As imagens do negro no livro didático de história – MARTINS, Eduardo; SILVA, H. F.P. da
AS IMAGENS DO NEGRO NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
SILVA, H. F. P. da (G/finan)
MARTINS, Eduardo (D/FINAN)
Resumo
Para dar suporte científico a esta pesquisa examina-se um total de seis livros didáticos a fim de
problematizar a maneira como este material, quase que único para o professor de história, principalmente
da rede pública estadual, aborda a questão do povo negro enquanto indivíduos na história do Brasil. No livro
didático percebe-se nitidamente que a humanidade e a cidadania são representadas apenas pelo homem
branco e de classe alta. Considerando que o livro didático é um material amplamente utilizado pelos
professores de História, sobretudo na rede pública estadual, este material constitui, não obstante, uma das
únicas fontes de leitura para alunos e professores.
Introdução
Nesta pesquisa averiguou-se a latente omissão das experiências de vida do povo negro
enquanto categoria social formadora da nação brasileira, este aparece sempre na dualidade
escravidão/mão de obra livre. É bem nítido o escamoteamento dessa parcela da população, bem
como a simplificação ou a redução da sua contribuição cultural. Nota-se que a presença do negro
nos livros didáticos é retratada de maneira caricatural.
Ao veicular o negro de maneira estereotipada, o livro didático contribui pra difundir uma
representação negativa desse povo em contraposição à imagem do branco, sempre salutar.
Percebe-se, nas entrelinhas dos discursos, a ideologia do branqueamento que marcou a história
da elite brasileira.
Outro apontamento diz respeito ao pouco destaque dado à participação do povo negro na
construção da nação brasileira, senão, enquanto escravo.
VOCÊ SABE POR QUE O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NÃO FAZ MENÇÃO À
HISTÓRIA DA ÁFRICA?
E POR QUE A HISTÓRIA EUROPÉIA É TÃO DETALHADAMENTE ESMIUÇADA NESTE
MATERIAL?
O elemento básico para Introdução à História Africana não está na história africana e sim
na desconstrução e eliminação de alguns elementos básicos das ideologias racistas brasileiras.
O cotidiano brasileiro é povoado de símbolos de negros selvagens e escravos
amarrados, que processam e administram o escravismo mental e realizam a tarefa de feitores
invisíveis a chicotear a menor rebeldia, o imaginar diferente.
DESCONSTRUÇÃO DE MITOS:
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1)A África não é uma selva tropical;
2)A África não é mais distante que os outros continentes;
3)As populações Africanas não são isoladas e perdidas na selva;
4)O europeu não chegou um dia na África trazendo civilização;
5)A África tem história e também tinha escrita.
Uma falácia comum, que soa como verdade absoluta, é a afirmação de que os próprios
negros se discriminam e têm vergonha de sua cor.
Realizou-se uma pesquisa em seis livros didáticos procurando problematizar a maneira
como este material, quase que único, para o professor de história, principalmente da rede pública
estadual, aborda a questão do povo negro enquanto agentes na história do Brasil.
ANÁLISE DE IMAGENS DOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
EXTRAÍDO DE: VESENTINI, J William. Aprendendo sempre. História 5º ano. São Paulo: Ática, 2008.
NOTE AQUI A
FIGURA DE
UM POLICIAL
(ESTADO)
VIGIANDO O
NEGRO QUE É
TORTURADO
Observe atentamente a humilhação a que o negro é submetido ao ser torturado em público. Note
que existe no canto superior direito da tela um policial, representando o Estado brasileiro, apenas
observando a cena em que um capataz executa atos violentos contra outra pessoa. O fato do
despimento do negro que está sendo vítima da violência de um homem branco faz parte do
processo violento, não físico, mas neste caso também moral. O capataz, branco, procura ferir o
homem negro em todas as suas instancias, física e moralmente. Tal ato, ainda é praticado em
público para servir como coibimento para outros negros que a toda hora se rebelavam contra tal
sistema desumano. Outro mecanismo é a tentativa de se jogar um negro contra o outro ao obrigálo a fazer parte do mecanismo de tortura. A função do negro que segura a corda é muito mais
simbólica do que física, uma vez que a vítima encontra-se amarrada e sob vigilância de policial.
IMAGEN EXTRAÍDA DE: CÁCERES, FLORIVAL. História do Brasil. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1993.
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Esta imagem é referente a um mercado de negros. Temos homens brancos e homens negros. Os
brancos estão bem vestidos, calçando botas, camisas de manga longa, dois dos três homens
brancos usam também chapéus. Um deles examina o rosto de um indivíduo negro, enquanto
outro, bem próximo, parece fazer a oferta daquilo que ele considerava ser sua mercadoria.
Acompanhando a cena, outro homem branco apenas observa absorto o que se passa entre o
vendedor e o comprador. Existe no ambiente, um galpão, apenas uma mesa e uma cadeira, que
servem de mobília para o vendedor. Aos negros é reservado o chão, aliás, a imagem inferior, à
direita, mostra um negro sentado, em uma posição como que se estivesse levantando, sua
aparência é de um homem extremamente magro, a imagem mostra que devia estar debilitado.
Chama-nos a atenção para a imagem do homem negro em pé, à direita e no centro da imagem,
sua expressão facial é pouco humana, mais lembrando a de um símio; mandíbula larga e caixa
craniana pequena em proporção a dos homens brancos. Os homens negros que se encontram
agachados estão seminus e em posição de submissão total.
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IMAGEM EXTRAÍDA DE: SILVA, Francisco de Assis. História. São Paulo: Moderna, 1992.
Outro tipo de vexação à qual o aluno negro é exposto ao deparar com seus antepassados sendo
humilhados de forma bárbara. Nesta imagem específica o agressor é outro indivíduo negro, dessa
maneira puni-se dois negros ao mesmo tempo. Note-se que o agressor está acorrentado,
denotando que seria um animal selvagem pronto para fugir ou atacar alguém. Pergunta-se como
uma criança negra que vê essa imagem pode se sentir orgulhosa de si mesma ou do seu passado
histórico?
VESENTINI, J William. Aprendendo sempre. História 4º ano. São Paulo: Ática, 2008.
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Aqui temos uma imagem que é comum em todos os livros pesquisados e nas demais obras
consultadas. Trata-se da imagem de negros executando trabalho de corte da cana-de-açúcar.
Estão sob a vigilância de um feitor que, montado a cavalo, segura em sua mão um chicote como
forma de coerção aos trabalhadores, à frente da imagem um homem negro segura uma lança
para reforçar a tônica da violência exercida aos demais colegas. Qual a simbologia que essa
violência retratada transmite para a criança negra e para a criança branca?
IMAGEM EXTRAÍDA DE: PETTA, Nicolina Luiza de. História: uma abordagem: volume único 1. ed. São
Paulo: Moderna, 2005.
Pintura clássica de Johann Moritz Rugendas. É reproduzida em boa parte dos livros didáticos de
história. Retrata homens e mulheres negros trabalhando sob o atento olhar da nobreza branca
que, num plano superior da pintura, os observa. Aparentemente ingênua, apesar de ser clássica,
em nada contribui para a afirmação da criança ou do adolescente negro na sala de aula.
IMAGEM EXTRAÍDA DE: SILVA, Francisco de Assis. História. São Paulo: Moderna, 1992.
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Esta imagem retrata os negros sendo capturados, ainda lá na África, nota-se que a captura é
realizada pelos próprios africanos negros. Os dois homens, à frente da imagem, armados com
espingarda, conversam enquanto um grupo de homens, mulheres e crianças estão amarrados ou
presos por paus atados aos seus pescoços. Tal imagem contribui na justificativa racista de que
eram os próprios negros que se escravizavam lá na África. Porém, tal fato deve ser
problematizado à luz de que a escravidão é inerente às sociedades e aos impérios desde a
antiguidade, incluindo o Egito, que teria escravizado o povo hebreu. Também os gregos eram
escravistas, bem como os romanos, considerados os maiores escravistas da história antiga; tais
escravidões eram por dívida ou por espólio de guerra. Modernamente, devido a Bula papal
Romanus Pontifex emitida pelo Papa Nicolau V, no ano de 1455, a escravidão africana foi
legitimada. Tratava-se, por parte da Igreja Católica Apostólica Romana, de conceder ao Rei D.
Afonso de Portugal o direito de explorar mão-de-obra escrava na África.
A violência é tônica geral que marca as imagens reproduzidas nos livros didáticos de
história. Quando a imagem não retrata o negro sofrendo violência física, mostra-o de maneira
aviltante, vulgar, desengonçado, caricatural, seminu e, quase sempre, trabalhando duramente sob
a vigilância de um capataz armado.
A simbologia dessa violência exacerbada, reproduzida pelos livros didáticos nos dá a
dimensão do que a pesquisadora Hebe Mattos chamou de “onda negra, medo branco”. De acordo
com ela, o medo que os homens brancos tinham dos homens negros era muito intenso, e a
violência brutal e insistente era uma das formas que eles utilizavam para tentar intimidar os
homens negros que, naquele período, eram a maioria da população.
A primeira constatação que se faz desse excesso de violência, difundido pelo livro
didático, refere-se ao fato de o historiador querer denunciar que essa prática foi a tônica que
marcou o processo de exploração da mão-de-obra do homem negro por parte do homem branco.
Outra constatação que o livro didático revela é a de que a relação entre os brancos e os negros
era intensamente violenta.
Entretanto, o que não se pode aceitar é uma visão simplista e reducionista da experiência
e da participação do homem negro na formação da nação brasileira.
Outra constatação que se faz emergente é a de que, embora violenta essa relação, os
homens negros conseguiram impor sua cultura, religião, gastronomia, costumes, lendas,
brincadeiras, entre tantas outras formas de vida existentes lá na África. Hoje sabemos que tais
experiências sobreviveram, apesar da brutal violência cotidiana.
PROBLEMATIZAÇÃO DAS IMAGENS
O livro didático, de modo geral, omite ou escamoteia a riqueza do processo histórico e
cultural, bem como a participação do povo negro da vida social brasileira.
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Em relação ao grupo afro-descendente nada é mencionado em nenhum dos livros
pesquisados, levando-nos à conclusão de que este material em nada contribui para a auto-estima
da criança negra.
Aquilo que o sociólogo Darcy Ribeiro chamou de povo brasileiro e que seria composto
pela contribuição das três matrizes étnicas formadoras da nação brasileira não foi incorporado nos
livros didáticos de história, uma vez que o componente negro aparece somente como ator
coadjuvante, ou seja, como mão-de-obra escrava.
Efetivação da lei n. 10.639/03
No Documento Oficial Brasileiro para a III Conferência Mundial contra o Racismo –
Durbai/2001) é reconhecida a responsabilidade histórica do Estado brasileiro “pelo escravismo e
pela marginalização econômica e política dos descendentes de africanos”.
CONCLUSÃO
Problematizou-se, então, o fato de que os livros didáticos escolheram, quase que
exclusivamente, imagens negativas e depreciativas do homem negro que viveu no Brasil desde a
colonização, e que tais imagens ainda hoje, século XXI, contribuem negativamente para a
formação de crianças e adolescentes negros, os quais, vendo tais ilustrações, não conseguem se
identificar com seus antepassados, e ainda, em relação às crianças e adolescentes brancos, tais
imagens reforçam ou criam indivíduos racistas, que utilizam os desenhos depreciativos e
humilhantes dos livros didáticos para menosprezar e humilhar seus coleguinhas negros.
A exibição dessa violência nítida, constante e repetitiva ao ponto da exaustão, tem uma
função ideológica, que é a de mostrar para as crianças e adolescentes, educandos, o que o
homem branco é capaz de fazer com o homem negro para que esse se mantenha subserviente,
calado e, por fim, na condição de escravo.
Ainda em tempos hodiernos essas imagens cumprem a função originária de sempre
lembrar aos negros que foram exclusivamente escravos, trazidos (arrancados) da sua terra pelos
brancos para serem escravos. Nesse contexto, o livro didático não colabora para minimizar a
inclusão do negro na sociedade, pelo contrário, continua sempre a lembrá-lo de que existe um
lugar reservado para ele nos porões da sociedade, e que a violência é utilizada constantemente.
A inexistência de outro tipo de imagem que cumpra uma função de afirmação, de orgulho,
ou de pertencimento, é categoricamente inexistente nos livros didáticos de história que
analisamos e nos demais consultados.
No livro didático percebe-se, nitidamente, que a humanidade e a cidadania são
representadas pelo homem branco e de classe alta.
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Não se trata, nessa pesquisa, de um negacionismo histórico, mas sim da alteração do
ponto de vista negativo para o ponto de vista positivo acerca do povo negro.
Nesta pesquisa foi latente a omissão das experiências de vida do povo negro enquanto
categoria social formadora da nação brasileira, onde
aparece sempre na dualidade trabalho
escravo versus trabalho livre.
Ao veicular o negro de maneira estereotipada, o livro didático contribui para difundir uma
representação negativa desse povo em contraposição à imagem do branco, sempre salutar.
Criticar o material didático é fácil, no entanto, alterá-lo é uma questão crucial que precisa
ser melhor trabalhada nos contatos com professores. Isto significa que é possível aproveitar-se de
um bom texto, como “o povo brasileiro” de Darcy Ribeiro, desde que o professor tenha uma visão
ampla sobre o processo de leitura e, principalmente, sobre a formação do leitor, que
necessariamente deve estar ligada às noções de cidadão e eleitor.
PROPOSTA
Alteração imediata da maneira como o povo negro tem sua história transmitida pelo livro
didático.
SUGESTÕES METODOLÓGICAS
PROBLEMATIZAÇÃO DAS IMAGENS DEPRECIATIVAS DOS HOMENS E MULHES NEGRAS E
POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DESTAS.
PROBLEMATIZAÇÃO DOS TEXTOS SIMPLISTAS ACERCA DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO
REDUCIONISMO SOBRE O RAPTO DO POVO AFRICANO DE SUA TERRA;
INSERÇÃO DA PROBLEMATIZAÇÃO SOBRE A OPÇÃO DE ESCRAVIZAÇÃO DO POVO
NEGRO AFRICANO.
FONTES ALTERNATIVAS DE IMAGENS E TEXTOS QUE AFIRMEM A HISTÓRIA DO POVO
AFRICANO EM TODA A SUA DIMENSÃO POSITIVA E EM CONDIÇÕES DE IGUALDADE COM
A HISTÓRIA EUROPÉIA.
INSERÇÃO DA NOÇÃO DE POVO BRASILEIRO DESENVOLVIDA PELO SOCIÓLOGO DARCY
RIBEIRO, BEM COMO, TEXTOS DA SUA OBRA “O POVO BRASILEIRO”.
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ANEXO IV
OBRAS ANALISADAS:
VESENTINI, J William. Aprendendo sempre. História 5º ano. São Paulo: Ática, 2008.
VESENTINI, J William. Aprendendo sempre. História 5º ano. São Paulo: Ática, 2008 .
CÁCERES, Florival. História do Brasil. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 1993.
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MOTA, Myriam Brecho. História: das cavernas ao terceiro milênio. 1. São Paulo: Moderna, 1997.
SILVA, Francisco de Assis. História. São Paulo: Moderna, 1992.
PETTA, Nicolina Luiza de. História: uma abordagem: volume único 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2005.
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Recebido em: agosto de 2011
Aprovado em: outubro de 2011
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