VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar
20 a 24 de setembro de 2010
O Método do Simbolismo em Kant
SILVA, Fabiano Queiroz da.
Unicamp/Doutorando em Filosofia - IFCH
Resumo
Neste trabalho, temos por objetivo uma investigação do papel do procedimento
analógico, que constitui o núcleo metodológico da simbolização, utilizado por Kant, no
tratamento de da idéia de Deus. Ela será trabalhada a partir do Apêndice à Dialética
Transcendental da Crítica da Razão Pura. Posteriormente, assinalaremos que tal idéia
também pode ser analisada no âmbito prático. Para tanto, indicaremos as obras Crítica
da Razão Prática e Religião nos limites da mera razão, como sendo fundamentais ao
nosso horizonte de pesquisa.
Palavras-chave: semântica transcendental, simbolização, Deus, Kant.
No Prefácio à Primeira Edição (1781) da Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant
apresenta a razão humana como aquela que se vê atormentada por questões
imprescindíveis, mas que não são passíveis de respostas. Este é o dilema da razão
humana: enfrentar questões impostas pela sua própria natureza, porém insolúveis. Ou
seja, ela é o atirador e, ao mesmo tempo, está em linha de fogo (cf. CRP, A VII).
No artigo Kant e o Ceticismo, Zeljko Loparic afirma que tanto a dúvida metódica
cartesiana quanto a censura humeana da razão “(...) representam, com efeito, um notável
avanço em relação a uma mera constatação empírica da nossa ignorância, pois apontam
para insuficiência da nossa capacidade cognitiva como tal” (LOPARIC, 1988, p. 68).
Contudo, “(...) para Kant, o estudo da nossa ignorância (...) Precisava ainda ser
prolongado em uma ciência geral sobre o alcance máximo do nosso poder cognitivo
(...)” (LOPARIC, ibidem, idem). Assim, o procedimento de Kant:
(...) consiste em submeter a exame não os fatos da razão, mas a própria
razão no que respeita a todo poder e capacidade de conhecimento puro e a
priori; já não se trata aqui da censura, mas da crítica da razão que não se
contenta em presumir simplesmente que a nossa razão tem barreiras, mas
demonstrar por princípios, que tem limites determinados; não se conjectura
apenas a ignorância de um ou outro ponto, mas sim a ignorância relativa a
todas as questões possíveis de uma certa espécie (CRP, A 761/ B 789).
Kant se refere às questões metafísicas.
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Deste modo, o rigor kantiano manifesta-se em saber se as questões impostas pela
natureza humana são ou não solúveis, e por qual motivo. Então, nos perguntamos: pode
a razão tudo responder? Há limites para a busca de respostas?
Segundo Loparic, em sua A Semântica Transcendental de Kant, as únicas questões
que podem ser respondidas são as que utilizam os conceitos sensivelmente
significativos, isto é, aqueles passíveis de significação por possuírem intuições
correspondentes no campo de as possibilidades. Neste contexto, um conceito empírico
Y apenas terá significado se, e somente se, um objeto X puder lhe ser dado em uma
experiência possível. Ou seja, é condição necessária para a realidade objetiva do
conceito Y, que o objeto X possa ser dado em uma experiência possível. Portanto, é a
possibilidade de sensificação do conceito Y que lhe traz o significado. Diferente disso,
tratando-se de um conceito puro, necessita-se de uma intuição pura, e não uma empírica,
para o preenchimento do mesmo:
(...) um objeto é possível se e somente se satisfaz as condições ligadas à
intuição e aos conceitos, isto é, se e somente se ele satisfaz as condições de
ser construtível, sintetizável ou exibível na intuição pura ou empírica, e de
se deixar expor em conceitos construídos de acordo com os do entendimento
puro, ou seja, as categorias” (LOPARIC, 2005a, p. 22).
Contudo, para que a interpretação semântica, em linhas gerais, possa ser vista
textualmente em Kant, recorro à primeira Crítica:
Para cada conceito exige-se primeiro a forma lógica de um conceito (do
pensamento) em geral, e em segundo lugar a possibilidade de lhe dar um
objeto a que se refira. Sem esse último, não possui sentido, é completamente
vazio de conteúdo (...) Ora, só na intuição se pode dar um objecto a um
conceito e, embora uma intuição pura seja possível para nós a priori, mesmo
anteriormente ao objecto, também essa intuição só pode receber o seu
objecto, e portanto validade objectiva, por intermédio da intuição empírica
de que é simplesmente a forma. Todos os conceitos, e com eles todos os
princípios, conquanto possíveis a priori, referem-se, não obstante, a
intuições empíricas, isto é, a dados para a experiência possível (CRP, B 298/
A 239).
A partir da chave de leitura semântica, vale lembrar que, na CRP, o principal
objetivo de Kant foi precisamente de evitar que a razão travasse “(...) tais disputas,
introduzindo a distinção entre os problemas solúveis e não-solúveis pela razão humana”
(LOPARIC, 2005b, p. 216). A meta principal foi uma teoria de solubilidade
(decidibilidade) dos problemas necessários da razão pura, isto é, através de uma
semântica transcendental, realizada primeiramente no âmbito teórico, estabelecer os
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limites de investigação do sujeito cognoscente. Em outras palavras, “A nova metafísica
de Kant, baseada na teoria da capacidade solucionadora da razão, tem o traço distintivo
de poder garantir a decidibilidade de suas indagações ou, então, abandonar a pesquisa,
reconhecendo, de maneira determinada e segura, seus limites” (LOPARIC, ibidem, p.
217).
Após este breve sumário que justifica o fato da filosofia transcendental não apenas
poder ser tomada como sendo uma semântica transcendental, mas sim que deva ser
tomada como tal, trataremos de um conceito específico presente no sistema, a saber, a
idéia transcendental de Deus. Levando isso a cabo, tornam-se necessárias algumas
indagações iniciais: Como se deve trabalhar com tal idéia, no interior de uma semântica
transcendental? Ela é possível de ser sensificada, ou seja, de ter um objeto apresentado,
através de uma intuição possível?
Por ter tais questões em vista, temos por meta, neste trabalho, uma investigação do
papel dado pelo autor ao esquematismo analógico dessa idéia transcendental. Para tanto,
recorreremos, primeiramente, ao Apêndice à Dialética Transcendental da Crítica da
Razão Pura, visando um tratamento de tal idéia. Em um segundo momento,
assinalaremos que com as obras Crítica da Razão Prática e Religião dentro dos limites
da mera razão, faz-se possível um novo tratamento da mesma idéia..
No Apêndice à Dialética Transcendental, Kant discorre sobre as seguintes idéias
transcendentais: Deus, imortalidade da alma e liberdade. Logo no início, o filósofo
afirma que tais idéias não possuem um uso constitutivo, isto é, não disponibilizam
conceitos de quaisquer objetos em uma experiência possível. Todavia, tais idéias
possuem um uso regulador , pois direcionam o entendimento a um destino
determinado. Nas palavras do autor:
(...) as idéias transcendentais não são nunca de uso constitutivo, que por si
próprio forneça conceitos de determinados objetos (...) Em contrapartida, têm
um uso regulador (...), o de dirigir o entendimento para um certo fim, onde
convergem num (...) ponto de onde não partem na realidade os conceitos do
entendimento, porquanto fica totalmente fora dos limites da experiência
possível, serve todavia para lhes conferir a maior unidade e, simultaneamente,
a maior extensão (CRP, A 644/ B 672).
Então, dadas as palavras de Kant, acerca do uso regulador das idéias
transcendentais da razão especulativa, vale aqui apresentar uma importante distinção
Segundo Kant, tal uso “(...) serve, na medida do possível, para conferir unidade aos conhecimentos
particulares e aproximar assim a regra da universalidade” (CRP, A 647/ B 675).
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que contribuirá para a elucidação de tal uso: trata-se de os dois possíveis usos da razão,
a saber, o apodíctico e o hipotético. O primeiro uso da razão se caracteriza por uma
derivação de um determinado particular daquilo que é geral, sendo tal procedimento
realizado pela faculdade de julgar. A conclusão, deste processo, é que tal determinação
do particular é necessária (Cf. CRP, A 646/ B 674). Já o segundo uso da razão carrega
consigo a característica peculiar de que o geral é tido como problemático, sendo que o
particular, derivado do geral, não apresenta problemas. Porém, o geral, detentor das
regras sem as quais não há particular, permanece problemático, por isso, faz-se
necessário, através da regra, a exibição de “(...) diversos casos particulares, todos eles
certos, para saber se se deduzem dela e, se parecer que dela derivam todos os casos
particulares que se possam indicar, conclui-se universalidade da regra e, a partir desta,
todos os casos que não forem dados em si mesmos” (CRP, A 646/ B 674 - A 647/ B
675). Todavia, precisa-se frisar que tal uso é regulador, não constitutivo, na medida em
que atribui “(...) unidade aos conhecimentos particulares (...)” (CRP, A 647/ B 675),
bem como também aproxima, dessa forma, a regra de um caráter universal (Cf. CRP,
ibidem, idem).
Acerca desse procedimento regulativo, vê-se na nota de Lebrun, presente na
tradução de J. Guinsburg e Bentro Prado Júnior da obra Discurso do Método, que
Descartes também o utilizou, ao tratar da quarta regra do seu Método, na qual se deve
“(...) fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais (...)”
(DESCARTES, 1983, p. 38), para que se tenha “(...) a certeza de nada omitir”
(DESCARTES, ibidem, idem):
Pode parecer que esta regra repita a segunda, visto que a divisão em “parcelas”
éa
mesma coisa que a enumeração das variáveis. Vuillemin, que evoca esta
dificuldade em seu livro Mathématiques et Métaphysique chez Descartes (pág.
137), pensa que tal regra é antes ilustrada pela enumeração de todos os casos
possíveis para a solução de uma equação, o que possibilita a escolha da
solução mais geral “Preceito reflexivo e regulador que versa sobre os métodos
e não sobre os problemas” (Nota de Lebrun, p. 38).
Além de estar presente na quarta regra do Método cartesiano, o uso regulativo das
idéias jaz também na ciência da astronomia, na qual temos Copérnico com sua obra As
Revoluções dos Orbes Celestes. Entretanto, deixaremos a análise deste título para um
outro momento e atentaremos, por ora, apenas ao comentário de Loparic à metodologia
de Osiander, autor do prefácio à obra mencionada do revolucionário astrônomo, em que
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se nota uma semelhança entre o procedimento de pesquisa da astronomia com a teoria
de solubilidade kantiana, desenvolvida na CRP. Pois, a primeira, semelhante à segunda,
também tem por atividade a resolução de problemas sistêmicos, por meio de princípios
heurísticos. Não obstante, nota-se a diferença entre ambas, pelo fato da primeira se
concentrar apenas em problemas empíricos, enquanto a segunda, apesar de tratar de
dados sensíveis, também trabalhar com conceitos, cujas possibilidades de sensificações
somente podem ser asseguradas por intuições puras:
Por não possuir princípios próprios e se servir apenas de princípios
geométricos, a astronomia é simplesmente uma geometria aplicada. Ao
mesmo tempo, ela é concebida, não como uma atividade contemplativa, mas
como uma atividade de resolução de problemas. Quais os dados de seus
problemas? As posições observadas dos planetas e das estrelas, representadas
geometricamente. Quais as incógnitas? As posições futuras e passadas não
observadas, também representáveis na geometria euclideana. Qual o espaço de
soluções? Obedecer aos postulados geométricos, ser empiricamente corretas e
as mais simples possíveis. Nada mais. Em resumo, a atividade de um
astrônomo consiste em resolver um certo número de problemas cinemáticos
empíricos no interior da geometria euclideana (Comentário de Loparic ao
ARQUIVO Andreas Osiander: “Prefácio ao ‘De Revolutionibus Orbitum
Coelestium’ de Copérnico”, 1980, p. 55-56).
Retomando o tema do método do uso hipotético da razão, Kant expõe que tal
procedimento se dá com a busca de uma regularidade na natureza, segundo um princípio
e uma máxima que, por sua vez, agem de acordo com tal regularidade e cujo
fundamento é uma natureza em geral. Tais hipóteses da razão especulativa se
distanciam por demais de uma experiência e observação possíveis, no entanto, abrem a
via da unidade sistemática, na qual há a unidade racional dos diversos conhecimentos do
entendimento (Cf. CRP, A 688/ B 696).
Após a apresentação de os dois usos possíveis da razão especulativa, a saber, o
apodíctico e o hipotético, Kant expõe a diferença substancial entre aquilo que é dado à
razão especulativa como objeto pura e simplesmente e aquilo que é dado como objeto
na idéia:
No primeiro caso, os meus conceitos têm por fim a determinação do objecto;
no segundo, há na verdade só um esquema, ao qual se não atribui
directamente nenhum objeto, nem mesmo hipoteticamente, e que serve tãosó para nos permitir a representação de outros objectos, mediante a relação
com essa ideia, na sua unidade sistemática, ou seja, indirectamente. Assim,
afirmo que o conceito de uma inteligência suprema é uma simples ideia, isto
é, que a sua realidade objectiva não consiste na referência directa a um
objeto (porque nesse sentido não poderíamos justificar a sua validade
objectiva); é apenas o esquema de um conceito de uma coisa em geral,
ordenado de acordo com as condições da máxima unidade racional e
servindo unicamente para conservar a maior unidade sistemática no uso
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empírico da nossa razão, na medida em que de certa maneira, o objecto da
experiência se deriva do objecto imaginário dessa ideia, como de seu
fundamento ou causa.
Com isso, nota-se que o uso heurístico da idéia de uma inteligência suprema, no
âmbito teórico, abre a possibilidade do conhecimento da natureza, por meio da
sistematização. Não obstante, para Kant, tal idéia não é apenas um problema sistêmico,
mas sim também um problema prático a ser levado em consideração. Levando isso a
cabo, Daniel O. Perez possui razão ao conceder uma importância significativa tanto à
simbolização quanto ao esquematismo analógico na atribuição de significado a esse
conceito da razão, por meio de um símbolo sensível.
Perez, leitor de Caimi, afirma, em Kant e o problema da significação, que a
simbolização é uma exibição indireta dos conceitos. Assim, tratando-se da idéia
transcendental de Deus, no âmbito prático, haveria um objeto na sensibilidade que seria
tomado como símbolo de tal idéia. Por exemplo, a tão conhecida narrativa bíblica do
Filho pródigo, na qual o pai humano simboliza Deus, pois, neste exemplo, ao trabalhar
com o procedimento analógico, estabelece-se uma analogia entre o símbolo sensível e o
conceito de Deus que, por conseguinte, traz um significado ao último:
Com efeito, do mesmo modo que as categorias e os conceitos do
entendimento, as idéias não podem ser mera quimera, não é suficiente
explicar seu conteúdo lógico, para Caimi é preciso também “exibir a
realidade efetiva (Wirklichkeit)”, que no caso das idéias se expressa também
por uma realidade efetiva prática (PEREZ, 2008, p. 135).
Trilhando o mesmo caminho, Joãosinho Beckenkamp, no artigo Simbolização na
filosofia crítica kantiana, sustenta que existem:
(...) dois tipos de exibição de conceitos puros, uma exibição propriamente
dita, de conceitos puros do entendimento, no esquematismo, e uma exibição
em sentido lato, exibição indireta de conceitos puros da razão, no que Kant
chama de simbolização: “se ele não pode ser exibido imediatamente, mas
apenas em suas conseqüências (indiretamente), então ela (a ação de exibir o
conceito) pode ser chamada de simbolização do conceito. O primeiro se dá
no caso de conceitos do sensível, o segundo é o recurso de emergência para
conceitos do supra-sensível, que, portanto, não podem ser propriamente
apresentados nem dados em nenhuma experiência possível, mas ainda assim
pertencem necessariamente a um conhecimento, ainda que fosse possível
somente como um (conhecimento) prático” (Fortschritte, AA XX, 279-280)
(BECKENKAMP, 2001, p. 3).
E é no § 59 da Crítica da Faculdade do Juízo na qual Kant também leva tal
distinção a cabo:
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Toda (...) apresentação (...) enquanto sensificação é dupla: ou esquemática,
em cujo caso a intuição correspondente a um conceito que o entendimento
capta é dada a priori; ou simbólica, em cujo caso é submetida a um
conceito, que somente a razão pode pensar e ao qual nenhuma intuição
sensível pode ser adequada (...) Ou seja, este (o intuitivo) pode ser dividido
em modo de representação esquemático e em modo de representação
simbólico. Ambos são (...) apresentações (...) dos quais os primeiros contêm
apresentações diretas, e os segundos apresentações indiretas do conceito. Os
primeiros fazem isto demonstrativamente e os segundos mediante uma
analogia (para a qual nos servimos também de intuições empíricas), na qual
a faculdade do juízo cumpre uma dupla função: primeiro de aplicar o
conceito ao objeto de uma intuição sensível e (...) o segundo, de aplicar a
simples regra da reflexão sobre aquela intuição a um objeto totalmente
diverso, do qual o primeiro é somente o símbolo (CFJ, p. 255-256).
À vista disso, observa-se que Perez e Beckenkamp possuem abono textual em
Kant referente à representação simbólica e ao esquematismo analógico. Além deles,
também Loparic assevera a importância destes procedimentos, em seu A Semântica
Transcendental de Kant, abordando um novo problema teórico, a saber, o da
possibilidade do símbolo descartar o sensível, o que pensa não ser o caso: o fato do “(...)
objeto de idéia simbolizado e o seu símbolo empírico concordarem meramente na forma
de reflexão e não no conteúdo (ibid. p 255) não implica eliminar do esquema do objeto
da idéia o conteúdo sensível do símbolo” (LOPARIC, 2005a, p. 282). Pelo contrário, o
significado jaz na submissão do conteúdo sensível --- que possui a sua realidade
objetiva no símbolo --- às regras de reflexão, abandonando, por conseguinte, a
necessidade de recorrer tanto a uma experiência efetiva quanto a uma possível. Neste
sentido:
Os esquemas de objetos de idéias continuam sendo, portanto, apresentações
sensíveis desses objetos, com a peculiaridade de serem constituídos não de
acordo com o que é ou pode ser efetivamente dado na intuição sensível, mas
unicamente de acordo com as regras de reflexão sobre objetos simbolizados.
O esquematismo analógico não interpreta idéias por idéias, mas por
esquemas analógicos sensíveis (LOPARIC, ibidem, idem).
Para Kant, a razão especulativa não disponibiliza um valor objetivo à idéia de
Deus, no entanto, concede a tal idéia, através do uso heurístico da razão, de certa forma,
uma realidade empírica que pode ser pensada por analogia, na medida em que se pensa
o objeto empírico como se tivesse sido originado do objeto imaginário da idéia. Desta
maneira, apesar de em Kant pensar e conhecer não terem o mesmo significado, ou seja,
serem conceitos distintos, precisa-se indagar: o objeto de tal idéia pode ser conhecido
“sistemicamente” pela razão teórica, bem como de um ponto de vista moral pela razão
prática?
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De certa forma, talvez seja possível falar em conhecimento sistêmico analógico,
desde que não se esqueça que o procedimento analógico, por meio de símbolos
sensíveis, é uma sensificação indireta dos conceitos da razão. Tratando-se de
conhecimento prático analógico, acredito que o exemplo do pai humano, apresentado
por Perez, a partir de Caimi, salienta bem o fato de a exibição do símbolo pai humano
permitir sim, apesar de forma indireta, o conhecimento do objeto imaginário da idéia, a
saber, Deus.
Enfim, o uso hipotético da razão especulativa, na empreita acerca da idéia
transcendental de Deus, precisa necessariamente, isso para continuar em um caminho
seguro, ater-se a um princípio regulador, no qual se pressupõe, na natureza, uma
unidade sistemática impossível de ser dada empiricamente, porém que pode ser
pressuposta a priori. É como se tivesse sido conferido ordem à natureza por uma
inteligência suprema, por isso, vê-se a função heurística de tal uso hipotético da razão
especulativa no fato deste uso tomar as idéias somente de modo problemático, tentando,
assim, por meio de um mecanismo solucionador de problemas, atribuir algum
significado a idéia transcendental de Deus.
Já no âmbito prático, como vimos, o procedimento analógico, que constitui o
núcleo metodológico da simbolização , mostra-se do seguinte modo: no nosso
exemplo, o pai humano pode simbolizar o conceito de Deus, como na narrativa bíblica
do Filho pródigo. Este símbolo da idéia da razão, por sua vez, é uma representação
sensível do objeto da idéia, no caso, Deus, por meio da analogia que se faz entre o pai
humano e Deus. Deste modo, atribuiu-se um significado a idéia transcendental de Deus,
por meio de um símbolo na sensibilidade, portanto, assegurou-se uma realidade efetiva
prática.
Com isso, vê-se que a semântica transcendental de Kant, baseada na teoria da
capacidade solucionadora da razão, decidiu duas questões fundamentais, a saber, quais
os papéis dos procedimentos analógicos nas seguintes empreitas: se a idéia
transcendental de Deus teria ou não significado, nos âmbitos teórico e prático. Assim,
dados que os procedimentos analógicos, por meio de símbolos sensíveis, atribuíram
significados a tal idéia, apesar de se tratarem de âmbitos distintos, nota-se que, ao invés
“ ‘O símbolo de uma idéia (ou de um conceito da razão) é uma representação do objeto segundo a
analogia’ (Fortschritte, AA XX, 280)” (BECKENKAMP, 2001, p. 5).
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de levarem a razão humana a transcender os seus limites, pelo contrário, forneceram a
ela limites seguros. Não obstante, fica em aberto um campo vasto a ser percorrido:
como Kant trabalhará, com o procedimento analógico, nas obras Crítica da Razão
Prática e Religião nos limites da mera razão? Assim, este trabalho possibilita o
caminho futuro de um estudo aprofundado da idéia de Deus, afinal, aqui, concentramosnos, acerca do âmbito prático, apenas nas análises de Perez e Beckenkamp. Além disso,
abre-se também, com este trabalho, a possibilidade de um mapeamento históricofilosófico de como o uso heurístico da razão foi empregado nas ciências anteriores ao
advento do sistema crítico.
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_________. (2005a): A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: UNICAMP,
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OSIANDER, Andreas. “Prefácio ao ‘De Revolutionibus Orbitum Coelestium’ de
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PEREZ, Daniel Omar. Kant e o problema da significação. Curitiba: Editora
Champagnat, (Col. Pensamento Contemporâneo 1), 2008.
morais. Tradução de Déborah Danowski. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
ISSN 2177-0417
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