“A Segurança em suas mãos”
Esta frase é estampada nas capas das edições da Revista
Dédalo e, juntamente com a imagem, em primeiro plano, da mão de
um aeronavegante, tem por objetivo apresentar a mensagem de
que cada integrante da comunidade aviatória deve procurar
desempenhar um papel pró-ativo para contribuir com a anulação ou
mitigação dos fatores que levam aos incidentes/acidentes
Gen Bda Roberto Sebastião Peternelli Júnior
aeronáuticos. É uma frase que atribui responsabilidade, não só para
quem está na ponta da linha, operando as aeronaves, como também
Universidade de Taubaté - UNITAU
para todos os envolvidos na atividade aérea, sejam órgãos normativos
Ten Cel R-1 Jocelyn Santos Reis - CENIPA
e reguladores, sejam organizações civis e militares operadoras,
empresas que vendem produtos ou prestam serviços aeronáuticos
Ten Cel Evandro Luis Lopes Ferreira - CAvEx
e, inclusive, para aqueles que buscam difundir a filosofia e os preceitos
Maj Henrique Rubens Balta de Oliveira - CCPAB
da Segurança de Voo. Para nós, mais que uma responsabilidade, é
Maj Ronaldo Medeiros Lopes - CAvEx
um ideal.
No princípio do ano, iniciam-se os trabalhos para a produção
Maj Antônio Geraldo Rodrigues - CAvEx
de mais uma edição da revista, e eis que os céus se tingem de negro.
Maj Marcello Campos de Sá - CENIPA
É a crise que se apresenta e, com ela, todas as dificuldades inerentes.
Como levar adiante o ideal? Como contornar os óbices? Como manter
Maj Marcelo Buonocore Nunes - CTEx
viva a Revista Dédalo?
Maj Med Carla Lobo Loureiro - CAvEx
Há um ditado que diz: “Nos momentos de dificuldades
Cap Felipes Koeller Rodrigues Vieira - SERIPA III encontramos os verdadeiros amigos”. A experiência de produzir a
edição deste ano nos leva a escrevê-lo de outra forma: “Durante
Cap André Luiz Pereira Santos - 1º BAvEx
uma crise é que reconhecemos os parceiros”, pois, quando não se
Cap Artur Gonçalves Ferreira - 2/6 GAV
via um horizonte favorável, e quando a solução que se impunha era
Cap Rodrigo Machado de Albuquerque - 1º BAvEx desistência, apresentaram-se os entusiastas e admiradores da
Revista Dédalo, com suas palavras de estímulo e incentivo; os
Cap Leonardo Gomes Saraiva - CIAvEx
articulistas, que se esmeraram em produzir artigos de qualidade, e
Cap Leonardo Celso de Almeida Alves - 3º BAvEx as empresas que, a despeito das dificuldades econômicas, se
propuseram a apoiá-la. Se mais uma vez conseguimos cumprir o
1º Ten Fabiano Fernandes Crovato - 2º BAvEx
nosso papel de instrumento de difusão da Segurança de Voo,
1º Ten Raphael Gomes Cortes - B Mnt Sup AvEx
devemos muito a esses parceiros.
Dentre os entusiastas e colaboradores, queremos destacar
2º Ten Alessandra Gleysse Del Guerra Scigliano um, a quem dedicamos esta edição, para prestar justa homenagem
CAvEx
a um excelente e abnegado profissional, por meio do qual
2º Sgt Alexandre Cordeiro da Silva - CIAvEx
homenageamos a todos. Trata-se do Prof. Joel Abdala, mestre em
3º Sgt Cícero de Oliveira Neto - CIAvEx
língua portuguesa que há vários anos tem sido o revisor da Revista
Dédalo. Mais uma vez, demonstrou ser uma pessoa especial, pois,
mesmo estando na condição de convalescente de cirurgia cardíaca,
prontificou-se a revisar a presente edição, tendo, inclusive, trabalhado
PROJETO, DIREÇÃO E COORDENAÇÃO
de madrugada e em momentos que deviam ser destinados ao lazer.
Miriam Pasquini Zani
Para nós, foi uma injeção de ânimo ver o comprometimento com
a Segurança de Voo de alguém que não pertence à comunidade
JORNALISTA RESPONSÁVEL
aviatória. Um fato que nos sensibilizou profundamente e que
Miriam Pasquini Zani (Mtb 36291)
deve ser louvado.
Os nossos agradecimentos ao Prof. Joel e a todos
REVISÃO
os entusiastas, colaboradores e parceiros, por
Prof. Ms Joel Abdala - GELP/UNITAU
terem possibilitado mais uma edição da
Revista Dédalo e a continuidade
IMPRESSÃO - Resolução Gráfica
da realização de um ideal.
A Revista Dédalo é mais uma publicação do
Studio Águia Editora
Fone:12 2123-7511 - e-mail: [email protected]
Seção de Segurança de Vôo do
Comando de Aviação do Exército
Fone/Fax: (0xx) 12 2123-7353
e-mail: [email protected]
A Revista Dédalo não se responsabiliza pelos
conceitos emitidos nos artigos assinados.
É proibida a reprodução parcial ou integral dos
textos, fotos e ilustrações sem a autorização do
Studio Águia Editora ou dos autores.
Entrevista com o General de Brigada Roberto
Sebastião Peternelli
Júnior - Comandante
de Aviação do Exército
Os temidos cumulonimbus e as formas
de evitá-los e enfrentálos
Hierarquia e disciplina
X Segurança de Voo
CRM – Sob uma nova
proposta metodológica
Manutenção e Segurança de Voo - um
desafio constante
O perigo da fauna no
Brasil
Future Air Navigation
Systems – FANS
O SMS: A evolução
natural da Segurança
Operacional
Health Monitoring
Systems para Segurança de Voo
“Dores nas costas” no
aeronavegante: como
não ser mais uma
vítima?
Simulação: o uso da
tecnologia em prol da
Segurança de Voo
Recuperação de atitudes anormais em
helicópteros
ENTREVISTA COM O
COMANDANTE DE AVIAÇÃO DO EXÉRCITO
REVISTA DÉDALO - Ao longo do ano de 2009, quais
atividades relacionadas à Segurança de Voo foram realizadas
na Aviação do Exército?
GEN PETERNELLI - No ano de 2009, foram realizadas
diversas atividades que incrementaram a nossa segurança de voo
no complexo da Aviação do Exército. Em Taubaté, onde está localizada
a sede do nosso Comando, tivemos duas Jornadas de Segurança
de Voo, nas quais foram abordados temas relevantes que atingiram
o objetivo proposto – aumentar a consciência situacional dos diversos
segmentos da nossa Aviação, na área de manutenção, de pilotagem,
do pessoal de infraestrutura aeroportuária ou do controle do espaço
aéreo. Nessas jornadas esteve presente o efetivo de aeronavegantes
de todas as organizações militares de Aviação do Exército, inclusive
representantes do 4º BAvEx, sediado em Manaus. Também, militares
da Força Aeronaval, da Força Aérea Brasileira e da Polícia Militar de
São Paulo. Além desses eventos, as nossas unidades aéreas, dentro
da sua rotina anual, promoveram reuniões de segurança de voo,
solucionaram e divulgaram relatórios de prevenção e executaram
vistorias nas diversas seções de seus batalhões de aviação.
REVISTA DÉDALO - Sabemos que a Segurança de Voo
não busca culpados, mas sim apontar os fatores contribuintes
para determinada ocorrência. Entretanto, como a Aviação do
Exército lida com os regulamentos e normas castrenses sem
inibir as atividades da Segurança de Voo?
GEN PETERNELLI - A Aviação do Exército trata os
regulamentos disciplinares do
Exército e a filosofia de Segurança
de Voo como parceiros que têm
como objetivo final realizar todas
as atividades aéreas com
segurança. Diferencia-se na
Aviação do Exército, com bastante
propriedade, o erro humano da
violação intencional. Assim, os
tratamentos dados às ocorrências
são baseados na análise primária
que distingue, inicialmente, erro
de violação intencional. Se for erro
humano, trata-se pelo Sistema de
Segurança de Voo e, se for
violação intencional, o tratamento
será dado de acordo com os
regulamentos disciplinares em
vigor no Exército. Saliento que a
ação de nossos comandantes, em
todos os níveis, é fundamental
para as nossas atividades de
Segurança de Voo. A correção de
atitudes dos comandantes tem
direcionado suas tripulações para
uma atividade aérea operacional
segura, corroborando sobremaneira a prevenção de acidentes.
REVISTA DÉDALO - A Aviação do Exército completou
23 anos de sua recriação. Como o Sr. analisa a atividade da
Segurança de Voo, nesse período?
GEN PETERNELLI - Com toda certeza, posso atestar que
a Segurança de Voo foi peça importantíssima para atingirmos o nível
de operacionalidade que atualmente alcançamos na Aviação do
Exército. A Segurança de Voo, também conhecida no nosso ambiente
como Segurança Operacional, proporcionou significativas ferramentas
de apoio à decisão, no assessoramento aos Comandantes de Aviação
do Exército e aos Comandantes de Unidades Aéreas. Contribuiu
diretamente na preservação dos nossos caros equipamentos e na
manutenção da integridade do nosso bem mais valioso, os
especialistas de aviação. Além disso, devido a sua eficácia comprovada,
conseguiu também transpor nossas unidades aéreas e influenciar
positivamente o Exército, com a filosofia de prevenção de acidentes
no Exército. Tenho a convicção de que o assessoramento dado
pelos nossos oficiais de Segurança de Voo permanecerá como um
dos fatores essenciais para o êxito das nossas operações aéreas.
REVISTA DÉDALO - Sabe-se que a Aviação do Exército
realiza missões aéreas com óculos de visão noturna (OVN).
Gostaríamos de esclarecer se essa atividade aumenta o risco
das operações à noite.
GEN PETERNELLI - A Aviação do Exército teve um ganho
expressivo de capacidade operacional, com a utilização de OVN nas
suas atividades aéreas. Esse tipo de voo eminentemente militar requer
preparação criteriosa e planejamento bastante judicioso, a fim de
reduzir os riscos inerentes ao voo com OVN. Em 1999, com a chegada
dos helicópteros Blackhawk a Manaus, a Aviação do Exército iniciou
o seu treinamento com OVN na região amazônica. Desde aquele
ano, não parou mais, pelo contrário, expandiu o conhecimento para
as unidades aéreas sediadas em Taubaté e, atualmente, a Aviação
do Exército tem condições operacionais de realizar, com segurança,
as atividades noturnas de que o Exército Brasileiro necessitar. Essa
condição atual de operacionalidade com segurança foi adquirida
paulatinamente, com o assessoramento oportuno e diário de diversas
seções de nossa Aviação do Exército, particularmente daquelas
ligadas ao sistema de prevenção de acidentes aeronáuticos.
REVISTA DÉDALO - No futuro cenário que é projetado
para a Aviação do Exército, como o Sr. analisa os novos
desafios da Segurança de Voo?
GEN PETERNELLI - O futuro da Aviação do Exército
apresenta-se bastante promissor. No próximo ano, terá início o
processo de recebimento de 16 helicópteros de emprego geral EC725, equipados com tecnologia moderna, que aumentarão a
flexibilidade do nosso Exército. Em médio prazo, projetos de novos
armamentos aéreos e a transferência do 3º BAvEx e do 2º BAvEx
para Campo Grande – MS e Florianópolis – SC, respectivamente,
proporcionarão maior capacidade de pronta resposta, principalmente
para o Comando Militar do Oeste e para o Comando Militar do Sul.
Além disso, contribuirão para o incremento do poder de dissuasão
do Exército Brasileiro. Diante desses novos desafios e de outros que
estarão por vir, a Aviação do Exército tem uma solução, há bastante
tempo utilizada e muito eficaz, que é o planejamento eficiente e a
especialização dos seus recursos humanos. Esse investimento, ao
longo de 23 anos de existência da Aviação do Exército, gerou frutos
positivos e está comprovado pelos índices estatísticos significativos
de nossa Segurança de Voo. A seleção criteriosa de pessoal, cursos
de qualificação de mecânicos e pilotos para as novas aeronaves,
projetos de rearticulação dos Batalhões de Aviação do Exército,
reorganização de equipamentos e pessoal especialista e treinamento
em simulador de voo são ações que darão suporte para a
implementação dos futuros desafios. Todas essas atividades estão
sendo implementadas de acordo com planejamento criterioso
aprovado pelo Estado-Maior do Exército e, com certeza, serão de
grande valia para redução dos riscos inerentes às atividades da
nossa Aviação do Exército.
General-de-Brigada Roberto Sebastião Peternelli Júnior,
Comandante de Aviação do Exército, piloto de aeronave em atividade.
OS TEMIDOS CUMULONIMBUS E AS
FORMAS DE EVITÁ-LOS E ENFRENTÁ-LOS
As formações nebulosas com grande desenvolvimento
vertical – CUMULONIMBUS (CB) – também identificadas como
tempestades de trovoada, ocorrem em todo o território brasileiro, a
qualquer hora do dia ou da noite, ao longo de todo o ano. A ocorrência
de tempestades com trovoadas é mais comum nos meses mais
quentes, no período final da tarde. A cada momento,
aproximadamente 1.800 cumulonimbus estão em desenvolvimento
em torno do planeta, associados a descargas atmosféricas (raios)
que atingem o solo 100 vezes a cada segundo. Para a aviação, além
de ser um limitador de espaço aéreo, pois o voo dentro dessas
nuvens é de extremo risco, também pode afetar os procedimentos
de pouso e decolagem, devido às cortantes de vento geradas pelas
fortes correntes, ascendentes e descendentes, em torno da nuvem.
Turbulência, granizo, formação de gelo, saraiva (granizos que são
lançados para fora da nuvem, em ar claro), relâmpagos e, por vezes,
tornados poderão estar associados aos cumulonimbus, e influenciar,
assim, na segurança das operações aéreas.
A ação de um cumulonimbus fica limitada ao diâmetro entre
5 e 25 milhas, sendo, portanto, uma tempestade muito localizada,
cujos topos podem chegar aos 17.000 metros, ou ultrapassá-los,
nas latitudes baixas e nas regiões de ciclones tropicais e furacões.
Para o desenvolvimento de um cumulonimbus, existem três
ingredientes essenciais:
Umidade - a presença de umidade na atmosfera é
necessária para a formação da nebulosidade e de precipitação. O
Sol, além de aquecer o solo e o ar sobre ele, provoca a evaporação
da umidade do solo, lagos, rios e oceanos, aumentando assim a
umidade do ar.
Instabilidade - o aquecimento do ar nos níveis próximos ao
solo, associado ao aumento da umidade, desestabiliza a massa de
ar. O ar quente é menos denso (mais leve) que o ar frio; portanto,
existindo ar frio e ar seco acima, a tendência será de troca de ar, com
o ar frio descendo e o ar quente subindo.
Levantamento – este é o gatilho para o início de ascensão
do ar e o princípio da tempestade. Vejamos: o ar movendo-se para
cima de uma montanha (levantamento orográfico); o ar colidindo
com uma frente (levantamento frontal). Frente é a zona de transição
entre duas massas de ar diferentes. Onde as massas colidem, o ar
menos denso (quente ou mais úmido) ascende sobre o outro; o ar
frio soprando do oceano ou lago pode formar frente de brisa marítima,
caso o ar frio colida com o ar mais quente sobre o continente; e, a
corrente descendente fria que sai do cumulonimbus forma “frentes
de rajadas”, as quais podem causar o desenvolvimento de novos
cumulonimbus.
O cumulonimbus apresenta três estágios de vida. O primeiro
estágio é aquele em que uma
nuvem cumulus começa a se
desenvolver verticalmente, devido às
correntes de ar ascendentes que
dominam toda a nuvem,
transformando-se em uma TORRE
DE CUMULUS, como mostra a
figura 1.
Figura 1 – Estágio cumulus de
um cumulonimbus
O segundo estágio, o mais
perigoso, é quando a nuvem se encontra em sua fase de
MATURIDADE. As correntes ascendentes (na vertical) podem chegar
a velocidades próximas a 40 nós. Em seu topo, os ventos em altos
níveis (na horizontal) começam a formar sua “bigorna ou cabeleira”,
chegando, por vezes, a estendê-la até 100 milhas, a favor do vento.
Nessa fase, as correntes ascendentes podem transportar até 8.000
toneladas de água por minuto. O vapor d’água condensa ao colidir
nas gotículas da nuvem, as quais aumentam de tamanho à medida
que vão sendo levadas para cima. Nesse momento também podem
ocorrer correntes descendentes, em virtude de algumas gotículas
caírem ao se tornarem mais pesadas, vencendo as correntes
ascendentes. Na descida, podem passar por camadas de ar não
saturadas, e alguma evaporação pode ocorrer. Evaporação é um
processo de resfriamento, portanto esse processo causa um maior
resfriamento da parcela de ar que
está em sua volta, dando início a um
afundamento do ar, intensificando,
assim, as correntes descendentes
(downdraft). Um cumulonimbus é
considerado em seu estágio de
maturidade quando estiver com
correntes ascendentes e
descendentes (Figura 2).
Figura 2 – Estágio de maturidade
de um cumulonimbus
O terceiro estágio,
DISSIPAÇÃO, começa quando as
correntes descendentes frias
atingem o solo, a chuva resfria o ar
nos níveis mais baixos e nenhuma
nova fonte de instabilidade está
presente.
Figura 3 – Estágio de dissipação de
um cumulonimbus
Os cumulonimbus podem aparecer das seguintes formas:
ISOLADOS - quando a nuvem é única e de forma isolada,
em uma determinada área;
MULTICÉLULAS - quando existem vários cumulonimbus em
uma determinada área e sem uma disposição organizada, como na
figura 4.
Figura 4 – Multicélulas de cumulonimbus em uma imagem
de satélite meteorológico
LINHA DE INSTABILIDADE - quando existem vários
cumulonimbus formados em linha, de maneira compacta. É muito
comum que essa linha apareça antes da chegada de uma frente fria.
SUPERCÉLULA - formação extremamente perigosa, com
correntes de ar ascendentes e descendentes, suficientemente
capazes de se manterem sozinhas como uma só entidade, por horas
(Figura 5). A rotação do ar elevando-se dentro desse mesociclone
favorece a formação de tornados. Ao final, as correntes descendentes
predominam e o cumulonimbus tende a se dissipar, sobrando apenas
a bigorna como nuvem cirrus (nuvem alta). O ciclo médio de vida
entre os estágios de cumulus e de dissipação pode levar de 30 a 40
minutos. Isso mostra porque o cumulonimbus pode causar tantos
estragos e, muitas vezes, de forma inesperada.
Agora veremos algumas orientações básicas aos pilotos.
Antes do voo: é de vital importância um planejamento
adequado. A consulta às informações meteorológicas aeronáuticas,
disponíveis nas salas AIS, apresentará ao piloto as áreas e locais
mais favoráveis à ocorrência dessas instabilidades. Essa consulta
deverá ser efetuada sobre as cartas de tempo significativo (SIG WX),
previsão de área (GAMET), previsão terminal de aeródromo (TAF) e
mensagens de vigilância meteorológica (SIGMET), imagens de
satélites e de radares meteorológicos. Caso necessário, deverão ser
solicitados mais esclarecimentos (briefing) a um especialista em
meteorologia.
Durante o voo: o piloto deverá manter contato com o Centro
Meteorológico de Vigilância (CMV) da área, na frequência VOLMET,
a fim de se manter informado sobre as condições meteorológicas em
sua rota. O bom senso diz que a única regra de voo válida para todos
os níveis e todas as categorias de aeronaves é EVITAR O VOO
DENTRO DE UM CB. Como isso nem sempre é possível, um piloto
deverá estar preparado psicologicamente para executá-lo. Para tal,
dois requisitos são essenciais: o piloto deverá ter experiência de voo
e a aeronave deverá estar convenientemente equipada e possuir
estrutura condicionada para tal voo.
Antes de iniciar a penetração na nuvem, o piloto deve tomar
algumas providências:
Apertar os cintos de segurança e fixar todos os objetos que
estejam soltos;
Confeccionar mensagem de posição (AIREP);
Efetuar varredura com radar, para melhor avaliação da
nuvem;
Desligar o rádio e retirar os fones;
Manter luzes acesas e cortinas fechadas, para evitar cegueira
causada pelos relâmpagos; e
Ajustar a potência para manutenção da VELOCIDADE
ÓTIMA DE PENETRAÇÃO.
Tomadas essas providências, a penetração na nuvem
obedecerá às seguintes regras:
Manter o rumo de penetração e nunca tentar voltar;
Manter ATITUDE DE VOO com base no horizonte artificial;
Esquecer as variações de altitude; e
Ajustar a potência da aeronave apenas para manter a
velocidade em torno da velocidade ótima de penetração.
Portanto, para que se possa fazer um voo seguro, o piloto
deve se preparar antecipadamente, verificando todas as informações
meteorológicas necessárias para sua tomada de decisão. Isso porque
enfrentar um cumulonimbus é, no mínimo, desconfortável, para não
dizer o que todos já sabem: Perigoso!
Texto: Cap Artur G. Ferreira.
O Autor é oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), especialista em
Meteorologia Aeronáutica, pós-graduado em Gestão Ambiental pela
Universidade de Brasília e em Gestão Pública pela UFF, e exerce a
função de Assessor de Meteorologia Aeronáutica do
Subdepartamento de Operações do DECEA.
E-mail: [email protected]
Figura 5 – Esquema de uma supercélula de cumulonimbus
HIERARQUIA E DISCIPLINA
X
SEGURANÇA DE VOO
À primeira vista, o título deste artigo pode parecer
no mínimo discrepante, pois os princípios que regem a
hierarquia e a disciplina sempre estiveram intimamente
ligados aos fundamentos da Segurança de Voo. Entretanto, sem
que sejam perdidos os preceitos de tão estimadas qualidades,
podemos, sob a ótica da Segurança de Voo, abordar o tema sob um
novo foco, mostrando como essas características podem influenciar
nossa decisão em determinadas situações.
Quando falamos sobre hierarquia e disciplina – pilares das
instituições militares –, voltamo-nos naturalmente para os valores
que foram ensinados em nossas escolas de formação. Tais
referências amparam e norteiam nossas atividades, em particular na
Aviação do Exército, e contribuem de maneira decisiva para a elevação
do nível de Segurança de Voo. Dessa forma, não podemos nos
esquecer de que nossas tripulações são formadas por militares que
obedecem a rígidas regras, as quais evitam desvios de
comportamento em voo e reduzem as chances de improvisos. Esse
processo garante a integridade da consciência situacional das
tripulações, ao mesmo tempo em que contribui para a padronização,
para o aprimoramento da cultura organizacional e para o fiel
cumprimento das diversas missões aéreas.
Será que se pode concluir, então, que a hierarquia e a
disciplina contribuem para uma elevação do nível de Segurança de
Voo? Em uma primeira instância, SIM.
Em uma atividade marcada pela complexidade e flexibilidade
das suas operações, é extremamente favorável que seus executores
sejam disciplinados e regidos por um código de ética e moral que os
oriente, e que tenham seus cargos e funções bem definidos.
Analisando dessa maneira, só podemos colher vantagens dessas
características que, sem dúvida, já nos pouparam de diversos
incidentes e, quem sabe, até mesmo de alguns acidentes.
Pode-se, ainda, indagar: em que situação teremos um quadro
em que esses conceitos – hierarquia e disciplina – passarão a prejudicar
a atividade de Segurança de Voo?
Um dos diversos desdobramentos desses conceitos é o
Espírito de Cumprimento de Missão.
A disciplina e a hierarquia estão por demais enraizadas em
nossa formação, e esses quesitos tão desejáveis em nossas atividades
muitas vezes fazem com que sejam assumidos riscos além do
necessário, no cumprimento de determinadas missões.
Não foram poucas as vezes em que, pelo simples fato de
não se dizer “infelizmente nós não podemos cumprir esta missão”,
tripulações e passageiros enfrentaram situações de perigo.
Muitos de nós encaramos esse “não cumprimento de missão”
como um fato desabonador e, não raras vezes, alguns tripulantes se
vangloriam de ter realizado determinada missão depois de fulano ou
beltrano não a terem cumprido. Se, além disso, passarem por
momentos de risco, a satisfação será ainda maior, pois, para esses
tripulantes, somente eles seriam capazes de realizar aquela missão.
A rigidez da hierarquia e a disciplina da caserna muitas vezes
impedem que subordinados exponham suas opiniões a militares mais
antigos, principalmente em caso de discordância. Assim, nossos
comandantes perdem duas das mais preciosas ferramentas do
Gerenciamento de Recursos da Tripulação (CRM): a consciência
situacional e a comunicação entre os tripulantes.
Para minimizarmos os riscos decorrentes do Espírito de
Cumprimento de Missão, é preciso que os militares mais modernos
não tenham receio de expressar suas opiniões, sejam elas positivas
ou negativas. Por outro lado, os militares mais antigos devem
promover o ambiente propício para que essas opiniões sejam
explanadas, para análise do comandante da aeronave e inclusão no
seu processo decisório, se for o caso. Ou seja, nada mais é do que o
conceito de CRM, porém não restrito à tripulação e à aeronave, mas
sim aplicado desde o planejamento inicial da missão.
No entanto, somente o CRM não impedirá que tripulações
deparem cenários em que o cumprimento da missão, assumindo
riscos altíssimos, seja praticamente impositivo. Para que tais situações
sejam evitadas, uma das melhores ferramentas é o Gerenciamento
do Risco, que nada mais é do que uma seqüência de filtros,
interpostos desde o planejamento da missão. Tem, como principal
finalidade, fazer com que os elementos executores, a chamada “ponta
da linha”, não tenham que assumir riscos inaceitáveis, e sim gerenciar
de maneira segura os eventuais riscos inerentes a cada missão.
É importante salientar que não pretendemos que haja um
enfraquecimento da hierarquia, e muito menos da disciplina, por
parte das tripulações no âmbito da Aviação do Exército. A intenção é
que sejam mantidos a disciplina e o respeito pela hierarquia, que
sempre caracterizaram a nossa Aviação; porém, há necessidade de
aceitação e compreensão de que certos riscos não devem e,
principalmente, não precisam ser corridos. Trata-se, antes de tudo,
de uma atitude profissional. Devemos, em primeiro lugar, conhecer e
respeitar os nossos limites e os limites das nossas aeronaves.
Cada vez que diminuímos a nossa margem de segurança e
aceitamos novos limites, impostos pela operação ou pela manutenção,
temos novas variáveis que são implementadas e que não apresentam
resultados previsíveis.
Todos nós sabemos que em nossas atividades há riscos
inerentes, portanto devemos ter a exata noção dos limites de riscos
a que podemos expor nossas tripulações e aeronaves. Esta, porém,
não é uma decisão tão fácil, caso contrário não teríamos o fato de
que a maioria dos incidentes/acidentes é resultante de decisões
operacionais. A estatística atual da Aviação do Exército demonstranos que mais de 70% dos incidentes/acidentes têm como principal
fator contribuinte o Fator Operacional.
Devido à nossa situação prolongada de paz, a aceitação de
riscos deve ser avaliada com muito cuidado, pois as conseqüências
de um acidente fazem com que qualquer risco assumido não tenha
valido a pena. Cabe a todos nós, desde o mais alto nível de
planejamento, passando pela manutenção e chegando até a
tripulação executante da missão, estabelecer o delicado equilíbrio
entre o nível de segurança e a operação propriamente dita.
Texto: Maj Marcello Campos de Sá
O autor é oficial do Exército Brasileiro, piloto de aeronaves
especializado pelo Centro de Instrução de Aviação do Exército.
Especializado em Segurança de Vôo pelo CENIPA, exerce a função
de Adjunto da Divisão de Investigação e Pesquisa de Acidentes
Aeronáuticos Militares do CENIPA.
E-mail: [email protected]
CRM – SOB UMA NOVA PROPOSTA METODOLÓGICA
Os fatores humanos, em virtude de sua complexidade, têm
obtido gradativa importância no contexto da Segurança de Voo. Os
assuntos correlatos a eles estão presentes em pesquisas, trabalhos,
investigações, treinamentos e outras abordagens. Tal destaque é
pertinente, se considerarmos que a maior parte das estatísticas que
tratam de acidentes e incidentes aeronáuticos revela que
determinados contribuintes para a sua ocorrência têm, em seu teor,
componentes ligados aos fatores humanos.
Dia após dia, diversos setores da comunidade aeronáutica
desdobram-se em pesquisa e desenvolvimento de técnicas e
ferramentas para identificar e tratar os eventos humanos que podem
causar risco à atividade aérea e, com isso, por meio de treinamento,
aperfeiçoamento e conscientização dos envolvidos na atividade aérea,
mitigar ou amenizar os seus efeitos nocivos.
A Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos do Comando de Aviação do Exército (SIPAA/CAvEx)
também tem essa preocupação e, considerando as atividades voltadas
para a prevenção de fatores humanos, levantou a possibilidade de
abordar os fatores de risco ao quesito humano por meio de uma
metodologia diferenciada, que já tem sido adotada por algumas
empresas de aviação civil.
Essa metodologia fundamenta-se no CRM (Corporate
Resource Management), o qual, historicamente, foi introduzido na
Aviação do Exército, inicialmente em um batalhão, a partir do ano de
2003, em face da necessidade de se lançar mão de todos os
instrumentos de prevenção e interligá-los ao treinamento.
A metodologia calcada na aplicação de CRM tem como
principal objetivo o aperfeiçoamento de técnicas e comportamentos
com intuito de minimizar os conflitos latentes que interferem na
atividade de voo e, assim, diminuir os riscos proeminentes implicados
na maior parte das operações militares. Seria leviano não considerar
que toda a atividade voltada ao voo tem o fator humano como
executor; portanto, não atentar para as possíveis falhas humanas
não surte efeito positivo, quando a proposta é a modificação de
padrões e comportamentos que representem certo grau de risco.
O treinamento em CRM tem como meta modificar os
comportamentos humanos. O fato é que apenas saber ministrar o
treinamento em CRM não garante a eficácia da assimilação da cultura
pelo público-alvo de aviação. Somente informar os conceitos não
garante a tão almejada transformação dos hábitos que provocam
danos à atividade. É preciso saber que subconjunto do público deve
receber tal informação e o momento e modo mais propícios, pois
vários fatores interferem na atividade aérea, como missões, estados
de humor, tipo de perfil do público, enfim, atributos que também
determinarão a eficiência do método. Por isso, os psicólogos têm
contribuído na concepção e na execução desse treinamento, pois
esses profissionais, por meio de métodos de avaliação específicos,
auxiliam na seleção da população adequada, ou mesmo na
formatação do treinamento e na definição do momento mais
adequado e oportuno para sua realização, o que o torna mais eficaz.
Dessa forma, ao se realizar treinamentos consonantes com as
diversas populações, todo o público-alvo da organização terá
absorvido a cultura que se pretende estabelecer.
Nesse sentido, uma das vantagens que se pode obter com a
proposta diferenciada de abordagem de CRM é a aplicação imediata
do teor do treinamento à realidade cotidiana da organização, atuando
diretamente nas possíveis origens de ocorrências que geram os
potenciais riscos à atividade. Dessa maneira, busca-se dar recursos
ao aeronavegante, treinando-o para lidar com as diversas situações
já detectadas por meio das análises feitas para o treinamento. Em
outras palavras, mesmo que poucos recebam o treinamento, esses
já possuirão ferramentas para lidar com as adversidades de voo
provenientes do relacionamento interpessoal durante a missão ou
na rotina da organização.
As metodologias inicialmente utilizadas pelas organizações
da Aviação do Exército eram genéricas, não eram calcadas em perfis
do público ou na oportunidade. O que diferencia a proposta atual é o
fato de se tratar de uma metodologia personalizada e compartilhada.
Para assimilar e utilizar a metodologia em uso no cenário
aeronáutico, o Comando de Aviação do Exército (CAvEx), em parceria
com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em 2007 criou
uma Comissão de Estudos para a Proposta de um Método de
Aplicação de CRM, a qual foi estabelecida com a meta de implementar
a customização das instruções e abordagens utilizadas durante o
treinamento, ou seja, conforme preconiza a IAC 060-1002-A, a
adaptação dos conceitos de CRM à cultura da organização. A
Comissão foi constituída pela SIPAA/CAvEx, pelos Oficiais de
Segurança de Voo e facilitadores integrantes das unidades aéreas
do CAvEx.
Um dos passos iniciais da Comissão, que considerou a
metodologia sugerida pela ANAC, foi a análise e utilização dos
instrumentos de segurança de voo, como Relatórios de Prevenção
(RELPREV), Relatórios de Acidentes (RELIAA), Relatórios de
Incidentes (RELIN), Vistorias, Pesquisa de Clima e Cultura
Organizacionais. À luz dos “Elementos Curriculares Mínimos” da IAC
060-1002-A, a Comissão teve como objetivo quantificar e qualificar
as ocorrências e os potenciais riscos atinentes à segurança de voo,
para fundamentação do Treinamento em CRM.
Com o objetivo de adequar os treinamentos aos diversos
públicos da Aviação do Exército, a Comissão também lançou
mão de um dos mais importantes instrumentos para a execução
dessa metodologia, a Pesquisa de Clima Organizacional, que
vem sendo realizada desde 2006 nas unidades aéreas. Também
foram realizadas pesquisas nas páginas eletrônicas do Exército,
do CAvEx, e até mesmo um questionário foi aplicado, em 2008,
como meio de coleta de informações a respeito da Cultura
Organizacional. A Cultura Organizacional, no contexto de
aviação, deve ser entendida como hábitos e atitudes, formais
ou não, que permeiam o meio militar de Aviação. Dessa forma,
esses dados possibilitam um resultado que contribui na elaboração
das instruções e na escolha das dinâmicas a serem utilizadas durante
o treinamento. Garante-se, assim, a aproximação e manipulação de
eventos que merecem aperfeiçoamento, para se obter Segurança
de Voo.
Esses instrumentos têm-se mostrado de vital importância
para a elaboração do treinamento em CRM, tanto para a 1ª e 2ª
fases, como também para a 3ª fase, pois ambos revitalizam e
personalizam o CRM, orientando para a melhor exploração de um
determinado tema sobre o fator humano com maior potencialidade
de levar a conflitos de relacionamento de equipe que caracterize
uma falha latente.
A metodologia utiliza-se, ainda, dos facilitadores de CRM,
formados pelo CENIPA, ou pela ANAC, de uma forma diferente.
Para realizar os treinamentos previstos em uma organização, a
Comissão de Estudos para a Proposta de um Método de Aplicação
de CRM define e distribui os temas a serem abordados por
facilitadores de diferentes unidades aéreas. Dessa forma, cada
facilitador pode focar apenas um tema e utilizar as experiências
colhidas em sua organização para ilustrar o treinamento. Como
resultado, os participantes do treinamento de uma organização
específica, em uma mesma jornada, têm contato com informações
calcadas na vivência de diferentes facilitadores e unidades, o que
propicia maior intercâmbio de experiências e o enriquecimento da
cultura. O resultado é um treinamento mais eficiente para a
organização.
Depois de um ano da adoção da nova metodologia, já se
evidenciam sinais que apontam para uma história de sucesso. Um
deles é obtido logo após o treinamento, quando é realizada uma
pesquisa junto aos participantes, os quais têm expressado uma
postura positiva quanto a sua qualidade e eficiência. Outro sinal
bastante importante é o aumento significativo do número de Relatórios
de Prevenção/Hora de Voo, nas unidades em que ela foi aplicada,
denotando o aumento do nível de atenção e comprometimento de
seus integrantes.
Foto: 2ª fase do CRM no treinador sintético do CIAvEx - Análise do
relacionamento da tripulação
Outro aspecto importante a se ressaltar da experiência de
aplicação da nova metodologia é que não houve necessidade de
incremento dos recursos humanos alocados para sua implementação
e para a aplicação dos treinamentos, ou seja, não há o consumo
adicional de homens/hora ou sobreposição de tarefas. Ainda, a
metodologia mostrou-se aplicável em qualquer organização, não
importando sua área de atuação.
A nova metodologia tem-se mostrado proficiente no âmbito
da Aviação do Exército e em organizações civis e militares, e as
empresas ligadas à atividade aérea podem encontrar nessa nova
metodologia um instrumento eficiente para elevar o nível de
consciência de seu público interno e para reduzir os riscos inerentes
à atividade. Com ela, é possível obter aumento da operacionalidade
ou da lucratividade, uma vez que o investimento da prevenção garante
que recursos sejam poupados, pois são evitados e reduzidos os
danos à máquina e ao elemento humano.
Texto: 2º Ten Psi Alessandra Gleysse Del Guerra Scigliano
A autora, psicóloga formada pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie, é especializada em Psicoterapia Breve, pelo Instituto
Sedes Sapientiae. Também é credenciada em Fator Humano, pelo
CENIPA, e colaboradora direta dos Treinamentos em CRM nas
Unidades de Aviação do Exército. Exerce a função de Adjunta na
Seção de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do
Comando de Aviação do Exército.
E-mail: [email protected]
MANUTENÇÃO E SEGURANÇA DE VÔO - UM DESAFIO CONSTANTE
Era uma linda manhã de um dia do ano de
1976. Eu estava junto a um F-103 (Mirage). O
piloto acabara de fazer a inspeção externa e,
quando ia se acomodar no cockpit, para acionar o
motor, ouvimos um terrível estrondo. Olhamos para
o hangar do Grupo de Manutenção e, estupefatos,
vimos um assento ejetável “voando”, subindo na
vertical, após varar o telhado. Corremos até lá e
deparamos com uma cena horrível: o Manuel,
mecânico de armamento, caído no solo e todo
ensangüentado. Felizmente ele não morreu e nem
ficou com sequelas.
Hoje, mais de três décadas após esse fato,
a exemplo do deus Janus, eu olho para o passado
e, de posse dos conhecimentos e experiências
adquiridos ao longo da carreira profissional, vejo
que, em muitas oportunidades, quase fui um “ator
coadjuvante de um possível filme de terror”, e sem
perceber isso. Mas como? - perguntaria você, ilustre
leitor. Para responder, digo: executando uma tarefa
sem o ferramental requisitado e adequado ou sem
estar devidamente instruído para realizá-la.
Dentro do universo do tema Segurança
de Vôo – Fator Operacional Manutenção, quando
se analisa ou se investiga um acidente ou incidente
aeronáutico, conclui-se que a FALHA HUMANA
está presente na maioria das ocorrências.
Diversos estudiosos deste assunto
chegaram à conclusão de que existem dois tipos
de falha ou erro humano: o ERRO ATIVO e o ERRO
LATENTE. O primeiro, geralmente, é o último elo
da cadeia de eventos que leva ao acidente, é a
última peça do dominó a tombar. Ele ocorre na
“ponta” do sistema, na fase de execução da tarefa
propriamente dita. Em resumo, é cometido pelo
profissional na execução do seu serviço, com
conseqüências imediatas e muitas vezes com a
ocorrência de fatalidades. O segundo,
aparentemente menos perigoso, é muito mais
grave. É sutil e é a “geratriz” do erro ativo. Ele é
quase “invisível”, e fica camuflado dentro do sistema
organizacional da empresa ou organização. É
cometido no nível gerencial, de chefia ou direção e
caracteriza-se pela demora na adoção de
providências quanto à aquisição, em tempo hábil,
de equipamentos, ferramentas especiais ou
equipamentos de proteção individual (EPI), ou,
ainda, quanto à aplicação oportuna de cursos para
os funcionários que operam equipamentos
especiais que, se manuseados fora do modo
recomendado, com o conhecido “jeitinho brasileiro”,
podem provocar graves acidentes.
No caso do mecânico Manuel, citado no
início deste artigo, ele estava desarmando o canhão
do assento ejetável sem a ferramenta padrão para
tal serviço, pois a mesma ainda não havia chegado
do fabricante (Europa). A aeronave começou a ser
operada, venceu uma inspeção do assento, mas a
ferramenta para retirada do cartucho principal do
canhão ainda não havia chegado para o operador.
Numa análise mais acurada deste
palpitante assunto, percebe-se que a formação de
recursos humanos para manutenção aeronáutica
requer a transmissão de inúmeros conhecimentos,
a exemplo de “como executar determinada tarefa”.
Aprendido o modus faciendi, a execução tende a
se tornar uma rotina que pode conduzir a um
relaxamento quanto às normas de segurança ou
procedimento padronizado. Por mais elaborada
que tenha sido a educação recebida, o “bicho
homem” do século XXI, em plena era da Informática,
ainda carrega em seus genes algumas “coisas” do
homem das cavernas. Algumas delas são:
preguiça, negligência, imprudência, imperícia,
complacência e muitas outras “ícias” e “ências”
altamente letais.
Com o objetivo de impedir a queda da
última peça do dominó que gera o fato indesejável,
o Programa de Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos (documento produzido pelo
operador) deve apontar uma série de eventos
regulares que, além de formarem, mantenham em
alto nível uma MENTALIDADE DE PREVENÇÃO.
O PPAA precisa conter atividades instrucionais, não
somente para os operadores (pilotos), mas também
para todas as pessoas que “orbitam” em torno
desse engenho chamado aeronave. Prevenção de
acidentes requer MOBILIZAÇÃO GERAL, desde o
Comandante, Chefe, Diretor ou Presidente, até
ao profissional menos graduado.
Finalizando, lembro que outro momento
crítico é a implantação de um novo projeto
(aeronave), fato que exige inúmeras providências
pertinentes. Uma delas é a prévia capacitação dos
recursos humanos responsáveis pela manutenção
da nova aeronave, como também toda a
infraestrutura, equipamentos e ferramental
requeridos. Os mecânicos podem estar “viciados”
com a aeronave substituída, podendo cometer
falhas ao manusearem a nova aeronave. Todavia,
repito que todo esforço deve ser feito com o objetivo
de se formar uma mentalidade de segurança por
meio de um PPAA bem elaborado que, ao longo do
ano, mantenha sempre alto o nível de
conscientização no que diz respeito à PREVENÇÃO
de acidentes e incidentes aeronáuticos.
Texto: Ten Cel Jocelyn Santos Reis
O autor é oficial da reserva da Força Aérea
Brasileira (FAB) e trabalhou como gerente de
manutenção de aeronaves por mais de 15 anos. É
instrutor de Segurança de Voo desde 1997.
Atualmente, presta serviço como contratado na
DIPAA do CENIPA.
E-mail: [email protected]
O PERIGO DA FAUNA NO BRASIL
Como foi observado em Nova Iorque, no último dia 15 de janeiro,
o uso concomitante do mesmo espaço aéreo por aves e aeronaves expõe
estas últimas a impactos que podem colocar em risco vidas humanas. Não
há nenhuma novidade nisso, afinal o primeiro acidente aéreo com vítima
fatal ocorreu em 1912, nos EUA. Porém, até a amerissagem no Hudson,
talvez diversas pessoas pudessem desconhecer tais consequências de
eventos
dessa
natureza.
Hoje,
é
praticamente
impossível que alguém
desconheça “o milagre
do Hudson”, nome
pelo qual os norteamericanos citam o
evento. Diante disso, é
chegado o momento
decisivo, e as
autoridades brasileiras
devem avaliar seu nível
de engajamento em
ações que viabilizem o
controle da situação
por aqui. Afinal, em
breve sediaremos
eventos esportivos de
grande magnitude e
não seria aceitável que
ocorresse
um
acidente, o que mancharia a imagem do país.
A frase anterior pode parecer um apelo à tragicidade, mas devese considerar que, nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, na
época do ano em que ocorrerá o evento, tem sido reportado, em média,
um impacto a cada 1.100 movimentos de aeronaves. Isso sem considerar
a estimativa, internacionalmente aceita, de que somente 20 a 25% das
colisões são efetivamente comunicadas Ou seja, existe a probabilidade de
que ocorra no mínimo uma colisão com a fauna, envolvendo uma das
delegações participantes. As conseqüências dessa colisão podem não ser
sequer percebidas, mas podem também causar a queda da aeronave –
uma espécie de roleta russa envolvendo aeronaves, pessoas a bordo e no
solo e a fauna, em especial as aves – conhecida como perigo aviário ou
perigo da fauna.
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos (CENIPA) desde 1987 vem investindo na conscientização e,
consequentemente, na prevenção de colisões com aves. Entretanto, em
função da complexidade e multidisciplinaridade inerentes à redução dos
focos atrativos próximos aos aeroportos, diversos pontos nevrálgicos devem
ser gerenciados de modo mais efetivo. Muitas das ações nesse sentido
são afetas ao Poder Público, em suas esferas de atuação. Afinal, são de
sua responsabilidade, ou são por ele reguladas ou fiscalizadas.
Um ponto a ser melhorado é a identificação das aves envolvidas
em colisões, pois atualmente cerca de 60% dos choques não são associados
a uma espécie de ave. Urge, portanto, a necessidade de estruturação de
uma rede de instituições que possa receber e identificar o material biológico
coletado, a exemplo do que ocorre nos EUA, por meio do Smithsonian
Institute. Ideal seria que fossem inseridas nesse processo entidades em
diferentes regiões do país, a fim de garantir celeridade ao processo, além
de evitar sobrecarga em uma instituição.
No montante atribuído a uma espécie, observa-se a forte
presença de animais ligados à oferta de alimento em áreas de
deposição de lixo. A incorreta destinação ainda é, infelizmente, uma
realidade em muitos locais. Existem, tanto depósitos oficialmente
utilizados pela própria administração, os chamados “lixões municipais”,
como aqueles clandestinamente eleitos pela população, denominados
“áreas viciadas”.
Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), referentes ao ano 2000, mostraram que 52,8%
dos municípios brasileiros lançavam seus resíduos em lixões, o que
correspondia a cerca de 66.150 mil toneladas de lixo sendo despejados
inapropriadamente no solo brasileiro a cada dia.
Essas condições refletem dificuldades na execução do plano
diretor municipal e nos sistemas de coleta, transporte e gerenciamento
de resíduos sólidos. Essas atividades são de difícil ordenamento e
demandam custos gerenciais elevados; no entanto, são fundamentais
à prevenção do perigo apresentado pela fauna, dentre outros riscos.
Refletem também um problema cultural sério, visto que muitas das
comunidades dispõem de condições para evitar o lançamento de lixo
indiscriminadamente no solo urbano.
O número anual de colisões informadas tem tido significativo
acréscimo, conforme podemos observar abaixo. Antes de analisálos, porém, devemos considerar alguns aspectos: a evolução das
aeronaves que, cada vez mais velozes e silenciosas, exigem uma
reação mais rápida dos pilotos e das aves para evitar o choque; a
preservação ambiental, que estimulou o aumento da população de
aves anteriormente ameaçadas de extinção, como é o caso da águia
americana, nos Estados Unidos da América (EUA); o aumento do
número de voos; e, ainda, a melhoria da conscientização no âmbito
da comunidade aeronáutica, resultado dos trabalhos de
conscientização realizados até hoje.
Dados atualizados até 30 de outubro de 2009 – fonte: CENIPA
É senso comum que restringir o avanço tecnológico, a
oferta de voos ou buscar o abate indiscriminado não são caminhos
aceitáveis para a redução do risco. No entanto, com o uso de
conhecimento apropriado, ações viáveis podem ser postas em prática.
Caberá o óbvio gerenciamento da execução, tendo em mente que
pode ser necessário realizar ajustes, até que se chegue ao
procedimento mais efetivo, de acordo com as características únicas
de cada aeroporto. Isso nada mais é que o gerenciamento do risco
aplicado ao problema.
Surge, então, a necessidade de avaliar o risco, o que deve
ocorrer desde antes do início das ações mitigatórias, pois o
estabelecimento da condição inicial do local é fundamental, visto que
viabilizará a futura avaliação da eficiência das atividades realizadas.
Daí também virá o estímulo a todos os envolvidos, pois o
progresso alcançado, fruto do trabalho individual e coletivo, servirá
como alavanca motivacional. Tal avaliação é uma ferramenta válida
para acelerar os processos contidos na Instrução Normativa nº 72,
do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IN 72 / IBAMA), que define todo o processo de execução
do Plano de Manejo de Avifauna em Aeródromos.
FASE 1 – DIAGNÓSTICO
Identificar riscos – levantamento das espécies-problema.
Verificar legislação – estudo das leis e regulamentos aplicáveis
ao assunto.
Resolver conflitos – denominador comum entre órgãos
envolvidos na redução do risco.
Avaliar riscos – quantificar os riscos decorrentes da presença
das espécies-problema.
FASE 2 – APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE CONTROLE
Comprometer gestores – conscientizar os gestores sobre a
importância das ações que serão implantadas.
Definir ações – após estudo científico, estabelecer as
atividades e como serão realizadas.
Introduzir ações – iniciar a aplicação das atividades mitigantes.
Supervisionar e gerenciar – acompanhamento da realização,
frente ao planejamento técnico realizado.
Observar comportamentos – levantamento das alterações
comportamentais das espécies-problema.
Adequar ações – implantar alterações nas ações, em
decorrência das alterações comportamentais observadas.
É bastante improvável que alguma organização possa realizar
as atividades citadas em âmbito nacional, devido à grandeza e
diversidade das regiões brasileiras. Sendo assim, para dinamizar o
processo, deve-se descentralizá-lo, por meio da criação de comissões
que reúnam representantes da sociedade local para tratar do assunto,
sob a coordenação do administrador aeroportuário. Somente uma
equipe em regime de dedicação exclusiva terá condições de planejar,
executar, avaliar, adequar e orientar ações que possam reduzir o
risco de modo eficiente. O administrador, como coordenador dessa
equipe, tem condições de reunir entidades locais, envolvidas nos
fatores identificados como concorrentes para a presença das espécies
da fauna na Área de Segurança Aeroportuária (ASA). Aliás, faz-se
necessário clarificar que ASA é a área de segurança aeroportuária
definida, pelo Conselho Nacional de meio Ambiente (CONAMA), por
meio de sua Resolução nº 4, de 9 de outubro de 1995.
Devido ao fato de a questão estar muito além dos muros
do aeroporto, somado às consequências nefastas de um provável
acidente aéreo sobre área urbana, é fundamental a participação da
administração pública municipal e das Procuradorias da República
(PR) em cada estado. Convém relembrar que a primeira é a
responsável pelos planos de uso e ocupação do solo urbano, bem
como pelo plano diretor, sendo este instrumento obrigatório a todos
os municípios com mais de 20.000 habitantes. A segunda é
responsável pela salvaguarda dos interesses públicos, podendo agir
como uma espécie de “anjo da guarda” do coordenador local, já que
na comunidade aeronáutica não há nenhuma organização que
disponha do poder de polícia.
A participação pública deve abranger ações educacionais
junto à população, e fiscalizadoras, junto aos contratados responsáveis
pelo sistema de coleta e destinação final de resíduos sólidos Portanto,
sua atuação é fundamental para perenizar condições adequadas ao
gerenciamento do problema.
Como foi citado, houve um aumento significativo de reportes
de colisões com a fauna, porém ainda há necessidade de divulgar
internamente o assunto, melhorando a quantidade e a qualidade
das fichas CENIPA 15. A nova ficha está disponível no site do Centro,
onde também são dadas
orientações para seu
correto preenchimento.
Pode parecer futilidade,
mas a base de dados
gerada pelo envio de
informações é o único
meio de viabilizar
determinados
processos, que ora são
impeditivos à redução da
presença de aves em
nossos aeródromos.
Mesmo que não tenha
ocorrido a colisão, somente a presença de animais já representa
risco em potencial, o que justifica o envio da informação para que
haja ciência do problema e posterior início das ações de mitigação.
Como se pôde observar, a complexidade do perigo da
fauna no Brasil passa pela conscientização e pelo envolvimento de
diversos setores de nossa sociedade. A divulgação do assunto é
trabalho incessante e requer o envolvimento de todos, pois qualquer
um de nós pode sofrer suas conseqüências, mesmo aqueles que
jamais entraram em um avião.
Texto: Maj Henrique Rubens Balta de Oliveira
O autor, oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de aeronaves
especializado em Segurança de Voo pelo CENIPA, é Líder de
Esquadrão de Caça e de Reconhecimento Tático, tendo voado no 1º/
10º Grupo de Aviação de 2004 a 2008. Atualmente exerce a função de
Coordenador da Comissão de Controle de Perigo Aviário no Brasil
(CCPAB).
E-mail: [email protected]
FUTURE AIR NAVIGATION SYSTEMS – FANS
O atual sistema de controle de tráfego aéreo ainda é baseado
em auxílios de solo, radar e comunicação de voz. Futuramente, esse
sistema não suportará a crescente demanda de tráfego aéreo. O
aumento do número de aeronaves e rotas exige um criterioso controle.
As rotas são rigorosamente definidas como verdadeiros corredores
no ar, e a redução da distância entre os níveis de voo e outras regras
severas exigem soluções adequadas para garantir a segurança das
aeronaves.
Os fabricantes e entidades ligados à atividade aérea vêm
atuando no projeto de um novo sistema de navegação, o Future Air
Navigation System (FANS). Esse sistema de aviônicos oferece link
direto de comunicação de dados, via satélite, entre o piloto e o controle
de tráfego aéreo.
O FANS, da maneira como está sendo concebido, é mais
barato e menos dependente de infraestrutura em solo do que o atual
sistema de controle de tráfego aéreo. A comunicação é feita por
meio de links de dados via satélite, e não mais por voz. As aeronaves
realizam suas mensagens de posição, via link de dados, por meio de
GPS.
Em suma, este atualizado sistema reúne, como poderá ser
observado, uma série de inovações que garantem a segurança do
espaço aéreo.
As aeronaves devem possuir equipamentos para recepção e
transmissão de dados fornecidos por satélites: AOC Data Link, ADS,
ATC Data Link, RNP e RTA. Esses sistemas serão tratados a seguir.
Global Positioning System Integration (Sistema de
Posicionamento Global Integrado)
O Sistema de Posicionamento Global, popularmente
conhecido por GPS (Global Positioning System), com sua estrutura
baseada em um conjunto de satélites, é um sistema de informação
eletrônico que fornece, via rádio, a um aparelho receptor na aeronave,
a posição desta em relação às coordenadas terrestres. Um receptor
GPS decodifica as transmissões do sinal de código e fase de múltiplos
satélites, e calcula a sua posição com base nas distâncias entre eles.
A posição é dada por latitude, longitude, altitude e coordenadas
geodésicas. Esse melhoramento provê maior precisão para
operações em rota e em alguns procedimentos de aproximação. O
GPS não substitui integralmente o sistema de navegação astronômica;
ele informa as coordenadas do receptor, e não o rumo indispensável
à navegação estimada, o que seria completado por um simulador
integrado ao receptor. Existem, atualmente, dois sistemas efetivos
de posicionamento por satélite: o GPS americano e o Glonass russo.
Futuramente, entrará em operação o europeu Galileu.
Mais de 50 satélites, como o Navstar (pág. 15), permitem a
precisão nas informações sobre coordenadas fornecidas pelos GPS.
AOC Data Link – Airline Operational Control Data Link
(Controle de Linha Aérea Operacional por rede de dados)
O AOC permite aos sistemas de planejamento de voo das
companhias a transmissão de novas rotas, informações sobre ventos,
meteorologia etc. A chave é o Aircraft Communications
Addressing and Reporting System (ACARS), sistema de datalink
digital para transmissão de mensagens curtas e relativamente simples
entre aeronaves e estações terrestres via rádio ou satélite. Esse
sistema utiliza na aeronave um computador chamado de Aviônica
ACARS Management Unit (MU) e uma tela digital de controle ou
Control Display Unit (CDU). Utiliza-se, no sistema ACARS, o padrão
ARINC (aeronave dirigida com aviônica apoiada na interface de
barramento de dados digitais).
No início dos anos 90, a interface entre o FDAMS/sistemas
ACMS e o MU ACARS, que resultou em datalink,
ganhou maior aceitação por parte das companhias
aéreas, pois o FDAMS/ACMS analisa motor, aeronave
e condições de desempenho operacional. Fornece
dados de desempenho para as companhias aéreas
em solo, por meio da rede ACARS, ajudando na
identificação de voo anormal e, automaticamente,
oferecendo mensagens e relatórios, em tempo real,
para a companhia aérea, o que proporciona melhor
acompanhamento do desempenho dos motores e
identificação de reparos nos planos e atividades de
manutenção.
ADS – Automatic Dependent Surveillance
(Vigilância Auto Dependente)
É uma técnica de vigilância cooperativa para o
controle de tráfego aéreo e aplicações relacionadas.
Uma aeronave equipada com ADS-B determina sua
posição por meio de um sistema global de navegação
por satélite (GPS), e periodicamente difunde essa
posição e outras informações relevantes para as
estações de controle em terra e outras aeronaves dotadas com
outro equipamento ADS-B.
Esse sistema fornece informações precisas e frequentes
atualizações para aeronaves e controladores, melhorando a utilização
do espaço aéreo e reduzindo o limite das restrições de visibilidade.
Melhora também a vigilância de superfície e fornece segurança
reforçada (gestão de conflitos).
Existe também o ADS-destinatário/contrato (ADS-A ou C) que,
com base em uma negociação um-para-um entre duas aeronaves,
fornece informações e facilita o recebimento de mensagens ADS em
solo. No sistema FANS, a comunicação utilizando o ADS-A/C permite
que as informações transmitidas de uma aeronave que esteja voando
em área sem cobertura radar sejam dirigidas para uma outra
aeronave específica, e que esta realize uma “ponte” e repasse as
informações para um controle de tráfego.
ATC Data Link– Air Traffic Control Data Link
(Controle de Tráfego Aéreo por Transmissão de Dados)
O Controle de Trafego Aéreo (ATC) é um serviço prestado
às aeronaves no solo e no ar por controladores baseados em
estações terrestres. O objetivo principal é manter as aeronaves
separadas para evitar colisões, organizar o fluxo de tráfego,
fornecer informações e outros apoios para os pilotos. Evitar
colisões requer distância entre aeronaves, com o uso de mínimos
de separação lateral, vertical e longitudinal. Hoje, utilizam-se
sistemas anticolisão instalados para funcionar como um backup
para ATC, observações e instruções. Além de sua função
primária, o ATC pode fornecer serviços adicionais, como
informações sobre meteorologia, navegação e NOTAMs. A
função Data Link, por sua vez, substitui as comunicações de voz
entre a tripulação e os controladores de tráfego aéreo, permitindo
à tripulação solicitar desvios ou alterações no plano de voo de
forma mais rápida e segura. O controlador, por sua vez, tem a
possibilidade de solicitar, diretamente, alterações no plano de
voo.
RNP – Required Navigational Performance
(Performance de Navegação Necessária).
O critério RNP parte de um conceito mais amplo, chamado
“Performance de Navegação”. É um método de execução de
rotas de voo que difere dos métodos anteriores, pois, além da
especificação de desempenho que a aeronave deve seguir antes
do voo, o sistema acompanha o desempenho alcançado e
fornece um alerta, no caso do não cumprimento das
especificações do plano de voo. A performance de navegação é
constantemente monitorada. Ele determina as necessidades
na orientação e controla as aeronaves em voo normal, no solo
e com baixas visibilidades, melhorando a segurança do voo em
toda a sua duração. O sistema também é reconhecido por sua
capacidade de reduzir o consumo de combustível, o ruído e a
emissão de gases, e de aumentar a eficiência operacional.
O RNP permite aos controladores apurar os dados para
aproximação e aterragem bem antes que as aeronaves cheguem
ao seu destino. Em consequência, as aeronaves, em uma
velocidade ideal, percorrem caminhos estreitos, rápidos e
extremamente seguros, nos terminais de operação.
RTA – Required Time of Arrival (Tempo Necessário
de Chegada)
Permite à tripulação ajustar a aeronave para cruzar uma
latitude ou longitude em um horário predeterminado. A velocidade
de cruzeiro é automaticamente definida para atingir uma posição
no espaço no horário desejado, com precisão de mais ou menos
30 segundos. Como vantagens para os operadores, há também
redução no consumo de combustível e aumento na capacidade
de carga útil em vôos com restrição de peso máximo para
decolagem. Além dessas vantagens econômicas, alguns ganhos
operacionais podem ser citados:
- menor separação entre as aeronaves, fazendo com
que mais aeronaves voem em suas altitudes ideais;
- criação de rotas dinâmicas, tendo em vista que as
informações meteorológicas podem ser transmitidas em tempo
real para a tripulação, possibilitando a alteração do plano de
voo atual;
- menor tempo de resposta, pois a tripulação pode receber
resposta a uma solicitação mais rapidamente e executar a ação
desejada;
- rotas otimizadas, pois com o FANS é possível traçar
rotas mais diretas, reduzindo o tempo e, consequentemente, o
consumo de combustível.
Enfim, são inúmeras as melhorias do sistema FANS: a
transição da comunicação de voz para a comunicação digital,
utilizando o ACARS como meio de comunicação, a transição da
navegação por inércia para a navegação por satélite, utilizando
os satélites GPS e introduzindo o conceito real de performance
de navegação (ANP), e a transição dos relatórios de voz para
relatórios automáticos digitais, por meio do aplicativo ADS.
Rotas extremamente definidas, impedindo erros que
venham a provocar colisão entre aeronaves; mudanças de plano
de voo on line, permitindo o aproveitamento de correntes de ar
e a fuga de situações climáticas adversas e perigosas, e níveis
de voo mais precisos, comportando o crescente fluxo de
aeronaves e permitindo menor distância entre elas, são aspectos
que garantem a segurança de vôo hoje e amanhã.
Esse novo sistema de navegação aérea também possibilita
a troca de informações detalhadas entre a cabine e a TWR
(transmissão de dados virtuais de fácil visualização), reduzindo
a excessiva conversação, garantindo à tripulação uma informação
correta sobre a navegação e a troca de informações on line
sobre os diversos sistemas da aeronave (motor, aviônicos,
sistema hidráulico, etc).
Todos esses conceitos que, como peças de um grande
quebra-cabeças, formam um moderno e eficaz sistema de troca
de dados, reflete diretamente na segurança de voo e na
navegação, com economia de combustível e redução do tempo
de voo.
Texto: Maj Antônio Geraldo Rodrigues
O autor é oficial do Exército Brasileiro, especializado em
Gerência de Manutenção de Aeronaves e pós-graduado em
Logística de Aviação pelo Centro de Instrução de Aviação do
Exército, possui o Curso de Logística e Mobilização da Escola
Superior de Guerra e atualmente exerce a função de Adjunto,
na 3ª Seção do Comando de Aviação do Exército (CAvEx).
e-mail: [email protected]
O SMS: A EVOLUÇÃO NATURAL DA SEGURANÇA OPERACIONAL
A labuta incessante da Segurança Operacional nesses últimos
anos conta com uma iniciativa promissora da Organização de Aviação
Civil Internacional (OACI): a criação do Safety Management Systems
(SMS) ou Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional,
apresentada em seu Doc 9859, do ano 2006.
O SMS é fruto da evolução natural do “universo” da
investigação de acidentes aeronáuticos, onde é inevitável apontarmos,
atualmente, para os fatores organizacionais como elementos de
estudos e análises dos prováveis fatores contribuintes de incidentes
e acidentes aéreos.
Foram-se os anos 50, quando os aspectos técnicos e
materiais estavam no escopo das investigações, bem como a década
de 70, durante a qual os fatores humanos e suas intrínsecas análises
psicológicas fluíam nas recomendações
de segurança.
Agora, mais precisamente a
partir dos anos 90, não desprezando os
focos anteriores, mas observando o
futuro, a Segurança Operacional fixa
suas atenções na organização, na
empresa aérea como um todo. Buscase a interação da Segurança Operacional
com os vários sistemas que compõem o
complexo da aviação. Por que não
transformá-la em um sistema que venha
a permear todos os outros? Afinal de
contas, o relacionamento profícuo entre os sistemas de aviação
garantirá a viabilidade do “negócio aéreo”, e nada mais salutar do
que contar com a Segurança Operacional como um sistema com o
objetivo de preservar a vida humana, os meios aeronáuticos e, nos
dias de hoje, a confiabilidade, que é de importância fundamental
para as empresas e organizações.
Atenta à relevância do assunto, a OACI desenvolve o tema
com propriedade e define o SMS como “[...] uma abordagem
sistemática para o gerenciamento de segurança, abrangendo as
estruturas organizacionais, responsabilidades, políticas e
procedimentos de uma organização”, isto é, por meio do SMS
objetiva-se implantar a Segurança Operacional da forma mais
abrangente possível em uma organização, enraizando seus princípios
em todos os seus integrantes.
Para se atingir tal objetivo, o SMS conta com seus quatro
pilares fundamentais:
- A determinação de uma POLÍTICA segundo a qual a
organização ou empresa determina seus objetivos de segurança,
estabelece responsabilidades e regras que definirão uma direção a
ser seguida;
- O GERENCIAMENTO DO RISCO, que é uma análise
diuturna dos fatores de risco inerentes à atividade aérea,
confrontando-se as probabilidades do acontecimento de um evento
versus a gravidade do mesmo. Obtém-se uma quantificação dos
riscos que permitirá a tomada de medidas mitigatórias, reduzindo-os
a níveis aceitáveis;
- A COMUNICAÇÃO das ações mitigatórias após análise
dos riscos é fundamental para que não se incorra em acidentes e
incidentes previamente estudados; e
- A CULTURA DE SEGURANÇA
de uma organização, que deve permear
todos os seus membros. O “pensar
Segurança Operacional” em cada tarefa
deve ser natural entre os integrantes de
uma empresa aérea. A obtenção dessa
consciência coletiva elevará a segurança
a níveis desejados, praticamente sem
custos adicionais.
O SMS, como o mais novo
integrante dos Sistemas de Aviação, vem
estabelecer ações preditivas que visam
mitigar os riscos muito antes de eles se
manifestarem, reduzindo seus efeitos ao mínimo possível e mantendo
a continuidade das operações com segurança. Segue-se a mesma
filosofia que diz “a Segurança de Voo não impede a atividade aérea;
antes, permite sua realização com segurança”.
Portanto, espera-se que em breve o SMS venha a contribuir
de forma contumaz em todas as áreas da aviação, estabelecendo
políticas, estimulando a comunicação, gerenciando todos os riscos
perceptíveis e, por fim, desenvolvendo uma cultura de segurança
abrangente que envolva todos em uma mesma consciência: a
preservação da vida humana.
Texto: Cap André Luiz Pereira Santos
o autor é oficial do Exército Brasileiro, especializado como piloto de
aeronaves pelo Centro de Instrução de Aviação do Exercito, possui
o curso de Oficial de Segurança de Operacional pelo Centro de
Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e atualmente
exerce a função de Chefe da Seção de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos do 1º Batalhão de Aviação do Exercito
E-mail [email protected]
HEALTH MONITORING SYSTEMS PARA SEGURANÇA DE VOO
O que há alguns anos poderia parecer ficção científica,
atualmente já é uma tecnologia comum nas aeronaves modernas.
Os chamados Health Monitoring Systems (HMS) são sistemas que
visam manter a aeronave nas suas condições nominais de
funcionamento e garantir a segurança e a eficiência toda vez em que
ocorrerem situações anormais. O HMS é realizado pelo
monitoramento do ciclo de vida de componentes e subsistemas, por
meio de sensores e algoritmos computacionais.
A arquitetura básica desse tipo de sistema consiste de sensores
que transformam em sinais elétricos as variáveis de interesse da
aeronave. Em seguida, esses sinais são processados e comparados
com o banco de dados existente da variável em questão e, por fim, é
apresentado para um operador ou para uma central de
monitoramento o estado atual do componente e sua probabilidade
de falha, conforme mostrado na figura 1.
Figura 2 - Estado do Material pelo tempo (a), usando Manutenção
Agendada, e (b), usando Manutenção Condicionada
Nos últimos 10 anos, os avanços tecnológicos em equipamentos
da cabine de comando e na análise de dados aumentaram o potencial
de obtenção e análise de informações sobre as características de
voo de uma aeronave durante sua operação. Mais importante do
que determinar as causas de um acidente é o uso dessas informações
para analisar rotineiramente os dados gravados durante operação
em linhas aéreas, visando prevenir acidentes. Em anos recentes,
muitos países já desenvolveram programas para gravação e análise
de dados operacionais.
O uso dessa ferramenta reduz atrasos de manutenção e
cancelamentos de voos, manutenções desnecessárias, o preço do
seguro devido à redução do número de acidentes, e incidentes e
despesas advindas de sinistros.
Figura 1 – Diagrama simplificado de um Health Monitoring System
Incremento do Nível de Segurança de Voo
Inspeções agendadas e periódicas são necessárias para a
manutenção da segurança de voo e para a confiabilidade dos componentes
e sistemas. Essas inspeções buscam rachaduras, fadiga e pontos de
corrosão. Algumas vezes, nenhum dano é encontrado; entretanto, as
falhas imprevistas podem ocorrer entre uma inspeção e outra, e isso pode
levar a acidentes, como demonstrado na figura 2 (a). Isso é o que
chamamos de manutenção agendada e preventiva.
Com o emprego de ferramentas de HMS, é possível elevar o nível de
confiabilidade e segurança de uma aeronave, e detectar falhas
imprevisíveis antes que elas ocorram. Isso porque um sistema, estando
em constante monitoramento, permite identificar as tendências a falhas
futuras, de acordo com algum desvio do padrão de comportamento
conhecido. Dessa forma, uma intervenção de manutenção pode ser
realizada imediatamente, evitando-se a ocorrência de falhas. Isso é o que
chamamos de manutenção preditiva, como demonstrado na figura 2 (b).
FOQA
Além de agir na manutenção, o conceito de HMS também é
utilizado no Flight Operational Quality Assurance (FOQA), um
programa de prevenção específico, utilizado atualmente por diversas
empresas aéreas para aumentar o nível de segurança e minimizar
custos. O FOQA é um programa pró-ativo e não punitivo baseado na
análise dos parâmetros de voo e manutenção registrados nos
gravadores de voo das aeronaves.
O FOQA realiza a análise de dados de voo por meio de um
software especializado para identificar e corrigir desvio de operação
ou ocorrências anormais antes que seus efeitos adversos
comprometam a segurança operacional. A implementação do FOQA
requer a captura de parâmetros críticos de voo da aeronave,
processamento e análise desses dados coletados e também
providências de manutenção.
A Federal Aviation Administration (FAA) estima que as aeronaves
no estado da arte proporcionam uma economia de 892 milhões de
dólares por ano, devido a redução de despesas com combustível,
manutenção e custos diretos relacionados com acidentes.
HUMS
Como exemplo de sistema desenvolvido para gravação e
análise do voo, temos o Health and Usage Monitoring System
(HUMS), um sistema de diagnóstico de falhas voltado para aeronaves
de asas rotativas que tem como propósito a indicação, em tempo
real, da degradação de componentes de um helicóptero, para que,
assim que um nível crítico seja atingido, ocorra uma intervenção de
manutenção e reparo do defeito.
O HUMS é usado como um método complementar aos
métodos de revisões de manutenção já existentes, com o intuito de
aumentar a aeronavegabilidade continuada da aeronave, com uma
margem de segurança maior.
A característica mais importante desse sistema é que ele
identifica defeitos do helicóptero, analisando variações nas amplitudes
das frequências de vibração da aeronave. Isso é especialmente
importante para identificar problemas nos conjuntos rotativos dos
helicópteros, o que por muitas vezes eliminará a necessidade da
realização de voos de manutenção para ajustes no conjunto dinâmico
que são o rotor e as pás.
A figura mostra o espectro de vibração característico de um
helicóptero, que corresponderia a sua impressão digital. A vibração
medida em cada faixa de frequência está relacionada principalmente
à oscilação de uma parte da aeronave, que pode ser o motor, o rotor,
a transmissão, a fuselagem, etc. Qualquer variação com amplitude
anormal detectada numa faixa de frequência indicará um defeito em
um determinado subsistema do helicóptero.
Figura 3 - Espectro de Vibração de um helicóptero
O HUMS tem demonstrado que pode contribuir para o
incremento da aeronavegabilidade continuada, pois, segundo dados
da autoridade aeronáutica civil britânica, com ele se consegue a
detecção de mais de 70% das falhas que ocorrem em um helicóptero.
PERSPECTIVAS DO USO DO HMS
Observa-se uma tendência mundial de redução de acidentes
relacionados a falhas catastróficas de sistemas, em virtude dos
avanços tecnológicos alcançados e também do uso de sistemas como
o HMS.
O ponto crítico, que ainda rende muitas pesquisas sobre
esses sistemas, são os sensores, que precisam ser confiáveis,
baratos, resistentes a uma gama de temperaturas e à vibração das
aeronaves. O crescimento do uso de um sistema desse tipo depende
do aumento da confiabilidade dos sensores.
Como exemplo, no Japão existem estudos em andamento
para o monitoramento e diagnóstico de materiais compósitos usados
estruturalmente em aeronaves. O intuito é permitir que as falhas
nesses materiais possam ser identificadas prematuramente, para
que mais partes da aeronave possam ser constituídas desses
materiais, agregando qualidades, como o baixo peso desse material,
o que permitirá uma grande redução de peso e, por conseguinte,
economia de combustível para as companhias aéreas.
Texto:
Cap Rodrigo Machado de Albuquerque
O autor é oficial do Exército Brasileiro, piloto de
aeronaves especializado pelo Centro de
Instrução de Aviação do Exército, atualmente
está realizando o Curso de Especialização em
Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade
Continuada no ITA, e exerce a função de
Ajudante - Secretário do 1º Batalhão de
Aviação do Exército (1º BAvEx).
1º Ten Raphael Gomes Cortes
O autor é oficial do Exército Brasileiro,
graduado em Engenharia Eletrônica no
Instituto Militar de Engenharia (IME), possui o
curso de especialização de Engenheiro de
Ensaios em Voo modalidade asas rotativas, no
Grupo Especial de Ensaios em Voo (GEEV).
Atualmente, realiza o Curso de especialização
em Segurança de Aviação e
Aeronavegabilidade Continuada, no ITA, e
exerce a função de adjunto na Seção de
Engenharia do Batalhão de Manutenção e
Suprimento de Aviação do Exército.
“DORES NAS COSTAS” NO AERONAVEGANTE:
COMO NÃO SER MAIS UMA VÍTIMA?
– Oi Paulo, bom dia! Você tá indo pra onde?
– Tô levando uma turma para a plataforma P26.
– Ué, você não tava voando com o Pedro? Cadê ele?
– Nem te conto. Foi despedido de uma hora pra outra. Ele
tava reclamando de dores na coluna e não tava aguentando pilotar.
Então, foi ao médico e pegou um atestado para dois dias e, quando
voltou, tava na rua. Os caras não querem nem saber.
– Pois é, a gente tem que se cuidar!
Faça um teste com os seus companheiros aeronavegantes.
Pergunte, aleatoriamente, quem apresenta ou já apresentou algum
sintoma de “dor nas costas” (nas suas várias manifestações), em
algum momento de sua vida profissional. Você ficará surpreso ao
verificar que muitos responderão positivamente.
Muitas são as causas do sintoma “dor nas costas” na rotina
da clínica médica, considerando-se a população em geral. Podem
ser citados, como exemplos: desequilíbrios musculares, protusão
discal, hérnia discal, má postura, tumores, e outros.
O aeronavegante, além de estar sujeito a todas as forças
negativas inerentes à postura bípede do homem, paga um preço
bem alto, quando se aventura a voar. Essa afirmativa se torna mais
expressiva quando se considera o voo de helicóptero. Nesse voo, a
vibração e a ergonomia da aeronave contribuem para uma sobrecarga
maior para toda a coluna vertebral, havendo, conseqüentemente,
maior número de profissionais com queixas de lombalgia e/ou
cervicalgia, nesse universo.
As estatísticas mostram que a prevalência de “dores nas
costas” em pilotos de helicópteros chega quase a 90%. Esse número
isolado já reflete o quanto é delicado esse assunto, se raciocinarmos
da seguinte forma: será conveniente à saúde do aeronavegante o
exercício de sua profissão sob ação desconfortante da dor? Será
conveniente à segurança de voo a presença da lombalgia ou
cervicalgia agindo desfavoravelmente, tanto na concentração daquele
profissional, quanto na sua performance?
É de extrema importância, portanto, respondermos a duas
questões fundamentais, nesse cenário:
1. Por que é tão prevalente essa patologia entre os
aeronavegantes?
2. Como se prevenir de tal quadro clínico?
Para responder à primeira pergunta, deve-se entender que
o aeronavegante muitas vezes permanece na mesma posição por
horas seguidas sob estresse psicológico e físico inerente à própria
atividade, o que, por si só, já favorece o aparecimento do quadro
clínico expresso pela queixa de “dor nas costas”. Aliado a esse fator,
que é comum a todos os aeronavegantes, pode-se citar como um
grande complicador a ergonomia de muitas aeronaves, que favorece
os desequilíbrios musculares, posturas inadequadas e, em
decorrência, o desenvolvimento do quadro de lombalgias e/ou
cervicalgias.
Ao examinar a ergonomia das aeronaves de asas rotativas,
por exemplo, observamos que a postura do piloto durante o voo é
com o tronco ligeiramente girado para a esquerda e,
simultaneamente, ligeiramente inclinado para frente, culminando, ao
longo do tempo, em alterações posturais importantes da coluna
vertebral, sobrecarregando grupos musculares e outras estruturas
anatômicas de forma significativa (FIG.1).
FIG.1 Ilustração da postura que o piloto de helicóptero mantém
durante o voo
(foto do Artigo Técnico – ANAC: “O piloto e o helicóptero”)
Tal postura é responsável pelo encurtamento muscular
unilateral da musculatura que sustenta o corpo e que está ligada à
coluna vertebral, resultando em dores e alterações
músculoesqueléticas importantes.
Ainda respondendo à primeira questão, outro importante
fator para maior prevalência de lombalgias e cervicalgias em
aeronavegantes é o elemento “vibração”, tão presente nos
helicópteros.
A fim de entender seu modo de ação, inicialmente é imperativo
defini-la: “VIBRAÇÃO é uma onda mecânica que se propaga pela
estrutura com a qual faz contato”, sendo de conhecimento científico
que, quanto mais próxima a frequência de vibração estiver da
freqüência de ressonância do tecido, de maneira mais intensa este
responderá aos efeitos prejudiciais desse fator.
Tal informação é relevante quando se entende que a
freqüência de ressonância da coluna vertebral é muito próxima à
freqüência de vibração do rotor principal da maioria das aeronaves
de asas rotativas, em torno de 4 a 8 Hz, o que contribui para que a
coluna vertebral responda de maneira muito negativa à vibração.
Essa ação mecânica leva a um prejuízo direto nos discos
intervertebrais, além de provocar maior compressão nesse nível
quando o indivíduo se encontra sentado. Outro aspecto importante é
a resposta muscular adjacente a essa estrutura, que mantém uma
contração rítmica em resposta à vibração. Dessa forma, existe um
aumento da força compressiva sobre a coluna, que já se encontra
em rotação pelo próprio padrão do voo, como já evidenciado. Aqui,
cabe salientar que o tecido adiposo amplifica os efeitos prejudiciais
da vibração nos tecidos e articulações, em especial na coluna
vertebral.
Uma vez estabelecidos os vários fatores estressogênicos
aos aeronavegantes e seu sistema osteomuscular – no contexto
deste artigo, sua coluna vertebral –, torna-se possível traçar estratégias
preventivas para que se impeçam ou se minimizem todos os prejuízos
causados pela rotina laboral desse grupo de profissionais.
AUTO -ALONGAMENTO
0. Inicialmente, deitar-se
sobre uma superfície
rígida, com todos os
segmentos do corpo
apoiados, procurando se
conscientizar da postura
corporal
adotada.
Respiração tranquila.
1. Abraçar os dois joelhos
fletidos juntos.
2. Abraçar um joelho fletido
de cada vez.
3. Sentar-se com a coluna
apoiada na parede,
abraçar os dois joelhos
fletidos juntos.
4. Sentar-se com a coluna
apoiada na parede, jogar
o joelho fletido para o lado
contralateral e abraçá-lo
levando a uma rotação do
tronco.
5. Ainda sentado, com
apoio na parede, estender
as duas pernas e flexionar
os pés – dorso flexão.
6. No próximo passo,
apoiar os braços na
parede, flexionando o
tronco, alongando a
coluna, os braços e a
região peitoral.
7. De pé, com as pernas
fechadas, lateralizar o
tronco usando o peso do
corpo para maior eficiência
do alongamento.
Abaixo são apresentadas as várias medidas preventivas que
podem ser adotadas para se obter melhor qualidade de vida, tanto em
curto quanto em médio e longo prazos, sempre visando ao equilíbrio
entre os aspectos profissionais e individuais dos aeronavegantes.
1. TRABALHO DE ALONGAMENTO – visando à simetria
muscular, principalmente da musculatura anterior e lateral de tronco,
musculatura posterior de perna, musculatura anterior de pescoço e de
quadril.
Dessa forma, enfatizamos o AUTO-ALONGAMENTO, antes e
após a atividade de voo, melhorando a postura e minimizando possíveis
quadros álgicos. Ao lado, sugerimos sete posições de fácil execução
que devem ser realizadas em duas séries de trinta segundos para
cada exercício – lado direito e esquerdo (tempo total: 7 a 10 minutos).
2. TRABALHO POSTURAL GLOBAL, SOB SUPERVISÃO
ESPECIALIZADA – no mínimo, duas vezes por semana, objetivando
estabilização, alongamento e fortalecimento, tanto da musculatura
utilizada na atividade, quanto da musculatura profunda de estabilização
que se encontra inibida na presença do quadro álgico. Para esse
trabalho, o ideal é procurar profissionais da área de FISIOTERAPIA que
sejam especialistas nas técnicas de RGP e/ou PILATES, e/ou
ISOSTRETCHING, sendo fundamental a inclusão, na terapêutica, de
técnicas de “estabilização segmentar” no tratamento.
3. Manutenção do peso corporal dentro dos parâmetros da
normalidade, para evitar que o tecido adiposo seja um amplificador dos
efeitos prejudiciais da vibração sobre o organismo, no caso das
aeronaves de asas rotativas.
4. Manutenção de atividade física regular, preparando assim
todo o sistema musculoesquelético para a rotina extenuante à qual é
submetido o aeronavegante.
Cabe ressaltar que algumas lesões em discos intervertebrais
(Ex.: hérnia discal), ou seja, na coluna vertebral, têm caráter irreversível.
Uma vez presentes, resta somente a estabilização do quadro por meio
de medidas terapêuticas conservadoras ou, mesmo, intervenção
cirúrgica.
Podemos concluir que, na atividade aérea, o organismo está a
todo instante sendo testado na sua capacidade de resistência e
adaptação. Aos profissionais dessa área deve ser dado todo o
esclarecimento necessário, a fim de que possam fazer das medidas de
prevenção uma rotina diária e consciente, objetivando equilíbrio físico e
psíquico, tanto na vida profissional quanto na vida pessoal. Todos devem
ter em mente que cuidar do corpo é um investimento de longo prazo
com retorno garantido. A vida há de cobrar!
Texto:
Major Carla Lobo Loureiro
A autora é oficial do Exército Brasileiro, graduada em medicina pela
UFRJ, possui o Curso de Formação de Oficial Médico da Escola de
Saúde do Exército, Curso de Especialização em Medicina Aeroespacial
da Universidade da Força Aérea (UNIFA) e o Curso de Investigação de
Acidentes Aeronáuticos – Fator Humano - do CENIPA. Atualmente é
membro da Junta de Inspeção de Saúde do Comando de Aviação do
Exército.
Fabrício Lisboa Azzolini
O autor é fisioterapeuta, graduado em pela Universidade de Taubaté,
pós graduado em Ortopedia Traumato Desportiva pela Universidade de
Taubaté, especialista em Reeducação Postural Global (RPG) e Pilates
pelo Centro Brasileiro De Fisioterapia (CBF). Atualmente é integrante
do Centro Integrado de Reabilitação (CIR) do município de Caçapava e
atua na área traumato desportiva do município de Taubaté.
SIMULAÇÃO: O USO DA TECNOLOGIA EM PROL
DA SEGURANÇA DE VOO
O domínio do espaço aéreo representa uma vantagem
estratégica definitiva em situações de conflito, como comprovado
nas Guerras do Golfo. Esse fenômeno tem exigido investimentos
crescentes dos exércitos, em suas forças de aviação. Um resultado
imediato desse processo é o aumento do número de tripulações a
serem treinadas, o que representa aumento de custos para as
instituições envolvidas, militares ou civis. Uma vez que o mais caro
elemento envolvido no voo é a vida humana, a questão da segurança
de voo deve ter sempre prioridade, principalmente no que se refere
ao treinamento das tripulações, responsáveis diretos pelas vidas
transportadas.
Diante da necessidade de treinar e qualificar cada vez mais
pilotos e operadores de sistemas aéreos (como controladores de
espaço aéreo e tripulações), a ciência da simulação vem ampliando
o seu espaço no Mundo da Aviação. O desenvolvimento da tecnologia
tem permitido a criação de sistemas que reproduzem com grande
fidelidade os mais diversos e complexos sistemas reais. O treinamento
de voo com uso de simuladores tem duas grandes vantagens sobre
o treinamento de voo em aeronaves reais. A primeira delas refere-se
ao custo. Uma vez desenvolvido o simulador, os custos da hora de
treinamento são consideravelmente menores, quando comparados
ao custo da hora de voo em uma aeronave real. A segunda relacionase à possibilidade de treinar as tripulações no desempenho de
procedimentos que não podem ser treinados com segurança em um
voo real, devido ao alto risco envolvido como, por exemplo, no caso
de perda de motor, panes em sistemas vitais e operação em condições
extremas.
Para segurança de voo, a simulação apresenta três grandes
vantagens:
1- A possibilidade de oferecer um treinamento realístico ao
piloto iniciante, reduzindo riscos de acidentes nas fases iniciais do
processo de treinamento;
2- A possibilidade de realizar um número muito maior de horas
de treinamento a um custo reduzido, melhorando a qualificação do
piloto;
3- A possibilidade de treinar procedimentos de resposta a
situações que jamais poderiam ser treinadas com segurança no voo
real.
Naturalmente, para garantir a eficácia do treinamento é
fundamental observar o grau de realismo oferecido pelo sistema de
simulação, ou seja, o grau de fidelidade da reprodução das condições
simuladas. Nesse ponto entra um elemento técnico de grande
importância: a certificação do produto/sistema.
A certificação de um produto é, muitas vezes, vista como um
processo caro e burocrático. Todavia, é esse processo que assegura
o cumprimento dos requisitos necessários para se alcançar os
resultados pretendidos. No caso do simulador, é o processo de
certificação que permitirá avaliar com que fidelidade o simulador “imita”
a aeronave e, portanto, qual sua eficácia como ferramenta de
treinamento.
A cerificação é, na realidade, uma verificação do projeto
fundamentada em um documento de referência, a “base de
certificação”, constituída por um conjunto de normas reconhecidas
nacional ou internacionalmente. À luz das normas definidas na base
de certificação é feita, então, uma verificação do cumprimento de um
conjunto predefinido de requisitos pelo produto/sistema que está sendo
avaliado. Ela é, portanto, a garantia de funcionalidade do produto/
sistema certificado.
Um órgão internacionalmente reconhecido como paradigma
na questão da normatização na aviação é a Federal Aviation
Administration (FAA), norte-americana. Esse órgão edita normas
que são adaptadas e adotadas por diversas agências de aviação no
mundo, inclusive a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC)
brasileira. Cabe ressaltar que, no caso da aviação civil, a
regulamentação brasileira exige o cumprimento de normas editadas
pela ANAC, para certificação de simuladores. No Brasil, a ANAC
adota a norma FAR-60 [1], editada pela FAA, como referência para
a certificação de treinadores e de simuladores de voo. A utilização de
um treinador de voo certificado pode substituir até 70 horas de voo
em uma aeronave real no ciclo completo de formação de um piloto de
helicópteros. No caso do emprego de um simulador de voo certificado,
esse total pode chegar a 145 horas de voo. Adicionalmente, a
habilitação de tipo, bem como sua revalidação, podem ser realizadas
com o emprego de um simulador certificado [2].
A TECNOLOGIA À DISPOSIÇÃO DA SEGURANÇA NA
AVIAÇÃO DO EXÉRCITO
Com vistas ao aprimoramento da qualidade do treinamento de
seus pilotos, a Aviação do Exército busca a implantação de um Centro
de Simulação de Voo para o treinamento de seus pilotos. O Centro
de Instrução da Aviação do Exército (CIAvEx) já tem, funcionando
em suas instalações, um conjunto de cinco treinadores da aeronave
Esquilo que permitem o treinamento de diversos procedimentos de
voo, além de possibilitarem o adestramento quanto ao emprego tático
de uma fração de helicópteros, por meio da integração em rede dos
treinadores.
Foto: Central de controle do Treinador Sintético do
Centro de Instrução de Aviação do Exército
Encontra-se também em desenvolvimento pelo Centro
Tecnológico do Exército (CTEx), por intermédio de seu Grupo de
Apoio à Aviação do Exército (GApAvEx), o Simulador do Helicóptero
Fennec (SHEFE), que deverá integrar o Centro de Simulação de
Voo da Aviação do Exército. O CTEx é um órgão integrante do
Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército (SCTEx), cuja missão
precípua é a pesquisa aplicada e o desenvolvimento experimental de
produtos de defesa.
As tecnologias associadas ao desenvolvimento de simuladores
envolvem quatro grandes desafios [3]: o sistema visual, a plataforma
de movimento, o modelo de simulação e a integração dos sistemas,
de forma a atender aos requisitos de certificação que garante o grau
de realismo e, consequentemente, a eficácia do simulador como
ferramenta de treinamento.
O desafio do sistema visual exige que o piloto se sinta num
ambiente idêntico ao que encontraria durante o voo real com a
aeronave, com um amplo campo visual, sem distorções ou
descontinuidades, além de uma altíssima definição das imagens,
que devem representar com fidedignidade os locais onde o piloto
voará. Uma vez que os helicópteros voam a baixa altura, o nível de
definição das imagens deve reproduzir o cenário com elevado realismo
e grau de detalhamento. Outro fator importante é a grande
manobrabilidade do helicóptero, o que exige que os processadores
do sistema visual construam imagens em altíssima velocidade. A
plataforma de movimento deve movimentar-se com seis graus de
liberdade, isto é, transladar e rolar nos três eixos possíveis, garantindo
tempos de resposta compatíveis com as respostas aerodinâmicas
de uma aeronave real, conforme previsto na norma de certificação,
que, no caso deste projeto, garantirá o nível B de certificação da
FAA.
O maior desafio tecnológico e o maior custo de um simulador
estão relacionados ao desenvolvimento do modelo de simulação.
Trata-se de uma tecnologia sensível e complexa, dominada por
poucos países. É a fidelidade do modelo
de simulação que assegura que o
simulador se comporte e apresente
respostas idênticas às da aeronave
simulada. Para fins de certificação, exigese que os dados de desempenho da
aeronave simulada sejam conhecidos em
detalhes e que o simulador consiga
demonstrar objetivamente sua capacidade
de reproduzir tal desempenho. Em regra,
para alcançar esse objetivo é necessária a
realização de campanhas de ensaios em
voo. O modelo de simulação está sendo
projetado e implementado de forma
modular, e seu domínio garantirá a
possibilidade do desenvolvimento de
simuladores para as demais aeronaves da
Aviação do Exército.
Quanto à integração, esta é
sempre um grande desafio em projetos de
engenharia multidisciplinares. A capacidade
de responder conforme a manobrabilidade
(resposta do sistema aos comandos) e a maneabilidade (sensibilidade
da resposta aos comandos) da aeronave real envolve a capacidade
de integrar corretamente o conjunto de comandos, a plataforma, os
aviônicos, o sistema visual e os demais dispositivos de cabine, de
forma que o piloto tenha a sensação de voo real.
Atualmente, a primeira versão do protótipo do simulador
SHEFE, para a Aviação do Exército, encontra-se em fase final de
desenvolvimento, contando com o assessoramento técnico prestado
por instrutores de voo do CIAvEx que integram a equipe do projeto.
Com o projeto SHEFE, o CTEx visa oferecer sua contribuição
científica e tecnológica ao aprimoramento da capacidade de
treinamento da Aviação do Exército e, por conseguinte, à segurança
de voo.
A simulação mostra-se, portanto, como uma poderosa
ferramenta para o treinamento dos profissionais de voo, sendo
elemento cada vez mais fundamental no aperfeiçoamento do
treinamento, aumentando a segurança dos alunos e dos sistemas.
Sem dúvida, é uma aplicação da tecnologia em prol da segurança e
da qualidade do treinamento, na qual a segurança de voo certamente
está incluída.
Texto: Marcelo Buonocore Nunes
O autor, oficial do Exército Brasileiro, é formado pelo Instituto
Militar de Engenharia, mestre em Ciências da Computação pelo
Instituto Militar de Engenharia, doutorando no Instituto Tecnológico
da Aeronáutica, com especialização e recebimento de Aeronaves
pelo Grupo Especial de Ensaios em Voo do CTA. Atualmente,
exerce a função de Chefe do Escritório do CTEx de Taubaté.
E-mail: [email protected]
Referências:
[1] Federal Aviation Administration, FAR-60 Flight simulation training
device initial and continuing qualification and use.
[2] Agência Nacional de Aviação Civil, RBHA 061 requisitos para
concessão de licenças de pilotos e instrutores de voo.
[3] Centro Tecnológico do Exército, Projeto Básico do Simulador
para Helicópteros Esquilo e Fennec M3 (Simulador SHEFE M3).
Foto: Simulação de um voo noturno com óculos de visão noturna
no treinador sintético do CIAvEx
RECUPERAÇÃO DE ATITUDES ANORMAIS EM HELICÓPTEROS
Como interromper um acidente em andamento
CONHECENDO O PROBLEMA
Todo aviador, seja ele piloto de avião ou de helicóptero, já
ouviu as expressões atitude anormal, desorientação espacial e
vertigem, além da sigla CFIT (controlled flight into terrain – voo
controlado através do terreno). Muitos, porém, não possuem clara
noção do que cada um desses conceitos significa, nem como se
relacionam.
CFIT denomina um tipo de acidente em que uma aeronave
perfeitamente controlável colide em voo com o relevo, seja ele solo
ou água. É a conseqüência final de um dos dois tipos de
desorientação espacial: a geográfica (ou de navegação) e a
espacial (relativa à atitude da aeronave). Os dois tipos de
desorientação espacial são ligados à consciência situacional do
piloto nos controles da aeronave (pilot at controls – PAC).
Na desorientação espacial geográfica, o piloto perde a
noção da posição da aeronave em relação a sua navegação, seja
ela horizontal (posição no mapa) ou vertical (altura em relação ao
terreno). A aeronave, então em voo controlado, colide com o terreno
por estar em local e/ou altitude indevidos. Ocorre um CFIT,
classificado como “colisão em voo com obstáculo”.
Para que se possa compreender o outro tipo de
desorientação espacial, é preciso considerar os eixos da aeronave:
longitudinal, lateral e vertical. Os ângulos formados entre os eixos
longitudinal e lateral em relação ao plano do horizonte definem a
atitude de cabrada (pitch) e inclinação (roll) da aeronave. O
movimento da aeronave ao redor do eixo vertical define sua guinada
(yaw). Para a pilotagem de aviões, as atitudes de cabrada e
inclinação são mais relevantes do que a de guinada, que neles é
limitada. No caso dos helicópteros, porém, quando voando a baixa
velocidade ou no pairado, a atitude de guinada é de relevância
crucial para o controle da aeronave.
A expressão atitude anormal descreve a situação em que
os eixos de orientação da aeronave passam por posições, em
relação ao plano horizontal da terra, sem ter havido um comando
consciente do piloto (PAC). Problemas mecânicos ou hidráulicos
que afetem os comandos de voo, problemas elétricos como disparos
dos compensadores (beep trim, trim release, force trim, etc.) e
panes nos sistemas eletrônicos do piloto automático ou nos sistemas
de incremento de estabilidade (stability augmentation system –
SAS), bem como deslocamento de carga que alterem o centro de
gravidade, podem fazer com que uma aeronave entre em atitude
anormal. Fenômenos meteorológicos, como tesouras de vento (wind
shear) e nuvens com grande desenvolvimento vertical (CB e TCU)
também podem causar a atitude anormal. Além disso, um piloto com
a consciência situacional diminuída, por efeito de desorientação
espacial relativa à atitude, pode comandar a aeronave de forma
involuntária, colocando-a em atitude anormal. Em qualquer dos casos,
se a atitude normal não for recuperada, pode ocorrer um acidente
classificado como “com comandos de voo”, “falha de sistema”, “com
carga” ou “perda do controle em voo”, dependendo de qual foi a
primeira situação ocorrida, na sequência de eventos.
A vertigem é a sensação de desorientação, um desconforto
advindo do conflito das informações sensoriais recebidas por uma
pessoa. Pode acontecer sem desorientação espacial e vice-versa.
Qualquer pessoa pode ter sensação de vertigem, estando a bordo
de uma aeronave que esteja voando perfeitamente nivelada, inclusive
os pilotos, principalmente durante voos com visibilidade restrita ou
em situação de poucas referências visuais (voo visual noturno ou
sobre terrenos com cobertura muito homogênea, como selva, mar,
dunas de areia, neve, etc.). A vertigem, por si só, não gera acidentes
aeronáuticos. Pilotos são treinados para manter o controle da
aeronave e sua orientação espacial, mesmo com a sensação de
vertigem. A vertigem sentida pelo piloto é um indicador de que as
condições para ocorrer a desorientação espacial estão presentes.
A desorientação espacial (de qualquer dos dois tipos) é um
efeito cognitivo ligado à consciência situacional, e pode se tornar a
origem de acidentes. Já a atitude anormal é uma conseqüência de
problemas com a aeronave ou da desorientação espacial do piloto
(PAC). O CFIT é um tipo de acidente, e a vertigem é uma sensação
desconfortável de desorientação que pode ocorrer sem que a
aeronave esteja em atitude anormal.
A desorientação espacial ocorre na cabeça do piloto, é sutil e
geralmente começa com pouca amplitude. A atitude anormal ocorre
com a aeronave, e tende a ser agressiva e de grande amplitude.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Nos casos das atitudes anormais causadas por problemas
mecânicos, os pilotos têm pouca ou nenhuma ação para evitar as
conseqüências. A pilotagem pode se tornar impossível, e as medidas
de prevenção para evitar acidentes dessa natureza são voltadas
para a manutenção das aeronaves e para o correto posicionamento
e amarração das cargas transportadas.
A regra para evitar que a vertigem se torne, efetivamente,
um caso de desorientação espacial e que leve a uma atitude anormal
da aeronave, é manter a pilotagem da aeronave confiando nos
instrumentos de voo. É o caso clássico da desorientação espacial
ocorrida durante o voo e em condições meteorológicas por
instrumentos (IMC).
A prevenção dos casos de CFIT está relacionada com a
adoção de meios para evitar a desorientação espacial do tipo
geográfica. São medidas voltadas para o acompanhamento da
navegação da aeronave, a correção e atualização dos auxílios
disponíveis e a não-complacência com os sistemas automatizados
de auxílio à navegação: FMS (flight management system), GPS,
pilotos automáticos, etc.
Todos esses casos são extensamente documentados e
tratados em trabalhos específicos. O foco deste artigo volta-se, então,
para a prevenção dos casos de acidentes por perda de controle em
voo, causados por fenômenos meteorológicos ou gerados pela
desorientação espacial do PAC relativa à atitude da aeronave, quando
a mesma ainda está em condições aeronavegáveis, ou seja, sem
panes que impeçam a sua pilotagem efetiva.
A primeira medida de prevenção consiste em buscar e
identificar constantemente a presença de fenômenos meteorológicos
indesejáveis e de condições que favoreçam a perda da orientação
espacial. A ausência de horizonte definido, obscurecido por bruma
ou névoa, e voos de frente para o sol nascente ou poente são
algumas dessas condições. O pouso em áreas não preparadas pode
suspender grande quantidade de poeira, que envolve o helicóptero
(brown-out). O voo sobre grandes extensões de areia branca ou
neve causa o fenômeno do ofuscamento (white-out). O voo sobre o
mar, sem a visão da linha da costa, e sobre a selva, principalmente a
baixa altura, bem como o voo visual noturno sobre locais sem fontes
luminosas extensas, constituem ambientes que aumentam o risco de
desorientação espacial.
Uma vez que o piloto reconheça que as condições como as
descritas acima estão presentes, deve intensificar o cheque cruzado
com os instrumentos de voo, principalmente com o horizonte artificial.
Determinar de forma clara a altura/altitude e a proa a ser mantida
também auxilia a percepção e a correção de desvios, enquanto eles
são de pouca importância. Todos os recursos existentes no painel da
aeronave, como a seta do HSI, o “bug” do HDG e do radar-altímetro,
devem ser usados de forma efetiva, colocando-se o HSI e o HDG na
proa a ser mantida, e o BUG do radar altímetro, na altura mínima
aceitável.
Da mesma forma, se é necessário que o piloto nos controles
da aeronave olhe diretamente para baixo ou se concentre no terreno,
o outro piloto deverá monitorar os parâmetros de altura, velocidade,
inclinação, razão de subida ou descida, ângulo de cabrada, etc.,
informando ao PAC, claramente, os limites estipulados quando
estiverem próximos ou forem atingidos, e assumindo os comandos
da aeronave quando esses limites estiverem na iminência de ser
ultrapassados. Essa condição é comum em voos de busca sobre o
mar ou selva, durante o circuito de tráfego para aproximação em
área restrita e em voos de helicópteros policiais sobre áreas de risco
ou favelas, por exemplo. Cabe ao setor de operações estabelecer,
para cada tipo de voo, quais parâmetros devem ser informados,
caso atingidos, e a partir de quais valores o outro piloto deverá
assumir os comandos da aeronave.
AS MANOBRAS DE RECUPERAÇÃO DE ATITUDES
ANORMAIS EM HELICÓPTEROS
Diversos acidentes com helicópteros aconteceram por
entrada em atitude anormal em situações em que a aeronave ainda
estava em condições de ser pilotada adequadamente. Correntes
verticais de ar dentro de nuvens tipo TCU, desorientação espacial
relativa à atitude da aeronave em voos sobre o mar e durante voos
noturnos a baixa altura sobre regiões desabitadas são apenas
algumas das situações descritas em Relatórios Finais de acidentes
do CENIPA.
Apesar disso, inexiste um protocolo padrão para a
recuperação do controle de um helicóptero que esteja em atitude
anormal. Muitas vezes a reação dos pilotos não é adequada, o que
agrava a situação. Como referência, existe o exemplo do treinamento
realizado para as aeronaves de asas fixas. Na Academia da Força
Aérea, os cadetes são treinados, em aviões, para efetuar a
recuperação de atitudes anormais em duas situações: atitude picada
com alta velocidade e atitude cabrada com baixa velocidade. O
protocolo de atuação para o primeiro caso é: nivelar as asas reduzindo
a potência do motor e “trazer” o nariz da aeronave até o horizonte,
ajustando o motor para o regime desejado quando o “climb” estiver
positivo. Na segunda situação, de atitude cabrada e baixa velocidade,
o comportamento padronizado a ser executado é: completar o motor
“a pleno”, inclinar a aeronave até 90o (em voo visual) ou até 45o (em
voo por instrumentos), deixar o nariz “cair” até o horizonte e, então,
nivelar as asas, ajustando o regime do motor.
Ambas as situações são treinadas em situação de voo VMC,
na fase de manobras e acrobacias, e IMC, na fase básica de voo por
instrumentos. A execução da recuperação é feita passo a passo.
Primeiro nivelam-se as asas, reduzindo-se a potência do motor, depois
cabra-se a aeronave, etc. Caso a situação de aeronave cabrada
com baixa velocidade leve à entrada inadvertida em parafuso, faz-se
a recuperação conforme treinado na fase de pré-solo.
Os protocolos descritos, apesar de adequados para aviões,
não servem como orientação para a recuperação de atitudes anormais
em helicópteros em baixa velocidade. Para estes, serão propostos
três procedimentos de recuperação para três situações de atitude
anormal. Os dois primeiros são semelhantes aos adotados para
aeronaves de asas fixas:
Recuperação de atitude anormal picada com velocidade
acima da Vy
IMPLEMENTANDO TREINAMENTO TEÓRICO E PRÁTICO
Nessa situação, o maior risco é o de a aeronave colidir com
o solo. Ao perceber que o helicóptero está com atitude picada e
velocidade acima da Vy, qualquer que seja o ângulo de inclinação, o
piloto deverá:
1) Nivelar a inclinação lateral do helicóptero;
2) Aumentar o passo coletivo até o limite máximo; e
3) Cabrar o helicóptero até a atitude de voo nivelado (climb
em zero).
Quando a aeronave estiver estabilizada em voo nivelado,
ajustar a potência para manter o voo nivelado.
Todo treinamento, para ser eficaz, deve efetuar uma mudança
de comportamento real, baseada em conhecimento teórico e prático
e gerando uma resposta condicionada adequada para as situaçõesproblema. A implementação do treinamento de recuperação de
atitudes anormais em helicópteros deve levar em consideração a
necessidade do entendimento da teoria descrita no início deste artigo,
eliminando assim a confusão entre os diversos conceitos envolvidos.
O estudo dos casos de acidentes, principalmente daqueles nos quais
as aeronaves permaneciam em condições de ser controladas, é
importante para a criação de uma representação mental dos cenários
onde as ações de recuperação de atitudes anormais podem ser
necessárias.
A prática em simulador ou em treinador sintético de voo
possibilita a experimentação prática, facilitando a identificação das
três situações possíveis e o condicionamento da execução das
manobras de recuperação. Essas situações podem ser treinadas
em voo, uma vez que não é necessário extrapolar qualquer limite da
aeronave. Para tal, devem ser tomadas precauções adequadas de
segurança: adoção de alturas mínimas para o treinamento,
estabelecimento de parâmetros para o início das manobras nas três
condições, e a obrigatoriedade de se executar o terceiro caso
(velocidade abaixo da Vy), aproado com o vento e em altura
compatível com o diagrama altura x velocidade (curva do homemmorto). É interessante que o terceiro protocolo seja treinado em
velocidades logo abaixo da Vy (p. ex.: 55Kt), em velocidades baixas
(p. ex.: 30Kt) e com velocidade próxima a zero.
É importante, também, que todos os pilotos saibam executar
as manobras em condições VMC e em condições IMC, de acordo
com suas capacidades operacionais. As recuperações de atitudes
anormais em ambientes que favoreçam a desorientação espacial
(voo noturno ou sobre mar e selva, etc.) devem sempre ser executadas
por meio das referências dos instrumentos. Para tal, o treinamento
de voo por instrumentos sob capota é perfeitamente adequado.
Conhecimento teórico e experimentação prática, em voo
simulado ou real, são poderosas ferramentas para a ampliação da
consciência situacional dos pilotos. Dentre todas as vítimas dos
acidentes causados por desorientação espacial e entrada em atitude
anormal, os pilotos são os únicos que podem fazer algo para
interromper o ciclo de eventos que pode culminar com a queda da
sua aeronave.
Recuperação de atitude anormal cabrada com velocidade
acima da Vy
O problema da atitude anormalmente cabrada,
independentemente da potência aplicada, é a aeronave perder
velocidade até que esta caia abaixo da Vy. Para evitar isso, ao
perceber que o helicóptero está com atitude cabrada e velocidade
acima da Vy, qualquer que seja o ângulo de inclinação, o piloto
deverá:
1) Aumentar a inclinação lateral do helicóptero até 45o (VMC)
ou 30º (IMC)1 , ou outro limite menor, se houver;
2) Manter o passo coletivo em potência de voo de cruzeiro;
3) Aplicar pedal suavemente para o mesmo lado da inclinação
da aeronave, de forma a levar o nariz, em diagonal, até o horizonte
ou ligeiramente abaixo deste (climb em zero);
4) Desinclinar o helicóptero lateralmente até a atitude de voo
nivelado.
Quando a aeronave estiver estabilizada em voo nivelado,
ajustar a potência para manter o voo nivelado e retornar em curva
para a proa desejada.
Recuperação de atitude normal com velocidade abaixo da Vy
Nesse caso, o maior risco envolvido é a perda do controle da
proa da aeronave, devido ao voo em baixa velocidade sem referências.
A aeronave fica sujeita a perda de efetividade do rotor de cauda,
caso comece a girar inadvertidamente, e o piloto pode entrar em
desorientação espacial. Para evitar o agravamento dessa situação,
ao perceber que o helicóptero está com velocidade abaixo da Vy,
independentemente de a atitude do helicóptero estar cabrada ou
picada, o piloto deverá:
1) Manter a proa pelo cartão da bússola e atuar nos pedais;
2) Reduzir a potência para um valor médio (potência de
espera ou potência mínima para voo nivelado), nivelando a inclinação
lateral;
3) Picar a aeronave até 15o abaixo do horizonte e manter
essa atitude até a velocidade começar a aumentar (permitindo razão
de descida compatível com a altura do helicóptero) – pode levar
alguns longos segundos;
4) Completar a potência suavemente, mantendo a proa; e
5) Após atingir a Vy, cabrar a aeronave suavemente, até o
voo nivelado (climb zero), mantendo o aumento de velocidade.
Quando a aeronave estiver estabilizada em voo nivelado,
ajustar a potência para manter o voo nivelado.
Texto: Cap Av Felipe Koeller Rodrigues Vieira
O autor é oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), Oficial de
Segurança de Voo e instrutor de voo em helicópteros H-34 Super
Puma. Atualmente atua como Investigador Sênior de acidentes
aeronáuticos no Terceiro Serviço Regional de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – SERIPA III.
E-mail: [email protected]
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VMC: Visual Meteorological Condition, condição meteorológica para voo
visual; e IMC: Instrument Meteorological Condition, condição meteorológica
para voo por instrumentos.
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Edição de 2009 - Comando de Operações Terrestres