadas. Diante da necessidade de treinar e qualificar cada vez mais pilotos e operadores de sistemas aéreos (como controladores de espaço aéreo e tripulações), a ciência da simulação vem ampliando o seu espaço no Mundo da Aviação. O desenvolvimento da tecnologia tem permitido a criação de sistemas que reproduzem com grande fidelidade os mais diversos e complexos sistemas reais. O treinamento de voo com uso de simuladores tem duas grandes vantagens sobre o treinamento de voo em aeronaves reais. A primeira delas refere-se ao custo. Uma vez desenvolvido o simulador, os custos da hora de treinamento são consideravelmente menores, quando comparados ao custo da hora de voo em uma aeronave real. A segunda relacionase à possibilidade de treinar as tripulações no desempenho de procedimentos que não podem ser treinados com segurança em um voo real, devido ao alto risco envolvido como, por exemplo, no caso de perda de motor, panes em sistemas vitais e operação em condições extremas. Para segurança de voo, a simulação apresenta três grandes vantagens: 1- A possibilidade de oferecer um treinamento realístico ao piloto iniciante, reduzindo riscos de acidentes nas fases iniciais do processo de treinamento; 2- A possibilidade de realizar um número muito maior de horas de treinamento a um custo reduzido, melhorando a qualificação do piloto; 3- A possibilidade de treinar procedimentos de resposta a situações que jamais poderiam ser treinadas com segurança no voo real. Naturalmente, para garantir a eficácia do treinamento é fundamental observar o grau de realismo oferecido pelo sistema de simulação, ou seja, o grau de fidelidade da reprodução das condições simuladas. Nesse ponto entra um elemento técnico de grande importância: a certificação do produto/sistema. A certificação de um produto é, muitas vezes, vista como um processo caro e burocrático. Todavia, é esse processo que assegura o cumprimento dos requisitos necessários para se alcançar os resultados pretendidos. No caso do simulador, é o processo de certificação que permitirá avaliar com que fidelidade o simulador “imita” a aeronave e, portanto, qual sua eficácia como ferramenta de treinamento. A cerificação é, na realidade, uma verificação do projeto fundamentada em um documento de referência, a “base de certificação”, constituída por um conjunto de normas reconhecidas nacional ou internacionalmente. À luz das normas definidas na base de certificação é feita, então, uma verificação do cumprimento de um conjunto predefinido de requisitos pelo produto/sistema que está sendo avaliado. Ela é, portanto, a garantia de funcionalidade do produto/ sistema certificado. Um órgão internacionalmente reconhecido como paradigma na questão da normatização na aviação é a Federal Aviation Administration (FAA), norte-americana. Esse órgão edita normas que são adaptadas e adotadas por diversas agências de aviação no mundo, inclusive a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) brasileira. Cabe ressaltar que, no caso da aviação civil, a regulamentação brasileira exige o cumprimento de normas editadas pela ANAC, para certificação de simuladores. No Brasil, a ANAC adota a norma FAR-60 [1], editada pela FAA, como referência para a certificação de treinadores e de simuladores de voo. A utilização de um treinador de voo certificado pode substituir até 70 horas de voo em uma aeronave real no ciclo completo de formação de um piloto de helicópteros. No caso do emprego de um simulador de voo certificado, esse total pode chegar a 145 horas de voo. Adicionalmente, a habilitação de tipo, bem como sua revalidação, podem ser realizadas com o emprego de um simulador certificado [2]. A TECNOLOGIA À DISPOSIÇÃO DA SEGURANÇA NA AVIAÇÃO DO EXÉRCITO Com vistas ao aprimoramento da qualidade do treinamento de seus pilotos, a Aviação do Exército busca a implantação de um Centro de Simulação de Voo para o treinamento de seus pilotos. O Centro de Instrução da Aviação do Exército (CIAvEx) já tem, funcionando em suas instalações, um conjunto de cinco treinadores da aeronave Esquilo que permitem o treinamento de diversos procedimentos de voo, além de possibilitarem o adestramento quanto ao emprego tático de uma fração de helicópteros, por meio da integração em rede dos treinadores. Foto: Central de controle do Treinador Sintético do Centro de Instrução de Aviação do Exército Encontra-se também em desenvolvimento pelo Centro Tecnológico do Exército (CTEx), por intermédio de seu Grupo de Apoio à Aviação do Exército (GApAvEx), o Simulador do Helicóptero Fennec (SHEFE), que deverá integrar o Centro de Simulação de Voo da Aviação do Exército. O CTEx é um órgão integrante do Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército (SCTEx), cuja missão precípua é a pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental de produtos de defesa. As tecnologias associadas ao desenvolvimento de simuladores envolvem quatro grandes desafios [3]: o sistema visual, a plataforma de movimento, o modelo de simulação e a integração dos sistemas, de forma a atender aos requisitos de certificação que garante o grau de realismo e, consequentemente, a eficácia do simulador como ferramenta de treinamento. O desafio do sistema visual exige que o piloto se sinta num ambiente idêntico ao que encontraria durante o voo real com a aeronave, com um amplo campo visual, sem distorções ou descontinuidades, além de uma altíssima definição das imagens, que devem representar com fidedignidade os locais onde o piloto voará. Uma vez que os helicópteros voam a baixa altura, o nível de definição das imagens deve reproduzir o cenário com elevado realismo e grau de detalhamento. Outro fator importante é a grande manobrabilidade do helicóptero, o que exige que os processadores do sistema visual construam imagens em altíssima velocidade. A plataforma de movimento deve movimentar-se com seis graus de liberdade, isto é, transladar e rolar nos três eixos possíveis, garantindo tempos de resposta compatíveis com as respostas aerodinâmicas de uma aeronave real, conforme previsto na norma de certificação, que, no caso deste projeto, garantirá o nível B de certificação da FAA. O maior desafio tecnológico e o maior custo de um simulador estão relacionados ao desenvolvimento do modelo de simulação. Trata-se de uma tecnologia sensível e complexa, dominada por poucos países. É a fidelidade do modelo de simulação que assegura que o simulador se comporte e apresente respostas idênticas às da aeronave simulada. Para fins de certificação, exigese que os dados de desempenho da aeronave simulada sejam conhecidos em detalhes e que o simulador consiga demonstrar objetivamente sua capacidade de reproduzir tal desempenho. Em regra, para alcançar esse objetivo é necessária a realização de campanhas de ensaios em voo. O modelo de simulação está sendo projetado e implementado de forma modular, e seu domínio garantirá a possibilidade do desenvolvimento de simuladores para as demais aeronaves da Aviação do Exército. Quanto à integração, esta é sempre um grande desafio em projetos de engenharia multidisciplinares. A capacidade de responder conforme a manobrabilidade (resposta do sistema aos comandos) e a maneabilidade (sensibilidade da resposta aos comandos) da aeronave real envolve a capacidade de integrar corretamente o conjunto de comandos, a plataforma, os aviônicos, o sistema visual e os demais dispositivos de cabine, de forma que o piloto tenha a sensação de voo real. Atualmente, a primeira versão do protótipo do simulador SHEFE, para a Aviação do Exército, encontra-se em fase final de desenvolvimento, contando com o assessoramento técnico prestado por instrutores de voo do CIAvEx que integram a equipe do projeto. Com o projeto SHEFE, o CTEx visa oferecer sua contribuição científica e tecnológica ao aprimoramento da capacidade de treinamento da Aviação do Exército e, por conseguinte, à segurança de voo. A simulação mostra-se, portanto, como uma poderosa ferramenta para o treinamento dos profissionais de voo, sendo elemento cada vez mais fundamental no aperfeiçoamento do treinamento, aumentando a segurança dos alunos e dos sistemas. Sem dúvida, é uma aplicação da tecnologia em prol da segurança e da qualidade do treinamento, na qual a segurança de voo certamente está incluída. Texto: Marcelo Buonocore Nunes O autor, oficial do Exército Brasileiro, é formado pelo Instituto Militar de Engenharia, mestre em Ciências da Computação pelo Instituto Militar de Engenharia, doutorando no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, com especialização e recebimento de Aeronaves pelo Grupo Especial de Ensaios em Voo do CTA. Atualmente, exerce a função de Chefe do Escritório do CTEx de Taubaté. E-mail: [email protected] Referências: [1] Federal Aviation Administration, FAR-60 Flight simulation training device initial and continuing qualification and use. [2] Agência Nacional de Aviação Civil, RBHA 061 requisitos para concessão de licenças de pilotos e instrutores de voo. [3] Centro Tecnológico do Exército, Projeto Básico do Simulador para Helicópteros Esquilo e Fennec M3 (Simulador SHEFE M3). Foto: Simulação de um voo noturno com óculos de visão noturna no treinador sintético do CIAvEx RECUPERAÇÃO DE ATITUDES ANORMAIS EM HELICÓPTEROS Como interromper um acidente em andamento CONHECENDO O PROBLEMA Todo aviador, seja ele piloto de avião ou de helicóptero, já ouviu as expressões atitude anormal, desorientação espacial e vertigem, além da sigla CFIT (controlled flight into terrain – voo controlado através do terreno). Muitos, porém, não possuem clara noção do que cada um desses conceitos significa, nem como se relacionam. CFIT denomina um tipo de acidente em que uma aeronave perfeitamente controlável colide em voo com o relevo, seja ele solo ou água. É a conseqüência final de um dos dois tipos de desorientação espacial: a geográfica (ou de navegação) e a espacial (relativa à atitude da aeronave). Os dois tipos de desorientação espacial são ligados à consciência situacional do piloto nos controles da aeronave (pilot at controls – PAC). Na desorientação espacial geográfica, o piloto perde a noção da posição da aeronave em relação a sua navegação, seja ela horizontal (posição no mapa) ou vertical (altura em relação ao terreno). A aeronave, então em voo controlado, colide com o terreno por estar em local e/ou altitude indevidos. Ocorre um CFIT, classificado como “colisão em voo com obstáculo”. Para que se possa compreender o outro tipo de desorientação espacial, é preciso considerar os eixos da aeronave: longitudinal, lateral e vertical. Os ângulos formados entre os eixos longitudinal e lateral em relação ao plano do horizonte definem a atitude de cabrada (pitch) e inclinação (roll) da aeronave. O movimento da aeronave ao redor do eixo vertical define sua guinada (yaw). Para a pilotagem de aviões, as atitudes de cabrada e inclinação são mais relevantes do que a de guinada, que neles é limitada. No caso dos helicópteros, porém, quando voando a baixa velocidade ou no pairado, a atitude de guinada é de relevância crucial para o controle da aeronave. A expressão atitude anormal descreve a situação em que os eixos de orientação da aeronave passam por posições, em relação ao plano horizontal da terra, sem ter havido um comando consciente do piloto (PAC). Problemas mecânicos ou hidráulicos que afetem os comandos de voo, problemas elétricos como disparos dos compensadores (beep trim, trim release, force trim, etc.) e panes nos sistemas eletrônicos do piloto automático ou nos sistemas de incremento de estabilidade (stability augmentation system – SAS), bem como deslocamento de carga que alterem o centro de gravidade, podem fazer com que uma aeronave entre em atitude anormal. Fenômenos meteorológicos, como tesouras de vento (wind shear) e nuvens com grande desenvolvimento vertical (CB e TCU) também podem causar a atitude anormal. Além disso, um piloto com a consciência situacional diminuída, por efeito de desorientação espacial relativa à atitude, pode comandar a aeronave de forma involuntária, colocando-a em atitude anormal. Em qualquer dos casos, se a atitude normal não for recuperada, pode ocorrer um acidente classificado como “com comandos de voo”, “falha de sistema”, “com carga” ou “perda do controle em voo”, dependendo de qual foi a primeira situação ocorrida, na sequência de eventos. A vertigem é a sensação de desorientação, um desconforto advindo do conflito das informações sensoriais recebidas por uma pessoa. Pode acontecer sem desorientação espacial e vice-versa. Qualquer pessoa pode ter sensação de vertigem, estando a bordo de uma aeronave que esteja voando perfeitamente nivelada, inclusive os pilotos, principalmente durante voos com visibilidade restrita ou em situação de poucas referências visuais (voo visual noturno ou sobre terrenos com cobertura muito homogênea, como selva, mar, dunas de areia, neve, etc.). A vertigem, por si só, não gera acidentes aeronáuticos. Pilotos são treinados para manter o controle da aeronave e sua orientação espacial, mesmo com a sensação de vertigem. A vertigem sentida pelo piloto é um indicador de que as condições para ocorrer a desorientação espacial estão presentes. A desorientação espacial (de qualquer dos dois tipos) é um efeito cognitivo ligado à consciência situacional, e pode se tornar a origem de acidentes. Já a atitude anormal é uma conseqüência de problemas com a aeronave ou da desorientação espacial do piloto (PAC). O CFIT é um tipo de acidente, e a vertigem é uma sensação desconfortável de desorientação que pode ocorrer sem que a aeronave esteja em atitude anormal. A desorientação espacial ocorre na cabeça do piloto, é sutil e geralmente começa com pouca amplitude. A atitude anormal ocorre com a aeronave, e tende a ser agressiva e de grande amplitude. MEDIDAS DE PREVENÇÃO Nos casos das atitudes anormais causadas por problemas mecânicos, os pilotos têm pouca ou nenhuma ação para evitar as conseqüências. A pilotagem pode se tornar impossível, e as medidas de prevenção para evitar acidentes dessa natureza são voltadas para a manutenção das aeronaves e para o correto posicionamento e amarração das cargas transportadas. A regra para evitar que a vertigem se torne, efetivamente, um caso de desorientação espacial e que leve a uma atitude anormal da aeronave, é manter a pilotagem da aeronave confiando nos instrumentos de voo. É o caso clássico da desorientação espacial ocorrida durante o voo e em condições meteorológicas por instrumentos (IMC). A prevenção dos casos de CFIT está relacionada com a adoção de meios para evitar a desorientação espacial do tipo geográfica. São medidas voltadas para o acompanhamento da navegação da aeronave, a correção e atualização dos auxílios disponíveis e a não-complacência com os sistemas automatizados de auxílio à navegação: FMS (flight management system), GPS, pilotos automáticos, etc. Todos esses casos são extensamente documentados e tratados em trabalhos específicos. O foco deste artigo volta-se, então, para a prevenção dos casos de acidentes por perda de controle em voo, causados por fenômenos meteorológicos ou gerados pela desorientação espacial do PAC relativa à atitude da aeronave, quando a mesma ainda está em condições aeronavegáveis, ou seja, sem panes que impeçam a sua pilotagem efetiva. A primeira medida de prevenção consiste em buscar e identificar constantemente a presença de fenômenos meteorológicos indesejáveis e de condições que favoreçam a perda da orientação espacial. A ausência de horizonte definido, obscurecido por bruma ou névoa, e voos de frente para o sol nascente ou poente são algumas dessas condições. O pouso em áreas não preparadas pode suspender grande quantidade de poeira, que envolve o helicóptero (brown-out). O voo sobre grandes extensões de areia branca ou neve causa o fenômeno do ofuscamento (white-out). O voo sobre o mar, sem a visão da linha da costa, e sobre a selva, principalmente a baixa altura, bem como o voo visual noturno sobre locais sem fontes luminosas extensas, constituem ambientes que aumentam o risco de desorientação espacial. Uma vez que o piloto reconheça que as condições como as descritas acima estão presentes, deve intensificar o cheque cruzado com os instrumentos de voo, principalmente com o horizonte artificial. Determinar de forma clara a altura/altitude e a proa a ser mantida também auxilia a percepção e a correção de desvios, enquanto eles são de pouca importância. Todos os recursos existentes no painel da aeronave, como a seta do HSI, o “bug” do HDG e do radar-altímetro, devem ser usados de forma efetiva, colocando-se o HSI e o HDG na proa a ser mantida, e o BUG do radar altímetro, na altura mínima aceitável. Da mesma forma, se é necessário que o piloto nos controles da aeronave olhe diretamente para baixo ou se concentre no terreno, o outro piloto deverá monitorar os parâmetros de altura, velocidade, inclinação, razão de subida ou descida, ângulo de cabrada, etc., informando ao PAC, claramente, os limites estipulados quando estiverem próximos ou forem atingidos, e assumindo os comandos da aeronave quando esses limites estiverem na iminência de ser ultrapassados. Essa condição é comum em voos de busca sobre o mar ou selva, durante o circuito de tráfego para aproximação em área restrita e em voos de helicópteros policiais sobre áreas de risco ou favelas, por exemplo. Cabe ao setor de operações estabelecer, para cada tipo de voo, quais parâmetros devem ser informados, caso atingidos, e a partir de quais valores o outro piloto deverá assumir os comandos da aeronave. AS MANOBRAS DE RECUPERAÇÃO DE ATITUDES ANORMAIS EM HELICÓPTEROS Diversos acidentes com helicópteros aconteceram por entrada em atitude anormal em situações em que a aeronave ainda estava em condições de ser pilotada adequadamente. Correntes verticais de ar dentro de nuvens tipo TCU, desorientação espacial relativa à atitude da aeronave em voos sobre o mar e durante voos noturnos a baixa altura sobre regiões desabitadas são apenas algumas das situações descritas em Relatórios Finais de acidentes do CENIPA. Apesar disso, inexiste um protocolo padrão para a recuperação do controle de um helicóptero que esteja em atitude anormal. Muitas vezes a reação dos pilotos não é adequada, o que agrava a situação. Como referência, existe o exemplo do treinamento realizado para as aeronaves de asas fixas. Na Academia da Força Aérea, os cadetes são treinados, em aviões, para efetuar a recuperação de atitudes anormais em duas situações: atitude picada com alta velocidade e atitude cabrada com baixa velocidade. O protocolo de atuação para o primeiro caso é: nivelar as asas reduzindo a potência do motor e “trazer” o nariz da aeronave até o horizonte, ajustando o motor para o regime desejado quando o “climb” estiver positivo. Na segunda situação, de atitude cabrada e baixa velocidade, o comportamento padronizado a ser executado é: completar o motor “a pleno”, inclinar a aeronave até 90o (em voo visual) ou até 45o (em voo por instrumentos), deixar o nariz “cair” até o horizonte e, então, nivelar as asas, ajustando o regime do motor. Ambas as situações são treinadas em situação de voo VMC, na fase de manobras e acrobacias, e IMC, na fase básica de voo por instrumentos. A execução da recuperação é feita passo a passo. Primeiro nivelam-se as asas, reduzindo-se a potência do motor, depois cabra-se a aeronave, etc. Caso a situação de aeronave cabrada com baixa velocidade leve à entrada inadvertida em parafuso, faz-se a recuperação conforme treinado na fase de pré-solo. Os protocolos descritos, apesar de adequados para aviões, não servem como orientação para a recuperação de atitudes anormais em helicópteros em baixa velocidade. Para estes, serão propostos três procedimentos de recuperação para três situações de atitude anormal. Os dois primeiros são semelhantes aos adotados para aeronaves de asas fixas: Recuperação de atitude anormal picada com velocidade acima da Vy IMPLEMENTANDO TREINAMENTO TEÓRICO E PRÁTICO Nessa situação, o maior risco é o de a aeronave colidir com o solo. Ao perceber que o helicóptero está com atitude picada e velocidade acima da Vy, qualquer que seja o ângulo de inclinação, o piloto deverá: 1) Nivelar a inclinação lateral do helicóptero; 2) Aumentar o passo coletivo até o limite máximo; e 3) Cabrar o helicóptero até a atitude de voo nivelado (climb em zero). Quando a aeronave estiver estabilizada em voo nivelado, ajustar a potência para manter o voo nivelado. Todo treinamento, para ser eficaz, deve efetuar uma mudança de comportamento real, baseada em conhecimento teórico e prático e gerando uma resposta condicionada adequada para as situaçõesproblema. A implementação do treinamento de recuperação de atitudes anormais em helicópteros deve levar em consideração a necessidade do entendimento da teoria descrita no início deste artigo, eliminando assim a confusão entre os diversos conceitos envolvidos. O estudo dos casos de acidentes, principalmente daqueles nos quais as aeronaves permaneciam em condições de ser controladas, é importante para a criação de uma representação mental dos cenários onde as ações de recuperação de atitudes anormais podem ser necessárias. A prática em simulador ou em treinador sintético de voo possibilita a experimentação prática, facilitando a identificação das três situações possíveis e o condicionamento da execução das manobras de recuperação. Essas situações podem ser treinadas em voo, uma vez que não é necessário extrapolar qualquer limite da aeronave. Para tal, devem ser tomadas precauções adequadas de segurança: adoção de alturas mínimas para o treinamento, estabelecimento de parâmetros para o início das manobras nas três condições, e a obrigatoriedade de se executar o terceiro caso (velocidade abaixo da Vy), aproado com o vento e em altura compatível com o diagrama altura x velocidade (curva do homemmorto). É interessante que o terceiro protocolo seja treinado em velocidades logo abaixo da Vy (p. ex.: 55Kt), em velocidades baixas (p. ex.: 30Kt) e com velocidade próxima a zero. É importante, também, que todos os pilotos saibam executar as manobras em condições VMC e em condições IMC, de acordo com suas capacidades operacionais. As recuperações de atitudes anormais em ambientes que favoreçam a desorientação espacial (voo noturno ou sobre mar e selva, etc.) devem sempre ser executadas por meio das referências dos instrumentos. Para tal, o treinamento de voo por instrumentos sob capota é perfeitamente adequado. Conhecimento teórico e experimentação prática, em voo simulado ou real, são poderosas ferramentas para a ampliação da consciência situacional dos pilotos. Dentre todas as vítimas dos acidentes causados por desorientação espacial e entrada em atitude anormal, os pilotos são os únicos que podem fazer algo para interromper o ciclo de eventos que pode culminar com a queda da sua aeronave. Recuperação de atitude anormal cabrada com velocidade acima da Vy O problema da atitude anormalmente cabrada, independentemente da potência aplicada, é a aeronave perder velocidade até que esta caia abaixo da Vy. Para evitar isso, ao perceber que o helicóptero está com atitude cabrada e velocidade acima da Vy, qualquer que seja o ângulo de inclinação, o piloto deverá: 1) Aumentar a inclinação lateral do helicóptero até 45o (VMC) ou 30º (IMC)1 , ou outro limite menor, se houver; 2) Manter o passo coletivo em potência de voo de cruzeiro; 3) Aplicar pedal suavemente para o mesmo lado da inclinação da aeronave, de forma a levar o nariz, em diagonal, até o horizonte ou ligeiramente abaixo deste (climb em zero); 4) Desinclinar o helicóptero lateralmente até a atitude de voo nivelado. Quando a aeronave estiver estabilizada em voo nivelado, ajustar a potência para manter o voo nivelado e retornar em curva para a proa desejada. Recuperação de atitude normal com velocidade abaixo da Vy Nesse caso, o maior risco envolvido é a perda do controle da proa da aeronave, devido ao voo em baixa velocidade sem referências. A aeronave fica sujeita a perda de efetividade do rotor de cauda, caso comece a girar inadvertidamente, e o piloto pode entrar em desorientação espacial. Para evitar o agravamento dessa situação, ao perceber que o helicóptero está com velocidade abaixo da Vy, independentemente de a atitude do helicóptero estar cabrada ou picada, o piloto deverá: 1) Manter a proa pelo cartão da bússola e atuar nos pedais; 2) Reduzir a potência para um valor médio (potência de espera ou potência mínima para voo nivelado), nivelando a inclinação lateral; 3) Picar a aeronave até 15o abaixo do horizonte e manter essa atitude até a velocidade começar a aumentar (permitindo razão de descida compatível com a altura do helicóptero) – pode levar alguns longos segundos; 4) Completar a potência suavemente, mantendo a proa; e 5) Após atingir a Vy, cabrar a aeronave suavemente, até o voo nivelado (climb zero), mantendo o aumento de velocidade. Quando a aeronave estiver estabilizada em voo nivelado, ajustar a potência para manter o voo nivelado. Texto: Cap Av Felipe Koeller Rodrigues Vieira O autor é oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), Oficial de Segurança de Voo e instrutor de voo em helicópteros H-34 Super Puma. Atualmente atua como Investigador Sênior de acidentes aeronáuticos no Terceiro Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – SERIPA III. E-mail: [email protected] 1 VMC: Visual Meteorological Condition, condição meteorológica para voo visual; e IMC: Instrument Meteorological Condition, condição meteorológica para voo por instrumentos.