POLÍTICA NO SEGUNDO REINADO
* Cristiano Luís Christilino
Resumo:
A política no Segundo Reinado visa analisar as principais obras sobre a
política imperial naquele período. Para isso realisamos uma análise na
historiografia que trata sobre o tema, para mostrarmos as interpretações
presentes. São analisadas as obras do sociólogo colombiano Fernando
Uricoechea e Raimundo Faoro, ligados a uma visão weberiana mais
tradicional, também José Murilo de Carvalho e Richard Graham, vem inovar
a mesma corrente, e o trabalho de Ilmar Rohloff de Mattos, ligado ao
marxismo revisionista e que aborda a temática. Assim procuramos mostrar as
divergências e as proximidades das mesmas obras que são referencias em
torno do tema no campo da historiografia. Também fazemos uma discussão
em torno de temas inerentes a estes como é o caso do clientelismo, estado
burocrático e o estamento, visando buscar o entendimento de uma estrutura
chave para a análise da política noSegundo Reinado, um elemento básico
para a orientação de nossas análises.
A discussão em torno do Estado Imperial, aqui tomado enquanto intermediador das
relações sociais, tem gerado visões diferenciadas em torno do mesmo, o que se dá,
principalmente, mais em função dos diferentes referenciais teóricos adotados. Raimundo
Faoro defende a existência de um Estado patrimonialista no qual estaria assentado o
estamento burocrático, segundo o autor:
Comércio e quadro político administrativo se reencontram, depois de um período de
alheamento, mutuamente se escorando. O Estado volta às suas origens e fundamentos
patrimonialistas, alimentando o comércio, colhendo, na longa caminhada, cores
renovadas, sem enfraquecer a sua linha central, que a especulação vela e conduz, ao
estilo do mercantilismo. Ele se reequipa para as funções de condutor da economia,
com o quadro de atribuições concentradas no estamento burocrático, armado em torno
do Senado, dos partidos, do conselho de Estado, do Conselho de Estado e da política
centralizadora.1
Nessa mesma linha Fernando Uricoechea vai fazer algumas ressalvas, mostrando que não é
possível enquadrar totalmente à realidade brasileira o conceito weberiano de Estado
Patrimonial. Para ele:
O patrimonialismo brasileiro, contudo, não se desenvolveu totalmente. A noção de
patrimonialismo está ligada à institucionalização de formas tradicionais de autoridade
e numa forma ideal-típica, também à criação de uma ordem estamental, i. e., uma
ordem social onde os direitos e obrigações são alocados, basicamente, de acordo com
grupos estamentais.2
Richard Graham defende que o Estado Imperial brasileiro, durante o Segundo reinado, era
centralizado e relativamente forte, não em da sobreposição do mesmo à elite dominante, mas
a partir da necessidade de fortalecimento da hierarquia social existente
"... os homens de posses escolheram esse caminho porque o Império, ao lhes conceder
uma sólida autoridade legal e legitimar essa autoridade com o peso de uma monarquia
tradicional, servia-lhe melhor do que poderiam esperar de repúblicas
fragmentadas...Essa aliança entre o governo central e os que detinham o poder local
explica a longevidade do sistema." 3
Para Ilmar Rohloff de Mattos não havia o domínio do setor burocrático na direção do
Estado, antes pelo contrário, havia uma estratégia da "direção Saquarema" em até mesmo
direcionar a educação daquele direcionar a sua atuação profissional. Nesse sentido:
... a coroa não só promovia a restauração da hierarquia existente entre os interesses
dominantes nas diferentes regiões, herdadas do processo de colonização, como
também aprofundava a diferença no interior da região de agricultura mercantilescravista, por meio do priveligiamento dos interesses ligados à expansão cafeeira.4
Para o autor esse privilegiamento, empreendido pela Direção Saquarema, visava não só a
construção de um Estado, como a constituição de uma classe, havendo uma íntima relação
entre estas.
Inerente a questão do Estado, enquanto intermediador dos interesses da sociedade, vem à
tona o debate em torno da centralização política empreendida pelo Estado Imperial no
Segundo Reinado. esta é praticamente consensual nos autores que viemos analisando. Ela já
pode ser visualizada nos trabalhos de orientação weberiana "mais fechados", como é o caso de
1
FAORO, op. cit., p. 329.
URICOECHEA , op. cit., p. 303.
3
GRAHAM, op. cit. p.100-101.
4
MATTOS, op. cit., p. 82.
2
Raimundo Faoro e Fernando Uricoechea. O primeiro defende a centralização no Segundo
Reinado na "... reação centralizadora e na supremacia burocrático monárquica"5, e o segundo
visualiza a mesma na cooptação da elite local através da Guarda Nacional, o Minotauro
Imperial, que seria controlada e supervisionada, o que impediu a consolidação de uma ordem
burocrática no Brasil. José Murilo de Carvalho defende que a concentração e a centralização
do poder visavam a manutenção da hierarquia e da ordem social, as quais teria sido ameaçada
durante as revoltas liberais. na década de 40 daquele século, no que vem ao encontro Richard
Graham. Ilmar Rohloff de Mattos mostra a centralização a partir de uma série de atos e leis
que teriam a propiciado. Seriam elas: a subordinação da guarda Nacional quando colocou esta
sob o comando do ministro da justiça e dos presidentes de província, a Lei de terras de 1850,
as intervenções contra Oribe e Rosas, o que organizava o corpo diplomático brasileiro, e
também a relação do Governo com os empregados públicos, em relação aos quais se cercaria
de garantias, principalmente em relação às reformulações do código criminal
Estas determinações do código criminal, que tanto buscavam garantir os agentes da
administração em seus diferentes níveis de atuação quanto estabeleciam um controle
sobre eles, eram contempladas, por uma infinidade de leis, decisões, regulamentos,
regimentos, avisos e demais textos legais, quase sempre de caráter normativo, dirigido
aos corpos policiais, aos guardas nacionais, às autoridades judiciárias, aos professores
e demais funcionários civis e eclesiásticos... E deste embate entre o exercício da
administração e as normas que insistiam em disciplinar a atuação daqueles por ela
diretamente responsáveis resultava a teia de Penélope.”6 “
A Teia de Penélope seriam os vários laços existentes entre o grupo dirigente e o
funcionalismo, o que teria possibilitado o atrelamento ao primeiro. A teia teria sido a
estratégia que os Saquaremas teriam traçado para alcançar a centralização, visando
transformar os empregados públicos também em dirigentes seus. Ilmar Rohloff de Mattos
conclui dizendo que a centralização do poder político foi o principal fator que assegurou a
recunhagem da moeda colonial, na qual a Coroa se sobrepõe à Região, mas concedendo
prerrogativas aos seus chefes.
Paralela a questão da centralização política empreendida pelo Estado Imperial, o partido
político revela-se fundamental para a compreensão daquela. O principal debate em torno deste
se dá em relação à semelhança ou a diversidade entre o Partido Liberal e o partido
Conservador. Raimundo Faoro defende que o Partido Liberal, dos luzias, seria composto de
elementos ligados à propriedade rural, enquanto no Partido Conservador, dos Saquaremas,
estariam à frente os comerciantes e os senhores de crédito. Mas Faoro também assinala que na
5
6
FAORO, op. cit., p. 393.
MATTOS, op. cit., p. 204.
prática nada separava um saquarema de um luzia, em relação aos quais o poder os confundiria
e os embaraçaria. José Murilo de Carvalho partilha da visão de Faoro quanto à proximidade
entre liberais e conservadores, que se daria em vários pontos básicos, principalmente em meio
ao contexto de instabilidade política da década de 40 do século XIX. O autor acrescenta que a
proximidade entre os partidos pode ser vista também na ausência de programas pelos partidos,
segundo ele:
Quanto aos programas partidários, somente em 1864 foi elaborado o primeiro deles
pelo Partido Progressista. A década de 60 foi fértil em programas, culminando com o
do Partido Republicano de 1870. O Partido Conservador, no entanto, nunca
apresentou qualquer programa escrito. Os programas de conservadores e liberais antes
de 1864 devem ser inferidos de afirmações de líderes, de programas governamentais,
de escritos teóricos e de grandes debates parlamentares em torno de problemas-chave
como a reforma das leis de descentralização, restauração do Conselho de Estado, a
abolição do tráfico, a Lei de Terras etc...7
Apesar de partilhar da idéia central de Faoro em relação aos partidos políticos, José Murilo de
carvalho vai desconstruir a versão do mesmo sobre a origem social dos políticos, mostrando,
em gráficos, que até mesmo os proprietários rurais não se filiavam predominantemente em um
ou outro partido monárquico, distribuindo-se quase igualmente entre os dois (Partido liberal e
Conservador).
Richard Graham vem corroborar com a tese de José Murilo de carvalho, para ele os
partidos eram de natureza personalística, pois não definiam um programa específico e suas
principais ações eram no sentido de angariar a lealdade de indivíduos particulares. Para tal
ilustrar tal exemplo o autor mostra que muitos dos deputados de maior potencial intelectual
sentiam o peso e a força de seus protetores, que eram muitas vezes analfabetos. Graham
também defende que na ausência de um programa partidário, os partidos se constituíam a
partir das alianças clientelísticas, onde:
... as incontáveis pirâmides locais de clientelismo dariam lugar a duas maiores,
enfrentando-se entre si. Assim como o chefe de uma localidade alargava seu séqüito,
unindo famílias para formar uma facção, o chefe nacional formará seu partido unindo
as facções locais.8
O autor tente, com isto, mostrar que o clientelismo vigorava no meio político e era a grande
barganha dos chefes políticos nacionais na conquista de adeptos, pois os cargos públicos eram
os principais empregos almejados pelos filhos letrados da elite no século XIX. Graham
também aponta o clientelismo como o responsável pelo equilíbrio político da monarquia,
7
8
CARVALHO, op. cit., p. 185.
GRAHAM, op. cit., p. 212.
sendo que esta agia através daquele para assegurar, até mesmo, a lealdade dos gabinetes. O
autor conclui dizendo que:“o sistema partidário, ou melhor, a falta de um sistema facilitava a
comunicação entre a elite política. O Governo continuava sendo um arranjo entre amigos.”9
Este arranjo entre amigos não só reflete a intensa difusão do clientelismo, como também o
coloca como o principal, ou único, meio de acesso às benesses dos órgãos públicos. Esta
caracterização de Graham, nós já podemos encontrar na própria literatura do século XIX,
onde a obra de Manuel Antônio de Almeida intitulada Memória de um sargento de milícia.10
Nesta o autor narra o caso de um sargento que, diante da necessidade de conseguir um “favor”
do meio público, vai se valer de seus contatos juntos a tais organismos para conseguir o seu
intento. Para tal precisa percorrer uma longa hierarquia de “contatos”, a qual inicia com uma
prostituta e vai, através de uma extensa rede de relações pessoais, até o Imperador. Neste caso
narrado por Manuel Antônio de Almeida é possível perceber a importância do clientelismo
naquela sociedade, o que justifica o trabalho de Graham.
Em contraposição aos trabalhos descritos anteriormente, Ilmar Rohloff de Mattos vai
sublinhar as diferenças existentes entre os liberais e conservadores, luzias e saquaremas, e a
hegemonia dos últimos no período de 1834 a 1860. Segundo o autor:
A um só tempo, os saquaremas deixaram claro porque eram diferentes dos luzias,
embora ambos fizessem parte do Mundo do Governo; marcavam a posição de
vencedores, propondo uma relação distinta entre o Executivo e a Câmara, maneira de
levar a Cabo uma direção- a um só tempo, repetimos.11
Dessa maneira vai mostrar a trajetória do grupo saquarema, da região de agricultura mercantil
escravista(fluminense), dentro do partido conservador e a partir daí a sua hegemonia junto ao
mesmo, descrevendo uma série de alianças e estratégias, já descritas anteriormente. Isso os
leva a garantir a sua hegemonia junto ao Governo, o que ocorre paralelamente à centralização
deste. Outra tese levantada por Ilmar Rohloff de Mattos é de que a Coroa, no âmbito de sua
direção, também se constitui enquanto um partido. Para ele:
A íntima relação entre a construção do Estado Imperial e a constituição da classe
senhorial faz com que a Coroa assuma, deste modo, o papel de partido, nos termos em
que Antônio Gramsci o propõe. E este papel define a sua modernidade. Por se
construir na expressão e forma mais avançada dos interesses da classe em
constituição, a Coroa enquanto um partido não se reduz a figura do imperador...Como
um partido, a Coroa deve lidar com as fissuras e as divergências no interior da classe,
9
GRAHAM, op. cit., p. 220.
ALMEIDA, Manuel Antônio. Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: expressão e Cultura,
2001.
11
MATTOS, op. cit., p. 122.
10
com os afastamentos daqueles que se constituem em aliados, com os movimentos
daqueles contingentes que se lhe opõem, dando-lhes o tratamento de divisão entre
governantes e governados, dirigentes e dirigidos, e, ao assim proceder, propicia a
unificação e a homogeneização dos representantes políticos da classe senhorial,
habilitando-a para o exercício de uma direção e de uma dominação.”12
Com isso Ilmar Rohloff de Mattos mostra a sua postura frente ao papel da Coroa. Esta ao
buscar o equilíbrio político em meio a uma sociedade heterogênea, revela a importância e o
peso do poder moderador.
Nesse mesmo sentido Lilia Moritz Schwartz afirma que "...não
há como entender a centralidade do poder local, sem destacar a relevância e a originalidade do
poder moderador e mesmo o caráter frágil dos partidos locais..."13
Ilmar Rohloff de Mattos também coloca sua discordância com a historiografia voltada á
homogeneidade do grupo social dominante frente à política:
Nestes termos, afirmamos nossa distinção com relação àqueles autores- como
Raimundo Faoro- que consideram os grupos dirigentes imperiais(o estamento
burocrático) um simples prolongamento ou transposição dos grupos dirigentes da
antiga metrópole, insistindo pois numa continuidade, e também com relação àqueles
outros- como José Murilo de Carvalho (A construção da ordem. A elite política
imperial)- que referem a homogeneidade deles aos aspectos de formação e
treinamento, ao invés de busca-la no conjunto do sistema de relações no qual as
atividades de direção se inscrevem.”14
Outro debate importante, já expresso na citação de Ilmar de Mattos, que surge em torno da
Política Imperial é a classificação do grupo social dominante articulado em torno do plano
político, seria ele um estamento, uma classe ou simplesmente uma elite?Raimundo Faoro
defende, para a caracterização deste grupo social dominante no meio político, a aplicação do
conceito weberiano de estamento burocrático, o qual não seria uma simples classe, camada ou
grupo. Este estamento é que teria se apropriado dos benefícios gerados pelos cargos públicos,
criando uma íntima conexão entre a carreira dos empregos e da política.
Na matriz weberiana houve uma considerável revisão a cerca da posição acima descrita
com o trabalho de José Murilo de Carvalho. Ele vai defender que a burocracia imperial não
era um estamento, não estaríamos em um estado feudal ou mercantilista,
Não se tratava, no entanto, de um estamento, mas de uma elite política formada em
processo bastante elaborado de treinamento, a cuja formação se chegava por vários
caminhos, o principal sendo alguns setores da burocracia, como a magistratura. Ao
longo do período imperial outros caminhos se abriam além da burocracia, como as
profissões liberais- advocacia e medicina- o jornalismo, o magistério, quando não o
12
MATTOS, op. cit., p. 88.
SCHWARCZ,Lilia Moritz. Um debate com Richard Graham ou: “com Estado mas sem nação: o modelo
imperial brasileiro de fazer política.Revista Diálogos. Vol. 01, nº 05, 2001.
14
MATTOS, op. cit., p 88.
13
simples favor imperial. O segredo da duração dessa elite estava, em parte, exatamente
no fato de não ter a estrutura rígida de um estamento, de dar a ilusão de acessibilidade,
isto é, estava em sua capacidade de cooptação dos inimigos potenciais.”15
A partir disso o autor vai mostrar a falta de embasamento empírico para comprovar a
existência de estamentos na sociedade imperial. Também não haveria estamentalização por
parte dos proprietários rurais, pois:
Não podiam viver eles de rendas e serviços prestados por camponeses, disponíveis no
ócio para os serviços militares e administrativos do Estado, como acontecia com a
elite inglesa. Os proprietários brasileiros eram produtores e homens de negócio que
não podiam dedicar-se em tempo integral às tarefas do Governo. A falta de
estamentalização reduzia a sua coesão que também não era favorecida pela
dependência do mercado externo. Só nos raros momentos em que eram postos em
jogo alguns de seus interesses básicos como a propriedade da terra e de escravos, é
que eles se uniam em frente única. A raridade desses momentos pode ser aferida pelo
fato que nenhuma das rebeliões da Regência, à exceção da revolta dos mal~es na
Bahia, pregou a abolição da escravidão ou a desapropriação dos latifúndios.”16
Desta forma José Murilo de carvalho mostra que é preciso analisar o Brasil a partir das suas
especificidades históricas, e não ajustá-la a modelos teóricos fechados se contemplar tal
dinamismo, como é o caso de Raimundo Faoro.
Richard Graham não trabalha, em sua obra analisada, o conceito de estamento, ele utiliza
o termo classe. Mas o utiliza através de expressões como “dominação de classe” e “posição de
classe” para designar o grupo social dominante, sem o especificar ou fazer referência teórica
do conceito:
...as nomeações para os cargos na estrutura governamental permitiam aos ricos
fortalecer a sua posição de classe e ampliar suas clientelas individuais. Eles se
apropriariam do Governo Central, contando então com o clientelismo ara manter
localmente a sua dominação.17
Já Ilmar Rohloff de Mattos utiliza o conceito de classe desenvolvido por Edward P.
Thompson para classificar a elite dirigente, mostrando a formação da classe a partir de suas
experiências, para ele:
A vivência de experiências comuns, experiências essas que lhes possibilitam sentir e
identificar seus interesses como algo que lhes era comum, e desta forma contrapor-se
a outros grupos de homens cujos interesses eram diferentes e mesmo antagônicos aos
seus constituía-se, sem dúvida, na condição para a transformação. Intimamente
ligados ao aparelho de Estado,expandiam seus interesses, procuravam exercitar uma
direção e impunham uma dominação. No momento em que se propunham a tarefa de
15
CARVALHO, op. cit., p. 137.
CARVALHO, op. cit., p. 212.
17
GRAHAM, op. cit., p.67.
16
construção de um Estado soberano, levam a cabo o seu próprio forjar de classe,
transbordando da organização e direção da atividade econômica meramente para a
organização e direção da sociedade, gerando o conjunto de elementos indispensáveis á
sua ação de classe dirigente e dominante. Não se constituindo unicamente dos
plantadores escravistas, mas também dos comerciantes que lhes viabilizam, e, por
vezes, com eles se confundiam de maneira indiscernível, além dos setores
burocráticos que tornavam possíveis as necessárias articulações entre política e
negócios, a classe senhorial se distinguiria nesta trajetória por apresentar o processo
no qual se forjava por meio do processo de construção do estado Imperial.18
Esta citação mostra não só a concepção de classe adotada pelo autor como a sua visualização
na sociedade brasileira do XIX. O autor também trabalha elementos que levam a
comprovação tanto da experiência de classe, como da consciência, visualizando as mesmas
nas discussões políticas do período. Isto é realizado com grande coerência num momento em
que as interpretações marxistas começavam a sofrer intensas críticas.
Outro aspecto importante da política no Segundo reinado são as estruturas de poder local e
o seu peso naquele período. Ilmar Rohloff de Mattos, como já destacamos, mostra que a
centralização empreendida pela Coroa, e seu séquito, vai garntir a sobreposião desta à região.
Mas o mesmo também mostra que ela vai se afirmar em relação à última, mas sem ignora-la
totalmente, pois o seu atrelamento era de vital importância ao Império. Em contraposição à
visão do autor, Richard Graham vai mostrar uma estrutura de poder que estava assentada nos
chefes locais, os quais buscavam assegurar o maior numero de cargos possíveis para, com
isso, estender a sua clientela e, conseqüentemente, aumentar o seu poder. Graham afirma que
até mesmo o gabinete mostrava suas limitações diante dos chefes locais, pois necessitava das
concessões desses últimos para controlar as eleições. E seria isto que condicionaria o
enraizamento de uma realidade política que depois se chamaria coronelismo. Nesse sentido:
...os membros do Congresso atuavam como clientes de chefões locais, ou porta-vozes
de seus próprios parentes mais ricos, mesmo quando serviam obedientemente ao
gabinete. Os que conseguiam levar adiante alguma reforma liberal faziam-no apenas
quando apoiados por um segmento significativo de ricos.19
A análise de Graham, em nossa opinião, interessante em função de sua riqueza empírica e
pela sua contemplação do plano estrutural, não leva em conta muitos empreendimentos da
Coroa que não contemplavam os interesses imediatos desse grupo dominante local, como
seria o caso da Lei de Terras, embora, na maioria dos casos, esta tenha ficado apenas no
papel, e da gradual abolição da escravatura. Faltaria ao autor, neste aspecto, a abordagem de
outros aspectos constitutivos da política imperial, ara além do clientelismo presente na
18
19
MATTOS, op. cit., p. 54.
GRAHAM, op. cit., p. 235.
distribuição dos cargos públicos. Mesmo na análise deste último, observamos que faltaria a
uma maior análise da inserção dos chefes locais numa estrutura de poder no âmbito do
Estado, que mostre que não era apenas o último que buscava o apoio dos primeiros, mas que
também havia um movimento no sentido inverso e isso pode ser comprovado em pesquisas
recentes(para não citarmos alguns exemplos pesquisados por nós). Mas é preciso salientar
que, apesar de nossas críticas com relação às estruturas de poder local, a obra de Richard
Graham trouxe importantes contribuições a cerca da história do século XIX, tanto no que diz
respeito ao clientelismo como a política de alianças. Em relação ao nosso tema de pesquisa, a
mesma traz importantes análises em torno de aspectos que pretendemos desenvolver: a fonte
de capital político presente na família, o estímulo do sistema fundiário à prática do
clientelismo e as redes do último, que muitas vezes partiam do indivíduo local e se estendia
até o Imperador, embora não partilhamos totalmente da visão do autor a cerca do último.
Neste sentido, falando em relação a especificidade de nosso objeto de pesquisa, é possível
aproximar Richard Graham da análise de Ilmar Rohloff de Mattos, na medida em que este
último também aborda essas questões, destacando temas como a política de casamentos e de
relações familiares, e as redes de relações pessoais, ou seja, a teia necessária à manutenção
daquele sistema.
Em vista do que foi apresentado, percebemos a complexidade e a gama variada de temas
que envolvem a política no Segundo Reinado. Da mesma forma, fica claro a necessidade de
um número maior de pesquisas regionais articuladas com a conjuntura política da época, para
melhor analisar a validade daquelas interpretações e vir acrescentar elementos que melhor
abarquem o dinamismo da sociedade política do período.
Neste trabalho também percebemos os problemas das interpretações que visam enquadrar
a realidade brasileira em modelos teóricos “fechados’, principalmente no que diz respeito aos
conceitos de Estado patrimonial e de estamento burocrático. Nos referimos aos trabalhos de
Raimundo Faoro e de Fernando Uricoechea, mas ressalvamos a importância que essas obras
tiveram na renovação historiográfica nas suas épocas de produção. Nesse sentido também
apontamos algumas obras de orientação marxistas que da mesma forma não levam em conta
as especificidades internas da sociedade brasileira daquele período. Dentro das duas matrizes
teóricas analisadas, a marxista e a weberiana, destacamos a importante renovação legada,
respectivamente, pelas obras de Ilmar Rohloff de Mattos e de José Murilo de Carvalho. Os
mesmos conseguiram não só contemplar o dinamismo interno da sociedade imperial, como
mostraram as inconsistências analíticas daqueles trabalhos, principalmente no que diz respeito
às insuficiências empíricas dos mesmos, inovando as já mencionadas vertentes. Richard
Graham, como já mencionamos, a pesar de trabalhar um tema específico da sociedade
imperial, o clientelismo, consegue trabalhar uma série de temas a cerca do período imperial,
que nos mostram uma sociedade complexa e imbricada de redes de relações pessoais. Em
nossa opinião a sua obra é mais importante por aquilo que ela não menciona, pois abre uma
gama variada de possibilidades de análises daquele período, assim como mostra a
significativa contribuição que um maior embasamento empírico pode trazer às nossas
pesquisas.
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