A EDUCAÇÃO DO HOMEM LIVRE SEGUNDO ROUSSEAU Luciana Rios Miranda Mestra em Educação pelo CES-JF. [email protected] Neste trabalho, buscaremos ressaltar alguns pontos importantes da obra de JeanJacques Rousseau relativos à educação. Esse filósofo nasceu em Genebra, na Suíça, em 28 de junho de 1712, tendo falecido em Ermenonville, nordeste de Paris, na França, em 2 de julho de 1778.1 1 Foi filho de Isaac Rousseau, relojoeiro de profissão. Sua mãe foi Suzanne Bernard, filha de um pastor de Genebra; faleceu poucos dias depois de seu nascimento. Rousseau tinha um irmão, François, mais velho que ele sete anos, o qual, ainda jovem, abandonou a família e de quem nunca mais teve notícias. Rousseau escreveu a obra Emílio até o ano de 1759.2 Devido a muitos atropelos em sua vida, essa obra constitui uma compilação de suas experiências e no que ele gostaria que ela se transformasse, dando prioridade às particularidades do sujeito e às suas melhores qualidades. Sua teoria é muito rica e coloca o papel do educador como um mero facilitador e instigador das informações para o indivíduo. Para muitos, ele é considerado o pai da Pedagogia Moderna, com seus conceitos sobre aprendizagem com liberdade, investimento nas capacidades, confiança no educando e desenvolvimento da capacidade de aprender com ele. Em sua obra Emílio ou Da Educação, Rousseau fala da criança de uma forma geral e conta a história de um menino que dá título à obra. Apesar de, em sua obra, Rousseau problematizar e desprezar a infância, dizendo que seria uma época onde não se deveria deixar as crianças passarem por nenhuma experiência, ele também foi brilhante ao descrever o que fazer com elas nesta idade. Sua Aos dez anos de idade, Rousseau vai morar com um casal de tios, pois seu pai saiu fugido de Genebra após uma briga com um Sr. Guthier, capitão na França e aparentado no Conselho. Seu tio tinha um filho da mesma idade que ele e internaram ambos na casa do ministro Lambercier e sua irmã, Mlle Lambercier. Aos doze anos, começa a trabalhar. Primeiro em um cartório, onde acha o serviço entediante, depois com um sapateiro, onde, após uma série de maus tratos, foi apanhado realizando pequenos furtos e banido do emprego. Este ato foi impulsivo e motivado pela vingança. Nessa época, Rousseau já morava sozinho e, após esse episódio, saiu de Genebra para "ganhar o mundo". Neste ponto, vemos nascer uma parte importante da personalidade de Rousseau: a impulsividade. Esta foi, durante sua vida, um de seus principais algozes. Por conta de gozar de prazeres, deixou, em toda a sua trajetória de vida, que a impulsividade guiasse seus caminhos. Seja por meio de atitudes impensadas, decisões precipitadas ou agressividade. Esse perfil de seu caráter aparece nas Confissões. Fazendo um paralelo com O Emílio, percebemos um Rousseau totalmente dialético entre a sua teoria e sua prática. Segundo ele, nas Confissões: "O Emílio é um livro que levei vinte anos pensando e três escrevendo”. Encontramos descrição na sua obra, de abandonos de empregos estáveis, estouros de mau gênio, paixões arrebatadoras, platônicas e impossíveis, rompimentos políticos e afetivos. Sua justificativa foi a obtenção da felicidade a qualquer preço. Ele passou fome, solidão, humilhações, medo e inseguranças. Foi uma vida cheia de instabilidades até o seu final. A verdadeira liberdade consiste em poder fazer escolhas que sejam saudáveis para a vida de cada um. Há um tom de amargura em suas memórias e poucos casos em que ele admitisse sua impetuosidade. 2 Até o ano de 1759, Rousseau já havia publicado Carta a d'Alembert e La Nouvelle Héloïse. Estava trabalhando em O Emílio, no Instituições Políticas, no "Contrato social" e no Dicionário de Música. Em 1761 dá os últimos retoques no "Contrato social" e sai publicado, com grande sucesso, Julia (romance que teve uma conotação social, política e romântica). Em 1762, ele publicou seus mais conhecidos e influentes trabalhos, Emílio, um tratado sobre educação, e o "Contrato social", um importante trabalho de filosofia política. O "Contrato social" acabou saindo ainda um pouco antes do Emílio, cuja edição atrasou-se. Emílio e Do contrato social seriam condenados pelo Parlamento de Paris em junho do mesmo ano como contrários ao governo e à religião. Quando foi avisado de que o parlamento em Paris pretendia mandar prendê-lo, Rousseau não se impressionou muito. Pensou fugir para Genebra, mas lembrou-se de quanto sua obra Discurso sur linégalité havia sido mal recebida lá. Enquanto os amigos cuidavam de meios de fuga, ocultou-se no sótão do castelo, para onde trouxeram seus papéis a fim de que separasse o que devia ser queimado, e o que ficaria sob custódia do duque de Luxemburgo, seu amigo. Na fuga, cruzou com os meirinhos que vinham prendê-lo e, parece, fingiram não conhecê-lo. própria infância foi difícil, passando ele por perdas afetivas, restrições e necessidades, que foram marcantes em suas atitudes durante a vida, assim como acontece com todas as pessoas, por isso, apresentamos esta afirmação. Rousseau (1979), na obra Emílio, faz referência às crianças desde o nascimento, mostrando como eram tolhidas e reprimidas desde essa época, por meio dos panos utilizados para endurecê-las, panos para segurar a barriga e para proteger o umbigo. Depois, o filósofo aborda as amarras afetivas que começam na relação simbiótica3 entre mães e filhos, mas que tolhem as habilidades emocionais, intelectuais e afetivas, referindo-se, também, à necessidade que a criança tem de ser alimentada, cuidada, limpa, acariciada por outro ser humano, basicamente, por uma mulher. Dessa forma, encontramos, na obra Emílio, a descrição de três tipos de educação utilizada por ele: a) Educação da natureza que cuida do desenvolvimento interno de nossos órgãos e de nossas faculdades; b) Educação dos homens que consiste no reto uso desse desenvolvimento; c) Educação das coisas que consiste no ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam. Para Rousseau, o único tipo de educação que depende do esforço do ser humano é a educação das coisas, então o que ele fará com o que aprende no decorrer da vida é de sua inteira responsabilidade. A educação é exercida para que o homem possa viver em sociedade, nela progrida e tenha sucesso. Contudo, para ser um ser social, o homem combate a sua natureza e passa a ser um homem civil, com valor fracionado de acordo com o corpo social. Na época de Rousseau, os filhos eram criados para seguir os desejos e os desígnios da família. Atualmente, há maior mobilidade, uma vez que as pessoas têm maior possibilidade de escolhas, por exemplo, os casamentos se realizam por amor, não existem imposições quanto à carreira e ao estilo de vida. Antevendo todas essas mudanças, Rousseau recomendava às famílias que olhassem as verdadeiras habilidades dos filhos, por isso, ensinou ao Emílio a seguir suas intuições e foi mediador das experiências dele quanto às atividades que poderiam proporcionar risco à sua integridade física, mostrando quanta importância existe em se poder fazer escolhas desde a tenra idade, para que se aprenda a fazer boas escolhas na idade adulta. 3 Relação inicial entre mãe e filho em que a criança não se diferencia da mãe. A criança acha que as duas são uma só pessoa e que a mãe é a continuação da criança. Dessa forma, para ser livre, é importante saber fazer boas escolhas para que o indivíduo possa continuar a fazê-las, não se tornando um escravo de nada, nem de ninguém. Por conseguinte, ensinar a realizar boas escolhas constitui um processo que se inicia na tenra idade, então, é necessário que os pais e os educadores reforcem as pequenas realizações infantis, ampliando essas atitudes com o crescimento delas, assim, quanto mais crescem, mais feitos podem realizar. Esta atitude solidifica a auto-estima, gerando segurança e firmeza de caráter. Seguindo a leitura da obra Emílio, somos levados a pensar numa vocação que até a educação moderna hesita em desenvolver, ou seja, a vocação para viver. Mas o que seria viver? Viver seria conservar-se, ter coragem, suportar os golpes da vida, agir diante do mundo, sentir e usar as oportunidades, fazer boas escolhas, lutar pela felicidade, dar valor ao simples, ao belo e confiar em si mesmo. No momento atual, em que o egoísmo, o individualismo e a irresponsabilidade fundamentam os relacionamentos, estabelecerse na condição de ser humano possibilita responder aos chamados da vida com coragem e esperança, sejam as circunstâncias difíceis ou não, por isso, os pais são importantes. Evidencia-se, contudo, que não existem atitudes deles que impeçam os corpos das crianças de crescer, levando-as a se tornar adultos vigorosos e que já não são aceitas as amarras antigas tais como panos e tiras, nem a má alimentação. Mas há maneiras de evitarmos que as almas das crianças cresçam, que se tornem homens independentes, ativos, inteligentes, por meio das amarras emocionais, criadas pelo abandono, pela superproteção, pelas más atitudes tomadas na frente das crianças tais como o autoritarismo e os maus tratos, o desestímulo e a falta de confiança nas crianças. Vale ressaltar que os familiares e os empregados são exemplos para os seres humanos em formação e, para saber o tipo de adulto que queremos formar, devemos averiguar o que estamos ensinando e, ainda, se nós, educadores, estamos dando bons exemplos e sendo coerentes. A força da criança é superior à do homem: suas fibras suportam maiores impactos, seu coração é maior, pois agüentam maiores perdas e dores sem abalar o amor. A tolerância para com os erros dos pais é muito grande, o que leva alguns adultos a agirem com covardia, dizendo para todos "as crianças não entendem", deixando-as de fora de assuntos e decisões importantes. A partir dessa atitude, elas se sentem deixadas de lado, traídas e incapazes de realizações. Com isso, passamos para elas as primeiras idéias de servidão, com o excesso de rigor. Também, em virtude do nosso comodismo, pela dificuldade que temos para lidar com as crianças sem responsabilidade e compromisso, deixamos que façam o que elas querem, dando ensejo às primeiras idéias de dominação. O excesso de indulgência dos pais engana-as, pois, se conseguirem tudo o que elas desejarem quando pequenas, isso não garante que conseguirão aquilo que desejam quando crescerem, o que poderá causar nelas revolta, aborrecimento e insatisfação. Não conseguiremos desenvolver, enquanto educadores, o valor de uma pessoa por meio destas duas idéias − servidão e império − mas, certamente, deveremos suportar as conseqüências delas. Assim, quem nasce para ser servo, subserviente, perde para a vida, pois deixa as coisas passarem por si. Os indivíduos formados nessa perspectiva serão, para sempre, mandados, humilhados. Já o imperador, aquele que foi formado para dominar, é voluntarioso, autoritário, irônico e despreza as pessoas. As crianças, desde sua tenra idade, devem aprender a suportar a dor, uma vez que aprendendo a suportar as pequenas dores, com o passar do tempo e da idade, aprendem também a suportar as grandes, pois sofrer é o que todos nós temos mais necessidade de aprender, assim como o que fazer com o sofrimento. A propósito, Rousseau (1979, p. 42-43) afirma: As primeiras sensações das crianças são puramente afetivas; não percebem senão o prazer e a dor. Não podendo nem andar nem pegar, precisam de muito tempo para formar pouco a pouco as sensações representativas que lhes mostram os objetos fora de si mesmas; mas enquanto esses objetos não se estendem, não se afastam, por assim dizer, de seus olhos, e tomam para eles dimensões e formas, a repetição das sensações afetivas começa a submetê-los ao império do hábito [...], o único que se deve deixar as crianças adquirir é o de não contrair nenhum. [...] Preparai de longe o reinado de sua liberdade e o emprego de suas forças, deixando a seu corpo o hábito natural, pondo-a em estado de ser sempre senhora de si mesma e fazendo em tudo sua vontade logo que tenha uma [...]. E ainda: Quanto à linguagem, estar falando sempre corretamente na frente delas, que se comprazam com ninguém tanto quanto convosco e confiai em que vereis que insensivelmente sua linguagem se depurará segundo a vossa, sem que jamais as tenhais corrigido (ROUSSEAU, 1979, p. 53). Todos os psicólogos se pronunciam acerca da importância da linguagem para a criança, por isso, pode-se afirmar que quando a criança entra no universo da linguagem, passa a fazer, efetivamente, parte do mundo. O diálogo passa a se fundamentar nessa fase. Por conseguinte, quanto mais a criança possuir adultos que falem por ela, que a carreguem, que a cerquem de cuidados excessivos, mais tempo ela demorará para sair de sua casca e entrar definitivamente nos mistérios do mundo. Rousseau considera que as crianças formadas no campo são mais amadurecidas, pois não possuem escravas nem amas que falem por elas e que as tranquem nos quartos, incutindo nelas o medo da repreensão. Na atualidade, não cabe esta apreciação. Com o advento da psicologia moderna, da psicanálise freudiana e lacaniana, o entendimento do desenvolvimento infantil ampliou-se. As crianças das cidades possuem avós e babás que também podem querer superprotege-las. Ressalta-se que o papel dos pais, na educação, é mais presente e os homens têm-se ocupado também do desenvolvimento infantil. Lacan, contemporaneamente, enriqueceu as teorias psicológicas com a descoberta de que pai e mãe são funções que descrevem uma seqüência de atitudes e posicionamentos dos adultos para o amadurecimento infantil. Segundo o psiquiatra francês, quaisquer adultos que cuidem das crianças podem estabelecer situações de equilíbrio emocional tanto no campo como nas cidades. Rousseau (1979) afirma que o mais perigoso intervalo da vida humana é o que vai do nascimento à idade de 12 anos, então, para criar o homem ideal, seria necessário que nada acontecesse a ele até essa idade. A partir dos doze anos, a criança alcançaria a idade da razão, na qual ela teria entendimento de todos os pormenores. Vejamos agora os conselhos dados por Rousseau (1979) para garantir uma educação esmerada, com vistas ao desenvolvimento da criança, ou seja, do homem livre: a) preservar o coração do vício e o espírito do erro. Para isso, a criança deveria chegar aos 12 anos sem mesmo distinguir a mão direita da esquerda. Não teria hábitos ou preconceitos e faria tudo de acordo com os ensinamentos do educador; b) ser conciliador; c) evitar os impasses e as brigas; d) ensinar às crianças seus deveres; e) favorecer a união feliz entre as pessoas; f) ensinar aos pais a serem indulgentes; g) ser justo, humano e bom; h) amar os outros e servir; i) ser cordial, carinhoso, cuidadoso, responsável pelos seus erros; j) ensinar o bem e ser humilde; k) procurar mostrar a realidade com calma e confiança, sendo este sempre um ponto de referência para a resolução de dúvidas e questionamentos. Dessa forma, para ser um bom sujeito, a criança deve aprender a respeitar os mais velhos, os desfavorecidos e seus servidores. Também, deve aprender a ponderar e a agir sem violência, pois violência chama violência, pervertendo a personalidade até torná-la marginal. Também, as crianças devem ter limites, principalmente, aquelas que são pouco cuidadosas. No entanto, deve ser dosado pelo educador aquilo que diminui a livre e espontânea vontade. A criança poderá ter só aquilo que pode cuidar. O mundo não é ilimitado. Todos devem saber respeitar o espaço, a liberdade e a propriedade dos outros para que também o próprio educando seja poupado. Assim, uma criança teimosa e birrenta não deve seduzir o educador. A posição firme deste enseja uma rebeldia momentânea que pode ser acalmada com o passar das horas. O castigo, como suspensão de algo prazeroso, bem como a troca da liberdade pela promessa de não repetir o malfeito, são recursos muito mais eficazes que a simples repressão. Outra atitude que deve preservar o educador é abandonar a mentira. Rousseau esclarece que a lei da obediência obriga as crianças a mentir para evitar o castigo ou a censura, então, para se safarem das dificuldades presentes, elas prometem o que não têm a intenção de cumprir e, com isso, praticam um tipo de mentira. O outro tipo de mentira usado é negar o que se fez, ou ainda, afirmar ter feito o que não se fez. Pode-se afirmar que mentir não faz parte do mundo das crianças, uma vez que é a rigidez, a intolerância e a incompreensão dos adultos que as levam a mentir, bem como os exemplos observados nos adultos, ou seja, as crianças aprendem conosco, imitando-nos. Mas que tipo de vida pode levar um mentiroso? Qual o suporte emocional e social de alguém que vai contra sua natureza? A mentira equivale a mais uma das prisões em que a sociedade trancafia o homem e a boa educação consiste no combate a essa escravidão. Rousseau afirma que "A criança se forma na medida em que não se estraga" (1979, p. 92). Então, para a criança ser independente, é necessário que ela aprenda a pensar desde pequena. Um homem não pode saber tudo, como não pode saber por inteiro o pouco que sabem os outros homens. Assim, treinar o pensamento é propiciar realizações. A ignorância não faz mal e ninguém se perde pelo que não sabe e sim pelo que pensa saber. O conhecimento deve ser orientado pelo instinto em direção àquilo por que o aluno se interessa. Assim, ele poderá se aproximar da natureza, da ciência e de suas escolhas, podendo-se afirmar que quanto mais os homens sabem, mais se enganam e que o único meio de evitar o erro é a ignorância e o de preveni-lo é a experiência. A educação, ao longo de toda a vida, constitui um processo de construção contínua da pessoa humana, de seu saber e de suas aptidões, mas também de sua capacidade de discernir e agir. O educador deve levar a criança a tomar consciência de si própria e do meio que a envolve, bem como a desempenhar o papel social que lhe cabe no mundo do trabalho e na comunidade. O saber, o saber fazer, o saber viver em comunidade e o saber-ser constituem quatro aspectos intimamente ligados de uma mesma realidade. A educação, ao longo de toda a vida, é o produto de uma dialética com várias dimensões, ou seja, trata-se de uma experiência vivida no cotidiano, e assinalada por momentos de intenso esforço de compreensão de dados e de fatos complexos. Se, por um lado, implica a repetição de gestos e de práticas, por outro, constitui também um processo de apropriação singular de criação pessoal, dessa forma, junta-se o conhecimento não-formal ao conhecimento formal, o desenvolvimento de aptidões inatas à aquisição de novas competências, atitude que implica esforço, mas traz também a alegria da descoberta. A experiência singular de cada pessoa é, também, a mais complexa das relações sociais, dado que se inscreve, ao mesmo tempo, no campo cultural, no trabalhista e no da cidadania. Rousseau aborda, durante todo o tempo, a liberdade do homem, fatos relacionados a Emílio e às atitudes essenciais que devem ser desenvolvidas para que isso aconteça, conseqüentemente, para ser livre, o homem precisa de algumas coisas. Em primeiro lugar, o homem deve aprender a amar aquela que lhe deu a vida, sua mãe. Para ser livre, o homem precisa que sua família, desde a tenra idade, seja unida, que seus pais se respeitem e que cuidem dele do jeito que ele merece e precisa, ensinandolhe também a amar a si mesmo. Assim, de um lado, abolindo a negligência com bons tratos, o homem não fica preso ao ódio, à vingança ou aos sentimentos de inferioridade tal como a baixa auto-estima, sentimentos que impedem o seu desenvolvimento. Rousseau combate, de outro lado, a falsa estabilidade financeira que possibilita necessidades fúteis, o excesso de autoridade e a falta de sensibilidade dos pais em face das necessidades implícitas pela condição infantil. Para Rousseau (1979, p. 10), existe um estágio primitivo de desenvolvimento humano chamado "natureza das coisas", que ele descreve como "o desenvolvimento interno de nossos órgãos e de nossas faculdades".4 Quando não permitimos que as coisas aconteçam como devem acontecer, novamente nos escravizamos, desta vez em relação à nossa vontade e à nossa frustração. As coisas acontecem quando e como têm que acontecer. O que podemos fazer é contribuir e lutar para que tudo aconteça como desejamos, mas isso não garante que tudo será assim. As pessoas não são educadas para si mesmas. Em sua maioria, são forçadas a ser aquilo que não são e a acatar leis e ordens que vão contra suas convicções naturais, seus instintos (de sobrevivência) e suas vontades. O homem livre deve aprender a respeitarse e a respeitar os outros, bem como sair desta posição apática, passando a ser alguém que decide, participa, interfere, luta e acredita. Rousseau, na obra Emílio, faz referência à capacidade de viver que o homem livre possui, dado que viver significa, entre outras acepções, ser um homem inteiro, gostar do que quiser, ser como achar melhor, aproveitar a natureza, respeitá-la, saber o que deve saber e não se deixar levar pelas circunstâncias, não abdicando de suas convicções; também, é necessário suportar os golpes da sorte, enfrentar as dificuldades financeiras, a miséria, usar suas faculdades e as habilidades. O homem livre deve aprender essas habilidades com seus pais, com as pessoas que cuidam dele quando criança, seus professores e sua família por meio, principalmente, do exemplo de conduta, para combater os maus costumes e os hábitos desregrados. O homem livre sabe relacionar-se com as coisas e com as pessoas, ele não tem medo de amar e de se afeiçoar. Os criados e as amas daquela época eram alvo do exercício da gratidão, do comedimento, da tirania e do desrespeito. Algumas crianças aprendiam a destratar as pessoas que cuidavam delas, considerando-as como brinquedos: não servem mais, são jogados fora. Em contrapartida, as crianças, muitas vezes, são alvos da dominação dos adultos, mas também da concessão de desejos abusivos e das desigualdades no trato, no respeito com os outros, fato que compromete a liberdade do homem e de sua autoestima quando se torna um aprendizado e uma prática, um sentimento ou uma emoção. Dessa forma, torna-se necessário equilibrar o excesso de rigor e de indulgência; o sofrimento que põe as crianças em risco (de saúde ou de vida) as torna miseráveis e, por conseguinte, não se acham merecedoras de nada de bom, segundo Rousseau. O prazer excessivo, sem contato com nenhum mal-estar, nenhum incômodo, torna-as 4 As faculdades, Rousseau classifica-as como nosso pensamento, nossa percepção e nossa capacidade de responder aos estímulos. excessivamente sensíveis, delicadas, despreparadas para qualquer situação, o que as faz sentirem-se incapazes. As duas situações são fora da natureza. Para conservar a liberdade inata de cada ser humano, deve-se preservá-la desde a hora do seu nascimento. O corpo deve ser saudável, para que a alma fique fortalecida, assim, quanto mais forte o corpo, mais ele obedece à alma que também se fortalece. As influências do mundo, bem como o conhecimento da existência das fraquezas e das doenças, contaminam a existência da liberdade. O homem realmente livre, por conseguinte, só faz o que lhe dá contentamento, praticando somente aquilo que o deixa feliz. A sociedade torna as forças das pessoas insuficientes ou inexistentes. Elas devem bastar-se a si mesmas, mas são como as crianças que vivem a fantasia da fragilidade, da dependência. Para Emílio, foi escolhida uma ama sadia de coração e de corpo, sem as intempéries das paixões da vida que influenciam os humores. Uma pessoa de temperamento apaixonado rivaliza com o mundo por meio do mau humor. Seu mundo é instável, uma vez que o apaixonado vive na instabilidade de sentimentos, opiniões e comportamentos (ora calmo, ora agressivo). As pessoas responsáveis pela sua educação estavam sempre de acordo, para que seus limites fossem os mesmos e seu mundo equilibrado e sem rivalidades. A criança não deve nunca exercer domínio, nem abusar de sua condição. A tirania escraviza, pois gera medo tanto para o comandado quanto para o tirano. Trata-se de uma fraqueza de caráter e toda maldade vem da fraqueza. Os bons são os fortes (tanto de caráter ou fisicamente). Rousseau (1979) assinala alguns comportamentos dos educadores que facilitam o "fortalecimento da alma", por exemplo: a) reconciliar com as desavenças; b) ter relacionamentos felizes; c) praticar a justiça em favor do fraco; d) ensinar respeito e amor aos pais; e) praticar o bem; f) amar uns aos outros como irmãos e servi-los; g) ser responsável por si e por suas atitudes, não culpando os outros por seus erros e fracassos; h) ser humilde. O homem forte deve aprender a sofrer desde cedo, suportar, sem pavor, as dores superficiais para, devagar, aprender a suportar as situações grandes e inusitadas. “O homem é muito forte quando se contenta em ser o que é; e muito fraco quando quer erguer-se por cima da humanidade" (ROUSSEAU, 1979, p. 63). Sem hábitos e sem préconceitos, ele encontra o caminho para a sensatez. Também, ter o coração livre, o espírito justo, o amor-próprio, contar consigo mesmo sempre sem nada exigir de ninguém possibilitam ao homem forte ser também livre. Trata-se de correlacionar as experiências orientadas pelos educadores com as experiências vividas para fortalecer suas habilidades e auto-respeito. Emílio obteve progressos na medida em que foi possível promover o seu desenvolvimento: habilidades nobres foram desenvolvidas, assim, ele foi feliz, sem dificuldades e limitações. BIBLIOGRAFIA ROUSSEAU, Jean-Jacques. Confissões. (Tradução de Rachel de Queiroz). São Paulo: Atena, 1959. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio. São Paulo: Difel, 1979.