PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS Morfologia comparativa da estrutura gonadal de seis espécies de peixes Anostomidae neotropicais. Fabiano de Andrade Silva Orientador: Nilo Bazzoli Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Zoologia de Vertebrados da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como prérequisito para obtenção do título de mestre em Zoologia de Vertebrados. Belo Horizonte - MG 2011 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais S586m Silva, Fabiano de Andrade Morfologia comparativa da estrutura gonadal de seis espécies de peixes Anostomidae neotropicais / Fabiano de Andrade Silva. Belo Horizonte, 2011. 27f. : il. Orientador: Nilo Bazzoli Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Zoologia de Vertebrados 1. Peixes de água doce - Morfologia. 2. Ovários. 3. Testículos. 4. Filogenia. I. Bazzoli, Nilo. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Zoologia de Vertebrados. III. Título. CDU: 597.554 Esta dissertação foi realizada no Laboratório de Ictiologia do Programa de Pós Graduação em Zoologia de Vertebrados da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sob orientação do Professor Dr. Nilo Bazzoli, com o apoio da Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Três Marias, MG / CODEVASF e das seguintes instituições: - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); - Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG); À minha mãe pelo incentivo e persistência Ao meu avô pelo exemplo de vida AGRADECIMENTOS À minha namorada Renata e aos meus amigos pelo apoio. Aos meus colegas e amigos de mestrado Aline, Gabriel, Natália, Bárbara, Gilberto, Hermano, Julianna, Marina, Bia e Íris pela força e companheirismo. À Clédma e Rogério pelas valorosas ajudas. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Zoologia de Vertebrados, em especial ao Prof. Nilo Bazzoli pelos ensinamentos, apoio e entusiasmo científico. Aos professores da graduação Humberto Mello e Adriano Paglia pela confiança. Aos funcionários da Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Três Marias-CODEVASF, pela disposição. Às grandes mentes da história da humanidade pela eterna fonte de inspiração. E a todos que de alguma forma contribuíram para a elaboração deste trabalho. "O degrau de uma escada não serve simplesmente para que alguém permaneça em cima dele, destina-se a sustentar o pé de um homem pelo tempo suficiente para que ele coloque o outro um pouco mais alto.” Thomas Huxley RESUMO Este estudo apresenta uma análise comparativa da morfologia gonadal de Leporellus vittatus, Leporinus piau, Leporinus reinhardti, Leporinus taeniatus, Leporinus obtusidens e Schizodon knerii, espécies da família Anostomidae. Ovários maduros das seis espécies apresentam coloração acinzentada. Os alvéolos corticais dos ovócitos vitelogênicos das quatro espécies de Leporinus e Leporellus vittatus são formados por vesículas pequenas enquanto em Schizodon knerii por vesículas grandes. Os alvéolos corticais dos ovócitos vitelogênicos das seis espécies estudadas apresentam conteúdo histoquímico similar. A zona pelúcida é formada por duas camadas em todas as espécies estudadas, sendo mais espessada em S. knerii (11,5 ± 1,8 µm) que em L, vittatus (9,0 ± 0,8 µm) e nas quatro espécies de Leporinus estudadas (3,5 ± 0,6 - 8,7 ± 0,9 µm). As células foliculares são cúbicas (22,3 ± 3,2 µm) no pólo animal e prismáticas (61,1 ± 9,6 µm) no pólo vegetativo de S. knerii enquanto pavimentosas nas outras espécies (1,3 ± 0,3 – 1,6 ± 0,3 µm). O IGS de fêmeas maduras de S. knerii foi mais baixo que nas outras espécies. Entre os machos, o IGS de L. vittatus foi estatisticamente menor que o das demais espécies analisadas. Os Anostomidae analisados apresentaram morfologia testicular similar a da maioria dos Characiformes neotropicais, com testículos do tipo espermatogonial irrestrito e tubular anastomosado. Diferenças fenotípicas nos ovócitos vitelogênicos de peixes Anostomidae confirmam a posição taxonômica de S. knerii em relação aos Leporinus e L. vittatus da bacia do rio São Francisco embora a morfologia gonadal das seis espécies apresentasse algumas semelhanças fenotípicas características da família Anostomidae. Palavras chave: Ovários, testículos, peixes Anostomidae, estratégias reprodutivas. ABSTRACT This study presents a comparative analysis of the gonadal morphology of Leporellus vittatus, Leporinus piau, Leporinus reinhardti, Leporinus taeniatus, Leporinus obtusidens e Schizodon knerii, species of family Anostomidae. Mature ovaries of the six species show a grayish color. The cortical alveoli of vitellogenic oocytes of the studied species are formed by small vesicles in the four species of Leporinus and Leporellus vittatus and large vesicles in Schizodon knerii and have similar histochemical contente in all of them. The zona pellucida is composed of two layers, being thicker in S. knerii (11.5 ± 1.8 µm) than in L. vittatus (9.0 ± 0.8 µm) and Leporinus (3.5 ± 0.6 – 8.7 ± 0,9 µm). The follicular cells are cubic (22.3 ± 3.2) in animal pole and prismatic (61.1 ± 9.6 µm) in vegetative pole of S. knerii while pavement in the other species (1.3 ± 0.3 – 1.6 ± 0.3 µm). The gonadosomatic index (GSI) of mature females of S. knerii and mature males of L. vittatus was lower than the GSI of the other analised species. The Anostomidae analyzed showed similar testicular morphology like of the most neotropical Characiformes, with tubular espermatogonial unrestricted and anastomosed testis. Phenotypic differences in the vitellogenic oocytes of Anostomidae fishes confirm the taxonomic position of S. knerii in relation to Leporinus and L. vittatus from the São Francisco River while the gonadal morphology of six species showed some phenotypic characteristics similar of that showed by the family Anostomidae. Keywords: Ovaries, testis, Anostomidae fishes, reproductive strategies. LISTA DE TABELAS E FIGURAS Tabela 1: Biometria de seis espécies de Anostomidae da Bacia do Rio São Francisco, Minas Gerais, Brasil......................................................................... 17 Tabela 2: Índice gonadossomático de fêmeas maduras (IGS) e diâmetro de ovócitos vitelogênicos (DO), espessura da zona pelúcida (ZP) e altura das células foliculares (CF) em micrometros (µm) de cinco espécies de Anostomidae da Bacia do Rio São Francisco, Minas Gerais, Brasil................. 20 Figura 1: Peixes Anostomidae. – A. Leporinus reinhardti (comprimento total = 22,5 cm). B. Leporinus piau (22,7 cm). C. Leporinus obtusidens (33,3 cm). D. Leporinus taeniatus (19,5 cm). E. Leporellus vittatus (16,0 cm). F. Schizodon knerii (28,5 cm)................................................................................ 16 Figura 2: Ovários maduros e ovócitos vitelogênicos de Leporinus e Leporellus vittatus.............................................................................................. 18 Figura 3: Ovários maduros e ovócitos vitelogênicos de Schizodon knerii....... 19 Figura 4: Testículos maduros de peixes Anostomidae..................................... 20 SUMÁRIO Página Introdução Geral................................................................................................................. 10 Morfologia ovariana...................................................................................................... 10 Morfologia testicular..................................................................................................... 10 Ovogênese e Espermatogênese..................................................................................... 10 Rio São Francisco......................................................................................................... 11 Espécies em estudo....................................................................................................... 12 Objetivos............................................................................................................................ 13 Objetivos gerais............................................................................................................ 13 Objetivos específicos.................................................................................................... 13 Artigo a ser publicado........................................................................................................ 14 Introdução..................................................................................................................... 14 Material e métodos........................................................................................................ 15 Resultados...................................................................................................................... 16 Discussão....................................................................................................................... 21 Agradecimentos............................................................................................................. 23 Referências......................................................................................................................... 23 10 INTRODUÇÃO GERAL Os peixes, grupo mais numeroso e diversificado dentro dos vertebrados, estão adaptados a diversos hábitats aquáticos, sendo essa diversidade refletida em suas estratégias reprodutivas e, consequentemente, em sua morfologia gonadal (Nelson, 2006; Desjardins & Fernald, 2009). Morfologia Ovariana Anatomicamente, ovários de teleósteos podem ser de dois tipos: cistovariano e gimnovariano. Os ovários cistovarianos têm continuidade com o oviduto, através do qual, ovócitos alcançam o meio externo. Nos ovários gimnovarianos, ovócitos são liberados diretamente na cavidade celômica, para depois serem lançados ao meio externo (Redding & Patiño, 1993). Ovários maduros apresentam coloração e forma variadas dependendo da espécie (Groove & Wourms, 1991; Núñez & Duponchelle, 2009). Histologicamente, ovários são revestidos pela túnica albugínea que emite septos para o interior do órgão formando lamelas ovulígeras que delimitam a cavidade ovariana central e onde se encontram ovogônias e ovócitos em diferentes fases de desenvolvimento (Bazzoli, 2003). Morfologia testicular Nos testículos de teleósteos a variação de coloração é discreta, quando comparada a dos ovários, uma vez que eles são geralmente transparentes na fase não reprodutiva e brancoleitosos na fase reprodutiva (Bazzoli, 2003). Os testículos de teleósteos são preenchidos por túbulos seminíferos com parede formada de cistos delimitados por prolongamentos citoplasmáticos das células de Sertoli. Dentro de cada cisto, as células espermatogênicas encontram-se na mesma fase de desenvolvimento (Grier, 1981; Schulz et al., 2009). Os testículos são classificados em: lobular e tubular anastomosado. Nos testículos do tipo lobular o epitélio germinativo localiza-se apenas na periferia do órgão (Grier, 1993). Segundo este mesmo autor, nos testículos do tipo tubular anastomosado os compartimentos germinativos estão interconectados em toda extensão do testículo. Ovogênese e Espermatogênese A ovogênese inicia-se com a proliferação de ovogônias que após divisões mitóticas e diferenciação originam ovócitos. Baseando-se em mudanças que ocorrem no citoplasma, núcleo e camadas envoltórias os ovócitos podem ser classificados em quatro estádios de desenvolvimento: ovócitos perinucleolares iniciais e avançados são pequenos com citoplasma basófilo, núcleo central, vesiculoso e vários nucléolos periféricos; ovócitos pré-vitelogênicos caracterizam-se pela presença de vesículas corticais no ooplasma, zona pelúcida evidente 11 células foliculares de alturas variadas; ovócitos vitelogênicos caracterizam-se por apresentarem ooplasma repleto de glóbulos de vitelo acidófilos, núcleo central ou excêntrico, alvéolos corticais formados de vesículas no ooplasma periférico, zona pelúcida acidófila com típicas estriações transversais e número de camadas e espessura variadas, além de células foliculares pavimentosas, cúbicas ou prismáticas (Bazzoli, 2003). O conteúdo histoquímico das estruturas ovocitárias também é variado dependendo da espécie (Bazzoli & Godinho, 1994; Martins et al., 2010). Espermatogênese em peixes é um longo e complexo processo onde as espermatogônias proliferam-se por mitoses e originam espermatócitos por meioses. Quanto à distribuição das espermatogônias, os testículos podem ser de dois tipos: espermatogoniais irrestritos e espermatogoniais restritos. Testículos espermatogoniais irrestritos possuem espermatogônias em toda extensão do órgão e nos espermatogoniais restritos, as espermatogônias estão restritas à porção distal dos túbulos seminíferos (Grier, 1981). Na espermiogênese não ocorrem divisões e as espermátides diferenciam-se em espermatozóides (Corriero et al., 2009). A espermatogênese pode ser classificada em cística quando ela ocorre dentro dos cistos que se rompem para liberar espermatozóides no lume dos túbulos seminíferos ou semi-cística quando os cistos se rompem na fase de espermátide e a maturação se completa no lume dos túbulos seminíferos (Mattei et al., 1993; Magalhães et al., 2011). Rio São Francisco A bacia do rio São Francisco abrange os três grandes biomas do país, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica e drena os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal. Esta bacia está dividida em alto, médio, submédio e baixo São Francisco (Godinho & Godinho, 2003). O Alto São Francisco é a região mais degradada e compreende a área entre a nascente, na Serra da Canastra e o município de Pirapora (Alves & Pompeu, 2001). O reservatório de Três Marias, localizado no alto São Francisco, foi formado em 1961 com os objetivos de: regularização do rio São Francisco, aumento do tirante d'água para a navegação entre Pirapora e Juazeiro, controle das cheias, obras de irrigação, aumento da potência da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso e produção de energia (Britski et al., 1988). O número de pescadores na região do alto São Francisco é de aproximadamente 300 efetivos no reservatório e 150 no rio São Francisco a jusante da barragem de Três Marias. A produção de pescado por ano no período de 2000-2002 foi de 650 a 700 mil toneladas capturadas na região do alto São Francisco (Sato & Sampaio, 2005). 12 Espécies em estudo Leporellus vittatus (Valenciennes, 1850) O piau-rola L. vittatus, de biologia reprodutiva pouco estudada, desova em ambientes lóticos, com ausência de migrações reprodutivas e cuidado parental (Lamas, 1993). Leporinus piau Fowler, 1941 O piau-gordura L. piau, espécie de porte médio, pode atingir comprimento padrão de 16,9 e 19,3 cm e peso corporal médio de 116 e 182 g respectivamente para machos e fêmeas. L. piau reproduz-se de novembro a fevereiro com desova total em ambientes lênticos e ausência de migrações reprodutivas e de cuidado parental. Seus ovos são livres e de cor cinza/parda (Santos & Barbieri, 1993; Tavares & Godinho, 1994; Rizzo et al., 2002; Borçato et al., 2004). Leporinus reinhardti Lütken, 1875 O piau-três-pintas L. reinhardti, de médio porte, é encontrado em toda bacia do rio São Francisco, realiza migrações reprodutivas e tem desova total. Seus ovos são livres e de cor cinza/parda (Rizzo et al., 2002; Santos et al., 2007). Leporinus obtusidens (Valenciennes,1837) O piau-verdadeiro L. obtusidens é o maior Anostomidae conhecido, com período reprodutivo de dezembro a janeiro, que realiza migrações reprodutivas, tem desova total em ambientes lóticos e não possui cuidado parental. Seus ovos são livres, opacos e de cor cinza claro (Sato et al., 2000; Rizzo et al., 2002; Sato et al., 2003). Leporinus taeniatus Lütken, 1875 O piau-jeju L. taeniatus, é de porte médio, com período reprodutivo de dezembro a fevereiro, realiza migrações reprodutivas, tem desova total, não possui cuidado parental e seus ovos são livres (Rizzo et al., 2002; Santos et al., 2005). Schizodon knerii (Steindachner, 1875) O piau-branco S. knerii, espécie endêmica da bacia do São Francisco, reproduz-se de outubro a abril, é sedentária, não apresenta cuidado parental e os ovos são adesivos e de cor cinza-parda (Ferreira & Godinho, 1990; Rizzo et al., 2002). 13 OBJETIVOS Objetivo Geral Comparar a morfologia de ovários e testículos maduros de seis espécies de peixes da família Anostomidae da bacia do rio São Francisco, Minas Gerais. Objetivos Específicos - Verificar a existência de dimorfismo sexual entre machos e fêmeas nas espécies estudadas; - Analisar relações anatômicas, forma e coloração de ovários e testículos maduros; - Determinar diâmetro, espessura da zona pelúcida e altura das células foliculares dos ovócitos vitelogênicos; - Detectar o conteúdo histoquímico, de alvéolos corticais, glóbulos vitelogênicos, zona pelúcida e células foliculares; - Comparar, entre as espécies estudadas, os valores médios do IGS de machos e fêmeas maduras; - Analisar a morfologia dos testículos quanto ao padrão de distribuição das espermatogônias; - Comparar a morfologia gonadal das espécies em estudo, correlacionando-as com as estratégias reprodutivas. 14 ARTIGO A SER SUBMETIDO Morfologia comparativa de ovários e testículos maduros de seis espécies de peixes Anostomidae neotropicais Introdução A morfologia gonadal tem sido utilizada para compreensão da reprodução e relações filogenéticas dos peixes (Belova, 2008; Martins et al., 2011; Melo et al., 2011), embora não exista estudos comparando este aspecto em peixes da família Anostomidae. Alguns estudos mostraram que espécies da mesma família e subfamília de teleósteos geralmente apresentam um padrão comum de morfologia gonadal (Rizzo et al., 2002; Martins et al., 2011; Melo et al., 2011). Em revisão, Parenti & Grier (2004) observaram uma rede evolucionária da morfologia testicular de teleósteos através da organização dos túbulos seminíferos e distribuição das espermatogônias no epitélio germinal. Na família Apopongidae algumas características são comuns entre gêneros e espécies próximas contribuindo para o entendimento da evolução reprodutiva deste grupo (Fishelson & Gon, 2008). A ordem Characiformes é uma das mais numerosas em famílias e subfamílias dentre os peixes (Nelson, 2006), sendo a família Anostomidae constituída de aproximadamente 163 espécies compreendidas em 12 gêneros distribuídos por toda região neotropical (Garavello & Britski, 2003; Reis et al., 2003). Na bacia do rio São Francisco, um dos principais rios do Brasil em recursos pesqueiros, existem três gêneros de Anostomidae, Leporellus, Leporinus e Schizodon incluindo espécies de importância comercial na pesca artesanal e esportiva, como Leporinus obtusidens que pode atingir 40 cm de comprimento padrão (Garavello & Britski, 2003). Considerando que a morfologia gonadal é um importante parâmetro para a compreensão da biologia reprodutiva, relações filogenéticas e sistemática de peixes o objetivo do presente trabalho é analisar comparativamente a morfologia de ovários e testículos de seis espécies de peixes da família Anostomidae da bacia do rio São Francisco, Minas Gerais, Brasil: Leporellus vittatus (Valenciennes, 1850); Leporinus obtusidens (Valenciennes,1837); Leporinus piau Fowler, 1941; Leporinus reinhardti Lütken, 1875; Leporinus taeniatus Lütken, 1875 e Schizodon knerii (Steindachner, 1875). 15 Material e Métodos Para análise comparativa das gônadas maduras coletaram-se 212 exemplares com gônadas maduras de seis espécies de Anostomidae (Fig. 1) no rio São Francisco, região de Três Marias (18 – 20 ° S, 44 – 46 ° W), Estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil, de agosto de 2008 a dezembro de 2010. Os peixes foram capturados com redes de emalhar com malhas de tamanhos variados. Os exemplares que estavam vivos nas redes foram manuseados de acordo com o Animal Experimentation Guidelines estabelecido pelo Brazilian College of Animal Experimentation (COBEA) sendo sacrificados com secção da medula cervical (Andersen et al., 2008). De cada exemplar obtiveram-se comprimento total (CT) e peso corporal (PC) (Tabela 1). Após dissecação, as gônadas foram analisadas quanto a relações anatômicas, forma, coloração e documentadas fotograficamente. Determinou-se também o peso das gônadas (PG) para calcular o índice gonadossomático (IGS) das fêmeas maduras: IGS = PG x 100/ PC. Para análises microscópicas, fragmentos de gônadas foram fixados em líquido de Bouin por 8-12 horas e submetidos às técnicas histológicas de rotina: inclusão em parafina, cortes com 3 a 5 µm de espessura e coloração com hematoxilina-eosina (HE). Ovócitos e células espermatogênicas foram classificados de acordo com Gonçalves et al. (2006) e Martins et al. (2011) e gônadas foram classificadas em três estádios de maturação de acordo com Carvalho et al. (2009). Para determinar o conteúdo histoquímico das estruturas ovocitárias, as seguintes técnicas foram utilizadas (Pearse, 1985): Ácido periódico de Schiff (PAS) para glicoproteínas neutras e sialomucinas, Alcian blue pH 2,5 (AB pH 2,5) para glicoconjugados ácidos carboxilados e sulfatados, incluindo sialomucinas, Alcian blue pH 0,5 (AB pH 0,5) para glicoconjugados ácidos sulfatados e hidrólise ácida com HCl 0.1 N (8h a 60 °C) para extração do ácido siálico, seguida de PAS e Alcian blue pH 2,5. Diâmetro, espessura da zona pelúcida e altura das células foliculares foram determinados em 50 ovócitos vitelogênicos de cada espécie com auxílio de ocular micrométrica acoplada a microscópio de luz. Para comparar, entre as espécies analisadas, as medidas histométricas e o IGS, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis seguido pelo teste de Dunn com p ≤ 0,05. 16 Figura 1: Fotos das espécies de peixes Anostomidae estudadas – A. Leporinus reinhardti (comprimento total = 22,5 cm). B. Leporinus piau (22,7 cm). C. Leporinus obtusidens (33,3 cm). D. Leporinus taeniatus (19,5 cm). E. Leporellus vittatus (16,0 cm). F. Schizodon knerii (28,5 cm). Resultados Dados da biometria mostraram que a maior espécie analisada foi o Leporinus piau tanto em comprimento total, quanto peso corporal, enquanto os menores foram o Leporinus taeniatus e Leporelus vittatus (Tabela 1). Ovários de Leporinus, Leporellus e Schizodon analisados são órgãos pares, alongados, fusiformes, localizados dorso-lateralmente à bexiga gasosa e cavidade celômica e dorsalmente ao tubo digestivo. Ovários maduros têm coloração acinzentada, variando de tonalidade dependendo da espécie (Figs. 2A e 3A). O IGS de fêmeas maduras foi significativamente menor em S. knerii (Tabela 2). Histologicamente, ovários maduros são repletos de ovócitos vitelogênicos com diâmetro variando de 586,7 ± 26,5 até 616,6 ± 59,4 µm (Fig. 2B e Tabela 2), com ooplasma preenchido por glóbulos de vitelo esféricos acidófilos (Figs. 2C e 3B) e alvéolos corticais no ooplasma periférico (Fig. 2F e 3F). O diâmetro das vesículas dos 17 alvéolos corticais variou entre 8,8 ± 2,1 em L. vittatus e 20,3 ± 3,4 em S knerii (Tabela 2). Em todas espécies estudadas, a zona pelúcida é formada por duas camadas com espessura, nos ovócitos vitelogênicos, variando de 3,5 ± 0,6 a 11,5 ± 1,8 µm, sendo significativamente mais espessada em S. knerii (Tabela 2). As células foliculares dos Leporinus e L. vittatus são pavimentosas com altura variando 1,3 ± 0,3 a 1,6 ± 0,3 µm (Fig. 2D e Tabela 2), enquanto em S. knerii elas são prismáticas no pólo vegetativo, com altura de 61,1 ± 9,6 µm (Fig. 3C e Tabela 2) e cúbicas no pólo animal, com altura de 22,3 ± 3,2 µm (Fig. 3D). Glicoproteínas neutras foram detectadas nas células foliculares, zona pelúcida, alvéolos corticais e glóbulos de vitelo das seis espécies estudadas devido à reação positiva à técnica do PAS (Figs. 2E e 3E). Glicoconjugados ácidos carboxilados foram detectados nas células foliculares de Leporinus e L. vittatus (Fig. 2F) e nos alvéolos corticais de todas as espécies estudadas devido à reação positiva ao AB pH 2,5 (Fig. 2F e 3F), negativa ao AB pH 0,5 e reação inalterada ao PAS e AB pH 2,5 após hidrólise ácida. Tabela 1: Biometria de seis espécies de Anostomidae da bacia do rio São Francisco, Minas Gerais, Brasil. CT (cm) PC (g) Espécies macho fêmea macho L reinhardti 18,7 ± 2,2 23,4 ± 2,5 87,3 ± 33,5 L. piau 21,4 ± 2.9 24,0 ± 3,3 L. obtusidens 32,2 ± 10,7 L. taeniatus fêmea N macho fêmea 201,6 ± 68,9 17 38 171,5 ± 77,4 209,7 ± 75,0 11 26 40,9 ± 12,3 550,0 ± 644,7 1255,1 ± 1118,8 14 15 16,1 ± 2,0 19,9 ± 2,9 48,1 ± 23,7 112,6 ± 58,4 17 23 L. vittatus 17,3 ± 1,1 18,2 ± 3,6 56,6 ± 9,4 76,7 ± 46,7 09 13 S. knerii 26,7 ± 3,0 31,0 ± 4,6 242,7 ± 79.3 388,3 ± 141,3 12 17 CT = comprimento total; PC = peso corporal. Os testículos de Leporinus, L. vittatus e S. knerii são órgãos pares, alongados e fusiformes, localizados dorso-lateralmente à bexiga gasosa e cavidade celômica e dorsalmente ao tubo digestivo. Os testículos maduros têm coloração branco-leitosa (Fig. 4A) e o IGS foi signficativamente mais baixo em L. vittatus do que nas outras espécies estudadas (Tabela 2). Histologicamente os testículos são constituídos por túbulos seminíferos contendo cistos de células espermatogênicas (Fig. 4B). A parede dos cistos é formada por prolongamentos citoplasmáticos das células de Sertoli e em cada cisto células espermatogênicas encontram-se na mesma fase de desenvolvimento (Fig. 4C). Nos testículos de Leporinus, L. vittatus e S. knerii as espermatogônias distribuem-se em toda extensão dos túbulos seminíferos, os quais se conectam formando anastomoses (Fig. 4D) que convergem para o ducto espermático. 18 Figura 2: Ovários maduros e ovócitos vitelogênicos Leporinus e L. vittatus – A. Ovários de L. obtusidens. B. Ovários maduros repletos de ovócitos vitelogênicos em L. reinhardti, HE, 60X. C. Ovócito vitelogênico de L. reinhardti, HE, 200X. D. Células foliculares pavimentosas em ovócito vitelogênico de L. vittatus, HE 840X. E. Reação positiva ao PAS em estruturas ovocitárias de L. piau, 990X. F. Reação positiva ao AB pH 2.5 nos alvéolos corticais e células foliculares de L. piau, 1000X. FC, Células foliculares; ZP, Zona pelúcida; CA, Alvéolos corticais; YG, Glóbulos de vitelo; seta, micrópila. 19 Figura 3: Ovários maduros e ovócitos vitelogênicos de S. knerii. – A. Ovários maduros. B. Ovócito vitelogênico, HE, 170X. C. Detalhe de células foliculares primáticas no pólo vegetativo, HE, 410X. D. Transição entre células foliculares cúbicas no pólo animal e células foliculares prismáticas no pólo vegetativo, HE, 370X. E. Reação positiva ao PAS em estruturas ovocitárias, 950X. F. Reação positiva ao AB pH 2.5 nos alvéolos corticais e ao PAS nas células foliculares, zona pelúcida e glóbulo de vitelo, 680X. FC, Células foliculares; ZP, Zona pelúcida; CA, Alvéolos corticais; YG, Glóbulos de vitelo. 20 Figura 4: Testículos maduros de peixes Anostomidae. – A. Testículos de L. piau. B. Túbulos seminíferos nos testículos de S. knerii, HE, 400X. C. Cistos de células espermatogênicas nos testículos de L. taeniatus, HE, 900X. D. Testículo tubular anastomosado de S. knerii, HE, 190X. * Anastomoses. Tabela 2: Índice gonadossomático(IGS) e diâmetro de ovócitos vitelogênicos (DO), espessura da zona pelúcida (ZP) e altura das células foliculares (CF) em micrometros (µm) de seis espécies de Anostomidae da bacia do rio São Francisco, Minas Gerais, Brasil. IGS Espécies Estrutura Macho Fêmea a, b 18,7 ± 1,9 DO a 586,9 ± 34,0 CA a 9,8 ± 2,8 ZP a 1,4 ± 0,3a L reinhardti 1,2 ± 0,2 L. piau 2,7 ± 1.5b 15,8 ± 1,7a 616,6 ± 59,4a 10,0 ± 2,4a 8,3 ± 0,7b 1,3 ± 0,3a L. obtusidens 1,1 ± 0,3a, b 18,7 ± 1,6a 586,7 ± 26,5a 10,5 ± 2,3a 8,7 ± 0,9b 1,6 ± 0,3a L. taeniatus 1,7 ± 1,6a, b 17,7 ± 1,3a 600,6 ± 24,5a 10,3 ± 2,2a 8,1 ± 1,1b 1,5 ± 0,3a L. vittatus 0,4 ± 0,1c 17,9 ± 0,5a 601,4 ± 82,4a 8,8 ± 2,1a 9,0 ± 0,8b 1,3 ± 0,4a S. knerii 1,0 ± 0,7a 12,7 ± 1,2b 582,8 ± 30,1a 20,3 ± 3,4b 11,5 ± 1,8c 61,1 ± 9,6b Teste de Kruskal-Wallis seguido de Teste de Dunn. Letras diferentes = p ≤ 0,05. 3,5 ± 0,6 CF a 21 Discussão Neste estudo, as fêmeas de todas as espécies são maiores que os machos, dimorfismo sexual já observado em Characiformes neotropicais (Hojo et al., 2004; Thomé et al., 2005; Alvarenga et al., 2006; Gonçalves et al., 2006; Carvalho et al., 2009; Honorato-Sampaio et al., 2009). Marcantes diferenças foram observadas nos ovócitos vitelogênicos entre as espécies analisadas, porém, semelhanças macroscópicas e microscópicas na morfologia dos ovários e testículos também foram registradas. Diferenças no diâmetro dos ovócitos vitelogênicos podem ocorrer entre famílias e populações de uma mesma espécie devido a variações na expressão gênica (Patiño & Sullivan, 2002; Kolm & Ahnesjö, 2005). Além disso, geralmente, espécies sedentárias possuem ovos grandes e adesivos, enquanto espécies migradoras possuem ovos pequenos e livres (Rizzo et al., 2002; Melo et al., 2011). Entre os Anostomidae estudados, somente S. knerii tem ovos adesivos (Rizzo et al., 2002), embora não foram observadas diferenças estatísticas no diâmetro dos ovócitos vitelogênicos de Leporinus, L. vittatus e S. knerii. A coloração dos ovócitos vitelogênicos de teleósteos é variada entre as espécies, dependendo da dieta, constituindo parâmetro importante para identificação da prole, seleção de fêmeas saudáveis e cuidado parental (Blount & Houston, 2000; Lubzens et al., 2010). Os ovócitos vitelogênicos das espécies analisadas são acinzentados, padrão de coloração característico das espécies das famílias Anostomidae e Prochilodontidae (Borçato et al., 2004; Arantes et al., 2011). A morfologia dos alvéolos corticais constitui importante parâmetro em agrupamento de peixes (Belova, 2008). No presente estudo, observou-se alvéolos corticais formados de vesículas grandes em S. knerii e de vesículas pequenas em Leporinus e L. vittatus. Em teleósteos, o conteúdo dos alvéolos corticais é liberado no espaço perivitelínico no momento da fertilização, constituindo bloqueio à polispermia participando também do endurecimento do córion (Hart, 1990). No presente estudo, detectou-se nos alvéolos corticais de Leporinus, L. vittatus e S. knerii, glicoproteínas neutras e glicoconjugados ácidos carboxilados, sugerindo que estas espécies podem possuir mecanismo similar de bloqueio à polispermia. Esta afirmação é corroborada pelas análises de Bazzoli & Godinho (1994) que estudaram a morfologia e o conteúdo dos alvéolos corticais de 102 espécies de teleósteos neotropicais de água doce e concluíram que espécies de mesma família apresentam o mesmo conteúdo histoquímico dos alvéolos corticais e similar mecanismo de bloqueio à polispermia. A zona pelúcida dos ovócitos vitelogênicos das espécies estudadas têm duas camadas de glicoproteínas neutras, conteúdo comum à zona pelúcida de vertebrados (Lubzens et al., 2010). Em teleósteos, a camada externa da zona pelúcida é responsável pelas interações entre 22 o ovo e o ambiente (Rizzo et al., 2002). As glicoproteínas neutras da zona pelúcida dos peixes possuem propriedades bactericidas e são responsáveis pelo enrijecimento da camada externa após a liberação do ovócito no ambiente (Hart, 1990; Lubzens et al., 2010). A espessura da zona pelúcida também está relacionada ao local de desova e pode refletir adaptações a diferentes condições ecológicas (Riehl, 1996; Santos et al., 2006). Espécies com ovos adesivos tendem a possuir IGS mais baixo e zona pelúcida mais espessa em relação às espécies com ovos livres (Sato et al., 2003; Melo et al., 2011). No presente estudo, S. knerii, cujos ovos são adesivos (Rizzo et al., 2002), apresentou estatisticamente IGS mais baixo e zona pelúcida mais espessa que os Leporinus, cujos ovos são livres (Rizzo et al., 2002). Pelo fato de L. vittatus possuir IGS e espessura da zona pelúcida dos ovócitos vitelogênicos estatisticamente similar a L. piau, L. obtusidens e L. taeniatus sugere-se que a espécie também deve possuir ovos livres. As células foliculares dos ovócitos vitelogênicos de S. knerii mostraram-se estatisticamente mais altas que aquelas de Leporinus e L. vittatus, provavelmente devido a adesividade de seus ovos. Esta suposição é reforçada por estudos ultraestruturais que mostraram nas espécies cujos ovos são adesivos, células foliculares com grande quantidade de organelas que sintetizam mucosubstâncias que são transferidas para a zona pelúcida para promover a adesividade dos ovos ao substrato (Andrade et al., 2001; Rizzo et al., 2002; Santos et al., 2006). Nos ovócitos vitelogênicos de S. knerii observaram-se células foliculares cúbicas no pólo animal e prismáticas no pólo vegetativo, similar ao observado em alguns Cichlidae (Normando et al., 2009; Martins et al., 2011). As células cúbicas sintetizam proteínas que são importantes para o funcionamento da região micropilar enquanto as células prismáticas estão envolvidas na secreção de substâncias relacionadas com a adesividade dos ovos (Rizzo et al., 2002). A morfologia dos testículos das seis espécies analisadas mostrou padrão similar ao da maioria dos Characiformes neotropicais (Gonçalves et al., 2006; Carvalho et al., 2009; Martins et al., 2010; Arantes et al., 2011; Martins et al., 2011). Os Anostomidae estudados apresentaram espermatogônias distribuídas ao longo de todo testículo, sendo classificados, de acordo com Grier (1981), como testículos espermatogonias irrestritos, organização testicular que permite a produção potencial de células germinativas (Schulz & Miura, 2002). Nas espécies estudadas, os túbulos seminíferos se conectaram caracterizando testículos do tipo tubular anastomosado, plesiomorfia morfológica apresentada pelos peixes ósseos (Parenti & Grier, 2004). Neste tipo de testículo, os túbulos seminíferos se anastomosam em toda extensão gonadal, diferente dos neoteleósteos que possuem anastomoses apenas nos túbulos seminíferos localizados na região central dos testículos (Parenti & Grier, 2004). 23 O presente estudo mostrou diferenças fenotípicas nos ovócitos vitelogênicos de peixes Anostomidae que confirmam a posição taxonômica de S. knerii em relação aos Leporinus e L. vittatus. A morfologia gonadal das espécies analisadas mostrou ainda algumas semelhanças fenotípicas que são características da família Anostomidae. Agradecimentos Os autores agradecem a CEMIG-GT/ CODEVASF pela parceria e ao CNPq, CAPES e FAPEMIG pelo suporte financeiro. REFERÊNCIAS Alverenga, E .R., Bazzoli, N., Santos, G. B. & Rizzo, E. 2006. Reproductive biology and feeding of Curimatella lepidura (Eigenmann & Eigenmann) (Pisces, Curimatidae) in Juramento Reservoir, Minas Gerais, Brazil. – Revista Brasileira de Zoologia 23(2): 314-322. Alves, C. B. M. & Pompeu, P. 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