Pró-Reitoria de Graduação Curso de (Nome do curso) Trabalho de Conclusão de Curso A VENDA CASADA E SUA PREVISÃO PENAL NA LEI 8.884/94, NA LEI DE ECONOMIA POPULAR E NA LEI 8.137/90. 2010 BRASÍLIA Autor: (Luciana Silva) Orientador: (Nelson Buganza Júnior) Brasília - DF 2010 LUCIANA SILVA A VENDA CASADA E SUA PREVISÃO PENAL NA LEI 8.884/94, NA LEI DE ECONOMIA POPULAR E NA LEI 8.137/90. Monografia apresentada ao curso de graduação em direito da Universidade Católica de Brasília (UCB), como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Nelson Buganza Júnior Brasília 2010 Monografia de autoria de Luciana Silva, intitulada “A VENDA CASADA E SUA PREVISÃO PENAL NA LEI 8.884/94, NA LEI DE ECONOMIA POPULAR E NA LEI 8.137/90”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito da Universidade Católica de Brasília, em ______ de junho de 2010, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: ____________________________________________________ Prof. Nelson Buganza Júnior (Orientador) ____________________________________________________ Professor (Examinador) ____________________________________________________ Professor (Examinador) Brasília 2010 AGRADECIMENTO Dedico esse trabalho primeiramente a DEUS por me abençoar ao longo desta caminhada. Ao meu orientador, pela orientação conferida no desenvolvimento do presente trabalho. Agradeço a todas as pessoas que me incentivaram nesta caminhada. Aos meus queridos pais, irmãos e amigos. Aos anjos de minha vida, fontes de inspiração que sempre me apoiaram durante toda a minha caminhada, Daniel, Tatiana, Alexandre, Cláudia, Marcelo e Adyanne. RESUMO SILVA, Luciana. A venda casada e sua previsão penal na lei 8.884/94, na lei de economia popular e na lei 8.137/90. 2010. 70 f. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito-Universidade Católica de Brasília. Brasília, 2010. O presente trabalho tem o objetivo de analisar a prática abusiva identificada por venda casada e sua previsão penal, com o desígnio de demonstrar o abuso e o descaso do fornecedor quando pratica tal crime. É facilmente reconhecível que o consumidor é o mais vulnerável na relação de consumo, a começar pela própria definição de que consumidores são os que não dispõem de controle sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes. Para satisfazer suas necessidades de consumo, é inevitável que eles compareçam ao mercado e, nessas condições, se submetam às condições que lhe são impostas pela outra parte, o fornecedor. Palavras-chave: Prática abusiva. Consumo e vulnerabilidade ABSTRACT This work aims to analyze the abusive practice identified by tying sales and its penal implications, with the purpose of showing the abuse and negligence of the supplier when practicing such crime. It is easily recognizable that the consumer is the most vulnerable in the consumption process, starting with the very definition that consumers are those who have no control on the productive assets and, therefore, they must submit to the power of the holders thereof. To meet their consumption needs, it is inevitable that they attend the market and, in these circumstances, subject to the conditions imposed on then by the other part, the supplier. Keywords: abusive practice, consumption and vulnerability. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 08 CAPÍTULO 1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DEFESA DO CONSUMIDOR.......................... 11 1.1 SURGIMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ........................................ 13 1.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR ......................................................................................... 15 CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . 18 2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................................. 18 2.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO................................................. 19 2.3 PROTEÇÃO E NECESSIDADE ........................................................................................ 19 2.4 TRANSPARÊNCIA ............................................................................................................. 20 2.5 VULNERABILIDADE .......................................................................................................... 20 2.6 A BOA FÉ ............................................................................................................................ 21 2.7 RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE ............................................................. 22 2.8 PRINCÍPIO DA EQUIDADE ................................................................................................ 22 CAPÍTULO 3 VENDA CASADA ................................................................................................ 23 3.1 ANÁLISE CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 28 3.2 DIREITO COMPARADO SOBRE VENDA CASADA .......................................................... 30 3.3 A PRÁTICA DA VENDA CASADA ...................................................................................... 33 3.4 VENDA CASADA E SUA PREVISÃO PENAL COM BASE NO CDC ................................ 44 CAPÍTULO 4 VENDA CASADA E SUA APLICABILIDADE NAS LEIS 8884/94/1.521/59 LEI DE ECONOMIA POPULAR e na Lei nº 8.137/90 CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA ...... 49 4.1 SURGIMENTO DA LEI 8884/94........................................................................................... 49 4.2 OBJETIVOS DA LEI 8884/94 DENTRO DA PRÁTICA ABUSIVA DE VENDA CASADA ....................................................................................................................... 50 4.3 SURGIMENTO DA LEI 1.521/59 ........................................................................................ 54 4.4 APLICABILIDADES DA LEI DE ECONOMIA POPULAR NA PRÁTICA DE VENDA CASADA ................................................................................................................ 54 4.5 VENDA CASADA E SUA PREVISÃO NA Lei nº 8.137/90 CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA................................................................................................................ 56 4.6 OUTRAS LEGISLAÇÕES BRASILEIRAS SOBRE A VENDA CASADA ............................. 58 CAPÍTULO 5 COMO DENUNCIAR A PRÁTICA DE VENDA CASADA .................................. 60 5.1 MINISTÉRIO PÚBLICO ..................................................................................................... 62 5.2 AS PERSPECTIVAS DO DIREITO DO CONSUMIDOR ................................................... 65 6. CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 69 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 71 8 INTRODUÇÃO O abuso do direito, no que tange as relações de consumo, objetiva equilibrar o fornecedor e consumidor, que na maioria das vezes, este é a parte vulnerável desta relação. È, portanto, uma síntese que analisa concepções como a deturpação do direito, de suas relações, em razão do desvio da finalidade social, econômica, ou de sua incompatibilidade com a equidade, com a boa-fé ou com o princípio da proporcionalidade, por ato comissivo ou omissivo. Com as transformações presenciadas pela sociedade no último século, foram exigidas alterações substanciais no panorama político, econômico, social e jurídico, advindas do liberalismo emergente do século XIX. Percebe-se que, quanto mais a sociedade tem significativos avanços tecnológicos e econômicos, esta sofre desequilíbrio através de práticas abusivas. Diante disso, o ordenamento jurídico fundamental, tal como o Código Civil e Comercial, não conseguem acompanhar o avanço das transformações no seio social, e necessitam ser oxigenados por uma nova ordem jurídica para a harmonia e composição dos conflitos nesta nova era dos direitos. 1 Todavia, a análise de qualquer tema jurídico que ignore um enquadramento constitucional está fadada a cometer no mínimo um erro interpretativo, uma vez os fatores econômicos e sociais sempre estiveram presentes nas Constituições Federais. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1934, iniciou o regramento da liberdade de iniciativa buscando suprir as carências da iniciativa privada, intervindo na estrutura de produção. A Constituição de 1988, objetiva reduzir as desigualdades causadas pelo modelo econômico atual, amoldando-se á necessidade social. 1 GAMA. Hélio Zaghetto.Curso de direito do Consumidor. 3. Ed, revista ampliada e atualizada. Rio de Janeiro forense. 2006.p 39 9 Mister explanar que o direito penal do consumidor é fundamental para a proteção de sua vulnerabilidade, posto que este circula em torno dos crimes contra este, os quais são forma de abuso do poder econômico que atentam contra a ordem econômica geral e devem ser coibidos. É, pois, um conjunto de normas que se desenvolvem em torno das infrações cometidas nas relações de consumo. Deste modo, o direito penal do consumidor tem por finalidade o estudo de toda a forma de proteção penal à relação de consumo, como bem jurídico imaterial, supra-individual e difuso. Na defesa da sociedade, o Congresso Nacional, juntamente com a sociedade, deu origem a legislação que defende o consumidor, tendo em vista a elaboração do CDC, bem como a norma que trata de crimes contra a ordem econômica, tributária e as relações de consumo - 8884/94- denominada Lei Antitruste entre outros diplomas, o que denota um processo irreversível de moralização nas relações econômicas, incluso o consumo.2 A Lei de economia popular é fundamental ao equilíbrio econômico financeiro de uma sociedade, pois trata da ameaça ao interesse social, uma vez que o prejuízo ao consumidor pode lhe causar prejuízos financeiros proporcionando o enriquecimento sem causa para a parte menos vulnerável da relação de consumo. Sendo assim, as legislações que tentam equilibrar a relação de consumo procuram garantir a harmonia entre fornecedores e destinatários finais, merecedores de respeito à sua dignidade, saúde, segurança e proteção de seus interesses econômicos, bem como à melhoria da sua qualidade de vida. (SOARES, 2001) As práticas abusivas inseridas no CDC se encontram em desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. O aspecto conceitual da prática abusiva é analisado assim como aspectos relativos às sanções civis, administrativa e penal. 3 Um exemplo de abuso usualmente praticado em face do consumidor é a venda casada, prevista no CDC art.39, I, sendo geralmente praticada por empresas de grande porte que aproveitam a vulnerabilidade do consumidor. 2 NETO, Guilherme Fernandes. O abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor:Cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília, Brasília Jurídica, 1999. p 151. 3 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Lima.Cláudia Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. 10 Proibida pelo CDC, a operação permanece como se fosse regra normal no cotidiano do comércio. A venda casada, manigância utilizada por empresas e comerciantes autônomos para coligir consumidores a realizar a compra de outro produto juntamente com o que buscam, está virando rotina, embora seja crime contra a ordem econômica e contra as relações de consumo, tornando proibida essa modalidade de venda. Desse modo, no CDC, os crimes praticados por aqueles que prejudicam o consumidor ou o desequilibram, mediante condutas estabelecidas pelo legislador, as relações de interesse consumeirista apresentam algumas peculiaridades, como a proteção voltada para bens jurídicos supra-individuais, crimes que não exigem para a sua caracterização, nem possuem como elemento constitutivo do tipo necessidade de ocorrência de qualquer evento danoso, bastando a simples ameaça a um bem ou interesse juridicamente tutelado pela lei penal baseado na Constituição Federal. Com o surgimento do CDC, os interesses do consumidor, tanto os individuais quanto os coletivos trouxeram seu bojo as formas como tais interesses podem ser defendidos em juízo. As alterações trazidas por este código, apesar de ser do consumidor, não se ativeram apenas à defesa das relações de consumo, ele em verdade aprimora e eleva a tutela dos interesses transindividuais em juízo,constituindo um diploma a serviço do acesso a justiça. 11 CAPÍTULO 1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DEFESA DO CONSUMIDOR Na primeira fase, as relações de consumo caracterizam-se pelos negócios interpessoais, em que o fornecedor mantinha contato direto com os consumidores, em faixas restritas dos mercados.4 Após a evolução da industrialização, as produções em largas escalas cresceram e as relações de consumo passaram a ganhar foros de universalidade, vindo a surgir pequenas organizações voltadas para diminuição dos problemas entre consumidores e fornecedores. 5 Assim, surgiu o movimento consumerista que se originou nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões do final do século XIX ao início do XX. Em 1891 surgiu primeira organização formada por uma pequena associação de advogados de Nova York, chamada por NEW YORK CONSUMERS LEAGUE, que objetivava proporcionar melhores condições para os trabalhos dos empregados no comércio. Antes da depressão de 1929, alguns grupos de defesa do consumidor se organizaram na Inglaterra, na Itália e na França. Tanto nesses países, quanto nos EUA, as preocupações seguintes estiveram voltadas para a qualidade dos produtos oferecidos ao público. Entre 1927 e 1933, grupos, associações e estudiosos passaram a se preocupar com a necessidade dos consumidores valorizarem corretamente o seu dinheiro. No pós–guerra (1945 e 1947), os movimentos de defesa do consumidor espalharam-se pelo Canadá e pela Europa. Organizações ativista foram criadas na Dinamarca (Conselho do Consumidor), na Inglaterra, na Alemanha, na França, na 4 NUNES, Luis Antônio Rizzato, Curso de direito do consumidor. Com exercícios, 4 ed- São Paulo: Saraiva 2009.pp 29-36 5 FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000.p 52; 12 Bélgica e na Áustria. No final década de 50, organizações foram criadas na Áustria e no Japão. Em 1960, o movimento consumerista ganhou força nos Estados Unidos, quando o advogado Ralph Nader elaborou um relatório na condição de assessor do Departamento de Trabalho Norte – americano para assuntos de segurança nas rodovias, vindo a descobrir que a maioria dos acidentes era ocasionada pela falta de segurança dos veículos vendidos ao público.6 Em virtude da descoberta, ações judiciais visando os direitos indenizatórios proliferaram nos Estados Unidos. Na Alemanha os danos causados pela Thalidomida-um calmante para gestantes que acarretou paralisia infantil em milhares de criança- também movimentaram os tribunais. 7 No final da década de 70, foi criada a IOCU (International Organization of Consumer Union), adotada oficialmente pela ONU-Organização das Nações Unidas, atuando em todos os continentes. 8 Com sede na Universidade de Coimbra, funciona o Instituto Internacional do Direito do Consumidor, que passou a realizar diversos eventos internacionais, dos quais se destacou o Congresso Internacional do Fato do Produto, em (1991), em Figueira da Foz Portugal, reunindo 300 especialistas em Direito do Consumidor de todos os continentes. Na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, funciona o Centro Internacional de Direito do Consumidor. 9 No Brasil, na mesma época, surgiu uma Associação de Defesa do Consumidor em Porto Alegre, que editava a importante Revista Consumidor. Nos anos 80 surgiu no Rio de Janeiro e São Paulo o IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor), que também editava mensalmente a Revista do Consumidor S.A.10 Neste mesmo período, as entidades públicas e privadas de todo o País passaram a organizar-se em congresso e seminários, a fim de discutir as bases da 6 FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000.p 52; 7 NUNES, Luis Antônio Rizzato, Curso de direito do consumidor. Com exercícios, 4 ed- São Paulo: Saraiva 2009.pp 29-36 8 FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000.p 52; 9 NUNES, Luis Antônio Rizzato, Curso de direito do consumidor. Com exercícios, 4 ed- São Paulo: Saraiva 2009.pp 29-36 10 __________ Nunes, Luis Antônio Rizzato, Curso de direito do consumidor. Com exercícios, 4 edSão Paulo: Saraiva 2009.pp 29-36 13 Defesa do Consumidor. Com o Plano Cruzado de 1986, o Governo Federal despertou a necessidade da organização dos grupos sociais, com vistas as medidas de congelamentos de preços e dos controles dos abusos nas relações de consumo.11 Todos os órgãos públicos e todas as entidades de Defesa do Consumidor passaram a representar mais as lutas contra os sonegadores de gêneros que resultou na verificação freqüente das as práticas abusivas. 12 1.1 SURGIMENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR O direito do consumidor é um ramo do direito público e privado, que visa proteger o consumidor em todas as relações jurídicas frente ao fornecedor, podendo ser chamado de tutelar (protetório) ou social. 13 Enquanto na Europa, o Mercado Comum Europeu passava a elaborar recomendações com vistas as necessidades de harmonização e unificação das normas voltadas para as relações de consumo, no Brasil, por ocasião das discussões acerca da Constituição Federal de 1988, as matérias do Direito do Consumidor passaram a ser consideradas em relevo especial. Ressalte-se que antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, o Presidente do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, Dr. Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, constituiu comissão, com o objetivo de apresentar o Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, previsto, com essa denominação, pelos trabalhos da assembléia nacional constituinte. 11 FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000.p 52; 12 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6 ed, ver., atual e ampl, São Paulo: Saraiva , 2008. p 69. 13 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. p 317 14 Este Código foi instituído por força do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que concedia o prazo de 120 dias para que o Congresso Nacional o elaborasse.14 Necessidade dessa regulamentação nasceu da prática da sociedade de massa, da própria filosofia social intervindo com valores constitucionais de igualdade material no direito privado e legislado sob égide de uma finalidade comum, sob o manto de princípios e valores comuns, de origem constitucional. 15 Em 1991, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), representou um marco substancial na ordenação jurídica nacional, em especial pelas adoções de institutos reconhecidamente inovadoras no direito brasileiro. Sendo assim, o CDC extinguiu as possibilidades jurídicas das renúncias prévias aos direitos nele consagrados, tornando indisponíveis os direitos do consumidor. Saliente-se que os códigos clássicos tinham a pretensão de regular ao máximo o comportamento humano, o que tornou impossível, já que o ser humano é imprevisível. Diante disso, surgiram lacunas que, por sua vez, originaram as leis complementares e a legislação esparsa. Já os Códigos específicos foram aprimorados com lógica e princípios próprios, o que diante da especialização da legislação, como um microssistema jurídico, surgiu o Código de Defesa do Consumidor. Restam positivados neste estatuto, regras que tem por escopo a guarda precípua a salvaguarda dos direitos do consumidor, vindo a determinar o poder público a adoção de ações concretas no sentido da efetividade a essa proteção. Entretanto, o tratamento privilegiado dispensado ao consumidor na CF e no CDC suscita a dúvida em torno do eventual princípio constitucional da igualdade art.5º, caput, uma vez que a salvaguarda dos direitos do consumidor implica a princípio restrição dos direitos do fornecedor o outro protagonista da relação de consumo. 16 14 GAMA. Hélio Zaghetto.Curso de direito do Consumidor. 3. ed, revista ampliada e atualizada. Rio de Janeiro forense. 2006. p 136 15 BESSA, Op.cit 16 ANDRADE, Pedro Ivo. Crimes contra a relação de consumo da Lei 8137; 90 art. 7. Curitiba . Jurua , 2007.pp- 60-61 15 1.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, afastando assim quaisquer exclusões quer de classe econômica, quer de função social. Bastará que numa relação jurídica com um fornecedor, (pessoa física ou jurídica), o consumidor se posicione como destinatário final do bem ou serviço. Este é o consumidor padrão.17 Deste modo, consumidor é aquele que participa da relação de consumo, que se designa ao contentamento de uma necessidade particular, em face da sua hipossuficiência e a vulnerabilidade.18 O consumidor pode ser conceituado em sentido coletivo, sendo a coletividade de pessoas – ainda que indetermináveis - que tenha intervindo nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único, do CDC), bem como o consumidor por equiparação, (art. 18 do CDC). Em sentido amplo, art. 29 CDC equipara ao consumidor todas as pessoas determináveis ou não, expostas as práticas nele previstas. Além de o consumidor ser pessoa física há possibilidade também de ser pessoa jurídica. Entretanto, informa-se que é necessária a hipossuficiência deste. Em cada caso concreto de relação consumerista, da qual a pessoa jurídica é parte, deve ser demonstrado se houve aquisição de bens consumo e não de bens de capital. Frisa-se que hipossuficiência tem sentido diferente de vulnerabilidade. Outrossim, caso ocorra entre a pessoa jurídica e o fornecedor um desequilíbrio que prejudique àquela, neste caso, esta deverá ser a parte considerada vulnerável. Assim é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à vulnerabilidade do consumidor, in verbis: 17 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002. p 85 18 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, LIMA. Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 46 16 A relação jurídica qualifica por ser de ‘consumo’ não se caracteriza pela presença de uma pessoa física ou jurídica em seus pólos , mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado e de um fornecedor do outro. Mesmo nas relações de pessoas jurídicas , se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre pessoa -jurídica consumidora e a fornecedora, deve –se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes.Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor , a jurisprudência do STJ também reconhece a necessidade de, em situações especificas , abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor , para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores – empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. Recurso Especial não conhecido. 19 Ressalte-se que o consumidor, sujeito passivo da relação de consumo, não é somente o adquirente, mas também o usuário do produto ou serviço, não sendo pressuposto para sua caracterização, a existência de um vínculo contratual com o fornecedor.20 Relevante citar que há ainda o consumidor por equiparação, ou seja, a coletividade de pessoas que tenham interferido nas relações de consumo, mesmo não sendo finais destinatárias de um produto ou serviço.21 Do mesmo modo, se equiparam aos consumidores todas as vítimas da relação para efeito de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, consoante o art. 17 do CDC, bem como, em conformidade com o art. 29 CDC, todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas abusivas.22 Insta frisar que não são consumidores os depositantes em cadernetas de poupança e os investidores em mercado de valores mobiliários, outrossim, os condôminos em relação ao condomínio, bem como os locatários em referencia aos locadores. No entanto, o STJ vem entendendo que a caderneta de poupança caracteriza relação jurídica de consumo. 19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 476428/SC. Rel, Min. Nancy Andrighi- j´,19/04/2005. SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002. 21 FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000.p 95; 22 FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000 20 17 Superior Tribunal de Justiça23 RELATOR : O EXMO. SR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHARE CORRENTES : ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APADECO E OUTROS RECORRIDO : BANCO BAMERINDUS DO BRASIL S/A ADVOGADOS : DRS. GISELE PASSOS TEDESCHI E OUTRO : DRS. ANA MARIA GOFFI FLAQUER SCARTEZZINI E OUTROS EMENTA RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DOCONSUMIDOR. CONTRATO DE CADERNETA DE POUPANÇA. DEFESADOS INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISPENSADE PRÉ-CONSTITUIÇÃO PELO MENOS HÁ UM ANO. IMPOSSIBILIDADEDA AÇÃO COLETIVA SUPERADA. LITISCONSÓRCIO ATIVO. ADMISSÃO. - O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/9240) é aplicável aos contratos firmados entre as instituições financeiras e seus clientes referentes à caderneta de poupança.- Presente o interesse social pela dimensão do dano e sendo relevante o bem jurídico a ser protegido, como na hipótese, pode o juiz dispensar o requisito da pré- constituição superior a um ano, da associação autora da ação,de que trata o inciso III do parágrafo único do art 82 do Código de Defesa do Consumidor, que cuida da defesa coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos. - A inclusão de litisconsortes, na ação civil pública, segue as regras do Código de Processo Civil, sendo admitida, de regra, apenas em momento anterior à citação da ré. Na presente hipótese, contudo, constou expressamente da petição inicial o pedido de publicação do edital para a convocação dos interessados, o que somente se deu após a citação, por inércia do magistrado de primeiro grau. Não se pretendeu alterar o pedido ou a causa de pedir, sendo aberta vista à parte contrária, que teve a oportunidade de se manifestar sobre a petição e os documentos a ela acostados, de forma que não houve qualquer prejuízo para o exercício de sua ampla defesa, sendo-lhe assegurado o contraditório. Destarte, admissível, ante às peculiaridades do caso e apenas excepcionalmente, o litisconsórcio ativo após a citação. - Recurso especial conhecido e provido. No entendimento do ministro relator, Francisco Falcão do STJ, pessoa jurídica com fins lucrativos caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza, dos serviços de telefonia prestados pela empresa com intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva, consistente no fornecimento de acesso à rede mundial de computadores (internet) e de consultorias e assessoramento na 23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 106888 PR 1996/0056344-6 SR. MIN. Cesar Asfor Rochare. DECISÃO: 28/03/2001.DJe 05/04/2001 24 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002. p 109 18 construção de homepages, em virtude do que fica afastada a existência de relação de consumo. 25 Para um dos autores do anteprojeto do CDC, José Geraldo Brito Filomeno, o conceito de consumidor adotado pelo CDC é exclusivamnte de caràter econômico, veja-se: O conceito de consumidor adotado pelo código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial. CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É garantia fundamental que ilumina todos os demais princípios e normas que deve ser respeitado. A dignidade garantida no CDC está ligada diretamente a Constituição Federal.26 O crescimento significativo da sociedade moderna impõe cada vez mais o consumo de bens e serviços, ocasião em que é necessária a prevenção contra abusos e desrespeito aos consumidores. Este princípio é intangível também no CDC. 25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Noticias 16.05.2010. http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp#. Acesso em: 17/05/2010. 26 Disponível em: SOARES, Paulo Brasil Dill. Princípios básicos de defesa do consumidor (instituto de proteção ao hipossuficiente.). São Paulo: Editora de direito, 2001.p 45 19 2.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO A CF, no seu art. 170, dispôs que a ordem econômica tem por fim assegurar a existência digna, conforme ditames da justiça social, observando-se- dentre outros, o princípio constitucional da defesa do consumidor.27 O objetivo social das atividades econômicas é equilibrar a relação de consumo de maneira ampla, visando impedir arbitrariedades. A função social busca evitar o abuso do direito através de práticas abusivas.28 2.3 PROTEÇÃO E NECESSIDADE Uma das questões básicas que justificam a existência da Lei, indo até a intervenção do Estado no domínio econômico, é a da necessidade de proteger o consumidor em relação à aquisição de certos produtos e serviços. 29 27 SOARES, Paulo Brasil Dill. Princípios básicos de defesa do consumidor (instituto de proteção ao hipossuficiente.). São Paulo: Editora de direito, 2001.p45 28 NETO, Guilherme Fernandes. O abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor: Clausulas práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999p35 29 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002. p51 20 2.4 TRANSPARÊNCIA Expresso no art. 4º do CDC30 se traduz na obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e serviços que são oferecidos. O dever de agir com transparência permeia o CDC, que busca assegurá-la.31 Esse princípio é essencialmente democrático, pois reconhece que o poder não é somente exercido no plano político, mas também no plano da economia, objetivando regulamentar o poder econômico.32 Conduta transparente é uma conduta não ardilosa, que não esconde atrás do aparente, de propósitos pouco louváveis. O Código de Defesa do Consumidor prestigia a boa fé, exige transparência dos atores de consumo, impondo às partes o dever de lealdade recíproca, a ser concretizada antes, durante e depois da relação de consumo 33 2.5 VULNERABILIDADE É patente que na relação de consumo, o consumidor seja a parte mais vulnerável, decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção. O segundo, diz respeito à maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. 30 BRASIL. Lei 8078/90. Disponível em:< www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 05/05/2010. 31 NETO, Guilherme Fernandes. O abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor: Clausulas práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999. p75 32 Nunes, Luis Antônio Rizzato, Curso de direito do consumidor. Com exercícios, 4 ed- São Paulo: Saraiva 2009. 33 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002. 21 A fragilidade do consumidor fundamenta o sistema de consumo, razão em que dela foi editado o Código de Defesa do Consumidor, que busca fazer retornar o equilíbrio a essa relação freqüentemente desigual dentre consumidor e fornecedor. Na vulnerabilidade tem um critério material que se presume no elo mais fraco na relação oriunda do direito material que expõem a dano ou riscos e na hipossuficiência o critério é instrumental, sendo que o Juiz analisará a capacidade de realizar a prova necessária à defesa de seus direitos. Finalmente, a vulnerabilidade fática é aquela que o consumidor pode se encontrar sob influência constrangedora e coercitiva, ainda que advinda de mera circunstância estranha ao fornecedor, para que adquira determinado produto ou serviço. 2.6 A BOA FÉ Incorporada na lei do consumidor, sendo definida como uma regra de conduta, dever de agir das partes, conforme parâmetros de lealdade, honestidade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. 34 Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 é uma grande fonte inspiradora, porque em seu art.3º, I, dispõe ser objetivo fundamental da República, , a construção de uma sociedade solidária.35 34 MARTINS, Plínio Lacerda. O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa fé. Rio de Janeiro: Forense,2002 p. 66 35 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002. 22 2.7 RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE O equilíbrio entre consumidor e fornecedor é importante para que não haja prejuízos e enriquecimento sem causa, razão em que é necessária a harmonia nas relações de consumo objetivando a justiça social36. Ao tratar de venda casada, o legislador utilizou ostensivamente o critério proporcionalidade como instrumento da manifestação do abuso do direito. A obrigação imposta pelo fornecedor ao consumidor para que ele adquira produtos além do que precisa, impõe uma prestação em desacordo com a expectativa do consumidor advinda, via de regra, dos costumes.37 2.8 PRINCÍPIO DA EQUIDADE Este princípio tem por função a promoção do equilíbrio na relação de contratual, dispondo não só das atribuições, mas também das funções de partes envolvidas no processo de fornecimento e no de consumo. 38. A igualdade, assegurada pelo texto constitucional e consagrada na Lei n.8.078/90 é a de conteúdo material, também denominada de substancial, concreta ou real. Aquela que promove o bem estar de todos, não apenas de Alguns; que facilita a construção de uma sociedade mais justa e livre, já que deslegitima a opressão do mais fraco pelo mais forte; que promove a diminuição da pobreza e da 36 ALMEIDA, João Batista de, A proteção jurídica do consumidor. 6 Ed, ver., atual e ampl, São Paulo: Saraiva , 2008.p3 37 NUNES, Luiz Antônio Rizzato, apud JUNIOR, Nélson ery. Princípios gerais do código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 3, p. 53 38 BRASIL. Lei 8078/90. Disponível em:< www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 05/05/2010. 23 marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e econômicas, e que “trata os desiguais de forma de desigual na exata medida de suas desigualdades”.39 Em suma, infere-se, com apoio na doutrina de Luiz Antônio Rizzato Nunes: o caráter principiológico específico do CDC é apenas e tãosomente um momento de concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes desde 5 de outubro de 1988 como cláusulas pétreas, não podendo, pois, ser alterados. Com efeito, o que a lei consumerista faz é tornar explícitos, para as relações de consumo, os comandos constitucionais. Dentre estes destacam-se os Princípios Fundamentais da República, que norteiam todo o regime constitucional e dos direitos e garantias fundamentais (...) O CDC nada mais fez do que concretizar numa norma infraconstitucional esses princípios e garantias constitucionais. Assim está previsto expressamente no seu art. 1º.O respeito à dignidade, à saúde, à segurança, à proteção dos interesses econômicos, e à melhoria de qualidade de vida está também expressamente previsto no seu art. 4º, caput.A característica de vulnerabilidade do consumidor prevista no inciso I do art. 4º decorre diretamente da aplicação do princípio da igualdade do texto magno.40 CAPÍTULO 3 VENDA CASADA A expressão venda casada pode ser definida separadamente, venda significa “ato ou efeito de vender” 39 41 ·. “É no verbo vender, tomado como” alienar ou ceder por BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Senado Federal, 1990 40 NUNES, Luiz Antônio Rizzato, apud JUNIOR, Nélson Nery. Princípios gerais do código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor n. 3, p. 53. 41 AMORA. Antônio Soares, 1917. Minidicionário Soares Amora da Língua portuguesa. 2 ed . São Paulo: Saraiva , 1998 apud GLÓRIA. Daniel F.de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 24 certo preço; trocar por dinheiro “42 que se encontram elementos para a formação do conceito. 43 “O vocábulo, casada,” particípio de casar significa ligado, unido, combinado, harmonizado.”44 Razão em que pode ser definido como uma troca por dinheiro ligada a algum produto.Tanto no CDC quanto na Lei 8.884 de 1994 a expressão assume conceito similar. Prática abusiva (lato sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta do consumidor. São práticas as mais variadas e que, no direito norte-americano, vem reputada como unfair. Como atividade, comporta-se como gênero do qual as cláusulas e a publicidade abusivas são espécies. Um conceito fluido e flexível, razão pela qual o legislador e os próprios juízes tem tido mais facilidade em lidar com o conceito de enganosidade do que com o de abusividade. 45 As práticas abusivas são no dizer irretocável de Gabriel A. STIGLITZ, "condições irregulares de negociação nas relações de consumo", condições essas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes. 46 Nas exposições de motivos do segundo substitutivo do Deputado Geraldo Alckmim Filho, assim conceitua-se prática abusiva: O código prevê uma série de comportamentos, contratuais ou não, que abusam da boa- fé do consumidor , assim como de sua situação de inferioridade econômica ou técnica. É compreensível, portanto, que tais práticas sejam consideradas ilícitas per se, independemente da ocorrência de dano para o consumidor. Para elas vige presunção absoluta de ilicitude. São práticas que aparecem tanto no âmbito da contratação como também alheias a esta, seja através do 42 AMORA. Antônio Soares, 1917. Minidicionário Soares Amora da Língua portuguesa. 2 ed . São Paulo: Saraiva , 1998 apud GLÓRIA. Daniel F.de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 43 GLÓRIA,Daniel F.de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 44 Idem 45 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. p220 46 STIGLITZ. Gabriel A., op. Cit. BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008.218 25 armazenamento de informações sobre o consumidor, seja mediante a utilização de procedimentos vexatórios de cobrança de dívidas. 47 Esta expressão foi escorreitamente adotada, podendo-se, inclusive, verificar como fonte de tal conceituação a Resolução do Conselho da Comunidade Econômica Européia- (CEE), de 19 de maio de 1981(relativa ao segundo programa da CEE para uma política de proteção e informação dos consumidores, que açambarca tantos os atos abusivos comissivos como os omissivos. 48 Não se confunde com as práticas de concorrência desleal, apesar de que estas, embora funcionando no plano horizontal do mercado (de fornecedor a fornecedor), não deixam de ter um reflexo indireto na proteção do consumidor. Mas prática abusiva no CDC é apenas aquela que, de modo direto e no sentido vertical da relação de consumo (do fornecedor ao consumidor), afeta o bem-estar do consumidor. 49 As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, acarretam alta dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente produzem causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defendido, ou, se as tem não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las. 50 O CDC proíbe, expressamente, duas espécies de condicionamento do fornecimento de produtos e serviços. Na primeira delas, o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir também outro produto ou serviço. É a chamada venda casada. Só que, agora, a figura não está limitada apenas à compra e venda, valendo também para outros 47 BENJAMIM, Antônio Herman V... [et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. pp318-337 48 NETO, Guilherme Fernandes. O abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor: Clausulas práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999. p75 49 BESSA. Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. p216 50 . BESSA. Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. p217 26 tipos de negócios jurídicos, vez que o texto fala em "fornecimento", expressão muito mais ampla. 51 Na segunda hipótese, a condição é quantitativa, dizendo respeito ao mesmo produto ou serviço objeto do fornecimento. Para tal caso, contudo, o Código não estabelece uma proibição absoluta. O limite quantitativo é admissível desde que haja "justa causa" para a sua imposição, por exemplo, quando o estoque do fornecedor for limitado. A prova da excludente, evidentemente, compete ao fornecedor. Nesse sentido, colaciona o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis: CONSUMIDOR. PAGAMENTO A PRAZO VINCULADO À AQUISIÇÃO DE OUTRO PRODUTO. "VENDA CASADA". PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA. 1. O Tribunal a quo manteve a concessão de segurança para anular auto de infração consubstanciado no art. 39, I, do CDC, ao fundamento de que a impetrante apenas vinculou o pagamento a prazo da gasolina por ela comercializada à aquisição de refrigerantes, o que não ocorreria se tivesse sido paga à vista. 2. O art. 39, I, do CDC, inclui no rol das práticas abusivas a popularmente denominada "venda casada", ao estabelecer que é vedado ao fornecedor "condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos". 3. Na primeira situação descrita nesse dispositivo, a ilegalidade se configura pela vinculação de produtos e serviços de natureza distinta e usualmente comercializados em separado, tal como ocorrido na hipótese dos autos. 4. A dilação de prazo para pagamento, embora seja uma liberalidade do fornecedor – assim como o é a própria colocação no comércio de determinado produto ou serviço –, não o exime de observar normas legais que visam a coibir abusos que vieram a reboque da massificação dos contratos na sociedade de consumo e da vulnerabilidade do consumidor. 5. Tais normas de controle e saneamento do mercado, ao contrário de restringirem o princípio da liberdade contratual, o aperfeiçoam, tendo em vista que buscam assegurar a vontade real daquele que é estimulado a contratar. 6. Apenas na segunda hipótese do art. 39, I, do CDC, referente aos limites quantitativos, está ressalvada a possibilidade de exclusão da prática abusiva por justa causa, não se admitindo justificativa, 51 BESSA. Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008.p 217. 27 portanto, para a imposição de produtos ou serviços que não os precisamente almejados pelo consumidor. 7. Recurso Especial provido.52 A justa causa, porém, só tem aplicação aos limites quantitativos que sejam inferiores à quantidade desejada pelo consumidor. Ou seja, o fornecedor não pode obrigar o consumidor a adquirir quantidade maior que as suas necessidades. Assim, se o consumidor quer adquirir uma lata de óleo, não é lícito ao fornecedor condicionar a venda à aquisição de duas outras unidades. Assim, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, veja-se: PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 6º DA LEI Nº 7.492/86. "OPERAÇÕES CASADAS". TIPO PENAL NÃO-CONFIGURADO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. RECURSO DESPROVIDO. I. Evidenciado, de plano, que a conduta imputada ao paciente não se amolda ao tipo penal descrito no art. 6º da Lei nº 7.492/86, mantémse o trancamento do feito por falta de justa causa. II. O tipo em questão só se configura quando demonstrada a ação fraudulenta por parte do administrador da instituição financeira - ao induzir ou manter em erro sócio, investidor ou repartição pública competente, sonegando ou prestando informação falsa quanto à operação ou situação financeira. (grifo nosso) III. Recurso desprovido. 53 A solução também é aplicável aos brindes, promoções e bens com desconto. O consumidor sempre tem o direito de, em desejando, recusar a aquisição quantitativamente casada, desde que pague o preço normal do produto ou serviço, isto é, sem o desconto. A venda casada é uma prática abusiva pela qual um fornecedor condiciona a venda de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. Sendo 52 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 384.284/RS, Rel. Ministro BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 15/12/2009) 53 HERMAN BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 167.792/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Rel. p/ Acórdão Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 30/06/1999, DJ 29/11/1999 p. 183) 28 assim, o consumidor só poderá adquirir aquilo que escolheu se aceitar comprar também outro produto, essa prática é tão antiga quanto o comércio. Essa prática abusiva pressupõe a existência de produto e serviços que podem ser fornecidos separadamente, dando opção de escolha ao consumidor e não condicionando a alguma compra. Tal prática beneficia o fornecedor fazendo com que o consumidor seja sempre vinculado a este, evitando assim o enriquecimento sem causa. Afinal ter que comprar um serviço que não se quer ou que não usará só trará mais enriquecimento sem causa.54 Não há dúvida de que o Código Civil possui a maior gama de institutos que consagram a proibição do enriquecimento sem causa. No entanto, não pode deixar de ser advertido que CDC veda qualquer forma de abuso que possa ser sofrida pelo consumidor. 55 A venda casada é a denominação usual utilizada para definir a imposição da aquisição de um determinado produto ou serviço, como regra para adquirir outro produto ou serviço. Deste modo, verifica-se que o mundo, de certa forma, já visualizava o problema da potencialidade lesiva das condutas dos fornecedores que gravitam em torno da relação de consumo. 3.1 ANÁLISE CONSTITUCIONAL O sistema jurídico brasileiro é interpretado a partir da idéia de sistema hierarquicamente organizado, no qual se tem topo a Constituição Federal. Destarte, no tocante as normas constitucionais que tratam de direito e garantias do consumidor, elas são várias, algumas explícitas, outras implícitas. 54 Disponível em: BDJUR, http: < bdjur.stj.gov.br>. Acesso em: 03/03/2010. CERVEIRA. Fernanda pessôa. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 44 outubro-Dezembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2002 p 161. 55 29 É fato que a figura do consumidor entende a do cidadão, uma vez que todos os princípios e normas constitucionais de salvaguarda estendem a pessoa física. O objetivo é proteger os direitos do consumidor, de fato é o que ocorre, pois há três menções explicitas ao consumidor no corpo da CF. No art. 5º, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, o inciso XXXII, estabelece: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. 56 Os regramentos sobre a ordem econômica, que já se faziam presentes na Constituição Federal de 1937, encontram-se atualmente previstos na Carta Magna de 1988 nos arts. 170/173, buscando assim a tutela da livre iniciativa e da livre concorrência. A defesa do consumidor é um dos princípios gerais da atividade econômica, na forma do art. 170, inciso V, da CF. A jurisprudência recentemente reconheceu que a intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na livre iniciativa, deve observar os principios do direito do consumidor, objeto da tutela constitucional fundamental especial. 57 Além das menções explicitas, existem muitas normas na Constituição da República que importam fundamentalmente não só para as relações de consumo, como para todas as normas. A dignidade da pessoa humana, fundamento da República (CF/88,art.1º,III),é norma que perpassa qualquer relação juridica, dandolhe o conteúdo. No Brasil, os direitos consumeiristas são considerados direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal. A proteção do consumidor, sob as normas brasileiras, está sujeita a dois diplomas legais: Lei n° 8.884/94, e Lei nº 8.078/1990) ambos preocupados igualmente com o bem estar do consumidor. A prática da venda casada é, em princípio, proibida pelas leis brasileiras mais especificamente a Lei n° 8.137/1990- prejudicial ao consumidor e ao direito concorrencial. Em 23 abril de 2009, o Juiz Federal substituto Douglas Camarinha Gonzales, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo concedeu uma liminar para proibir a 56 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Senado Federal, 1990. 57 NUNES. Luis Antônio Rizzato, Curso de direito do consumidor. Com exercícios, 4 ed- São Paulo: Saraiva 2009. 30 obrigatoriedade de rastreador em veículo, bem como considerou inconstitucional a Resolução nº. 245/07 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que determinava tal obrigação. No tocante a decisão mencionada, in verbis: A obrigatoriedade do restreador importa em um mercado cativo em favor de um setor economico, através de uma venda casada, consistente em um veículo, que o consumidor quer, e um equipamento, que pode não querer, mas que é invasivo e ofensivo a sua privacidade e cuja finalidade seja mapeá-la no uso de seu veículo. Esse equipamento é posto dentro de um sistema que dá ao poder público uma prerrogativa que não tem que é a de desenvolver bancos de dados sobre usuários de véiculos e seus deslocamentos,tornando assim o rastreamento da população função gorvenamental delegável. Esse sistema é desproporcional por incluir todo o universo de veículos, sem distinção. É imoral por adr ao poder público uma faculdade que distorce a realção entre Estado democrático( perda do controle dos mesios), é ainda, um desvio de finalidade, impondoao particular ônus de segurança pública e distorcendo os termos da presença do estado em face da criminalidade- inclusive sem medir ou ter medida de como a criminalidade reagirá a tanto.(...) Assim, a função do rastreador deverá ser separada do dispositivo antifurto, tal como assevera o representante do Ministério Público, justamente para preservar a lógica do sitema que ampara a vontade do consumidor/ proprietário do veículo para decidir sobre sua aquisição, bem como os valores contitucionais da privacidade e do livre arbítrio, dogmas da liberdade e do prório Estado de Direito erigido pela Constituição da República de 1988situação qie já fixa o periculum in mora .58 3.2 DIREITO COMPARADO SOBRE VENDA CASADA A venda casada no dicionário Americano tem a seguinte definição: É a condição imposta pelo vendedor ao comprador no sentido de que obterá o produto desejado (produto vinculante) somente se 58 GONZALES. Douglas Camarinha. Juiz de Direito Federal Substituto. Ação Civil Pública. Autos nº 2009.61.00.007033-0, Sétima Vara Federal. São Paulo. Acesso em: 07/05/2010. 31 concordar em levar um produto adicional (o produto vinculado), que poderá ou não estar sendo desejado. 59 A suprema corte Americana se pronunciou sobre a venda casada da seguinte forma, verbis: Para a finalidade da interpretação da lei um arranjo de vinculação pode ser definido como um acordo em que o vendedor concorda em suprimir um produto ao comprador, mas só sob a condição de que o comprador passe a comprar outro produto, o vinculado; ou ao menos, que o comprador prometa que não que não vai comparar este produto, o vinculado, de qualquer outro vendedor. Nos casos em que o vendedor consegue a concordância do comprador a esta exigência, a concorrência baseada no valor real do produto vinculado é inevitavelmente restringida. Realmente, acordos de vinculação de vendas não tem praticamente outra finalidade senão a supressão da concorrência.60 Cumpre informar que estudiosos na América identificam a venda casada de formas diferentes, de um lado vêem esta prática como restritiva a concorrência retirando do consumidor a liberdade de escolha. Por outro lado, os adeptos da análise econômica, dão ênfase maior à racionalidade do vendedor devendo a vinculação ser vista sempre pela regra da razão- rule of reason- pois deve ser presumido que as vendas que em mercados competitivos devam ser pautadas pela eficiência. 61 Hodiernamente, caso que despertou a atenção de todo o mundo refere-se á prática de venda casada pela Microsoft. O Departamento de Justiça norte americano, desde 1995, vem perseguindo a maior empresa de software do mundo. É que a Microsoft usa de seu quase monopólio alcançado pelo Windows 95 para conquistar poder de mercado junto aos BROWSES de acesso a Internet ao concluir 59 GLÓRIA. Daniel Firmato.de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 142. 60 GLÓRIA. Daniel F de Almeida. de Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 141. 61 ________. . Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 142. 32 na compra do sistema operacional o seu. Tentando, com isso, superar o seu rival nesta área. 62 Na união européia, a base do direito comunitário concorrencial permanece no capítulo I da parte III do Tratado de Roma. As disposições legais constantes do preceito 85º. e 86º são o fundamento para o direito antitruste e comunitário, remunerados pelo Tratado de Amsterdã para 81º e 82º. Art. 81º: São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que seja susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados- membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou fasear a concorrência no mercado comum, designadamente as que consistam em: fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compara ou venda, ou quaisquer outras condições de transação;limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;aplicar,relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocandoos, por esse facto, em desvantagem na concorrência;subordinar a celebração de contratos á aceitação, por parte de outros contraentes, de prestações suplementares que ,pela sua natureza ou de acordo como usos comerciais, não têm ligação com o objetos desses contratos.63 Art.82º É compatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estadosmembros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste. [sic].64 Ressalte-se que o artigo 86 mencionado é relevante em relação à venda casada, vez que proíbe cláusula de subordinação, vedando a prática de venda casada. 62 . GLÓRIA. Daniel F de Almeida, de Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 144 63 GLÓRIA. Daniel F de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 145. 64 ________. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 145. 33 3.3 A PRÁTICA DA VENDA CASADA A venda casada é uma prática comercial desenvolvida especialmente por monopólios, sendo proibida pela legislação brasileira. Não basta à caracterização do crime que o agente obtenha da vítima, comprador ou usuário de serviço a promessa de que, no futuro, irá negociar com o agente do crime o vendedor ou prestador de serviços. É preciso que o agente efetivamente condicione, por meio de cláusula resolutiva, no mesmo ato, a venda ou a contratação de outros bens, de forma que, caso a vítima não aceite à exigência, o negócio não se concretizará (conditio sine qua non). Ressalte-se que venda casada é praticada principalmente por instituições financeiras quando tentam de alguma forma após abertura de conta ou financiamento de imóvel oferecer gentilmente um seguro. O Superior Tribunal de Justiça entende tratar-se de venda casada, in verbis: SFH. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VENDA CASADA. - Discute-se neste processo se, na celebração de contrato de mútuo para aquisição de moradia, o mutuário está obrigado a contratar o seguro habitacional diretamente com o agente financeiro ou com seguradora por este indicada, ou se lhe é facultado buscar no mercado a cobertura que melhor lhe aprouver. - O seguro habitacional foi um dos meios encontrados pelo legislador para garantir as operações originárias do SFH, visando a atender a política habitacional e a incentivar a aquisição da casa própria. A apólice colabora para com a viabilização dos empréstimos, reduzindo os riscos inerentes ao repasse de recursos aos mutuários. - Diante dessa exigência da lei, tornou-se habitual que, na celebração do contrato de financiamento habitacional, as instituições financeiras imponham ao mutuário um seguro administrado por elas próprias ou por empresa pertencente ao seu grupo econômico. - A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou seguradora por ele indicada. - Ademais, tal procedimento caracteriza a denominada “venda casada”, expressamente vedada pelo art. 39, I, do CDC, que condena qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições 34 negociais desfavoráveis ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha. Recurso especial não conhecido.65 Outro exemplo é na fatura de cartão crédito que se insere um item de seguro de roubo, desemprego ou ainda plano coletivo odontoprev. As lojas de departamento em Shopping praticam a venda casada inserindo na fatura os itens de seguro sem se quer o consumidor tenha solicitado. Segundo a informação do Ascom MP/BA, é uma prática freqüente, conforme descrito abaixo: Não é novidade que a venda casada é considerada uma prática abusiva e coibida pelo ordenamento jurídico. O problema é que alguns estabelecimentos teimam em agir de forma incorreta. Dessa vez a venda casada de cartões de crédito das lojas C&A e Riachuelo com o plano coletivo odontológico da Odontoprev está sendo questionada na Justiça. As três empresas são o centro de uma ação civil pública ajuizada pela promotora de Justiça do Consumidor Joseane Suzart, que as acusa de induzir os consumidores a firmarem o contrato de venda casada, “sob a alegação de obtenção de vantagens”. As pessoas que acreditam e, infelizmente, contratam o plano, alerta a promotora, não arcam com boas consequências, por isso e “pelo dano difuso causado à sociedade, as empresas devem ser obrigadas a pagar indenização de R$ 250 mil, que será revertida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos”.Segundo Joseane Suzart, o valor da taxa mensal individual do plano odontológico tem sido estipulado pela Odontoprev de forma abusiva, porque ela, “em conluio com a Riachuelo e a C&A”, estabelece percentuais “exorbitantes”. Além disso, a operadora impede o consumidor de formalizar a rescisão do contrato de forma imediata, impondo ao usuário que tenha utilizado o plano e requeira a rescisão a obrigação de, a contar do último acesso aos serviços, permanecer mais seis meses pagando as mensalidades. Ainda de acordo com a promotora de Justiça, a Odontoprev exige dos usuários co-participação de 40% toda vez que eles realizam qualquer procedimento, o que, segundo ela, denota mais uma vez a incidência de prática abusiva, porque a participação “é excessiva e desvanece o equilíbrio da relação jurídico-consumerista.66 65 BRASIL.. Superior Tribunal de Justiça. REsp 804.202/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 03/09/2008) 66 ALBUQUERQUE. Rafael. Notícia em 01/04/2010. Disponível em: <www.bahianoticias.com.br. > acesso em: 19/05/2010 35 “Em virtude da freqüência da prática de venda casada, a Caixa Econômica Federal foi condenada a alterar, no prazo de 120 dias, todos os seus contratos, de modo a alertar os consumidores sobre a ilegalidade da prática da venda casada. O banco também foi proibido de oferecer mais de um produto ou serviço em um mesmo contrato. Tais medidas foram determinadas por sentença da Justiça Federal, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE) e tem validade para todo o território nacional”.67 Os contratos também deverão trazer a informação que, caso a Caixa imponha a compra de algum produto ou serviço para a assinatura do contrato, o MPF e os órgãos de defesa do consumidor devem ser noticiados sobre o fato. Os procuradores aguardam a remessa do processo para avaliar a possibilidade de interpor recurso, uma vez que, apesar de acolher os principais pedidos formulados pelo MPF/SE, foi negada a condenação da Caixa ao pagamento de danos morais coletivos. 68 A decisão da Justiça Federal representa um importante avanço no combate aos abusos praticados contra os interesses do consumidor. Acreditamos que ela também servirá de exemplo para que outros bancos não incidam na mesma ilegalidade", destacou o procurador Bruno Calabrich.69 Os procuradores da República Bruno Calabrich, Paulo Guedes e Silvio Amorim Junior ingressaram com a ação civil pública (ACP) após a conclusão de dois procedimentos de apuração, os quais apontaram vários casos de venda casada praticados pela Caixa. O MPF/SE apurou que a prática era comum tanto em contratos de financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), quanto no Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Apesar das negativas da Caixa, a venda casada é uma prática que, se não é expressamente estimulada pela direção superior do banco, é, no mínimo, comodamente tolerada e não combatida", afirmou o procurador da República Bruno Calabrich. Os procuradores 67 68 69 TV JUSTIÇA. Notícia 13/04/2009; Apud PGR. Caixa econômica Federal é condenada por venda casada. Disponível em: <http:// www.tvjustiça.jus.br>. Acesso em: 30/04/2010. TV JUSTIÇA. Notícia 13/04/2009; Apud PGR. Caixa econômica Federal é condenada por venda casada. Disponível em: <http:// www.tvjustiça.jus.br>. Acesso em: 30/04/2010. TV JUSTIÇA. Notícia 13/04/2009; Apud PGR. Caixa econômica Federal é condenada por venda casada. Disponível em: <http:// www.tvjustiça.jus.br>. Acesso em: 30/04/2010. 36 destacaram ainda, na ACP, que os exemplos comprovados na ação são "apenas fragmentos de uma realidade que se verifica em todo o Brasil.70 Segundo uma notícia publicada na folha online, em finanças editada em 08 fevereiro, o Conselho monetário Nacional está tentando diminuir a imposição de seguro por bancos mediante resolução, veja-se: a partir do próximo dia 18, passa a vigorar no país uma resolução do Conselho Monetário Nacional que força as instituições financeiras a oferecer ao menos duas opções de seguradora para os planos de crédito pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação), sendo que uma delas não pode ser coligada à empresa financiadora ou controlada por ela. 71 Apesar de haver discordância com relação ao resultado efetivo dessa medida, é evidente uma evolução no sistema financeiro do país, pois essa ‘venda casada apesar de ser proibida pelo código de defesa do consumidor-já vem ocorrendo durante anos e ninguém podia fazer nada em relação a isso.” 72 Existem vários casos práticos de venda casada, bem como a obrigatoriedade da aquisição de duas unidades de um determinado xampu, (embaladas conjuntamente). Mesmo que com um ganho de um desconto, se não houver a possibilidade da compra de uma única unidade é considerada venda casada. 73 “Quem nunca se deparou com a cena de um consumidor abrindo a embalagem de refrigerantes em um supermercado para pegar uma ou duas unidades do mesmo? A justificativa da violação da embalagem é óbvia: as embalagens dos refrigerantes de dois litros contêm seis unidades.” 74 70 TV JUSTIÇA. Notícia 13/04/2009; Apud PGR. Caixa econômica Federal é condenada por venda casada. Disponível em: <http:// www.tvjustiça.jus.br>. Acesso em: 30/04/2010. 71 BATISTA, Renato. Folha online, Bancos. Disponível em:< www.rmb.eng.br/.../vai-acabar-a-vendacasada-de-financiamento-imobiliario-e-seguros/ > acesso em: 05/05/2010 72 ____. Folha online, Bancos. Disponível em:< www.rmb.eng.br/.../vai-acabar-a-venda-casada-definanciamento-imobiliario-e-seguros/ > acesso em: 05/05/2010I 73 BATISTA, Renato. Folha online, Bancos. Disponível em:< www.rmb.eng.br/.../vai-acabar-a-vendacasada-de-financiamento-imobiliario-e-seguros/ > acesso em: 05/05/2010 74 Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em: 05/05/2010. 37 “Caso o consumidor necessite de apenas uma ou duas, poderá abrir a embalagem para poder comprar apenas uma ou duas unidades. Caso contrário fica configurado a prática abusiva da venda casada. Para o consumidor conseguir tomar um refrigerante, ele é obrigado a adquirir toda a sua unidade, o que por lei é ilícito, pois, condicionar o fornecimento de produto a outro considerado prática abusiva.” 75 “Há manuais de agências de viagens que indicam a necessidade do turista levar notas e moedas a fim de doar gorjetas (obrigatoriamente em determinados países). Primeiramente, é preciso esclarecer que a partir do momento em que é obrigatório pagamento de um valor, não subsiste mais a expressão doação76”. “Analisando mais o cerne da questão, a obrigatoriedade da entrega de um determinado valor para que o serviço seja realizado, caracteriza a prática abusiva no (art. 39, I, do CDC). O exposto por estes manuais de viagens confronta visivelmente o Código de Defesa do Consumidor, pois o preço do serviço de passar, carregar malas, etc. não pode ser condicionado ao pagamento de um valor extra, denominado de gorjeta.” 77 “Outro tipo de venda casada constantemente utilizada pelos comerciantes é o acondicionamento de iogurtes em bandejas, sem a possibilidade da compra de uma única unidade. Promoções do tipo “pague dois e leve três”ou “ganhe um presente na compra de dois produtos” são boas e bem vindas aos consumidores, porém, o estabelecimento varejista tem a obrigação de colocar à venda unidades do produto que está sendo ofertado.” 78 A venda casada – está proibida em todas as transações, inclusive aquelas praticadas em qualquer estabelecimento que preste serviço, tais como cinema, em razão de caracterizar tal abuso. Caso contrário estar-se-ia prestigiando a prática da venda casada, execrada pelo CDC. O entendimento retro tem o aval do STJ, verbis: 75 Consumação mínima. Prática ilegal de venda www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso 76 Consumação mínima. Prática ilegal de venda www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso 77 Consumação mínima. Prática ilegal de venda www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso 78 Consumação mínima. Prática ilegal de venda www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso casada? Disponível em: 05/05/2010. casada? Disponível em: 05/05/2010. casada? Disponível em: 05/05/2010. casada? Disponível em :05/05/2010. em em em em 38 Operação denonimada ´venda casada´ em cinemas - Vedação de consumo de alimentos adquiridos fora das casas de exibição de filmes - Violação evidente da consumerista”. RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto por CINEMARK BRASIL S/A interposto pelo art. 105, III, "a", do permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado: “ADMINISTRATIVO — APLICAÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA POR OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR — OPERAÇÃO DENOMINADA ‘VENDA CASADA’ EM CINEMAS — VEDAÇÃO DE CONSUMO DE ALIMENTOS ADQUIRIDOS FORA DAS CASAS DE EXIBIÇÃO DE FILMES — VIOLAÇÃO EVIDENTE DA CONSUMERISTA — DESPROVIMENTO DO APELO.79 O jurista Celso Russomano é expressivo em relatar que o consumidor deve ter a opção de comprar a quantidade que quiser sem empurrões de mercadoria. “Você tem o direito de levar só um iogurte, um quilo de arroz, uma barra de sabão em pedra, um maço de cigarros, um rolo de papel higiênico etc, inclusive de desmontar o pacote se não houver o produto unitário e levar um só. Lembre-se: supermercado, padaria, empório etc., são estabelecimentos de venda no varejo, não são atacadistas, têm a obrigação de oferecer o produto unitário”. 80[sic] A consumação mínima é uma prática irregular, pois se trata de uma venda casada. “O proprietário do estabelecimento comercial ao obrigar a aquisição de uma quantidade de produto (bebida, comida, petiscos etc.), para poder prestar o serviço (som, dança etc.), está cometendo um ato ilícito, ilegal e irregular: a prática abusiva da venda casada ou compra condicionada.”81 “Há outros fundamentos jurídicos para que a consumação mínima seja considerada como um ato proibido. Outro entendimento é a vedação contida no art. 39, I, segunda parte, do Código de Defesa do Consumidor, no qual é proibido condicionar o fornecimento de um produto ou serviço a limites quantitativos.” 82 79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 744602, RJ, 2005/0067467-0. DJU D15.03.2007 p. 264 80 RUSSOLMANO, Celso apud Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em :05/05/2010. 81 Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em :05/05/2010. 82 Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em :05/05/2010. 39 “A consumação mínima faz exatamente isto. Obriga o consumidor a adquirir uma quantidade pré-fixada do produto do fornecedor. O que não é lícito perante a inteligência do CDC. Há somente uma possibilidade de se limitar a quantidade do produto ao consumidor e esta possibilidade ocorre quando não há produto suficiente no estoque do empresário para suprir.”83 Outro fundamento encontrado para justificar a ilicitude da consumação mínima seria o enriquecimento ilícito que muitas vezes é propiciado ao fornecedor. O locupletamento ilícito pode ser ocasionado de dois modos. O primeiro ocorre quando o cliente é obrigado a pagar o valor da consumação mínima mesmo sem tê-la atingido ou não ter consumido nada. A segunda forma de enriquecimento ilícito ocorre quando seguimos o seguinte raciocínio: se a consumação mínima é proibida e, portanto, ilegal, quando o consumidor realiza o pagamento da mesma, está dando um lucro ilícito ao fornecedor. 84 Ademais, alguns produtos sempre estão atrelados a venda casada, concessionárias de veículos ou revendedoras que obrigam a contratação de seguro de automóvel em empresas vinculadas a elas, para liberação do veículo; concessionária de energia vendendo seguro de residência ou empresa na conta de luz; abertura de conta corrente bancária ou liberação do capital de giro com a obrigatoriedade de um seguro, principalmente de vida e residência e em casamentos ou formaturas, que por muitas vezes, ao fechar negócio com o salão de festas A, a decoração ou a filmagem só pode ser feita pela empresa B. No início dos anos 80, com o surgimento das primeiras academias, com mais de uma atividade, era comum que se oferecessem descontos para quem se matriculasse em mais de uma opção, mas caso o cliente desejasse, poderia manter somente uma atividade, pagando o preço proporcional. Nada mais justo e honesto.85 83 COSTA, Homero. A venda casada. Artigo: Venda casada nas academias de ginástica. Disponível em: < http:// www.homerocosta.adv.br/boletim/14/maio_2009_arquivos. Acesso em: 27/08/2009. 84 COSTA, Homero. A venda casada. Artigo: Venda casada nas academias de ginástica. Disponível em: < http:// www.homerocosta.adv.br/boletim/14/maio_2009_arquivos. Acesso em: 27/08/2009. 85 COSTA, Homero. A venda casada. Artigo: Venda casada nas academias de ginástica. Disponível em: < http:// www.homerocosta.adv.br/boletim/14/maio_2009_arquivos. Acesso em: 27/08/2009. 40 Com o decorrer dos anos, as academias se tornaram verdadeiros clubes que oferecem a mais variada gama de serviços, desde a tradicional musculação até aulas de escalada, lutas, massagens, corrida, triatlo, spinning e várias outras.86 Em virtude disso, o cliente costuma- se deparar com um preço bem acima daquele que esperava encontrar, isso acontece em razão de ser prática usual o fornecimento dos respectivos serviços através dos chamados "pacotes", onde o futuro usuário é compelido a aderir uma série de modalidades, ao invés de poder escolher. Trata-se da denominada venda casada, pois se não pagar o pacote, não pode malhar. 87 Não tem meio termo, não tem negociação, mesmo nos casos em que o usuário contrata um profissional, conhecido como personal trainer (que também paga à academia para prestar seus serviços de seu cliente, para acompanhar o seu treinamento em uma única atividade física). Ainda assim, terá que adquirir atividades que não irá fazer. A venda casada é uma prática presente na vida dos consumidores, quando a pretensão de obtiver uma mercadoria ou serviço com o pagamento à vista e o preço a prazo for o mesmo, o consumidor está sendo forçado a comprar dois produtos ao mesmo tempo – o bem de consumo e o valor do crédito embutido no preço. A vantagem dessa prática para o fornecedor reside no fato de que ele está vendendo o bem de consumo e o crédito. Assim, a solução proposta para esse tipo de abusividade é a aplicação da faculdade que o consumidor tem de liquidar antecipadamente o débito mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos, conforme previsto no § 2.º do art. 51 do CDC. Se houver a imposição de fornecimento de crédito juntamente com o bem de consumo, sem espaço para argumentações – como é grandes lojas, melhor maneira de praxe acontecer nas é comprar a prazo, e na primeira oportunidade, requerer a liquidação á vista das parcelas, com redução proporcional de juros. 86 COSTA, Homero. A venda casada. Artigo: Venda casada nas academias de ginástica. Disponível em: < http:// www.homerocosta.adv.br/boletim/14/maio_2009_arquivos. Acesso em: 27/08/2009. 87 COSTA, Homero. A venda casada. Artigo: Venda casada nas academias de ginástica. Disponível em: < http:// www.homerocosta.adv.br/boletim/14/maio_2009_arquivos. Acesso em: 27/08/2009. 41 O condicionamento ao ingresso no consórcio imobiliário mediante o pagamento de um seguro de vida, é também venda casada. Reveja-se entendimento jurisprudencial sobre o tema: CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONSÓRCIO DE IMÓVEL VINCULADO AO SEGURO DE VIDA. VENDA CASADA. PRÁTICA ABUSIVA. RESCISÃO DO CONTRATO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. A disposição contratual que obriga a consumidora a contratar seguro de vida para poder ingressar em grupo de consórcio, sem que lhe seja dada a oportunidade de escolher a seguradora ou discutir as condições do contrato de seguro, configura a prática abusiva vedada pelo artigo 39 do CDC, sujeitando o fornecedor do serviço a repetir as parcelas que recebeu acrescida de juros e correção monetária.88 Insta frisar que, não se configura venda casada a imposição de limite quantitativo para a aquisição de um produto. Esta condição só é proibida pelo CDC se não houver justificativa para a sua imposição, como uma promoção, por exemplo. “Entretanto, a limitação de quantidade de aquisição de um produto poderá ser aplicada se inferior ao que o consumidor deseja adquirir”, informa Maira Feltrin, coordenadora do serviço de orientação do IDEC.89 Impende ressaltar, que a venda casada se caracteriza pela subordinação da venda de determinado bem ou utilização de serviço à aquisição de outro. Entretanto não confira tal abuso quando o empréstimo for garantido, ou seja, quando existem elementos que oportunizam majoração de valores como exemplo, bancos que oferecem descontos em tarifas em razão da utilização de um determinado pacote de serviços.90 Deste modo, o desconto em folha, em si, é autorizado, contanto que haja um limite que não comprometa a subsistência do devedor, no caso, consumidor, eis que seus proventos têm natureza alimentar. 91 Outro exemplo de venda casada que ganhou destaque no serviço de Orientação do IDEC em 2002 diz respeito ao acesso à internet. A prática é 88 BRASIL. 20050110625442 APC, Relator CÉSAR LOYOLA, 3ª Turma Cível, julgado em 21/06/2006, DJ 07/12/2006 p. 177 89 Adaptado por: Equipe Financeiro24Horas.com Fonte: Revista do Idec On-line. Disponível: http://www.idec.org.br/rev_idec_texto_online.asp?pagina=1&ordem=1&id=38. Acesso em: 08/05/2010 90 COELHO, Luís Filipe Ribeiro. REVISTA&JUSTIÇA. Correio Braziliense , 14/04/2008. 91 COELHO, Luís Filipe Ribeiro. REVISTA& JUSTIÇA. Correio Braziliense , 14/04/2008 42 comumente utilizada por empresas que oferecem conexão rápida (banda larga) e condicionam a oferta de seus serviços à contratação de um segundo provedor de acesso (por exemplo, UOL, AOL, Terra etc.).92 Naquele ano, inúmeros associados do IDEC se deram conta de que a conexão rápida do speedy (banda larga da Telefônica) continuava em pleno funcionamento mesmo sem a utilização de outro provedor, sendo sua contratação desnecessária. No caso, ficou evidente que a empresa praticava a venda casada, pois exigia que seus usuários mantivessem contratos com algum provedor.93 Diante disso, o IDEC ajuizou ação, em 27/06/2002, pedindo a declaração de ilegalidade de tal prática e a garantia do direito de os consumidores utilizarem o Speedy sem precisar contratar um segundo provedor, além da devolução das quantias pagas a este título em dobro. 94 Assim, se o consumidor quiser comprar um iogurte o fornecedor não pode condicioná-lo à compra de duas ou mais unidades. Mas, atenção, esta separação de quantidade só é possível se não interferir na qualidade do produto e for viável a sua separação. Um pacote de salsichas de 200g, por exemplo, não pode ser aberto e dividido caso o consumidor queira adquirir quantidade menor, pois o rompimento do pacote comprometeria a qualidade do todo embalado. 95 Depois de receber denúncias do Ministério Público Federal de que a Gol estaria induzindo o consumidor a adquirir seguro viagem no ato da compra de passagens pela internet, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) notificou a companhia para que torne mais transparente a venda do serviço. A mesma notificação foi enviada à TAM. As duas empresas possuem, somadas, cerca de 85% do mercado doméstico.96 Apesar de a TAM não ser citada na denúncia do Ministério Público, a ANAC informou que constatou que o site da companhia também induziria o consumidor a comprar o serviço de seguro. "Não é da competência da ANAC legislar sobre venda casada. Mas as companhias precisam deixar claro que a cobrança de um seguro 92 Barbosa, Mariana . Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 93 COELHO, Luís Filipe Ribeiro. REVISTA& JUSTIÇA. Correio Braziliense , 14/04/2008 94 COELHO, Luís Filipe Ribeiro. REVISTA& JUSTIÇA. Correio Braziliense, 14/04/2008 95 COELHO, Luís Filipe Ribeiro. REVISTA& USTIÇA. Correio Braziliense , 14/04/2008 96 BARBOSA, Mariana . Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 43 viagem não faz parte do valor da tarifa", afirmou a agência, por meio de sua assessoria de imprensa. De acordo com a agência, o ofício da Gol foi colocado no correio na sextafeira, e o da TAM, ontem. Procuradas, as companhias disseram que ainda não foram notificadas pela Anac. Segundo a TAM, o seu procedimento está "de acordo com a legislação em vigor". A venda do seguro ou assistência viagem acontece no final do processo de compra da passagem. A opção pela compra do seguro já vem selecionada. Cabe ao consumidor retirar essa seleção com um clique. Porém, muita gente confunde a assistência viagem com taxas ou simplesmente não percebe que está adquirindo o serviço. O preço do seguro varia conforme o destino e o tempo de permanência. No caso da Gol, o seguro começa em R$ 3. Na TAM, em R$ 19,50.97 A internet é o principal meio de comercialização de passagens para as duas companhias, representando mais de 80% das vendas. As duas empresas transportam por volta de 20 milhões de passageiros no mercado doméstico por ano. As companhias não revelam a receita obtida com a venda do seguro viagem. Numa conta simples, se metade dos 16 milhões de passageiros que compram passagens pela internet adquirir o seguro de um dia, a Gol terá receita de R$ 24 milhões. Para a TAM, serão R$ 156 milhões, no valor mínimo. 98 De acordo com a ANAC, após receberem a notificação, as companhias serão obrigadas a mudar "imediatamente" o sistema de vendas. "Elas podem continuar oferecendo seguro, mas a opção não pode estar previamente selecionada", explicou a agência. "É preciso ficar claro que o seguro não faz parte da tarifa." O valor de eventuais multas caso a prática não seja interrompida não foi estabelecido. Antes disso, deve ser aberto um processo administrativo, com prazos para recursos.99 Por meio de nota, a Gol informou que "o passageiro tem a opção de adquirir ou não o seguro a qualquer momento" durante a compra da passagem.100 97 BARBOSA, Mariana. Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 98 BARBOSA, Mariana . Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 99 BARBOSA, Mariana. Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 100 BARBOSA, Mariana. Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 44 A empresa afirma também que o "seguro viagem é um produto oferecido aos seus clientes independentemente da oferta de passagens aéreas".101 Também por meio de nota, a TAM afirmou que "o cliente tem duas oportunidades para recusar o serviço de assistência à viagem, a segunda delas na própria finalização da compra de tal maneira que, se não escolher se aceita ou recusa, a operação não será completada".102 3.4 VENDA CASADA E SUA PREVISÃO PENAL COM BASE NO CDC O surgimento do direito penal do consumidor vincula-se diretamente ao direito penal econômico. Cuida-se de ramo do direito penal que sanciona condutas praticadas no mercado de consumo, para garantir que as relações se aproximem de um ideal de transparência e honestidade. 103 Como se verifica, o CDC constitui um microssistema na medida em que possui normas que regulam todos os aspectos da proteção do consumidor, coordenadas entre si, permitindo uma visão de conjunto das relações de consumo, sem se deixar contaminar por regras de outros ramos do direito. Assim, preferiu o legislador tratar no CDC do aspecto civil das relações de consumo, sem deixar o seu disciplinamento para uma futura e incerta alteração do Código civil. Da mesma forma, em relação aos aspectos penal, administrativo e jurisdicional. 104 A tutela no âmbito penal objetiva assegurar a efetividade das demais normas insertas no CDC. Esclarece-se, porém que o próprio art.61 do CDC, já o enuncia expressamente, que os delitos previstos a partir do art. 62 (vetado) em absoluto 101 BARBOSA, Mariana. Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 102 BARBOSA, Mariana. Anac Vê venda casada de seguro em passagem. Fonte: Folha de São Paulo. 13/01/2010. 103 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM , Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008 104 ALMEIDA, João Batista de, A proteção jurídica do consumidor. 6 Ed, ver., atual e ampl, São Paulo: Saraiva , 2008. 45 excluem outros crimes contras as “relações de consumo”, quer os previstos no corpo das normas penais básicas consistentes no CP, quer os da legislação especial ou extravagantes, constante de outros diplomas legais ( crimes contra a economia popular, contra a ordem econômica e extravagantes). 105 As penalidades para quem realiza prática abusiva são diversas. Existem penas no Código de Defesa do Consumidor e em legislações esparsas. O art. 66 do CDC, afirma que fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços, é apenado com detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa. Considerando que a consumação mínima obrigatória é um dado errôneo e ilícito, pode-se considerar que toda publicidade baseada nestes fatos, envolve uma determinada perda patrimonial do consumidor, causando dano. O dano patrimonial ocorre na medida em que o consumidor adquire um produto ou serviço através de publicidade enganosa, isto é, embasado em fonte (publicidade enganosa) que não é confiável por conter erros e vícios. 106 Assim, quem cobra a consumação mínima e a veicula na mídia comete o crime do artigo 67 do CDC, no qual promove publicidade, a pena é com detenção de 3 meses 1 ano mais multa. Neste caso como a pena pecuniária é obrigatória juntamente com a restritiva de liberdade. O art. 77, do CDC, determina que a pena pecuniária será fixada em diasmulta, correspondente ao mínimo e ao máximo de dias de duração da privativa da liberdade cominada ao crime. Na individualização desta multa, o Juiz deverá observar a situação econômica do Réu, podendo aumentar a multa em até o triplo, se ficar observado que, em virtude da situação econômica deste, a multa será ineficaz, embora aplicada ao máximo. Os crimes do CDC aqui expostos serão agravados se forem cometidos em época de crise econômica ou por ocasião de calamidade; ocasionarem grave dano individual ou coletivo; dissimular-se a natureza ilícita do procedimento; cometidos por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja 105 BENJAMIM, Antônio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária,2001.p 587. 106 Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em :05/05/2010 46 manifestamente superior à da vítima; cometidos em detrimento de operário ou rurícola, de menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não; praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais. Há possibilidade das penas privativas de liberdade serem substituídas pela a interdição temporária de direitos; pela publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; ou ainda, pela a prestação de serviços à comunidade. Tudo conforme as regras estipuladas pelos arts. 44 a 47 do Código Penal Brasileiro. Importante citar o artigo 11, alínea i da Lei Delegada, criada para regulamentar a intervenção no domínio econômico assegurando a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Condena a venda casada ao dispor que fica sujeito à multa de um terço (1/3) do valor do salário mínimo vigente no Distrito Federal à época da infração, até cem (100) vezes o valor desse mesmo salário, sem prejuízo das sanções penais que couberem na forma da lei, aquele que subordinar a venda de um produto, compra simultânea de outros produtos ou a compra de uma quantidade imposta. É dolo, isto é, vontade livre e consciente de subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço aquisição de outro bem, ao uso de determinação de serviço. Não se exige, contudo, fim específico, por parte do sujeito ativo, podendo sua motivação, como reduzir estoque de determinado produto, ou aumentar faturamento. Ocorre no momento em que é realizada a subordinação, independentemente da realização ou não do primeiro negócio encontrava-se na dependência ou submetido a outro. Trata-se, pois, de crime formal. Para haver condenação será mister, prova cabal de que a venda ou a contratação subordinava-se a uma ou outra venda ou negócio, a ponto de que, se não aceita a subordinação pela vítima, o negócio não se concretiza. Não cabe tentativa, eis que a conduta subordinar não pode ser fracionada, com efeito o agente impõe a subordinação e o crime imediatamente se consuma, ou não o faz e o crime não se consuma. Eventuais atos anteriores caracterizam meros atos preparatórios, penalmente irrelevantes. É possível concurso de pessoas. Importante salientar que há um confronto com a Lei de Economia Popular, em caso 47 de ser realizada exigência ao comprador de que não compre de outro vendedor, vide art.2º, VIII, da Lei 1.521/51. Atualmente, o consumidor desacredita na criminalização instituída pelo CDC, uma vez que o consumidor se quer acompanha a solução da lide pena, revelando um total descaso pela investigação criminal. Conseqüentemente, tal interesse conjugado ao ínfimo valor dos chamados crimes econômicos, geram uma tranquilidade em relação a defesa do vulnerável consumidor. 107 Percebe-se que o direito penal do consumidor-assim como o próprio direito do consumidor – cumpre, idealmente ao lado de seu caráter repressivo, uma função eminentemente preventiva, não corre – ou não deve correr – atrás do dano, a ele se antecipa. Mais do que preventivo, hoje se reconhece a esse direito penal pósmoderno uma função de evitar o dano a todo custo, mesmo quando inexiste certeza cientifica sobre a probabilidade de ocorrência.108 Insta frisar que existem outras normas penais esparsas que tutelam os interesses do consumidor no mercado, com proeminência para as leis contra a ordem econômica e as relações de consumo adiante comentadas. 109 As críticas em torno dos aspectos penais do CDC surgiram a partir da elaboração de seu anteprojeto. E elas já se iniciavam pela simples oposição a que a lei dessa natureza contivesse dispositivos de caráter penal.110 Observa-se que as aludidas críticas referem-se ao encarceramento como principal forma de sanção, embora se concorde que a tendência moderna enverede pela adoção de sanções de natureza pecuniária ou então restritivas de direitos. 111 A condescendência da sociedade com a criminalidade de elite, ao passo que não há a mesma tolerância quanto à delinqüência tradicional, nem sempre o consumidor é estimulado a denunciar as práticas abusivas cometidas em face deste, pois o abuso foi insignificante, que não compensa o trabalho que terá com a denúncia. Do ponto de vista do fornecedor, quase sempre é para ele compensador 107 PASSARELLI, Eliana. Dos Crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva 2002. p65 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. 109 BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIM, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima, Manual de Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 2008. 110 BENJAMIM, Antônio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária,2001.p 604 111 BENJAMIM, Antônio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária,2001.p 604 108 48 pagar multa ou a indenização decorrente de uma demanda ou reclamação, no lugar de parar com a prática abusiva. 112 Em mais de anos de experiência na qualidade de membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, José Geraldo Filomeno, constatou que o consumidor desesperado diante de um conflito individual surgido de relações de consumo, muitas vezes denuncia tal circunstância á autoridade policial, certo de que bastará para a solução de seu problema particular. 113 E, muitas vezes, sobretudo em municípios não providos de PROCON ou outros órfãos de proteção ou defesa ao consumidor, ou ainda promotores de justiça que fazem suas vezes, quando inexistentes realmente é suficiente tal queixa feita na delegacia local. Mais isso apenas para a solução do conflito em si, esquecendo-se o mesmo consumidor, muitas vezes, de que, embora satisfeita sua pretensão de natureza civil, subsistirá o aspecto criminal a ser analisado.114 Todavia, visto que o problema foi solvido, o consumidor não se dá ao trabalho de acompanhar o desfecho da questão em seu aspecto criminal, ainda que em tese e sob investigação, desinteressando-se por completo. 115 O dano individualizado por vezes pequeno no ponto de vista econômico aliado ao desinteresse, mas relevante no sentido coletivo, bem como à impunidade nos chamados crimes econômicos, é que leva a uma sensação de desproteção do consumidor e desalento quanto a ver seus interesses efetivamente velados. 116 112 JÚNIOR,Nelson Nery. Crimes contra relações de consumo. Disponível em:< bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/.../crimes_contra_relacoes_consumo.pdf?...> Acesso em: 16/05/2010. 113 BENJAMIM, Antonio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.p 587 114 BENJAMIM, Antônio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.p 588 115 BENJAMIM, Antônio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 Ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.p 588 116 BENJAMIM, Antônio Herman V...[et al]. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 Ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.p 588 49 CAPÍTULO 4 VENDA CASADA E SUA APLICABILIDADE NAS LEIS 8884/94/ 1.521/59 LEI DE ECONOMIA POPULAR e na Lei nº 8.137/90 CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA 4.1 SURGIMENTO DA LEI 8884/94 A Lei Antitruste surgiu no Brasil pela necessidade de fiscalizar a concorrência que ficou obscurecida pelas décadas de crise inflacionaria e, em particular pela circunstância especifica de junho de 1994. 117 Nota-se que a livre concorrência está profundamente ligada à proteção ao consumidor, uma vez que garante regular a relação entre fornecedores e consumidores. 118119 Ademais, a legislação antitruste é o conjunto de regras destinadas a reger as relações concorrenciais entre as empresas, bem como exigir uma atuação que não lese o consumidor e o Estado. Cabe ressaltar, que o objetivo desta lei é a proteção da economia popular e coerção contra o abuso de preços. Mais do que a luta para controlar as atividades dos agentes detentores de poder econômico, o antitruste surgiu com aura de nacionalismo, de proteção do interesse nacional contra o poder estrangeiro. Atualmente, a política de defesa da concorrência é construída através das decisões dos órgãos antitrustes nacionais que, no caso brasileiro, são proferidas pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Avaliar as decisões do CADE é, portanto, avaliar a defesa da concorrência no Brasil. Um modo de avaliar a práxis da defesa da concorrência brasileira consiste em observarem-se as decisões do CADE estão de acordo com as convencionais teorias utilizadas na análise antitruste. 117 118 119 BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste. 3 ed . São Paulo: Atlas, 1997;P55 ____________, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste. 3 ed . São Paulo: Atlas, 1997;P55 50 Com o intuito de salvaguardar os interesses e direitos e dos consumidores como coletividade, criou e aperfeiçoou a Secretaria de Direito Econômico (SDE), que possibilita ao consumidor oferecer uma representação escrita e fundamentada de qualquer infração contra a ordem econômica . 120 4.2 OBJETIVOS DA LEI 8884/94 DENTRO DA PRÁTICA ABUSIVA DE VENDA CASADA Em decorrência do sistema adotado pela Lei 8.884/94, o intérprete brasileiro foi poupado de esforços hermenêuticos para a caracterização de determinada prática atentatória à ordem econômica. O art. 85 do Tratado CEE coloca a venda casada como típico acordo entre empresas ou abuso de posição dominante. Há quem sustente que a imposição de venda casada somente seria sancionada pelo tratado mencionado, se praticada por empresa em oposição dominante ou se envolvesse atos praticados por duas empresas, ou seja, não haveria nada de ilícito na venda casada imposta por uma única empresa sem domínio no mercado.121 Entretanto, a sistemática brasileira diz que a partir do momento em que a venda casada tipificada no art.21, inciso XXIII, da Lei 8.884/94 implique a incidência de qualquer um dos incisos do art.20, será considerada contraria a ordem econômica.122. No que concernem as infrações a ordem econômica, face a impossibilidade de se impor um rigorismo as tipificações econômicas, prevista do art. 21 da lei em 120 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte: DelRey, 2001. 121 GLÓRIA, Daniel Firmato de Almeida. apud. A livre concorrência como garantia do consumidor. BELO HORIZONTE: Del Rey; Fumec , 2003. p.97/102 122 FORGONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos tribunais Ltda., 1998. 51 comento, esta tem uma sintonia com as praticas abusivas tipificadas no art. 39 do CDC objetivando garantir o consumidor no mercado e não punir.123 A venda casada constitui uma verdadeira barreira a entrada de concorrentes potenciais no mercado. Neste sentido salienta Fábio Ulhoa Coelho, que a venda casada, em si mesma não é ilícita124. Será infração contra a ordem econômica somente se inserida no contexto das praticas restritivas, voltadas a eliminação da concorrência, domínio de mercados ou aumento arbitrários dos lucros. 125 Salienta-se que a venda casada constitui uma verdadeira barreira a entrada de concorrentes potenciais no mercado. Oportuno ressaltar que só aqueles que detém poder de mercado e que adotam esta prática é que estarão sujeitos a uma análise pelo órgão regulador do direito da concorrência. Diferentemente do que ocorre na seara consumerista. Basta o condicionamento de um produto ou serviço, para ser caracterizada a venda casada, prática vedada ao fornecedor. 126 Isto porque, conforme salientado pela então Conselheira do CADE, Neide Malard: Não interessa á agência antitruste, absolutamente, uma venda Casada feita numa mercearia qualquer do bairro, que só vende feijão se o freguês comprar também o arroz, pois se alguém não quiser comprar o arroz e o feijão pode ir a outra loja e lá comprar. 127 Não é essa a venda casada que interessa à concorrência. O que interessa a defesa da concorrência é a vinculação de venda praticada por agente econômico que detém poder de mercado e consegue, com isso, erguer barreiras a entrada de 123 FORGONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos tribunais Ltda., 1998. COELHO. Fábio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro. Comentários à Lei 8.884/94. São Paulo: Saraiva 1995. p 84 Apud GLÓRIA. Daniel F.de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 137. 125 GLÓRIA, Daniel Firmato de Almeida. apud. A livre concorrência como garantia do consumidor. BELO HORIZONTE: Del Rey; Fumec , 2003. p.97/102 124 126 BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste. 3 ed . São Paulo: Atlas, 1997;P55 127 IDEM, apud MALARDE, práticas verticais restritivas da concorrência, p.131. 52 concorrentes potenciais no mercado ou empecilhos á expansão dos concorrentes que já estão inseridos.128 O Conselheiro do CADE, Carlos Eduardo Vieira de Carvalho, em 1993, em um processo sobre venda casada, bem sintetizou essa questão ao asseverar: A vinculação do produto a serviço ou vice-versa não tem outro objetivo que o de impedir que o consumidor exerça livre e racionalmente seu direito de escolher o produto ou serviço que melhor lhe convenha, restringindo-se assim o mercado relativamente aos compradores do produto vinculado, eliminando-se via de conseqüência, concorrentes reais ou potenciais, já que cria dificuldades ao funcionamento ou desenvolvimento das empresas do setor. 129 Sendo assim, uma venda casada praticada por uma empresa que detém poder de mercado significa o mesmo que empurrar para o consumidor um produto – que é produto vinculado por conta do produto vinculante, aquele único no qual o consumidor está interessado. Pode até estar interessado, mas o que se quer assegurar ao consumidor é a escolha do produto alternativo, se ele existir no mercado.130 Uma das questões mais tormentosas no encontro destas duas legislações refere-se ao preço. A garantia de um melhor preço entra na lista das cogitações da defesa da concorrência e do consumidor. Isto, em grande parte, devido ao poder de econômico das grandes corporações, que tem maiores probabilidades de influir nos preços, nas condições de mercado, nas práticas e cláusulas abusivas aos consumidores.131 Sintetizando, para ser caracterizada infração à ordem econômica, a venda casada é uma imposição indevida que tem que ser reprimida quando praticada por 128 BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste. 3 ed . São 1997;P55 129 IBIDEM 130 GLÓRIA.Daniel F de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 131 _______Daniel F de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p Paulo: Atlas, de Política e 145. de Política e 145. 53 empresa que detém o poder de mercado. 132 Nesse sentido, o CADE busca que punir infratores que cometem este tipo de crime, veja-se: PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO ANULATÓRIA EM FACE DA DECISÃO DO CADE QUE RECONHECEU O COMETIMENTO DE INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA (VENDA CASADA) E IMPÔS À AGRAVANTE MULTA E OBRIGAÇÃO DE FAZER - DETERMINADA A REDISTRIBUIÇÃO PARA A 3ª SEÇÃO COM BASE EM PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL - APELAÇÃO DA AGRAVANTE NA AÇÃO CAUTELAR JULGADA PELA 5ª TURMA DOIS DIAS ANTES DA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO REGIMENTAL - MÁ-FÉ DA AGRAVANTE - MULTA. 1 - Julgado improcedente o pedido, a Apelação interposta pela Agravante fora distribuída à 7ª Turma. Contudo, considerando recente pronunciamento da Corte Especial deste Tribunal, por unanimidade, determinou-se a remessa dos autos à 3ª Seção, para onde deveria ser redistribuída (CC 2004.01.00.045341-3/DF, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, DJ de 28.09.2007). 2 - Idêntica decisão fora proferida nos autos da AC 2001.01.00036741-1/DF (Ação Cautelar), a qual, inclusive, já fora julgada pela 5ª Turma, no dia 07.05.2008, havendo o Apelo sido parcialmente provido, tão-somente, para reduzir a verba honorária. Destaque-se que, na ocasião, a Turma rejeitou questão de ordem suscitada pelo eminente Des. Fed. João Batista Moreira, no sentido da incompetência daquele órgão. Vale ressaltar que a aludida Apelação fora distribuída à eminente Des. Fed. Selene Maria de Almeida, por dependência, vez que a mesma já havia apreciado medida cautelar incidental proposta nos autos da AC 2001.01.00036741-1/DF (Ação Cautelar).4-Chama atenção, ainda, o fato de que, a Agravante ingressou com o Agravo Regimental em 09.05.08, dois dias após o julgamento da AC 2001.01.000367411/DF (Ação Cautelar), pela 5ª Turma (07.05.08), sem que, sequer, tenha se insurgido contra a redistribuição do feito, naquela assentada. Ou seja, dois dias antes, enquanto ainda não se sabia o resultado do julgamento, aos olhos da Agravante, a 5ª Turma detinha plena competência para examinar o feito. Uma vez manifestado o entendimento daquela Turma, contrário às suas pretensões, volta-se a Agravante a pleitear o julgamento da Apelação na ação principal por esta Turma, conduta que reputo ofensiva a este Tribunal e à parte contrária.- Agravo Regimental não provido.- Aplicação de multa à Agravante (arts. 17, V e 18, ambos do CPC).133 Dentre as práticas verticais restritivas da concorrência, a venda casada representa menos de 8%( oito por cento) destas. Após a lei 8.884/94, a venda 132 GLÓRIA.Daniel F de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 145. 133 BRASIL. Tribunal Regional Federal da primeira região. AGRAC 2001.01.00.036742-5/DF, Rel. Desembargador Federal Catão Alves, Sétima Turma, e-DJF1 p.325 de 04/07/200 54 casada passou a ser conduta indiciaria de abuso do poder econômico fora do contexto econômico. 134 4.3 SURGIMENTO DA LEI 1.521/59 Com o objetivo de reprimir os crimes contra a economia popular, e uma maior proteção ao consumidor, a Lei 1521/59 que deu vazão ao surgimento do Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, Economia popular resulta do complexo de interesses econômicos domésticos, familiares e individuais que não tinha nenhuma proteção do Estado. Após inúmeras tentativas de punir especuladores, gananciosos e exploradores do povo, surgiu finalmente a Lei de Economia Popular, sendo considerada significativa para a economia do Brasil. Essa lei modificou a legislação em vigor à época, autorizando o Governo Federal a intervir diretamente no campo econômico, assegurando, a livre distribuição de produtos indispensáveis ao consumo do povo. Cabe ressaltar que a Constituição de 1937 disciplinou em linguagem expressiva, a obrigação de ser protegida a economia popular, entretanto não foi o suficiente. 4.4 APLICABILIDADES DA LEI DE ECONOMIA POPULAR NA PRÁTICA DE VENDA CASADA 134 GLÓRIA. Daniel F de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 145. 55 Conforme o art. 2º, inciso I, da Lei de Economia Popular é crime a recusa de venda de mercadoria a quem esteja em condições de comprá-la a pronto pagamento. Os crimes contra a economia popular são sutis, não violentos, muitas vezes dissimulados.135 Para fins de tutela da economia popular, são considerados necessários ao consumo popular ou gêneros de primeira necessidade todos os bens que se destinam à subsistência ou, então, ao normal exercício das atividades dos indivíduos, abrangendo alimentação, vestuário, iluminação, combustível, habitação, materiais de construção e gêneros terapêuticos e sanitários. São elementos desses crimes: sujeito ativo – proprietário, diretor ou gerente de estabelecimento industrial ou comercial (excluído o empregado, pois este não tem poder decisório e, por conseqüência, não pode ser responsabilizado pelas condutas tipificadas como crime); sujeito passivo – a coletividade, que tem seus interesses difusos lesados (mediata e eventualmente, atinge-se o indivíduo) e objeto material que é o patrimônio do povo em geral (número indefinido de pessoas). A economia popular é um bem coletivo sujeito a dano efetivo ou potencial causado pelos gananciosos nas relações econômicas, os quais procuram auferir lucros exorbitantes e desproporcionais à custa da coletividade.136 O objeto material é a bolsa do consumidor (daí a relação existente com a objetividade jurídica tutelada pelo CDC). Inclui-se no objeto material a livre concorrência (art. 3º da Lei nº 1.521/51), eleita pela Constituição Federal de 1988 como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, inciso IV), pois integra o patrimônio econômico da coletividade; O quarto e último elemento subjetivo é o dolo (vontade consciente e livre) específico de auferir lucros indevidos em detrimento do povo (obter vantagem ilícita através de fraude). Inexiste a modalidade culposa, mas a Lei nº 8.137/90 a prevê nas seguintes hipóteses dos art. 7º, incisos II, III e IX. A tentativa é inadmissível, pois os crimes de que ora se trata são, em sua maioria, formais. Entretanto, algumas figuras penais admitem-na, a exemplo das 135 136 PASSARELLI, Eliana. Dos Crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva 2002. GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico. Rio de Janeiro. Lúmen Júris,1999. 56 seguintes: art. 3º, incisos I e II, da Lei nº 1.521/51, bem como art. 4º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90.137 4.5 VENDA CASADA E SUA PREVISÃO NA Lei nº 8.137/90 CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA A Lei nº 8.137, de 1.990, define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Em seu art. 5º, incisos II e III, preceitua que ao estipular ser crime contra a ordem econômica subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço, bem como sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada. A pena para este delito é a detenção de dois a cinco anos, com a possibilidade facultada de aplicação de multa.138 O art. 5º inciso II, da Lei n. 8.137/90, tem como objetivo jurídico, primeiramente, a ordem econômica; em segundo plano, tutela-se o direito do consumidor de não ter a compra de bens ou a contratação de serviços, bem como a livre concorrência prejudicada em face da imposição desempenhada por um concorrente sobre o consumidor. 139 Qualquer pessoa, sobretudo o empresário de determinado ramo de indústria ou do comércio ou prestação de serviços pode cometer esse tipo de crime, e o Estado em primeiro plano, consecutivamente o consumidor sendo vulnerável concorrem como sujeitos lesados. 140 A prática abusiva nesta lei alude ao condicionamento do produto ou serviço, sem justa causa, a limites quantitativos, pois o fornecedor não pode recusar uma prestação de serviço por achar que não terá o lucro desejado, como, por exemplo, 137 PASSARELLI, Eliana. Dos Crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva 2002. PASSARELLI, Eliana. Dos Crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva 2002. 139 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico. Rio de Janeiro: Lúmen Júris 1999. 140 NETTO Felipe Braga. MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR Á LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ, 3 Ed, revista ampliada e atualizada Podivm; 2009,SALVADOR –BA 138 57 um taxista não pode recusar corrida porque o percurso é inferior ao que ele gostaria.141 Entretanto, evidente que é necessário uma razoabilidade, de forma a não amparar “caprichos” injustificáveis do consumidor menos razoável. Assim é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. “VENDA CASADA”. PREVARICAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA. I – A figura típica descrita no art. 5º, II, da Lei 8.137/90 é crime de mera conduta, que não depende da concretização da venda ou da prestação do serviço para a sua consumação, bastando, para tanto, que o agente subordine ou sujeite a venda ou prestação de serviço a uma condição.II – Não é inepta a denúncia que descreve conduta que, em tese, se subsume ao tipo penal, sem qualquer prejuízo prima facie para o exercício do direito de defesa pelo acusado.Recurso desprovido.142 Entretanto, há julgados que são favoráveis a condenação da prática da venda casada, uma vez que esse tipo de conduta não pode ser desconhecido. Ademais, a punição é uma forma de demonstrar que o consumidor tem uma legislação eficaz. Nesse diapasão, imperioso apresentar, o julgado do o TJRJ abaixo descrito: VENDA CASADA. CRIME CONTRA A ORDEM ECONOMICA. LEI N. 8137, DE 1990. DOS SOCIOS. Apelação Criminal. Crime contra a ordem econômica. Artigo 5., inciso II, da Lei n. 8.137/90. Prática de "venda casada". Condenação a dois anos e seis meses de detenção, em regime aberto. substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Negativa de materialidade e de autoria do delito. Descabimento. Postula o Apelante a reforma da sentença para alcançar a absolvição, insurgindo-se contra a condenação, sob o fundamento fragilidade probatória, eis que não provadas a materialidade e a autoria do delito, e de atipicidade da sua conduta. Depoimentos colhidos em sede inquisitorial e judicial demonstrando a prática de oferecimento de preço "promocional" condicionando à aquisição de outros serviços, circunstância que não é permitida por lei. Desinfluente para a caracterização da autoria a circunstância do sócio da pessoa jurídica não estar presente no momento dos fatos, 141 ______ MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR Á LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ, 3 Ed, revista ampliada e atualizada Podivm; 2009,SALVADOR –BA 142 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, RHC 12.3778, REL. Min FELIX FISCHER, 5ª T., p 24/06/02. DJU 09/03/2007 58 pois é o responsável criminal pelos ilícitos contra a ordem econômica praticados dentro do estabelecimento. Condenação que se mantém pelos próprios fundamentos. Negado provimento ao recurso.143 4.6 OUTRAS LEGISLAÇÕES BRASILEIRAS SOBRE A VENDA CASADA Toda legislação brasileira referente à venda casada é, contemporânea da legislação de repressão ao abuso do poder econômico e tem por finalidade única evitar o domínio de mercado, assegurando a livre concorrência. Esta legislação teve um emaranhado de leis e decretos. 144 Sobre venda casada, são nove disposições legais a respeito, dentre as revogadas e as que estão em vigor. Em ordem cronológica são elas:145 a) Lei 4.137, de 10.09.1962 regulava a repressão ao abuso do poder econômico e estabelecia pelo seu art.2º, IV, b, que:146 Consideram-se formas de abuso de poder econômico a formação de grupo econômico, por agregação de empresas, em detrimento da livre deliberação dos compradores ou dos vendedores, por meio de subordinação de venda de qualquer bem á aquisição de outro bem ou utilização de determinado serviço; ou subordinação de utilização de determinado serviço às compras de determinado bem. b) Em seguida, a Lei Delegada 4, de 26.09.1962, previa em seu dispositivo legal 11 ( onze), alínea i: 147 Fica sujeito à multa de 150 a 200.000 Ufir, vigente na data da infração, sem prejuízo das sanções penais que couberem na forma 143 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. AC - 2007.050.02288. JULGADO EM 22/05/2007. QUARTA CÂMARA CRIMINAL - Unanime. RELATORA: DESEMBARGADORA LEILA ALBUQUERQUE 144 GLÓRIA. Daniel F.de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 137. 145 GLÓRIA. Daniel F. de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 149. 146 Idem 147 GLÓRIA. Daniel F. de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 145. 59 da lei, aquele que : subordinar a venda de um produto à compra simultânea de outro produto ou à compra de qualidade imposta. c) A Lei 8.002, de 14.03.1990, pelo seu art. 1º II, punia com multa de 500 a 200.000 BTN, o condicionamento de venda da mercadoria ao seu transporte ou á prestação de serviços e acessórios, pelo próprio vendedor ou por terceiro que ele indicar ou contratar, “quando o comprador se dispuser transportá-la por sua conta e risco”. Tipificava um caso específico de venda casada com serviço de transporte148 d) A revogada Lei 8.158, de 08.01.1991, antigo estatuto de defesa de concorrência, não poderia deixar de estipular a venda casada, inserida em seu art.3º, VIII:149 Constitui infração à ordem econômica qualquer acordo, deliberação conjunta de empresas, ato, conduta ou prática, tendo por objeto ou produzindo o efeito de dominar mercado de bens ou serviços, prejudicar a livre concorrência ou aumentar arbitrariamente os lucros, ainda que os fins visados não sejam alcançados, tais como: (..) VIIIsubordinar a venda de um bem à aquisição de outro á utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço á utilização de outro á aquisição de um bem. e) O Dec.2.181, de 20.03.1997, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do consumidor, através do disposto no art.12, I, considerou prática infrativa a utilização da venda casada. f) A decisão do Conselho Mercado Comum 18/96, Protocolo de Defesa da Concorrência no MERCOSUL, conhecido, também como protocolo de Fortaleza, apresenta dois dispositivos legais concernentes à venda casada. 150 O art.6.º, V E VIII, tipifica respectivamente, caracterizar, prática restritiva da concorrência: limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado e subordinar a venda de um bem á aquisição 148 GLÓRIA. Daniel F. de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 145. 149 Idem 150 GLÓRIA. Daniel F. de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 147. GLÓRIA. Daniel F. de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 147. 60 de outro ou á utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço á utilização de outro ou à aquisição de um bem. [sic] g) Por fim, a resolução 2.878, de 27.07.2001 do Banco Central do Brasil, denominado de “Código de Defesa do Consumidor Bancário” dispõe sobre a venda casada em longo em um longo artigo, verbis : 151 Art. 17. É vedada a contratação de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas à realização de outras operações ou à aquisição de outros bens e serviços § 1º A vedação de que trata o caput aplica-se, adicionalmente, às promoções e ao oferecimento de produtos e serviços ou a quaisquer outras situações que impliquem elevação artificiosa do preço ou das taxas de juros incidentes sobre a operação de interesse do cliente. § 2º Na hipótese de operação que implique, por força da legislação em vigor, contratação adicional de outra operação, fica assegurado ao contratante o direito de livre escolha da instituição com a qual deve ser pactuado o contrato adicional. § 3º O disposto no caput não impede a previsão contratual de débito em conta de depósitos como meio exclusivo de pagamento de obrigações. CAPÍTULO 5 COMO DENUNCIAR A PRÁTICA DE VENDA CASADA Caso o fornecedor se recuse a vender o item desejado sem o outro indicado, o consumidor deve procurar o Procon ou recorrer à Justiça. Para causas até 40 salários mínimos pode-se ajuizar ação no Juizado Especial Cível (JEC). Para causas até 20 salários mínimos não é necessário constituir advogado para representá-lo em primeira instância. A primeira atitude a ser tomada em casos de consumação mínima, é não aceitar pagar o valor cobrado ilicitamente. Caso não tenha outra saída, o consumidor pressionado poderá chamar a polícia e exigir a prisão do proprietário ou responsável 151 GLÓRIA. Daniel F. de Almeida. Revista do direito do consumidor. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Nº 47 julho-setembro. Revistas dos Tribunais. São Paulo: 2003 p 149. 61 pelo estabelecimento em flagrante delito como incurso nos crimes aqui estudados, ou ainda, efetuar o pagamento do valor cobrado como consumação mínima exigindo a entrega de nota fiscal detalhada, conforme art. 42 parágrafo único do CDC.152 Esta última opção, somente é eficaz nos casos em que o consumidor não se utilizou do mínimo do produto ou serviço, podendo solicitar a devolução do valor em dobro acrescido de juros legais e correção monetária, conforme a inteligência do art.42, parágrafo único do CDC. O consumidor poderá recorrer aos órgãos de proteção, como os PROCONS e DECONS, para que os estabelecimentos sejam autuados por esta prática abusiva. É preciso lembrar que o consumidor não poderá ser impedido de entrar no estabelecimento por não concordar em pagar a consumação mínima. O art. 39, inciso II do CDC é claro ao especificar que o fornecedor, possuindo os produtos em estoque e estando habilitado a prestar o serviço, não poderá recusar-se a atender à demanda do consumidor. A justificativa do fornecedor será irrelevante. Segundo Antônio Herman de Vasconcellos Benjamim, (Manual de Direito do Consumidor 2009), casos assim ocorrem todos os dias: consumidores que por terem passado cheque sem fundo em compra anterior têm a sua compra com pagamento em dinheiro recusada; ou motoristas de táxi que recusam corridas ao saberem da pequena distância a ser percorrida; ou ainda, consumidores que por terem se envolvido em confusão, discussão ou até mesmo brigas, não são aceitos novamente dentro do estabelecimento noturno”. 153 Um problema no cotidiano do brasileiro é que os consumidores, a fim de evitar problemas, não denunciam e nem sabem quais os tipos de práticas abusivas. Por isso, não se pode tratá-la como uma prática inócua, sem prejuízos. A sociedade tem papel preponderante em ver respeitada a lei, seja a constante da Constituição, seja mesmo a do Código de Defesa do Consumidor exercendo plenamente a cidadania através da reivindicação de todos os seus direitos. 152 Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em :05/05/2010 153 BENJAMIM, Antônio Herman V. apud Consumação mínima. Prática ilegal de venda casada? Disponível em www.datavenia.net/.../consumacaominimapraticailegal.htm-. Acesso em: 05/05/2010 62 O IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é uma associação de consumidores fundada em 1987, com fins lucrativos, bem como qualquer vínculo com empresas, governos ou partidos políticos. Seu desígnio é amparar o consumidor contra os abusos. Um dos principais objetivos do IDEC é a busca do aperfeiçoamento do mercado do consumo, contribuir para que todos os cidadãos tenham acesso a bens e serviços essenciais, promover a conscientização e a participação do consumidor. Mister salientar que o IDEC acompanhou as discussões do Código de Defesa do Consumidor do seu início até a aprovação em 11 de setembro de 1990. Muitos dos mais importantes juristas brasileiros, inclusive aqueles que contribuíram para o CDC, colaboram com o IDEC e fazem parte de seu Conselho Consultivo. O Instituto mantém-se vigilante sobre quaisquer tentativas de modificação no Código que sejam discutidas no Congresso Nacional, assim como sobre outras medidas legislativas que possam afetar a proteção do consumidor brasileiro.154 5.1 MINISTÉRIO PÚBLICO Um dos instrumentos mais importantes e eficazes na defesa dos interesses e direitos dos consumidores é o Ministério Público, cuja a iniciativa tem ser revelado firme, eficiente e responsável, seja na defesa individual ou coletiva, seja na propositura de ações ou no atendimento ao público. A participação do MP é obrigatória em todas as ações que envolvam lide de consumo, possuindo a instituição legitimidade para defender, em juízo, os direitos individuais homogêneos do consumidor, justamente por serem de interesse social, atendendo, assim, a própria finalidade institucional.155 Os promotores, federais, distritais ou estaduais, tem inovado, garantindo e preservando os interesses e direito dos consumidores, sempre com dedicação que lhe são peculiares. 154 IDEC (Instituo Brasileiro de Defesa do Consumidor), Disponível em: www.idec.org.br. acesso em 04/05/2010. 155 PASSARELLI, Eliana. Dos Crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva 2002 63 Assim, por conseguinte, cumprem as disposições constitucionais, especialmente aquelas que dizem serem funções institucionais do MP, quais sejam, a promoção do inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção de interesses difusos e coletivos, consoante art. 129, III, da CF, incluídos nestes os dos consumidores, art.25 alínea a da Lei Orgânica Nacional do MP. Diante da preocupação da promotoria especializada do consumidor, convém lembrar que, se houver acordo entre consumidores e fornecedores, nos conflitos individuais, o instrumento de transação referendado pelo promotor de justiça, tem eficácia de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC, e art. 57, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95. Em relação a venda casada, em que o consumidor não tem a opção de adquirir o produto ou serviço separadamente, as Cortes Brasileiras têm julgado casos relativos à material. Há, contudo, exceções. 156 O atual exemplo é o caso em que o Ministério Público ajuizou uma ação contra o McDonalds. O parquet alegou que os lanches vendidos em conjunto com os brinquedos (“McLanche Feliz”) consistia em venda casada, forçando o consumidor a adquirir ambos os itens. Contudo, tal prática não foi ainda censurada, uma vez que o McDonalds continua com a venda dos lanches em conjunto com o brinquedo. 157 As empresas de fast-food alegaram que seu objetivo não é vender brinquedos e sim alimentos. Portanto, o brinquedo é meramente um brinde que é oferecido quando se adquire o determinado lance. E brinde não consistem em venda casada, uma vez que o consumidor tem a opção de comprar o lance sem aquele.158 E em outra situação, a Promotoria de Justiça do Consumidor ajuizou ação civil pública contra a empresa Pandurata Alimentos Ltda., detentora da marca Bauducco, por causa da campanha "É hora de Shrek", lançada em junho do ano passado para promover a venda dos biscoitos "Gulosos".159 156 ALMEIDA, Patrícia Donati de. LFG,18/07/2009.Disponível em: <http://> http://www.mp.sp.gov.br. Acesso em: 15/02/2010. 157 ALMEIDA, Patrícia Donati de. LFG, 18/07/2009. Disponívelem:<http://> http://www.mp.sp.gov.br. Acesso em: 15/02/2010. 158 ALMEIDA, Patrícia Donati de. LFG, 18/07/2009. Disponível em: <http://> http://www.mp.sp.gov.br. Acesso em: 15/02/2010. 159 ALMEIDA, Patrícia Donati de. LFG, 18/07/2009. Disponível em: <http://> http://www.mp.sp.gov.br. Acesso em: 15/02/2010. 64 Durante a campanha, o consumidor deveria juntar cinco embalagens de produtos da linha "GULOSOS" e, nos pontos de troca indicados, entregá-los junto com R$ 5,00 para receber um dos cinco modelos de relógios com a figura do personagem do filme "Shrek". De acordo com o Promotor Paulo Sérgio Cornacchioni, tanto a campanha publicitária quanto a prática comercial da Bauducco, foram abusivas. Em razão disso, o Ministério Público instaurou inquérito civil e propôs o ajustamento extrajudicial de conduta, mas não se chegou a um acordo. A campanha, segundo o promotor Sérgio Cornacchioni, caracterizou venda casada, o que é proibido pelo CDC. Veja a seguir: A campanha publicitária em questão atrai toda a atenção do consumidor para o relógio do Shrek, de sorte a ser natural que tenha ele despertado um desejo específico de aquisição do relógio, independentemente dos gulosos. Vale dizer: Mas só pode comprar o relógio se antes adquirir alguns pacotes do biscoito ou bolo. A compra de pelo menos 5 pacotes de biscoito é condição sine qua non para a subseqüente compra do relógio. O promotor lembra ainda que a estratégia publicitária da empresa manifestamente explora a inexperiência e a deficiência de julgamento das crianças, o que também fere o Código de Defesa do Consumidor, verbis: É notório que as crianças não possuem maturidade (psicológica, emocional e intelectual) bastante para entender o caráter publicitário do apelo. É isso, aliás, que parece inspirar campanhas publicitárias como as que aqui se questiona: com alegorias de sabido interesse infantil, a criança é seduzida à idéia de consumir determinados produtos”, sustenta. Para o promotor, as práticas da Bauducco, nesse caso, violam o direito da criança ao respeito aos valores e ao desenvolvimento moral. Na ação civil pública, o MP pediu que a empresa fosse condenada a não adotar esta prática comercial, condicionando a aquisição de qualquer bem ou serviço à compra de algum de seus produtos, bem como promover publicidade que, direta ou indiretamente, possa concorrer para a transmissão de valores inadequados a crianças, ou por qualquer modo explore sua inexperiência ou deficiência de julgamento, sob pena de multa não inferior a R$ 1.000.000,00(um milhão). 65 Pediu, ainda, a fixação de indenização em favor da coletividade difusa de consumidores, cujo valor será revertido para o Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados. O MP pleiteia que a indenização seja fixada em valor não inferior a 50% do faturamento com a venda dos produtos da promoção, o que significa cerca de R$ 780.000,0 (setecentos e oitenta mil reais). Para o MP/SP, autor da ação em análise, a empresa, ao condicionar a aquisição do relógio "hora de Shrek" à compra de alguns pacotes do biscoito ou bolo da marca, infringiu as normas do CDC, concretizando a tão indesejada venda casada. (Almeida, 2009). Todos os exemplos acima expostos demonstram a necessidade da atuação do MP, visando resguardar os interesses dos consumidores através da investigação de lesões. 160 5.2 AS PERSPECTIVAS DO DIREITO DO CONSUMIDOR Em muitos Estados, o Código de Defesa do Consumidor ainda não chegou. Profissionais do direito, inclusive magistrados, não o aplicam simplesmente porque não o conhecem e nem querem conhecê-lo; poucos são os cursos jurídicos no Brasil, mesmo nas universidades públicas, que incluíram em sua grade curricular a cadeira do direito do consumidor.161 O Professor Kazuo Watanabe, nos seus Comentários ao Código do Consumidor Brasileiro, previu e chamou a atenção para esse problema antes mesmo que o Código entrasse em vigor. Após relacionar as principais medidas protetivas do consumidor nele previstas, afirma categoricamente: 160 ALMEIDA, Patrícia Donati de. LFG, 18/07/2009. Disponível em:<http://> http://www.mp.sp.gov.br. Acesso em: 15/02/2010. 161 FILHO, Sérgio Cavalieri. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Disponível em: <www.entendendodireito.com.br/index. php?...direito...consumidor>. acesso em: 18/05/2010. 66 De nada adiantará tudo isso sem que se forme nos operadores do direito uma nova mentalidade capaz de fazê-los compreender, aceitar e efetivamente por em prática os princípios estabelecidos no Código do Consumidor.162 E isso é uma verdade incontestável. De nada adiantará mudar o direito se não houver correspondente mudança de mentalidade nos operadores que vão aplicá-lo. Por melhor e mais avançada que seja a lei, um juiz formalista, distante da realidade social, será capaz de apequená-la, tornando-a ineficaz.163 Os consumidores, agora mais conscientes dos seus direitos, passaram a procurar o Judiciário aos milhares, principalmente os Juizados Especiais; as ações coletivas, ajuizadas pelo Ministério Público e entidades de classes, passaram a ser acolhidas pela Justiça. 164 As mudanças sociais começaram também a acontecer. Grandes fornecedores, que antes causavam pequenos prejuízos a milhares de consumidores impunemente, em razão das constantes condenações sofridas na Justiça Comum e nos Juizados Especiais, estão se reestruturando para tratar os consumidores com dignidade e respeito. Bancos, financeiras e os fornecedores de serviços públicos em geral (telefone, luz, gás, água etc.), os maiores litigantes habituais, criaram departamentos especializados para resolver os problemas dos seus clientes e melhorar a imagem diante da sociedade. 165 O CDC está fadado a atingir a sua plena eficácia no limiar do século XXI, quando poderá produzir todas as modificações sociais a que ele se destina. Tudo dependerá, entretanto, da postura que toda a sociedade tiver em relação a ele. 166 162 GRINOVER, Ada Pelegrini... [ etal]. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2001. 163 FILHO, José Barroso. A tutela penal das relações de consumo. Jus navigandi, Teresina, ano 6,n52,Nov.2001.Disponívelem:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?Id=2462>. Acesso em: 27/04/2010. 164 GRINOVER, Ada Pelegrini... [ etal]. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2001. 165 GRINOVER, Ada Pelegrini... [etal]. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2001. 166 GRINOVER, Ada Pelegrini... [ etal]. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2001. 67 Todavia, a despeito de toda a proteção legal instituída pelo CDC, o consumidor continua necessitando da atuação do legislador para não ter seus direitos desrespeitados. O objetivo de criar tipos penais no mercado do consumidor é tentar diminuir as práticas abusivas. Práticas essas que prejudicam a economia e o consumidor.167 O desrespeito ao consumidor surge no momento em que este é obrigado a adquiri o que não deseja. Desta forma, o consumidor é tratado de forma abusiva, sendo certa a desconsideração de sua vulnerabilidade. Difícil é explicar para sociedade que o CDC busca defender o vulnerável da relação de consumo, a opinião formada das pessoas é que no Brasil ninguém cumpre lei, bem como a defesa será sempre para o lado mais forte da relação por interesses políticos e econômicos. Este código trata de uma política nacional de relações de consumo como a necessidade do consumidor e do respeito à sua dignidade, saúde e segurança. A proteção e defesa do consumidor é por si só vasta e complexa, donde ser na prática impossível a previsão de tudo que diga respeito aos direitos e deveres dos consumidores e fornecedores, razão pela qual o CDC vale muito pela perspectiva e diretrizes que fixa para a efetiva defesa ou proteção do consumidor, bem como pelo devido equacionamento da harmonia buscada, do que pela exaustidão de normas que tendem a esses objetivos, como já visto, apontando para a utilização de certos instrumentos. 168 Baseado na noção de fortalecimento dos interessados pela união de forças, o sistema privado compõe-se de diversas entidades representativas de consumidores, de âmbito nacional, regional, ou local, de categorias, de classes (exercentes de atividades comuns, ou reunidos por circunstâncias), que, sob a forma jurídica de associação, incluem entre seus objetivos a defesa de direitos de seus filiados em Juízo, ou extrajudicialmente. 169 Um dos objetivos a prevenção das relações de consumo CDC é conscientizar e esclarecer o consumidor, bem como evitar litígios, obter 167 ROSA., Josimar Santos. Relação de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e fornecedores. São Paulo: Atlas, 1995 168 GRINOVER, Ada Pelegrini ...[ etal]. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2001. 169 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Código de Defesa do Consumidor. 5 ED. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2002, p107 68 sancionamento a ilícitos detectados em concreto, tanto em nível administrativo como judicial. 170 Para o alcance das metas do CDC, deve-se proporcionar aos órgãos públicos a independência necessária para a sua atuação, desvinculando-os de grupos ou de políticas imperantes. É importante que haja uma garantia a participação de representantes de consumidores e de empresas nesses órgãos, imbuídos de espírito de honestidade e de irrestrita observância do sistema edificado.171 Alcançar uma das principais metas da Constituição Federal de 1988, que, aperfeiçoando os princípios s básicos do regime jurídico privado, realçou a posição, que se tem defendido em todos os trabalhos referentes ao CDC, de que a pessoa humana é o centro de atenção do direito, possuindo direitos inatos que a todos se impõem: a do Estado, à coletividade e aos entes naturais e jurídicos. 172 170 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Código de Defesa do Consumidor. 5 ED. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2002, p107 171 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Código de Defesa do Consumidor. 5 ED. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2002, p117 172 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. Código de Defesa do Consumidor. 5 ED. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2002, p119 69 6 CONCLUSÃO O Código de defesa do consumidor foi elaborado com objetivo de equilibrar a relação de consumo, bem como proteger o consumidor lesado. Embora o mencionado objetivo seja inovador, percebe-se uma maior preocupação muito mais com a economia do Estado do que com o próprio consumidor. É fato que a intenção dos autores do anteprojeto é significativa em relação à proteção ao consumidor, uma vez que o direito do consumidor é um princípio fundamental constitucional e intangível. Todavia, em torno do CDC existem interesses de ordem econômica, visto que o desequilíbrio financeiro gera prejuízo aos cofres públicos. O enriquecimento sem causa é um exemplo de desequilíbrio social que gera conflitos políticos. A finalidade do CDC seria evitar prejuízos aos consumidores e informar quais os direitos e deveres, tendo por objetivo o atendimento ás necessidades dos consumidores, todavia não é o que ocorre. Embora não se pode alegar o desconhecimento da lei, é visível que o consumidor desconhece seus direitos inseridos no CDC. As relações de consumo estão presentes no cotidiano das pessoas, razão em que as práticas abusivas conseguem se ocultar de forma com que os consumidores não percebam o abuso. Percebe-se que, não obstante o consumidor tenha se tornado importante nas últimas décadas, sendo este reconhecido como centro da relação econômica, os fornecedores, aproveitam da insuficiência de fiscalização permanente, bem como da sua vulnerabilidade. Exemplo disso é a naturalidade que as pessoas convivem com a venda casada. Poucos sabem da existência de tal prática, inclusive operadores do direito desconhecem o abuso tão usual na relação de consumo. Esta prática está se tornando costumeira vez que as pessoas não acreditam na proteção defendida pelo CDC. Deste modo a liberdade de escolha está sendo desrespeitada. A cada ocorrência de venda casada, os princípios tutelados pela 70 Constituição Federal e Código de Defesa do Consumidor são totalmente desprezados. Só com uma fiscalização rigorosa dessas práticas é que se poderá alcançar grau razoável de efetividade na proteção do consumidor. Por estas razões, é necessário que haja repressão penal contra as práticas abusivas cometidas pelo fornecedor nas relações de consumo, de modo a inibir bem como, a fazer cessar referidas práticas. O Ministério Público atua no combate das práticas abusivas, visando resguardar os interesses dos consumidores, todavia as empresas não se preocupam o bastante com as ações civis públicas, posto que há expressivos atos abusivos por grande maioria. Portanto, as medidas de aplicação do CDC não possuem eficácia de forma a solucionar de imediato os conflitos consumeiristas. As ações demoram anos, razão em que os consumidores acabam desistindo de procurar seus direitos. A solução pertinente à diminuição de práticas abusivas seria o caráter punitivo ao CDC, tendo em vista que as indenizações não são tão eficazes para a prevenção destas práticas, uma vez que as empresas estão acostumadas a indenizar o consumidor. Sendo assim, a venda casada é uma infração prevista no CDC, um desrespeito ao consumidor, sendo ainda prevista nas Leis contra a ordem econômica, tributária e contra a economia popular. Desta forma, a intenção do Código de Defesa do Consumidor é sem sentido quando não há aplicação condizente com os artigos nele inseridos. Esta lei terá mais eficácia se o consumidor e os órgãos públicos tiverem mais interesse e conhecimento sobre seus direitos e aplicabilidade da lei. 71 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE. Rafael. Notícia em 01/04/2010. <www.bahianoticias.com.br. > acesso em: 19/05/2010 Disponível em: ALMEIDA, João Batista de. 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