EM PAUTA MERCADO DE CAPITAIS ENTRA NA PAUTA DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA 20 REVISTA RI Julho/Agosto 2014 DILMA ROUSSEFF, PT AÉCIO NEVES, PSDB EDUARDO CAMPOS, PSB “Sem ampliar os investimentos na capacidade produtiva do País, não há como esperar crescimento mais forte do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos.” Essa constatação já foi feita pelos principais candidatos à Presidência da República - Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Eles se manifestaram inúmeras vezes sobre a necessidade de aumentar a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), taxa de investimento que inclui, sobretudo, aquisições de máquinas e equipamentos, construção de fábricas e instalações e melhorias no setor de infraestrutura. por DANIELA ROCHA Julho|Agosto 2014 REVISTA RI 21 EM PAUTA Nesse cenário, a necessidade de impulso ao mercado de capitais apareceu como uma das peças-chave para fomentar o desenvolvimento e a competitividade do País. Uma série de medidas de estímulo foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, acompanhado pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e pelo presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Leonardo Pereira, em evento na BM&FBovespa, em São Paulo, no dia 16 de junho. GUIDO MANTEGA, Ministro da Fazenda 22 REVISTA RI Julho|Agosto 2014 No primeiro trimestre deste ano, a FBCF ficou em apenas 17,7%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2013, a taxa havia fechado em 18,4% do PIB. Desde meados da década de 80, a taxa de investimento do Brasil situa-se abaixo de 20% do PIB, aquém da média mundial (22,1%) e de diversos países emergentes. A economia brasileira não consegue alçar vôos mais altos. Este ano, segundo as projeções do mercado, o crescimento do PIB será de apenas 1,16%, menos da metade do registrado no ano passado. De olho na reeleição, a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote para reanimar a economia. Foram reeditados e prorrogados alguns subsídios à indústria, entre eles, tornou-se permanente a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para compra de materiais de construção, máquinas, equipamentos, caminhões e ônibus. E, foi estendida até 2015 a linha de juros subsidiados para aquisição de bens de capital dentro do Programa de Sustentação de Investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). IMPULSO AO MERCADO DE CAPITAIS Nesse cenário, a necessidade de impulso ao mercado de capitais também apareceu como uma das peças-chave para fomentar o desenvolvimento e a competitividade do País. Uma série de medidas de estímulo foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, acompanhado pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e pelo presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Leonardo Pereira, em evento na BM&FBovespa, em São Paulo, no dia 16 de junho. A principal delas é a isenção de imposto de renda sobre ganho de capital para investidores pessoas físicas que adquirirem ações (diretamente ou por meio de fundos) de empresas de porte médio listadas em segmento especial da bolsa de valores. A vigência será da data de publicação da Medida Provisória até 2023. “Estamos criando uma geração de ações incentivadas. É um teste, que se funcionar, pode ser estendido por mais tempo. Mas não fiquem esperando a prorrogação, aproveitem agora”, disse o ministro. Os incentivos tributários para emissão de debêntures de infraestrutura foram prorrogados até dezembro de 2020 e foi ampliado o escopo, incluindo as áreas de educação, saúde, hídrica e irrigação e ambiental. Sendo assim, poderão ser contemplados projetos de construção de hospitais e escolas, por exemplo. O ministro também afirmou que será criado um grupo de trabalho formado por representantes do governo e da BM&FBovespa para discutir e apresentar uma proposta para facilitar o recolhimento de imposto de renda em ações. Mantega anunciou ainda a normatização do mercado de ETF de Renda Fixa, com redução da tributação para transações de longo prazo, isto é alíquotas decrescentes quanto maiores os tempos de permanência no investimento, e sem incidência do “come-cotas” semestral (adiantamento do Imposto de Renda) para esses fundos. Essas decisões, que serão regulamentadas por Medida Provisória, chegam depois de mais de dois anos de discussões entre a BM&FBovespa, profissionais de mercado e o Ministério da Fazenda. Ainda que tardias nesta gestão, buscam dar o tom de que o diálogo deve continuar e que outras iniciativas de fortalecimento do mercado de capitais seguirão na agenda de um possível segundo mandato de Dilma Rousseff. OPOSIÇÃO Na oposição, esse será um caminho a ser trilhado. De acordo com Samuel Pessoa, sócio da consultoria de Investimento Reliance, economista que assessora o candidato à presidência Aécio Neves (PSDB), a interlocução deve continuar. “Sempre é muito positivo que o governo conte com o conhecimento desses agentes todos para pensar em me- lhorias institucionais e aumento da eficiência”, diz. O mercado de capitais é um tema importante que certamente constará na pauta do candidato do PSDB. Segundo ele, o setor apresentou evolução nos últimos anos, mas ainda há muita a ser feito. “É uma agenda permanente a ser perseguida”, enfatiza. As desonerações anunciadas por Mantega na bolsa são positivas, avalia Pessoa. O problema, segundo ele, é que as médias empresas ainda não possuem grau adequado de governança corporativa. “Precisamos acompanhar o que a Fazenda e a CVM vão fazer para que as companhias aumentem a transparência”, destaca. Porém, na visão de Pessoa, será mandatório que as condições macroeconômicas do País melhorem. Segundo ele, é difícil criar uma cultura de investimento em renda variável diante da persistência da alta taxa básica de juros da economia. Ele também critica a potencialização do papel do BNDES nos últimos anos. “Existe um instrumento de crédito muito subsidiado funcionando à larga”. Diversos estudos demonstram que o BNDES não é complementar do mercado, mas tem sido o substituto. Será mandatório que as condições macroeconômicas do País melhorem. É difícil criar uma cultura de investimento em renda variável diante da persistência da alta taxa básica de juros da economia. SAMUEL PESSOA, Reliance Julho|Agosto 2014 REVISTA RI 23 EM PAUTA O economista que assessora Aécio Neves avalia que o pacote de incentivos ao mercado de capitais só terá resultados no longo prazo. Atualmente, a economia está retraída e há clima de incerteza por ser ano de eleições. As expectativas empresariais estão deprimidas. MAURÍCIO RANDS, PSB Não adiantam apenas medidas pontuais porque o que faz a bolsa crescer são as expectativas dos agentes sobre a política macroeconômica. Não há sinais de que a política está sendo bem conduzida. Há uso excessivo de contabilidade criativa e medidas que levam à percepção de intervenções desnecessárias do governo no mercado. 24 REVISTA RI Julho|Agosto 2014 Em fase de elaboração, o programa de governo de Eduardo Campos do PSB terá seis eixos, sendo que um deles é a Economia para o Desenvolvimento Sustentável. Nos desdobramentos desse item, entrarão algumas propostas de incentivo ao mercado de capitais no Brasil, segundo Maurício Rands, coordenador do plano de governo do partido. Sem poder antecipar detalhes, ele comenta que para crescer, não basta o País contar apenas com os mecanismos tradicionais de financiamento. “O mercado de capitais pode cumprir papel maior no fornecimento de recursos para que as empresas possam investir”, afirma Rands. Quanto aos incentivos anunciados, ele avalia que estão na direção correta mas são insuficientes. Para ele, não adiantam apenas medidas pontuais porque o que faz a bolsa crescer são as expectativas dos agentes sobre a política macroeconômica. “Não há sinais de que a política está sendo bem conduzida. Há uso excessivo de contabilidade criativa e medidas que levam à percepção de intervenções desnecessárias do governo no mercado”, critica. Para alavancar o mercado de capitais também é fundamental transformar a educação fi nanceira em um objetivo nacional. O governo federal deve ser o indutor, avalia Maurício Rands. “Vamos buscar parceiros e estimular o diálogo federativo, envolvendo estados e municípios”. O plano de governo de Eduardo Campos também conterá mecanismos que haja um “choque” de governança nas pequenas e médias empresas (PMEs). “O Sebrae já faz um excelente trabalho, mas o nível de governança das PMEs ainda deixa a desejar. Há potencial para se fazer mais e melhor”, conclui. DESAFIOS NO CAMINHO No dia a dia, ao fazer o acompanhamento de médias e grandes de companhias, Luiz Marcatti, sócio da consultoria Mesa Corporate Governance diz que as empresas-alvo das medidas anunciadas por Guido Mantega, na maioria dos casos, não tem grau de formalização adequado. “Em geral, não contam com planos estratégicos e orçamentários e não têm políticas internas, sendo que os investidores querem saber tudo isso. Assumir uma nova maneira de administração é essencial”, ressalta. Segundo ele, há empresas que sequer possuem acordo societário, que estabelece de que forma se tomam as decisões relativas aos EM PAUTA negócios. A governança corporativa deve ser aprimorada, pois a deficiência nessa área é um gargalo não apenas à entrada na bolsa, mas também às linhas de financiamento do BNDES. “O BNDES, a despeito das críticas, está aberto às PMEs, mas exige um certo grau de formalidade e transparência. Quando elas não estão preparadas, realmente, não conseguem acesso”, diz. As captações na bolsa representam dinheiro mais barato e são determinantes para o desenvolvimento empresarial nos próximos anos. “Não dá para essa pauta ficar fora de qualquer governo pois o Brasil já perdeu muita competitividade no mundo. A indústria está definhando ano a ano e, muitas vezes, sai mais barato importar do que produzir aqui”, ressalta Marcatti. Outro desafio, na visão de Geraldo Soares, presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), é necessidade de redução dos custos de manutenção. “Para pequenas e médias empresas, os custos são elevados sim. Já as grandes, conseguem ab- sorver”, diz. Segundo ele, a própria bolsa lidera um grupo de trabalho que está elaborando uma série de propostas nesse sentido, especialmente diminuição de custos para divulgações. Soares defende que as PMEs tenham que divulgar informações oficiais - anúncio de IPOs e demonstrações financeiras - somente no site da CVM, sem a necessidade de publicação em Diário Oficial e jornais de grande circulação. Ele ressalta que o sistema da CVM é bem feito, inovador e bastante amigável, um benchmark internacional, melhor do que o da SEC (Securities and Exchange Commission), dos Estados Unidos, que é mais complexo. “O Brasil precisa deixar de ser um País cartorial. Vivemos o mundo da Internet, que permite divulgações rápidas”, completa. Alfried Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), diz que há anos a entidade busca combater os altos custos envolvidos nas divulgações. Um estudo da entidade constatou que a publicação em Diário Oficial pode chegar a custar de 10 a 12 vezes mais do que os anúncios cobrados em jornais de grande circulação. Entre os jornais de grande circulação, as condi- As captações na bolsa representam dinheiro mais barato e são determinantes para o desenvolvimento empresarial nos próximos anos. Não dá para essa pauta ficar fora de qualquer governo pois o Brasil já perdeu muita competitividade no mundo. A indústria está definhando ano a ano e, muitas vezes, sai mais barato importar do que produzir aqui. LUIZ MARCATTI, Mesa Corporate Governance 26 REVISTA RI Julho|Agosto 2014 Em 1995, a Bolsa de Valores de Londres (LSE) adotou um mercado para PMEs. A partir da isenção de tributos aos investidores, redução de custos e simplificação de processos, mais de 3.200 empresas abriram capital em 16 anos. Esse exemplo foi um dos estudados pelo grupo de trabalho liderado pela BM&FBovespa com participação da CVM, BNDES, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Agência Brasileira de Inovação (Finep) e outros agentes de mercado para o desenvolvimento de projetos de ofertas menores. ções são menos onerosas porque há concorrência e ainda é possível negociar o tamanho e espaçamento das letras ao contrário da imprensa oficial. Segundo ele, a mídia eletrônica permite um timing acelerado nas divulgações e os impressos não fazem mais sentido. Além disso, a obrigação das companhias de apresentarem balanços auditados trimestralmente também representa ônus. “Auditar semestralmente ou apenas uma vez ao ano é suficiente”, enfatiza Plöger no caso das PMEs. PERCEPÇÃO DAS QUE JÁ CAPTARAM NA BOLSA É FAVORÁVEL A BM&FBOVESPA lançou em 2005 o segmento de acesso ao mercado de capitais chamado Bovespa Mais, que é direcionado às companhias de pequeno e médio porte. De lá para cá, de nove empresas listadas, duas realizaram IPOs. “Saindo os incentivos tributários e se houver barateamento de custos para empresas,o número de participantes deverá crescer gradualmente nos próximos anos”, diz Tatiane Cruz, gestora de Recursos da corretora Coinvalores. Os fundos para investimentos nas PMEs também deverão ajudar bastante. Segundo ela, experiências internacionais demonstraram que no médio ou no longo prazo, essas medidas são satisfatórias para destravar o mercado de acesso. Em 1995, a Bolsa de Valores de Londres (LSE) adotou um mercado para PMEs. A partir da isenção de tributos aos investidores, redução de custos e simplificação de processos, mais de 3.200 empresas abriram capital em 16 anos. Esse exemplo foi um dos estudados pelo grupo de trabalho liderado pela BM&FBovespa com participação da CVM, BNDES, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Agência Brasileira de Inovação (Finep) e outros agentes de mercado para o desenvolvimento de projetos de ofertas menores. Além da Inglaterra, foram pesquisados os mercados de capitais da Polônia, Espanha, Canadá, Austrália, Coreia do Sul e China para entender quais características poderiam ser aplicáveis ao Brasil. O Brasil conta com mais de 15 mil empresas de médio porte, com valor de mercado menor do que R$ 700 milhões e receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões, justamente as que o governo pretende viabilizar a capitalização a partir das medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda. Tatiane Cruz da Coinvalores afirma que a bolsa já conta com 220 empresas mapeadas que provavelmente abrirão capital nos próximos anos. Uma parcela dessas companhias tem o BNDES como sócio. “Esse desenvolvimento será em parceria com o banco, que está alinhado com o crescimento das empresas de menor porte”, comenta a gestora da Coinvalores. Julho|Agosto 2014 REVISTA RI 27 EM PAUTA A Senior Solution, especializada em softwares para o setor financeiro, realizou IPO no Bovespa Mais em março do ano passado, captando R$ 62,1 milhões. Segundo o presidente da empresa, Bernardo Gomes, a preparação para a entrada no mercado foi tranquila, uma vez que a Senior contava desde 2005 com investidores financeiros, a BNDESPar, braço de participações do BNDES, e um fundo de private equity, que auxiliaram no aprimoramento da governança corporativa. RICARDO PANSA, Nutriplant Os custos de divulgação de resultados são elevados para empresas menores. Este ano, gastamos R$ 80 mil somente para a divulgação do balanço (em jornais e diário oficial). Isso é um desperdício quando existem outras maneiras mais práticas e baratas para atingir o mesmo objetivo. 28 REVISTA RI Julho|Agosto 2014 “As medidas para redução de custos que estão em discussão são sempre bem-vindas. Mas, ainda assim, o custo de uma captação no mercado de capitais é menor do que qualquer outra alternativa de financiamento”, afirma. O processo de preparação para listagem saiu por cerca de 0,5% da receita líquida, menos do que é gasto com o marketing anualmente. Já o custo do IPO representou 4,5% do valor total captado. Os recursos levantados no mercado foram aplicados no plano de crescimento orgânico da Senior. Foi realizada a aquisição de uma empresa no ano passado e há outras oportunidades no pipeline. Bernardo Gomes avalia que o pacote da Fazenda, assim que regulamentado, irá movimentar o mercado e aumentar a liquidez. A Nutriplant, fabricante de fertilizantes, foi a primeira a abrir capital no Bovespa Mais, em fevereiro de 2008, quando foram captados R$ 20,7 milhões para capital de giro e redução do endividamento. Os objetivos foram atingidos mas como qualquer companhia exposta ao segmento de commodities, a Nutriplant passou por algumas dificuldades e por um plano de reestruturação de negócios. “Agora, a empresa está pronta para crescer novamente”, comenta Ricardo Pansa, presidente da Nutriplant. Na visão dele, o incentivo tributário irá estimular a poupança privada, aproximando mais investidores ao setor produtivo. Ele lembra que esse tipo de estímulo impulsionou os investimentos em títulos de crédito imobiliário e agrícola nos últimos anos e acredita que o mesmo deverá ocorrer com o mercado de capitais. Conforme ele, os custos de divulgação de resultados são elevados para empresas menores. “Este ano, gastamos R$ 80 mil somente para a divulgação do balanço (em jornais e diário oficial). Isso é um desperdício quando existem outras maneiras mais práticas e baratas para atingir o mesmo objetivo”, comentou o empresário. Somente a publicação no site da CVM seria suficiente e não pesaria sobre as PMEs, reforça Ricardo Pansa da Nutriplant. RI