CLÁUSULAS COM NOÇÃO DE MODO EM PORTUGUÊS: UM ESTUDO FUNCIONALISTA Anderson Godinho Silva UFRJ / 2011 1 CLÁUSULAS COM NOÇÃO DE MODO EM PORTUGUÊS: UM ESTUDO FUNCIONALISTA por Anderson Godinho Silva Departamento de Letras Vernáculas Tese submetida ao Programa de Pós - Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como parte dos requisitos para obtenção título do de Doutor em Língua Portuguesa. Orientadora: Professora Dr.ª Violeta Virginia Rodrigues. Rio de Janeiro, 1° semestre de 2011 2 S586c Silva, Anderson Godinho Cláusulas com noção de modo em português: um estudo funcionalista/Anderson Godinho Silva.— Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. 208 f.: il. tabs., grafs. color; 30 cm. Orientadora: Violeta Virginia Rodrigues. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Departamento de Letras Vernáculas, 2011 Bibliografia: f. 197-208. 1. Língua portuguesa - Orações. 2. Língua portuguesa Sintaxe. 3. Língua portuguesa - Cláusulas. 4. Funcionalismo (Linguística). 5. Língua portuguesa - Verbos. 6. Língua portuguesa – Estudo e ensino. I . Rodrigues, Violeta Virginia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. III. Título. CDD469.5 3 BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª VIOLETA VIRGINIA RODRIGUES – Orientadora _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª NILZA BARROZO DIAS – Estudos de Linguagem / UFF _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª VICTORIA WILSON – Linguística – UERJ _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª MARIA LUIZA BRAGA – Linguística / UFRJ _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª MÔNICA MARIA RIO NOBRE – Letras Vernáculas / UFRJ _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª MARIA DO ROSARIO DA SILVA ROXO – UFRRJ – Suplente _____________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª MARIÂNGELA RIOS DE OLIVEIRA – Estudos de Linguagem / UFF – Suplente 4 SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa, 208 p. RESUMO Apresenta-se, nesta tese, uma descrição das cláusulas passíveis de manifestar relação de modo. Tal descrição justifica-se pelo fato de não haver ainda um estudo detalhado e sistemático que dê conta das possíveis estruturas oracionais no Português que expressam esta circunstância. Além disso, considera-se que o tema desta pesquisa é relevante, porque, muitas vezes, a interpretação de algumas cláusulas modais torna-se dificultosa por estas apresentarem não só uma relação sintática com outras cláusulas como também uma relação lógico-semântica. Parte-se, portanto, do pressuposto de que, considerando tanto o nível sintático como o semântico, a interpretação de uma cláusula torne-se mais coerente. Os pressupostos teóricos utilizados foram os do Funcionalismo por se levar em consideração, entre outros aspectos, textos que representam o real uso da língua. Os autores consultados foram Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993) e Halliday (2004), só para citar alguns. A fim de se comprovar a hipótese principal de que o conteúdo semântico de modo em Português pode ser expresso por cláusulas que envolvem diferentes processos sintáticos, permitindo que se estabeleça um continuum destas estruturas e de se detectar i) por quais processos as cláusulas modais podem se combinar com outras – parataxe, correlação, hipotaxe e encaixamento; ii) níveis de integração semântico-pragmática que as cláusulas modais apresentam e iii) a relação existente entre graus de encaixamento e integração semântico-pragmática, utilizaram-se dois corpora: VARPORT e D&G. O primeiro é constituído por anúncios, editoriais, notícias e entrevistas do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentador) referentes aos séculos XIX e XX do Português Brasileiro e do Europeu, e o segundo apresenta amostras de língua falada e escrita coletadas a partir de informantes das cidades do Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz de Fora e Niterói. Para este trabalho, os dados foram contabilizados manualmente, visto que o intuito principal é realizar uma análise qualitativa dos corpora. O continuum alcançado com a análise dos dados indica que as cláusulas encaixadas são menos integradas semântico-pragmaticamente, seguidas das cláusulas hipotáticas, correlatas e paratáticas, que são as mais integradas e possuem outros três matizes, além do de modo: exemplificação, adição e negação. No corpus VARPORT, foram encontradas 484 cláusulas modais e, no corpus D&G, 79, totalizando 563 dados. Esta investigação permitiu concluir que as cláusulas com noção de modo em Português possuem um comportamento heterogêneo dos pontos de vista sintático e semântico. 5 SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa, 208 p. ABSTRACT This thesis presents a description of clauses capable of expressing the circumstance of manner. Such description is justified by the fact that there is not a detailed and systematic study which covers possible clauses expressing this idea in Portuguese yet. Besides, the topic of this research is considered relevant because, many times, the interpretation of some manner clauses becomes difficult since they establish not only a syntactic relation but also a logic-semantic relation with other clauses. It leads to the belief that, if both syntactic and semantic levels are considered, the interpretation of a clause becomes more coherent. The theoretical assumptions were from the Functionalism since this study takes, inter alia, texts which represent the real use of language into consideration. The authors consulted were Lehmann (1985), Hopper & Traugott (1993) and Halliday (2004), to name but a few. To confirm the main hypothesis that the semantic content of manner can be expressed by clauses which involve different syntactic processes, permitting to establish a continuum of these structures, and to detect i) the processes which manner clauses involve when they combine with other clauses – parataxis, correlation, hypotaxis and embedding; ii) degrees of semantic-pragmatic integration which the manner clauses present and iii) the relationship between degrees of embedding and semantic-pragmatic integration, two corpora were used: VARPORT and D&G. The first consists of advertisements, news, editorials and DID interviews (Dialogue between Informant and Documenter) from the 19 th and the 20th centuries referred to Brazilian Portuguese and European Portuguese and the second presents written language and spoken language samples used by informants from the following cities: Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz de Fora e Niterói. In this paper, the data were manually counted because the main purpose is to accomplish a qualitative analysis of the corpora. The continuum achieved by the data analysis shows that the embedded clauses are less integrated semantic-pragmatically, followed by the hypotactic clauses, the correlated and the paratactic ones, which are the most integrated and convey three circumstances, beside the idea of manner: exemplification, addiction and negation. In VARPORT corpus, 484 manner clauses were found and, in D&G corpus, 79. So the total number of manner clauses found is 563. This investigation enabled to conclude that the manner clauses in Portuguese have a heterogeneous behavior from the syntactic and the semantic points of view. 6 SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa, 208 p. ABRÉGÉ Il est présenté dans cette thèse, une description des termes susceptibles de mode de relation manifeste. Une telle description est justifiée par le fait qu'il ya encore une étude systématique et détaillée qui prend en compte les structures possibles dans le Oracion portugaise exprimer cette condition. En outre, il est considéré que le thème de cette recherche est importante parce que souvent l'interprétation de certaines clauses modale devient entravée par ces présentes non seulement une relation syntaxique avec d'autres clauses, ainsi que d'une relation logique-sémantique. Partie, par conséquent, l'hypothèse que, compte tenu à la fois au niveau sémantique et syntaxique, l'interprétation d'une clause devient plus cohérent. Les hypothèses théoriques ont été utilisés le fonctionnalisme en tenant compte, entre autres, des textes qui représentent l'utilisation réelle des langues. Afin de prouver l'hypothèse principale que le contenu sémantique pour en portugais peut être exprimée en des termes qui impliquent des processus syntaxiques différents, ce qui leur permet d'établir un continuum de ces structures et de détecter i) les processus par lesquels des clauses peuvent être modal combiner avec d'autres - la parataxe, la corrélation et hypotaxe enrobage ii) les niveaux de clauses d'insertion sémantique-pragmatique ont modal et iii) la relation entre les degrés de l'intégration et l'incorporation sémantique-pragmatique, nous avons utilisé deux corpus: VARPORT et D&G. Le premier se compose de publicités, les éditoriaux, des nouvelles et des entrevues de type (DID dialogue entre les informateurs et Documentation) en ce qui concerne le XIXe et XXe siècles d'Europe et le portugais brésilien et la deuxième série d'échantillons caractéristiques de la langue parlée et écrite recueillies auprès des informateurs villes de Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz de Fora et Niterói. Pour cette étude, les données ont été enregistrées manuellement, puisque le but principal est de mener une analyse qualitative du corpus. Le continuum conclu avec l'analyse des données indique que les clauses intégrées sont moins intégrés sémantique-pragmatique, suivie par des clauses hypotaxiques, et paratactique connexes, qui sont les plus intégrés et disposent de trois autres nuances, ainsi que oui: l'instanciation, l'addition et la négation. En corpus VARPORT, 484 ont été trouvés et les clauses modal dans le corpus D&G, 79, total de 563 données. Cette enquête a conclu que les clauses d'un sens de l'ordre en portugais ont une tendance mixte du point de vue syntaxique et sémantique. 7 In absentia Ao professor Doutor Mário Eduardo Martelotta, por toda contribuição à pesquisa linguística, principalmente, funcionalista. In praesentia A Sheila Maria Godinho Silva, minha mãe, pelo apoio e carinho prestados; Olavo Clemente Silva, meu pai, pela oportunidade dada para a conclusão dos meus estudos; Alexandre Godinho Silva, meu irmão, pelas ajudas nos momentos necessários; E Sonia Godinho Silva, minha tia, pela ajuda, junto aos meus pais, em me tornar quem eu sou hoje. 8 AGRADEÇO, Em primeiro lugar a Deus, por ter me acompanhado durante toda essa jornada, nos momentos tranquilos e nos momentos mais difíceis. À Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues, pela imensa capacidade de ensinar, pela paciência incrível para suportar meus eventuais deslizes e pelos ―puxões de orelha‖ nas horas certas. À Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos, pela contribuição nos estudos acerca dos gêneros textuais. À Professora Doutora Regina Gomes, pelos ensinamentos a respeito de semântica e semiótica, e pelo auxílio no desenvolvimento desta pesquisa, participando do meu exame de qualificação. À Professora Doutora Maria Luiza Braga, por apontar possíveis falhas durante o exame de qualificação, o que permitiu que a pesquisa fosse pelo caminho certo. À Professora Doutora Célia Regina Lopes, por ajudar na compreensão de conceitos como ―tradição discursiva‖ e outros ligados à história da língua. À Professora Doutora Vera Paredes, por me apresentar conceitos como ―mudança de referência‖ e ―integração entre cláusulas‖, que foram fundamentais para este trabalho. À Professora Doutora Mônica Maria Rio Nobre, pelo auxílio no seminário sobre articulação de cláusulas, etapa importante no desenvolvimento do grupo de pesquisa. 9 AGRADEÇO AINDA, Aos meus amigos do grupo de pesquisa, pela amizade e pelos momentos de descontração: Evelyn, Felippe, Gustavo, Heloise, Ivo, Larissa, Marcela, Maria de Lourdes, Nathalia, Patrick, Thaís e Vanessa. À CAPES, pela concessão da bolsa de Doutorado, auxílio que permitiu a realização desta pesquisa. 10 SINOPSE Análise e descrição das cláusulas com noção de modo em Língua Portuguesa com base em dados de Língua Falada e Escrita. Proposta de análise, de caracterização das cláusulas modais e de um continuum destas estruturas. SILVA, Anderson Godinho. Cláusulas com noção de modo em português: um estudo funcionalista. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2011. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa, 208 p., mimeo. 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 18 1. PROCESSOS SINTÁTICOS: ABORDAGEM TRADICIONAL ............................ 24 1.1. Orações subordinadas substantivas ..................................................................... 24 1.2. Orações subordinadas adjetivas ........................................................................... 27 1.3. Orações subordinadas adverbiais ......................................................................... 29 1.4. Orações correlatas ................................................................................................ 34 1.4.1. Correlação nas orações subordinadas adverbiais ........................................ 34 1.4.2. Correlação nas orações coordenadas .......................................................... 38 1.5. Orações coordenadas ........................................................................................... 40 2. PROCESSOS SINTÁTICOS: OUTRAS ABORDAGENS ...................................... 41 2.1. Orações subordinadas substantivas ..................................................................... 41 2.2. Orações subordinadas adjetivas ........................................................................... 43 2.3. Orações subordinadas adverbiais ......................................................................... 45 2.4. Orações correlatas ................................................................................................ 53 2.5. Orações coordenadas ........................................................................................... 62 3. INTEGRAÇÃO ENTRE CLÁUSULAS ................................................................... 63 3.1. Abordagem de Lehmann (1985) .......................................................................... 63 3.2. Abordagem de Hopper e Traugott (1993) ............................................................66 3.3. Abordagem de Halliday (2004) ........................................................................... 68 3.4. Abordagem de Gonçalves et alii (2007) .............................................................. 75 3.5. Mudança de referência ......................................................................................... 77 4. TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO ......................................................................... 80 5. ORAÇÕES MODAIS: BREVE APRESENTAÇÃO ................................................ 82 6. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS CORPORA .................................................... 96 6.1. Descrição dos corpora ......................................................................................... 96 6.2. Análise de dados no corpus VARPORT............................................................. 98 6.2.1. Abordagem sintática das cláusulas com noção de modo .......................... 100 6.2.1.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva ............................. 103 6.2.1.2. Cláusulas encaixadas com função adjetiva ................................... 112 6.2.1.3. Cláusulas hipotáticas .................................................................... 117 6.2.1.3.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas .................................. 117 12 6.2.1.3.2. Cláusulas hipotáticas finitas ......................................... 126 6.2.1.4. Cláusulas correlatas ....................................................................... 137 6.2.1.5. Cláusulas paratáticas ...................................................................... 141 6.2.1.5.1. Cláusulas paratáticas não-finitas ................................... 142 6.2.1.5.2. Cláusulas paratáticas finitas ........................................... 147 6.2.2. Abordagem semântica das cláusulas com noção de modo ....................... 156 6.2.2.1. Cláusulas encaixadas ................................................................... 157 6.2.2.2. Cláusulas hipotáticas ................................................................... 158 6.2.2.3. Cláusulas correlatas ..................................................................... 161 6.2.2.4. Cláusulas paratáticas .................................................................... 163 6.3. Análise de dados no corpus D&G ..................................................................... 167 6.3.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva ........................................ 167 6.3.2. Cláusulas hipotáticas ............................................................................... 171 6.3.2.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas ................................................ 171 6.3.2.2. Cláusulas hipotáticas finitas ....................................................... 174 6.3.3. Cláusulas paratáticas ................................................................................ 178 6.4. Estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto ................................................ 182 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 189 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 197 13 ABREVIATURAS, CONVENÇÕES cap.: capítulo cf.: conferir, confrontar D&G: Corpus Discurso & Gramática DID: Diálogo entre Informante e Documentador Enc. Adj.: Cláusula encaixada com função adjetiva Enc. Subst.: Cláusula encaixada com função substantiva ex.: exemplo GT: Gramática Tradicional Hip. Fin.: Cláusula hipotática finita Hip. N. Fin.: Cláusula hipotática não-finita NGB: Nomenclatura Gramatical Brasileira Par. Fin.: Cláusula paratática finita Par. N. Fin.: Cláusula paratática não-finita PB: Português Brasileiro PE: Português Europeu s.d.: sem data VARPORT: Projeto de Variação Contrastiva do Português 14 LISTA DE QUADROS, DE ESQUEMAS E DE ORGANOGRAMAS Quadro 1: Formas de articulação das orações modais na abordagem tradicional .... 31 Quadro 2: Orações subordinadas adverbiais na forma correlata – Moura Neves (2000) e Azeredo (2008) ....................................................... 58 Quadro 3: Três tipos de relação na parataxe de elaboração ...................................... 70 Quadro 4: Três subtipos de parataxe de extensão ....................................................... 72 Quadro 5: Tipos semânticos verbais ............................................................................ 81 Quadro 6: Formas de articulação das orações modais propriamente ditas e orações fronteiriças .....................................................................................84 Quadro 7: Caracterização geral das modais ............................................................... 92 Esquema 1: Combinação de cláusulas (Hopper e Traugott, 1993) ............................. 67 Esquema 2: Propriedades relevantes para a combinação de cláusulas (Hopper e Traugott, 1993) ............................................................................................................. 68 Esquema 3: Escala de continuidade tópica (Givón, 1983) ........................................... 78 Esquema 4: Continuum das cláusulas com noção de modo em português .................. 93 Esquema 5: Continuum de integração entre cláusulas por Lehmann (1985) ............... 99 Organograma 1: Cláusulas com noção de modo em Português – abordagem sintática .......................................................................... 166 Organograma 2: Cláusulas com noção de modo em Português – abordagem semântica ........................................................................ 166 15 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Estruturas encontradas no corpus VARPORT ........................................... 100 Gráfico 2: Estruturas encontradas no corpus D&G ................................................... 100 Gráfico 3: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita ....................................................................... 104 Gráfico 4: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função adjetiva no corpus VARPORT ..................................................................... 114 Gráfico 5: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas não-finitas na língua escrita .......................................................................................... 118 Gráfico 6: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas finitas na língua escrita ........................................................................................... 127 Gráfico 7: Formas de articulação das cláusulas correlatas no corpus VARPORT .... 138 Gráfico 8: Formas de articulação das cláusulas paratáticas não-finitas na língua escrita ........................................................................................ 143 16 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Distribuição das cláusulas modais pelos gêneros textuais no corpus VARPORT ................................................................................... 102 Tabela 2: Tipos semânticos de verbo e integração semântico-pragmática nas cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita .......... 107 Tabela 3: Cláusulas encaixadas com função substantiva e sequências tipológicas em entrevistas do tipo DID ....................................................... 111 Tabela 4: Formas de articulação e manutenção de referente das cláusulas hipotáticas não-finitas no corpus VARPORT .............................................. 124 Tabela 5: Cláusulas finitas e manutenção de referente no corpus VARPORT ........... 130 Tabela 6: Cláusulas hipotáticas e gêneros textuais na língua escrita ........................ 133 Tabela 7: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua escrita .............. 134 Tabela 8: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua falada ............... 136 Tabela 9: Cláusulas paratáticas e gêneros textuais na língua escrita ........................ 153 Tabela 10: Cláusulas paratáticas e sequências tipológicas na língua escrita ............ 155 Tabela 11: Outros matizes das cláusulas hipotáticas com noção de modo ................. 159 Tabela 12: Outros matizes das cláusulas paratáticas com noção de modo ................ 164 Tabela 13: Distribuição das cláusulas modais no corpus D&G ................................. 167 Tabela 14: Tipos semânticos de verbo e cláusulas encaixadas com função substantiva no corpus D&G ...................................................................... 169 Tabela 15: Sequências tipológicas e cláusulas encaixadas com função substantiva no corpus D&G ...................................................................... 170 Tabela 16: Sequências tipológicas e cláusulas hipotáticas no corpus D&G .............. 176 17 INTRODUÇÃO A pesquisa aqui empreendida tem como motivação o estudo realizado por Silva (2007), em que se analisou a oração subordinada adverbial modal. O interesse por esse tipo de estrutura justifica-se pelo fato de a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não a incluir no âmbito da subordinação adverbial e de não haver tratamento consensual em relação a esta estrutura entre os gramáticos tradicionais. Dentre os fatores considerados por Silva (2007), destacam-se as formas de articulação das orações adverbiais modais, a posição em relação à oração principal, os gêneros textuais em que elas ocorreram mais frequentemente e as modalidades linguísticas (língua escrita e língua falada). O corpus utilizado foi o VARPORT (Variação Contrastiva do Português) e foram encontrados 264 casos de modais em 1.384 textos. Apesar da pouca frequência de uso das orações modais, Silva (2007) constatou que as orações adverbiais modais ocorreram mais frequentemente pospostas à oração principal. Em relação às formas de articulação, verificou que as modais mais recorrentes foram as reduzidas de gerúndio, seguidas das reduzidas de infinitivo encabeçadas por preposição e desenvolvidas, respectivamente. No que se refere aos gêneros textuais, observou que as modais apareceram com mais frequência em anúncios, seguidos de editoriais, notícias e entrevistas, respectivamente. Notou, ainda, que as orações estudadas ocorreram em maior quantidade nos textos de língua escrita, servindo isto para apontar que, de um modo geral, elas são empregadas em textos mais formais. Os resultados obtidos por Silva (2007) indicam que a quantidade de orações subordinadas adverbiais modais foi relativamente pequena e, de certa forma, frustrante, pois a partir da leitura de um número significativo de textos, encontraram-se poucas ocorrências dessas estruturas. A pouca frequência de uso(s) das orações modais instigou o interesse pela pesquisa de outras estruturas oracionais em língua portuguesa que pudessem manifestar a relação de modo, mesmo não sendo adverbial. Assim, a proposta de Silva (2007) de descrever as orações modais em português para ratificar a necessidade de elas serem incluídas no rol das adverbiais em oposição ao que previa a NGB pode ser estendida às várias orações, independentemente do processo sintático envolvido por elas. Portanto, os resultados alcançados por Silva (2007) possibilitaram um novo olhar sobre a relação de modo em português. O intuito agora é verificar, entre 18 os processos sintáticos de organização das orações no período composto, aqueles que seriam passíveis de estabelecer o conteúdo semântico de modo. Dessa forma, oração modal é definida aqui como toda estrutura que, podendo envolver os processos de coordenação, subordinação e correlação, expressam o conteúdo semântico de modo. Apresenta-se, assim, nesta tese, uma descrição das estruturas oracionais passíveis de manifestar a relação de modo em português. Tal análise justifica-se pelo fato de não haver ainda um estudo abarcando possíveis estruturas que expressam esta circunstância na língua portuguesa de forma tão abrangente. Além disso, muitas vezes, a interpretação de algumas orações1 torna-se dificultosa por estas apresentarem, além de uma relação sintática com outra oração, também uma relação lógico-semântica. Logo, considera-se tanto o nível sintático como o semântico para a interpretação de estruturas indicando a circunstância de modo. Assim, a hipótese que se pretende comprovar é a de que é possível estabelecer um continuum das orações modais adotando os níveis sintático e semântico. Para isso, analisam-se as diversas estruturas que exprimem a noção de modo. No nível sintático, verificam-se os diferentes graus de vinculação que as orações modais possuem com outras e, no nível semântico, observam-se os outros matizes, além do de modo, que estas orações podem veicular. A fim de detectar i) por quais processos as orações pesquisadas podem se combinar com outras – parataxe2, correlação, hipotaxe e encaixamento; ii) quais estruturas são menos integradas ou mais integradas semântico-pragmaticamente; iii) que tipos de oração modal possuem o mesmo referente (sujeito) e que tipos possuem referente (sujeito) distinto da oração com que se articulam; iv) se há uma relação entre integração entre as orações e tipos semânticos de verbo e v) se há sequências tipológicas que favorecem o uso de uma estrutura oracional específica, estabeleceram-se dois corpora. O primeiro é constituído por anúncios, editoriais, notícias e entrevistas do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentador) referentes aos séculos XIX e XX do 1 Este termo será utilizado, nesta tese, quando se fizer referência a autores que não representam uma abordagem funcionalista. 2 Há orações extraídas dos corpora reduzidas de gerúndio que permitem uma leitura modal, mas que representam sequencialidade de eventos, característica da coordenação. Apesar de esta estrutura não ser considerada por alguns autores tradicionais, nesta pesquisa, ela é analisada como parataxe com noção de modo. 19 português brasileiro e do europeu retirados do corpus VARPORT, disponível no site www.letras.ufrj.br/varport. O segundo é o corpus D&G, que apresenta amostras de língua falada e escrita coletadas a partir de informantes das cidades do Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz de Fora e Niterói. Para esta pesquisa, são analisados apenas os textos produzidos por informantes do Rio de Janeiro. Considerando-se o corpus VARPORT, encontraram-se 484 dados de orações com noção de modo em 1.384 textos e, levando-se em conta o corpus D&G, contabilizaram-se 79 dados em 350 textos. Apesar da discrepância na quantidade de textos lidos entre os corpora, é possível fazer algumas considerações e comparações no que diz respeito às orações modais. A vertente teórica que norteia a pesquisa é a funcionalista pelo fato de se considerar a língua em uso, pelos corpora serem compostos por textos reais produzidos por escritores / falantes que utilizam a língua portuguesa e por se levar em consideração a situação comunicativa: o propósito do evento de fala / escrita, os participantes envolvidos no processo de comunicação e o contexto discursivo. Dentre os trabalhos funcionalistas utilizados, destacam-se os de Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993) e Halliday (2004), só para citar alguns. Com base na descrição de usos reais da língua portuguesa, conforme já mencionado, objetiva-se comprovar a tese de que, além das orações subordinadas adverbiais modais (hipotaxe), estudadas por Silva (2007), existem outros tipos de estrutura oracional indicando a nuance de modo, pois esta circunstância, ao lado das de tempo e lugar, são consideradas básicas, se levado em conta o cotidiano de uma pessoa. Isto explicaria a necessidade comunicativa de se expressar a ideia de modo de diferentes formas e utilizando diferentes estruturas. No que tange à integração entre as orações, pelo fato de Hopper e Traugott (1993) abordarem a relação entre dispositivos explícitos e menor integração semânticopragmática, de um lado, e entre não explicitação de dispositivos e maior integração semântico-pragmática, de outro, acredita-se que orações reduzidas sejam mais integradas e que orações desenvolvidas sejam menos integradas. Partindo-se deste pressuposto, haveria indícios de que orações que se apresentem na forma desenvolvida – orações substantivas e orações adjetivas restritivas (encaixadas), orações correlatas, orações coordenadas desenvolvidas (paratáticas finitas) e orações adverbiais desenvolvidas (hipotáticas finitas) – fossem menos integradas e de que orações que se 20 apresentem na forma reduzida – orações coordenadas reduzidas (paratáticas não-finitas) e orações adverbiais reduzidas (hipotáticas não-finitas) – fossem mais integradas. Para verificar a maior ou menor integração das orações modais, neste trabalho, utiliza-se o critério de mudança de referente (sujeito), visto que Lehmann (1985) relaciona manutenção de referente com orações mais integradas e mudança de referente com orações menos integradas. Espera-se, portanto, que as orações encaixadas, correlatas, paratáticas finitas e hipotáticas finitas, nos dois corpora analisados, apresentem referentes (sujeitos) distintos dos das orações com as quais se articulem e que as orações paratáticas não-finitas e hipotáticas não-finitas apresentem mesmos sujeitos dos das orações com as quais se articulem. No que diz respeito aos tipos semânticos de verbo, pensa-se que o mais frequente, de uma forma geral, é o ―material‖, pois ao explicar o modo como um evento ocorre, independente da estrutura utilizada, lança-se mão de um verbo que indica uma ação propriamente dita. Em outras palavras, para um evento ocorrer, é necessário que alguém exerça uma ação prototípica, em que há um agente e um paciente ou objeto a ser afetado pela ação. Além do verbo ―material‖, há uma motivação para se acreditar que o verbo do tipo ―relacional‖ seja frequente em orações encaixadas com função substantiva: o fato de as orações matrizes (principais) relacionadas a elas, em muitos casos – alguns deles em sequências descritivas, serem introduzidas por verbos como ―saber‖, ―dizer‖ e de as orações encaixadas com função substantiva com noção de modo serem encabeçadas pelo item COMO. Em sequências descritivas, podem ser encontradas estruturas dos tipos ―saber COMO era um produto‖, ―dizer COMO foi um governo‖. Em relação às sequências tipológicas, pelos comentários feitos anteriormente, pensa-se que as orações encaixadas com função substantiva sejam mais frequentes em sequências descritivas. No que tange às orações adverbiais (hipotáticas) e as orações coordenadas (paratáticas), o fato de a circunstância de modo e a sequência dos eventos, em uma ordem cronológica, serem relevantes em uma narrativa motivou a hipótese de que estas estruturas fossem encontradas frequentemente em sequências narrativas. No que diz respeito às orações correlatas, pelo fato de Bechara (1994) e Rocha Lima (1998) tecerem considerações a respeito da ênfase que é dada a um determinado comentário quando estas estruturas são utilizadas, apesar de não mencionarem em todos os momentos a nomenclatura ―correlata‖, acredita-se que as orações correlatas com 21 noção de modo sejam mais frequentes em sequências argumentativas. Neste tipo de sequência, para que uma ideia seja defendida, deve haver um reforço, uma ênfase nos argumentos, a fim de convencer o leitor / ouvinte do raciocínio exposto pelo escritor / falante. Para atingir os objetivos antes explicitados, o trabalho se organiza em seis capítulos: no capítulo 1, apresentam-se os comentários de autores tradicionais referentes aos processos sintáticos de coordenação, subordinação e algumas considerações acerca da correlação; no capítulo 2, encontram-se outras abordagens, não tradicionais, dos processos sintáticos citados anteriormente; no capítulo 3, aborda-se a integração entre cláusulas3; no capítulo 4, apresentam-se considerações concernentes aos tipos semânticos de verbo; no capítulo 5, são retomadas as considerações feitas por Silva (2007) em sua dissertação de Mestrado no que diz respeito às orações adverbiais modais; no capítulo 6, encontram-se a metodologia e a análise dos corpora; após o capítulo 6, seguem-se algumas conclusões referentes aos resultados obtidos durante a análise dos corpora e, ao final da tese, confere-se a bibliografia utilizada para a realização desta pesquisa. Alguns dos capítulos anteriormente explicitados apresentam subdivisões. O capítulo 3, por exemplo, está dividido em 3.1, em que é encontrada a abordagem de Lehmann (1985) a respeito da integração entre cláusulas; em 3.2, que contém a proposta de Hopper e Traugott (1993); em 3.3, em que é elucidada a teoria de Halliday (2004); em 3.4, em que se apresenta a abordagem de Gonçalves et alii (2007) e em 3.5, que contém as considerações de Givón (1983) acerca da mudança de referência. O capítulo 6 é dividido em subcapítulos, que, por sua vez, possuem seções. Os subcapítulos do capítulo 6 são: 6.1, descrição dos corpora; 6.2, análise do corpus VARPORT; 6.3, análise do corpus D&G e 6.4, considerações acerca de estruturas que, em princípio, fariam parte dos dados coletados, mas que, posteriormente, foram descartadas e denominadas ―estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto‖. Os subcapítulos 6.2 e 6.3 também são divididos em seções. O subcapítulo 6.2 se divide em 6.2.1, abordagem sintática das cláusulas com noção de modo e em 6.2.2, abordagem semântica das cláusulas com noção de modo. O subcapítulo 6.3 se divide em 6.3.1, 6.3.2 e 6.3.3, que serão descritos mais adiante. 3 No Funcionalismo, cláusula tem um sentido semelhante ao de oração. 22 A seção 6.2.1 é dividida em 6.2.1.1, em que se estudam as cláusulas encaixadas com função substantiva; em 6.2.1.2, em que se analisam as cláusulas encaixadas com função adjetiva; em 6.2.1.3, em que se abordam as cláusulas hipotáticas – 6.2.1.3.1 cláusulas hipotáticas não-finitas e 6.2.1.3.2 cláusulas hipotáticas finitas ; em 6.2.1.4, em que se analisam as cláusulas correlatas e em 6.2.1.5, em que se estudam as cláusulas paratáticas – 6.2.1.5.1 cláusulas paratáticas não-finitas e 6.2.1.5.2 cláusulas paratáticas finitas. A seção 6.2.2 é dividida em 6.2.2.1, em que se abordam as cláusulas encaixadas; em 6.2.2.2, em que se observam as cláusulas hipotáticas; em 6.2.2.3, em que se descrevem as cláusulas correlatas e em 6.2.2.4, em que se analisam as cláusulas paratáticas. O subcapítulo 6.3, como já explicitado, contém a análise do corpus D&G. Ele é dividido de acordo com o tipo de estrutura a ser estudada. Em 6.3.1, abordam-se as cláusulas encaixadas com função substantiva; em 6.3.2, descrevem-se as cláusulas hipotáticas – 6.3.2.1 cláusulas hipotáticas não-finitas e 6.3.2.2 cláusulas hipotáticas finitas e em 6.3.3, analisam-se as cláusulas paratáticas. Não foram encontradas, no corpus D&G, cláusulas encaixadas com função adjetiva nem cláusulas correlatas. Por último, apresentam-se as considerações mais relevantes sobre o(s) uso(s) das cláusulas com noção de modo em português com base na pesquisa desenvolvida à guisa de conclusão e, em seguida, apresenta-se a bibliografia utilizada ao longo do trabalho. A organização dos capítulos, subcapítulos e seções integrantes desta tese reflete o continuum que se objetiva traçar. Parte-se da descrição detalhada das estruturas que estabelecem a circunstância de modo para se chegar à generalização sobre a posição de cada uma delas no continuum englobado pelas relações de modo em Português. 23 1. PROCESSOS SINTÁTICOS: ABORDAGEM TRADICIONAL Nesta tese, estudam-se as orações passíveis de veicular a noção de modo em Português. Por este motivo, apresentam-se a seguir as considerações de gramáticos tradicionais referentes às orações e aos processos sintáticos somente associados à ideia de modo: as orações subordinadas substantivas, as orações subordinadas adjetivas, as orações subordinadas adverbiais, as orações correlatas e as orações coordenadas. Os gramáticos tradicionais consultados foram Luft (1978), Cunha & Cintra (1985), Kury (1987), Bechara (1994) e Rocha Lima (1998). 1.1. Orações subordinadas substantivas Todos os gramáticos, à exceção de Cunha & Cintra (1985), consideram a existência de orações subordinadas substantivas introduzidas por conjunção integrante e introduzidas por pronomes ou advérbios interrogativos (cf. ex. a). Segundo Luft (1978) e Rocha Lima (1998), os dois tipos são orações desenvolvidas; para Kury (1987) e Bechara (1994), o segundo tipo envolve justaposição e Cunha & Cintra (1985) apenas tecem algumas considerações acerca das orações subordinadas substantivas introduzidas por conjunção integrante. As orações subordinadas substantivas introduzidas por pronomes ou advérbios interrogativos são as de maior interesse, neste momento, pois um dos pronomes ou advérbios que podem encabeçá-las é COMO e este item pode veicular a noção de modo, segundo a GT. Luft (1978) inclui nas orações desenvolvidas as introduzidas por conjunção integrante e as introduzidas por pronome relativo sem antecedente. Um dos exemplos que o autor fornece é o seguinte (cf. ex. a). a. ―... Já sei [como responder].‖ (Luft, 1978, p.157)4 O gramático deixa bem clara a posição dele quanto ao fato de exemplos como a não serem casos de justaposição: ―Trata-se de pronomes relativos sem antecedente, ou 4 Os exemplos retirados de autores tradicionais e não-tradicionais para ilustrar os processos sintáticos (cap. 1 e cap. 2) são representados por letras do alfabeto simples ou repetidas, acompanhadas ou não de aspas duplas, podendo estar em negrito ou não. 24 interrogativos (em interrogações indiretas). Esses pronomes acumulam função de conectivo. Nada de ‗justaposição‘, portanto‖ (Luft, 1978, p.157). Luft (1978) fornece exemplos com orações substantivas introduzidas por pronomes ou advérbios que são desenvolvidas (cf. ex. b) e que são reduzidas de infinitivo (cf. ex. c). b. ―Não sabia [como se desvencilhasse], ...‖ (Luft, 1978, p.157) c. ―Não sabe [onde ir], [como desvencilhar-se], [quando voltar].‖ (Luft, 1978, p.157) Rocha Lima (1998, p.264) distribui as orações desenvolvidas entre as ―que são introduzidas pela conjunção integrante que‖ e as ―interrogativas indiretas, que começam por pronome ou advérbio interrogativos, ou ainda, pela partícula dubitativa se‖. Um dos advérbios citados por Rocha Lima (1998) é COMO. Entretanto, não são apresentados exemplos com este advérbio. Para o estudioso, na maioria das vezes, a oração subordinada substantiva que configura uma interrogativa indireta exerce a função sintática de objeto direto. Kury (1987, p.72) divide as orações desenvolvidas em conexas e sem conectivo. As primeiras ―são introduzidas por uma das conjunções integrantes que e se, mais raramente como (= que)‖ – cf. ex. d. d. ―Aposto [como não acreditas nas suas palavras].‖ As sem conectivo são interpretadas por Kury (1987) como justapostas e ―são introduzidas por pronome indefinido, pronome ou advérbio interrogativo ou exclamativo‖ (Kury, 1987, p.72). O autor fornece alguns exemplos deste tipo de oração e um deles é de Machado de Assis (cf. ex. e). e. ―Não sabe [como perdeu a sua mosca azul].‖ Uma observação feita por Kury (1987, p.72, 73) merece destaque: 25 ―Há quem considere os pronomes e advérbios introdutores de oração substantiva investidos do papel de conectivo. Como quer que seja, o importante é que a conjunção integrante, conectivo puro, não tem outra função na oração subordinada, enquanto aqueles sempre têm. Assim, no exemplo de Machado de Assis dado acima, o advérbio como exerce, na oração objetiva direta, a função de adjunto adverbial de modo‖. Nesta tese, prefere-se concordar com os gramáticos que consideram que pronomes e advérbios podem ser introdutores de oração substantiva e que são investidos do papel de conectivo. Ao abordar os advérbios, Bechara (1994, p.154) reconhece que porque, quando e como têm um valor semelhante ao de uma conjunção, além do valor adverbial: ―são, em verdade, ‗expressões adverbiais conjuntivas, isto é, expressões que, sem perderem a sua função adverbial, têm concomitante função conjuntiva‘‖. Bechara (1994, p.223) também tece alguns comentários que dizem respeito às orações interrogativas indiretas, que, para o gramático, podem começar por diversos pronomes ou advérbios interrogativos, dentre os quais se tem COMO (cf. ex. f). f. ―Mostrei-te como conseguiram resolver todos os problemas.‖ Apesar de atentar para o fato de alguns advérbios poderem ser ―expressões adverbiais conjuntivas‖ (cf. Bechara, 1994, p.154), o estudioso considera as orações interrogativas indiretas como um caso de justaposição porque ―não se ligam à sua principal por vocábulo especial de conexão‖ (cf. Bechara, 1994, p.223). Ao esquematizar as orações subordinadas substantivas, Bechara (1994, p.225) divide-as em conectivas e justapostas. Em g, tem-se um exemplo de justaposta na perspectiva deste gramático (Bechara, 1994, p.225). g. ―Não sabia como fazer o problema.‖ Conforme citado anteriormente, COMO, em g, segundo o autor, não é um vocábulo especial de conexão. Bechara (1994, p.223) faz ainda uma observação relevante quanto à existência de exclamações indiretas (cf. ex. h). Durante a análise dos corpora, foi encontrada uma 26 oração exclamativa introduzida por COMO, que é apresentada em 6.4 - estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto. h. ―Olha como ela chora.‖ Em h, verifica-se que há uma oração exclamativa indireta, pois o fato de ela chorar com uma determinada intensidade causa uma surpresa, um espanto. 1.2. Orações subordinadas adjetivas Dos gramáticos tradicionais consultados, apenas Cunha & Cintra (1985) e Bechara (1994), ao abordarem as orações subordinadas adjetivas, não citam COMO no rol dos pronomes ou advérbios relativos. Luft (1978, p.153), ao caracterizar as orações subordinadas adjetivas restritivas desenvolvidas, afirma que elas podem ser ―introduzidas por um pronome relativo (que, quem, o qual, cujo, etc.), introduzidas por onde, como, quando (com antecedente substantivo) e quanto (precedido de tudo, todos), também pronomes relativos‖. Em i, tem-se um exemplo fornecido pelo autor, cujo pronome relativo utilizado é COMO. i. ―Ensinei-lhe a maneira [como fazer].‖ Nota-se que, em i, a noção de modo é veiculada tanto pelo pronome relativo COMO quanto pelo antecedente substantivo ―maneira‖. Tratamento semelhante é dado por Rocha Lima (1998, p.269), ao comentar que ―as orações adjetivas, quando desenvolvidas, são encetadas pelos pronomes relativos que, o qual (com suas flexões), ou pelos advérbios relativos onde, quando e como – por intermédio dos quais se prendem a um substantivo, ou pronome, da oração anterior‖. Como se nota, cada autor pode classificar um mesmo vocábulo de maneiras distintas: Luft (1978) considera COMO um pronome relativo, enquanto que Rocha Lima (1998) o rotula de advérbio relativo. Rocha Lima (1998, p.270) destaca uma diferença entre os pronomes relativos e os advérbios relativos. Segundo o gramático, aqueles podem desempenhar diferentes funções sintáticas na oração em que se encontram e estes funcionam exclusivamente como adjuntos adverbiais. 27 Rocha Lima (1998, p.271) chama de relativos condensados os pronomes relativos que podem ocorrer em uma oração sem antecedente (cf. ex. j). j. ―Veja como fala!‖ Segundo este gramático, subentende-se, nesse caso, um antecedente – ―o modo / como‖. Ressalte-se que o exemplo j, em que COMO introduz uma oração adjetiva com um relativo condensado, segundo a proposta de Rocha Lima (1998), é muito semelhante ao exemplo h, em que é considerado iniciador de uma oração substantiva, de acordo com Bechara (1994), pois este autor não subentende um substantivo antecedente para o item COMO. Para Kury (1987), existem dois tipos de oração adjetiva desenvolvida: relativa e justaposta. A relativa é introduzida por pronome relativo ou por um advérbio pronominal relativo. Nota-se, mais uma vez, uma classificação distinta para o mesmo vocábulo. Pode-se fazer uma equivalência entre alguns pronomes relativos (Luft, 1978), advérbio relativo (Rocha Lima, 1998) e advérbio pronominal relativo (Kury, 1987). Segundo Kury (1987, p.80), ―os advérbios pronominais relativos trazem inclusa no seu significado uma preposição: onde = em que; como = por que; quando = em que‖. Para o autor, só o relativo ONDE é usual. Em k, tem-se um exemplo que contém COMO iniciando uma oração adjetiva relativa (cf. ex. k). k. ―A maneira [como o receberam] era um aviso.‖ (Kury, 1987, p.80) Kury (1987) considera justaposta a oração adjetiva introduzida por pronome indefinido, sem antecedente. Como não são citados exemplos em que a noção de modo é verificada, a oração adjetiva justaposta de Kury (1987) não será ilustrada aqui. Kury (1987), assim como Rocha Lima (1998), afirma que ONDE e COMO são sempre adjuntos adverbiais quando funcionam como advérbio pronominal relativo. O autor ainda aborda um aspecto relevante para este estudo: o fato de existirem orações adjetivas circunstanciais. De acordo com este gramático, algumas orações adjetivas podem exprimir matizes circunstanciais, como os de causa, concessão, condição, consequência e fim. Nesta tese, serão analisadas as orações adjetivas com um matiz circunstancial de modo, que não foram contempladas por ele. 28 Bechara (1994) também reconhece os matizes circunstanciais de algumas orações adjetivas. Além de o autor citar os mesmos matizes apresentados por Kury (1987), acrescenta o adversativo. Assim como Kury (1987), Bechara (1994, p.154), ao abordar os advérbios, faz uma equivalência entre os advérbios pronominais relativos (nomenclatura também adotada por Bechara, 1994) ―onde‖ e ―em que‖; ―quando‖ e ―em que‖ e ―como‖ e ―por que‖. Cunha & Cintra (1985), ao caracterizarem as orações adjetivas, não citam COMO nem como pronome nem como advérbio relativo. 1.3. Orações subordinadas adverbiais Silva (2007) pesquisou as orações subordinadas adverbiais modais, observando os autores tradicionais que as mencionam, as diferenças entre o tratamento dado a elas por cada autor e as semelhanças entre elas e outros tipos de oração. Com exceção de Cunha & Cintra (1985), os gramáticos tradicionais consultados mencionam as orações subordinadas adverbiais modais. Luft (1978), Kury (1987) e Bechara (1994) consideram que as modais podem ocorrer nas formas reduzida e desenvolvida. No que tange à forma reduzida, modais com verbo no infinitivo precedido da preposição SEM são citadas por Luft (1978, p.156) – cf. ex. l -, Kury (1987, p.101) – cf. ex. m e Bechara (1994, p.240) – cf. ex. n; precedido da preposição COM é mencionada por Kury (1987, p.101) – cf. ex. o e precedido da preposição A é apresentada por Bechara (1994, p.240) - cf. ex. p. l. ―Caminhou [sem fazer qualquer ruído].‖ m. ―Cavalguei [sem dizer palavra].‖ n. ―Vivemos com loucos e entre loucos: é feliz ou muito hábil quem pode tratar com eles sem os ofender nem ser ofendido.‖ o. ―Nem vos tome nunca a tentação de largardes as vossas tarefas úteis, [com dizer] que os frutos do vosso esforço e trabalho outros os hão de colher e não vós.‖ p. ―Ele esteve alguns instantes de pé a olhar para mim.‖ 29 Vale notar, portanto, que, na abordagem tradicional, quando as modais ocorrem na forma reduzida de infinitivo, há sempre uma preposição precedendo o verbo. Todos os autores consultados, com exceção de Cunha & Cintra (1985), fornecem exemplos de modais reduzidas de gerúndio (cf. ex. q, r, s e t). q. ―Rosnava [mostrando os dentes].‖ (Luft, 1978, p.156) r. ―Escreveu a dissertação empregando tinta encarnada.‖ (Kury, 1987, p.102) s. ―O amor, como o menino, começa brincando e acaba chorando.‖ (Bechara, 1994, p.241, ao citar orações que denotam modo, meio, instrumento) t. ―A disciplina militar prestante Não se aprende, Senhor, na fantasia, Sonhando, imaginando, ou estudando, Senão vendo, tratando e pelejando.‖ (Rocha Lima, 1998, p.283) O uso do gerúndio para expressar o matiz de modo, como se verifica, é apresentado pela maioria dos gramáticos. Silva (2007) detectou que a forma de articulação mais frequente das orações modais é a reduzida de gerúndio. Com isso, pode-se afirmar que o tratamento dado pela maioria dos gramáticos estudados não se distancia tanto do real uso das orações modais. No que tange à forma desenvolvida, Luft (1978, p.156) fornece exemplos de modais introduzidas por COMO – cf. ex. u - e por SEM QUE – cf. ex. v, enquanto Kury (1987, p.101) e Bechara (1994, p.233) fornecem apenas exemplos de modais introduzidas por SEM QUE, conforme se observa em w e x, respectivamente. u. ―Trabalhou [como devia].‖ v. Saiu [sem que o notassem].‖ w. ―Depois, os desconhecidos partiam [sem que ninguém ousasse atalhar-lhes os passos].‖ x. ―De um relance leu na fisionomia do mancebo, sem que suas pupilas extáticas se movessem nas órbitas.‖ O quadro 1, a seguir, apresenta as formas de articulação das modais que foram identificadas na abordagem tradicional e que foram comentadas anteriormente. 30 Quadro 1: Formas de articulação das orações modais na abordagem tradicional GRAMÁTICOS REDUZIDAS DE GERÚNDIO X REDUZIDAS DE INFINITIVO SEM + INF. Cunha & Cintra (1985) Kury (1987) ____ ____ X Bechara (1994) X Rocha Lima (1998) X SEM + INF. COM + INF. SEM + INF. A + INF. ____ Luft (1978) DESENVOLVIDAS (ASSIM) COMO SEM QUE ____ SEM QUE SEM QUE ____ Pelo quadro 1, percebe-se que Cunha & Cintra (1985) não abordam as modais e que Rocha Lima (1998) considera que estas orações só podem ocorrer em Português na forma reduzida de gerúndio. Kury (1987) explicita que as orações modais são apresentadas nas análises de outros autores distribuídas pelos exemplos de outros tipos de orações adverbiais: comparativas, conformativas, consecutivas e concessivas. As semelhanças entre estas orações e as modais ficam evidenciadas em definições e / ou em exemplos fornecidos por alguns gramáticos. A semelhança entre as comparativas e as modais pode ser constatada na definição de Rocha Lima (1998, p.279) das comparativas assimilativas como aquelas ―cuja apresentação se faz com a conjunção como, equivalente a ‗do mesmo modo que‘‖. Nota-se que a circunstância de modo pode aparecer concomitantemente à noção de comparação no que tange às comparativas assimilativas apresentadas por Rocha Lima (1998). A proximidade entre as consecutivas e as modais pode ser observada nos tratamentos dados por Kury (1987), Bechara (1994) e Rocha Lima (1998) àquelas orações. De acordo com Kury (1987, p.101), as consecutivas iniciadas pelas ―locuções de modo que, de sorte que, de forma que‖ são assim chamadas indevidamente, pois deveriam ser consideradas modais (cf. ex. y). y. ―Todos estavam exaustos, [de modo que se recolheram logo].‖ 31 A nuance de modo, de certa forma, está presente também na análise de Bechara (1994, p.232) para algumas consecutivas: ―através de expressões como de tal maneira, de tal forma, de tal modo, de tal sorte, postas na oração principal, a consecutiva passa a denotar que se deve a conseqüência ao modo pela qual é praticada a ação anterior‖. Segundo Rocha Lima (1998, p.281), nas consecutivas, ―a fim de dar mais ênfase à construção, recorre-se às locuções de (tal) modo que; de (tal) sorte que; de (tal) forma que – e outras do mesmo gênero‖. A identidade entre as conformativas e as modais pode ser encontrada explicitamente na definição de Luft (1978, p.155): ―denotam conformidade, modo‖. Em alguns exemplos de conformativas identificados em Kury (1987, p.96) – cf. ex. z - e em Cunha & Cintra (1985, p.593) – cf. ex. a, pôde-se verificar uma estrutura que, em princípio, seria contabilizada na análise dos corpora (cf. cap. 6), mas que possui características de uma construção fixa: a ―recorrência semântica‖ (Ayora, 1991, p.65) - cf. 6.4. z. ―A voz (dela) era, [como dizia o pai], ‗muito mimosa‘.‖ a. ―As distâncias hoje em dia, como sabe, contam pouco.‖ Um argumento a favor de que as estruturas em z e em a configuram construções fixas, cristalizadas é o tipo semântico de verbo utilizado. Geralmente, estas estruturas ocorrem com um verbo que indica um ato de dizer (―dizia‖, em z) ou com um verbo que indica uma atividade mental (―sabe‖, em a). Uma estrutura que é interpretada por Silva (2007) e, também nesta tese, como oração subordinada adverbial (ou cláusula hipotática com noção de modo) é analisada por Kury (1987), Bechara (1994) e Rocha Lima (1998) como uma oração em que há a combinação das noções de comparação e de hipótese. São as orações introduzidas pela locução conjuntiva COMO SE. Kury (1987, p.91) afirma que ―se à comparação se acrescenta a conotação de hipótese, emprega-se a locução como se‖ (cf. ex. b). b. ―Os meus olhos rompiam a escuridão do horizonte, [como se a luz do sol os iluminasse].‖ 32 Bechara (1994, p.230) atenta para o fato de que ―a comparativa hipotética se traduz por como se, que também se pode desdobrar em duas orações: Estudou como se fôsse passar‖. Rocha Lima (1998, p.280) analisa essa questão da seguinte maneira: ―para a comparação referida a fato inexistente emprega-se o conglomerado comparativohipotético como se, com o verbo no imperfeito do subjuntivo‖. Reconhece-se que, nas estruturas oracionais em que a locução COMO SE aparece, há as ideias de comparação e de hipótese. Entretanto, acredita-se, também, que a noção de modo pode emergir da relação entre a oração principal e a oração encabeçada por COMO SE, dentro de um contexto linguístico específico. Por este motivo, neste trabalho, considera-se esta estrutura como uma oração com noção de modo. Um tipo de oração que não se considerava fronteiriça com as modais é analisada por Bechara (1994). Na verdade, o estudioso utiliza um exemplo que julga ser ambíguo, pois pode permitir uma interpretação consecutiva ou final. Parece que, além desses dois matizes, a forma de articulação entre a oração principal e a oração subordinada sugere que a circunstância de modo possa estar presente (cf. ex. c). c. ―Chegou cedo ao serviço de maneira que pudesse ser elogiado pelo patrão.‖ (Bechara, 1994, p.232) Além disso, Bechara (1994, p.233) aponta para o surgimento de uma locução moderna, que pode ter aparecido por causa da noção de finalidade: ―a idéia de finalidade é responsável pelo aparecimento da preposição a em locuções modernas do tipo de modo a que, de maneira a que e semelhantes‖ (cf. ex. d). d. ―Chegou cedo ao serviço de maneira a que pudesse ser elogiado pelo patrão.‖ Dentre os gramáticos tradicionais estudados, Kury (1987) tece comentários relevantes para a pesquisa aqui empreendida: o fato de o gerúndio poder exprimir diversas circunstâncias. Kury (1987, p.109) apresenta uma seção breve intitulada ―Classificação múltipla de orações de gerúndio‖, em que faz as seguintes considerações: 33 ―Muitas vezes uma oração adverbial reduzida de gerúndio se presta a mais de uma classificação, e nem sempre é possível fixar-nos numa delas como sendo a melhor. Deve o professor aceitar a classificação que revele exame inteligente e compreensivo do texto‖. Além disso, são identificados dois exemplos em Kury (1987, p.109), que são analisados por ele como de oração adverbial modal (cf. ex. e e f). e. ―[Sabendo], ficávamos de alguma maneira sagrados, deificados...‖ f. ―[Proporcionando-me esta oportunidade], mereceste a minha gratidão.‖ Segundo Kury (1987), em e, além de modal, a oração entre colchetes pode ser interpretada como causal e, em f, como causal ou temporal. Bechara (1994, p.242) aborda algumas orações reduzidas que não têm estruturas equivalentes na forma desenvolvida e as denomina ―orações reduzidas fixas‖. Dentre estas estruturas, estão, de acordo com Bechara (1994, p.243), algumas orações modais: ―entram no rol das reduzidas fixas certas subordinadas modais de gerúndio que não costumam aparecer com verbos em forma finita: ‗Os povos desenganam-se como as pessoas: sofrendo, perdendo e pagando‘‖. 1.4. Orações correlatas A correlação, no âmbito da tradição, não é interpretada como um processo de composição do período assim como o são a coordenação e a subordinação. Ela aparece como uma possibilidade formal de orações subordinadas adverbiais e coordenadas articularem-se com outras orações. Com isso, faz-se necessário dividir o tratamento da correlação em cada um desses dois tipos de oração. 1.4.1. Correlação nas orações subordinadas adverbiais Com base na leitura das gramáticas tradicionais, verifica-se que a correlação é mencionada, na maioria das vezes, no âmbito da subordinação adverbial nas orações comparativas, consecutivas e proporcionais. Apenas Luft (1978) cita a possibilidade de existirem conformativas correlatas. 34 No que diz respeito às comparativas, Luft (1978, p.154) afirma que elas podem apresentar-se nas modalidades simples e correlata. Esta é introduzida por um termo que está relacionado com outro da oração principal (cf. ex. g). g. ―Lê mais [do que escreve].‖ Em g, pode-se observar que há um termo da oração principal – ―mais‖ – que se encontra relacionado com os termos ―do que‖ da oração tida como subordinada adverbial comparativa. Cunha & Cintra (1985, p.592) não utilizam o termo ―correlação‖ nas comparativas. A única observação dos autores que se assemelha ao conceito de correlação é o fato de que ―o primeiro membro da comparação pode estar oculto: [tal] qual, [tal] como, etc‖ (cf. ex. h). h. ―Havia já dous anos que nos não víamos, e eu via-a agora não / qual era, / mas / qual fora, / quais fôramos ambos, / porque um Ezequias misterioso fizera recuar o sol até os dias juvenis.‖ Em h, poder-se-ia usar os termos ―tal‖ ou ―tais‖ antes do segundo membro da comparação, que estão em negrito. Kury (1987) afirma que pode aparecer uma palavra ou locução correlativa na oração seguinte à primeira oração comparativa e cita como exemplos ―assim‖ e ―assim também‖. Além disso, Kury (1987, p.92), ao discorrer sobre as comparativas quantitativas ou intensivas, afirma que ―a conjunção que introduz a oração comparativa (que, do que, como, quanto) se acha em correlação com uma palavra intensiva da oração principal (tão, tanto, mais, ...)‖ (cf. ex. i). i. ―Sabe-o o leitor tão bem [como eu sei].‖ Bechara (1994, p.162) considera que ―as conjunções comparativas assimilativas são como ou qual, podendo estar em correlação com assim ou tal, postos na oração principal, ou ainda aparecer assim como‖. Além disso, o autor, ao abordar as comparativas quantitativas, menciona que as conjunções estão em correlação com um advérbio presente na oração principal. Isto ocorre em comparativas de igualdade, superioridade e inferioridade (cf. ex. j). 35 j. ―Tempos há em que é menos perigoso mentir que dizer verdades.‖ (Bechara, 1994, p.162) Em j, percebe-se que o advérbio de intensidade ―menos‖ está em correlação com a conjunção ―que‖, presente na oração comparativa de inferioridade. Rocha Lima (1998, p.280) destaca a presença de ―fórmulas correlativas‖, que podem aparecer nas comparativas quantitativas (cf. ex. k). k. ―O silêncio é mais precioso / que (do que) o ouro.‖ Verifica-se, portanto, que, em k, a fórmula correlativa é ―mais ... que (do que)‖. No que se refere às consecutivas, Luft (1978, p.155), assim como fez com as comparativas, atesta a existência de orações simples e correlatas. Estas são ―introduzidas por um que correlacionado com um pronome (adjetivo ou advérbio) intensivo da oração regente‖. Um exemplo de consecutiva correlata é encontrado em l. l. ―Trabalhou tanto [que adoeceu].‖ Em l, o ―que‖ está correlacionado com o advérbio ―tanto‖ da oração regente, segundo Luft (1978). Cunha & Cintra (1985, p.591) não utilizam o termo ―correlação‖ ao tratar das consecutivas. No entanto, fornecem exemplos em que se observam pares correlativos (cf. ex. m). m. ―Era uma voz tão grave, que metia medo.‖ É possível verificar, em m, que a conjunção ―que‖ está correlacionada com o advérbio de intensidade ―tão‖. Kury (1987, p.98) afirma que as consecutivas desenvolvidas podem ocorrer na forma simples ou na correlata. Em relação à última, assevera que ―mais comuns são as orações consecutivas encabeçadas pela conjunção que em correlação com um termo intensivo (tão, tanto, cada, tamanho, etc.) da oração principal‖. Bechara (1994, p.163), ao exemplificar as consecutivas, não utiliza o termo ―correlação‖, mas faz um comentário que está associado a ele: ―a conjunção consecutiva é que, que se prende a uma expressão de natureza intensiva como tal, tanto, tão, tamanho, posta na oração principal‖. O fato de a conjunção consecutiva se prender a um termo presente na oração principal traduz a ideia de correlação. 36 Rocha Lima (1998, p.281) não menciona consecutivas correlatas, apesar de fornecer exemplos de tal estrutura (cf. ex. n). n. ―Ele foi tão generoso / que me deixou pasmado!‖ Em n, a conjunção ―que‖ está correlacionada ao advérbio de intensidade ―tão‖. No que tange às proporcionais, Luft (1978, p.156) afirma que podem ser simples ou correlativas. São consideradas proporcionais por Luft (1978, p.156), ―quando há correlação entre elas e as respectivas principais‖ (cf. ex. o). o. ―[Quanto mais estuda], (tanto) mais aprende.‖ Note-se que Luft (1978) não explicita qual das duas orações em o é a adverbial proporcional. Se fosse feita uma analogia às comparativas, poder-se-ia considerar que o segundo termo da proporção, isto é, a segunda oração, é a proporcional. Entretanto, tradicionalmente, se classifica a oração subordinada proporcional como a primeira, a que inicia o processo, ou seja, é o fato de estudar que torna possível alguém aprender. Acredita-se que, por não ser tão claro o critério adotado por alguns gramáticos tradicionais para classificar a primeira oração, em vez de a segunda, como subordinada, nas proporcionais, fica mais evidente a necessidade de se propor a correlação como um processo sintático de ligação entre orações diferente da coordenação e da subordinação. A interdependência sintática entre as denominadas tradicionalmente orações principais e orações subordinadas adverbiais proporcionais é nítida. Cunha & Cintra (1985, p.593) expõem que as proporcionais são ―orações que podem estar em correlação com um membro da oração principal‖ e exemplificam isto com (cf. ex. p): p. ―Quanto mais o conheço, / mais o admiro.‖ Kury (1987) apresenta dois tipos de orações proporcionais: simples e correlatas. Nestas, para Kury (1987, p.104), ―o termo intensivo que introduz a oração subordinada ... se acha em correlação com outro que introduz a chamada oração principal...‖ (cf. ex. q). q. ―[Quanto mais se agitava], mais preso na rede ficava.‖ Em q, percebe-se que o termo ―quanto mais‖ da oração subordinada proporcional encontra-se em correlação com o termo ―mais‖ da oração principal. 37 Bechara (1994, p.164) não usa a nomenclatura ―correlação‖, ao abordar as proporcionais, mas cita alguns exemplos em que se podem encontrar pares correlativos (cf. ex. r). r. ―O anão quanto mais alto sobe, mais pequeno se afigura.‖ Percebe-se, em r, que a expressão ―quanto mais‖ da oração subordinada adverbial proporcional está em correlação com o termo ―mais‖ da oração principal. Rocha Lima (1998, p.283) indica alguns exemplos de ―expressões correlativas‖ nas proporcionais, como ―quanto mais ... (tanto) mais, quanto menos ... (tanto) menos‖ etc (cf. ex. s). s. ―Quanto maior a altura, / (tanto) maior o tombo!‖ Em s, a expressão correlativa encontrada é ―quanto maior ... (tanto) maior‖. No que se refere às conformativas, apenas Luft (1978, p.155) explora a possibilidade de elas ocorrerem na forma correlata (cf. ex. t). t. ―[Conforme é o pássaro], assim é o ninho.‖ Em t, verifica-se o par correlativo ―conforme ... assim‖. 1.4.2. Correlação nas orações coordenadas Assim como nas orações subordinadas adverbiais, a correlação nas orações coordenadas aparece, nas gramáticas tradicionais, explícita ou implicitamente, como uma forma de articulação, e não como um procedimento sintático à parte. Mesmo que o autor não utilize o termo ―correlação‖, na maioria das vezes, ela aparece nas orações coordenadas aditivas e alternativas. Luft (1978, p.148), ao classificar as coordenadas, apresenta aditivas e alternativas correlatas. Nas aditivas, são listados os pares correlativos ―não só ... mas (também)‖ e ―tanto ... como‖ e, nas alternativas, os pares ―ou ... ou‖ e ―ora ... ora‖. Cunha & Cintra (1985, p.581) não usam o termo ―correlação‖ no capítulo referente às coordenadas. Entretanto, são encontrados exemplos de coordenadas aditivas e alternativas que contêm pares correlativos. Um deles pode ser conferido em u. 38 u. ―Não é chuva, / nem é gente, nem é vento com certeza.‖ Em u, a conjunção ―nem‖ aparece repetida, o que sugere a correlação em orações tidas como coordenadas aditivas. Kury (1987, p.66) considera a existência de orações independentes coordenadas aditivas com correlação e explica que isto significa ―um termo em cada oração‖. Nas coordenadas alternativas, Kury (1987, p.68) afirma que, com exceção da conjunção ―ou‖, as conjunções alternativas ―sempre ocorrem repetidas‖ e cita como exemplos ―ora ... ora, já ... já, quer ... quer, seja ... seja, etc‖. Bechara (1994, p.165), ao abordar a classe de palavras ―conjunção‖, ressalta que ―as conjunções coordenativas podem aparecer enfatizadas. Para esta ênfase o idioma se serve de vários recursos. Assim, a adição pode vir encarecida das expressões do tipo: não só ... mas (também), não só ... mas (ainda) ...‖. No que se refere às conjunções alternativas, Bechara (1994, p.166) assegura que ―a alternativa pode ser enfatizada pela repetição‖ (cf. ex. v). v. ―Ou estudas ou brincas.‖ Percebe-se, em Bechara (1994), que a correlação em orações coordenadas é vista como uma forma de dar ênfase ao discurso. Apesar de não utilizar o termo ―correlação‖ nestes casos, observe-se que o gramático mostra que este tipo de estrutura é diferente de uma coordenação feita sem a repetição de conjunções e isto acarreta uma diferença na intenção do falante ou do escritor ao produzir um texto. Em Rocha Lima (1998, p.261), encontra-se um comentário análogo ao de Bechara (1994). Provavelmente, este se baseou nas ideias daquele: ―para dar mais vigor à coordenação, valemo-nos de uma fórmula correlativa (não só ... mas também; não só ... mas ainda; não só ... senão também; não só ... senão que)‖. Nota-se que Rocha Lima (1998) usa o termo ―fórmula correlativa‖, enquanto que Bechara (1994) utiliza ―conjunções repetidas, enfatizadas‖. Por outro lado, ambos reconhecem que uma estrutura tida como coordenada, ao ocorrer com conjunções repetidas, correlativas ―dá mais vigor, enfatiza‖ o discurso. A seguir, incluem-se algumas considerações acerca das orações coordenadas em que não há a presença da correlação, de acordo com Kury (1987) e Bechara (1994). 39 1.5. Orações coordenadas Na tradição gramatical, as coordenadas são classificadas em aditivas, adversativas, alternativas, conclusivas e explicativas. Na maioria das vezes, só são mencionadas as coordenadas desenvolvidas, sejam na forma simples, sejam na forma correlata. Os únicos autores tradicionais consultados que incluem as coordenadas reduzidas em suas análises são Kury (1987) e Bechara (1994). Ambos baseiam-se em Said Ali (1969)5. Segundo Said Ali (1969, p.147), existem orações coordenadas reduzidas de gerúndio: ―se o acontecimento ocorrido em primeiro lugar for enunciado por uma oração explícita, o gerúndio, denotando fato imediato, equivalerá a uma oração coordenada iniciada pela conjunção e: Recebeu a jóia, entregando-a [= e entregou-a] depois à esposa‖. Percebe-se, portanto, que o gerúndio pode caracterizar uma oração coordenada aditiva quando há uma sequencialidade, ou seja, quando o fato expresso na oração reduzida de gerúndio ocorre depois do fato expresso na oração desenvolvida que a antecede. Bechara (1994, p.236) e Bechara (MGP:290; apud Kury (1987, p.67) apresentam um exemplo de coordenada reduzida de infinitivo, em que o verbo é precedido pela preposição SOBRE (cf. ex. w). w. ―... as toucas e lencinhos ..., sobre não serem enfeites mui sedutores, algumas vezes tornam a virtude rançosa...‖ 5 Apesar de muitos autores não abordarem orações coordenadas (cláusulas paratáticas) reduzidas de gerúndio (não-finitas), nesta tese, analisam-se como tal estruturas oracionais que indicam sequência de eventos por meio de verbo no gerúndio. Estas estruturas poderiam também ser interpretadas como ―falsas coordenadas‖. 40 2. PROCESSOS SINTÁTICOS: OUTRAS ABORDAGENS Em 1, apresentaram-se alguns pressupostos das gramáticas tradicionais relativos aos processos sintáticos de articulação de orações nos períodos. Neste capítulo, estes mecanismos sintáticos serão abordados com base em estudos de pesquisadores que adotam perspectivas distintas da tradicional. São eles: Oiticica (1952), Moura Neves (2000), Azeredo (2008) e Castilho (2010). Oiticica (1952) destaca-se dentre estes por ser o primeiro autor a conferir à correlação o estatuto de processo sintático distinto da coordenação e da subordinação. A organização deste capítulo se assemelha à de 1, isto é, abordam-se as orações subordinadas substantivas, as orações subordinadas adjetivas, as orações subordinadas adverbiais, as orações correlatas e as orações coordenadas, respectivamente. 2.1. Orações subordinadas substantivas Novamente, a diferença entre os autores anteriormente citados e os gramáticos reside nas definições dessas estruturas e no tratamento dado a elas. Moura Neves (2000, p.335) conceitua as orações substantivas como ―encaixadas ou integradas em uma outra oração, considerada matriz, ou principal, na denominação tradicional‖. Observa-se que termos como ―encaixadas‖ e ―integradas‖ não costumam aparecer em gramáticas tradicionais. Estes termos já apontam para uma distinção que se pode fazer entre tipos de orações subordinadas, pois existem as encaixadas – substantivas e adjetivas restritivas, as que envolvem adjunção a um sintagma nominal – adjetivas explicativas – e as que envolvem adjunção a um sintagma verbal ou a uma oração como um todo – as adverbiais. Azeredo (2008, p.310) afirma que as orações substantivas são ―sintagmas nominais resultantes de transposição de uma oração‖. Segundo o autor, transposição é ―o processo pelo qual se formam sintagmas derivados de outras unidades, as quais podem ser sintagmas básicos ou orações‖ (cf. Azeredo, 2008, p.296). Em x, tem-se um exemplo disto: x. ―Ela descobriu que os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira.‖ (Azeredo, 2008, p.297) 41 A oração, para o autor, é ―os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira‖; o transpositor é a conjunção integrante ou nominalizador ―que‖, cuja função é formar o sintagma nominal ―que os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira‖. Percebe-se, portanto, que esta abordagem é bem diferente da tradicional. O intuito da proposta de Azeredo (2008) é tornar claro o fato de que, por exemplo, as orações substantivas têm valor de sintagma nominal. Quanto às formas de articulação deste tipo de oração, um comentário de Moura Neves (2000, p.334-335) merece destaque por contemplar a noção de modo contida no item COMO: ―Quanto ao modo de conexão, as orações substantivas ... vêm justapostas, iniciando-se por palavras interrogativas ou exclamativas...‖. Um dos exemplos fornecidos pela autora é y. y. ―Diz COMO aconteceu a desgraça.‖ Em y, emprega-se a palavra interrogativa COMO, que possui intrinsecamente o valor de modo. Azeredo (2008, p.311-312) observa que as orações substantivas desenvolvidas podem ser ―introduzidas por pronomes indefinidos ou advérbios interrogativos‖ e fornece exemplos de orações subjetivas (cf. ex. z) e objetivas diretas (cf. ex. aa). z. ―Ainda não foi definido quantas cidades o governador vai visitar.‖ aa. ―Eles não revelaram onde o presidente passou o fim de semana.‖ Apesar de, em z e em aa, não ser identificada a circunstância de modo, os comentários do autor levam à interpretação de que exemplos de orações subordinadas substantivas introduzidas pelo advérbio interrogativo COMO contêm orações desenvolvidas. Nota-se, dessa forma, uma diferença entre o tratamento dado às substantivas por Azeredo (2008) e por Moura Neves (2000). Esta, como verificado no exemplo y, interpreta orações deste tipo como justapostas; aquele como substantivas desenvolvidas. Castilho (2010, p.356) atenta para o fato de que no latim vulgar, ―várias conjunções ligavam as substantivas às matrizes (quod, quid, quia, quomodo)‖. Assim, verifica-se que a conjunção do latim vulgar que deu origem a COMO – quomodo – era 42 utilizada nas orações substantivas. Percebe-se, então, que o valor de modo já podia ser expresso por este tipo de estrutura. Castilho (2010), ao citar as orações substantivas completivas nominais, afirma que estas podem estar encaixadas em substantivos deverbais. Gonçalves / Souza / Galvão (2008, p.1068 apud Castilho, 2010, p.358) mencionam algumas expressões nominais em que as orações substantivas podem se encaixar e, entre elas, são encontradas as ―de modo / maneira (jeito, modo, maneira, forma)‖. 2.2. Orações subordinadas adjetivas Em relação às orações subordinadas adjetivas, destacam-se considerações a respeito dos pronomes relativos, advérbios relativos e conteúdos circunstanciais. Moura Neves (2000), no âmbito da classe de pronomes relativos, propõe uma subtipologização quanto ao tipo de elemento a que esses pronomes podem se referir. A autora cita, por exemplo, pronomes relativos que podem se referir tanto a pessoas quanto a coisas; pronomes que se referem apenas a pessoas e os que nunca se referem a pessoas. Dentro do último grupo, tem-se o pronome COMO, que indica a circunstância de modo. Moura Neves (2000, p.372-373) apresenta exemplos em que COMO ocorre com um antecedente que também veicula a noção de modo (cf. ex. bb) e sem antecedente, equivalendo a ―o modo como‖, ―a maneira como‖, ―a forma como‖ (cf. ex. cc). bb. ―Os que a conheciam apreciavam a maneira COMO [da qual maneira] ela cuidava da casa e criava os filhos, os de sangue e os recolhidos: mulher como se requeria para um tal marido.‖ cc. ―Foi no automóvel do Gusmão, um dos que escaparam as agressões e ao qual eu habitualmente servia como bagageiro ou como auxiliar de choferagem, onde vi COMO se conduz e COMO se manobra um carro.‖ Em bb, é encontrado o antecedente ―maneira‖ ao qual se refere o pronome relativo COMO e, em cc, para Moura Neves (2000, p.373), ocorrem duas orações adjetivas introduzidas pelo pronome relativo COMO. Neste trabalho, as orações encabeçadas pelo item COMO do exemplo cc serão interpretadas como substantivas, pois estão encaixadas ao verbo ―vi‖, funcionando como objetos diretos. 43 Moura Neves (2000, p.373) também enfatiza a propriedade de o pronome relativo QUE retomar um antecedente com valor de modo (cf. ex. dd). dd. ―Este estudo apóia nossa crença de que a natureza nos criou da forma QUE somos e não há nenhum motivo para consertar nada porque nada está quebrado, afirmou Robert Bray, porta-voz da Força Tarefa de Gays e lésbicas em Washington.‖ Em dd, tem-se como antecedente do pronome relativo QUE o substantivo ―forma‖. Moura Neves (2000, p.373) aborda a função dos pronomes relativos, dividindoos em nucleares e periféricos. Os nucleares são ―aqueles elementos que por si próprios constituem o núcleo de um sintagma com a mesma distribuição de um sintagma nominal‖. Como exemplos, a autora menciona ―QUE, QUEM, ONDE e COMO‖. Moura Neves (2000), ao comentar as preposições que antecedem o pronome relativo, afirma que a preposição COM ―usualmente introduz adjuntos de modo‖. Esta constatação é relevante para este estudo, pois são abordadas aqui as orações que podem expressar a circunstância de modo no português. Azeredo (2008, p.297) define pronomes relativos como aqueles que ―introduzem orações que funcionam como sintagmas adjetivais‖. Veja-se o exemplo ee: ee. ―Ainda não usei os sapatos que comprei no Natal.‖ Segundo o autor, a oração subordinada adjetiva é ―comprei no Natal‖ e o sintagma adjetival é ―que comprei no Natal‖, em que o pronome relativo ―que‖ funciona como um transpositor. Azeredo (2008, p.317-318) apresenta as funções sintáticas que o pronome relativo pode desempenhar. Entre elas, tem-se a de adjunto adverbial (cf. ex. ff). ff. ―Ficamos revoltados com o modo como ele nos tratou. (como = o modo)‖ Em ff, o pronome relativo COMO exerce a função sintática de adjunto adverbial de modo. Além de pronome relativo, uma nomenclatura utilizada por Azeredo (2008, p.198) é a de advérbio relativo: ―assim se classificam os advérbios onde, como e quando 44 sempre que atuam com as propriedades anafóricas e conectivas do pronome relativo‖ (cf. ex. gg). gg. ―Pelo jeito como a locomotiva entrou na estação, já podia se pressentir a decepção e, o que é pior, o caos.‖ Em gg, o advérbio relativo COMO retoma o antecedente ―jeito‖ e exerce, na oração em que se encontra, a função sintática de adjunto adverbial de modo. Castilho (2010, p.366) afirma que os pronomes relativos formam uma classe fechada e cita como exemplos ―que, qual, cujo, quanto, onde‖. Nota-se, portanto, que o item COMO não figura na lista dos pronomes relativos de Castilho (2010) e não aparece nos exemplos de orações adjetivas fornecidos pelo linguista. Um aspecto referente às orações adjetivas apontado por Azeredo (2008) e por Castilho (2010) merece realce: o fato de estas estruturas poderem veicular uma circunstância. Este aspecto é importante, visto que, nesta tese, uma das estruturas consideradas passíveis de expressar a noção de modo é a oração subordinada adjetiva. Azeredo (2008, p.321) assevera que ―as orações adjetivas podem apresentar cumulativamente um conteúdo circunstancial de causa, concessão, condição, finalidade, resultado‖. Castilho (2010, p.371) fornece exemplos de orações adjetivas que possuem os conteúdos circunstanciais de finalidade e de causalidade. 2.3. Orações subordinadas adverbiais Nesta seção, destacam-se as abordagens de Moura Neves (2000), Azeredo (2008) e Castilho (2010) acerca das orações subordinadas adverbiais que se vinculam ao intuito principal desta tese: descrever estruturas que, de alguma forma, veiculam o conteúdo semântico de modo. O primeiro aspecto a ser ressaltado é o valor negativo ou de exclusão que algumas estruturas expressam. Os autores que contemplam este aspecto são Moura Neves (2000) e Azeredo (2008). Moura Neves (2000, p.291) considera que ―o elemento SEM inicia sintagma de valor negativo obtido pelo significado de privação ou exclusão que esse elemento tem‖ e apresenta o exemplo mostrado aqui como hh. 45 hh. ―Ao vê-los, Abelardo fecha a cara e se retira SEM se despedir de ninguém.‖ Em hh, verifica-se que a oração ―sem se despedir de ninguém‖, além de possuir o valor negativo, expressa a circunstância de modo. Um exemplo como hh, para a pesquisa realizada aqui, seria incluso no rol das orações subordinadas adverbiais modais (cláusulas hipotáticas com noção de modo). Moura Neves (2000, p.292) ainda afirma que essas orações ―constituem a contraparte negativa das orações de gerúndio‖ (cf. ex. hh’). hh’6. ―Ao vê-los, Abelardo fecha a cara e se retira não se despedindo de ninguém.‖ Parece que o emprego do gerúndio reforça o fato de a oração analisada pela autora veicular a noção de modo. Azeredo (2008, p.333), em um dos grupos semânticos estabelecidos para as orações adverbiais – o que envolve a relação de contraste, estabelece uma ―variante das estruturas adversativas – por meio da conjunção sem que seguida de oração no modo subjuntivo ou da preposição sem seguida de infinitivo, ambas de valor necessariamente negativo‖. O autor fornece os seguintes exemplos (cf. ex. ii e jj) desse caso: ii. ―Ele saiu da sala sem que dissesse uma única palavra.‖ jj. ―Ele saiu da sala sem dizer uma palavra.‖ De forma semelhante ao exemplo hh, apresentado por Moura Neves (2000, p.291), os exemplos ii e jj, além do valor negativo, expressam a circunstância de modo. Estes exemplos também são analisados, nesta tese, como orações subordinadas adverbiais modais. Uma locução conjuntiva que é analisada como introdutora de orações subordinadas adverbiais aqui e que não tem um tratamento consensual entre os autores não-tradicionais consultados é COMO SE. Tanto para Moura Neves (2000) quanto para Castilho (2010), esta locução conjuntiva encabeça orações que exprimem os valores de condição e comparação. 6 Todas as reescrituras de exemplos, nesta tese, são indicadas por letras acompanhadas de aspas simples. 46 Segundo Moura Neves (2000, p.847), ―a condição pode, ainda, vir expressa dentro de uma comparação. Nesse caso coexistem a conjunção comparativa COMO e a conjunção condicional SE‖ (cf. ex. kk). kk. ―Como SE tivesse mudado de idéia, apertou a campainha.‖ A locução COMO SE, encontrada em kk, pode, em alguns casos, expressar também a circunstância de modo, como ocorre em ll. Segundo Castilho (2010, p.376), ―as condicionais se combinam com sentenças causais e comparativas‖ (cf. ex. ll). ll. ―Correu como se tivesse medo.‖ A oração encabeçada por COMO SE em ll estabelece uma relação de modo com a oração que a antecede. Azeredo (2008, p.338) apresenta uma abordagem um pouco diferente das dos autores anteriormente citados. Esta abordagem ratifica a noção de modo presente em orações introduzidas pela locução COMO SE: ―um tipo especial de comparação modal é a que se expressa mediante a conjunção composta como se, seguida de verbo no pretérito (imperfeito ou mais-que-perfeito) do subjuntivo (comparação hipotética)‖ (cf. ex. mm). mm.―O santo falava aos pássaros como se estes o entendessem.‖ Percebe-se que Azeredo (2008) não desconsidera a combinação de comparação e condição, o que é comprovado pelo uso da expressão ―comparação hipotética‖. Entretanto, inclui exemplos que contêm orações introduzidas por COMO SE em um tipo de comparação modal. Isto comprova que a ideia de modo também está presente em estruturas como estas. Conforme se viu, Azeredo (2008) menciona a combinação de comparação e modo. A mescla destas circunstâncias também pode ser verificada em orações encabeçadas por locuções do tipo DO MESMO MODO QUE. Os estudiosos que analisam orações com esta locuções são Moura Neves (2000) e Azeredo (2008). 47 Moura Neves (2000, p.900) estuda construções comparativas não-correlativas e cita como exemplo de ―locução conjuntiva indicadora de comparação de igualdade‖ DO MESMO MODO QUE (cf. ex. nn). nn.―Tiãozinho, no entanto, tinha amizade pelo porquinho, DO MESMO MODO QUE Tico apreciava o Fumaça.‖ Outro tipo de estrutura comparativa analisado por Moura Neves (2000, p.905) é o que envolve ―comparação entre sintagmas ... estabelecida por TAL QUAL‖ (cf. ex. oo). oo. ―Morto por um valentão, [ele] TAL QUAL eu daqui a pouco. = [ele] DO MESMO MODO QUE eu‖ Azeredo (2008, p.339) afirma que ―algumas vezes, a comparação assimilativa é expressa por meio das locuções da mesma forma que e tanto quanto‖ (cf. ex. pp). pp. ―Da mesma forma que se acabou com a escravidão por motivos econômicos, vamos ter de acabar com a ignorância para sobreviver numa economia globalizada e cada vez mais competitiva.‖ Além das comparativas, outras orações subordinadas adverbiais que podem ter um matiz modal são a final e a consecutiva. Aquela é abordada por Moura Neves (2000) e Azeredo (2008) e esta por Moura Neves (2000). De acordo com Moura Neves (2000, p.886), ―também indicam finalidade, com algum matiz modal, as construções com as locuções DE MODO QUE, DE MANEIRA QUE‖ (cf. ex. qq). qq. ―Vamos mobilizar o povo para o desenvolvimento, DE MODO QUE ele tenha plena consciência da sua missão.‖ Pode-se compreender que, em qq, a mobilização do povo para o desenvolvimento tem como finalidade permitir que ele tenha plena consciência da sua 48 missão. Além disso, o modo como a mobilização será feita é um fator crucial para que o objetivo que se tem seja alcançado. Azeredo (2008, p.329) sugere que estruturas que expressam a circunstância de finalidade podem ter um matiz modal. Entretanto, este uso não é tão frequente: ―O uso de conjunções finais (para que, a fim de que, de maneira que, de molde a que) é bem menos frequente‖. Entre as conjunções finais, Azeredo (2008) cita DE MANEIRA QUE, o que pode levar à interpretação de que estruturas finais indiquem concomitantemente a noção de modo. No que tange às orações consecutivas, Moura Neves (2000, p.914) aborda as que ocorrem sem antecedente e destaca que ―são construções que têm a oração consecutiva iniciada pelo que tradicionalmente se denomina locuções conjuntivas consecutivas: DE (TAL) MODO QUE, DE (TAL) MANEIRA QUE, DE (TAL) SORTE QUE, A TAL PONTO QUE‖ (cf. ex. rr). rr. ―O Daily News sugere que se mude o calendário DE MANEIRA QUE todos os feriados caiam eternamente nos mesmos dias da semana.‖ Em rr, a ideia de modo estaria presente apenas na palavra MANEIRA. Parece que o mais adequado seja considerar estruturas semelhantes à de rr como exclusivamente consecutivas. Moura Neves (2000, p.914-915) ainda apresenta outra forma de construção das consecutivas do tipo não-correlativo (cf. ex. ss). ss. ―Estremecia a cabeça e, revirando os olhos, que o marido a deixou por uma negra, e negra horrorosa era aquela! DE MANEIRA QUE nada valia ser bonita.‖ Para ela, esta estrutura ocorre de modo independente. Nota-se que a oração encabeçada por DE MANEIRA QUE aparece em um período separado do anterior por meio de um ponto de exclamação. Em relação à forma nominal ―gerúndio‖, Azeredo (2008) e Castilho (2010) atentam para o fato de que ela pode ter valores circunstanciais diversos. Azeredo (2008, p.346) comenta que ―o gerúndio que denota fato posterior ao do verbo usado em forma finita tende a exprimir adição, conclusão e consequência, frequentemente mesclando estas noções‖. Além disso, outras circunstâncias veiculadas pelo gerúndio são apontadas pelo autor: tempo, condição, causa, meio e modo. 49 Castilho (2010, p.382) observa que ―as gerundiais adverbiais exploraram os valores típicos do caso ablativo, que tinha ‗como função básica exprimir o complemento de meio, de instrumento e de modo, que se mantém nas línguas românicas‘ (Maurer Jr., 1959, p.188)‖. Verifica-se, pelas constatações de Azeredo (2008) e de Castilho (2010), que o gerúndio pode indicar diferentes noções e, nesta pesquisa, são apresentados dois tipos de estrutura em que o gerúndio expressa o conteúdo de modo – as orações subordinadas adverbiais modais e as orações coordenadas reduzidas7. Moura Neves (2000, p.929) afirma que ―não é muito usual a expressão da relação adverbial modal por meio de uma oração‖. Provavelmente, a autora conclui isto por desconsiderar a existência de tais orações introduzidas por gerúndio, que foi a forma mais frequente observada na análise dos corpora, neste trabalho. Uma estudiosa que também verificou isto foi Braga (2002, p.241), que apresenta diferentes relações semânticas que as orações reduzidas de gerúndio podem codificar: ―aditivas, adjetivas, causais, concessivas, condicionais, conseqüenciais, modais, temporais e temporais-condicionais‖. A autora fornece um exemplo de oração reduzida de gerúndio que expressa a relação de modo (cf. ex. tt). tt. ―A exploração principal é aquela palpatória, é a que se faz palpando a mama.‖ Em tt, a oração destacada explica o modo como se faz a exploração palpatória. Braga (2002, p.242) ainda atenta para o fato de que orações reduzidas de gerúndio apresentam ambiguidade e fornece exemplos em que isto pode ser verificado (cf. ex. uu e vv). uu. ―Loc: e quando as gêmeas nasceram ... eu ... me afastei do serviço. Loc 2: ahn, ahn Loc 1: eu trabalhava no Serviço Social do Estado Loc 2: uhn Loc 1: fazendo parte da campanha de repressão à mendicância do governo Carvalho Pinto‖ vv. ―Doc: mas vocês conseguem manter assim uma regularidade de alimentação assim ... horários fixos ... trabalhando fora ... porque é um problema né?, quando a gente trabalha fora.‖ 7 Vale lembrar que as coordenadas reduzidas não são abordadas por grande parte dos autores consultados para esta tese. 50 De acordo com Braga (2002, p.242), em uu, a oração em destaque pode ter uma ―leitura aditiva ou modal‖ e, em vv, a oração em itálico pode ter uma leitura ―concessiva, ou modal ou temporal‖. Ainda, segundo Braga (2002, p.243), diferentemente de Moura Neves (2000), a relação de modo ―tende a ser transmitida quase categoricamente por meio de orações reduzidas‖. Para reforçar o pensamento de que orações reduzidas de gerúndio podem expressar a relação de modo, apresenta-se a seguir outro exemplo, desta vez, fornecido por Braga (2007, p.182) – cf. ex. ww. ww. ―Entre 18h30 e 19h30 a dentista prefere ir à Tijuca usando o Jardim Botâncio, apesar da distância maior, para evitar os engarrafamentos.‖ Observa-se que, em ww, o verbo ―usando‖ inicia uma oração com noção de modo, pois explica a maneira como a dentista prefere ir à Tijuca. Como fora comentado anteriormente, Moura Neves (2000) não considera a existência de orações modais reduzidas de gerúndio. As formas de articulação apresentadas pela pesquisadora são desenvolvidas com SEM QUE (cf. ex. xx) e COMO (yy) e com verbo no infinitivo precedido da preposição SEM (zz). xx. ―Contudo, esse crescimento se realizava SEM QUE houvesse modificações sensíveis na estrutura do sistema econômico.‖ yy. ―Se continuarei a ‗enganar‘ Carlos, como o fiz nesse primeiro momento de ‗reencontro‘ carnal, não sei.‖ zz. ―O jovem tentou respirar SEM fazer ruído.‖ Note-se que os exemplos xx e zz, além de expressarem o conteúdo de modo, possuem um valor negativo, de exclusão (cf. exemplo semelhante, em hh). Segundo Moura Neves (2000, p.929), o exemplo apresentado aqui como yy ―conserva um matiz conformativo‖. Azeredo (2008) faz uma abordagem semântica das orações subordinadas adverbiais. O autor propõe quatro grupos que envolvem relações diferentes, a saber: de causalidade – causa, condição, consequência e finalidade -, de temporalidade – tempo e proporção -, de contraste – adversidade e concessividade – e de modo / comparação. 51 A relação de contraste já foi vista anteriormente (cf. ex. ii e jj) e nesta Azeredo (2008) fornece exemplos que também possuem a noção de modo. Ao estabelecer a relação de modo / comparação, Azeredo (2008, p.336) explica os processos de ―qualificação‖ e ―quantificação‖ e assevera que ―a ‗qualificação‘ apresenta uma subdivisão de sentidos: meio ..., instrumento ..., medida ..., companhia ..., frequência ..., modo‖. Para Azeredo (2008, p.337), ―a ‗qualificação‘ e a ‗quantificação‘ também podem ser construídas a partir de matrizes proposicionais, dando origem a ‗orações subordinadas‘ adverbiais modais e comparativas‖. O autor analisa a expressão verbal da qualificação de base não comparativa e, sem utilizar, neste momento, a nomenclatura ―adverbial modal‖, cita exemplos do que poderia ser considerada tal estrutura por meio de: gerúndio (cf. ex. aa‖), SEM + infinitivo (cf. ex. bb‖) e SEM QUE (cf. ex. cc‖). aa‖. ―Enriqueceu comercializando antiguidades.‖ bb‖. ―Saiu sem se despedir.‖ cc‖. ―Prendeu os assaltantes sem que desse um só tiro.‖ Azeredo (2008) também destaca a noção de modo em um dos tipos propostos por ele de comparação – a comparação modal. Segundo o estudioso (2008, p.338), ―o instrumento sintático típico da comparação modal é a conjunção como (cf. ex. dd‖). dd‖. ―Ela nadava como um peixe.‖ Dessa forma, verifica-se que, em dd‖, há concomitantemente as relações de comparação e de modo. Pelo fato de os dois membros da comparação estarem explícitos e o que está sendo comparado é o mesmo tipo de ação – ―nadar‖, parece mais apropriado analisar o exemplo dd‖ exclusivamente como comparativa. Se for considerada a noção de modo, provavelmente, a maioria dos casos de orações comparativas poder-se-ia incluir no rol das modais. Um caso especial de comparação modal tratado por Azeredo (2008) é o expresso por COMO SE, que já foi mostrado neste trabalho (cf. ex. mm). De acordo com Castilho (2010, p.371), oração modal é sinônimo de oração conformativa (cf. ex. ee‖). 52 ee‖. ―Maria falou alto, como costumava fazer.‖ O exemplo ee‖ assemelha-se ao exemplo yy, fornecido por Moura Neves (2000). De fato, os dois exemplos veiculam as circunstâncias de modo e de conformidade ao mesmo tempo. Entretanto, ao colocar as modais como sinônimo das conformativas, Castilho (2010) desconsidera estruturas que expressam a noção de modo e que se articulam por meio de gerúndio, SEM seguido de verbo no infinitivo e SEM QUE; estruturas estas que, de forma alguma, podem indicar a ideia de conformidade. 2.4. Orações correlatas No que concerne às orações que envolvem correlação, é possível dividir os autores não-tradicionais em dois grupos: o primeiro, constituído pelos que incluem a correlação em um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação – Oiticica (1952) e Castilho (2010) – e o segundo, constituído pelos que diluem a correlação nos processos sintáticos de subordinação e coordenação – Moura Neves (2000) e Azeredo (2008). No que tange ao primeiro grupo, verifica-se que Castilho (2010) retoma as ideias de Oiticica (1952) e de Módolo (2008). Acredita-se que a análise das estruturas correlatas deve se iniciar por Oiticica (1952), já que ele foi o primeiro estudioso a defender explicitamente esse ponto de vista. A seguinte constatação apresentada por Oiticica (1952, p.13) deixa bem clara a posição deste autor: ―Já em sua Evolução da análise sintática portuguêsa, expunha a professôra fluminense Jacira de Mello, separando as fases evolutivas da análise sintática, o seguinte: ‗O quarto grupo tem um só representante, o professor José Oiticica. Êste reconhece quatro tipos de estrutura do período: coordenação, subordinação, correlação e justaposição...‘‖ Portanto, Oiticica (1952) propõe que determinadas estruturas, em vez de serem denominadas coordenadas ou subordinadas, por envolverem correlação, sejam classificadas como orações correlatas. 53 Por alguns exemplos fornecidos pelo autor, observa-se que as orações correlatas podem ser aditivas, comparativas e consecutivas. Em relação às orações correlatas aditivas, Oiticica (1952, p.20) apresenta o seguinte exemplo (cf. ex. ff‖). ff‖. ―Não sòmente Marilda socorreu a pobre família, mas também adotou as duas órfãs.‖ Em ff‖, nota-se que há um par correlativo – ―não somente ... mas também‖ -, que contribui para expressar a relação de adição. Oiticica (1952, p.21) observa que ―Quando inicio a primeira oração por não sòmente (denotativo negativo de restrição), sou forçado a iniciar a segunda pela expressão mas também (ou outra equivalente: mas ainda, ..., como também, etc.)‖. Oiticica (1952, p.24) acrescenta que há uma diferença semântica entre coordenação e correlação: ―Note-se o valor de encarecimento expresso por essas correlações e que desaparece com a coordenação‖. Em relação às orações correlatas comparativas, Oiticica (1952) reconhece a existência da comparação de igualdade que se refere à qualidade (cf. ex. gg‖) e à intensidade (cf. ex. hh‖). gg‖. ―Tal fôra o pai, tal é o filho.‖ hh‖. ―Tanto tocava um, tanto dançava o outro.‖ Em gg‖, a(s) qualidade(s) que existiu(ram) no pai, atualmente é(são) percebida(s) no filho. Em hh‖, a intensidade de tocar de um assemelha-se à intensidade de dançar de outro. Além das orações correlatas comparativas de igualdade referentes à qualidade e à intensidade, Oiticica (1952) também aborda as orações correlatas comparativas de igualdade, modal (cf. ex. ii‖). ii‖. ―Assim ditava o mestre, assim escrevia o discípulo.‖ Segundo Oiticica (1952, p.32), em exemplos como ii‖, a comparação é ―feita entre os modos pelos quais se opera ou realiza o fato‖. 54 Ainda na comparação, Oiticica (1952, p.34) mostra alguns exemplos de orações correlatas que envolvem a comparação de superioridade (cf. ex. jj‖). jj‖. ―César lê mais, que escreve.‖ Para reforçar o argumento de que, em jj‖, há correlação, e não subordinação, Oiticica (1952, p.35) destaca: ―Impossível prender a segunda oração diretamente a algum verbo como ocorre na subordinação das substantivas e adverbiais, ou a um substantivo qual sucede com as adjetivas. A segunda oração apoia-se exclusivamente no intensivo mais. A conjunção é, sabidamente, correlativa‖. Em relação às orações correlatas consecutivas, Oiticica (1952) mostra alguns exemplos que merecem ser comentados (cf. ex. kk‖, ll‖ e mm‖). kk‖. ―Tanto o animei, que êle publicou o trabalho.‖ (p.40) ll‖. Eles falavam de maneira tal, que ninguém os entendia.‖ (p.46) mm‖. ―Eles falavam de maneira que ninguém os entendia.‖ (p.47) Em kk‖, Oiticica (1952, p.41) considera que ―a conseqüência resulta de uma ênfase referida ao fato causador. Essa ênfase, sempre constante, encarna-se numa palavra intensiva (tão, tanto, tal)‖. Em ll‖, Oiticica (1952, p.46) afirma que ―a correlação está bem clara‖ e que ―de maneira tal é o adjunto adverbial de modo‖. Em mm‖, segundo Oiticica (1952, p.47), o intensivo ―tal‖ não está explícito, mas, ainda assim, trata-se de uma estrutura correlata. Esta ideia difere do que comumente é encontrado em gramáticas tradicionais e não-tradicionais: ―Não percebendo isso e desconhecendo a autonomia das correlatas, fizeram os gramáticos uma locução conjuntiva de modo que, de maneira que, de forma que, etc‖ (Oiticica, 1952, p.47). Oiticica (1952, p.49) também contempla os casos de correlação em que é empregada uma preposição no segundo membro seguido de verbo no infinitivo: ―de 55 modo a, de maneira a, de molde a, de forma a, etc‖. Para o autor (1952, p.50), o uso comum desses itens deve-se ao ―absoluto desamparo oficial à língua padrão‖. Oiticica (1952, p.53) apresenta alguns exemplos retirados dos Lusíadas, de Camões, em que ocorre uma comparação modal (cf. ex. nn‖, oo‖ e pp‖). nn‖. ―Bem como entre os mancebos recolhidos em Canúsia ... destarte a gente força e esforça Nuno.‖ oo‖. ―Mas, qual no mês de maio o bravo touro ... destarte Afonso súbito mostrado ...‖ pp‖. ―Assim como a seu pai acontecera Quando tomou Lisboa, da mesma arte, Do Germano ajudado, Silves toma.‖ Em nn‖, o par correlativo é ―bem como ... destarte‖; em oo‖, é ―qual ... destarte‖ e, em pp‖, é ―assim como ... da mesma arte‖. De fato, nos três exemplos citados anteriormente, percebe-se que as noções de comparação e de modo coexistem. Além de Oiticica (1952), Castilho (2010) também estuda a correlação, analisando-a como um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação. Castilho (2010, p.386) fornece o seguinte exemplo (cf. ex. qq‖). qq‖. ―Fazemos saber que o aluno não somente estuda como também aprende.‖ De acordo com Castilho (2010, p.386), ―a conjunção se desdobrou em duas expressões, atirando uma para a primeira sentença e outra para a segunda‖ e ―essas sentenças não são, portanto, ligadas por coordenação nem por subordinação, e sim por correlação‖. Castilho (2010, p.387) retoma Oiticica (1952) e apresenta o que este autor inclui na correlação: correlação aditiva, correlação comparativa e correlação consecutiva. Estas estruturas foram observadas anteriormente. Além disso, Castilho (2010) afirma que Oiticica (1952), em uma pesquisa posterior, acrescenta à correlação a estrutura alternativa (cf. ex. rr‖). rr‖. ―Você ou estuda ou trabalha, as duas coisas ao mesmo tempo serão muito difíceis.‖ (Castilho, 2010, p.386) 56 Constata-se que, em rr‖, o par correlativo é ―ou ... ou‖. Módolo (2008; apud Castilho, 2010, p.388-390), de forma semelhante a Oiticica (1952) divide as estruturas correlatas em aditivas, alternativas, comparativas e consecutivas. Módolo (2008, p.1094; apud Castilho, 2010, p.388) enumera algumas conjunções correlatas aditivas, entre elas ―não só ... como, não somente ... como, não somente ... mas também e não somente ... como também‖. Um uso em língua falada da correlação aditiva que envolve o par ―não somente ... mas também‖ foi encontrado por Módolo (2008; apud Castilho, 2010, p.388), que vincula a correlação ao discurso: ―as correlatas são favorecidas pelo discurso argumentativo‖. Entre as expressões encontradas em correlatas alternativas, Castilho (2010, p.388) cita ―ou ... ou, ora ... ora, seja ... seja, quer ... quer‖. Segundo Módolo (2008, p.1096; apud Castilho, 2010, p.389), ―a comparação correlativa pode manifestar-se estabelecendo uma igualdade (tanto ... quanto), uma superioridade (mais ... que ou do que), uma inferioridade (menos ... que ou do que) entre duas realidades ou conceitos‖. No que tange às orações correlatas consecutivas, Módolo (2008, p.1099; apud Castilho, 2010, p.390) afirma que ―formas substantivas entram na composição do primeiro membro, com o elemento tal + substantivo antecedido de preposição: ―de tal sorte ... que, em tal maneira ... que, ...‖ e que, em algumas estruturas o intensivo ―tal‖ pode não aparecer explicitamente, como em ―de forma ... que, de jeito ... que, de maneira ... que, de modo ... que, de sorte ... que, por forma ... que, por maneira ... que, por modo ... que‖. Com isso, verifica-se que há semelhanças entre o tratamento dado à correlação por Oiticica (1952), Castilho (2010) e Módolo (2008; apud Castilho). Abordagem distinta encontra-se em Moura Neves (2000) e Azeredo (2008). Estes autores analisam as estruturas correlatas no âmbito da coordenação e da subordinação. Pelos exemplos mostrados e as análises de Moura Neves (2000) e de Azeredo (2008), no âmbito da subordinação adverbial, pode-se concluir que as orações passíveis de ocorrer na forma correlata são as seguintes (cf. quadro 2). 57 Quadro 2: Orações subordinadas adverbiais na forma correlata – Moura Neves (2000) e Azeredo (2008) ORAÇÕES ADVERBIAIS MOURA NEVES AZEREDO (2008) CORRELATAS (2000) Comparativas X X Consecutivas X X Proporcionais X ___ Condicionais ___ X Finais ___ X Moura Neves (2000, p.898-899) apresenta alguns exemplos de orações comparativas na forma correlata (cf. ex. ss‖ e tt‖). ss‖. ―Tenho MAIS coragem DO QUE muito homem safado.‖ tt‖. ―ASSIM COMO o sistema se diferencia (na modernidade) em dois subsistemas (economia e Estado), TAMBÉM ocorrem diferenciações no interior do mundo vivido.‖ Em ss‖, pode-se observar o par correlativo ―mais ... do que‖ e uma comparação de superioridade. Em tt‖, o par correlativo é ―assim como ... também‖, que, de acordo com Moura Neves (2000, p.899) ―implica uma adição comparativa‖ e aparece ―a conjunção comparativa COMO precedida pelo indicador fórico modal ASSIM (ASSIM COMO)‖. O esquema proposto pela autora é o seguinte: ―do mesmo modo que o sistema se diferencia em dois subsistemas do mesmo modo também ocorrem diferenciações no interior do mundo vivido‖ Pelo esquema mostrado anteriormente, nota-se que a estrutura comparativa em tt‖ implica as noções de adição e de modo. Esta estrutura assemelha-se à comparação de igualdade modal de Oiticica (1952). No que tange às orações consecutivas que ocorrem na forma correlata, Moura Neves (2000, p.913-914) mostra exemplos em que há quantificação ou intensificação de um termo da oração que antecede a consecutiva (cf. ex. uu‖) e em que há uma qualificação de um termo da oração anterior à consecutiva (cf. ex. vv‖). uu‖. ―Essa idéia me dominou e excitou DE TAL MANEIRA / QUE mal ouvi o que Orion dizia.‖ 58 vv‖. ―Os planos de incisão e divulsão devem ser feitos DE TAL MODO QUE ocorra uma perfeita cicatrização.‖ Em uu‖, segundo Moura Neves (2000), ―essa idéia me dominou e excitou‖ é o estado de coisas, ―de tal maneira‖ possui uma intensificação e ―que mal ouvi o que Orion dizia‖ é a consequência. Em vv‖, Moura Neves (2000) afirma que há qualificação, e não quantificação, de um termo da oração antecedente da consecutiva. Tanto em uu‖ quanto em vv‖, verificam-se substantivos de natureza modal – ―maneira‖ e ―modo‖, respectivamente. No que tange às orações proporcionais, Moura Neves (2000, p.928) destaca que ―é possível a expressão da relação proporcional por uma construção correlativa‖ (cf. ex. ww‖). ww‖. ―QUANTO MAIS conhecimento o cético adquiria das filosofias, TANTO MAIS conflitantes elas lhe iam parecendo.‖ Em ww‖, o par correlativo que aparece é ―quanto mais ... tanto mais‖. Como observado no quadro 2, há algumas semelhanças entre as abordagens de Moura Neves (2000) e de Azeredo (2008) quanto à correlação nas orações subordinadas adverbiais. Este autor apresenta exemplos de orações comparativas de igualdade, superioridade e inferioridade em que é constatada a presença de pares correlativos. Entretanto, não menciona a correlação quando aborda essas orações. Ao analisar orações que expressam a noção de consequência, Azeredo (2008, p.328) afirma que ―a expressão gramatical típica da consequência se concretiza na conjunção que, ordinariamente antecedida de uma expressão de intensidade‖ e fornece exemplos como xx‖. xx‖. ―Estava tão cansado, que dormiu de sapato e tudo.‖ Nota-se que, em xx‖, o par correlativo é ―tão ... que‖. Apesar de a correlação ser encontrada, Azeredo (2008) não a explicita ao estudar as orações consecutivas. Uma diferença existente entre Moura Neves (2000) e Azeredo (2008) concernente à correlação nas orações subordinadas adverbiais é o fato de este autor apresentar alguns exemplos de orações com valor de condição e de finalidade que sugerem o processo de correlação (cf. ex. yy‖). 59 yy‖. ―Vocês só podem usar o salão para o ensaio, se deixarem tudo arrumado novamente.‖ Apesar de não ser necessária a presença da palavra ―só‖, em yy‖, Azeredo (2008, p.326) atenta para o fato de que ―para exprimir condição com ... contundência ..., a conjunção se tem de vir reforçada por palavras que acentuem sua exclusividade‖. Outro caso de oração com ideia de condição que envolve correlação é destacado por Azeredo (2008, p.328): ―às vezes estas construções vêm reforçadas por pares correlativos do tipo por um lado ... por outro‖ (cf. ex. zz‖). zz‖. ―Se, por um lado, são justas as reivindicações das empregadas, por outro também é verdade que as donas de casa não são empresas.‖ No que tange às orações que expressam a circunstância de finalidade, Azeredo (2008, p.329) ressalta que ―somente as orações finais admitem a ‗focalização‘ por meio de só, ser que, apenas‖ (cf. ex. aa”). aa”. ―Eles só estão trabalhando em dobro para compensar os dias parados.‖ Em aa”, de forma similar ao exemplo yy‖, o uso da palavra ―só‖ não é obrigatório. Entretanto, ao ser utilizada, a palavra ―só‖ contribui para um reforço, uma ênfase à ideia de finalidade. Azeredo (2008, p.351) deixa bem claro o seu ponto de vista quanto ao status do processo de correlação: ―a correlação é um expediente retórico, de rendimento enfático no discurso, e não um processo sintático distinto da coordenação e da subordinação‖. Contemplada a correlação em orações rotuladas como subordinadas adverbiais, a seguir, apresentam-se as considerações de Moura Neves (2000) e Azeredo (2008) relativas à correlação nas orações coordenadas. Ambos abordam a correlação nas orações coordenadas aditivas e alternativas. Nas orações coordenadas aditivas, Moura Neves (2000, p.742) estuda as construções aditivas correlativas, em que pode ser encontrado o par correlativo ―não só ... como também‖ e constata que há uma ―flutuação entre comparação e adição‖, o que é confirmado pelo uso dos ―marcadores alternantes: mas também (mas: coordenador) e como também (como: comparativo)‖. Moura Neves (2000, p.752) também destaca o uso de NEM na correlação: ―diferentemente do e, o NEM pode construir-se em correlação, e, assim, ocorrer já no 60 primeiro dos (dois ou mais) segmentos negativos postos em relação de adição‖ (cf. ex. bb”). bb”. ―NEM ela me ofereceu a mão da amizade e do bom conselho NEM eu jamais respondi com quatro pedras na mão.‖ Para Moura Neves (2000, p.752), o exemplo bb” envolve a ―correlação aditiva negativa‖. Azeredo (2008, p.302), no âmbito da coordenação, cita os exemplos dos pares ―não só ... mas também, não apenas ... mas ainda‖ e propõe que sejam analisados como ―adjuntos conjuntivos de valor aditivo‖ e afirma que ―se empregam assinalando cada um dos sintagmas ou orações coordenados, a fim de dar realce a ambos‖. A definição para adjuntos conjuntivos de Azeredo (2008, p.288) é a seguinte: ―são utilizados como recurso de coesão textual. Estes sintagmas pressupõem alguma porção de sentido precedente no discurso ou texto‖. Nota-se, portanto, que o conceito de adjunto conjuntivo está intimamente ligado ao de correlação, visto que, neste processo, a porção de sentido precedente no discurso ou texto é imprescindível para que um enunciado estabeleça comunicação. Nas orações coordenadas alternativas, Moura Neves (2000, p.771) cita o par correlativo ―ou ... ou‖ e atenta para o fato de que ―pode ocorrer um reforço da correlação, por exemplo o elemento bem‖ (Moura Neves, 2000, p.775) – cf. ex. cc”. cc”. ―OU bem dava de comer aos filhos, OU bem comprava milho para as galinhas.‖ Azeredo (2008, p.304) apresenta os seguintes exemplos de adjuntos conjuntivos relacionados à coordenação alternativa: ―ora ... ora, quer ... quer, seja ... seja, quer ... ou, seja ... ou‖. Segundo Azeredo (2008, p.304), ―estes adjuntos conjuntivos empregam-se para dar realce a todas as alternativas do enunciado‖. 61 2.5. Orações coordenadas No que tange à coordenação, poderiam incluir-se exemplos que, para outros autores, envolveriam o processo sintático de correlação. Quanto ao processo sintático de coordenação sem envolver correlação e tendo, de certa forma, a circunstância de modo presente, merece destaque um comentário de Azeredo (2008, p.309) acerca dos conectivos ―de modo que, de sorte que, de maneira que, daí que‖. De acordo com o autor, ―estes conectivos são de coordenação quando, anunciando um efeito ou conclusão do fato anterior, introduzem uma oração com verbo no modo indicativo‖ (cf. ex. dd”). dd”. ―O enterro foi no Chile, após o golpe, de modo que nossos livros e discos possivelmente caíram nas mãos da polícia.‖ Em dd”, é encontrado um exemplo muito semelhante ao de uma oração adverbial consecutiva (cf. ex. rr, na seção 2.3). A diferença que se verifica é que, em dd”, na oração em destaque o verbo está no indicativo, enquanto que, em rr, na oração consecutiva, o verbo está no subjuntivo. A relação estabelecida entre as orações em dd” é de consequência e se constata a presença de uma palavra de valor modal – ―modo‖. Nota-se que há uma linha tênue entre uma oração coordenada conclusiva e uma subordinada consecutiva. Com este comentário referente à coordenação, encerram-se as considerações que levam em conta a abordagem de autores não tradicionais. Um aspecto percebido na análise dos corpora foi a relação existente entre finitude de cláusulas8 e integração entre elas. Por este motivo, a seguir, apresentam-se algumas abordagens relativas à integração entre cláusulas. 8 O termo ―cláusulas‖ será utilizado a partir deste capítulo, por se tratar de uma nomenclatura condizente com a perspectiva funcionalista, que é a adotada neste estudo. 62 3. INTEGRAÇÃO ENTRE CLÁUSULAS Neste capítulo, destacam-se as contribuições das abordagens de Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993), Halliday (2004), Gonçalves et alii (2007) e Givón (1983) para a análise dos dados dos corpora. 3.1 Abordagem de Lehmann (1985) Lehmann (1985, p.1) estabelece uma tipologia de ligação entre cláusulas (―clause linkage‖) e, para isso, lança mão de alguns conceitos básicos como os de dependência, encaixamento, hipotaxe e coordenação. O autor afirma que o conceito mais geral dentre estes é o de dependência. Segundo Lehmann (1985, p.2), ―a hipotaxe é entendida como a subordinação de uma cláusula e esta definição não impõe nenhuma exigência sintática ou morfológica no elemento subordinado, correspondendo, dessa forma, ao uso comum‖9. O encaixamento, para o autor, é ―a dependência de um constituinte subordinado‖10. A partir dessas definições, considera-se que ―hipotaxe e encaixamento são dois tipos particulares de subordinação em que o primeiro é delimitado pelo tipo de elemento subordinado e o segundo é delimitado pelo tipo de relação de subordinação‖11. De acordo com Lehmann (1985, p.2), a parataxe é a coordenação de cláusulas, em que não há restrições impostas ao tipo de estrutura de coordenação, podendo ser sindética ou assindética. Após apresentar as conceituações de hipotaxe, encaixamento e parataxe, Lehmann (1985) discorre sobre os parâmetros semântico-sintáticos relevantes para a subordinação e para a ligação entre cláusulas. O primeiro parâmetro é o da integração da cláusula subordinada na cláusula principal. Esta integração é identificada a partir de dois aspectos: o sintagma subordinado pode ter uma relação independente, associativa (―sociative‖) ou uma relação dependente com a cláusula principal e este sintagma pode estar subordinado à 9 ―Hypotaxis will be understood as the subordination of a clause. The definition does not impose any further syntactic or morphological requirements on the subordinate element and thus corresponds fairly well to common usage‖. 10 ―... the dependency of a subordinate constituent‖. 11 ―... we get hypotaxis and embedding as two particular types of subordination, the former delimited with respect to the kind of the subordinate element, the latter delimited with respect to the kind of the relation of subordination‖. 63 cláusula principal como um todo ou a um constituinte dela. Lehmann (1985) fornece alguns exemplos que mostram uma hierarquia de integração entre cláusulas partindo da parataxe, passando por exemplos que envolvem cláusulas adjuntas (―adjoined‖), cláusulas que apresentam uma relação de ―cossubordinação‖, o que se assemelha a casos em que se tem uma coordenação sintática e uma subordinação semântica, e atingindo um grau maior de integração, que é a relação de encaixamento. Uma propriedade importante de cláusulas subordinadas mencionada pelo autor é a da variabilidade posicional. Ele acredita que cláusulas subordinadas frequentemente encontram suas posições sujeitas a restrições gramaticais. O segundo parâmetro é o da dessentencialização da cláusula subordinada. Este parâmetro se refere ao grau em que uma cláusula subordinada é elaborada ou reduzida. De um lado, há a expansão de um constituinte nominal ou adverbial em uma construção totalmente desenvolvida e, de outro, há a condensação, ou seja, a redução de uma cláusula em um constituinte nominal ou adverbial da cláusula principal. De acordo com Lehmann (1985, p.10), isto implica uma derivação de sentenças complexas que começa de um grupo de cláusulas completas, as reduz através de uma nominalização e as combina em uma sentença complexa encaixando uma na outra. O terceiro parâmetro é o da gramaticalização do verbo principal. A gramaticalização, em termos gerais, é um processo diacrônico e um continuum sincrônico que envolve itens lexicais que passam a itens gramaticais. Dessa forma, verbos plenos transformam-se em verbos modais e verbos auxiliares. Lehmann (1985) propõe um continuum que ilustra a gramaticalização do verbo principal. A escala parte de um predicador independente (verbo lexical e verbo evidencial), passa pelo verbo modal e no lado do uso mais gramatical do verbo, encontra-se o operador gramatical, que envolve auxiliares e afixos gramaticais ou derivacionais. O quarto parâmetro é o do entrelaçamento (―interlacing‖). Este parâmetro possui um componente semântico e um sintático. O primeiro refere-se ao fato de que duas proposições compartilham alguns elementos de seus significados e o segundo refere-se à não-especificação de elementos em comum nas duas proposições. Neste entrelaçamento, as duas proposições podem compartilhar seus predicadores, o tempo e o modo verbais, e os actantes. Para Lehmann (1985), o ponto central está relacionado ao compartilhamento de actantes, o que envolve o fenômeno de mudança de referência. O autor previne que, em muitas línguas, há uma distinção na flexão de um verbo não-final dependendo se o verbo da cláusula seguinte tem o mesmo sujeito ou sujeito diferente. 64 O quinto parâmetro é o da explicitação da ligação, ou seja, se as cláusulas são ligadas por meio de elementos como conjunções ou não. Mais uma vez, há um continuum que parte da presença explícita de conjunção, passa por um continuum de decréscimo de explicitação e termina com a ausência de conjunção. Lehmann (1985) ressalta que a explicitação de elos tem uma estrutura interna anafórica, isto é, de uma certa forma, se refere ao texto precedente. A partir do continuum mencionado, pode-se chegar à conclusão de que o dispositivo conectivo ou subordinativo é maximamente elaborado no início e gradualmente reduzido ao zero. Isto é ilustrado pelo autor através de um esquema que envolve os seguintes elementos, respectivamente: cláusula subordinada anafórica, verbo no gerúndio, sintagma preposicional, advérbio conectivo, conjunção específica, conjunção subordinativa universal e forma infinitiva do verbo. Nesta pesquisa, observa-se, entre outros aspectos, a relação que se pode fazer entre este continuum e a mudança de referência em estruturas oracionais com noção de modo. Após abordar separadamente cada parâmetro, Lehmann (1985) estabelece as relações que podem ser percebidas entre eles. A alta integração de um elemento subordinado na cláusula principal correlaciona-se com sua dessentencialização, ou seja, construções subordinadas nominalizadas adquirem propriedades de uma expressão nominal e se tornam mais dependentes. A gramaticalização forte de um predicador pressupõe ou uma dessentencialização ou um forte entrelaçamento, pois a gramaticalização transforma o predicador em um operador gramatical na construção subordinada. O entrelaçamento de cláusulas pressupõe integração da cláusula subordinada e leva à dessentencialização desta. Isto pode ser mais bem explicado pelo fato de que o controle de sujeito dependente significa não-finitude do verbo dependente e isto significa forte dessentencialização. A explicitação de um elo tem algum vínculo com a dessentencialização. Isto pode ser explicado pelo fato de uma conjunção explícita, seja coordenativa seja subordinativa, ter uma função adverbial na cláusula a que se liga enquanto que subordinadores puros são apenas operadores aplicados à cláusula em que se encontram. Por fim, a não-explicitação de um elo correlaciona-se com o controle de sujeito dependente e, consequentemente, com o entrelaçamento. Todas essas relações contribuem para o estudo pretendido aqui, pois serão analisadas estruturas que podem ter diferentes níveis de integração e isto pode estar relacionado a outros fatores como a explicitação ou não de um elo, isto é, se as cláusulas 65 ocorrem na forma desenvolvida ou reduzida e a mudança ou não de referência, ou seja, se o sujeito da cláusula subordinada é igual ou diferente do encontrado na cláusula principal. Aos comentários de Lehmann (1985) somem-se os de Hopper e Traugott (1993) com algumas especificidades. 3.2. Abordagem de Hopper e Traugott (1993) Hopper e Traugott (1993), ao estudarem a gramaticalização por meio das cláusulas, abordam a interligação delas. Os pesquisadores afirmam que o discurso não é constituído de elocuções isoladas, mas sim de unidades informacionais que estão interligadas. Para eles, todas as línguas possuem dispositivos para interligar as cláusulas no âmbito do que se chama de períodos complexos. Hopper e Traugott (1993) analisam o fenômeno de gramaticalização e, diferentemente de alguns autores, não o restringem a itens, mas o ampliam e o incluem no processo de combinação oracional. Givón (1979; apud Hopper e Traugott, 1993, p.168) propõe a seguinte escala: discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero. Seguindo a sugestão de Givón (1979; apud Hopper e Traugott, 1993, p.168), há um declive unidirecional no que tange à combinação de cláusulas, que vai da justaposição relativamente livre à combinação sintática e morfológica dentro dos limites da estrutura da gramaticalização amplamente interpretada. Hopper e Traugott (1993) fornecem definições de parataxe, hipotaxe e subordinação ou encaixamento, tal como Lehmann (1985). Para estes autores, esses são três ―pontos de aglomeração‖ (Hopper e Traugott, 1993, p.169). A parataxe refere-se à independência relativa e a hipotaxe refere-se à interdependência, em que há um núcleo e uma ou mais cláusulas que não podem ficar sozinhas. Consequentemente, as cláusulas são relativamente dependentes, mas sem se incluírem completamente em qualquer constituinte do núcleo. A subordinação ou o encaixamento, que é a sua forma extrema, refere-se à dependência completa, em que uma margem está completamente incluída no constituinte de um núcleo. Hopper e Traugott (1993), ao estabelecerem a distinção entre parataxe, hipotaxe e subordinação, desconstroem a tradicional visão bipartida constituída pela coordenação 66 e pela subordinação. Os autores propõem um esquema que será reproduzido a seguir, sob a forma de esquema 1. Esquema 1: Combinação de cláusulas (Hopper e Traugott, 1993) Parataxe > Hipotaxe > Subordinação - dependente + dependente + dependente - encaixada - encaixada + encaixada Pelo esquema 1, percebe-se que a distinção entre parataxe, hipotaxe e subordinação é feita segundo o critério sintático, considerando a maior ou menor dependência sintática e o maior ou menor encaixamento também sintático. Hopper e Traugott (1993) abordam a dessentencialização de cláusulas, ao explicitarem que o processo mínimo na combinação de cláusulas é a unificação e a integração, pelo menos, pragmaticamente. Para os autores, esta integração é frequentemente acompanhada da dessentencialização e da gradação hierárquica. Hopper e Traugott (1993) asseveram que o declive da dependência se correlaciona com um declive da integração gramatical, em que a finitude estaria à esquerda, ou seja, representando menor integração e a não-finitude estaria à direita, ou seja, representando a maior integração. Os autores discutem a existência de um paralelismo cognitivo entre forma e função: ―Quanto mais integrados semanticamente ou pragmaticamente forem dois conteúdos, mais as cláusulas que os codificam estarão integradas gramaticalmente‖ (Givón, 1990, p.826; apud Hopper e Traugott, 1993, p.171). Langacker (1991, p.439; apud Hopper e Traugott, 1993, p.171) fornece exemplos para explicar a relação entre explicitação morfossintática e integração entre as cláusulas. Hopper e Traugott (1993) concluem que os dispositivos mais explícitos estão relacionados à mínima integração semântico-pragmática e os menos explícitos à máxima integração semântico-pragmática. Tomando-se como base os exemplos apresentados pelos autores, se aceita que há um continuum que parte da menor integração semântico-pragmática para a maior integração semântico-pragmática e que uma cláusula desenvolvida seria menos integrada com a cláusula principal do que uma cláusula reduzida de infinitivo, que, por sua vez, seria menos integrada com a cláusula 67 principal do que uma cláusula reduzida de gerúndio. A partir dessas assertivas, Hopper e Traugott (1993, p.171) apresentam um esquema que será reproduzido a seguir, sob a forma de esquema 2. Esquema 2: Propriedades relevantes para a combinação de cláusulas (Hopper e Traugott, 1993) Parataxe-------------------------------- Hipotaxe--------------------------Subordinação núcleo-------------------------------------------------------------------------margem integração mínima------------------------------------------------------integração máxima máxima combinação explícita-----------------------------mínima combinação explícita 3.3 Abordagem de Halliday (2004) Halliday (2004) considera a organização interna da cláusula como um construto multifuncional. A partir da noção de cláusula complexa, pode-se entender que nem sempre uma cláusula relaciona-se apenas com outra cláusula. As relações são mais amplas e pode haver um bloco de informação representado por várias cláusulas interligadas, cujo significado total articula-se com o discurso precedente ou subsequente. Com isso, não se limita à dependência entre cláusulas, pois, em vez de haver dependência de uma cláusula em relação à outra, trabalha-se com a possibilidade de uma cláusula ser dependente de um bloco formado por mais de uma cláusula. Esta ampliação das relações de dependência evidencia a construção de um texto. Sabe-se que um texto não é formado por frases isoladas e que cada parágrafo relaciona-se com outro para formar um todo coerente semântica e sintaticamente. O autor, portanto, combina um tipo de relação que está no âmbito da sintaxe com um que está no âmbito da semântica. O primeiro é o que Halliday (2004) denomina TAXIS e é dividido em parataxe e hipotaxe, e o segundo envolve as relações lógicosemânticas, que se dividem nos processos de expansão e projeção. No que tange ao nível de interdependência (TAXIS), Halliday (2004) define parataxe como a relação entre dois elementos de status igual, um que inicia e outro que 68 continua, e a hipotaxe como a relação entre dois elementos com status diferente, em que há um dependente e um dominante. De um modo geral, poder-se-ia estabelecer uma equivalência entre parataxe e coordenação de um lado, e hipotaxe e subordinação de outro. Entretanto, não é tão simples assim, pois nem todas as orações coordenadas se comportam da mesma forma assim como nem todas as orações subordinadas têm comportamento igual. Além da parataxe e hipotaxe, Halliday (2004) também explica um terceiro processo: o encaixamento. Para o autor, este processo não envolve relações entre cláusulas, mas um mecanismo em que uma cláusula ou um sintagma funciona como um constituinte dentro da estrutura de um grupo. Halliday (2004) fornece alguns exemplos de estruturas que, tradicionalmente, são chamadas orações adjetivas restritivas para ilustrar isso. No que tange às relações semântico-pragmáticas, Halliday (2004) apresenta dois mecanismos fundamentais: o da expansão e o da projeção. O primeiro relaciona fenômenos como sendo da mesma ordem de experiência e o segundo relaciona fenômenos de uma ordem maior de experiência, que se referem aos atos de falar e pensar. Para o autor, uma cláusula expande outra por meio de três processos: elaboração, extensão e realce, e uma cláusula é projetada através de outra, o que a instancia como uma locução (ligada ao ato de dizer, falar) ou como uma ideia (ligada ao ato de pensar). Uma cláusula expande outra por elaboração quando há reafirmação do conteúdo em outras palavras, especificação em maiores detalhes, comentários ou exemplificações; uma cláusula expande outra por extensão, quando há acréscimo de algum elemento novo, quando há exceções ou alternativas e uma cláusula expande outra por realce, quando há embelezamento ou a qualificação de uma característica circunstancial. Uma cláusula é projetada para outra por locução, quando há uma construção textual, ou seja, representa o que uma pessoa diz, passando anteriormente pelo processo de pensar e uma cláusula é projetada para outra por ideia, quando há a construção de significados, isto é, está no âmbito do pensamento. Como já fora comentado, Halliday (2004) une as relações de parataxe, hipotaxe e encaixamento com as relações de expansão e projeção. A seguir, apresentam-se as possíveis combinações dessas relações a partir de exemplos fornecidos por Halliday (2004). A parataxe de elaboração produz três tipos de relações: exposição, exemplificação e clarificação (cf. quadro 3). 69 Quadro 3: Três tipos de relação na parataxe de elaboração Relações na parataxe de elaboração Exposição Exemplificação Clarificação Funções Re-elaboração da tese presente na primeira cláusula Desenvolvimento de uma tese por meio de uma especificação maior Clarificação da tese presente na primeira cláusula por meio de um comentário adicional Na exposição, uma cláusula re-elabora a tese presente na primeira cláusula com outras palavras, isto é, apresenta a informação sob um outro ponto de vista (cf. ex. I) 12. I. ―Eu provavelmente precisei daquilo; era muito saudável.‖13 Em I, a cláusula ―era muito saudável‖ apresenta um comentário que diz, por meio de outras palavras, o que está presente na primeira cláusula – ―eu provavelmente precisei daquilo‖. Na exemplificação, a cláusula secundária, ou seja, a segunda que aparece no segmento, desenvolve a tese da primeira por meio de uma especificação maior (cf. ex. II). II. ―Nós tínhamos corridas – nós tínhamos corridas de revezamento.‖14 Em II, a cláusula secundária – ―Nós tínhamos corridas de revezamento‖ representa um exemplo do que foi mencionado na cláusula primária – ―nós tínhamos corridas‖. Na clarificação, a cláusula secundária clarifica uma tese presente na cláusula primária, retornando a ela e fornecendo alguma explanação ou comentário adicional (cf. ex. III). 12 Os exemplos dos autores representantes da perspectiva funcionalista que ilustram os conceitos de integração entre cláusulas e mudança de referência (cap. 3) são apresentados por meio de algarismos romanos. 13 ―I probably needed that; it was very healthy.‖ (Halliday, 2004, p.398) 14 ―We used to have races – we used to have ralays.‖ (Halliday, 2004, p.398) 70 III. ―Ele nunca disse nada para ela; na verdade, seu último comentário foi para uma árvore.‖15 Em III, a cláusula secundária – ―na verdade, seu último comentário foi para uma árvore‖ - apresenta um fato que explica melhor o que foi dito na cláusula primária – ―Ele nunca disse nada para ela‖. A hipotaxe de elaboração origina o que tradicionalmente denomina-se de orações subordinadas adjetivas explicativas, pois a função destas é explicar melhor o conteúdo presente na cláusula primária. Elas podem ocorrer na forma finita (cf. ex. IV), ou seja, desenvolvida, ou na forma não-finita (cf. ex. V), ou seja, reduzida. IV. ―A inflação, que foi necessária para o nosso sistema, tornou-se letal.‖16 V. ―Ele era um verdadeiro homem, perseguindo o sonho de explorar as selvas.‖17 Tanto em IV como em V, as cláusulas destacadas funcionam como um comentário à parte em relação a um antecedente: em IV, ―inflação‖ e, em V, ―verdadeiro homem‖. Em IV, há o pronome relativo ―que‖ e, em V, é utilizado o gerúndio – perseguindo. A parataxe de extensão origina o que tradicionalmente denomina-se de coordenação de cláusulas. Há três subtipos de parataxe de extensão: adição (cf. ex. VI), variação (cf. ex. VII) e alternativa (cf. ex. VIII) – cf. quadro 4. 15 ―He never said anything to her; in fact his last remark was evidently addressed to a tree.‖ (Halliday, 2004, p.399) 16 ―Inflation, which was necessary for the system, became also lethal.‖ (Halliday, 2004, p.401) 17 ―He was an absolute loner of a man, pursuing some dream of exploration in the jungles.‖ (Halliday, 2004, p.403) 71 Quadro 4: Três subtipos de parataxe de extensão Subtipos de parataxe de extensão Adição Variação Alternância Funções Simples adição de informação Substitui o conteúdo da cláusula primária Um fato exclui o outro VI. ―Ele tinha sido um aluno de História Medieval na faculdade e eu era interessado em Literatura Medieval, também.‖18 VII. ―O vortex não é um cilindro uniforme, mas tem um formato que varia com a altitude.‖19 VIII. ―Eu posso ir ao computador ou comer alguma coisa.‖20 Em VI, há uma simples adição de informação; em VII, a cláusula em destaque tem uma função substitutiva, isto é, toda a informação nela presente substitui o conteúdo da cláusula primária; em VIII, há a relação de alternância, em que um fato exclui o outro. A hipotaxe de extensão é uma combinação rara e também envolve adição (cf. ex. IX), variação (cf. ex. X) e alternativa (cf. ex. XI). Elas podem ocorrer na forma finita ou não-finita. IX. ―Enquanto os pais de muitas crianças trabalhavam no escritório, meu pai trabalhava no estúdio.‖21 X. ―A câmera recua para mostrar Kane e Susan exatamente nas mesmas posições de antes, exceto que eles estão mais velhos.‖22 XI. ―Se você não o perdeu, então está no armário.‖23 18 ―He‘d been a medieval history student in college and I was interested in medieval literature, too.‖ (Halliday, 2004, p.406) 19 ―The vortex is not a uniform cylinder but has a shape that varies with altitude ...‖ (Halliday, 2004, p.407) 20 ―Can I go on the computer, or have something to eat.‖ (Halliday, 2004, p.408) 21 ―Whereas most children‘s fathers worked at an office, my father worked at the studio …‖ (Halliday, 2004, p.408) 22 ―Camera pulls back to show Kane and Susan in much the same positions as before, except that they are older.‖ (Halliday, 2004, p.408) 23 ―If you haven‘t lost it, then it‘s in that cupboard.‖ (Halliday, 2004, p.409) 72 Em IX, pode-se dizer que há uma relação adversativa e esta dificuldade de estabelecer uma distinção entre adição e adversidade é comentada por Halliday (2004). Em X, a cláusula em destaque tem uma função substitutiva e, em XI, a cláusula destacada expressa uma relação de alternância, pois há duas alternativas: ou a pessoa perdeu um objeto ou ele este está no armário. Note-se que a relação de alternância é expressa por uma estrutura que, tradicionalmente, é denominada oração subordinada adverbial condicional. A parataxe de realce origina o que é conhecido como coordenação. Entretanto, as orações coordenadas em questão têm uma característica circunstancial incorporada a elas. Isto é importante para esta pesquisa, pois aqui o objeto de estudo são as orações que têm a noção de modo, isto é, que expressam essa circunstância. Por este motivo, será apresentado um exemplo em que a oração coordenada possui um matiz modal (cf. ex. XII). XII. ―Continue subtraindo as diferenças e dessa forma você chegará onde quer.‖24 A hipotaxe de realce gera as chamadas cláusulas adverbiais e, portanto, também é relevante para este trabalho, pois uma maneira de a noção de modo ser veiculada é por meio das orações subordinadas adverbiais modais. Ressalte-se, ainda, que, na hipotaxe de realce, as cláusulas podem ocorrer na forma finita e na forma não-finita. No que se refere à expansão encaixada, pode-se dizer que as cláusulas têm a função de definir, delimitar ou especificar. Portanto, a expansão encaixada característica é a chamada cláusula adjetiva restritiva. A elaboração encaixada é representada por cláusulas adjetivas restritivas introduzidas por QUE, O QUAL (cf. ex. XIII). XIII. ―ela disse: ‗você sabe de mais alguém que tirou algumas fotos minhas no vestido bacana?‖25 O único sentido de extensão que produz cláusulas encaixadas é o de posse. Estas cláusulas podem ser introduzidas, por exemplo, por CUJO (cf. ex. XIV). 24 ―Keep on subtracting the difference, and in that way you will arrive at the correct figure.‖ (Halliday, 2004, p.414) 25 ―she said ‗Do you know of anyone else who‘s taken any photos of me at the fancy dress?‘‖ (Halliday, 2004, p.429) 73 XIV. ―Eu recentemente li uma história incrivelmente bem escrita sobre um casal cujo filho de trinta e tantos anos morre de uma doença.‖26 No que concerne ao encaixamento de realce, a relação entre a cláusula encaixada e o nome núcleo (―head noun‖) é uma circunstância de tempo, lugar, modo, causa ou condição. Este sentido circunstancial pode estar localizado na própria cláusula encaixada (cf. ex. XV) ou no nome funcionando como núcleo (cf. ex. XVI). XV. Alguns podem precipitar diretamente da água do mar em áreas onde o vulcanismo libera sílica em grande quantidade.27 XVI. ―Nós compartilhamos um lugar na Itália no verão em que estava trabalhando.‖28 Em XV, a cláusula destacada é encabeçada pelo item ONDE e expressa a circunstância de lugar. Já em XVI, é o nome núcleo ―verão‖ que expressa a circunstância de tempo. Já foram explicitadas as relações entre os tipos de expansão e os processos de parataxe, hipotaxe e encaixamento. Resta apresentar alguns comentários acerca da relação lógico-semântica de projeção. A projeção é uma relação lógico-semântica em que uma cláusula funciona como uma representação de uma representação linguística. De um modo geral, pode-se dizer que a projeção refere-se ao pensamento e ao ato de dizer. Com isso, pode-se relacionar a citação com a parataxe (cf. ex. XVII) e o discurso reportado com a hipotaxe (cf. ex. XIII). Esta é a tradicional diferença entre discurso direto e discurso indireto. XVII. ―‗Nós temos que ter cadeados de gatilho de segurança obrigatórios para criança e identidade com foto para a compra de novas armas‘, [Gore disse à multidão].‖29 XIII. ―Nakisha Johnson, 17, disse [que viu um homem jovem atirar depois que uma discussão entre jovens tornou-se violenta].‖30 26 ―I recently read an incredibly well-written story about a couple whose thirty-something-year-old son dies of an illness.‖ (Halliday, 2004, p.432) 27 ―Some may precipitate directly from sea water in areas [ where volcanism releases abundant silica].‖ (Halliday, 2004, p.433) 28 ―We shared a place in Italy the summer I was working on it.‖ (Halliday, 2004, p.435) 29 ― ‗We really have to have mandatory child safety trigger locks, and photo license Ids for the purchase of new handguns‘, Gore told the crowd‖ (Halliday, 2004, p.443) 30 ―Nakisha Johnson, 17, said she saw one young man open fire after a feud between youths became violent.‖ (Halliday, 2004, p.442) 74 Halliday (2004) ainda mostra a combinação de locuções e ideias com encaixamento. Observe o exemplo XIX, que ilustra uma locução encaixada e o exemplo XX, que ilustra uma ideia encaixada. XIX. ―Líderes tanto de um projeto público como de uma companhia privada competidora divulgaram afirmações na sexta-feira [que eles juntamente anunciariam o status do trabalho deles na segunda-feira].‖31 XX. ―O pensamento [de que ela um dia possa ser uma rainha] ...‖32 Percebe-se que, em ambos os exemplos, há um nome e uma oração que funciona como complemento deste nome. 3.4 Abordagem de Gonçalves et alii (2007) O estudo de Gonçalves et alii (2007) refere-se a orações que manifestam relação de temporalidade. Tentar-se-á fazer algo semelhante, neste estudo, com orações que manifestam relação de modo, com base nas estruturas encontradas pelos autores. Tal fato justifica a utilização deste trabalho aqui. Gonçalves et alii (2007, p.149) observaram orações de tempo combinadas por parataxe e as dividiram em ―estruturações justapostas‖ e ―estruturações intermediárias 1‖. A primeira estrutura representa orações que estão lado a lado sem um conectivo explícito (cf. ex. XXI) e a segunda representa orações que estão acompanhadas de sequenciadores narrativos (cf. ex. XXII). XXI. ―Ela ... o cachorrinho morreu ... ela enterro encostadinho na parede nossa aí.[POP/SP]‖ XXII. ―Aí eu estava jogando bola, ele me chamou para mim ir. [PEUL 62]‖ Os autores pesquisaram também orações de tempo combinadas por hipotaxe. Esta estrutura equivale à hipotaxe de realce apresentada por Halliday (2004) e às orações subordinadas adverbiais da perspectiva tradicional. Gonçalves et alii (2007) analisam orações de tempo finitas (cf. ex. XXIII) e não-finitas (cf. ex. XXIV). 31 ―Leaders of both a publically-funded Project and a competing private company issued statements Friday that they jointly would announce the status of their work on Monday.‖ (Halliday, 2004, p.467) 32 ―the thought that she might one day be a queen.‖ (Halliday, 2004, p.470) 75 XXIII. ―Ela fica apavorada quando a gente sai. [PEUL 56]‖ XXIV. ―Passando o cemitério ... o ônibus faz aquelas voltinha. [POP/SP]‖ Assim como Halliday (2004), os autores consideram um terceiro processo: o encaixamento. Para Gonçalves et alii (2007, p.151), o encaixamento refere-se às orações que ―reclamam um complemento, que será fornecido em outra estrutura oracional‖. Existem, para eles, uma estruturação intermediária 2 e uma estruturação de encaixamento prototípico. A estruturação intermediária 2 engloba as orações adjetivas restritivas e explicativas que têm como pronome relativo a palavra QUANDO. As orações adjetivas restritivas deste tipo são chamadas pelos autores de determinativas (ex. XXV) e as orações adjetivas explicativas são chamadas pelos autores de apositivas (ex. XXVI). As primeiras equivalem à cláusula encaixada de realce de Halliday (2004) e as segundas à hipotaxe de elaboração de Halliday (2004). XXV. Antigamente ... quando um cara falava assim ... ela já pensava que era verdade mesmo. [POP/SP] XXVI. Antigamente ... quando eu vim pra São Paulo ... naquele tempo os campeonato era só sábado e domingo né? e era só no Pacaembu ... eu ia todo sábado e domingo [POP/SP] A estruturação de encaixamento prototípico é dividida por Gonçalves et alii (2007) em encaixamento prototípico com função substantiva (cf. ex. XXVII) e encaixamento prototípico com função adjetiva (cf. ex. XXVIII). O primeiro assemelhase à locução encaixada de Halliday (2004) por envolver uma palavra ou oração que pede um complemento e o segundo equivale ao encaixamento de elaboração de Halliday (2004). XXVII. Mas é ruim demais quando a gente descobre. [POP/SP] XXVIII. A hora que eles chega ... aí eles roba [POP/SP] Em XXVII, a oração destacada exerce a função sintática de sujeito da oração principal. Segundo Gonçalves et alii (2007), existe também o encaixamento prototípico 76 com função sintática de objeto direto. Em XXVIII, a oração em destaque tem como pronome relativo ―a partícula polifuncional que‖ (Gonçalves et alii – 2007, p.153). De acordo com os autores, a oração adjetiva pode ocorrer também na forma não-finita. A proposta de Gonçalves et alii (2007) parece ser mais apropriada à proposta deste estudo do que a da abordagem tradicional, pois não se trabalha mais com a dicotomia coordenação versus subordinação. Com isso, a distribuição das orações com noção de tempo elaborada por esses autores assim como as combinações propostas por Halliday (2004) entre parataxe, hipotaxe e encaixamento contribuem para o estudo das orações que manifestam relação de modo (cf. subcapítulo 6.2, seção 6.2.1). 3.5. Mudança de referência Como já foi dito, o entrelaçamento, caso especial de integração, abordado por Lehmann (1985), é estudado por Givón (1983) sob o nome de mudança de referência. Givón (1983) explicita esse fenômeno no âmbito do domínio funcional complexo da continuidade tópica. Com isso, o autor amplia a definição de mudança de referência, a fim de abarcar o maior número de usos possíveis em línguas diferentes. Para Givón (1983), há três níveis de continuidade no discurso: a continuidade temática, que se refere ao parágrafo temático; a continuidade de ação, que se refere ao encadeamento de verbos e predicações; e a continuidade de participantes ou tópicos, que se refere à manutenção ou mudança de referência em relação aos participantes de uma ação. A primeira liga-se ao modo como as cláusulas se combinam para formar um parágrafo e à contribuição desta combinação para a manutenção ou não de tópico, assunto dentro de um parágrafo. A segunda relaciona-se à cadeia de verbos e predicações dentro de um parágrafo e ao tempo, aspecto e modo verbais que se mantêm ou não para dar uma coerência temporal ou causal em um texto. A terceira concerne à organização dos parágrafos temáticos em que um nominal é um tópico recorrente e, ao longo do texto, tem diferentes valores de continuidade. Segundo Givón (1983), o discurso humano costuma ter uma continuidade tópica e a descontinuidade tópica é um caso marcado, ou seja, menos frequente. Há alguns fatores que afetam a continuidade do discurso como o afastamento entre as menções e a 77 entrada de outros tópicos. O autor estabelece uma escala que parte da alta continuidade para a alta descontinuidade, como pode ser observado no esquema 3 a seguir. Esquema 3: Escala de continuidade tópica (Givón, 1983) ALTA CONTINUIDADE a. Anáfora zero b. Pronomes átonos / dependentes ou concordância gramatical c. Pronomes tônicos / independentes d. SN definido deslocado à direita e. SN definido simples f. SN definido deslocado à esquerda g. Duplo contraste / topicalização contrastiva h. Construções clivadas / de foco ALTA DESCONTINUIDADE Nesta pesquisa, destaca-se a continuidade em cláusulas principais e subordinadas bem como os níveis de dependência em cláusulas finitas e não-finitas. De acordo com Givón (1983), em geral, cláusulas principais tendem a carregar informação sequencial e de ação contínua enquanto que cláusulas subordinadas tendem a carregar informação não-sequencial, não-contínua. Há uma certa tendência de os tópicos e sujeitos das cláusulas principais serem contínuos, ou seja, terem o mesmo referente, e os das cláusulas subordinadas serem descontínuos, ou seja, terem referente distinto. Em relação à finitude das cláusulas, nas cláusulas finitas, há mais codificação e, nas cláusulas não-finitas, tanto o verbo como o sujeito recebem menos codificação e o sujeito tende a ser expresso como zero, o que confere à cláusula uma continuidade de referente e de ação. Este contraste entre cláusulas finitas e não-finitas pode funcionar como uma forma de codificar a mudança ou manutenção de referência. Givón (1983) ilustra essa ideia com os seguintes exemplos em inglês: 78 XXIX. Before he left, John talked to Bill. (Antes de ele ter partido, John falou com Bill) XXX. Before leaving, John talked to Bill. (Antes de partir, John falou com Bill) No exemplo XXIX, apesar de o pronome he geralmente ser correferencial com o sujeito John, há a possibilidade de ele se referir a outro participante, enquanto que, no exemplo XXX, o uso do verbo na forma não-finita leaving contribui para a única interpretação possível: a de que o ato de partir (leaving) só pode se referir ao sujeito John. Givón (1983, p.67) aplica o princípio de iconicidade à continuidade de sujeitos e afirma que ―quanto mais contínuo / previsível é o SN tópico / sujeito / referente, menos expressão explícita ele precisa receber‖. Isto pode ser conferido na escala apresentada no esquema 3, em que, no extremo da alta continuidade, está a anáfora zero e, no extremo da alta descontinuidade, estão as construções clivadas. O fenômeno da mudança de referência tratado por Givón (1983) relaciona-se à manutenção ou mudança de referência em cláusulas modais com a finitude dessas. 79 4. TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO Um dos aspectos aplicados à análise dos corpora foi o tipo semântico de verbo. Este aspecto está correlacionado ao da integração semântico-pragmática, comentado em 3, pois parece haver uma relação entre verbos dos tipos ―material‖ e ―verbal‖ e cláusulas mais integradas – não-finitas – e entre verbos dos tipos ―relacional‖, ―existencial‖ e ―sensitivo‖, e cláusulas menos integradas – finitas. Levaram-se em conta os tipos semânticos de verbo propostos por Halliday (1994; apud Scheibman, 2001, p.67), baseados em três experiências humanas: ser, sentir e fazer. As categorias são as seguintes: cognitivo, existencial, sensitivo, material, perceptivo, relacional e verbal. Além desses sete tipos de verbo, acrescentaram-se o corpóreo, proposto por Dixon (1991; apud Scheibman, 2001, p.67) e o possessivo / relacional baseado em Scheibman (2001). Os tipos semânticos referem-se ao verbo principal, portanto, se um verbo modal ou auxiliar for utilizado, o que será analisado semanticamente não é ele, mas sim o verbo principal a ele associado. Verbos do tipo ―cognitivo‖ aplicam-se ao ato de pensar, raciocinar; verbos do tipo ―existencial‖ referem-se ao fato de algo existir, estar presente, acontecer; verbos do tipo ―sensitivo‖ relacionam-se a sentimentos e sensações; verbos do tipo ―material‖ são verbos de ação; verbos do tipo ―perceptivo‖ referem-se à percepção, observação; verbos do tipo ―relacional‖ são os verbos de ligação das gramáticas tradicionais; verbos do tipo ―verbal‖ exprimem o ato de dizer, falar; verbos do tipo ―corpóreo‖ manifestam ações relacionadas ao corpo, ao organismo; e verbos do tipo ―possessivo / relacional‖ referemse à ideia de posse, da capacidade de obter algo. No quadro 5, são enumerados alguns exemplos para ilustrar os tipos semânticos verbais utilizados. 80 Quadro 5: Tipos semânticos verbais TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO EXEMPLOS Cognitivo Presumir, saber, entender, pensar, verificar Corpóreo Repousar Existencial Acontecer, estar, haver Sensitivo Prezar, sofrer, querer, sentir Material Fazer, ir, proceder Perceptivo Ver33 Possessivo / Relacional Ter, conter, conseguir Relacional Ser, tornar-se Verbal Dizer, sublinhar34 33 O verbo ―ver‖, geralmente quando seguido da conjunção integrante QUE, pode ser considerado um verbo do tipo ―cognitivo‖. 34 Nesse caso, o verbo está sendo utilizado com o significado de ―salientar‖. 81 5. ORAÇÕES MODAIS: BREVE APRESENTAÇÃO Silva (2007), ao pesquisar as orações subordinadas adverbiais modais, analisou aspectos importantes do comportamento destas orações e alguns deles serão retomados neste capítulo: as formas de articulação, os gêneros textuais em que foram mais frequentes e o confronto entre orações modais e orações fronteiriças. No que se refere às chamadas orações fronteiriças, há também a necessidade de se repensarem alguns critérios utilizados no cotejo entre modais e outras orações que se assemelham a elas bem como refinar a definição das orações analisadas. Para a análise de dados, este autor utilizou o corpus VARPORT, já comentado, e obteve alguns resultados que serão elucidados a seguir. No que diz respeito às formas de articulação, verificou-se que 189 (72%) orações apresentaram-se na forma reduzida com o verbo no gerúndio (cf. ex. I35); 54 (20%) ocorreram com a presença da preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (cf. ex. II) e 21 (8%) apareceram na forma desenvolvida (cf. ex. III, IV e V), perfazendo um total de 264 orações. I. ―[Cantando] espalharei por toda parte / Fazendas, Modas e roupas brancas.‖ (E-B-83-JA-016) II. “Geléa Americana de oleo de fígado de bacalhao // preparada por E.H. Treux // Para moléstias do peito / Toma-se, como indicada a instrução, [sem sentir-se o menor gosto de óleo]‖. (E-B-83-JA-001) III. ―Joaquim José Pereira noticia saber cura Herneas no escroto com toda a perfeição [sem que fique defeituoso]‖. (E-B-81-JA-026) IV. ―Esperamos na espectativa sympathica, para applaudil-o e julgal-o [como merece]‖. (E-B-83-JN-045) V. ―A Inspectoria, esquecida da velha legislação Brasileira, entra, [como se fora sua casa], em todos os bancos, indagando pormenorizadamente de contas particulares [como se estivera relacionando os fundos alheios para uma próxima e eqüitativa partilha]‖. (E-B-92-JE-004) Em I, a oração destacada explica o modo como alguém espalhará uma notícia por toda parte, o verbo encontra-se no gerúndio e a oração modal está anteposta em relação à oração principal. 35 Os exemplos retirados de Silva (2007) são apresentados por algarismos romanos em negrito. 82 Em II, a oração em destaque indica o modo como a geleia deve ser tomada, contém a preposição SEM seguida de verbo no infinitivo e está na posição mais frequente das orações modais, isto é, posposta. Em III, a oração entre colchetes explica o modo como Joaquim José Pereira sabe curar Herneas no escroto, está articulada à outra por meio da locução conjuntiva SEM QUE e se encontra posposta à oração principal. Em IV, a oração destacada indica o modo como alguém pode ser aplaudido e julgado, está articulada à outra por meio da conjunção subordinativa COMO e também está posposta à oração principal. Em V, a oração explica o modo como a Inspetoria entra em todos os bancos, está articulada à outra pela locução conjuntiva COMO SE e aparece posposta à oração principal. No que tange aos gêneros textuais em que as orações modais foram encontradas, obtiveram-se os seguintes resultados: 83 (31,4%) apareceram em anúncios; 77 (29,2%) ocorreram em editoriais; 73 (27,7%) foram encontradas em notícias e 31 (11,7%) apareceram em entrevistas, perfazendo um total de 264 dados. Os exemplos III, V e IV contêm, respectivamente, orações modais em anúncio, em editorial e em notícia. O exemplo VI, a seguir, contém uma oração modal retirada de uma entrevista. VI. ―Morrerei [dizendo] que ela estava verde.‖ (OC-B-70-3F-001) Em VI, a oração modal explica o modo como alguém morrerá e o verbo está no gerúndio. Os resultados referentes aos gêneros textuais puderam, àquela altura da pesquisa, levar à conclusão de que as orações modais, no corpus analisado, são mais frequentes em textos de língua escrita. Um ponto importante da descrição proposta por Silva (2007) que auxiliou na análise das orações modais neste estudo foi o confronto estabelecido entre estas orações e outras semelhantes a elas, seja pela forma de articulação, seja pela possibilidade de mais de uma interpretação semântica. O quadro a seguir resume as ideias apresentadas referentes ao cotejo supracitado (cf. quadro 6). 83 Quadro 6: Formas de articulação das orações modais propriamente ditas e orações fronteiriças FORMAS DE ARTICULAÇÃO CONSTRUÇÕES ORACIONAIS SEM QUE Concessiva, condicional, consecutiva e MODAL SEM + INFINITIVO Concessiva, condicional e MODAL COMO Conformativa, comparativa e MODAL DE MODO QUE (EXPLÍCITO) Consecutiva DO MODO COMO (IMPLÍCITO) MODAL GERÚNDIO Coordenada, condicional e MODAL No quadro 6, observa-se que há vários tipos de oração capazes de se articular da mesma forma e isto favorece a existência de uma proximidade entre elas e a oração subordinada adverbial modal. O primeiro tipo de oração subordinada adverbial com o qual a modal pode ser confundida é a conformativa. A confusão advém do fato de ambas serem ―introduzidas pela conjunção COMO‖ (Silva, 2007, p.66). O autor retoma uma afirmação de Barreto (1999, p.201) que auxilia na diferenciação de um caso do outro: ―a relação de conformidade se refere a algo, isto é, a algum fato que induz a realização de outro; há uma conformidade entre o pensamento expresso na oração subordinada e o da oração principal‖. Em seguida, Silva (2007) fornece dois exemplos de conformativa para mostrar que esta pode i) induzir a realização do fato que ocorre na oração principal e ii) confirmar este fato. Um desses exemplos pode ser conferido em VII. Estas duas constatações não podem ser verificadas na oração modal e, por isso, a esta é atribuído o traço [- poder indutivo] (cf. ex. VIII). VII. ―Se continuarmos a tentar esquecer casos como esse, o regime vai ter que aprender a conviver com esses ‗fantasmas‘ ou então chamar a Polícia para apurar tudo direitinho, [como sugeriu o Ministro].‖ (E-B-94-JE-004) VIII. ―A Hespanha com a sua povoação de onze milhões de almas póde, sendo [como tem sido], ajudada pela Grã-Bretanha, que lhe fornece cabedal e armas, apresentar pelo menos 300 soldados.‖ (E-B-81-JN-012) 84 Em VII, a oração conformativa em destaque induz a realização do fato que consta na oração principal, pois o que terá que acontecer (fato presente na oração principal) depende da sugestão dada pelo Ministro e é induzido por ela. Em VIII, mostra-se que, na oração modal, não há indução nem uma confirmação do fato presente na oração principal, o que a diferencia de uma conformativa. Assim como verificado com as conformativas, a linha tênue entre modal e comparativa também se deve ao conectivo que as encabeça: ambas podem ser introduzidas por COMO. Um critério utilizado por Silva (2007) para distingui-las foi o fato de que, em uma comparação, é necessário haver dois termos explícitos para serem comparados, mas o aspecto que serve de comparação pode se fazer elíptico no segundo termo (cf. ex. IX) IX. Ele é inteligente [como o irmão]. Em IX, os dois termos comparados são ―ele‖ e ―o irmão‖, e o aspecto que serve de comparação é a inteligência. Portanto, pode-se tornar elíptico, no segundo termo, o verbo e a palavra ―inteligente‖. O exemplo pode ser reescrito como IX’36: IX’. Ele é inteligente [como o irmão é inteligente]. A elipse capaz de ocorrer em uma comparação não acontece em uma modal, pois, segundo Silva (2007, p.68), ―em uma modal, não há comparação envolvida, logo, não há dois termos a serem comparados. Consequentemente, não há o que tornar elíptico‖. Um dos exemplos apresentados pelo autor pode ser encontrado em X: X. ―O seguro propiciou a que em breve a família reunida pudesse de novo continuar [como se nada houvera acontecido].‖ (E-B-93-JA-027) Nota-se que é necessário fazer uma reformulação quanto ao pensamento de Silva (2007, p.68), visto que, na verdade, também há comparação envolvida em uma modal introduzida por COMO SE. Isto pode ser ratificado pelo fato de alguns autores interpretarem estruturas como X com valor comparativo-hipotético. Entretanto, a comparação em X envolve uma situação real e uma situação irreal e, em grande parte desses casos, o verbo usado na oração principal é diferente do utilizado na oração 36 As reescrituras de exemplos são acompanhadas por aspas simples. 85 subordinada. Por este motivo, geralmente, não ocorre elipse como em uma comparativa prototípica. Em X, a oração em destaque expressa a noção de modo em relação ao fato presente na oração principal e não há elipse. Por isso, à modal foi atribuído o traço [possibilidade de elipse]. Um outro tipo de oração subordinada adverbial que foi contrastado com a modal é a concessiva. As duas construções oracionais em questão podem ser encabeçadas pela locução conjuntiva SEM QUE e pela preposição SEM, seguida de verbo no infinitivo e, por isso, em alguns casos, podem causar dificuldades ao leitor para a interpretação de uma oração como sendo de um tipo ou de outro. García (1994; apud Silva, 2007, p.68) afirma que a concessiva consiste em uma restrição que é abandonada em seguida (cf. ex. XI). XI. ―... o commandante da força, [sem ter intimado a dispersão do grupo formado á porta da redação], como a lei lh‘o exige, deu ordem de <> barbaramente crenças indefezas; A oração destacada entre colchetes representa, em princípio, uma restrição, um obstáculo para a realização do fato expresso na oração principal. Mesmo assim, este fato ocorre. Por isso, diz-se que a concessiva é uma restrição que é abandonada em seguida, ou seja, o obstáculo não é tão forte a ponto de impedir o acontecimento do fato que consta na oração principal. Na oração modal, não há restrição alguma e isto serve como uma forma de distingui-la de uma concessiva. Silva (2007, p.69) afirma que as modais introduzidas por SEM QUE ou SEM + infinitivo ―explicam o modo como algo acontece com a ausência ou negação de um fato, que é representado pela preposição SEM‖ (cf. ex. XII). XII. ―Alliviar a guarda nacional do serviço ordinario [sem prejudicar os fins elevados] para que foi instituida, é uma necessidade cuja satisfação não deve ser demorada‖. (E-B-82-JN-011) Em XII, o fato de aliviar a guarda nacional ocorre com a ausência de prejuízo dos fins elevados, sem haver restrição ou obstáculo algum para o acontecimento. Dessa forma, a oração modal recebe o traço de [- restrição abandonada]. Outra oração subordinada adverbial passível de se imbricar com a oração modal é a condicional. Eventualmente estes dois tipos de oração podem ser confundidos, 86 principalmente, pela forma em que se apresentam: ambos são capazes de ser introduzidos pela locução conjuntiva SEM QUE, pela preposição SEM, seguida de verbo no infinitivo e no gerúndio. Silva (2007) usa o critério de mobilidade posicional para distinguir a modal da condicional. O autor fornece exemplos que demonstram que a mudança de posição das modais em relação à oração principal não causa estranhamento ao leitor (cf. ex. XIII) ao passo que, principalmente, as condicionais introduzidas por SEM + infinitivo e reduzidas de gerúndio (cf. ex. XIV), ao mudarem de posição em relação à oração principal, causam um estranhamento à compreensão do leitor e a estrutura passa a ser menos aceitável por ele. XIII. ―Paiz vastíssimo, inculto, despovoado, onde tudo ainda se acha por fazer, o Brasil está a exigir de seus filhos, de todos quantos aqui encontram nova patria, que dêem exemplo de actividade quase sobre-humana, [multiplicando suas forças], [aproveitando avaramente o tempo, hora por hora, minuto por minuto]‖. (E-B-91-JN-012) XIV. ―A diversidade, a variedade e a maleabilidade do EXPRESSO dão-lhe possibilidades quase inesgotáveis de adaptação a situações novas e de resposta a necessidades diferentes. E já provamos que tudo isto pode ser feito [conservando a fidelidade dos leitores], [garantindo a identidade do projecto] e [respeitando a matriz da fundação]‖. (E-P-95-JE-008) Em XIII, se as orações modais destacadas forem antepostas à oração principal, não haverá problemas quanto à aceitabilidade do enunciado por parte do leitor (cf. ex. XIII’). XIII’. Paiz vastíssimo, inculto, despovoado, onde tudo ainda se acha por fazer, o Brasil está a exigir de seus filhos, de todos quantos aqui encontram nova patria, que, [multiplicando suas forças], [aproveitando avaramente o tempo, hora por hora, minuto por minuto], dêem exemplo de actividade quase sobre-humana. Isto pode comprovar que as modais têm maior mobilidade posicional do que as condicionais, visto que, em XIV, se as orações condicionais em destaque forem antepostas, possivelmente o leitor consideraria o enunciado um pouco estranho (cf. ex. XIV’). XIV’. A diversidade, a variedade e a maleabilidade do EXPRESSO dão-lhe possibilidades quase inesgotáveis de adaptação a situações novas e de resposta a necessidades diferentes. E já provamos que tudo isto, [conservando a fidelidade dos leitores], [garantindo a identidade do projecto] e [respeitando a matriz da fundação] pode ser feito . 87 O resultado obtido em XIV’ não é totalmente impossível, mas a aceitabilidade da estrutura por parte do leitor provavelmente seria menor. Outro critério utilizado por Silva (2007) para opor uma modal a uma condicional é o fato de que esta, quando encabeçada por SEM QUE e por SEM + infinitivo, pode ser substituída por ―SE NÃO‖ seguida de verbo no futuro do subjuntivo (cf. ex. XV e XV’). XV. ―Não comprem leques, luvas, perfumarias, chapeos de senhora, fórmas, culetes, grampes, veos, lenços, meias, carteiras, gravatas, joias de fantasia e artigos para presentes, [sem primeiro ver os preços baratíssimos] por que vende a casa‖. (E-B-91-JA-017) XV’. Não comprem leques, luvas, perfumarias, chapeos de senhora, fórmas, culetes, grampes, veos, lenços, meias, carteiras, gravatas, joias de fantasia e artigos para presentes, [se não vir primeiro os preços baratíssimos] por que vende a casa. Nestes casos, a condição está atrelada a uma negação, que é indicada formalmente pela preposição SEM. Já nas modais introduzidas pelos mesmos elementos, não há a possibilidade de se fazer uma substituição por ―SE NÃO‖, pois, apesar de a ideia de negação também estar presente, não há condição envolvida (cf. ex. XVI e XVI’). XVI. ―Graças á Divina Providencia, que com tantas forças productivas dotou o paiz, esperi que, mediante a severa economia e fiscalização em que proseguirá o governo, alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados, sem a menor quebra do nosso credito e [sem paralysar o progresso nacional].‖ (E-B-82-JN-010) XVI’. *Graças á Divina Providencia, que com tantas forças productivas dotou o paiz, esperi que, mediante a severa economia e fiscalização em que proseguirá o governo, alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados, sem a menor quebra do nosso credito e [se não paralysar o progresso nacional]. A substituição por SE NÃO torna a estrutura em XVI’ inaceitável pelo leitor. A partir da oposição estabelecida entre modal e condicional, atribui-se àquela oração os traços [+ mobilidade posicional] e [- substituição por SE NÃO]. Estas são as principais ideias de Silva (2007) relativas às diferenças entre uma oração modal e uma oração condicional. Cabe, neste momento, contudo, sugerir uma reformulação quanto ao critério [+ mobilidade posicional], proposto por ele. Os critérios utilizados por Silva (2007) para caracterizar uma oração modal resultaram em uma matriz de traços, calcada em uma dicotomia, isto é, o traço [+ mobilidade posicional] das modais acarretaria o traço [- mobilidade posicional] das 88 condicionais. Isto levaria à interpretação de que as orações condicionais não possuem mobilidade, interpretação esta errônea, já que tanto as modais quanto as condicionais possuem mobilidade posicional. O que se pretendia reforçar em Silva (2007) era que as modais teriam maior mobilidade do que as condicionais. A oração subordinada adverbial modal também se aproxima da consecutiva. Ambos os tipos de oração podem ser introduzidos pela locução conjuntiva SEM QUE. Entretanto, as estruturas encabeçadas por esta locução não causam tantos problemas de interpretação quanto as introduzidas por locuções do tipo DE MODO QUE e DE MANEIRA QUE, visto que estas contêm palavras do campo semântico de ―modo‖. Silva (2007) atenta para o fato de Barreto (1999) afirmar que as modais podem ser introduzidas por estas locuções. Apesar disso, no corpus analisado pelo autor, as orações que apresentaram as locuções supracitadas expressavam a circunstância de consequência, e não de modo. Para caracterizar uma oração modal em confronto com a consecutiva, o autor adota a proposta de Decat (1995), que afirma que algumas modais podem ser parafraseadas por uma oração subordinada adjetiva. Silva (2007) comenta que estas modais seriam introduzidas pela conjunção COMO (cf. ex. XVII). Por outro lado, as consecutivas têm explicitamente uma locução que possui uma palavra do campo semântico de ―modo‖ como DE MODO QUE, DE MANEIRA QUE (cf. ex. XVIII). XVII. ―... cumpre ao sr. Quintino Bocayuva, presidente do Estado tomar as providencias energicas que o caso exige, mandando submetter as victimas a corpo de delicto e abrir rigoroso inquerito por uma commisão insuspeita, afim de castigar os culpados [como elles merecem], e estamos certos de que s.Ex. o fará‖. (E-B-91-JN-002) Exemplo reescrito: XVII’. ... cumpre ao sr. Quintino Bocayuva, presidente do Estado tomar as providencias energicas que o caso exige, mandando submetter as victimas a corpo de delicto e abrir rigoroso inquerito por uma commisão insuspeita, afim de castigar os culpados [do modo como elles merecem], e estamos certos de que s.Ex. o fará. XVIII. ―... administração que vem de terminar o seu mandato e em cujo periodo foi feita a reforma dos respectivos estatutos, [de modo a attender ás exigências demonstradas pela pratica e pela experiencia‖. (E-B-91-JE-004) Algumas modais introduzidas por COMO podem ter implicitamente a palavra MODO servindo como antecedente, podendo estas ser parafraseadas por orações 89 adjetivas. A partir desta constatação, atribui-se à modal o traço [+ substituição por adjetiva]. Há outro tipo de oração subordinada adverbial que merece ser comentado aqui – as comparativas hipotéticas, introduzidas pela locução conjuntiva COMO SE. Há autores que consideram que esta locução é formada pela conjunção comparativa COMO e a conjunção condicional SE. Não se pode negar o valor comparativo e condicional presente em orações como a destacada em XIX. XIX. ―Outra moça usando pantalona e não podendo regressar, sem tratar do que pretendia no STF, procurou um banheiro que fica por fora do palácio, tirou a calça comprida e, tranqüilamente usando apenas a túnica [como se fosse a minissaia] resolveu seu compromisso, no recinto do Supremo‖. (E-B-93-JN-016) No entanto, é possível perceber que a noção de modo também está presente nesta estrutura. Com isso, em vez de se considerar que o COMO da locução é uma conjunção comparativa, pode-se analisá-la como conjunção modal. É esta interpretação dada por Silva (2007, p.77), que encontra suporte em autores como Gili Gaya (1967; apud Ayora, 1991, p.9), Ayora (1991) e Rodrigues (1999): ―O valor de modo inerente ao vocábulo COMO já foi comentado aqui. Além disso, há alguns autores que já atentaram para o fato de que a locução conjuntiva COMO SE pode introduzir orações modais‖ (cf. Silva, 2007, p.77). No âmbito da subordinação adverbial, ou da hipotaxe de realce, nos termos de Halliday (2004), as orações cotejadas com as modais por Silva (2007) foram as comentadas até aqui. Em seguida, apresenta-se a distinção entre modais e coordenação. Silva (2007) observa que há uma estrutura oracional que representa um pouco mais de dificuldade para ser analisada e isto ocorre porque se pode privilegiar ou o nível semântico ou o nível sintático. São as orações coordenadas reduzidas de gerúndio com matiz modal37. No nível sintático, percebe-se que se trata de coordenação, mas no nível semântico, depreende-se que esta estrutura veicula a circunstância de modo. Por este motivo, muitos exemplos podem causar dúvidas ao serem analisados. Silva (2007) aponta, pelo menos, duas diferenças entre as coordenadas e a oração modal. Primeiramente, enquanto a oração coordenada sindética, geralmente, é 37 Já foi alertado, nesta tese, que esta estrutura não é abordada pela maioria dos autores consultados para a pesquisa empreendida aqui. 90 posposta à coordenada assindética, tendo, portanto, uma posição mais fixa, a oração modal possui maior mobilidade posicional. Em seguida, é usado um critério decisivo para se distinguir as duas estruturas citadas anteriormente: a simultaneidade. Kury (1987; apud Silva, 2007, p.62) observa que ―se o acontecimento que ocorre primeiro, isto é, a coordenada assindética, for uma oração desenvolvida, o gerúndio, denotando fato imediato, equivale a uma oração coordenada aditiva‖. Dessa forma, a coordenada reduzida de gerúndio equivale a uma coordenada aditiva, que expressa um fato que ocorre posteriormente ao fato presente na coordenada assindética38 (cf. ex. XX). Por outro lado, a oração subordinada adverbial modal ―indica o modo como um acontecimento se deu e, por isso, representa uma situação simultânea à representada na oração principal‖ (Silva, 2007, p.65) (cf. ex. XXI). XX. ―Um belo dia um filho deste, de 8 annos de idade vendo a onça a devorar um capado, correu a tomal-o, [espantando-a].‖ (E-B-83-JN-054) XXI. ―Você pode comprar o seu celular digital em qualquer uma de nossas lojas no Rio de Janeiro, que o Ponto Frio garante a entrega do seu aparelho já habilitado. Você sai [falando na hora]‖. (E-B-94-JA-020) Em XX, o fato presente na oração destacada acontece depois do fato que consta na oração que a precede, o que caracteriza uma coordenada. Já em XXI, o fato presente na oração em destaque ocorre ao mesmo tempo que o fato que consta na oração principal, o que caracteriza uma oração subordinada adverbial modal. A partir desta oposição, é possível atribuir à oração modal o traço [+ simultaneidade]. Em XX, também se pode analisar a oração entre colchetes como subordinada adjetiva. Tomando esta interpretação, o período em questão poderia ser reescrito como XX‘. XX‘. Um belo dia um filho deste, de 8 annos de idade vendo a onça a devorar um capado, correu a tomal-o, [o que a espantou]. É preciso tecer alguns comentários acerca do exemplo XXI. O uso do verbo SAIR seguido de um verbo no gerúndio poderia ser interpretado de outra forma. Esta combinação pode ser entendida como uma locução verbal em que o verbo auxiliar é 38 O aspecto da sequencialidade é considerado, nesta pesquisa, como característico das orações coordenadas reduzidas de gerúndio (cláusulas paratáticas não-finitas). 91 SAIR e o verbo principal encontra-se na forma nominal gerúndio. Esta visão pode ser reforçada pelo fato de que, em alguns casos, o verbo SAIR sofre um desbotamento semântico no que tange ao seu sentido original, deixando de ter o significado de ―passar (de dentro para fora)‖ (Luft, 1991) e funcionando como uma ênfase da ação representada pelo verbo na forma nominal gerúndio. Entretanto, não se pode desconsiderar que a noção de modo está presente nesta estrutura. Além disso, pode-se analisá-la como uma oração subordinada adverbial modal, em que o gerúndio explica o modo como alguém sai de algum lugar. Optou-se por esta interpretação na análise do corpus. Alguns traços auxiliam na caracterização e definição das orações modais. Estes traços foram apresentados anteriormente e foram sistematizados por Silva (2007, p.79) em um quadro, que será retomado a seguir, com a modificação referente ao critério [+ mobilidade posicional], já comentado neste capítulo (cf. quadro 7): Quadro 7: Caracterização geral das modais TRAÇOS CARACTERIZADORES DAS MODAIS [+ simultaneidade] [- poder indutivo] [- possibilidade de elipse] [- restrição abandonada] [maior mobilidade posicional] [- substituição por SE NÃO] [+ substituição por ADJETIVA] Estes traços caracterizam a oração subordinada adverbial modal e servem como ponto de partida para se estabelecer um continuum das orações com noção de modo no português. Este, por questões didáticas, se inicia nas cláusulas mais encaixadas e termina nas cláusulas sem encaixamento, visto que uma cláusula mais encaixada pode ser compreendida como mais ligada sintaticamente e parece ser mais fácil iniciar a explicação e a análise de uma estrutura oracional pelo encaixamento do que pelo nãoencaixamento (cf. esquema 4). 92 Esquema 4: Continuum das cláusulas com noção de modo em português39 Cláusulas encaixadas Cláusulas Cláusulas Cláusulas com função substantiva --------- hipotáticas ---------- correlatas --------- paratáticas e adjetiva + Encaixamento ----------------------------------------------------------------- - Encaixamento Menor Integração ------------------------------------------------------------- Maior Integração Semântico-pragmática Semântico-pragmática Verificam-se, no continuum proposto, de um lado, as estruturas mais encaixadas, do outro lado, as sem encaixamento algum e, em um nível intermediário, cláusulas que apresentam um grau de vinculação com outras cláusulas, sem envolver encaixamento. Observa-se que as cláusulas mais encaixadas – cláusulas encaixadas com função substantiva e adjetiva – são menos integradas semântico-pragmaticamente, as cláusulas não encaixadas – cláusulas paratáticas – são mais integradas semânticopragmaticamente e as cláusulas que estão em um nível intermediário no que se refere ao grau de vinculação – cláusulas hipotáticas e cláusulas correlatas – são encontradas também em um nível intermediário no que diz respeito à integração semânticopragmática. O continuum, no esquema 4, será mais bem explicado ao final do item 6.2.2.4. A definição de oração modal proposta por Silva (2007, p.131), em pesquisa realizada no Mestrado, como ―toda oração que indica e explica o modo como a ação contida na oração principal ocorre‖ também precisa ser revista. O problema desta definição reside na palavra ―ação‖. Nem sempre uma oração subordinada adverbial modal expressa a ideia de modo em relação a uma ação. Para ilustrar isso, têm-se os exemplos XXII, XXIII e XXIV. 39 Por questões didáticas, apresenta-se o continuum, partindo-se das estruturas mais encaixadas / mais sintaticamente vinculadas até as estruturas menos vinculadas / menos sintáticas. 93 XXII. ―No silencio da prisão, diz a Gazeta dos Tribunaes, Clementina ouvia de continuo os ultimos gritos de sua desditosa mãi, e quando chegava a noite, seu cadaver ensanguentado se lhe apresentava diante dos olhos, [accusando-a da sua morte].‖ (E-B-81-JN-022) XXIII. ―Lá verá V.S. que usamos da linguagem lhana, [sem fazermos monopolio da verdade], nem servirmos de cobertura aos criminosos.‖ (E-B-83-JE-008) XXIV. ―Quantas vezes lá, sua esposa chegou a V.S. alarmada para contar-lhe um sonho em que ella o viu envolvido em circumstancias tragicas, em que ella sentiu, [como se fosse real], a oppressão de um grande perigo a ameaçar a felicidade da familia...‖ (E-B-92-JA-035) Em XXII, a oração modal explica o modo como o cadáver ensanguentado se apresentava diante dos olhos de Clementina. Nota-se que o verbo que aparece na oração principal é ―apresentava‖, ou seja, um verbo do tipo ―existencial‖. Com isso, pode-se afirmar que se apresentar ou aparecer em algum lugar não é uma ação propriamente dita. Em XXIII, a oração entre colchetes explica o modo como se usou uma linguagem lhana. Em princípio, poder-se-ia considerar que o verbo da oração principal – ―usamos‖ – é um verbo que indica ação. Entretanto, fazendo-se uma análise mais cuidadosa do exemplo, observa-se que o verbo ―usar‖ está relacionado à palavra ―linguagem‖, sugerindo que, na verdade, houve um ato de dizer, e não uma ação efetiva. Em XXIV, a oração modal indica o modo como alguém sentiu a opressão de um perigo. Verifica-se que o verbo usado na oração principal é ―sentiu‖, que indica sensação, sentimento e, dessa forma, é interpretado como um verbo do tipo ―sensitivo‖. Pelos exemplos XXII, XXIII e XXIV, constata-se que uma oração modal, além de explicar o modo como uma ação ocorre, pode explicar também o modo como i) a existência ou o aparecimento de alguém; ii) a fala de alguém; iii) o sentimento de alguém, entre outros eventos, acontecem. Feitas as considerações anteriores, propõe-se uma reformulação da definição de oração modal de Silva (2007). A alteração pode parecer sutil, mas a torna semanticamente mais adequada: ―Oração subordinada adverbial modal é toda oração que indica e explica o modo como o evento apresentado na oração principal ocorre‖. 94 Talvez, o vocábulo ―evento‖ ainda não seja o mais apropriado, mas, com certeza, engloba outros processos que não indicam uma ação propriamente dita. Em Luft (1991), um dos significados de ―evento‖ é ―acontecimento‖, que também é mais abrangente do que a palavra ―ação‖. Neste capítulo, apresentaram-se os comentários pertinentes à pesquisa realizada por Silva (2007), bem como algumas reformulações das ideias do autor. Acredita-se que estas reformulações contribuirão para a análise das estruturas oracionais com noção de modo em português, que se verá a seguir, em 6.2. 95 6. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS CORPORA Os dados analisados foram obtidos a partir de dois corpora: VARPORT (corpus do Projeto de Variação Contrastiva do Português) e D&G (corpus do Projeto Discurso & Gramática), e foram contabilizados manualmente porque a pesquisa empreendida não utiliza a sociolinguística como pressuposto teórico e metodológico, e porque, apesar de se realizar também uma análise quantitativa, o objetivo principal deste estudo é analisar os dados qualitativamente. 6.1. Descrição dos corpora O corpus VARPORT encontra-se disponível no site www.letras.ufrj.br/varport e contém textos pertencentes às modalidades escrita e falada do português e às variedades brasileira e europeia. Os textos de língua escrita são divididos em três gêneros: anúncios, editoriais e notícias, e os textos de língua falada são entrevistas do tipo DID (Diálogo entre Documentador e Informante). Além disso, os textos são divididos por séculos (XIX e XX). Na pesquisa empreendida no Mestrado por Silva (2007), ao abordar as orações subordinadas adverbiais modais, o autor utilizou fatores como sincronias distintas (séculos XIX e XX) e variedades linguísticas (Português Brasileiro e Português Europeu). Esses fatores não se mostraram relevantes para a análise realizada. Entretanto, no estudo feito aqui, optou-se por manter os fatores supracitados, a fim de se verificar se eles contribuiriam para a análise das cláusulas com noção de modo. Para melhor entendimento dos corpora da pesquisa, adota-se a definição de gêneros textuais proposta por Marcuschi (2002). Segundo o autor, os gêneros ―caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais‖ (cf. Marcuschi, 2002, p.20). Essa caracterização permite que se distinga gênero de tipo textual. O primeiro apresenta características sócio-comunicativas, enquanto que o segundo é definido pela natureza linguística, isto é, por características como tempo verbal e aspectos sintáticos utilizados. Além disso, os gêneros textuais constituem um grupo mais aberto ao passo que os tipos textuais constituem um grupo mais fechado e facilmente identificado como: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção (cf. Marcuschi, 2002, p.22). 96 O corpus D&G, disponível no site www.uff.br/d&g, contém textos de língua escrita e língua falada produzidos por informantes que cursavam a 4ª série e a 8ª série do ensino fundamental no ano de 1993. A quantidade de cláusulas que expressam o conteúdo de modo encontrada neste corpus foi reduzida, se comparada à observada no corpus VARPORT. No entanto, acredita-se que é importante contrastar os dois corpora mencionados, visto que uma mesma estrutura, no caso, as cláusulas modais, pode apresentar funções comunicativas distintas a depender do corpus em que é verificada. Tanto os textos escritos como as entrevistas são divididos pelos organizadores do corpus em narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento e relato de opinião. Nota-se que, nas nomenclaturas propostas pelos organizadores, há uma mistura de conceitos: o de gênero textual e o de tipo textual. Narrativa de experiência pessoal e narrativa recontada referem-se, de certo modo, ao tipo textual ―narração‖ e descrição de local está relacionada ao tipo textual ―descrição‖. Já o relato de opinião e o relato de procedimento caracterizam-se mais como gêneros do que como tipos textuais. O primeiro provavelmente contém predominantemente sequências narrativas e argumentativas, enquanto que o segundo parece envolver mais frequentemente sequências narrativas e injuntivas. Por este motivo, preferiu-se analisar os dados do corpus D&G, nesta pesquisa, levando-se em consideração as sequências tipológicas. Eventualmente, são feitas menções às nomenclaturas encontradas neste corpus. Para o presente estudo, foram considerados apenas dados referentes a informantes do Rio de Janeiro. Apesar de ter sido detectada essa inadequação na nomenclatura utilizada no corpus D&G, percebe-se que foi uma tentativa, por parte dos organizadores, de abarcar textos com diferentes características e com diferentes funções comunicativas. Isto já foi uma grande contribuição na época para que pesquisas em que são analisados corpora constituídos de textos diversificados se aprimorassem. Os pressupostos teóricos utilizados neste trabalho são os do Funcionalismo, pois se apresenta um estudo tomando como base textos que representam o uso real da língua, um dos principais interesses desta perspectiva teórica. Além disso, levam-se em conta os diferentes contextos comunicativos em que a língua é usada e se entende a linguagem como um ―instrumento de interação social‖ (Cunha, 2008, p.157). Nesse sentido, buscaram-se subsídios em autores funcionalistas como Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993), Halliday (2004) e Gonçalves et alii (2007), só para citar alguns. 97 6.2. Análise de dados no corpus VARPORT Os dados obtidos a partir da leitura dos textos que constituem os dois corpora – VARPORT e D&G – possibilitam evidenciar que, em português, no nível oracional, a noção de modo manifesta-se por meio de diferentes estruturas, que envolvem graus de encaixamento, que podem ser dispostos em um continuum (cf. esquema 4), partindo das estruturas mais encaixadas até as menos vinculadas, e as que não envolvem encaixamento algum. Os níveis de vinculação considerados na constituição do continuum estão, de certa forma, relacionados aos graus de integração entre cláusulas (cf. cap. 3). O encaixamento, verificado nas cláusulas encaixadas com função substantiva e adjetiva, é abordado de forma semelhante pelos autores Lehmann (1985), Hopper e Traugott (1993), Halliday (2004) e Gonçalves et alii (2007). Para Lehmann (1985), o encaixamento é a dependência de um constituinte subordinado. Segundo Hopper e Traugott (1993), se refere à dependência completa, em que uma margem está completamente incluída no constituinte de um núcleo. De acordo com Halliday (2004), envolve um mecanismo em que uma cláusula ou um sintagma funciona como um constituinte dentro da estrutura de um grupo. Para Gonçalves et alii (2007, p.151), o encaixamento refere-se às orações que ―reclamam um complemento, que será fornecido em outra estrutura oracional‖. Neste estudo, analisaram-se cláusulas encaixadas com função substantiva, que são consideradas por Gonçalves et alii (2007) como encaixamento prototípico com função substantiva, e com função adjetiva, que são interpretadas pelos mesmos autores como estruturação intermediária 2, inserida no processo de encaixamento. A hipotaxe constatada na análise dos corpora se assemelha à hipotaxe de realce de Halliday (2004, p.416), em que ―a combinação de realce com hipotaxe origina o que é conhecido na gramática tradicional como ‗cláusulas adverbiais‘‖. Dos autores citados em 3, apenas Lehmann (1985) estabelece um continuum que contempla a correlação (cf. esquema 5). Para o autor, considerando-se a integração entre cláusulas, a correlação estaria em um nível hierárquico entre a parataxe e a hipotaxe. Contudo, não são fornecidas maiores explicações a respeito da disposição deste processo sintático no nível sugerido. Nesta pesquisa, porém, apresentam-se as motivações para o continuum estabelecido no que tange às cláusulas com noção de modo em português. 98 Esquema 5: Continuum de integração entre cláusulas por Lehmann (1985) PARATAXE DÍPTICO CORRELATIVO HIPOTAXE COSSUBORDINAÇÃO ENCAIXAMENTO A parataxe, neste trabalho, envolve algumas orações coordenadas sindéticas da tradição e a coordenação por meio de verbo no gerúndio. O primeiro caso relaciona-se com o conceito de parataxe de realce de Halliday (2004, p.413), pois, segundo o autor, ―a combinação de realce com parataxe origina um tipo de coordenação, mas com um traço circunstancial incorporado a ela‖. Pelos exemplos apresentados por ele, constatase que a parataxe de realce inclui apenas cláusulas introduzidas por conjunções ou grupos conjuncionais. No conceito de parataxe de Hopper e Traugott (1993), explicita-se que não há dependência nem encaixamento no nível sintático. Entendida dessa forma, a parataxe, na perspectiva desses autores, distancia-se da parataxe encontrada na análise dos corpora, nesta tese, visto que não mencionam a dependência semântica e que os dados de cláusulas paratáticas possuem um matiz modal e, consequentemente, uma dependência semântica. O caso da parataxe que envolve cláusulas reduzidas de gerúndio não é abordado pela maioria dos autores tradicionais nem pelos autores mencionados em 3. Apenas Said Ali (1969), Kury (1987) e Bechara (1994) constatam que a coordenação pode ser expressa por meio do gerúndio. Entretanto, no exemplo fornecido pelos autores, não é contemplado o fato de que esta estrutura pode veicular alguma circunstância. Dessa forma, as cláusulas paratáticas reduzidas de gerúndio com noção de modo não são estudadas em nenhum dos autores pesquisados para a feitura deste trabalho. Para que a análise torne-se mais adequada e mais coerente, é necessário distinguir dois níveis – o sintático e o semântico. Dessa forma, evita-se a mistura de critérios no momento em que os dados são analisados. Com isso, em 6.2.1, apresenta-se a abordagem sintática das cláusulas com noção de modo e, em 6.2.2, a abordagem semântica das cláusulas com noção de modo. 99 6.2.1. Abordagem sintática das cláusulas com noção de modo Ao se empreender uma análise estritamente sintática das cláusulas com noção de modo, encontraram-se as estruturas discriminadas nos gráficos 1 e 2. Vale ressaltar que se parte de estruturas mais encaixadas (mais sintaticamente ligadas) para estruturas menos vinculadas ou sem encaixamento (menos sintaticamente vinculadas), a fim de que, desta forma, a descrição se torne mais compreensível e didática. Enc. Subst. Enc. Adj. Hip. Fin. Hip. N. Fin. Correlata Par. Fin. Par. N. Fin. 12 53 136 23 11 7 242 Total: 484 Gráfico 1: Estruturas encontradas no corpus VARPORT Enc. Subst. Enc. Adj. Hip. Fin. Correlata Par. Fin. Par. N. Fin. 8 Hip. N. Fin. 17 4 50 Total: 79 Gráfico 2: Estruturas encontradas no corpus D&G 100 Pelos gráficos 1 e 2, verifica-se que, no corpus VARPORT, detectou-se um total de 484 cláusulas com a circunstância de modo e, no corpus D&G, um total de 79 cláusulas com esta noção. Esta discrepância deve-se ao fato de a quantidade de textos analisados no corpus VARPORT ser superior em relação à quantidade de textos analisados no corpus D&G. Pela análise dos dados, constatou-se que, em ambos os corpora, a estrutura mais frequente foi a cláusula hipotática não-finita. Esta estrutura equivale às orações subordinadas adverbiais modais reduzidas, que foram estudadas por Silva (2007). Notase, nos gráficos 1 e 2, que há diferenças entre os corpora analisados. No corpus VARPORT (cf. gráfico 1), a segunda estrutura mais frequente foi a cláusula paratática não-finita, enquanto que, no corpus D&G (cf. gráfico 2), foi a cláusula encaixada com função substantiva. Provavelmente, este resultado deve-se às diferenças na composição dos textos provenientes de cada corpus. Para cada tipo de cláusula, controlou-se a modalidade linguística (língua escrita e língua oral), a manutenção do referente (sujeito), os tipos semânticos de verbo, as sequências tipológicas (narrativa, descritiva, argumentativa e injuntiva) e o gênero textual. A modalidade linguística foi observada a fim de identificar se há alguma estrutura prototípica40 da fala ou da escrita. Com isso, seria possível afirmar que a noção de modo manifesta-se de maneiras diferentes se consideradas as variedades escrita e falada da língua. Os aspectos ―manutenção de referente (sujeito)‖ e ―tipos semânticos de verbo‖ foram levados em conta com os seguintes objetivos: i) ratificar a hipótese de que cláusulas não-finitas são mais integradas semântico-pragmaticamente do que cláusulas finitas e ii) constatar que há uma relação direta entre tipos semânticos de verbo e integração semântico-pragmática. As sequências tipológicas e os gêneros textuais em que as cláusulas com noção de modo ocorreram foram controlados, a fim de verificar se um gênero textual específico favoreceria um tipo de cláusula modal, ou se o comportamento de cada tipo 40 Na pesquisa empreendida aqui, entende-se o termo ―prototípico‖ com base no conceito de ―protótipo‖ da Linguística Cognitiva, que engloba ―exemplares típicos, mais representativos, ou, melhor, representações mentais destas entidades‖ (Silva, 1997, p.66) e ―aparecem como os membros da categoria que mais refletem a estrutura redundante da categoria como um todo‖ (Rosch, 1978 a:37, apud Mondala e Dubois, 2003, p.41-42) 101 de cláusula é influenciado pelas sequências tipológicas, independentemente do gênero textual utilizado. Antes de analisar cada estrutura separadamente, convém apresentar, de uma forma geral, a distribuição das cláusulas pelos gêneros textuais em que foram encontradas. Como no corpus D&G, as cláusulas serão descritas em termos de sequências tipológicas (cf. 6.1), neste momento, leva-se em consideração apenas o corpus VARPORT (cf. tabela 1). Na tabela 1, são apresentados todos os tipos de estrutura oracional modal extraídos do corpus VARPORT. Na primeira coluna, são encontrados os tipos de cláusulas modais; a segunda coluna contém a frequência com que cada estrutura oracional ocorreu nos gêneros textuais de língua escrita – anúncios, notícias e editoriais; na terceira coluna, verificam-se as frequências com que cada cláusula ocorreu nos gêneros textuais de língua falada – entrevistas e, na última linha, observa-se o total de cláusulas retirado de cada gênero textual analisado. Tabela 1: Distribuição das cláusulas modais pelos gêneros textuais no corpus VARPORT LÍNGUA LÍNGUA ESCRITA ANÚNCIOS NOTÍCIAS EDITORIAIS ENTREVISTAS 11 (7,3%) 12 (8,5%) 4 (3,2%) 26 (38,2%) ____ 6 (4,2%) 4 (3,2%) 2 (2,9%) Hipotáticas 82 (54,7%) 69 (48,6%) 79 (63,7%) 35 (51,5%) Correlatas 1 (0,7%) 2 (1,4%) 3 (2,4%) 1 (1,5%) Paratáticas 56 (37,3%) 53 (37,3%) 34 (27,5%) 4 (5,9%) TOTAL 150 (100%) 142 (100%) 124 (100%) 68 (100%) GÊNEROS FALADA CLÁUSULAS Encaixadas com função substantiva Encaixadas com função adjetiva Pela tabela 1, percebe-se que, nos gêneros textuais de língua escrita (anúncios, notícias e editoriais), os resultados se assemelham, visto que as duas estruturas mais frequentes nos três foram as cláusulas hipotáticas e as cláusulas paratáticas, 102 respectivamente. Parece, portanto, que o gênero textual não se constitui no principal aspecto para distinguir o comportamento das estruturas analisadas nesta tese. Há evidências de que as sequências tipológicas exercem mais influência no comportamento destas estruturas (cf. tabela 5, em 6.2.1.1; tabelas 12 e 13, em 6.2.1.3.2; tabela 18, em 6.2.1.5.2; tabela 22, em 6.3.1; e tabela 23, em 6.3.2.2). Todavia, percebe-se uma diferença entre os gêneros textuais de língua escrita em conjunto em relação ao gênero textual de língua falada. Nas entrevistas, a segunda estrutura mais frequente foi a cláusula encaixada com função substantiva. Há indícios de que textos de língua falada favorecem este tipo de estrutura (cf. 6.2.1.1). Em 6.2.1.1, são analisadas as cláusulas encaixadas com função substantiva. 6.2.1.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva A estrutura encaixada com função substantiva equivale ao que, na tradição, se denomina oração subordinada substantiva. No corpus VARPORT, as cláusulas encaixadas com função substantiva, que veiculam a noção de modo, apresentam-se na forma finita e são introduzidas pelo item COMO isoladamente, como parte integrante de uma locução conjuntiva ou combinado com um verbo no gerúndio. Os dados referentes às variedades brasileira e europeia foram agrupados e, quando houver diferenças substanciais entre estas variedades linguísticas, elas serão elucidadas. No gráfico 3, apresentam-se as formas de articulação das cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita. Vale ressaltar que, de um total de 484 cláusulas encontradas no corpus VARPORT, 27 eram encaixadas com função substantiva nesta modalidade linguística. 103 COMO COMO QUE 2 COMO + Ger. COMO SE 1 2 22 Total: 27 Gráfico 3: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita Pelo gráfico 3, verifica-se que a forma de articulação mais frequente das cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita foi com o item COMO isoladamente (cf. ex. 141). 1. ―O Illustrado ministro sabe [como na Inglaterra se defende a liberdade e se pune a violação da lei]‖. (E-B-82-JN-015) Em 1, a cláusula destacada exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―saber‖ e o item COMO favorece a interpretação desta estrutura como passível de veicular a circunstância de modo. A locução COMO QUE, neste tipo de cláusula, só ocorreu no Português Europeu (cf. ex. 2) e a locução COMO SE só ocorreu no Português Brasileiro (cf. ex. 3). 41 Os exemplos retirados do corpus VARPORT são representados por algarismos arábicos. 104 2. ―Ao alcançarmos a posição (2) vemo-lo [como que a andar para trás], para, depois da posição (6), retomar o normal sentido de deslocamento‖. (E-P-95-JN-011) 3. ―Dado, além de tudo, que a vida pública nacional tomou direções inteiramente novas, como efeito da grandiosa obra administrativa do govêrno, e que perspectivas mais vastas e fascinantes do que nunca se abrem dos olhos de todos os brasileiros, os derradeiros acos dos velhos conflitos há muito morreram no mais distante socavão da nossa sensibilidade coletiva. Tão límpido é nesta parte como em outras, o horizonte institucional que só, na verdade, por um esforço de memória conseguimos reconstituir indecisamente os penosos episódios de tão forte repercussão, há anos. É um pouco [como se falassemos da nossa pre-hitória democrática]‖. (E-B-93-JE-003) Em 2, a cláusula entre colchetes explica o modo como o objeto, representado pelo pronome ―lo‖, é visto e exerce a função sintática de predicativo do objeto, pois indica o estado em que o objeto se encontra quando é visto. Em 3, a cláusula destacada encontra-se em um segmento que retoma todo o discurso precedente. Poder-se-ia, inclusive, utilizar o pronome ―isto‖ para resumir tudo que é apresentado anteriormente e, dessa forma, este pronome exerceria a função sintática de sujeito do verbo ―é‖ em ―É um pouco como se falassemos da nossa prehitória democrática‖. Além disso, pode-se perceber que a cláusula matriz contém um verbo de ligação (―ser‖) e a cláusula encaixada exerce a função sintática de predicativo do sujeito. Nota-se que a cláusula encaixada é encabeçada pela locução COMO SE, que, para alguns autores, introduz uma estrutura comparativo-hipotética. Não se está descartando esta interpretação. Entretanto, considera-se que, além de existirem as noções de comparação e de hipótese ou condição na estrutura em foco, a nuance de modo sobressai. Esta interpretação encontra respaldo nas ideias de Ayora (1991) e Rodrigues (1999). Comentadas as formas de articulação das cláusulas encaixadas com função substantiva, consideram-se, neste momento, os aspectos relacionados à integração semântico-pragmática: a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo. Conforme já visto, de acordo com Hopper e Traugott (1993), há uma relação entre cláusulas reduzidas, isto é, mínima combinação explícita, com máxima integração. Sendo assim, presume-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva, em sua maioria, são menos integradas semântico-pragmaticamente, pois, no corpus analisado, 105 todos os dados referentes a esta estrutura apresentam uma combinação explícita – o item COMO isolado ou acompanhado por outros itens. Para confirmar esta hipótese, utilizou-se o critério de manutenção do referente (sujeito). Segundo este critério, se as cláusulas que estão articuladas entre si apresentam o mesmo sujeito, há maior integração entre elas e se apresentam sujeitos distintos, há menor integração entre elas. No corpus VARPORT, no que tange aos dados retirados de textos de língua escrita, apenas 6 (22,2%) das 27 cláusulas encaixadas apresentaram o mesmo referente (sujeito) em relação à cláusula matriz, o que sugere que estas cláusulas encaixadas são menos integradas semântico-pragmaticamente (cf. ex. 4). 4. ―Só assim os de um país conseguiram saber com amplitude e segurança [como eram as outras nações] e o que nos seus territórios se passava‖. (E-P-94-JE-001) Em 4, o sujeito da cláusula matriz – ―os de um país‖, podendo ser interpretado como ―os cidadãos de um país‖ – é diferente do da cláusula encaixada – ―as outras nações‖. Isto sugere que, de um modo geral, cláusulas encaixadas em que há um item conector são menos integradas semântico-pragmaticamente. O outro aspecto que pode estar relacionado à integração semântico-pragmática é o tipo semântico de verbo que ocorre na cláusula com conteúdo semântico de modo. Analisando-se todos os tipos de cláusulas com noção de modo, parece que o tipo de verbo ―material‖ é uma forma não-marcada, isto é, aparece frequentemente tanto em cláusulas mais integradas quanto em cláusulas menos integradas. Entretanto, parece haver uma tendência de verbos do tipo ―material‖ e ―verbal‖ ocorrerem em cláusulas mais integradas e de verbos do tipo ―relacional‖, ―existencial‖ e ―sensitivo‖ ocorrerem em cláusulas menos integradas. As noções de marcado e não-marcado foram introduzidas na Linguística pela Escola de Praga. Para Cunha (2008, p.170), ―um entre dois elementos que se opõem é considerado marcado quando exibe uma propriedade ausente no outro membro, considerado não-marcado‖. Cunha (2008, p.170) ainda apresenta algumas características de formas consideradas não-marcadas: ―maior freqüência de ocorrência nas línguas em geral e em uma língua particular; contexto de ocorrência mais amplo; forma mais simples ou menor; aquisição mais precoce pelas crianças‖. É desta maneira que se entende que o verbo do tipo ―material‖ é uma forma nãomarcada nas cláusulas modais: por ser um tipo de verbo que indica uma ação propriamente dita, é mais comum de ocorrer nas cláusulas com circunstância de modo, 106 independente do nível de vinculação que estas possuem com outras cláusulas. Parece que verbos de ação também são adquiridos mais precocemente pelas crianças, pois, em um primeiro momento, as crianças usam este tipo semântico de verbo para descrever as ações que elas realizam ou que o outro realiza. Só em um momento posterior, elas usam verbos do tipo ―cognitivo‖, por exemplo, em situações em que avaliam algo. A tabela 2 apresenta os tipos semânticos de verbo encontrados nas cláusulas encaixadas com função substantiva. Na primeira coluna, encontram-se os tipos semânticos de verbo; na segunda coluna, as frequências com que cada um ocorreu e, na última linha, o total de ocorrências. Tabela 2: Tipos semânticos de verbo e integração semântico-pragmática nas cláusulas encaixadas com função substantiva na língua escrita TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO FREQUÊNCIA Material 10 (37%) Relacional 5 (18,6%) Existencial 4 (14,8%) Verbal 3 (11,1%) Sensitivo 3 (11,1%) Cognitivo 1 (3,7%) Possessivo 1 (3,7%) TOTAL 27 (100%) Pela tabela 2, constata-se que o tipo semântico de verbo mais frequente foi o ―material‖ (cf. ex. 5), seguido dos tipos ―relacional‖ (cf. ex. 4) e ―existencial‖ (cf. ex. 6). Os dois últimos parecem estar relacionados a uma menor integração semânticopragmática. Provavelmente, a frequência deles nas cláusulas introduzidas por um item conector é um indício disto. 5. ―Ninguém sabe explicar bem [como foi que aquilo começou]‖. (E-B-93-JA-027) 6. ―Você já reparou [como entre tantas pessoas / que fazem exatamente a mesma coisa / sempre existem aquelas] que encontram uma maneira de fazer melhor?‖ (E-B-94-JA-015) 107 Em 5, a cláusula entre colchetes expressa o modo como algo começou, exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―explicar‖ e contém um verbo do tipo material, ou seja, que indica uma ação propriamente dita – ―começou‖. Vale frisar que o sujeito da cláusula matriz – ―ninguém‖ – é diferente do sujeito da cláusula encaixada – ―aquilo‖. No exemplo 4, que fora apresentado anteriormente, a cláusula destacada indica o modo como as nações eram, exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―saber‖ e contém um verbo do tipo relacional, ou seja, um verbo de ligação da tradição – ―eram‖. Verifica-se, ainda, que o sujeito da cláusula encaixada é diferente do da cláusula matriz, o que fora explicado anteriormente. Em 6, a cláusula em destaque expressa o modo como existem alguns tipos de pessoas, exerce a função sintática de objeto indireto do verbo ―reparar‖ e contém um verbo do tipo existencial – ―existem‖. Constata-se que o sujeito da cláusula encaixada – ―aquelas pessoas‖ – é diferente do sujeito da cláusula matriz – ―você‖. Todas estas observações servem para mostrar que os verbos do tipo ―existencial‖ e ―relacional‖ aparecem com mais frequência em cláusulas com sujeito diferente do das cláusulas com as quais se articulam. Em outras palavras, os verbos do tipo ―relacional‖ e ―existencial‖ estão associados a cláusulas com menor integração semânticopragmática. Dois outros aspectos considerados na descrição dos dados são as sequências tipológicas e os gêneros textuais em que as cláusulas com noção de modo aparecem. Nos gêneros textuais referentes aos textos de língua escrita encontrados no corpus VARPORT, constatou-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva ocorreram predominantemente em notícias e anúncios, respectivamente. Contabilizaram-se 12 cláusulas em notícias (44,5%), 11 (40,7%) em anúncios e 4 (14,8%) em editoriais, perfazendo um total de 27 dados. Em princípio, poder-se-ia afirmar que estas cláusulas são mais frequentes em sequências narrativas e descritivas, pois, geralmente, associam-se notícias a narrativas, por se tratarem de relatos de acontecimentos, e anúncios a descrições, por apresentarem um produto ou um estabelecimento sendo detalhado. É fato que estas estruturas também ocorreram em sequências narrativas e descritivas. Entretanto, parece que sua função principal é argumentativa, independentemente do gênero textual em que se encontram. O que confirma esta ideia são os percentuais de cláusulas encaixadas com função substantiva distribuídos pelas sequências tipológicas: 20 (74%) em sequências 108 argumentativas, 5 (18,6%) em sequências narrativas e 2 (7,4%) em sequências descritivas. A seguir, listam-se os exemplos 7, 8 e 9, respectivamente cláusulas encontradas em notícia, anúncio e editorial. 7. ―O Ministro Júlio Bierrembach cobra do IPM: - [como foi encontrado o carro do sargento] e rebocado; - [como pode um oficial não conhecer um sargento pelo nome], se trabalham juntos‖. (E-B-94-JN-013) 8. ―Nós sabemos [como você se sente confuso com tantas tecnologias diferentes] prometendo a última palavra em celular‖. (E-B-94-JA-006) 9. ―Hoje, que se estão multiplicando os vehiculos que nos hão de transportar no arbalão, aeroplano, monoplano, biplano – e que este problema pretende entrar no campo pratico, começa a ser interessante estudar-se [como os seres humanos se encontrarão nesse meio alborotado e interminavel] a que não estão habituados‖. (E-P-91-JE-001) Em 7, as duas cláusulas destacadas exercem a função sintática de objeto direto do verbo ―cobrar‖ e representam uma lista das cobranças que o Ministro faz. Essas duas cláusulas foram encontradas em uma notícia e têm como função servir como argumentos apresentados pelo autor que indicam que o Ministro desconfia de que algo esteja errado. Além disso, estes argumentos convidam o leitor a pensar junto ao autor do texto sobre as indagações do Ministro. Isto contribui para a interpretação de que as cláusulas encaixadas com função substantiva destacadas configuram interrogações feitas de forma indireta. Este exemplo pode, ainda, dar margem à outra interpretação, como a de que as cláusulas entre colchetes funcionam como aposto em relação à cláusula que as antecede (cf. 7‖). 7‖. O Ministro Júlio Bierrembach cobra do IPM duas coisas: - [como foi encontrado o carro do sargento] e rebocado; - [como pode um oficial não conhecer um sargento pelo nome], se trabalham juntos. Em 8, a cláusula entre colchetes exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―saber‖ e representa um diálogo entre o autor e o leitor, a fim de utilizar o sentimento de confusão deste como argumento contra a forma de outras operadoras venderem celular e, consequentemente, como argumento a favor da forma diferenciada que a operadora anunciada procede na venda. Em 9, a cláusula em destaque exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―estudar‖ e expressa o ponto de vista do autor em relação a um determinado assunto. 109 Com isso, a cláusula encaixada encontra-se em uma sequência argumentativa de um editorial. A opinião do autor é a de que é interessante estudar o meio ao qual os seres humanos ainda não estão acostumados. Analisadas as cláusulas encaixadas com função substantiva encontradas nos textos de língua escrita provenientes do corpus VARPORT, faz-se agora uma breve descrição desta estrutura encontrada nos textos de língua falada provenientes do mesmo corpus. Como há bastantes semelhanças entre as duas modalidades linguísticas nesse aspecto, dar-se-á ênfase ao que houve de diferente entre elas. Quanto às formas de articulação, verificou-se que, nos dados de língua falada, houve uma menor variedade de uso(s), pois só foram encontradas cláusulas introduzidas por COMO (22 – 84,6%) – cf. ex. 10 e por COMO SE (4 – 15,4%) – cf. ex. 11, em que estas apareceram apenas nos dados referentes ao Português Brasileiro. 10. ―#D: Sei. Agora, me diz uma coisa, e as mulheres, você tem idéia? #I: Como assim? Do ... Como é que é essas etapas? Não faço a mínima idéia de [como é que é]‖. (OC-B-70-1M-001) 11. ―Então a impressão era, mais ou menos [como se você pudesse nadar] na Lagoa Rodrigo de Freitas‖. (OC-B-9C-1F-001) Em 10, a cláusula em destaque exerce a função sintática de complemento nominal, porque complementa o nome ―ideia‖ e, em 11, a cláusula destacada exerce a função sintática de predicativo do sujeito. O exemplo 10 poderia ser reescrito como em 10‘. 10‘. #D: Sei. Agora, me diz uma coisa, e as mulheres, você tem idéia? #I: Como assim? Do ... Como é que é essas etapas? Não faço a mínima idéia do modo [como é]. Dessa forma, fica mais evidente a noção de modo. Entretanto, mudou-se a estrutura, pois, em 10, tem-se uma cláusula encaixada com função substantiva e, em 10‘, tem-se uma cláusula encaixada com função adjetiva. A ideia de modo em 10 é reforçada pelo uso do item COMO. Em 11, é encontrada uma estrutura que já foi explicada (cf. 1.3, ex. b e 2.3, ex. kk, ll e mm) e que pode ter também uma leitura comparativo-hipotética. Quanto à manutenção de referente (sujeito), apenas 4 (15,4%) cláusulas encaixadas possuem o mesmo sujeito do da cláusula matriz e quanto aos tipos semânticos de verbo, os três mais frequentes foram os mesmos das cláusulas 110 encontradas nos textos de língua escrita: material – 14 (53,8%), relacional – 7 (27%) e existencial – 2 (7,8%). Esses resultados ratificam o fato de cláusulas finitas serem menos integradas semântico-pragmaticamente. No que tange às sequências tipológicas e os gêneros textuais, há considerações relevantes a serem feitas. Como todos os dados foram retirados de entrevistas do tipo DID – diálogo entre informante e documentador, não houve diferentes gêneros textuais a serem observados. Entretanto, no que diz respeito às sequências tipológicas, foram encontradas diferenças entre a modalidade escrita e a falada. A tabela 3 mostra as sequências tipológicas em que as cláusulas encaixadas com função substantiva foram encontradas mais frequentemente nas entrevistas. Na primeira coluna, são apresentadas as sequências tipológicas; na segunda coluna, são apresentados os percentuais das cláusulas encaixadas em cada sequência e, na última linha, é fornecido o total de cláusulas analisadas. De um total de 484 cláusulas com relação de modo encontradas no corpus VARPORT, 26 eram encaixadas com função substantiva na modalidade falada da língua. Tabela 3: Cláusulas encaixadas com função substantiva e sequências tipológicas em entrevistas do tipo DID SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS FREQUÊNCIA Descritiva 12 (46,2%) Argumentativa 9 (34,6%) Narrativa 5 (19,2%) TOTAL 26 (100%) Pela tabela 3, verifica-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva encontradas em textos de língua falada ocorreram mais frequentemente em sequências descritivas (cf. ex. 12). Este resultado é diferente do que foi constatado nos textos de língua escrita. 12. ―... pode até ser porque há anos atrás a enxova ficava ainda grossa na beira da praia né? ninguém sabia ainda [como fazer] co / co / [como lidar] né? (OP-B-90-1M-005) 111 Em 12, as cláusulas destacadas exercem a função sintática de objeto direto do verbo ―saber‖ e são parte de uma descrição que o informante faz acerca da maneira como proceder e como lidar com a ―enxova‖. Vale notar, portanto, que uma mesma estrutura, a depender da modalidade linguística em que é empregada – língua escrita ou língua falada, pode ser utilizada com finalidades diferentes. No corpus analisado, de um modo geral, pode-se afirmar que as cláusulas encaixadas com função substantiva estão a serviço da argumentação na língua escrita e a serviço da descrição na língua falada. Descritas as cláusulas encaixadas com função substantiva relativas ao corpus VARPORT, analisam-se a seguir as cláusulas encaixadas com função adjetiva que apresentam a noção de modo. 6.2.1.2. Cláusulas encaixadas com função adjetiva A estrutura encaixada com função adjetiva equivale ao que, na tradição, se denomina oração subordinada adjetiva restritiva. No corpus VARPORT, as cláusulas encaixadas com função adjetiva, que veiculam a noção de modo, apresentam-se na forma finita e são introduzidas pelo item COMO isoladamente (cf. ex. 13); fazendo parte da locução COMO QUE seguida de verbo na forma finita (cf. ex. 14) ou no gerúndio (cf. ex. 15) e tendo como antecedente os nomes MODO (cf. ex. 16) e MANEIRA (cf. ex. 17). 13. ―Na verdade, a varanda [como é feita no Brasil hoje], ela é uma espécie de um mirante‖. (OC-B-9R-2F-001) 14. ―No campo da tática, a nova articulação de um exército viria permitir a divisões, marchando por itinerarios paralelos, percorrerem etapas muito mais longas, ao mesmo tempo que tornava mais facil e rapida sua concentração para o choque decisivo na região e no momento em que o comando superior julgasse oportuno esse admiravel instrumento tatico – a divisão – Carnot [como que preparou], para entregar às mãos habeis do grande estrategista Napoleão‖. (E-B-93-JE-001) 15. ―Brasília Capital nominal da República, continua a situar-se como um dos problemas a serem resolvidos: admite-se, mesmo no seio dos mais ferrenhos oposicionistas, a sua realidade irreversível, mas não se consegue a sua humanização, o que provoca ainda a periódica fuga de habitantes e de congressistas, êstes [como que institucionalizando uma falta de quorum parlamentar inquietante‖. (E-B-93-JE-004) 16. ―Não é fácil explicar o modo [como se formou a enorme depressão de terreno] onde se precipita o rio‖. (E-P-83-JN-003) 112 17. ―O tema não é inédito. O que reveste tôda a obra de vivo interesse e, por vezes, intensa expectativa, é a maneira [como], sem cair na minucia, [a acção decorre no sentido] de evidenciar o caracter de um homem que oculta o que se passa na sua alma para se votar á tarefa de executar as proezas sem deixar rasto‖. (E-P-92-JN-011) Em 13, a cláusula destacada tem como antecedente o nome ―varanda‖ e é introduzida pelo item COMO. Poder-se-ia, apesar de mudar a estrutura, subentender a palavra ―modo‖ antes do pronome relativo COMO. A cláusula entre colchetes, em 13, também poderia ter uma interpretação conformativa. Dessa forma, este exemplo pode ser considerado um caso fronteiriço entre os matizes de modo e de conformidade. Em 14 e, em 15, a leitura como encaixadas com função adjetiva das cláusulas entre colchetes não é tão clara e subentender a palavra ―modo‖ antes do item COMO tornaria as estruturas não aceitáveis em português. Entretanto, o motivo que levou a interpretá-las como encaixadas com função adjetiva foi o fato de elas estarem intimamente ligadas a antecedentes com valor nominal: em 14, tem-se o substantivo ―Carnot‖ e, em 15, tem-se o pronome ―estes‖. Em ambas as cláusulas, a noção de modo é reforçada pelo item COMO. A cláusula em destaque, em 15, também poderia ter uma interpretação comparativa. Com isso, este exemplo pode ser analisado como um caso híbrido, em que os conteúdos semânticos de modo e de comparação co-ocorrem. Em 16 e, em 17, a noção de modo está presente tanto nos antecedentes – ―modo‖ em 16 e ―maneira‖ em 17 – quanto no pronome relativo utilizado – COMO. Os dados referentes às variedades brasileira e europeia, e às modalidades escrita e falada foram agrupados devido ao número pequeno de dados e às poucas diferenças de comportamento entre eles. No gráfico 4, são apresentadas as frequências das cláusulas encaixadas com função adjetiva no que se refere às formas de articulação. Das 484 cláusulas com matiz modal encontradas no corpus VARPORT, 12 eram encaixadas com função adjetiva. 113 MODO COMO MANEIRA COMO COMO QUE + Ger. COMO COMO QUE 1 1 5 2 3 Total: 12 Gráfico 4: Formas de articulação das cláusulas encaixadas com função adjetiva no corpus VARPORT Pelo gráfico 4, verifica-se que as cláusulas encaixadas com função adjetiva mais frequentes foram aquelas que possuíam como antecedente um nome pertencente ao campo semântico de MODO. Com isso, pode-se afirmar que, mais frequentemente, o conteúdo de modo nas cláusulas encaixadas com função adjetiva foi verificado não só pela presença do pronome relativo COMO, mas também pelo uso de um antecedente que expressa tal circunstância. Comentadas as formas de articulação das cláusulas encaixadas com função adjetiva, consideram-se, neste momento, os aspectos relacionados à integração semântico-pragmática: a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo. Há muitas semelhanças entre as cláusulas encaixadas com função substantiva e as com função adjetiva no que tange aos aspectos mencionados anteriormente. Quanto à manutenção do referente (sujeito), apenas 4 (33,3%) cláusulas com função adjetiva possuem o mesmo sujeito da cláusula matriz, o que ratifica o fato de as cláusulas finitas serem menos integradas semântico-pragmaticamente. Em 18, tem-se um exemplo em que o sujeito da cláusula encaixada é distinto do da cláusula matriz. 18. ―Hontem, de madrugada, os secretarios do sr. Governador civil percorreram de automovel os mercados, informando-se da maneira [como estavam sendo dirigidos os serviços de abastecimento da cidade]‖. (E-P-91-JN-011) Em 18, o sujeito da cláusula matriz é ―os secretários do sr. governador civil‖ e o sujeito da cláusula encaixada é ―os serviços de abastecimento da cidade‖. O antecedente 114 ―maneira‖ é o complemento do verbo ―informar‖ e, por isso, considera-se que, em 18, há mudança de referente (sujeito). Quanto aos tipos semânticos de verbo, os mais comuns nas cláusulas encaixadas com função adjetiva foram o material (6 – 50%) – cf. ex. 19 (exemplo 13 repetido aqui) e o existencial (2 – 16,8%) – cf. ex. 20. Já foi mencionado que o tipo de verbo ―material‖ pode ser considerado não-marcado por ter sido o mais frequente tanto em cláusulas finitas como em cláusulas não-finitas. Já o tipo ―existencial‖ parece estar relacionado a cláusulas finitas e, consequentemente, a cláusulas menos integradas semântico-pragmaticamente. 19. ―Na verdade, a varanda [como é feita no Brasil hoje], ela é uma espécie de um mirante‖. (OC-B-9R-2F-001) 20. ―O tema não é inédito. O que reveste toda a obra de vivo interesse e, por vezes, intensa expectativa, é a maneira [como, /sem cair na minucia, / a acção decorre no sentido] de evidenciar o caracter de um homem que oculta o que se passa na sua alma ...‖ (E-P-92-JN-011) Em 19, o verbo principal que aparece na cláusula encaixada é ―fazer‖, um verbo de ação e, portanto, do tipo ―material‖. O verbo que se emprega na cláusula encaixada, em 20, é ―decorrer‖, um verbo que poderia ser substituído por ―acontecer‖ e, portanto, um verbo do tipo ―existencial‖. Em seguida, abordam-se as sequências tipológicas e os gêneros textuais em que as cláusulas encaixadas com função adjetiva ocorreram. No que tange à língua escrita, notou-se que não houve cláusulas com função adjetiva em anúncios. Provavelmente, outras estruturas são utilizadas neste gênero textual para contribuírem na argumentação e na descrição. Os anúncios retirados do VARPORT originam-se de jornais como ―Gazeta do Rio de Janeiro‖ e ―O Globo‖ e poderiam ser divididos em subtipos como, por exemplo, classificados, propagandas, ―achados e perdidos‖ e ―passo o ponto‖. O gênero textual em que as cláusulas encaixadas com função adjetiva ocorreram mais frequentemente foi a notícia (6 – 50%) - cf. ex. 21 e o editorial (4 – 33,3%) – cf. ex. 22. 21. ―O modo, diz a folha citada, [como certas pessoas / que occupam posição official na Belgica / se occupam por diferentes vezes nos assumptos internos da Prussia e da Allemanha]; o modo [como os bispos elogiaram em suas pastoraes o alto clero prussiano] que se revoltou contra os poderes do estado e o alentaram em sua attitude 115 illegal (como fez uma associação belga que dispõe de grandes recursos, animando com mensagem o bispo de Paderboro, condemnado pela lei); essa intervenção de dignitarios belgas e de cidadãos influentes não podia ser acceita em silencio‖. (E-P-83-JN-009) 22. ―Impressionou-nos particularmente o modo [como certas pessoas / que se dizem historiadores, que pretendem ter uma opinião credível sobre o passado, ... / assumiram a postura] de quem faz ajustes de contas com a História‖. (E-P-94-JE-005) Em 21, as duas cláusulas encaixadas entre colchetes têm como pronome relativo o item COMO e como antecedente o nome ―modo‖; foram utilizadas em uma notícia e servem como argumentos para a opinião do autor de não aceitar em silêncio a intervenção de dignatários belgas e de cidadãos influentes. Em 22, a cláusula em destaque tem como pronome relativo o item COMO e antecedente o nome ―modo‖; foi empregada em um editorial e é argumento para o sentimento provocado no autor - o de se impressionar com a postura tomada por algumas pessoas. Percebe-se, então, que as cláusulas encaixadas com função adjetiva, de um modo geral, são utilizadas com o intuito de contribuir para a argumentação de um texto. No corpus VARPORT, a maioria delas, de fato, ocorreu em sequências argumentativas – 8 (66,6%), enquanto que 2 (16,7%) apareceram em sequências descritivas e 2 (16,7%) em sequências narrativas. Esta ocorrência, nestes dois últimos tipos de sequência, pode ser explicada, provavelmente, pelo fato de as cláusulas encaixadas com função adjetiva terem sido utilizadas em algumas notícias. Neste gênero textual, no momento em que um fato propriamente dito está sendo relatado, as sequências narrativa e descritiva aparecem. Examinadas as cláusulas encaixadas com função adjetiva considerando-se o corpus VARPORT, analisam-se a seguir as cláusulas hipotáticas que apresentam a noção de modo. 116 6.2.1.3. Cláusulas hipotáticas As estruturas hipotáticas equivalem ao que, na tradição, se denomina oração subordinada adverbial. Entretanto, a circunstância veiculada pelas cláusulas hipotáticas, nesta tese, não é contemplada no âmbito do período composto pela NGB nem por alguns autores considerados tradicionais, como foi demonstrado no capítulo 5 – orações modais: breve apresentação. No corpus VARPORT, detectaram-se cláusulas hipotáticas com noção de modo finitas e não-finitas. Pelo fato de cada grupo apresentar comportamento distinto, as análises a seguir explicitarão as especificidades de cada tipo de cláusula hipotática. 6.2.1.3.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas No corpus VARPORT, a quantidade de cláusulas hipotáticas não-finitas – 242 (91%) - foi maior do que a de cláusulas finitas – 23 (9%), de um total de 484 cláusulas indicando a circunstância de modo. Por este motivo, optou-se por, primeiramente, abordar as cláusulas não-finitas. Os aspectos que permitiram a junção das cláusulas finitas e não-finitas em um mesmo grupo foram os gêneros textuais e as sequências tipológicas em que as cláusulas se inseriam. Estes aspectos serão apresentados ao final da análise das cláusulas hipotáticas finitas. Destaque-se, contudo, que os dados referentes à língua escrita – 230 (86,8%) – são superiores aos referentes à língua falada – 35 (13,2%). Os dados relativos ao Português Brasileiro e ao Português Europeu também foram agrupados e, quando necessário, serão explicitadas as diferenças entre estas duas variedades da língua. No que tange à língua escrita, as cláusulas hipotáticas não-finitas podem ser distribuídas por 6 (seis) formas de articulação, totalizando 210 dados, como o gráfico 5 evidencia. 117 A + Inf. NEM + Inf. 2 1 COM + Inf. POR + Inf. 1 1 SEM + Inf. 37 Ger. 168 Total: 210 Gráfico 5: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas não-finitas na língua escrita Pelo gráfico 5, verifica-se que o gerúndio foi a forma de articulação mais frequente das cláusulas hipotáticas não-finitas na língua escrita. A seguir, exemplificase cada forma sob a qual essas cláusulas apresentaram-se: gerúndio (cf. ex. 23), SEM + infinitivo (cf. ex. 24), A + infinitivo (cf. ex. 25), NEM + infinitivo (cf. ex. 26), COM + infinitivo (cf. ex. 27) e POR + infinitivo (cf. ex. 28). 23. ―José Gonçalves de Oliveira Sanches, recebeu dos Estados Unidos da America um sortimento de ventiladores para café, os mais perfeitos que há, os quaes ventilão rapidamente o café, [soprando-o] e com as differentes peneiras que tem, podem limpar toda a qualidade de grãos.‖ (E-B-82-JA-060) 24. ―Graças á Divina Providencia, que com tantas forças productivas dotou o paiz, esperi que, mediante a severa economia e fiscalização em que proseguirá o governo, alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados, sem a menor quebra do nosso credito e [sem paralysar o progresso nacional].‖ (E-B-82-JN-010) 25. ―Depois de assassinar a esposa, o criminoso teve de sustentar luta com um dos seus criados, que entrou no quarto e conseguiu dominar [a desarmar o patrão]‖. (E-P-92-JN-006) 26. ―Lá verá V.S. que usamos da linguagem lhana, sem fazermos monopolio da verdade, [nem servirmos de cobertura aos criminosos].‖ (E-B-83-JE-008) 118 27. ―Está publicado o 8° relatório do Socorro Social, documento elucidativo, que mostra que o Fundo, no ano de 1.954, foi inteiramente provido por contribuições de particulares. Da importancia dele na nossa vida assistencial afere-se [com dizer] que as suas receitas totais, no ano findo, somaram 40.734 contos.‖ (E-P-93-JN-004) 28. ―Ao encerrar essa reunião, que decorreu com o maior entusiasmo, o sr. prof. Lumbrales pronunciou um importante discurso, em que começou [por fazer o elogio da Madeira e da sua gente]. Era a primeira vez que visitava a ilha. E acrescentou: ...‖ (E-P-93-JN-006) Em 23, a cláusula destacada explica o modo como os ventiladores para café ventilam e se utilizou o gerúndio sem item algum próximo a ele. Do exemplo 24 ao 28, percebe-se que há a utilização de algum item, seja preposição seja conjunção, acompanhado de um verbo no infinitivo. Em 24, encontra-se a preposição SEM; em 25, a preposição A; em 26, a conjunção NEM; em 27, a preposição COM e, em 28, a preposição POR. Em 24, a cláusula entre colchetes explica o modo como o autor pensa que ―alcançaremos em breve tempo extinguir o déficit dos annos passados‖. Em 25, a cláusula em destaque elucida o modo como um dos criados ―conseguiu dominar o patrão‖. Em 26, a cláusula hipotática esclarece o modo como o autor junto com o grupo responsável pelo editorial usou ―da linguagem lhana‖. Em 27, a cláusula modal evidencia o modo como se pode aferir a importância do Fundo. Em 28, a cláusula destacada explicita o modo como ―o sr. prof. Lumbrales‖ começou seu discurso. Quanto ao uso de articuladores seguidos de verbo no infinitivo nas cláusulas hipotáticas não-finitas na língua escrita, podem-se notar diferenças entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. O uso da conjunção NEM seguida de verbo no infinitivo só foi constatado no PB e os usos das preposições COM e POR seguidas de verbo no infinitivo só foram detectados no PE. Apesar do número pequeno desses dados, já se pode sugerir alguma diferença entre o PB e o PE quanto a esse aspecto. No concernente à língua falada, os resultados assemelham-se aos da língua escrita, pois a forma de articulação mais frequente das cláusulas hipotáticas não-finitas também foi o uso do gerúndio (17 – 53,1%) – cf. ex. 29; seguido, respectivamente de SEM + infinitivo (8 – 25%) – cf. ex. 30; A + infinitivo (4 – 12,5%) – cf. ex. 31; infinitivo (2 – 6,3%) – cf. ex. 32 e ASSIM + gerúndio (1 – 3,1%) – cf. ex. 33. 119 29. ―...acho que hoje as crianças ... de classes médias se divertem muito mais com ... com vídeo games ... coisas desse tipo ... do que ... [jogando futebol na rua].‖ (OC-B-9C-1M-002) 30. ―Eh, há pouco tempo eu comecei a, a me preocupar um pouco mais com o cabelo. E eu normalmente, eu cortava assim [sem escolher muito o barbeiro], inclusive nunca tive um barbeiro certo.‖ (OC-B-70-1M-001) 31. ―... eu bêbado, cheio de sono, o outro comigo, vinha a falar comigo [...], já ali [a moer as palavras]. Os outros vinham no porta-bagagens, a ressonar.‖(OC-P-90-1M-005) 32. ―sou mergulhador profissional dantes era amador de maneira que tirei um curso de profissional e hoje ganho a vida – [tirar por exemplo barcos do fundo] [tirar cabos das hélices] serviços mesmo de coisas que caíram no mar não é?‖ (OP-P-70-2M-005) 33. ―Mas aí quando você foi pra lá, você não foi mais assim [pensando em vocação] ... em alguma coisa que você tivesse vontade de fazer, se foi por que ...‖ (OC-B-9C-3M-002) A cláusula em destaque, em 29, integra uma comparação entre o que diverte mais e o que diverte menos as crianças de classes médias. Ela apresenta o modo como as crianças se divertem menos. A cláusula entre colchetes, em 30, explica o modo como o informante cortava o cabelo. Note-se que, neste exemplo, é utilizado um elemento catafórico, o item ASSIM. O uso deste item poderia favorecer a interpretação da cláusula destacada como tendo a função de um aposto. A cláusula modal, em 31, é usada pelo informante para descrever uma situação específica para o entrevistador: o modo como outra pessoa ia falar com ele. Em 32, vale ressaltar a forma como as cláusulas hipotáticas estão articuladas com a cláusula núcleo. Geralmente, quando se usa o verbo no infinitivo, este é precedido por uma preposição, como, por exemplo, SEM e A. Em 32, o verbo no infinitivo é utilizado sem uma preposição precedente. Como este exemplo representa uma fala masculina popular, de acordo com a categorização proposta pelo corpus VARPORT, o verbo no infinitivo sem preposição sugere um uso característico da fala popular. Em 33, a cláusula em destaque explicita o modo como a pessoa com quem o informante está falando pode ter ido para algum lugar. Cumpre ressaltar o emprego do item ASSIM. Ele pode ter um uso anafórico, ou seja, retomando tudo o que foi dito antes. Esta interpretação só é válida se, em um momento anterior, o assunto sobre o qual se falava era vocação, coisas que se tinha vontade de fazer. Fazendo-se esta leitura, 120 poder-se-ia analisar a cláusula entre colchetes, em 33, como exercendo a função de aposto, de forma semelhante ao exemplo 30. Quanto à forma de articulação das cláusulas hipotáticas na língua falada, também se percebem diferenças entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. O uso de ASSIM + gerúndio só foi registrado no Português Brasileiro e os usos de infinitivo e A + infinitivo só foram detectados no Português Europeu. Este último pode ser explicado, provavelmente, pelo uso comum em Portugal de uma estrutura denominada infinitivo gerundivo, em que se verifica o uso da preposição A seguida de verbo no infinitivo e que, no Brasil, comumente é equivalente ao gerúndio. Isto pode ser comprovado pela reescritura de 31 como 31‘. 31‘. ... eu bêbado, cheio de sono, o outro comigo, vinha a falar comigo [...], já ali [moendo as palavras]. Os outros vinham no porta-bagagens, a ressonar. Em 31‘, o verbo utilizado no gerúndio é ―moendo‖ e corresponde, no Português Brasileiro, a ―a moer‖, utilizado no Português Europeu. Discriminadas as formas de articulação das cláusulas hipotáticas tanto na língua escrita quanto na língua falada, em seguida, ressalta-se outro aspecto: a manutenção de referente. Esperava-se que este aspecto fosse crucial para se distinguir uma cláusula finita de uma não-finita, porque, como já foi explicitado, cláusulas não-finitas tendem a estar mais integradas semântico-pragmaticamente com outras cláusulas e a manutenção de referente poderia ser um critério para comprovar tal hipótese. De fato, a hipótese foi confirmada e os resultados obtidos serão mostrados a seguir. Tanto nos dados relativos à língua escrita quanto à língua falada, pôde-se verificar que há uma tendência de as cláusulas hipotáticas não-finitas apresentarem o mesmo referente (sujeito) do da cláusula núcleo. Isto ratifica a premissa de que elas são mais integradas com a cláusula núcleo do que as cláusulas hipotáticas finitas. Para ilustrar isto, têm-se os exemplos 34 e 35 (25 repetido), 36 (26 repetido) e 37 (28 repetido) referentes à língua escrita e 38, 39 e 40 referentes à língua falada. 121 34. ―O sulfureto de carbono, Cruzeiro do Sul, é o único que, sendo preparado especialmente para a lavoura, é puro, e por isso mesmo extingue os insetos, [sem offender as plantas], nem estragar os terrenos.‖ (E-B-83-JA-047) 35. ―Depois de assassinar a esposa, o criminoso teve de sustentar luta com um dos seus criados, que entrou no quarto e conseguiu dominar [a desarmar o patrão]‖. (E-P-92-JN-006) 36. ―Lá verá V.S. que usamos da linguagem lhana, sem fazermos monopolio da verdade, [nem servirmos de cobertura aos criminosos].‖ (E-B-83-JE-008) 37. ―Ao encerrar essa reunião, que decorreu com o maior entusiasmo, o sr. prof. Lumbrales pronunciou um importante discurso, em que começou [por fazer o elogio da Madeira e da sua gente]. Era a primeira vez que visitava a ilha. E acrescentou: ...‖ (E-P-93-JN-006) 38. ―... no final do período procurei falar com a senhora, ah, pedir-lhe uma opinião, ah, aliás [mostrando-me aberto mesmo a uma crítica] que porventura me focasse determinados aspectos ...‖ (OC-P-70-2M-001) 39. ―Há quatro ou cinco anos, aquelas que ainda não tinham tido a iniciação musical na, nas primárias nem havia ainda isto do c [...], do ciclo já a entrarem com ensino musical, entravam com bastante relutância e [sem saber absolutamente nada].‖(OC-P-70-3F-003) 40. ―... e depois fazemos o p [...], pela, por, por essas cidades e, e pronto, este ano, ah, portanto, fomos à Noruega já, um outro ano fomos à República Checa, fomos já à Hungria, e este ano então fomos à Croácia, passámos, o nosso obje [...], o objetivo era a Croácia, mas, entretanto fizemos Portugal, Espanha, França, Itália, tudo, tudo [a correr], para chegar então à Eslovénia, passámos por exemplo pela Eslovénia, ficámos encantados com a Eslovénia.‖ (OC-P-90-2F-008) Quanto aos exemplos relativos à língua escrita, pode-se dizer que, em 34, o sujeito da cláusula não-finita é correferencial ao da cláusula núcleo – ―o sulfureto de carbono, Cruzeiro do Sul‖; em 35, também há manutenção de referente (sujeito), pois tanto a cláusula núcleo quanto a cláusula hipotática têm como sujeito o termo ―um dos seus criados‖; em 36, a cláusula entre colchetes tem como sujeito o pronome ―nós‖, que pode ser reconhecido pela desinência do verbo ―servirmos‖ e a cláusula núcleo tem o mesmo sujeito, que também pode ser reconhecido pela desinência verbal em ―usamos‖; em 37, o sujeito da cláusula núcleo e da cláusula hipotática é ―o sr. prof. Lumbrales‖. Quanto aos exemplos referentes à língua falada, pode-se afirmar que, em 38, o sujeito da cláusula núcleo e da cláusula hipotática é a primeira pessoa do singular, que não se encontra totalmente explícito; em 39, há manutenção de referente (sujeito), que é ―aquelas‖, que pode ser entendido como ―aquelas pessoas‖ e, em 40, o sujeito da 122 cláusula núcleo também é o mesmo da cláusula hipotática – ―nós‖, que é marcado naquela pela desinência verbal em ―fizemos‖. Os exemplos anteriores confirmaram a hipótese de que as cláusulas não-finitas tendem a ter o mesmo sujeito da cláusula com a qual se articulam e a ser mais integradas. A tabela 4, a seguir, resume os resultados comentados anteriormente. A primeira coluna apresenta as formas de articulação das cláusulas hipotáticas; a segunda coluna contém as frequências em relação à manutenção de referente nos dados de língua escrita; a terceira coluna contém o total de dados de língua escrita em relação a cada forma de articulação das cláusulas; a quarta coluna apresenta as frequências em relação à manutenção de referente nos dados de língua falada e, na quinta coluna, é encontrado o total de dados de língua falada em relação a cada forma de articulação das cláusulas. Na última linha, fornece-se o total geral de cláusulas hipotáticas não-finitas da seguinte maneira: primeiramente, considerando as cláusulas encontradas em textos de língua escrita e, em seguida, as cláusulas encontradas em textos de língua falada no corpus VARPORT. Apresenta-se o total geral de cláusulas hipotáticas não-finitas que apresentaram manutenção de referente e o total geral de cláusulas hipotáticas não-finitas coletadas, respectivamente. De um total de 484 (100%) cláusulas que expressam a circunstância de modo encontradas no corpus VARPORT, 265 (54,8%) eram cláusulas hipotáticas. Dessas 265 cláusulas hipotáticas, 242 se apresentaram na forma não-finita (reduzida) e 23 na forma finita ( desenvolvida). Como fora observado, a quantidade de cláusulas hipotáticas não-finitas foi maior do que a de finitas. No que diz respeito às modalidades linguísticas, pode-se afirmar que as cláusulas hipotáticas não-finitas foram mais frequentes em textos de língua escrita. Encontrou-se um total de 210 cláusulas hipotáticas não-finitas nesta modalidade linguística e um total de 32 em textos de língua falada. A distribuição pelas formas de redução (não-finitude) no que tange à manutenção de referente é apresentada na tabela 4, a seguir. 123 Tabela 4: Formas de articulação e manutenção de referente das cláusulas hipotáticas não-finitas no corpus VARPORT FORMAS DE ARTICULAÇÃO LÍNGUA ESCRITA TOTAL LÍNGUA TOTAL (LÍNGUA FALADA (LÍNGUA ESCRITA) FALADA) Gerúndio 163 (97%) 168 (100%) 17 (100%) 17 (100%) SEM + Infinitivo 35 (94,6%) 37 (100%) 7 (87,5%) 8 (100%) A + Infinitivo 2 (100%) 2 (100%) 4 (100%) 4 (100%) Infinitivo ____ ____ 2 (100%) 2 (100%) ASSIM + Gerúndio ____ ____ 1 (100%) 1 (100%) NEM + Infinitivo 1 (100%) 1 (100%) ____ ____ COM + Infinitivo 1 (100%) 1 (100%) ____ ____ POR + Infinitivo 1 (100%) 1 (100%) ____ ____ TOTAL GERAL 203 (96,7%) 210 (100%) 31 (96,9%) 32 (100%) . Pela tabela 4, verifica-se que, de um modo geral, as cláusulas hipotáticas nãofinitas ocorreram mais frequentemente com o mesmo referente (sujeito) do das cláusulas núcleos com as quais se articulam. Um aspecto que parece relacionar-se a uma maior integração semânticopragmática é o tipo semântico de verbo. Tinha-se como hipótese inicial que os tipos ―material‖ e ―verbal‖ apareceriam nas cláusulas com manutenção de referente, isto é, mais integradas, porque tudo indica que, ao explicar o modo como uma ação acontece, por meio da cláusula hipotática se explica como a pessoa envolvida na ação (sujeito) realizou propriamente dita esta ação (verbo do tipo ―material‖) ou falou determinadas palavras (verbo do tipo ―verbal‖) para que a ação fosse efetuada. De fato, as hipóteses foram comprovadas nos dados referentes à língua escrita e, parcialmente, na língua falada. Para ilustrar isto, seguem-se os exemplos 41 e 42, respectivamente, contendo verbos do tipo ―material‖ e ―verbal‖ em cláusulas hipotáticas não-finitas encontradas em textos de língua escrita e o exemplo 43, que contém verbo do tipo ―material‖ em cláusula hipotática não-finita encontrada em texto de língua falada. 124 41. ―Embora o ministro do SNI tenha garantido que vai cumprir a nova constituição, [liberando as informações pessoais requeridas pelos cidadãos vivos - de acordo com o habeas data] – ele próprio admitiu restrições segundo os interesses de ‗segurança da sociedade e do Estado‘‖. (E-B-94-JE-004) 42. ―No mesmo dia 27, da uma para as duas horas da tarde, ouviu-se na Carriça, estrada de Braga, um grande trovão, que aterrou os moradores daquelle lugar, e muitos que andavam nos seus misteres fogiram para casa espavoridos, [gritando misericordia]‖. (E-P-81-JN-010) 43. ―... após a operação ... eu passei ... a :: a fazer uso disso tudo DAÍ que eu engordei dessa forma né ... e :: ahn /o/ ultimamente eu :: estou procurando controlar isso [adquirindo éh esses produtos sem gordura ...]‖ (OC-B-9C-2F-001) Em 41, o verbo da cláusula hipotática não-finita é do tipo ―material‖ ―liberando‖ – e se encontra em uma cláusula cujo referente (sujeito) é o mesmo da cláusula núcleo – ―o ministro do SNI‖. Em 42, o verbo da cláusula hipotática não-finita é do tipo ―verbal‖ – ―gritando‖ – e se encontra em uma cláusula cujo referente (sujeito) é o mesmo da cláusula núcleo – ―os moradores daquelle lugar‖. Em 43, o verbo utilizado na cláusula hipotática não-finita é do tipo ―material‖ – ―adquirindo‖ – e há manutenção de referente (sujeito), que é o pronome ―eu‖, que está elíptico na cláusula hipotática. Com isso, confirma-se a hipótese de haver uma relação entre tipos semânticos de verbo, manutenção de referente e, consequentemente, maior integração da cláusula nãofinita. O tipo semântico de verbo que ocorreu mais frequentemente em cláusulas hipotáticas não-finitas introduzidas por SEM + infinitivo nos textos de língua falada foi o ―cognitivo‖ (cf. ex. 44). 44. ―Ora, pra quem tinha levado uma vida inteira, até os dezoito, dezenove anos [sem saber] gastar dinheiro, porque não tinha como, papai não dava mesada, não tinha nada disso.‖ (OC-B-9C-3M-002) Em 44, o verbo empregado na cláusula hipotática não-finita é do tipo ―cognitivo‖ – ―saber‖ – e está em uma cláusula cujo referente (sujeito) é o mesmo do da cláusula núcleo. Entende-se que o sujeito seja o próprio informante, que está representado pelo pronome ―quem‖. Segundo a análise dos dados, é possível compreender a relação entre o tipo de verbo ―cognitivo‖ com a manutenção de referente e, consequentemente, com uma maior integração da cláusula. A cláusula hipotática explica o modo como a ação contida na 125 cláusula núcleo aconteceu – em 44, a ação é levar uma vida inteira até os dezoito, dezenove anos –, o modo como essa ação ocorreu está explicitado na cláusula hipotática – ―sem saber‖ - e se pode compreender que a mesma pessoa que exerceu a ação pensou, acreditou ou deixou de pensar e de acreditar em algo. Com isso, o processo mental refere-se à mesma pessoa que exerceu uma ação. O verbo do tipo ―material‖ foi o mais frequente nas cláusulas não-finitas encontradas em textos de língua escrita com as seguintes formas de articulação: gerúndio – 113 (67,3%) , SEM + infinitivo – 21 (56,8%) , A + infinitivo – 2 (100%) – e NEM + infinitivo – 1 (100%). O verbo do tipo ―verbal‖ foi mais recorrente nas cláusulas não-finitas encontradas em textos de língua falada com as seguintes formas de articulação: COM + infinitivo – 1 (100%) – e POR + infinitivo – 1 (100%). O verbo do tipo ―material‖ foi o mais usual nas cláusulas não-finitas encontradas em textos de língua falada com as seguintes formas de articulação: gerúndio – 12 (70,5%) , A + infinitivo – 2 (50%) – e infinitivo – 2 (100%). O verbo do tipo ―cognitivo‖ foi o mais comum nas cláusulas não-finitas encontradas em textos de língua falada com as seguintes formas de articulação: SEM + infinitivo – 2 (25%) – e ASSIM + gerúndio – 1 (100%). Abordadas as cláusulas hipotáticas não-finitas considerando-se as formas de articulação, a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo, analisam-se em seguida as cláusulas hipotáticas finitas. 6.2.1.3.2. Cláusulas hipotáticas finitas Conforme explicitado em 6.2.1.3.1, os dados de cláusulas hipotáticas finitas foram bem menos recorrentes do que os de cláusulas hipotáticas não-finitas. Da mesma forma que em 6.2.1.3.1, os dados referentes ao PB e ao PE foram agrupados e, quando necessário, serão ilustradas as diferenças entre estas variedades da língua. No que tange à língua escrita, as cláusulas hipotáticas finitas podem ser distribuídas por 4 (quatro) formas de articulação, como o gráfico 6 evidencia. Como fora indicado em 6.2.1.3.1, detectaram-se 23 cláusulas hipotáticas finitas no corpus VARPORT, sendo 20 em textos de língua escrita. 126 COMO SE SEM QUE COMO COMO QUE 1 3 9 7 Total: 20 Gráfico 6: Formas de articulação das cláusulas hipotáticas finitas na língua escrita Pelo gráfico 6, verifica-se que as cláusulas hipotáticas finitas empregadas em textos de língua escrita podem ser introduzidas por COMO SE (cf. ex. 45, ex. V repetido), SEM QUE (cf. ex. 46), COMO (cf. ex. 47, ex. IV repetido) e COMO QUE (cf. ex. 48). 45. ―A Inspectoria, esquecida da velha legislação Brasileira, entra, [como se fôra sua casa] em todos os bancos, indagando pormenorizadamente de contas particulares ...‖ (E-B-92-JE-004) 46. ―Esta pomada tem a vantagem de não se misturar com cabellos, e de fixar o chinó por espaço de dous ou tres mezes, [sem que a mais abundante transpiração o despegue].‖ (E-P-82-JA-005) 47. ―Esperamos, na expectativa sympathica, para applaudil-o e julgal-o [como merece].‖ (E-B-83-JN-045) 48. ―A casa suspende as transações por alguns dias e depois ... recomeça no mesmo gosto, mas [como que pertencendo a outro] ...‖ (E-B-83-JE-003) Em 45, a cláusula destacada explica o modo como a Inspetoria entra em todos os bancos; em 46, a cláusula entre colchetes indica o modo como a pomada fixa o chinó; em 47, a cláusula em destaque explicita o modo como alguém deve ser aplaudido e julgado e, em 48, a cláusula hipotática elucida o modo como a casa recomeça as transações. As cláusulas destacadas nos exemplos 45 e 48 poderiam ser interpretadas como comparativo-hipotéticas. Entretanto, nesta tese, considera-se que a noção de modo 127 sobressai em relação às noções de comparação e de hipótese / condição. Nota-se que, em 48, a locução COMO QUE é utilizada com um verbo no gerúndio. Apesar de o verbo estar em uma das formas nominais, optou-se, devido ao uso de uma locução conjuntiva, por incluir este caso nas cláusulas hipotáticas finitas. A cláusula em destaque, em 47, também pode ser interpretada como conformativa. No entanto, parece que não há, na cláusula entre colchetes um fato que induza os aplausos e o julgamento de alguém. Para diferenciar uma cláusula conformativa de uma modal, Silva (2007) utilizou como um dos critérios a presença de um poder indutivo naquela e a ausência nesta (cf. cap. 5). Constatou-se uma pequena diferença entre o Português Brasileiro e o Português Europeu. O único dado de cláusula hipotática encabeçada por COMO QUE ocorreu em um texto escrito referente ao PB. No que tange à língua falada, identificaram-se apenas 3 (três) cláusulas hipotáticas finitas: 2 (66,7%) introduzidas por COMO SE – cf. ex. 49 e 1 (33,3%) introduzida por COMO – cf. ex. 50. Ressalte-se que esses dados são relativos apenas ao PE, pois não foram encontradas cláusulas hipotáticas finitas em língua falada no PB. 49. ―... acabam por la [...], por lidarem com as bonecas [como se fossem pessoas].‖ (OC-P-70-1F-004) 50. ―A gente sente que cá para o sul ... há muito, eh, muito maior dificuldade em a pessoa se aceitar [como é].‖ (OC-P-70-3M-002) Em 49, a cláusula em destaque explica o modo como algumas pessoas lidam com as bonecas e, em 50, a cláusula entre colchetes acrescenta a noção de modo ao fato de as pessoas se aceitarem. Descritas as formas de articulação das cláusulas hipotáticas finitas tanto na língua escrita quanto na língua falada, em seguida, enfatiza-se outro aspecto: a manutenção de referente. A hipótese de que cláusulas finitas tendem a apresentar mudança de referente e a ser menos integradas do que cláusulas não-finitas comprovou-se, pois, de um modo geral, as cláusulas hipotáticas finitas apresentaram mudança de referente (sujeito) em relação à cláusula núcleo. Vejam-se os exemplos 51 e 52, ambos relativos à língua escrita. 128 51. ―O Brasil tem sido, nas fases negativas do seu desenvolvimento político, um país sujeito, e por assim dizer condenado, à repetição cíclica dos mesmos erros, [como se fossemos um povo vítima de alguma dessas psicoses] que impedem o homem de aprender com a sua experiência.‖ (E-B-93-JE-003) 52. ―A cada momento temos noticia de gastos extraordinarios que attingem centenas e milhares de contos, [sem que se possa determinar a verba] por que foram effectuados.‖ (E-B-91-JN-006) Em 51, a cláusula destacada tem como sujeito o pronome ―nós‖, que é reconhecido pela desinência verbal em ―fôssemos‖, enquanto que o sujeito da cláusula núcleo é ―o Brasil‖. Apesar de estarem relacionados, consideram-se os sujeitos distintos. Em 52, a cláusula entre colchetes permite duas interpretações no que diz respeito a seu sujeito: a primeira é analisar como sujeito ―a verba‖, levando-se em conta a estrutura de voz passiva sintética; a segunda é analisar que há um sujeito indeterminado, tendo em vista que alguém não pode determinar a verba. Com essas duas possibilidades de interpretação, verifica-se que o sujeito da cláusula núcleo é diferente do da cláusula hipotática, porque o sujeito daquela é o pronome ―nós‖, que pode ser identificado pela desinência verbal em ―temos‖. Como foram encontradas poucas cláusulas hipotáticas finitas na língua falada, a análise baseia-se nos exemplos 49 e 50 supracitados. Em 49, a cláusula em destaque tem como sujeito ―as bonecas‖ e a cláusula núcleo tem como sujeito ―algumas pessoas‖, que pode ser inferido pelo contexto. Em 50, o sujeito da cláusula hipotática é o mesmo do da cláusula núcleo – ―a pessoa‖, o que contraria a expectativa, que era a de encontrar mudança de referente (sujeito) em cláusulas finitas. Entretanto, não se pode afirmar que todas as cláusulas finitas têm sujeito diferente do da cláusula núcleo. O que se pode constatar é que há uma tendência de isso ocorrer. A tabela 5 apresenta a frequência de cláusulas finitas distribuídas pelos itens que as encabeçam e que possuem o mesmo sujeito em relação à cláusula núcleo. Na primeira coluna, indicam-se os itens que encabeçam as cláusulas finitas; na segunda coluna, tem-se a frequência com que cada cláusula encontrada na língua escrita ocorreu com manutenção de referente (sujeito); na terceira coluna, se fornece o total de dados de língua escrita; na quarta coluna, apresenta-se a frequência com que cada cláusula finita 129 empregada na língua falada ocorreu com manutenção de referente (sujeito) e, na quinta coluna, mostra-se o total de dados de língua falada. De um total de 484 (100%) cláusulas que expressam a circunstância de modo encontradas no corpus VARPORT, 265 (54,8%) são cláusulas hipotáticas. Dessas 265 cláusulas hipotáticas, 242 estão na forma não-finita (reduzida) e 23 na forma finita (desenvolvida). Coletou-se um total de 20 cláusulas hipotáticas finitas na modalidade escrita e um total de 3 cláusulas em textos de língua falada. A distribuição pelas formas de articulação (itens que encabeçam as cláusulas) no que tange à manutenção de referente é apresentada na tabela 5. Tabela 5: Cláusulas finitas e manutenção de referente no corpus VARPORT FORMAS DE MANUTENÇÃO ARTICULAÇÃO TOTAL – MANUTENÇÃO TOTAL – DE REFERENTE LÍNGUA DE REFERENTE LÍNGUA – – LÍNGUA ESCRITA ESCRITA LÍNGUA FALADA FALADA COMO SE 1 (11,1%) 9 (100%) 1 (50%) 2 (100%) SEM QUE 1 (14,3%) 7 (100%) ____ ____ COMO 1 (33,3%) 3 (100%) 1 (100%) 1 (100%) COMO QUE 1 (100%) 1 (100%) ____ ____ Percebe-se que, com exceção das cláusulas encabeçadas por COMO QUE, na língua escrita, e por COMO, na língua falada, são poucos os dados de cláusulas hipotáticas finitas que possuem o mesmo referente (sujeito) do da cláusula núcleo, o que poderia ser um indício de que cláusulas que contêm uma marca explícita de conexão são menos integradas do que cláusulas sem marca explícita de conexão. Os dados que poderiam ser considerados exceção são poucos e provavelmente não invalidam os resultados obtidos no que concerne à relação entre cláusulas finitas e mudança de referente. Outro aspecto que pode estar relacionado à manutenção de referente e, consequentemente, à integração semântico-pragmática é o tipo semântico de verbo. Parece que os verbos do tipo ―relacional‖ e ―existencial‖ estão associados a cláusulas finitas e a uma menor integração semântico-pragmática. É o que se verifica por meio dos exemplos 53 e 54. 130 53. ―Estamos n‘um perfeito regimen absolutista, sem a dignidade da franqueza, porque se mascara com os imbroglios d‘um liberalismo de contrabando, e sem a magestade do prestígio, perdido em funambulescas correrias de allucinados, que seriam simplesmente cômicas no palco d‘um theatro, mas que são criminosas na rua porque denunciam o nenhum respeito que nas regiões superiores se tem pelas leis do paiz, [como se acaso aquelles / que estão nas culminancias do poder / não devessem ser os primeiros] a render culto ao dever, para uma salutar exemplificação social.‖ (E-P-83-JE-009) 54. ―O seguro propiciou a que em breve a família reunida pudesse de novo continuar [como se nada houvera acontecido].‖ (E-B-93-JA-027) Em 53, o verbo principal da cláusula hipotática, que se encontra no infinitivo, é ―ser‖ e, portanto, é do tipo ―relacional‖. Em 54, o verbo principal da cláusula em destaque está no particípio, ―acontecido‖ e, portanto, é do tipo ―existencial‖. Na língua escrita, o tipo ―relacional‖ foi o mais frequente nas cláusulas introduzidas por COMO SE (5 – 55,6%) e, na língua falada, nas cláusulas encabeçadas por COMO SE (2 – 100%) e por COMO (1 – 100%). Nota-se, por todos os exemplos fornecidos nesta seção, que outros tipos semânticos de verbo também ocorreram em cláusulas hipotáticas finitas. O tipo ―relacional‖, que parece se associar a cláusulas finitas foi empregado nos exemplos 49, 50, 51 e 53. O tipo ―material‖ ocorreu no exemplo 46, o tipo ―sensitivo‖, em 47, o tipo ―possessivo‖, em 48 e o tipo ―cognitivo‖ ocorreu no exemplo 52. Na língua escrita, o tipo ―sensitivo‖ foi utilizado em todos os dados com COMO (3 – 100%); o tipo ―possessivo‖ foi empregado no único dado com COMO QUE e parece não ter um uso preferencial com cláusulas introduzidas por SEM QUE, pois foram utilizados os seguintes tipos semânticos de verbo: material (2 – 28,5%), relacional (1 – 14,3%), cognitivo (1 – 14,3%), corpóreo (1 – 14,3%), sensitivo (1 – 14,3%) e existencial (1 – 14,3%). Um critério de análise adotado e que permitiu a reunião de todos os tipos de cláusulas hipotáticas - finitas e não-finitas - foi o gênero textual. Esta junção se justifica pelo fato de o gênero não determinar diferenças entre as formas de articulação das cláusulas (cf. 6.2.1.3.1). Acreditava-se que as cláusulas hipotáticas modais ocorressem mais frequentemente em notícias em geral, gênero cujas sequências predominantes são as narrativas e em que há o relato de um acontecimento. Além disso, Clóvis Rossi (2005; apud Dias, 2006, p.112) considera que os jornalistas têm ―que contar bem boas 131 histórias‖. Em uma notícia, portanto, o mais importante não é o relato do acontecimento em si, mas sim como o relato é feito. Uma das maneiras de envolver o leitor é apresentar riqueza de detalhes. A definição de notícia da Fundação Darcy Ribeiro (2004, p.58) ratifica os comentários antes elucidados: ―A notícia é o puro relato de fatos ou acontecimentos atuais, geralmente de importância e interesse para a comunidade, sem comentários pessoais, opiniões ou interpretações por parte de quem a escreve. Os títulos são chamativos (manchetes) para atrair a atenção do leitor. No início do texto, costuma aparecer um pequeno resumo com as informações essenciais do fato noticiado (lide)‖. Vê-se, então, que há informações básicas sobre a notícia, como a menção do lead. Parece haver uma preocupação em mostrar tanto o propósito comunicativo como as características linguísticas do gênero em questão. Como as cláusulas hipotáticas modais caracterizam-se por acrescentar a noção de modo estabelecendo uma relação de adjunção ao verbo da cláusula núcleo e como a circunstância de modo, assim como as de tempo e lugar, é essencial para uma notícia, acreditava-se que este gênero favorecesse seu uso. De fato, as cláusulas hipotáticas modais foram frequentes em notícias, mas não houve preferência pelo uso destas estruturas neste gênero textual. No corpus analisado, nos textos referentes à língua escrita, houve simetria entre os usos das modais nos três gêneros analisados: anúncios, editoriais e notícias (cf. tabela 6). A tabela 6 mostra os gêneros textuais, na primeira coluna; as frequências das cláusulas hipotáticas em cada gênero textual, na segunda coluna; e o total de cláusulas encontradas em língua escrita, na última linha. 132 Tabela 6: Cláusulas hipotáticas e gêneros textuais na língua escrita GÊNEROS TEXTUAIS FREQUÊNCIA Anúncio 79 (34,3%) Editorial 82 (35,7%) Notícia 69 (30%) TOTAL 230 (100%) Embora haja indícios de que o gênero em que as cláusulas hipotáticas foram menos frequentes foi a notícia, os percentuais entre cada gênero são muito semelhantes, não permitindo, assim, que se estabeleça uma generalização quanto à relação entre os usos dos gêneros e das cláusulas hipotáticas. A seguir, apresentam-se alguns exemplos: 55, retirado de um anúncio; 56, extraído de um editorial e 57, coletado de uma notícia. 55. ―Francisco José de Oliveira Basto tira Patentes pelo modico preço de $6400 reis, e cuida em todos os requerimentos, dependentes de todas as Secretarias Superiores: quem se quizer servir do seu prestimo o pode procurar na sua casa rua de S. Joaquim, [indo para Santa Anna ao lado direito casa número 40]. Os que forem moradores fóra desta cidade, como em Lisboa, Bahia, etc, podem corresponder-se com elle pelo correio, [dirigindo-lhe as suas ordens].‖ (E-B-81-JA-024) 56. ―Tão condenável que os jornalistas se sentiram na obrigação de respeitar a confidencialidade do relatório, [não divulgando os nomes dos agentes] ou [tapando-os nas reproduções << fac-similadas >>].‖ (E-P-95-JE-007) 57. ―Os marinheiros e soldados navaes empunhando sempre as facas e as navalhas, fugiram, [correndo em diversas direções].‖ (E-B-91-JN-005) Em 55, as duas cláusulas entre colchetes são hipotáticas com noção de modo. A primeira expressa a maneira como alguém pode procurar Francisco José de Oliveira Basto e a segunda indica o modo como algumas pessoas podem corresponder-se com ele. Ambas foram retiradas de um anúncio, integrando uma sequência descritiva. Em 56, as duas cláusulas em destaque estão coordenadas entre si e explicam a maneira como os jornalistas respeitaram a confidencialidade do relatório. Ambas foram extraídas de um editorial e encontradas em uma sequência argumentativa. Em 57, a cláusula entre colchetes elucida o modo como os marinheiros e soldados navais fugiram, foi coletada de uma notícia e se insere em uma sequência narrativa. 133 Os três exemplos anteriormente explicitados representariam o uso prototípico das cláusulas hipotáticas em cada gênero textual. Assim, parecia haver uma relação entre anúncio e sequência descritiva; editorial e sequência argumentativa e notícia e sequência narrativa. É claro que houve alguns dados em que estas correspondências foram identificadas. Entretanto, os resultados indicam que, nos três gêneros textuais referentes à língua escrita, as cláusulas hipotáticas foram utilizadas predominantemente em sequências argumentativas (cf. tabela 7). Na tabela 7, a primeira coluna contém as sequências tipológicas em que as cláusulas hipotáticas foram usadas, a segunda coluna apresenta a frequência destas cláusulas em cada sequência e a última linha mostra o total de cláusulas analisadas. Tabela 7: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua escrita SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS FREQUÊNCIA Argumentativa 168 (73%) Narrativa 28 (12,2%) Descritiva 30 (13%) Injuntiva 4 (1,8%) TOTAL 230 (100%) Pela tabela 7, verifica-se que 73% (168 dados) das cláusulas hipotáticas ocorreram em sequências argumentativas e 1,8% (4 dados) em sequências injuntivas. A seguir, ilustram-se três exemplos: 58 - que elucida uma cláusula em sequência injuntiva em anúncio, 59 – que indica uma cláusula em sequência argumentativa em notícia e 60 – que representa outro caso de cláusula encontrada em sequência injuntiva. 58. ―Inglês em 3 Meses – Cursos individual, duplo e triplo. Melhore rápido e seguramente a sua situação financeira e social, [inscrevendo-se, até 11 de Setembro, no unico curso racional e especialmente feito para portugueses] de modo a ficar em Dezembro apto a falar, compreender, ler e escrever inglês.‖ (E-P-93-JA-009) 59. ―O governo neste districto não tem satisfeito aos pagamentos mensaes dos empregados, andando todos a morrer de fome, e de penuria e ainda quando ordena o pagamento de algum mez, passão dois e trez mezes [sem que o contador lhes satisfaça].‖ (E-P-82-JN-010) 134 60. ―... em apenas 3 segundos prepare [sem bater] um leite muito mais gostoso!‖ (E-B-93-JA-029) Em 58, a cláusula hipotática elucida o modo como uma pessoa pode melhorar rápida e seguramente a sua situação e se encontra em uma sequência injuntiva, pois são dadas as instruções para que o leitor faça o curso de inglês e melhore a vida financeira Em 59, a cláusula destacada indica o modo como os empregados passam dois e três meses, e se insere em uma sequência argumentativa, porque o autor, além de estar relatando um fato, expressa claramente sua opinião ao utilizar expressões como ―morrer de fome‖, ―penúria‖. Em 60, a cláusula entre colchetes explicita a maneira de se preparar um leite muito gostoso e integra uma sequência injuntiva, já que o autor do anúncio utiliza uma estrutura, cujo principal objetivo é levar alguém a realizar uma tarefa. Pela análise empreendida, parece não haver um gênero textual favorecedor do uso das cláusulas hipotáticas, visto que, no corpus utilizado, houve um equilíbrio entre os usos das modais nos gêneros anúncio, editorial e notícia. Quanto às sequências tipológicas, apesar de as cláusulas hipotáticas modais poderem ser empregadas em sequências descritivas, em anúncios; em sequências argumentativas, em editoriais; e em sequências narrativas, em notícias, conforme o esperado, parece que esta estrutura contribui bastante para a argumentação independentemente do gênero textual em que é encontrada. Resultado diferente foi obtido ao se analisarem as cláusulas hipotáticas na língua falada. A tabela 8 mostra a distribuição das cláusulas hipotáticas coletadas nos textos de língua falada pelas sequências tipológicas. Na primeira coluna, apresentam-se as sequências tipológicas; na segunda coluna, mostram-se as frequências dessas estruturas em cada sequência e, na última linha, indica-se o total de cláusulas analisadas. 135 Tabela 8: Cláusulas hipotáticas e sequências tipológicas na língua falada SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS FREQUÊNCIA Narrativa 21 (60%) Descritiva 12 (34,3%) Argumentativa 2 (5,7%) TOTAL 35 (100%) Pela tabela 8, verifica-se que as cláusulas hipotáticas em língua falada, diferentemente do resultado conseguido em língua escrita, ocorreram mais frequentemente em sequências narrativas e descritivas, respectivamente. Este resultado já era esperado, pois, nas entrevistas do tipo DID encontradas no corpus VARPORT, o documentador conversa sobre um determinado assunto e o informante conta uma história em que ele esteve envolvido ou que aconteceu com alguém conhecido. Em alguns momentos das entrevistas, o documentador pede para o informante explicar algo melhor e este realiza a tarefa por meio de descrições de um lugar ou de uma atividade específica a ser feita. Em seguida, tem-se um exemplo de cláusula hipotática em sequência narrativa (cf. ex. 61), um exemplo em sequência descritiva (cf. ex. 62) e um em sequência argumentativa (cf. ex. 63 – exemplo 29 repetido). 61. ―... é óbvio que eu tenho que me voltar TAMBÉM ... para a alimentação né ... éh ... se possível :: [eliminando esse consumo da CARNE] né ... que é tão prejudicial à SAÚDE ... éh / ah / tenho procurado fazer isso ... e [consumindo coisas lights ... né queijo LIGHT né] ... [procurando] não comprar mais tanta MUZZARELA pra fazer pizza [comprando ... ((tomou fôlego para continuar falando)) queijo de minas mais :: ... éh / tem uns éh mais lights né ...‖ (OC-B-9C-2F-001) 62. ―#I: ... mas, eh, vieram para aqui umas meninas, para a faculdade, não sei para que andar, qualquer coisa, e quando passavam por mim diziam: ‗olá‘. É porque tinha razão. Não, mas eu estava a dizer destas ta [...], tais que me diziam, ‗olá‘, [como ( ] ) #D: pois #I: [se fossem as tais catatuas, cacatuas, cacatuas, tatatuas].‖ (OC-P-RE-3F-011) 63. ―...acho que hoje as crianças ... de classes médias se divertem muito mais com ... com vídeo games ... coisas desse tipo ... do que ... [jogando futebol na rua].‖ (OC-B-9C-1M-002) 136 Em 61, há três cláusulas que explicam o modo como a informante deve se preocupar com a alimentação e como ela procura fazer isso. A informante está relatando um fato e as cláusulas hipotáticas contribuem para a progressão da narrativa. Em 62, a cláusula em destaque elucida a maneira como umas meninas falavam com a informante. Esta está descrevendo como eram as meninas e, com isso, a cláusula hipotática faz parte desta descrição. Observa-se que a informante começa a descrever a maneira de as meninas falarem e é interrompida pelo documentador, cuja fala é representada pela palavra ―pois‖. Em seguida, a informante conclui seu pensamento. Em 63, a cláusula entre colchetes indica o modo como o informante acha que as crianças se divertem menos hoje. Por se tratar de uma opinião sendo expressa, a cláusula hipotática está a serviço da argumentação. Pode-se dizer que uma mesma estrutura, no caso, as cláusulas hipotáticas com noção de modo, pode ter funções e exercer papéis diferentes, dentro de um texto, a depender da modalidade linguística em que são encontradas. No corpus analisado, constatou-se que, na língua escrita, esta estrutura exerceu um papel mais importante na argumentação, enquanto que, na língua falada, contribuiu mais para a narração. 6.2.1.4. Cláusulas correlatas As estruturas correlatas equivalem ao que alguns autores tradicionais incluem no âmbito da coordenação, mais especificamente das coordenadas aditivas. Neste estudo, distingue-se coordenação, ou parataxe, de correlação. No primeiro processo sintático, há independência sintática entre as cláusulas, enquanto que, no segundo processo, há interdependência sintática, visto que as duas cláusulas envolvidas no processo de correlação não subsistem sintaticamente uma sem a outra. Alguns autores abordam a correlação como uma das formas de as cláusulas coordenadas ou subordinadas se articularem. Nesta tese, segue-se além do pensamento de autores como Oiticica (1952), já explicitado (cf. 2.4), o de Rodrigues (2007, p.231)42, que consideram a correlação um processo sintático diferente da coordenação e da subordinação. No corpus VARPORT, detectaram-se poucas cláusulas correlatas com noção de modo. Entretanto, optou-se por incluí-las na análise dos dados tendo em vista o 42 ―... correlação, em que as duas orações seriam formalmente interdependentes, relação materializada por meio de expressões correlatas‖. 137 principal objetivo deste trabalho, ou seja, descrever as cláusulas que podem manifestar a relação de modo a fim de englobar, portanto, todos os processos sintáticos que envolvem a noção de modo em português. Coletaram-se apenas 7 (sete) cláusulas correlatas com noção de modo, em um total de 484 cláusulas modais analisadas no corpus VARPORT e, por este motivo, agruparam-se os dados provenientes de textos representativos do Português Brasileiro e do Português Europeu bem como das modalidades escrita e falada. Os pares correlativos encontrados são apresentados no gráfico 7. NÃO SÓ ... COMO NÃO SÓ ... COMO AINDA NÃO APENAS ... COMO 1 2 4 Total: 7 Gráfico 7: Formas de articulação das cláusulas correlatas no corpus VARPORT Pelo gráfico 7, é possível perceber que o par correlativo mais frequente foi NÃO SÓ ... COMO (cf. ex. 64), seguido de NÃO SÓ ... COMO AINDA (cf. ex. 65) e NÃO APENAS ... COMO (cf. ex. 66). 64. ―Em sua próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda [não só ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa, como tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África Portuguesa]‖. (E-B-93-JE-006) 65. ―É publico e notorio de que a commissão apresentou o parecer no dia 12 de outubro do anno passado, e tendo decorrido mais de quatro mezes V. Exª. [não só não tem dado publicidade desse parecer, como ainda o não apresentou ao Monarcha], como é do seu rigoroso dever ...‖ (E-B-82-JE-003) 138 66. ―A seguir, Prestes disse que falta atacar os problemas de fundo, que, a seu ver, [não apenas persistiram ao longo de 15 anos de ditadura, como se agravaram]. ‗Aumentou o número de latifundiários‘, frisou‖. (E-B-94-JN-007) Ressalte-se que, nos três exemplos anteriores, o primeiro membro da correlação contém uma palavra negativa – ―não‖ – e um advérbio de intensidade – ―só‖, ―apenas‖, e o segundo membro da correlação, em 65, contém a palavra ―ainda‖, indicando que a informação contida na segunda cláusula correlativa acrescenta algo à primeira. A noção de modo está presente nos exemplos 64, 65 e 66, e é enfatizada pela presença do item COMO. Em 64, pode-se entender que DO MESMO MODO que ―o ministro da Fazenda ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África Portuguesa‖. Em 65, interpreta-se que DO MESMO MODO que ―V. Exª. não tem dado publicidade de um parecer, não o apresentou ao monarca‖. Em 66, entende-se que DO MESMO MODO que ―os problemas de fundo persistiram ao longo de 15 anos de ditadura se agravaram‖. É importante distinguir aqui as cláusulas correlatas com noção de modo das cláusulas correlatas comparativas. O emprego da expressão DO MESMO MODO para justificar a existência da noção de modo em algumas estruturas pode levar o leitor a uma interpretação destas envolvendo também um matiz comparativo. Esta interpretação é possível, mas, nesta tese, entende-se como comparativa apenas a cláusula em que i) os atos comparados são os mesmos, ou seja, o verbo que aparece no primeiro termo da comparação é o mesmo que aparece no segundo e ii) o sujeito utilizado na primeira parte da comparação é do mesmo campo semântico que o sujeito empregado na segunda parte da comparação (cf. Rodrigues, 2007). No que tange à manutenção de referente, no corpus analisado, todas as cláusulas correlatas apresentaram mesmo referente (sujeito). Este resultado, em princípio, contraria a expectativa, pois se esperava que as cláusulas correlatas, por estarem na forma finita, conteriam sujeitos diferentes, configurando isto um índice de menor integração semântico-pragmática. Parece haver um motivo capaz de explicar o resultado obtido. Em 64, 65 e 66, as cláusulas que contêm o segundo membro do par correlativo acrescentam, adicionam uma informação acerca de um mesmo sujeito, seja ele uma pessoa, um lugar, um objeto, entre outros. Dessa forma, pode-se dizer que, nas cláusulas correlatas com noção de modo, o sujeito é correferencial. 139 Esta especificidade das cláusulas correlatas provavelmente contribui para que a correlação seja considerada um processo sintático diferente da coordenação e da subordinação. Para comprovar o comportamento distinto de cláusulas correlatas, tem-se, a seguir, um comentário de Rodrigues (2007, p.233) acerca de um exemplo de cláusulas correlatas comparativas, mas que se adequa aos exemplos 64, 65 e 66, anteriormente apresentados. ―A segunda oração não se relaciona diretamente a algum verbo da primeira como ocorre com as substantivas, já que aqui a relação não é de complementação; ela também não se liga semanticamente ao verbo como ocorre com as adverbiais, já que a relação não é de adjunção; a segunda oração não se relaciona, ainda, a um substantivo numa estrutura de modificação, como sucede com as adjetivas. ... as duas orações são interdependentes.‖ No que tange ao gênero textual, verificou-se que as cláusulas correlatas foram utilizadas um pouco mais frequentemente em editoriais (3 – 42,9%) – cf. ex. 67, seguidos das notícias (2 – 28,5%) – cf. ex. 68, dos anúncios (1 – 14,3%) e das entrevistas (1 – 14,3%). 67. ―A verdade é que o senador pelo Piauhy [não só engatilhou um requerimento sobre as verbas do senado e os gastos da mesa dessa casa legislativa, como está armado de informações e documentos extremamente serios sobre as graves irregularidades de dinheiro, ocorridas na alta direcção da casa], a que pertence‖. (E-B-92-JE-002) 68. ―O Dia da Liberdade de Imprensa é uma periódica oportunidade para que, [não só se celebre uma das conquistas fundamentais à vida democrática moderna, como ainda se tome essa prerrogativa como uma das formas inalienáveis] em que devem viver os governos livres do mundo de hoje‖. (E-B-92-JN-037) Em 67, a noção de modo está presente na estrutura correlata porque DO MESMO MODO que ―o senador pelo Piauhy engatilhou um requerimento está armado de informações‖. As cláusulas correlatas fazem parte dos comentários e das reflexões do autor a respeito de um determinado assunto. Em 68, a nuance de modo está presente na estrutura correlata porque se afirma que ―o Dia da Liberdade é uma oportunidade‖ para duas ações serem realizadas DO 140 MESMO MODO. As cláusulas correlatas estão sendo utilizadas para contribuir na exposição do ponto de vista do autor. Pelo exposto anteriormente, pode-se compreender que as cláusulas correlatas com noção de modo estão a serviço da argumentação. De fato, no corpus analisado, 5 (71,4%) cláusulas correlatas ocorreram em sequências argumentativas, 1 (14,3%) em sequência descritiva e 1 (14,3%) em sequência narrativa. Este uso de cláusulas correlatas em sequências argumentativas pode ser favorecido pelo uso dos advérbios ―só‖ e ―ainda‖, que parecem anunciar que a informação que será fornecida na segunda cláusula é um argumento mais forte do que o que aparece na primeira para que se expresse uma opinião. Além disso, parece haver uma relação entre a constatação do uso deste tipo de cláusula na argumentação e um comentário de Rocha Lima (1998, p.261): ―Para dar mais vigor à coordenação, valemo-nos de uma fórmula correlativa (não só ... mas também; não só ... mas ainda ...‖. Provavelmente, o termo ―vigor‖ relacionado à coordenação refira-se a uma maior força argumentativa. Os pares correlativos encontrados no corpus analisado assemelham-se aos listados por Rocha Lima (1998): ―não só ... como‖, ―não só ... como ainda‖ e ―não apenas ... como‖. Abordadas as cláusulas correlatas considerando-se o corpus VARPORT, analisam-se, a seguir, as cláusulas paratáticas que apresentam a noção de modo. 6.2.1.5. Cláusulas paratáticas As estruturas paratáticas equivalem ao que, na tradição, se denomina oração coordenada. Entretanto, as formas de articulação das cláusulas paratáticas que foram encontradas no corpus analisado, em sua maioria, não são contempladas por grande parte das gramáticas tradicionais. Além disso, nesta tese, se consideram cláusulas paratáticas aquelas que são independentes sintaticamente, mas dependentes semanticamente de outra, ou seja, veiculam uma circunstância, mais especificamente, o conteúdo de modo. No corpus VARPORT, encontraram-se cláusulas paratáticas com noção de modo finitas e não-finitas43. A seguir, analisam-se as especificidades de cada tipo de cláusula paratática – as não-finitas e as finitas. 43 Como já mencionado, nesta tese, a análise de cláusulas paratáticas não-finitas vai ao encontro da constatação de Said Ali (1969, p.147) de que ―se o acontecimento ocorrido em primeiro lugar for 141 6.2.1.5.1. Cláusulas paratáticas não-finitas No corpus VARPORT, o número de cláusulas paratáticas não-finitas - 135 (92,5%) - foi maior do que o de cláusulas finitas – 11 (7,5%). Por este motivo, optou-se por abordar primeiramente as cláusulas não-finitas. Assim como na análise das cláusulas hipotáticas, levando-se em conta a junção das cláusulas finitas e não-finitas consideram-se os gêneros textuais e as sequências tipológicas em que as cláusulas foram encontradas. Vale ressaltar que os dados referentes à língua escrita – 142 (97,3%) – são superiores aos referentes à língua falada – 4 (2,7%). Os dados relativos ao Português Brasileiro e ao Português Europeu foram reunidos e, quando necessário, serão explicitadas diferenças entre estas duas variedades da língua. No que tange à língua escrita, as cláusulas paratáticas não-finitas podem ser distribuídas por 2 (duas) formas de articulação, como o gráfico 8 mostra. De um total de 484 (100%) cláusulas com matiz modal coletadas no corpus VARPORT, 146 (30,2%) eram paratáticas. Dentre as 146 cláusulas paratáticas, 135 eram não-finitas (reduzidas) e 11 eram finitas (desenvolvidas). No gráfico 8, verifica-se que 134 cláusulas paratáticas não-finitas integram textos de língua escrita. enunciado por uma oração explícita, o gerúndio, denotando fato imediato, equivalerá a uma oração coordenada iniciada pela conjunção e.‖ 142 Gerúndio SEM + Inf. 3 131 Total: 134 Gráfico 8: Formas de articulação das cláusulas paratáticas não-finitas na língua escrita Pelo gráfico 8, nota-se que as cláusulas paratáticas não-finitas mais frequentes são as que se articulam por meio do gerúndio. Vejam-se os exemplos 69 e 70, cláusulas paratáticas articuladas, respectivamente, por meio de verbo no gerúndio e pela preposição SEM seguida de infinitivo. 69. ―TRASPASSA-SE uma casa de seccos e molhados, [fazendo um bom negocio].‖ (E-B-82-JA-050) 70. ―No incendio da nau Santa Rosa interessantes produções se perderam, que eram remmetidas para imprimir em Lisboa [sem se haver dellas deixado copias].‖ (E-B-83-JN-039) Em 69, a cláusula entre colchetes acrescenta uma informação à cláusula anterior, sendo possível verificar que a noção de modo emerge desta cláusula, visto que a ação de transpassar uma casa de secos e molhados ocorre de um determinado modo: ―fazendo um bom negócio‖. A interpretação como paratática justifica-se pelo fato de haver, em 69, uma sequência de eventos, em que, primeiramente transpassa-se uma casa e, em seguida, se faz um bom negócio. A não-simultaneidade caracteriza a parataxe, neste caso, em confronto com a hipotaxe. Além disso, 69 pode ser reescrito como 69‘. 69‘. TRANSPASSA-SE uma casa de seccos e molhados [e se faz um bom negocio]. Em 70, a cláusula destacada adiciona uma informação à cláusula que a antecede e possui uma negação, isto é, indica que algo não foi feito: deixar cópias das produções. 143 O fato de não se ter deixado cópias das produções é uma característica, um estado em que tudo ficou depois do incêndio. É dessa forma que se atribui à cláusula paratática a noção de modo. O exemplo 70 também pode ser reescrito (cf. ex. 70‘). 70‘. No incendio da nau Santa Rosa interessantes produções se perderam, que eram remmetidas para imprimir em Lisboa [e não foram dellas deixadas copias]. Em 70, a ideia de negação é veiculada pela preposição SEM e, em 70‘, pelo advérbio ―não‖. No que concerne à língua falada, encontrou-se apenas uma cláusula paratática não-finita, retirada de um texto referente ao Português Brasileiro. Esta cláusula tem como forma de articulação a preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (cf. ex. 71). 71. ―... e... também... todas as conduções que eu usei... circularam livremente [sem passar em cima de buracos]... porque eu não vi também nenhum buraco nas estradas.‖ (OC-B-9C-3F-001) Em 71, a cláusula em destaque indica o modo como as conduções circularam. Por este motivo, poder-se-ia fazer uma confusão entre cláusula paratática e cláusula hipotática com noção de modo. Acredita-se que o advérbio ―livremente‖ acrescenta a ideia de modo e caracteriza suficientemente a ação representada pelo verbo ―circularam‖. Interpreta-se, portanto, a cláusula entre colchetes como uma adição de informação em que a relação entre ela e o verbo da cláusula anterior não é a de adjunção, como ocorre nas cláusulas hipotáticas. Pode-se considerar que há uma sequência de eventos, assim como em 70, o que pode ser ratificado em 71‘. 71‘. ... e... também... todas as conduções que eu usei... circularam livremente [e não passaram em cima de buracos]... porque eu não vi também nenhum buraco nas estradas. Assim como em 70 e em 70‘, as cláusulas paratáticas em 71 e em 71‘ possuem a ideia de negação, que é veiculada naquele pela preposição SEM e, neste, pelo advérbio ―não‖. O próximo aspecto abordado na análise é a manutenção de referente. Como esperado, as cláusulas paratáticas não-finitas articuladas por meio de gerúndio ocorreram mais frequentemente com manutenção de referente (sujeito) – 114 (87%), o que pode ser conferido no exemplo 72. 144 72. ―... mesmo porque o Supplicado faz da injuria objeto principal do interesse do seu jornal, [não poupando o próprio chefe do Estado, digno de todo o respeito e consideração, não só pela sua posição, como ainda pelas virtudes] que o distinguem.‖ (E-B-82-JN-018) Em 72, a cláusula em destaque acrescenta uma informação à cláusula que a antecede e forma, com ela, uma sequência de eventos, característica básica de uma cláusula paratática prototípica. A circunstância de modo está presente, pois se pode interpretar que o fato de não poupar ―o próprio chefe do Estado‖ reforça o modo como ―o Suplicado faz da injúria objeto principal de interesse‖. No que diz respeito à manutenção de referente, percebe-se que o sujeito da cláusula paratática, em 72, assim como o sujeito da cláusula que a antecede, é ―o Supplicado‖. Este resultado vai ao encontro do que era esperado, isto é, cláusula nãofinita tende a ter o mesmo referente (sujeito) do da cláusula com a qual se articula. O resultado referente às cláusulas paratáticas não-finitas encabeçadas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo em texto de língua escrita contraria a expectativa de que houvesse dados que apresentassem manutenção de referente. Todos os dados apresentaram mudança de referente (cf. ex. 73). 73. ―A direcção das cartas será provisoriamente para Pariz [sem ser necessario] franquear a carta.‖ (E-P-81-JA-024) Em 73, a cláusula paratática destacada indica o modo como as cartas serão dirigidas para Paris e acrescenta uma informação à cláusula que a antecede. O exemplo 73 pode ser reescrito como 73‘. 73‘. A direcção das cartas será provisoriamente para Pariz [e não será necessário] franquear a carta. No que tange à manutenção de referente, verifica-se que o sujeito da primeira cláusula é ―a direcção das cartas‖ e que a cláusula em destaque possui um sujeito oracional – ―franquear a carta‖. Portanto, constata-se mudança de referente (sujeito). Este resultado contraria a expectativa porque a hipótese era a de que as cláusulas nãofinitas possuiriam manutenção de referente. Apesar de o número total de dados de cláusulas paratáticas introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo ser pequeno, pode-se observar que o fato de haver mudança de referente em cláusulas não-finitas não anula a tendência a ocorrer mesmo referente neste tipo de cláusulas. 145 No único dado de cláusula paratática não-finita encontrado em língua falada, a hipótese de que há um paralelismo entre manutenção de referente e cláusulas não-finitas foi confirmada. Para ilustrar isto, tem-se o exemplo 71, em que o sujeito tanto da cláusula paratática com noção de modo quanto da cláusula que a antecede é ―todas as conduções que eu usei‖. Outro aspecto relacionado à integração semântico pragmática é o tipo semântico de verbo. No tocante às cláusulas não-finitas articuladas por meio de gerúndio identificadas em língua escrita, o resultado obtido corresponde ao esperado, visto que 87 (66,4%) delas ocorreram com verbo do tipo ―material‖ (cf. ex. 74). 74. ―... tudo isso obedece ao mesmo plano: rasgar folha a folha a constituição do paiz, até que o povo, seguindo-lhes o exemplo, entenda que não merece mais respeito um regimen que começa por se negar a si mesmo, [calcando as suas disposições fundamentaes], e arroje par o monturo o governo que n‘elle começara a despenhar-se.‖ (E-P-83-JE-009) Em 74, a cláusula entre colchetes expressa o modo como um regime nega a si mesmo e indica uma sequência de eventos, visto que há a possibilidade de se compreender que, primeiramente, o regime começa a se negar e, em um momento posterior, ―calca as suas disposições fundamentaes‖. O verbo utilizado na cláusula em destaque é ―calcar‖, um verbo do tipo ―material‖, pois indica uma ação propriamente dita – a de acabar com algo, esmagar algo. No que tange às cláusulas paratáticas não-finitas articuladas por meio da preposição SEM seguida de verbo no infinitivo em língua escrita, o resultado obtido não era esperado, pois 2 (66,7%) cláusulas ocorreram com verbo do tipo ―relacional‖ (cf. ex. 75), o que, em princípio, estava associado a cláusulas finitas. 75. ―Um Marchante que tem bastante gado, e muito dele muito bom para trabalho, não duvida entregar a pessoas capazes uma ou mais juntas de bois, para com eles se servirem pelo tempo que se ajustar, com certas condições, e [sem ser preciso] compralos.‖ (E-P-81-JA-054) Em 75, a cláusula em destaque acrescenta uma informação à cláusula que a antecede e indica o modo como pessoas capazes podem se servir dos bois. No que se refere ao tipo semântico de verbo, percebe-se que o verbo utilizado na cláusula com nuance de modo foi ―ser‖, um verbo de ligação da tradição, que equivale ao que, nesta pesquisa, é denominado verbo ―relacional‖. 146 Apesar de contrariar o que era esperado, já que não foi utilizado um verbo do tipo ―material‖ na cláusula não-finita, o resultado obtido não invalida a tendência de verbos do tipo ―relacional‖ associarem-se a cláusulas finitas. No que concerne à única cláusula paratática não-finita detectada em língua falada, o resultado conseguido era esperado, tendo em vista que o verbo utilizado foi do tipo ―material‖. Para ilustrar esta ideia, tem-se, a seguir, o exemplo 76, que é a repetição do exemplo 71. 76. ―... e... também... todas as conduções que eu usei... circularam livremente [sem passar em cima de buracos]... porque eu não vi também nenhum buraco nas estradas.‖ (OC-B-9C-3F-001) Em 76, o verbo utilizado na cláusula com noção de modo foi ―passar‖, que indica uma ação propriamente dita e, consequentemente, configura um verbo do tipo ―material‖. Abordadas as cláusulas paratáticas não-finitas considerando-se as formas de articulação, a manutenção de referente e os tipos semânticos de verbo, segue-se a análise das cláusulas paratáticas finitas. 6.2.1.5.2. Cláusulas paratáticas finitas O número de cláusulas paratáticas finitas, como fora comentado em 6.2.1.5.1, é menor do que o de cláusulas paratáticas não-finitas. Nos textos de língua escrita, constataram-se 3 (três) formas de articulação das cláusulas finitas: introduzidas por BEM COMO (cf. ex. 77 e 78), ASSIM COMO (cf. ex. 79, 80, 81 e 82) e SEM QUE (cf. ex. 83). 77. ―A voz publica geralmente acusa á Palhares por ter desfraudado a fasenda publica na venda de pistolas, sapatos, correames para o arcenal de guerra sendo estes generos de pessima qualidade, [bem como tendo mandado baetilha por casemira] & quando na administração de um de seus antecessores prohibiu-se que o arsenal comprasse genero algum na casa de Lourenço & Compª.‖ (E-B-82-JE-003) 78. ―O Contra-almirante Jorge Dodsworth Martins, o Capitão de Mar e Guerra Renato de Almeida Guilhobel e o Capitão de Fragata Osvaldo Osiris Storino, foram designados para examinar quais os serviços adiados no Edifício do Ministerio que necessitam ampliação, [bem como relacionar aqueles] que devem ser removidos e incluidos os que, estando instalados em outros Edificios, devem ser agrupados em um único a ser construido no recinto do Arsenal de Marinha no rio d Janeiro.‖ (E-B-92-JN-029) 147 79. ―Houve que adaptar variedades de trigo á diversidade de condições ecologicas, [assim como se verificaria o tempo mais conveniente para as semeaduras e a maneira mais util] de orientar o trabalho agricola.‖ (E-B-92-JE-006) 80. ―Começou hontem a importante liquidação de superiores calçados de todas as qualidades para homens, senhoras e crianças, [assim como tem um importante sortimento de calçados de S. Paulo], que é na realidade uma superioridade.‖ (E-B-91-JA-003) 81. ―Na mesma Loja se vendem todos os Livros precisos para estudo de primeiras Letras, [assim como se apromptão quaesquer encomendas, tanto de livros em branco, como Impréssos].‖ (E-P-81-JA-030) 82. ―Neste mesmo armazem se recebeu novo sortimento de musica moderna tanto para pianno como para outros instrumentos, [assim como se publicou a cavatina da dança da nova opera].‖ (E-P-82-JA-003) 83. ―A experiencia demonstra aos doentes a rasão da preferencia, porque a agua de Sedlitz quando legitima (frascos com rotulos em portuguez, rolha e capsula com a marca das fontes) não tem rival no seu effeito certo e suave, [sem que o seu uso /, embora prolongado, / fadigue sequer os organismos os mais delicados].‖ (E-P-83-JA-049) Do exemplo 77 ao 82, verifica-se que, além da circunstância de modo, há a ideia de ADIÇÃO, pois é acrescentada uma informação em relação à cláusula que antecede a cláusula paratática com nuance de modo. Além disso, não se pode descartar a existência de um matiz comparativo nos exemplos supracitados. Dessa forma, constata-se que os exemplos de 77 a 82 são híbridos e podem veicular os conteúdos semânticos de modo, adição e comparação simultaneamente. A noção de modo nos exemplos citados ocorre de forma semelhante ao das cláusulas correlatas (cf. 6.2.1.4), ou seja, compreende-se que uma ação ocorre DO MESMO MODO que outra. A distinção entre correlatas e paratáticas reside no fato de que naquelas há um par correlativo, em que cada membro encontra-se em uma cláusula diferente44, enquanto que nestas há um item ou uma locução que se encontra em uma das cláusulas. Além disso, nas correlatas, há interdependência sintática e, nas paratáticas, há independência sintática entre as cláusulas. O exemplo 77 contém a expressão BEM COMO, mas o verbo auxiliar encontrase no gerúndio. Optou-se por incluir este caso nas cláusulas finitas pela presença de uma expressão que serve para ligar uma cláusula à outra. 44 ―A correlação apresenta conjunções que vêm aos pares, cada elemento do par em uma oração‖ (Rodrigues, 2007, p.233). 148 Em seguida, explicitam-se quais fatos ocorreram de modo semelhante em cada exemplo. Em 77, Palhares é acusado DO MESMO MODO ―por ter fraudado a fazenda pública‖ e por ter ―mandado baetilha por casemira‖; em 78, o contra-almirante, o capitão de mar e guerra e o capitão de fragata foram designados para exercer duas ações DO MESMO MODO: ―examinar quais os serviços adiados no Edifício do Ministério que necessitam ampliação‖ e ―relacionar os que devem ser removidos ou incluídos‖; em 79, a adaptação das ―variedades de trigo à diversidade de condições ecológicas‖ deveria ser feita DO MESMO MODO que a verificação do ―tempo mais conveniente para as semeaduras‖; em 80, em um determinado estabelecimento, ―começou uma liquidação de superiores calçados‖ e há ―um importante sortimento de calçados de São Paulo‖; em 81, em uma loja, são vendidos ―livros precisos para estudo de primeiras Letras‖ DO MESMO MODO que se fazem encomendas de ―livros em branco ou impressos‖ e, em 82, em um armazém, DO MESMO MODO que ―se recebeu novo sortimento de música moderna se publicou a cavatina da dança da nova ópera‖. O exemplo 83 é diferente dos demais tanto pelo introdutor da cláusula paratática – não contém o item COMO – quanto pela interpretação que se lhe pode atribuir. Podese reescrever 83 como 83‘. 83‘. A experiencia demonstra aos doentes a rasão da preferencia, porque a agua de Sedlitz quando legitima (frascos com rotulos em portuguez, rolha e capsula com a marca das fontes) não tem rival no seu effeito certo e suave, e o seu uso /, embora prolongado, / não fadiga sequer os organismos os mais delicados]. Em 83‘, fica mais evidente a adição de informação em relação às propriedades e vantagens da água de Sedlitz. Pode-se interpretar que DO MESMO MODO que a água ―não tem rival no seu efeito‖, não fadiga o organismo. No concernente aos aspectos relacionados à integração semântico-pragmática – manutenção de referente e tipos semânticos de verbo, poder-se-ia afirmar que o resultado era esperado, pois as cláusulas finitas ocorreram predominantemente com mudança de referente em relação às cláusulas com as quais se articulam. Das cláusulas finitas apresentadas nos exemplos supracitados, em quase metade delas verifica-se manutenção de referente – ex. 77, 78 e 80 – e em mais da metade delas verifica-se mudança de referente – ex. 79, 81, 82 e 84. 149 Em 77, o sujeito tanto da cláusula paratática com noção de modo quanto o da cláusula que a antecede é ―Palhares‖; em 78, o sujeito que se mantém é ―o Contraalmirante Jorge Dodsworth Martins, o Capitão de Mar e Guerra Renato de Almeida Guilhobel e o Capitão de Fragata Osvaldo Osiris Storino‖; em 80, é possível interpretar que ―a importante liquidação‖ é o sujeito em relação ao verbo ―começou‖ e ao verbo ―tem‖, pois a liquidação possui os sortimentos de calçados de São Paulo. Os exemplos 79, 81, 82 e 83 confirmariam a hipótese de que cláusulas finitas tendem a apresentar um sujeito diferente do da cláusula com a qual se articulam. Em 79, pode-se considerar o sujeito da primeira cláusula como indeterminado e, na cláusula destacada, é possível compreender que há uma estrutura de voz passiva, em que o sujeito paciente é ―o tempo mais conveniente para as semeaduras e a maneira mais util de orientar o trabalho agrícola‖. Em 81, também é possível observar estruturas de voz passiva, em que o sujeito da cláusula entre colchetes é ―todos os Livros precisos para estudo de primeiras Letras‖ e o sujeito da cláusula que a antecede é ―quaesquer encomendas‖. Em 82, assim como em 79 e em 81, há uma estrutura de voz passiva, o sujeito da cláusula com noção de modo é ―a cavatina da dança da nova opera‖ e o sujeito da cláusula que a antecede é ―novo sortimento de musica moderna tanto para pianno como para outros instrumentos‖. Em 83, apesar de estarem relacionados, os sujeitos da cláusula com nuance de modo e da cláusula que a antecede são diferentes, aquele é ―o seu uso‖ e este é ―a agua de Sedlitz‖. No que diz respeito aos tipos semânticos de verbo, o tipo ―material‖ ocorreu em mais da metade das cláusulas paratáticas finitas em língua escrita, ou seja, podem ser encontrados verbos de ação como ―mandado‖, em 77, ―relacionar‖, em 78, ―aprontam‖, em 81 e ―publicou‖, em 82. Os outros tipos de verbo que ocorreram foram ―perceptivo‖, em 79 – ―verificaria‖, ―possessivo‖, em 80 – ―tem‖ e ―corpóreo‖, em 83 – ―fadigue‖. Portanto, o tipo mais frequente de verbo foi o ―material‖. Nos textos de língua falada, também se detectou um número muito pequeno de dados – apenas 3 (três) cláusulas finitas: uma introduzida por COMO (cf. ex. 84), uma iniciada por COMO, POR EXEMPLO (cf. ex. 85) e uma introduzida por COMO TAMBÉM (cf. ex. 86). 150 84. ―#I - precisamente tenho levado a vida toda à parte de mar gosto muito de desportos náuticos e precisamente logo em miúdo comecei a praticar a natação que essa coisa de natação levou-me logo a fazer várias coisas na vida que gostei como por exemplo mergulhar livre à vontade quando era miúdo e vá lá continuei e que hoje faço estes trabalhos de mergulhador porque quer dizer segui a profissão praticamente não é? hoje sou mesmo profissional no no dantes era amador fazia os trabalhos de amador e então proibiram-me de eu fazer os trabalhos de de profissional através do do do amador não é? mas hoje tive que tirar um curso para ter a mesma coisa a vantagem dos outros #D- e depois chamam-no para trabalhos ( ) #I - chamam aqui da capitania [como há pessoas] que me conhecem de fora das agências - outros sabem qualquer coisa outros não sabem mas perguntam a outras pessoas ...‖ (OP-P-70-2M-005) 85. ―... precisamente logo em miúdo comecei a praticar a natação que essa coisa de natação levou-me logo a fazer várias coisas na vida que gostei [como por exemplo mergulhar livre à vontade] ... (OP-P-70-2M-005) 86. ―porque também dezassete com vinte e sete alunos, em média são dois alunos por computador, pronto. e, e, e então, eh, eh, podem ir à internet pesquisar, [como também há CD-roms com, com certos programas],...‖ (OC-P-90-2F-008) Em 84, pode-se entender que DO MESMO MODO que pessoas da capitania chamam o informante para fazer os trabalhos de profissional, há pessoas ―de fora das agências‖ que o chamam com a mesma finalidade; em 85, a cláusula em destaque serve como uma exemplificação das coisas de que o informante gosta de fazer na vida. A ideia de modo está presente no fato de que as várias coisas das quais o informante gosta de fazer podem apresentar-se ou desmembrar-se de alguns modos e um deles é o exemplo fornecido entre colchetes; em 86, se encontra a informação de que DO MESMO MODO que ―os alunos podem ir à internet pesquisar, há Cd-roms com certos programas‖. Vale ressaltar que, em 85, o verbo da cláusula paratática com noção de modo está em uma das formas nominais, o infinitivo. Entretanto, optou-se por incluir este caso nas cláusulas finitas pela presença do item COMO, que serve para ligar uma cláusula à outra. No que concerne aos aspectos relativos à integração semântico-pragmática – manutenção de referente e tipos semânticos de verbo, pode-se afirmar que o resultado, embora representado apenas por 3 (três) dados, confirmou as hipóteses iniciais, pois, nas três cláusulas finitas presentes nos exemplos 84, 85 e 86, há mudança de referente. Em 84, o sujeito da cláusula paratática modal é inexistente pelo fato de ser utilizado o verbo ―haver‖ com sentido de ―existir‖, isto é, um verbo impessoal, e o 151 sujeito da cláusula que a antecede é indeterminado e o verbo está na 3ª pessoa do plural – ―chamam‖. Em 85, na cláusula em destaque, a ação de ―mergulhar livre à vontade‖ refere-se às coisas de que o informante gosta de fazer e, na cláusula que a antecede, o sujeito é a primeira pessoa do singular, identificada pela desinência verbal em ―gostei‖. O uso de COMO POR EXEMPLO na cláusula entre colchetes pode levar à interpretação de uma cláusula comparativa com exemplificação. Com isso, em 85, pode-se ter um caso híbrido, em que os matizes de modo, comparação e exemplificação coexistem. Em 86, o sujeito da cláusula destacada é inexistente por que se está utilizando um verbo impessoal – o verbo ―haver‖ com sentido de ―existir‖, enquanto que o sujeito da cláusula que antecede a cláusula paratática modal é ―alunos‖. A mudança de referente em 84, 85 e 86 sugere a menor integração semânticopragmática de cláusulas finitas. No que se refere aos tipos semânticos de verbo, em 84 e em 86, o verbo empregado foi o verbo ―haver‖, que é do tipo ―existencial‖. Parece que, de um modo geral, este tipo semântico de verbo está associado a cláusulas finitas e, consequentemente, a cláusulas menos integradas. Já no exemplo 85, o verbo utilizado na cláusula finita foi do tipo ―material‖, visto que ―mergulhar‖ indica uma ação propriamente dita. Comentadas as cláusulas paratáticas com noção de modo não-finitas e finitas no que se refere às formas de articulação, à manutenção de referente e aos tipos semânticos de verbo, cabe, neste momento, analisar as cláusulas paratáticas como um todo em relação a dois aspectos: gênero textual e sequências tipológicas. Acreditava-se que as cláusulas paratáticas fossem ocorrer preferencialmente em notícias porque, neste gênero textual, faz-se um relato de um acontecimento e é um gênero em que predominam as sequências narrativas. Em uma narrativa, a ordem cronológica dos fatos é relevante para a coerência do texto como um todo e as cláusulas paratáticas estão relacionadas também a uma sequência de eventos. De fato, as cláusulas paratáticas foram bastante frequentes em notícias. Entretanto, o que surpreendeu foi a frequência maior ainda destas cláusulas em anúncios. Provavelmente, isto pode ser explicado porque, dentre as cláusulas paratáticas identificadas, há aquelas que adicionam uma informação ao que foi dito anteriormente e há aquelas que exemplificam algo já mencionado. 152 Em um anúncio, em alguns momentos, são fornecidas informações a mais, extras, relativas a um produto ou a um estabelecimento com o objetivo de mostrar as vantagens deste ou daquele. Além disso, também, são encontradas exemplificações do modo como um produto funciona ou como um estabelecimento está à disposição dos clientes. Na tabela 9, a primeira coluna contém os gêneros textuais de língua escrita em que as cláusulas paratáticas foram encontradas; a segunda coluna apresenta a frequência com que esta estrutura ocorreu em cada gênero textual e, na última linha, indica-se o total de cláusulas analisadas. Tabela 9: Cláusulas paratáticas e gêneros textuais na língua escrita GÊNEROS TEXTUAIS FREQUÊNCIA Anúncio 56 (39,2%) Notícia 53 (37,1%) Editorial 34 (23,7%) TOTAL 143 (100%) Pela tabela 9, nota-se que há uma distribuição complementar entre o uso de cláusulas paratáticas em anúncios e em notícias. O emprego desta estrutura em editoriais é um pouco menor. Em seguida, fornece-se um exemplo de cláusula paratática em anúncio (cf. ex. 87) e um em notícia (cf. ex. 88). 87. ―O agrado dos Clientes pela grande ‗performance‘ das velas Motorcraft Super vai reflectir-se no seu volume de vendas. Pense já em abastecer-se [aproveitando as óptimas condições oferecidas pela Ford].‖ (E-P-95-JA-018) 88. ―Três audaciosos e perigosos gatunos introduziram-se, esta manhã, numa residência da Amadora, na rua 9 de Abril, 37, e, depois de amarrarem e amordaçarem a locatária, que estava na altura ainda deitada, revolveram toda a casa, [apoderando-se de objectos vários], ainda não totalmente inventariados, e da quantia de 2.500 escudos.‖ (E-P-94-JN-004) Nos exemplos anteriores, o que favorece a leitura modal das estruturas destacadas é o gerúndio. Entretanto, percebe-se que as cláusulas estão em uma sequência de eventos e há uma ordem dos fatos que deve ser respeitada. Sendo assim, a noção de modo é veiculada por cláusulas paratáticas. 153 Em 87, a cláusula paratática foi retirada de um anúncio e integra uma sequência argumentativa, porque ―as óptimas condições oferecidas pela Ford‖ são um argumento a favor do abastecimento por parte dos clientes. Em 88, a cláusula destacada foi extraída de uma notícia e se insere em uma sequência narrativa, visto que faz parte do fato principal que é relatado e não configura uma opinião do autor da notícia. Pelos comentários anteriores, verifica-se que parece haver uma relação entre anúncios e sequências argumentativas, e notícias e sequências narrativas. De fato, a maior parte das cláusulas paratáticas identificadas em textos de língua escrita ocorreu em sequências argumentativas, correspondendo a uma boa parte dos usos em anúncios e editoriais. Algumas cláusulas paratáticas ocorreram em sequências narrativas, equivalendo a alguns usos nas notícias. Encontraram-se também cláusulas paratáticas em sequências descritivas, equivalendo a alguns usos em anúncios (cf. ex. 89). 89. ―Essa pelicula viscosa que sente sobre os dentes é o seu maior inimigo. Com os velhos methodos uma grande parte fica agarrada e em breve perde a côr [formando manchas escuras] e dentes como perolas tornam-se nublados.‖ (E-B-92-JA-017) Em 89, a cláusula entre colchetes indica o modo como a ―película viscosa‖ fica quando perde a cor. Esta cláusula foi coletada de um anúncio e integra uma sequência descritiva, pois se está descrevendo o que acontecia quando se utilizavam ―velhos métodos‖ para cuidar dos dentes. A seguir, mostra-se a frequência das cláusulas paratáticas retiradas de textos de língua escrita em relação às sequências tipológicas (cf. tabela 10). Na tabela 10, a primeira coluna apresenta as sequências tipológicas; a segunda coluna mostra a frequência das cláusulas paratáticas em cada sequência e, na última linha, tem-se o total de cláusulas analisadas. 154 Tabela 10: Cláusulas paratáticas e sequências tipológicas na língua escrita SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS Argumentativa Narrativa Descritiva TOTAL FREQUÊNCIA 92 (64,3%) 35 (24,5%) 16 (11,2%) 143 (100%) Pela tabela 10, verifica-se o que fora comentado anteriormente, isto é, que as cláusulas paratáticas em língua escrita ocorreram mais frequentemente em sequências argumentativas. No que tange à língua falada, juntando-se as cláusulas paratáticas não-finitas e finitas, encontra-se um total de apenas 4 (quatro) cláusulas. Apesar do número pequeno de dados, constata-se que há indícios de que o comportamento destas cláusulas nos textos de língua falada é diferente em relação aos textos de língua escrita. Enquanto nestes as cláusulas paratáticas ocorreram predominantemente em sequências argumentativas, naqueles, elas ocorreram predominantemente em sequências narrativas – 3 (75%). Houve um caso, em língua falada, de cláusula paratática que ocorreu em sequência descritiva e nenhum em sequência argumentativa. Isto aconteceu, provavelmente, porque as entrevistas são predominantemente narrativas, ou seja, o informante relata algo que aconteceu com ele e descreve como as ações foram realizadas. Os exemplos que correspondem às cláusulas paratáticas encontradas em língua falada são 76 (cláusula não-finita), 84, 85 e 86 (cláusulas finitas). Nesta seção, analisaram-se dados coletados do corpus VARPORT considerandose prioritariamente o nível sintático. Na seção seguinte, em 6.2.2, pretende-se descrever o comportamento das cláusulas com noção de modo priorizando o nível semântico. 155 6.2.2. Abordagem semântica das cláusulas com noção de modo Em 6.2.1, analisaram-se as cláusulas modais tomando como base o nível sintático, isto é, as diferentes estruturas capazes de veicular a noção de modo, desde as que envolvem encaixamento – com função substantiva e com função adjetiva, passando pelas que são integradas sintática e semanticamente com outras, mas que não envolvem encaixamento – hipotaxe e correlação – até as que se distanciam mais do encaixamento e que podem depender de outras semanticamente, mas são independentes sintaticamente – parataxe. Alguns aspectos abordados em 6.2.1 podem estar relacionados a aspectos semânticos que serão tratados aqui. Um exemplo é a manutenção de referente, que mostra indícios de que uma estrutura possui maior ou menor integração semânticopragmática com outra cláusula. Pretende-se, na abordagem semântica, i) verificar quais estruturas veiculam apenas o conteúdo de modo e quais estruturas veiculam a ideia de modo e outra(s) a ela(s) associada(s); ii) relacionar aspectos sintáticos e semânticos, e iii) propor um continuum das cláusulas modais de acordo com o comportamento de cada uma delas. Durante a coleta de dados, detectou-se a existência de estruturas exclusivamente modais, ou seja, que expressam somente a circunstância de modo e de estruturas que, além da noção de modo, permitem outra(s) leitura(s). Além disso, parece existir uma ligação entre o comportamento sintático e o comportamento semântico das cláusulas modais. Assim, na análise semântica, as cláusulas modais também podem ser divididas em encaixadas, hipotáticas, correlatas e paratáticas. Dentro do grupo das encaixadas, há aquelas com função substantiva e aquelas com função adjetiva. Os resultados obtidos não são muito diferentes se comparados com os das cláusulas encontradas em língua escrita e em língua falada. Por este motivo, não há divisões na análise quanto às modalidades linguísticas. Também não há diferenças relevantes entre os dados pertencentes ao Português Brasileiro e ao Português Europeu. Por isso, também, não serão feitas divisões levando-se em conta estas duas variedades linguísticas. 156 6.2.2.1. Cláusulas encaixadas Em 6.2.1, constatou-se que as cláusulas encaixadas com função substantiva tiveram um comportamento semelhante ao das cláusulas encaixadas com função adjetiva. Pôde-se perceber que, em ambos os casos, as cláusulas i) ocorreram categoricamente com um item que serve para ligar a cláusula modal à cláusula matriz, o que levou à interpretação de que elas apareceram somente na forma finita; ii) ocorreram predominantemente com mudança de referente (sujeito) e iii) foram consideradas menos integradas semântico-pragmaticamente. Todas estas propriedades parecem estar relacionadas ao comportamento semântico destas cláusulas, pois elas permitiram somente uma leitura modal. Com isso, elas podem ser inclusas em um grupo de cláusulas exclusivamente modais (cf. ex. 90 e 91). 90. ―Apesar da manutenção do sigilo pela comunidade de informações, uma brasileira não perde a esperança de saber [como seu marido desapareceu numa viagem de regresso ao País, nos idos de 70].‖ (E-B-94-JE-004) 91. ―O ministro Miguel Cadilhe deu a conhecer ao Governo o modo [como decorreu a reunião dos responsáveis da Economia e das Finanças da CEE], que se realizou na passada segunda-feira, no Luxemburgo.‖ (E-P-95-JN-005) Em 90, tem-se uma cláusula encaixada com função substantiva e a única circunstância que ela expressa é a de modo, podendo o exemplo 90 ser reescrito como 90‘. 90‘. Apesar da manutenção do sigilo pela comunidade de informações, uma brasileira não perde a esperança de saber o modo [como seu marido desapareceu numa viagem de regresso ao País, nos idos de 70]. Em 90‘, subentende-se a palavra ―modo‖, pois só é possível subentender uma palavra pertencente ao campo semântico de ―modo‖ como ―maneira‖, ―forma‖. Entretanto, acrescentando-se a palavra ―modo‖, a estrutura passa a ter uma função adjetiva, o que comprova a semelhança tanto sintática quanto semântica entre estes dois tipos de estrutura. Retomando-se alguns aspectos sintáticos, identifica-se, em 90, uma cláusula finita com mudança de referente, visto que o sujeito da cláusula matriz é ―uma brasileira‖ e o sujeito da cláusula encaixada é ―seu marido‖. 157 Em 91, tem-se uma cláusula encaixada com função adjetiva e a única circunstância que ela expressa, assim como 90, é a de modo. Isto é confirmado pelo uso do antecedente ―modo‖. Retomando-se alguns aspectos sintáticos, observa-se, em 91, uma cláusula finita com mudança de referente, pois o sujeito da cláusula matriz é ―o ministro Miguel Cadilhe‖ e o sujeito da cláusula encaixada é ―a reunião dos responsáveis da Economia e das Finanças da CEE‖. Com isso, nota-se que a mudança de referente está relacionada à menor integração semântico-pragmática, que, por sua vez, liga-se a cláusulas com uma única interpretação, que veicula uma única ideia – a de modo. 6.2.2.2. Cláusulas hipotáticas As cláusulas hipotáticas, conforme 6.2.1.3, ocorreram tanto na forma finita quanto na forma não-finita. O tipo de relação que elas estabelecem com a cláusula núcleo é a de adjunção, e não de encaixamento. Verificou-se, ainda, que as cláusulas hipotáticas finitas têm um comportamento distinto do das não-finitas. O aspecto sintático relacionado ao comportamento semântico das cláusulas hipotáticas é a manutenção de referente, pois se constatou que há a tendência de as cláusulas não-finitas possuírem mesmo sujeito do da cláusula núcleo e que estas estruturas são mais integradas semântico-pragmaticamente e, por outro lado, observouse que as cláusulas finitas tendem a possuir sujeito diferente do da cláusula núcleo e a ser menos integradas semântico-pragmaticamente. No que tange às cláusulas hipotáticas, parece que ocorre o oposto em relação às cláusulas encaixadas, porque as cláusulas finitas, as que são tidas como menos integradas semântico-pragmaticamente, são as que permitem outras leituras além da modal. Com isso, parece mais conveniente relacionar níveis de encaixamento sintático com possibilidades de apresentar outros matizes. Em outras palavras, quanto menos encaixadas, isto é, mais frouxas sintaticamente as cláusulas, mais fluidez semântica, mais possibilidades de ideias a serem expressas. No que concerne à abordagem semântica, pode-se afirmar que as cláusulas hipotáticas não-finitas, com exceção das introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo, expressam somente a ideia de modo e as cláusulas finitas podem 158 expressar, além da noção de modo, outras circunstâncias (cf. tabela 11). Na tabela 11, a primeira coluna apresenta os outros matizes que as cláusulas hipotáticas modais podem veicular; a segunda coluna mostra os itens que favorecem cada matiz; na terceira coluna, confere-se o total de cada cláusula e, na última linha, o total de cláusulas hipotáticas encontradas, considerando-se língua escrita, língua falada, Português Brasileiro e Português Europeu. De 265 cláusulas hipotáticas com noção de modo, como fora verificado em 6.2.1.3, 242 eram não-finitas e 23 eram finitas. Das 242 cláusulas não-finitas, como mostra a tabela 11, 45 – introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo - possuem também o matiz de negação. Das 23 cláusulas finitas, 18 expressam, além da circunstância de modo, outros matizes: 11 indicam a noção de comparação-hipótese e 7 veiculam o conteúdo de negação. Tabela 11: Outros matizes das cláusulas hipotáticas com noção de modo MATIZES ITENS QUE ENCABEÇAM FREQUÊNCIA Comparação – hipótese COMO SE 11 (17,5%) Negação SEM QUE 7 (11,1%) SEM + INFINITIVO 45 (71,4%) ____ 63 (100%) TOTAL Pela tabela 11, constata-se que apenas 63 das 265 cláusulas hipotáticas coletadas permitem outras possibilidades de leitura (cf. ex. 92, 93 e 94). 92. ―A mulher, em quanto todos os da freguesia estavam consternadissimos pela morte, ella andava muito fresca arranjando os negocios da casa, [como se não houvesse um cadaver em casa!]‖ (E-P-82-JN-022) 93. ―Consta-nos que o Governo tomára algumas prevenções, não despresando o annuncio dos inimigos; e sabemos que a revista se passou, como é costume, [sem que ouvesse a mais leve alteração do socego].‖ (E-P-81-JN-006) 94. ―Um seu superior recorda que ele se limitava a fazer recortes de jornais, [sem recolher informações directas].‖ (E-P-95-JE-010) Em 92, a cláusula entre colchetes permite a interpretação como modal, pois se pode entender que ela indica o modo como a mulher andava arranjando os negócios da casa. Entretanto, esta não é a única leitura possível. A locução COMO SE, para alguns autores, é a combinação da locução comparativa COMO com a conjunção condicional 159 SE, ou seja, permite uma leitura comparativo-hipotética. Isto pode ser confirmado pelo fato de haver duas situações sendo comparadas: uma real – que é o fato de a mulher arranjar ―os negócios da casa‖ – e uma hipotética – que é o fato de não existir cadáver na casa. Em 93, a cláusula destacada explica o modo como a revista se passou. Dessa forma, ela é interpretada como modal. Contudo, outra interpretação pode ser feita e o que contribui para isso é a presença da preposição SEM, que intrinsecamente indica ausência, negação de algo. Com isso, além da nuance de modo, a cláusula hipotática, em 93, possui a ideia de negação. Pode-se utilizar um recurso, que não é aconselhável a depender do autor tradicional que se tome como base, para facilitar a compreensão desta interpretação: o de considerar que a contraparte não-finita é equivalente à cláusula finita. Para isso, é necessário fazer algumas modificações (cf. ex. 93‘). 93‘. Consta-nos que o Governo tomára algumas prevenções, não despresando o annuncio dos inimigos; e sabemos que a revista se passou, como é costume, [não havendo a mais leve alteração do socego]. Em 93‘, percebe-se que, ao se substituir a cláusula hipotática finita por nãofinita, utilizou-se o advérbio de negação ―não‖, a fim de que o conteúdo da frase não fosse alterado. Fica mais nítida, assim, a ideia de negação veiculada pela cláusula destacada. Em 94, a cláusula hipotática não-finita indica o modo como alguém ―se limitava a fazer recortes de jornal‖, permitindo a leitura desta estrutura como modal. Fazendo-se uma analogia com o exemplo 93, em 94, também é encontrada a preposição SEM, levando a crer que o matiz de negação está presente. De fato, isto acontece e se pode alterar a forma nominal do verbo para que se compreenda melhor este fato (cf. ex. 94‘). 94‘. Um seu superior recorda que ele se limitava a fazer recortes de jornais, [não recolhendo informações directas]. Em 94‘, emprega-se a forma nominal ―gerúndio‖ e o advérbio de negação ―não‖. A presença deste advérbio reforça que, em 94, as duas circunstâncias – modo e negação – coexistem. Percebe-se, até agora, que, as cláusulas hipotáticas, que são mais frouxas que as cláusulas encaixadas, estão mais suscetíveis a veicular outras nuances além da noção de modo. 160 6.2.2.3. Cláusulas correlatas Em 6.2.1.4, indiciou-se que as cláusulas correlatas possuem um comportamento diferenciado. Este tipo de estrutura, quando veicula a noção de modo, apresenta pares correlativos que, na maioria das gramáticas tradicionais, introduzem cláusulas coordenadas. Dessa forma, poder-se-ia dizer que há semelhanças entre a correlação e a coordenação. No entanto, naquela, há interdependência sintática e, nesta, há independência sintática. O processo de correlação também é incluso, por gramáticos tradicionais, como uma das formas de articulação de cláusulas subordinadas adverbiais, como os seguintes pares correlativos: ―tanto ... quanto‖ em comparativas, ―tanto ... que‖ em consecutivas e ―quanto mais ... tanto mais‖ em proporcionais‖ 45. Com isso, identificam-se algumas semelhanças entre a correlação e a subordinação adverbial, ou hipotaxe. Por outro lado, estes dois procedimentos sintáticos diferem-se entre si pelo fato de, em alguns casos de estruturas hipotáticas, haver uma dependência sintática que ocorre da cláusula hipotática em relação à cláusula núcleo, e não necessariamente da cláusula núcleo em relação à cláusula hipotática (cf. ex. A46). A) Eu vou entregar as notas quando todos estiverem em silêncio. Em A), a cláusula matriz – eu vou entregar as notas – pode existir sem depender da cláusula hipotática. Em outras palavras, ela pode funcionar como uma sequência capaz de estabelecer comunicação. Já a cláusula hipotática – quando todos estiverem em silêncio, para estabelecer comunicação, precisa estar atrelada à outra, no caso, à cláusula núcleo. Dessa forma, a cláusula hipotática vincula-se sintática e semanticamente à cláusula núcleo. No exemplo A), a função sintática que a cláusula hipotática exerce em relação à cláusula núcleo é a de adjunto adverbial e a circunstância que ela veicula pode ser a de tempo ou a de condição. De acordo com 6.2.1.4, os resultados obtidos, em princípio, contrariaram as expectativas, pois as cláusulas correlatas são introduzidas por itens que ligam uma cláusula à outra e, portanto, são finitas. Isto levaria à conclusão de que elas são menos 45 Santos (2009, p.101) identificou, em cláusulas de consequência, estruturações nos processos de parataxe, hipotaxe e encaixamento. Neste, ela propõe a estruturação intermediária 1, que corresponde às cláusulas correlatas. 46 Exemplo de minha autoria é representado por letra do alfabeto maiúscula em negrito. 161 integradas semântico-pragmaticamente. Todavia, todos os dados de cláusulas correlatas com noção de modo possuem sujeito correferente. Este aspecto levou à interpretação de que esta estrutura está bastante integrada semântico-pragmaticamente. Com base em uma análise semântica, constatou-se que todos os dados coletados do corpus VARPORT de cláusulas correlatas com noção de modo também veiculam a noção de adição (cf. ex. 95). 95. ―Em sua próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda [não só ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa, como tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África Portuguesa]‖. (E-B-93-JE-006) Em 95, as cláusulas que formam a estrutura correlata indicam que o ministro da Fazenda DO MESMO MODO que ―ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa, tratará de questões relacionadas com a penetração econômica no nosso país na África Portuguesa‖. Além da circunstância de modo, verifica-se, ainda, a ideia de adição, o que provavelmente levou gramáticos tradicionais a incluírem exemplos como 95 dentre as cláusulas coordenadas sindéticas aditivas. O exemplo 95 pode ser reescrito como 95‘. 95‘. Em sua próxima viagem a Portugal, o ministro da Fazenda ultimará entendimentos para a instalação de uma agência do Banco do Brasil em Lisboa [e tratará de questões relacionadas com a penetração econômica do nosso País na África Portuguesa]. Em 95‘, fica evidente a noção de adição, visto que duas ações serão exercidas pelo ministro da Fazenda e estas ocorrem em uma sequência específica. Apesar de haver semelhanças entre 95 e 95', há uma maior força argumentativa no uso da correlação e este procedimento pode estar vinculado a eventos que acontecem em uma gradação. Segundo Rodrigues (2007, p.233-234), ―o professor deve mostrar ao aluno que as estruturas correlativas funcionam como recurso expressivo, no sentido de promover, por exemplo, realce do conteúdo que veiculam‖. Em 95, parece que a primeira atitude a ser tomada pelo ministro da Fazenda – representada pela primeira cláusula correlata – é mais simples do que a segunda – indicada pela segunda cláusula correlata. Há, em 95, portanto, uma gradação em relação ao nível de simplicidade ou facilidade. Esta gradação não fica muito evidente se for utilizada uma estrutura paratática ou coordenada prototípica, como em 95‘. 162 Um argumento que pode ser utilizado para explicar que a correlação encontra-se em um nível intermediário entre a hipotaxe e a parataxe é o fato de a porcentagem de cláusulas correlatas em relação ao total que apresenta outro matiz além do de modo ser maior do que a porcentagem de cláusulas hipotáticas que também apresenta outro matiz. 6.2.2.4. Cláusulas paratáticas Em 6.2.1.5, verificou-se que as cláusulas paratáticas podem ocorrer tanto na forma finita quanto na forma não-finita. Quanto ao aspecto da manutenção de referente, em língua escrita, o resultado foi um pouco diferente do que se esperava, pois as cláusulas não-finitas encabeçadas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo ocorreram com referentes distintos dos das cláusulas com as quais elas se articulavam. Por outro lado, em língua falada, o resultado obtido – as cláusulas paratáticas finitas apresentaram mais frequentemente mudança de referente - era esperado. Sintaticamente, as cláusulas paratáticas são as menos integradas, mais frouxas, independentes. Provavelmente, isto favoreceu a presença de outros matizes além do de modo (cf. tabela 12). Das 146 cláusulas paratáticas que expressam a circunstância de modo encontradas no corpus VARPORT, como fora verificado em 6.2.1.5.1, 135 são nãofinitas e 11 são finitas. Dentre as 135 cláusulas não-finitas, 16 apresentaram outros matizes: exemplificação, no caso das introduzidas por verbo no gerúndio (12 dados) e negação, no caso das introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (4 dados). Dentre as 11 cláusulas finitas, todas apresentaram outros matizes: exemplificação (1 dado), adição ( 9 dados) e negação (1 dado). Na primeira coluna da tabela 12, apresentam-se os outros matizes veiculados pelas cláusulas paratáticas; na segunda coluna, verificam-se as cláusulas não-finitas; na terceira coluna, mostra-se a frequência de cada cláusula não-finita relativa aos outros matizes expressos; na quarta coluna, observam-se as cláusulas finitas; na quinta coluna, fornece-se a frequência de cada cláusula finita relativa aos conteúdos semânticos indicados, e, na última linha, confere-se o total de cláusulas não-finitas e finitas coletadas no corpus VARPORT que expressam outras circunstâncias além da de modo. 163 Tabela 12: Outros matizes das cláusulas paratáticas com noção de modo MATIZES Exemplificação NÃOFINITAS Gerúndio FREQUÊNCIA FINITAS FREQUÊNCIA 12 (75%) COMO, POR EXEMPLO ASSIM COMO COMO BEM COMO COMO TAMBÉM SEM QUE 1 (9%) Adição Negação ________ ________ SEM + INFINITIVO 4 (25%) TOTAL 16 (100%) 4 (36,4%) 2 (18,2%) 2 (18,2%) 1 (9,1%) 1 (9,1%) 11 (100%) Pela tabela 12, nota-se que, além da ideia de modo, as cláusulas paratáticas analisadas podem conter também os matizes de exemplificação (cf. ex. 96), adição (cf. ex. 97, ex. 81 repetido) e negação (cf. ex. 98, ex. 73 repetido). 96. ―Se o governo não proceder energicamente, [fazendo] cumprir as leis, a agitação tomará mais vulto e teremos talvez a lamentar mais cedo ou mais tarde, acontecimentos de maior tomo.‖ (E-P-83-JE-010) 97. ―Na mesma Loja se vendem todos os Livros precisos para estudo de primeiras Letras, [assim como se apromptão quaesquer encomendas, tanto de livros em branco, como Impréssos].‖ (E-P-81-JA-030) 98. ―A direcção das cartas será provisoriamente para Pariz [sem ser necessário franquear a carta].‖ (E-P-81-JA-024) Em 96, além da noção de modo, a cláusula em destaque também pode veicular a ideia de exemplificação, visto que fazer cumprir as leis é um exemplo de ―o governo proceder energicamente‖. O exemplo 96 é um caso de parataxe, ou de coordenação, e a reescritura de 96 em 96‘ torna melhor essa visualização. 96‘. Se o governo não proceder energicamente, [e não fizer] cumprir as leis, a agitação tomará mais vulto e teremos talvez a lamentar mais cedo ou mais tarde, acontecimentos de maior tomo. Em 96‘, a cláusula entre colchetes é introduzida pelo item E, prototípico das orações coordenadas sindéticas aditivas. Vale ressaltar que, na maioria das vezes, faz-se uma associação das coordenadas aditivas a uma sequência de eventos. Nota-se que, em 96, apesar de se tratar de um caso de parataxe, não fica tão nítida essa sequência de eventos. Isto permite afirmar que, de 164 fato, se trata de um caso diferente de uma cláusula paratática prototípica. A noção de exemplificação leva à interpretação de que a cláusula paratática com noção de modo, em 96, faz parte, pertence à cláusula anterior, pois fazer ―cumprir as leis‖ está inserido em ―proceder energicamente‖. Em 97, a cláusula destacada pode envolver, além da circunstância de modo, a de adição. De forma semelhante às cláusulas correlatas, a adição não é expressa pelo item E, que caracteriza cláusulas paratáticas prototípicas 47 para os gramáticos tradicionais e parece haver uma força argumentativa maior do que nas cláusulas paratáticas prototípicas. Pode-se entender que vender ―todos os livros precisos para estudo de primeiras Letras‖ é mais simples do que ―aprontar quaisquer encomendas‖. O termo ―quaisquer encomendas‖ é mais abrangente do que os livros mencionados na cláusula que antecede à cláusula paratática modal. Em 98, a cláusula em destaque é paratática modal e a presença da preposição SEM contribui para uma segunda interpretação – a de negação. Encontram-se dois fatos em 98: as cartas irão provisoriamente para Paris e não é necessário franqueá-las. Apesar de o percentual de cláusulas paratáticas que permitem outras leituras ser menor do que o das cláusulas correlatas – 18,5%, a quantidade de circunstâncias expressas por aquelas – três (exemplificação, adição e negação) - é maior do que a de expressas por estas – uma (adição). Isto pode ter ocorrido devido ao fato de que as cláusulas paratáticas são mais frouxas, independentes sintaticamente do que as cláusulas correlatas. Parece que estruturas menos dependentes sintaticamente favorecem maior dependência semântica e têm a possibilidade de veicular uma variedade maior de conteúdos semânticos. Analisadas sintática e semanticamente as cláusulas com noção de modo, pode-se estabelecer um continuum, levando-se em consideração os níveis de vinculação (abordagem sintática) e os matizes que podem emergir da articulação de cláusulas (abordagem semântica). Os organogramas 1 e 2 sintetizam os tipos de cláusulas modais encontradas nos corpora utilizados, permitindo a visualização das análises sintática e semântica empreendidas ao longo deste estudo. 47 Vale lembrar que o termo ―prototípicas‖ é usado, aqui, com base no conceito de protótipo: ―exemplares típicos‖ (Silva, 1997, p.66). As cláusulas paratáticas prototípicas são, portanto, as introduzidas pela conjunção aditiva E. 165 Organograma 1: Cláusulas com noção de modo em Português – abordagem sintática Abordagem sintática Cláusulas hipotáticas Cláusulas encaixadas Com função substantiva Cláusulas correlatas Cláusulas paratáticas Com função adjetiva Organograma 2: Cláusulas com noção de modo em Português – abordagem semântica Abordagem semântica Cláusulas Encaixadas Matiz comparação - hipótese Cláusulas correlatas Cláusulas hipotáticas Matiz negação Matiz adição Matiz exemplifica ção Cláusulas paratáticas Matiz adição Matiz negação Pelos organogramas 1 e 2, percebe-se que o continuum pôde ser estabelecido levando-se em consideração os dois níveis de análise. No nível sintático, parte-se das cláusulas mais encaixadas até as que não possuem encaixamento algum e, no nível semântico, parte-se das cláusulas que possuem apenas o matiz modal até as que, além do matiz modal, possuem outros. 166 No subcapítulo seguinte, 6.3, analisam-se os dados coletados no corpus D&G (Discurso e Gramática). 6.3. Análise de dados no corpus D&G Considerando-se o corpus D&G, detectaram-se 79 cláusulas com noção de modo. Isto ocorreu porque, comparando-se com o corpus VARPORT, analisou-se uma quantidade bem menor de textos – 350. Apresenta-se, a seguir, a distribuição das cláusulas modais no corpus D&G (cf. tabela 13). Tabela 13: Distribuição das cláusulas modais no corpus D&G CLÁUSULAS MODAIS FREQUÊNCIA Encaixadas com função substantiva 17 (21,5%) Encaixadas com função adjetiva _____ Hipotáticas 54 (68,4%) Correlatas _____ Paratáticas 8 (10,1%) TOTAL 79 (100%) Algumas semelhanças foram verificadas entre os dois corpora e, por isso, será dada ênfase às diferenças entre eles. No corpus D&G, não foram encontradas cláusulas encaixadas com função adjetiva, cláusulas correlatas e cláusulas paratáticas em língua falada. Assim, em 6.3.1, abordam-se as cláusulas encaixadas com função substantiva. 6.3.1. Cláusulas encaixadas com função substantiva No corpus D&G, encontraram-se apenas 4 (quatro) cláusulas em língua escrita e 13 em língua falada. Por este motivo, a análise será feita agrupando-se os dados das duas modalidades linguísticas. No que tange às formas de articulação, não houve grande diferença comparandose ao corpus VARPORT: 16 cláusulas introduzidas por COMO (cf. ex. 1‘‘48) e 1 cláusula introduzida por COMO seguido de infinitivo (cf. ex. 2‘‘). 48 Exemplos retirados do corpus D&G são representados por algarismos arábicos acompanhados de aspas duplas. 167 1‘‘. ―Agora vou descrever [como é este lugar]: o Rio da Prata possui várias árvores ...‖ (DL, LE, 8ª série, fem.) 2‘‘. ―... minhas amigas começaram a dar gargalhadas ... né? por causa que ... elas já sabiam [como andar de cavalo]‖. (NEP, LF, 4ª série, fem.) Em 1‘‘, a cláusula entre colchetes foi retirada de uma descrição de local e pertence à língua escrita. Ela é introduzida pelo item COMO e complementa o verbo ―descrever‖, exercendo a função sintática de objeto direto. Em 2‘‘, a cláusula destacada foi extraída de uma narrativa de experiência pessoal e pertence à língua falada. Ela é introduzida pelo item COMO seguido de verbo no infinitivo. Esta forma de articulação não foi identificada no corpus VARPORT. A cláusula está encaixada no verbo ―sabiam‖ e exerce a função sintática de objeto direto. No que diz respeito à manutenção de referente, o resultado obtido é semelhante ao verificado no corpus VARPORT, isto é, as cláusulas encaixadas são finitas – apesar de o exemplo 2‘‘ conter uma cláusula com verbo no infinitivo, há um item que serve para ligar a cláusula encaixada e a cláusula matriz, e, portanto, tendem a possuir sujeito diferente do da cláusula matriz. Apenas 2 cláusulas introduzidas por COMO apresentaram manutenção de referente (12,5%), mas o único dado que apresenta o item COMO seguido de infinitivo também apresentou manutenção de referente (100%). Provavelmente, o uso do infinitivo favoreceu este resultado. Em 3‘‘, vê-se um exemplo de cláusula encaixada com mudança de referente. 3‘‘. ―Eu aprendi com meu pai a pintar uma casa; agora vou dizer [como se faz]‖. (RP, LE, 8ª série, fem.) Em 3‘‘, a cláusula em destaque foi retirada de um relato de procedimento e pertence à modalidade escrita. Ela é introduzida pelo item COMO e seu sujeito é diferente do da cláusula matriz. Esta tem como sujeito o pronome ―eu‖, que está elíptico, e aquela apresenta um sujeito indeterminado. Como fora observado no corpus VARPORT, a mudança de referente pode ser um indício de menor integração semântico-pragmática. Outro aspecto que se liga à integração semântico-pragmática é o tipo semântico de verbo utilizado. Na tabela 14, a primeira coluna apresenta os tipos semânticos de 168 verbo utilizados; a segunda coluna contém a frequência com que cada um ocorreu e, na última linha, indica-se o total de cláusulas analisadas. Tabela 14: Tipos semânticos de verbo e cláusulas encaixadas com função substantiva no corpus D&G TIPOS SEMÂNTICOS DE VERBO Relacional Material Sensitivo Verbal Existencial TOTAL FREQUÊNCIA 7 (41,2%) 6 (35,2%) 2 (11,8%) 1 (5,9%) 1 (5,9%) 17 (100%) Pela tabela 14, observa-se que há uma simetria entre o uso do verbo do tipo ―material‖, que foi considerado não-marcado por ocorrer com bastante frequência em todos os tipos de cláusula, e o do tipo ―relacional‖, que se associa a cláusulas finitas e menos integradas semântico-pragmaticamente. Em 4‘‘, tem-se um exemplo com o verbo do tipo ―relacional‖ e, em 5‘‘, com o verbo do tipo ―material‖. 4‘‘. ―... aí eu mas eu acho que ... o Bra ... o Brasil teria ... teria que ... dar uma chance ... pro sistema mudar ... pra ver [como é que seria]‖. (RO, LF, 8ª série, masc.) 5‘‘. ―Bom ... vejo ... ele fazendo ... né? aí depois ele vai me dizendo [como é que eu tenho que fazer] ... contornar ... [como é que eu tenho que mudar a tinta de um pincel]‖. (RP, LF, 8ª série, masc.) Em 4‘‘, a cláusula encaixada possui o verbo ―seria‖, que é um verbo de ligação se consideradas as gramáticas tradicionais e um verbo do tipo ―relacional‖ se considerado Halliday (2004) e, em 5‘‘, as duas cláusulas entre colchetes possuem os seguintes verbos principais: ―fazer‖ e ―mudar‖. Estes dois verbos indicam ações propriamente ditas e, portanto, são do tipo ―material‖. Os dois aspectos abordados a seguir estão relacionados: gênero textual e sequência tipológica. No corpus D&G, tanto os textos de língua escrita quanto as entrevistas são classificados de acordo com o objetivo principal. Com isso, têm-se os seguintes rótulos: narrativa de experiência pessoal; narrativa recontada; descrição de local; relato de procedimento e relato de opinião. Como as nomenclaturas utilizadas pelos organizadores do corpus D&G mesclam dois conceitos – o de gênero textual e o de sequências tipológicas (cf. 6.1), optou-se por 169 não considerar a nomenclatura proposta e por fazer uma análise levando-se em conta as sequências tipológicas em que as cláusulas com noção de modo ocorreram. Na tabela 15, a seguir, a primeira coluna contém as sequências tipológicas em que as cláusulas encaixadas com função substantiva ocorreram; a segunda coluna mostra a frequência das cláusulas encaixadas em cada sequência e, na última linha, há o total de cláusulas analisadas. Tabela 15: Sequências tipológicas e cláusulas encaixadas com função substantiva no corpus D&G SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS Narrativa Descritiva Argumentativa Injuntiva TOTAL FREQUÊNCIA 5 (29,4%) 5 (29,4%) 4 (23,5%) 3 (17,7%) 17 (100%) Pela tabela 15, verifica-se que há uma certa harmonia entre as sequências em que as cláusulas encaixadas com função substantiva ocorreram. Entretanto, percebe-se que estas cláusulas foram um pouco mais frequentes nas sequências narrativas e descritivas. Em seguida, são fornecidos exemplos das cláusulas encaixadas em sequência narrativa (cf. ex. 6‘‘), descritiva (cf. ex. 7‖) e injuntiva (cf. ex. 8‘‘). Já foi utilizado, em 4‘‘, um exemplo com sequência argumentativa. 6‘‘. ―... aí minha mãe me empurrou ... eu caí no chão ... fiquei com a cara ... toda arranhada ... aí meu pai aí minha mãe chegou em casa ... não queria que meu pai ... visse [como é que eu estava]‖. (NR, LF, 4ª série, fem.) 7‘‘. ―Bom ... o que eu sei fazer ... é pintura em tecido ... quer que eu conte [como é que é?]‖. (RP, LF, 8ª série, fem.) 8‘‘. ―... eh:: ... precisa ... papel crepom verde ... e ... e rosa ... vermelho ... se quiser / é [como quiser] :: ... [como quiser a cor da flor]‖. (RP, LF, 4ª série, fem.) Em 6‘‘, a cláusula encaixada foi coletada de uma narrativa recontada que se insere na modalidade falada. Ela é introduzida pelo item COMO e exerce a função sintática de objeto direto do verbo ―visse‖. Além disso, ela faz parte da história contada pela informante e ocorreu em uma sequência narrativa. 170 Em 7‘‘, a cláusula destacada foi retirada de um relato de procedimento, pertence à língua falada e ocorreu em um trecho em que a informante está introduzindo o relato e, por isso, considerou-se que a sequência é descritiva, e não injuntiva. Em 8‘‘, as duas cláusulas entre colchetes foram extraídas de um relato de procedimento e são de língua falada. Elas são introduzidas pelo item COMO e exercem a função sintática de predicativo do sujeito. As duas cláusulas ocorreram em sequências injuntivas, pois aparecem em momentos nos quais a informante explica como proceder para que alguém, no caso, o entrevistador, realize uma determinada tarefa. O resultado, no que tange às sequências tipológicas, assemelha-se ao conseguido na análise das cláusulas encaixadas com função substantiva presentes nos textos de língua falada do corpus VARPORT. No entanto, se distancia do detectado nos textos de língua escrita. Isto pode levar à conclusão de que, a depender não só da modalidade linguística, mas também da constituição do corpus, as cláusulas encaixadas com função substantiva podem ser utilizadas com diferentes propósitos. Como não foram encontradas nem cláusulas encaixadas com função adjetiva nem cláusulas correlatas no corpus D&G, faz-se, em 6.3.2, a análise das cláusulas hipotáticas. 6.3.2. Cláusulas hipotáticas Assim como no corpus VARPORT, no corpus D&G, identificaram-se cláusulas hipotáticas não-finitas e finitas, tanto em textos de língua escrita quanto em textos de língua falada. De forma semelhante ao corpus VARPORT, também houve uma quantidade bem maior de cláusulas não-finitas do que de cláusulas finitas. Por este motivo, a análise inicia-se pelas cláusulas não-finitas. 6.3.2.1. Cláusulas hipotáticas não-finitas No que tange à língua escrita, encontraram-se 20 cláusulas não-finitas (91%) e todas ocorreram com o verbo no gerúndio, em um total de 22 cláusulas hipotáticas nesta modalidade linguística. Em 9‘‘, dá-se um exemplo de cláusula hipotática com noção de modo não-finita. 171 9‘‘. ―Minha irmã chegou [chorando] desesperada‖. (NR, LE, 8ª série, masc.) Em 9‘‘, a cláusula hipotática explica o modo como ―minha irmã chegou‖ e foi retirada de uma narrativa recontada. No que concerne à língua falada, houve uma pequena diferença comparando-se com a língua escrita: em um total de 32 cláusulas hipotáticas, além de as cláusulas nãofinitas aparecerem com o verbo no gerúndio (28 – 93,3%), houve dois casos com a preposição SEM seguida de verbo no infinitivo (6,7%). Em 10‘‘, exemplificam-se dois casos, um de cláusula introduzida pela preposição SEM seguida de infinitivo e um de cláusula articulada por meio de verbo no gerúndio. 10‘‘. ―aí o ônibus deu um pulo ... nisso que deu / que o ônibus deu um pulo ... a minha mãe ... deu um pulo também e deu um grito ... dentro do ônibus ... saiu ... [sem querer] ... aí os band / nisso o ônibus parou ... né? os bandidos desceram ... [correndo] ...‖ (NEP, LF, 8ª série, fem.) Em 10‘‘, a primeira cláusula destacada explica o modo como ―a minha mãe‖ saiu do ônibus e é encabeçada pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo. A segunda cláusula em destaque explica o modo como os bandidos desceram do ônibus e apresenta verbo no gerúndio. Ambas foram extraídas de uma narrativa de experiência pessoal. Os dois aspectos abordados a seguir estão relacionados à integração semânticopragmática: manutenção de referente e tipo semântico de verbo. No concernente à manutenção de referente, o resultado obtido também foi semelhante ao encontrado no corpus VARPORT. No que tange à língua escrita, 20 cláusulas hipotáticas não-finitas (100%) apareceram com o mesmo sujeito do da cláusula núcleo (cf. ex. 11‘‘). 11‘‘. ―Um dia um menino me contou que foi pegar o ônibus e um cara tentou lhe asaltar, mas sua carteira na tinha nada de valor, mas ele tentou reagir [dando um pontape no bandido]‖. (NR, LE, 4ª série, masc.) Em 11‘‘, a cláusula hipotática tem o mesmo sujeito do da cláusula núcleo – ―ele‖ (que é correferencial com ―um menino‖) – e foi coletada em uma narrativa recontada. No tocante à língua falada, 28 cláusulas hipotáticas não-finitas, introduzidas por verbo no gerúndio (100%), ocorreram com manutenção de referente (cf. ex. 12‘‘). 172 12‘‘. ―eh ... vou começar a história ... [contando] quando minha mãe foi embora‖. (NEP, LF, 8ª série, fem.) Em 12‘‘, o sujeito da cláusula hipotática é o mesmo do da cláusula núcleo – ―eu‖, que está elíptico, mas pode ser identificado pela forma verbal ―vou‖. A cláusula destacada, em 12‘‘, ocorreu com o verbo no gerúndio e foi retirada de uma narrativa de experiência pessoal. Em relação às cláusulas hipotáticas não-finitas introduzidas pela preposição SEM seguida de infinitivo, as duas que ocorreram em textos de língua falada (100%) apareceram com o mesmo sujeito do da cláusula núcleo. Um exemplo pode ser conferido em 10‘‘ e outro, a seguir, em 13‘‘. 13‘‘. ―... e eu comecei a chorar no cavalo ... e quase que eu caía ... mas ... tudo bem ... fui chorando ... assim ... e [sem querer] ..., eu fiquei meia torta‖. (NEP, LF, 4ª série, fem.) Em 13‘‘, a cláusula entre colchetes explica o modo como a informante ficou torta e possui o mesmo sujeito do da cláusula núcleo – ―eu‖, que está elíptico, mas é recuperado pelo contexto. Esta cláusula foi extraída de uma narrativa de experiência pessoal. No que diz respeito aos tipos semânticos de verbo, o resultado alcançado em relação às cláusulas não-finitas com verbo no gerúndio foi semelhante ao encontrado no corpus VARPORT. Nos textos de língua escrita, 16 cláusulas não-finitas com verbo no gerúndio (80%) ocorreram com verbos do tipo ―material‖ (cf. ex. 14‘‘). 14‘‘. ―Em um dia eu estava brincando tentando tira abacate e derrepente apareceu um gambar e eu e o cachorro e minha tia entramos [correndo para casa] e o empregado matou o gambar‖. (NEP, LE, 4ª série, masc.) Em 14‘‘, a cláusula hipotática foi retirada de uma narrativa de experiência pessoal e explica o modo como o informante e a tia dele entraram na casa. O verbo utilizado foi ―correndo‖, que é um verbo que indica uma ação propriamente dita, ou seja, é do tipo ―material‖. 173 Nos textos de língua falada, 21 cláusulas não-finitas com verbo no gerúndio (75%) ocorreram com verbos do tipo ―material (cf. ex. 15‘‘). 15‘‘. ―... a separação dos meus pais ... começou ... porque ... a colega da minha mãe ... era muito amiga dela ... ia na casa dela ... comia ... bebia lá ... só ... que alguns tempos ela passou [andando com meu pai]‖. (NEP, LF, 4ª série, fem.) Em 15‘‘, a cláusula hipotática explica o modo como a amiga da mãe da informante passou ou foi vista e esta cláusula foi extraída de uma narrativa de experiência pessoal. O verbo que apareceu na cláusula hipotática foi ―andando‖, que é um verbo que indica uma ação propriamente dita e, portanto, é um verbo do tipo ―material‖. O resultado obtido em relação às cláusulas não-finitas introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo, pertencentes a textos de língua falada, é diferente do resultado obtido no corpus VARPORT, pois os dois casos (100%) aparecem com verbos do tipo ―sensitivo‖. Estes dois casos foram apresentados nos exemplos 10‘‘ e 13‘‘, o verbo que aparece em ambos é ―querer‖, que é um verbo que indica sentimento, vontade e, por este motivo, é um verbo do tipo ―sensitivo‖. Abordadas as cláusulas hipotáticas não-finitas, analisam-se agora as cláusulas hipotáticas finitas. 6.3.2.2. Cláusulas hipotáticas finitas No corpus D&G, no que tange às cláusulas hipotáticas finitas, houve apenas 4 (quatro) dados, o que permite que a análise seja feita agrupando-se os dados de língua escrita e os de língua falada. Quanto à forma de articulação, houve uma menor variedade de itens que encabeçam as cláusulas hipotáticas finitas no corpus D&G, comparando-se com o corpus VARPORT: 3 (três) introduzidas por COMO SE (75%) – cf. ex. 16‘‘ e 1 (uma) introduzida por SEM QUE – cf. ex. 17‘‘. 174 16‘‘. ―... na hora me deu um branco ... aí eu fui virar assim ... [como se fosse falar com ela]‖. (NEP, LF, 8ª série, masc.) 17‘‘. ―Na minha casa, a parte onde eu mais gosto de ficar é no meu quarto. Pois nele eu posso fazer tudo sossegadamente [sem que ninguém me atrapalhe]‖. (DL, LE, 8ª série, masc.) Em 16‘‘, a cláusula hipotática indica o modo como o informante foi virar. Notase que há um elemento dêitico – ASSIM, que aponta para algum gesto, algum movimento feito pelo informante. Em 17‘‘, a cláusula hipotática explica o modo como o informante pode fazer tudo no quarto dele. O fato de haver um advérbio expressando a circunstância de modo em relação à ação de fazer – ―sossegadamente‖ - não impede que a cláusula em destaque também indique a ideia de modo em relação ao verbo da cláusula núcleo. Quanto à manutenção de referente, o resultado confirmou a hipótese inicial, que era a de que cláusulas finitas são consideradas menos integradas semânticopragmaticamente e tendem a possuir um sujeito diferente do da cláusula com a qual se articulam. No corpus D&G, apenas 1 (uma) cláusula finita (25%) apareceu com o mesmo sujeito do da cláusula núcleo e isto pode ser observado no exemplo 16‘‘, apresentado anteriormente. O exemplo 17‘‘, também apresentado anteriormente, ilustra o que era esperado, isto é, mudança de referente: o sujeito da cláusula núcleo é o pronome ―eu‖ e o sujeito da cláusula hipotática é o pronome ―ninguém‖. Quanto aos tipos semânticos de verbo, o resultado obtido também foi ao encontro do esperado, pois metade das cláusulas ocorreu com verbos do tipo ―relacional‖ (2 – 50%). Uma cláusula ocorreu com verbo do tipo ―verbal‖ e uma com verbo do tipo ―material‖. Em seguida, exemplificam-se casos de cláusulas finitas que apareceram com verbos do tipo ―relacional (cf. ex. 18‘‘ e 19‘‘). 18‘‘. ―... de repente minha prima chegou e começou a contar uma história ... era assim ... que ela tinha ... que ela tinha ... no / em cima do túnel ... lá em Riachuelo ... tinha um cara um / uma ... uma ... uma mulher ... morto / morta ... esfaqueada ... ela me contou que foi assim ... ela estava no ... no prédio do amigo dela ... de repente ela viu uma ... uma / um negócio de sangue ... uma / [como se fosse um monte de pingo de sangue] seguindo pro túnel‖. (NR, LF, 4ª série, fem.) 19‘‘. ―Também tem um tipo de barco, que a gente entra e começa a diregir [como se fosse um carro mesmo]‖. (DL, LE, 4ª série, fem.) 175 Em 18‘‘ e, em 19‘‘, o verbo que aparece é ―fosse‖, forma no pretérito imperfeito do subjuntivo do verbo ―ser‖. O aspecto observado levando-se em consideração as cláusulas hipotáticas finitas e não-finitas agrupadas foi o da sequência tipológica. A tabela 16 mostra a frequência das cláusulas hipotáticas em cada sequência tipológica. A primeira coluna contém as sequências tipológicas; a segunda coluna mostra a frequência das cláusulas hipotáticas em cada sequência e, na última linha, temse o total de cláusulas analisadas. De um total de 79 cláusulas que expressam a circunstância de modo, 54 eram hipotáticas. Tabela 16: Sequências tipológicas e cláusulas hipotáticas no corpus D&G SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS Narrativa Descritiva Argumentativa TOTAL FREQUÊNCIA 48 (88,8%) 3 (5,6%) 3 (5,6%) 54 (100%) Pela tabela 16, verifica-se que a sequência tipológica em que as cláusulas hipotáticas ocorreram mais frequentemente, no corpus D&G, foi narrativa. Isto pode ter acontecido porque, em um primeiro momento, o informante conta oralmente o que o documentador pede e, em um segundo momento, escreve sobre as informações que forneceu anteriormente. Ao passar para o registro escrito, o informante, eventualmente, mantém as sequências narrativas utilizadas no registro oral. Os três exemplos a seguir ilustram cláusulas hipotáticas que ocorreram em sequência narrativa de uma narrativa recontada (cf. ex. 20‘‘), em uma sequência descritiva de uma descrição de local (cf. ex. 21‘‘) e em uma sequência argumentativa de um relato de opinião (cf. ex. 22‘‘). 176 20‘‘. ―... ele levantou ... na hora que ele levantou as meninas disfarçaram assim ... olharam pro lado ... saíram [correndo].‖ (NR, LF, 8ª série, fem.) 21‘‘. ―A sala de jogos é um lugar espetacular, lá eu passo horas do fim de semana [praticando jogos].‖ (DL, LE, 8ª série, masc.) 22‘‘. ―... uma coisa que eu acho errado ... é a gente ter dado um dinheirão naquela / naquele objeto ... numa coisa que você gosta ... aí vir ... uma pessoa ... chegar ... meter a mão ... sem pedir ... sem nada ... e sair [levando assim].‖ (RO, LF, 8ª série, fem.) Em 20‘‘, a cláusula entre colchetes elucida o modo como as meninas saíram de algum lugar. A sequência em que ela ocorreu é narrativa e a informante está recontando uma história que foi contada a ela. Em 21‘‘, a cláusula destacada explica o modo como o informante passa o fim de semana. A sequência em que ela apareceu é descritiva e o informante está descrevendo uma sala de jogos e o fim de semana dele. Em 22‘‘, a cláusula em destaque indica o modo como uma pessoa sai de um determinado lugar. A sequência em que ela ocorreu é argumentativa e a informante está expressando a opinião dela em relação a pessoas que levam objetos de outras sem pedir, como acontece em um assalto. No que concerne às sequências tipológicas, o resultado conseguido no corpus VARPORT é um pouco diferente do encontrado no corpus D&G, pois, naquele, as cláusulas hipotáticas ocorreram mais frequentemente em sequências argumentativas nos textos de língua escrita e em sequências narrativas em textos de língua falada, enquanto que neste, tanto nos textos de língua escrita quanto nos textos de língua falada, as cláusulas hipotáticas apareceram com mais frequência em sequências narrativas. Estes resultados podem ser explicados tomando-se como base os gêneros textuais analisados no corpus VARPORT e as diferentes funções comunicativas dos textos do corpus D&G. No corpus VARPORT, as sequências argumentativas eram as mais frequentes tanto nos anúncios como nos editoriais e, no corpus D&G, somente nos relatos de opinião. Já as sequências narrativas, no corpus VARPORT, eram mais frequentes em notícias – textos de língua escrita - e em entrevistas – textos de língua falada - e, no corpus D&G, eram mais frequentes em narrativas de experiência pessoal, narrativas recontadas e podiam aparecer em descrições de local. 177 Analisadas as cláusulas hipotáticas, a seguir, comentam-se os usos das cláusulas paratáticas no corpus D&G. 6.3.3. Cláusulas paratáticas No corpus D&G, detectaram-se apenas 8 (oito) cláusulas paratáticas e todos os dados são relativos a textos de língua escrita. Apesar de o número de dados ser pequeno, algumas considerações podem ser feitas. Comparando-se esses 8 (oito) dados com os encontrados no corpus VARPORT, quanto às formas de articulação, pode-se afirmar que, neste corpus, houve maior variedade, enquanto que, naquele, houve apenas duas maneiras de essas cláusulas articularem-se: por meio de verbo no gerúndio (4 – 50%) – cf. ex. 23‘‘ e pelo uso do item COMO seguido de verbo no infinitivo (4 – 50%) – cf. ex. 24‘‘. 23‘‘. ―Na minha opinião para melhorar a educação o governo deveria pagar melhores salários reajustados pela inflação para professores e pessoal de apoio, [envestindo mais em escolas], e mais verbas.‖ (RO, LE, 8ª série, fem.) 24‘‘. ―... gosto muito do meu quarto, porque eu posso me trancar nele e fazer tudo que quero e gosto de fazer em paz. [Como: ouvir música fank, fitas], [conversar sozinho], [pensar em alguém ou em alguma coisa errada] que eu tinha feito.‖ (DL, LE, 8ª série, masc.) Em 23‘‘, a cláusula entre colchetes indica o modo como o governo poderia melhorar a educação e, ao mesmo tempo, acrescenta uma informação à cláusula que a antecede, o que é característica de uma cláusula paratática prototípica. Ela foi retirada de um relato de opinião e pertence à língua escrita. O exemplo 23‘‘ poderia ser reescrito como 23‘‘a49. 23‘‘a. Na minha opinião para melhorar a educação o governo deveria pagar melhores salários reajustados pela inflação para professores e pessoal de apoio [e investir mais em escolas], e mais verbas. Em 23‘‘a, pode-se compreender melhor a adição de informação que a cláusula em destaque fornece. 49 As reescrituras dos exemplos coletados do corpus D&G são representadas por uma letra do alfabeto acompanhando os algarismos arábicos com aspas duplas. 178 Em 24‘‘, as cláusulas destacadas especificam o modo como ―tudo‖ que o informante gosta de fazer pode ser dividido e, com isso, pode-se afirmar que elas também servem como exemplificação para todas as atividades a que o informante quer referir-se. As cláusulas paratáticas foram retiradas de uma descrição de local, pertencem à língua escrita e funcionam como argumentos que o informante utiliza para tentar convencer o leitor de que o quarto é o lugar do qual ele mais gosta. Quanto à forma de articulação, nota-se que o item COMO aparece apenas na primeira cláusula paratática, podendo ser recuperado nas outras duas, como mostra a reescritura de 24‘‘ em 24‘‘a. 24‘‘a. ... gosto muito do meu quarto, porque eu posso me trancar nele e fazer tudo que quero e gosto de fazer em paz. [Como: ouvir música fank, fitas], [como conversar sozinho], [como pensar em alguém ou em alguma coisa errada] que eu tinha feito. Percebe-se que, em 24‘‘a, a repetição do item COMO tornou o texto não muito produtivo em Língua Portuguesa. Cumpre esclarecer que, ao mesmo tempo em que as cláusulas paratáticas em 24‘‘ são encabeçadas pelo item COMO, os verbos que aparecem nelas estão no infinitivo. Pode-se considerar que, além do conteúdo de modo, a circunstância de comparação também está presente nas cláusulas em destaque, em 24‖ e em 24‖a. Quanto ao aspecto ―manutenção de referente‖, verifica-se que, tanto nas cláusulas paratáticas articuladas por meio do gerúndio como por meio do infinitivo precedido pelo item COMO, houve maior frequência de uso do mesmo sujeito em relação à cláusula com a qual se articulam: 4 (100%) em que o gerúndio aparece e 3 (75%) em que o infinitivo aparece (cf. ex. 24‘‘ citado anteriormente). Em 25‘‘, tem-se um exemplo de manutenção de referente com o gerúndio e, em 26‘‘, um exemplo de mudança de referente com o infinitivo. 25‘‘. Um dia minha professora contol que estava chovendo e ela estava com um guardachuva. E ela entrou com o guarda chuva no onibus aberto [pedindo desculpa a todo mundo].‖ (NR, LE, 4ª série, masc.) 26‘‘. ―... na Barra tem uma praça bonita tem um restaurante chamado tubarão que serve frutos do mar entre outras coisas [como dormir] ouvindo o quebrar das ondas.‖ (DL, LE, 8ª série, masc.) 179 Em 25‘‘, a cláusula em destaque indica o modo como a professora do informante entrou no ônibus. Entretanto, pode-se atribuir a esta cláusula a interpretação de que houve uma sequência de eventos: primeiramente, a professora entrou no ônibus com o guarda-chuva aberto e, em seguida, pediu desculpa. Esta sequencialidade das ações caracteriza a cláusula paratática, e não a hipotática. Dessa forma, é possível afirmar que a cláusula paratática, em 25‘‘, além de indicar a noção de modo, expressa também a noção de adição. O sujeito da cláusula que antecede a paratática indicando modo, em 25‘‘, é o pronome ―ela‖, que retoma ―minha professora‖, e o sujeito da cláusula com ideia de modo, apesar de estar elíptico, é identificado pelo contexto como sendo também ―a professora‖. Em 26‘‘, a cláusula entre colchetes representa uma exemplificação do que se pode fazer na Barra e indica o modo como as ―outras coisas‖ a serem feitas na Barra podem ser divididas. Vale ressaltar que, no trecho selecionado, há duas cláusulas em que o verbo ―ter‖ é usado com o sentido de ―haver‖, ―existir‖ e, portanto, são consideradas cláusulas com sujeito inexistente. A cláusula mais próxima à cláusula paratática com nuance de modo é ―que serve frutos do mar entre outras coisas‖, cujo sujeito é ―um restaurante chamado tubarão‖. Ao analisar a cláusula ―como dormir‖, observa-se que, apesar de o sujeito não estar explícito, pode-se interpretar como sendo uma pessoa, qualquer que seja. Com isso, pode-se considerar que o sujeito da cláusula paratática modal é indeterminado. Isto resulta na mudança de referente (sujeito) entre as cláusulas paratáticas. Quanto aos tipos semânticos de verbo, o resultado obtido em relação às cláusulas com verbo no gerúndio é semelhante ao encontrado no corpus VARPORT, isto é, o tipo semântico mais frequente foi o ―material‖ (3 – 75%) – cf. ex. 23‘‘, citado anteriormente. Em relação às cláusulas paratáticas introduzidas por COMO seguido de verbo no infinitivo, não houve predominância de um tipo semântico de verbo específico. Em 24‘‘, a primeira cláusula paratática modal possui o verbo ―ouvir‖, que é do tipo ―perceptivo‖; a segunda emprega o verbo ―conversar‖, que é do tipo ―verbal‖ e a terceira contém o verbo ―pensar‖, que é do tipo ―cognitivo‖. Em 26‘‘, a cláusula paratática modal ocorre com o verbo ―dormir‖, que é do tipo ―corpóreo‖. O último aspecto analisado nas cláusulas paratáticas será ―sequência tipológica‖. Detectaram-se 4 (50%) cláusulas paratáticas em sequências argumentativas em descrições de local (cf. ex. 24‖, anteriormente apresentado). A função destas cláusulas 180 foi a de servir como argumento para o informante. Dessa forma, ele convenceria o leitor de que o quarto dele era o lugar do qual ele mais gostava de ficar. As cláusulas paratáticas também foram encontradas em sequências injuntivas (2 – 25%) – cf. ex. 27‘‘, em sequência narrativa (1 – 12,5%) – cf. ex. 25‘‘, citado anteriormente - e em sequência descritiva (1 – 12,5%) – cf. ex. 26‘‘, citado anteriormente. 27‘‘. ―Depois você coloca estrato de tomate e deixa uns quinze minutos [mexendo].‖ (RP, LE, 4ª série, fem.) Em 27‘‘, a cláusula entre colchetes indica o modo como se deve deixar o extrato de tomate junto com o resto dos ingredientes e se encontra em uma sequência injuntiva, pois a informante, ao explicar o procedimento para preparar uma comida, quer que o leitor consiga preparar esta comida também. Ao mesmo tempo em que a cláusula nãofinita com verbo no gerúndio indica a ideia de modo, é possível perceber que há uma sequência de eventos, o que pode ser melhor compreendido pela reescritura de 27‘‘ em 27‘‘a. 27‘‘a. Depois você coloca estrato de tomate e deixa uns quinze minutos [e mexa]. Constata-se que, tanto em 27‘‘ como em 27‘‘a, para que a comida seja feita corretamente, os passos devem ser seguidos em uma ordem específica: primeiramente, se coloca o extrato de tomate e, em um momento posterior, mexem-se os ingredientes. Em seguida, comentam-se rapidamente algumas estruturas encontradas durante a coleta de dados e que, para a análise, foram desconsideradas, visto que envolvem outros procedimentos, mais estritamente vinculados ao discurso, que, nesse momento, não se enquadram aos propósitos deste trabalho. 181 6.4. Estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto Durante o processo de coleta de dados, identificaram-se algumas estruturas que, apesar de poderem veicular a noção de modo, parecem estar mais relacionadas i) à expressão de um ponto de vista do autor do texto, seja sob forma de uma pergunta – oração interrogativa, seja sob forma de uma exclamação, indicando uma surpresa oração exclamativa; ii) a um texto antecedente e, por isso, são usadas para evitar uma repetição desnecessária ou iii) a um título de um texto, que tem como função anunciar ou resumir o texto propriamente dito. Com o intuito de expressar o ponto de vista, o autor do texto, muitas vezes, utiliza uma pergunta retórica, a fim de fazer com que o leitor reflita sobre o conteúdo do texto (cf. ex. A50). A. ―Ora se o nosso correspondente conhece, que o partido moderado he composto em grande parte de fementidos, etc, e se alem disso conhece, que este he o partido, que sustente o Sr. Feijó [como deixará de convir de que elle he igual aos seus sustentadores?]‖ (E-B-81-JE-006) Em A, a cláusula entre colchetes representa a real pergunta feita pelo autor do texto, no caso, do editorial. Esta estrutura foi utilizada pelo autor do editorial para levar o leitor à conclusão de que ―o Sr. Feijó é igual aos sustentadores‖ de um determinado partido. Pode-se observar que há o uso do pronome interrogativo COMO. Além disso, é possível utilizar-se de um artifício para reforçar o fato de que a estrutura destacada, em A, veicula a noção de modo (cf. ex. A‘). A‘. Ora se o nosso correspondente conhece, que o partido moderado he composto em grande parte de fementidos, etc, e se alem disso conhece, que este he o partido, que sustente o Sr. Feijó [de que modo deixará de convir de que elle he igual aos seus sustentadores?] Em A‘, a expressão DE QUE MODO é semelhante semanticamente ao pronome COMO, em A. Com isso, poder-se-ia considerar que a cláusula em destaque, em A, é modal. A não inclusão deste tipo de estrutura na análise dos dados deve-se ao fato de, na verdade, constituir um exemplo de pergunta retórica, estando, portanto, desvinculada sintaticamente do texto que a antecede. 50 Os exemplos referentes a estruturas vinculadas ao contexto e ao co-texto, que não foram contabilizadas como dados para análise, são representados por letras do alfabeto maiúsculas sem negrito. 182 Outra estrutura encontrada, no corpus VARPORT, para indicar a opinião do autor de um texto foi a oração exclamativa. A ocorrência de apenas 1 (um) dado sugere que a estrutura em questão não é produtiva nos corpora utilizados para esta pesquisa (cf. ex. B). B. ―Ao longo do ano, eles mesmos iam procurando desestimular aqueles que eles viam que não iam ter condições de aprovar, de ser aprovado, eles iam desestimulando. [E como eles desestimulavam!]‖. (OC-B-9C-3M-002) Em B, a estrutura em destaque indica o ponto de vista do informante e o que dá ênfase a isto é a exclamação, que representa uma surpresa ou até uma reprovação por parte do informante da situação relatada. Vale notar que o exemplo B foi retirado de um texto de língua falada, em que a emoção e a expressão explícita de sentimentos são mais facilmente observadas, visto que, em um texto de língua escrita, principalmente os analisados neste trabalho, os autores procuram, na medida do possível, se distanciar do que é relatado, não deixando seu ponto de vista tão explícito 51. A oração exclamativa, em B, contém um item que favorece o surgimento da ideia de modo – COMO. Entretanto, por estar principalmente a serviço do discurso e por estar desvinculada sintaticamente – isto é ratificado pelo uso da estrutura em um período simples, separado do texto antecedente, não foi contabilizada para efeitos de análise. Algumas estruturas encontradas tanto no corpus VARPORT quanto no corpus D&G, nas modalidades escrita e falada da língua, foram empregadas com o objetivo principal de evitar uma repetição desnecessária de um discurso antecedente ou conhecido pelo leitor / ouvinte. São elas: repetição enfática sintática (Ayora, 1991, p.62), recorrência semântica (Ayora, 1991, p.65) e construção pré-fabricada (DeCarrico, 1993; apud ERMAN, Britt e WARREN, Beatrice, 2001, p.32). A partir da leitura de Ayora (1991), constatou-se que uma estrutura passível de expressar a noção de modo é a repetição enfática sintática. Para Ayora (1991, p.61), esta estrutura ―é uma repetição desnecessária, cujo único objetivo é dar maior ênfase ou importância à mensagem comunicada. Sua estrutura é a seguinte: VERBO + COMO + VERBO‖. Além disso, o autor afirma que ―em alguns casos, pode omitir ou suprimir 51 Para sustentar o fato de que a emoção e a expressão de sentimentos estão explícitas em B, seria necessário realizar uma análise prosódica aprofundada, em que se utilizassem equipamentos adequados. 183 opcionalmente o nexo COMO + verbo que se segue‖. A repetição enfática sintática pode ser observada em C. C. ―Velho [como era], e só vivendo para os seus ideais de sábio e de filosofo, em que poderia ter Czeslaw Bialobrswski incorrido, a ponto de ter sido colocado diante de um pelotão de soldados para ser fuzilado?‖ (E-B-92-JN-014) O exemplo C pode ser reescrito como C‘. C‘. [Sendo velho como era], e só vivendo para os seus ideais de sábio e de filosofo, em que poderia ter Czeslaw Bialobrswski incorrido, a ponto de ter sido colocado diante de um pelotão de soldados para ser fuzilado? Ayora (1991, p.62) inclui esta estrutura em expressões com significado modal, o que parece ser coerente, e o item COMO, nesta estrutura, pode reforçar a ideia de modo. No entanto, o autor afirma que a utilização do gerúndio adiciona um ―traço de causa‖52. Acredita-se que, em C‘, há simultaneamente as noções de modo e de causa. Em C, a cláusula entre colchetes indica que o fato de ―Czeslaw Bialobrswski ser velho‖ ou já era de conhecimento do leitor ou, por algum outro motivo, não havia necessidade de ser explicado detalhadamente. A repetição enfática sintática não foi inclusa nos dados de cláusulas com noção de modo, pois parece tratar-se, na verdade, de uma construção fixa, cristalizada. Um argumento a favor desta constatação é o fato de terem sido encontrados outros dados de repetição enfática sintática, no corpus VARPORT, em que o tipo de verbo é o mesmo: relacional. Os verbos mais comuns de aparecerem nesta estrutura são ―ser‖ e ―estar‖. A parte que poderia ser considerada como variável nesta estrutura é o adjetivo (cf. ex. D). D. ―... o commandante da força, sem ter intimado a dispersão do grupo formado á porta da redacção, como a lei lh‘o exige, deu ordem de <> barbaramente crenças indefezas; que esse mesmo commandante, tendo-nos illegalmente invadido o domicilio, nos fez ameaças quixotescas, ás quaes todavia não poderíamos responder, coactos [como estávamos pela presença da força].‖ (E-P-83-JE-009) Em D, a cláusula destacada enfatiza o fato de algumas pessoas estarem coactas e o verbo que aparece nesta cláusula pode ser subentendido antes do adjetivo ―coactos‖ (cf. ex. D‘). 52 ―rasgo de causa‖ (Ayora, 1991, p.62). 184 D‘. ... o commandante da força, sem ter intimado a dispersão do grupo formado á porta da redacção, como a lei lh‘o exige, deu ordem de <> barbaramente crenças indefezas; que esse mesmo commandante, tendo-nos illegalmente invadido o domicilio, nos fez ameaças quixotescas, ás quaes todavia não poderíamos responder, estando coactos [como estávamos pela presença da força].‖ Em D‘, assim como em C‘, o gerúndio favorece a interpretação da estrutura como causal. Outra estrutura que Ayora (1991) inclui em expressões com significado modal é a recorrência semântica. Para Ayora (1991, p.66), se considera que a fórmula COMO / TAL COMO + VERBO tem valor de recorrência semântica quando retoma o significado de algo já dito ou supostamente conhecido pela(s) pessoa(s) a que se dirige a mensagem e é uma forma de organizar o discurso. Tradicionalmente, esta estrutura seria inclusa nas orações conformativas. Entretanto, parece haver uma diferença entre recorrência semântica e cláusula com valor de conformidade. A primeira, assim como a repetição enfática sintática, parece ser uma construção fixa. Um argumento a favor desta ideia é o fato de os tipos semânticos de verbo utilizados serem predominantemente ―cognitivo‖ e ―verbal‖. Isto pode ocorrer porque, geralmente, o autor de um texto utiliza a recorrência semântica para retomar e evitar a repetição de um pensamento já exposto anteriormente ou uma fala já produzida. Em E, tem-se um exemplo com verbo do tipo ―cognitivo‖ e, em F, um exemplo com verbo do tipo ―verbal‖. E. ―As ultimas noticias nos informavão das marchas dos GeneraesHespanhoes para cortar a retirada dos Francezes; e he bem de crer o tinhão conseguido. Portugal, [como sabemos], foi acabado de libertar pela batalha de Vimieiro, e deverá empregar as suas forças unidamente com as dos seus dousalliados para defender a Peninsula, que com tantas tropas ficará segura de outra invasão‖. (E-B-81-JN-012) F. ―... pois é ... bom ... [como eu disse ... anteriormente] ... existem as regras do futebol‖. (OC-B-70-2M-001) Em E, a cláusula em destaque é utilizada pelo autor para indicar que o fato de Portugal ter ―acabado de libertar pela batalha de Vimieiro‖ faz parte de um conhecimento compartilhado com o leitor e, por este motivo, não há necessidade de se 185 explicar o fato relatado com detalhes. Nota-se que o verbo usado é ―saber‖, que indica uma ideia, um processo mental. Em F, a cláusula com noção de modo tem como função mostrar que o informante disse algo em um momento anterior que ele acredita que o ouvinte lembra e que, por isso, não é necessário ser repetido. Nota-se que o verbo usado é ―dizer‖, que indica uma locução, um processo verbal. Vale ressaltar que a recorrência semântica (Ayora, 1991, p.65) foi encontrada tanto na língua escrita quanto na língua falada. Dois motivos levaram à não inclusão desta estrutura nas cláusulas modais: i) elas são construções fixas, cristalizadas e ii) elas são parentéticas, isto é, funcionam como um comentário feito pelo autor sobre o que se disse e isto está evidente em F. Uma estrutura que parece ser exclusiva da língua falada é a cláusula interrogativa utilizada para buscar informação ou pedir esclarecimento. Esta estrutura juntamente com a repetição enfática sintática e a recorrência semântica poderiam ser agrupadas no que se denomina ―construções pré-fabricadas‖. Esta nomenclatura está sendo empregada aqui com o mesmo sentido de ―prefabs‖, denominação usada por DeCarrico (1993, apud ERMAN, Britt e WARREN, Beatrice, 2001, p.32): ―Sintagmas lexicais são blocos de linguagem (―chunks of language‖) de tamanho variado, estruturas convencionalizadas que ocorrem mais frequentemente e têm um significado idiomaticamente determinado‖. A cláusula interrogativa que pode ser considerada uma construção pré-fabricada é aquela que o(a) informante utiliza quando esqueceu o que ia dizer ou esqueceu o significado de alguma palavra, e quando não compreendeu bem o que o entrevistador perguntou. Esta cláusula contém o advérbio interrogativo COMO, que contribui para a interpretação modal (cf. ex. G e H). G. ―... entrou uns grandes lá agora ... que estavam acostumando os pequenos a fazer besteira ... dá soco ... nas costas ... umas brincadeiras de grande ... mas ... se os pequenos aprende ... os ... os restos da turma que é ... aqui / inquetado ... quieto ... né? quieto ... minha turma só ( ) [como é que se diz] ... dois chifres ... foi :: uma coisa horrível.‖ (RO, LF, 4ª série, masc.) 186 H. ―#I: escoa é boeira é uma coisa só. #D: que que é vau e lata? #I: [Como é?] #D: vau aqui vocês não usam a palavra vau? nem lata? #I: não.‖ (OP-B-90-2M-001) Em G, a cláusula interrogativa destacada foi empregada pelo informante porque, por um momento, ele havia esquecido o que ia dizer e, para buscar esta informação, ele usou uma cláusula que, apesar de não conter um contorno entonacional interrogativo, pode ser interpretada como uma pergunta que o informante faz a si mesmo. O verbo que aparece é ―dizer‖, um verbo do tipo ―verbal‖. Esta parece ser uma construção bem produtiva em português, pois, no dia a dia, podem-se encontrar pessoas usando-a com frequência. O trecho de um texto em G foi retirado de um relato de opinião referente à língua falada, do corpus D&G. Em H, a cláusula interrogativa em destaque foi usada pelo informante porque ele não compreendeu bem o que estava sendo perguntado pelo documentador. Isto pode ser observado também na continuação da entrevista, em que o documentador fala novamente em ―vau e lata‖ e o informante diz não conhecer esses termos. O trecho de um texto em H foi retirado de uma entrevista, do corpus VARPORT. Houve, nos dois corpora analisados, principalmente no corpus D&G, uma estrutura que tem como função anunciar o que ainda será informado ao leitor. Esta estrutura tem características de uma cláusula interrogativa, geralmente, aparece separada, no início do texto e funciona como um título para este. Em I, tem-se um exemplo retirado do corpus VARPORT e, em J, tem-se um exemplo retirado do corpus D&G. I: ―Em Seleções de janeiro você encontrará: Meu futuro é hoje; [Como parei de fumar]; Ilhas da imunidade: o mistério mais surpreendente da medicina.‖ (E-B-93-JA-009) J: ―[Como é o seu quarto] No meu quarto tem janela, porta, cama, travesseiro, pente, armário, ...‖ (DL, LE, 4ª série, masc.) 187 Em I, verifica-se que há uma lista de assuntos que podem ser encontrados na edição de janeiro de Seleções. Cada assunto está funcionando como um complemento do verbo ―encontrar‖. Com isso, poder-se-ia interpretar a cláusula entre colchetes como encaixada com função substantiva. Entretanto, optou-se por considerá-la uma cláusula que constitui um título, visto que cada tópico poderia aparecer isolado, separadamente na revista. Além disso, cada tópico parece funcionar, de fato, como uma sequência capaz de estabelecer comunicação. Ressalte-se, ainda, que a cláusula em destaque parece equivaler a uma cláusula interrogativa, pois, na revista ―Seleções‖, o leitor poderá encontrar a resposta para uma pergunta proposta por alguém: ―como parei de fumar?‖. Dessa forma, o item COMO seria interpretado como pronome interrogativo. Em J, a cláusula entre colchetes constitui o título da redação e, apesar de estar separada, estabelece uma relação de modo com o texto subsequente. Além disso, a situação de produção do texto deve ser levada em conta. Antes de a redação ter sido produzida, houve uma entrevista a respeito do mesmo assunto. Provavelmente, o entrevistador fez uma pergunta de forma direta, do tipo: ―Como é o seu quarto?‖. Dessa maneira, o informante reproduziu a pergunta e a utilizou como o título de sua redação. Enquanto a cláusula interrogativa utilizada para buscar informação ou pedir esclarecimento parece ser exclusiva da língua falada, a cláusula utilizada como título parece ser exclusiva da língua escrita. Neste subcapítulo, foram feitos alguns comentários acerca de estruturas que, em princípio, seriam levadas em consideração na análise de dados, mas que foram descartadas, após uma observação mais cautelosa, durante a qual foram constatadas características dessas estruturas que faziam de algumas delas construções cristalizadas ou pré-fabricadas e de outras passíveis de serem transformadas em período simples ou colocadas entre parênteses. Isto as tornava sequências capazes de estabelecer comunicação, sem depender sintática nem semanticamente das cláusulas próximas a elas. 188 CONCLUSÃO Com esta tese, pôde-se fazer uma descrição e uma análise das estruturas oracionais passíveis de veicular a circunstância de modo em português mesclando-se os critérios sintáticos e semânticos, a fim de identificar usos linguísticos efetivamente produzidos pelos falantes de língua portuguesa tanto na modalidade falada quanto na escrita. A hipótese principal que se pretendia comprovar, neste trabalho, era a de que o conteúdo semântico de modo em português poderia ser expresso por cláusulas que envolvessem outros processos sintáticos além da hipotaxe (orações subordinadas adverbiais modais da tradição), permitindo, assim, que se estabelecesse um continuum das cláusulas modais adotando os níveis sintático e semântico. Para isso, analisaram-se as estruturas oracionais que exprimem a noção de modo na língua portuguesa. No nível sintático, verificaram-se os diferentes graus de vinculação que as cláusulas modais possuem com outras e, no nível semântico, observaram-se os outros matizes, além do de modo, que estas cláusulas podem veicular. Em um primeiro momento, teceram-se algumas considerações a respeito do tratamento dado por gramáticos tradicionais e por estudiosos representantes de uma abordagem não tradicional para a coordenação, a subordinação e a correlação. Em um segundo momento, alguns conceitos relevantes para a análise dos corpora realizada nesta pesquisa foram apresentados sob a perspectiva funcionalista. No que tange ao conceito de integração entre cláusulas (cf. cap. 3), serviram de base as abordagens de Lehmann (1985), de Hopper e Traugott (1993), de Halliday (2004) e de Givón (1983). Em relação aos tipos semânticos de verbo (cf. cap. 4), foi utilizada a proposta de Halliday (1994; apud Scheibman, 2001). A motivação para este estudo advém da proposta de Silva (2007) sobre as orações subordinadas adverbiais modais, o que justificou a retomada de algumas de suas ideias em 5. Com base em Silva (2007), pôde-se propor aqui a identificação do conteúdo semântico de modo, não mais restrito ao âmbito da subordinação adverbial, mas considerando as possíveis maneiras como as cláusulas articulam-se expressando o matiz modal, mesmo sendo estas encaixadas, correlatas, paratáticas. Por isso, a análise dos corpora foi dividida da seguinte maneira: primeiramente, foi feita uma análise considerando o critério sintático e, em seguida, o critério semântico. A análise sintática permitiu que se encontrassem as seguintes estruturas 189 oracionais modais em português: i) encaixadas com função substantiva, ii) encaixadas com função adjetiva, iii) hipotáticas, iv) correlatas e v) paratáticas, partindo-se, portanto das estruturas mais encaixadas sintaticamente até se chegar às sem encaixamento. Apesar de os resultados mostrarem poucas diferenças entre a análise do corpus VARPORT e a análise do corpus D&G, alguns aspectos merecem destaque, como se verá mais adiante. As cláusulas encaixadas com função substantiva só ocorreram na forma finita. Em relação à mudança de referente, estas cláusulas apareceram mais frequentemente com referente (sujeito) diferente em relação à cláusula matriz (principal), o que confirmou o esperado. Como as cláusulas encaixadas com função substantiva só apareceram na forma finita, elas foram tomadas como menos integradas e a mudança de referente é um argumento que comprovou isto. No que se refere aos tipos semânticos de verbo, este tipo de cláusula ocorreu com mais frequência com os verbos ―materiais‖, ―relacionais‖ e ―existenciais‖. O primeiro é uma forma não-marcada e os dois últimos parecem ter uma relação com cláusulas menos integradas, ou seja, tendem a ser utilizados em cláusulas finitas. No que concerne ao gênero textual, as cláusulas encaixadas com função substantiva foram encontradas predominantemente em notícias e em anúncios, respectivamente. No que tange às sequências tipológicas, houve diferenças entre os textos de língua escrita e os de língua falada do corpus VARPORT. O resultado conseguido na análise de textos de língua escrita contrariou o esperado, pois as cláusulas substantivas apareceram mais frequentemente em sequências argumentativas, e não em sequências descritivas. Já o resultado referente aos textos de língua falada foi ao encontro do que se acreditava que fosse acontecer, visto que a sequência em que predominaram as cláusulas em questão foi a descritiva. Ainda em relação a esse critério, se comparados os corpora utilizados, percebe-se que houve mais diferenças. No corpus D&G, tanto nos textos de língua escrita quanto nos de língua falada, as cláusulas substantivas foram encontradas mais frequentemente em sequências narrativas e descritivas. As cláusulas encaixadas com função adjetiva, de forma semelhante às cláusulas encaixadas com função substantiva, ocorreram apenas na forma desenvolvida: encabeçadas pelo pronome interrogativo COMO isoladamente retomando palavras pertencentes ao campo semântico de modo – ―modo‖, ―maneira‖; fazendo parte da locução COMO QUE ou acompanhado de verbo no gerúndio. Assim como as cláusulas substantivas, também foram encontradas predominantemente com referente (sujeito) 190 diferente em relação à cláusula matriz (principal), sugerindo que elas são estruturas menos integradas sintaticamente. No que tange aos tipos semânticos de verbo, os que apareceram com mais frequência nestas cláusulas foram o ―material‖ e o ―existencial‖. Como fora observado, o primeiro é uma forma não-marcada e o segundo parece estar relacionado a cláusulas finitas. No que se refere aos gêneros textuais, as cláusulas encaixadas com função adjetiva foram mais frequentes em notícias e em editoriais, respectivamente. Em relação às sequências tipológicas, estas cláusulas ocorreram com mais frequência em sequências argumentativas. Vale ressaltar que o número de dados foi pequeno e, por isso, se decidiu analisar os casos de cláusulas adjetivas encontrados em textos de língua escrita e de língua falada sem haver separação. Além disso, não foi possível comparar os corpora analisados, pois não foram encontradas cláusulas encaixadas com função adjetiva no corpus D&G. As cláusulas hipotáticas apareceram tanto na forma finita quanto na forma nãofinita. Notou-se que, a depender da forma de articulação, este tipo de cláusula possui um comportamento específico. Verificou-se que houve um número muito maior de dados de cláusulas hipotáticas não-finitas – 242 (91,3%) no corpus VARPORT e 50 (92,6%) no corpus D&G - do que de finitas – 23 (8,7%) no corpus VARPORT e 4 (7,4%) no corpus D&G. Por isso, as cláusulas não-finitas foram analisadas em primeiro lugar. A quantidade de dados de cláusulas hipotáticas não-finitas em língua escrita – 230 (78,8%) - foi maior do que em língua falada – 62 (21,2%), considerando-se os dois corpora utilizados. As formas de articulação mais frequentes destas cláusulas foram introduzidas por verbo no gerúndio e introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo, respectivamente. No que se refere à mudança de referente, o resultado confirmou as expectativas, pois as cláusulas hipotáticas não-finitas ocorreram predominantemente com o mesmo referente (sujeito) em relação à cláusula núcleo (principal), sugerindo maior integração. Os tipos semânticos de verbo utilizados com mais frequência nestas cláusulas foram ―material‖ e ―verbal‖. Este tende a ocorrer mais em cláusulas não-finitas. Se comparados os corpora analisados, houve uma diferença em relação aos tipos semânticos de verbo. No corpus D&G, os dados de cláusulas hipotáticas não-finitas apresentaram verbos do tipo ―sensitivo‖. As cláusulas hipotáticas finitas mais frequentes em língua escrita foram as introduzidas por COMO SE e por SEM QUE e, em textos de língua falada, só apareceram com a locução COMO SE e com a conjunção COMO. No que tange à mudança de referente, o resultado foi ao encontro do que se esperava, pois este tipo de 191 cláusula ocorreu mais frequentemente com referente (sujeito) diferente em relação à cláusula núcleo (principal). No que concerne aos tipos semânticos de verbo, os mais frequentes nestas cláusulas foram os que se acredita estarem relacionados à finitude de uma cláusula: ―relacional‖ e ―existencial‖. Os aspectos ―gênero textual‖ e ―sequência tipológica‖ foram observados nos dois tipos de cláusulas hipotáticas – finitas e não-finitas - sem haver separação. Em relação aos gêneros textuais, não houve preferência pelo uso dessa estrutura em um gênero específico. Houve simetria entre os usos de cláusulas hipotáticas em anúncios, editoriais e notícias. No que se refere às sequências tipológicas, parece que, a depender da modalidade linguística, as cláusulas hipotáticas são utilizadas com uma função comunicativa específica. Nos textos de língua escrita no corpus VARPORT, elas ocorreram mais frequentemente em sequências argumentativas, enquanto que, nos textos de língua falada no corpus VARPORT, elas apareceram com mais frequência em sequências narrativas. Além da modalidade linguística, parece que a constituição de um corpus também influencia no uso de uma estrutura em uma determinada sequência tipológica. No corpus D&G, tanto nos textos de língua escrita quanto nos textos de língua falada, as cláusulas hipotáticas ocorreram predominantemente em sequências narrativas. As cláusulas correlatas só foram encontradas no corpus VARPORT. As formas de articulação observadas foram as seguintes: encabeçadas por ―não só ... como‖, ―não só ... como ainda‖ e ―não apenas ... como‖. Contrariando o esperado, elas ocorreram categoricamente com manutenção de referente. Consideraram-se o sujeito do verbo presente no primeiro membro da correlação e o sujeito do verbo presente no segundo membro da correlação. Apesar de ter contrariado as expectativas, pode-se entender que a manutenção de referente deve-se ao fato de que, nas cláusulas correlatas com noção de modo, adiciona-se uma informação referente a uma mesma pessoa ou a um mesmo lugar. No que tange aos gêneros textuais, as cláusulas correlatas apareceram mais frequentemente em editoriais e em notícias, respectivamente. Como era esperado, este tipo de estrutura ocorreu predominantemente em sequências argumentativas. Alguns autores já haviam atentado para o uso da correlação quando se quer dar ênfase a uma ideia. Parece que a correlação é utilizada quando se quer enfatizar um determinado argumento para convencer alguém a respeito de um ponto de vista. 192 As cláusulas paratáticas53, assim como as cláusulas hipotáticas, ocorreram nas formas não-finita e finita, sendo a primeira mais frequente que a segunda. A quantidade de dados de cláusulas paratáticas não-finitas em textos de língua escrita foi maior do que em textos de língua falada. As formas de articulação encontradas foram introduzidas por verbo no gerúndio e introduzidas pela preposição SEM seguida de verbo no infinitivo. Notou-se que, curiosamente, as cláusulas paratáticas introduzidas por SEM com verbo no infinitivo ocorreram predominantemente com referente (sujeito) diferente em relação à cláusula com a qual se articulam e com verbo do tipo ―relacional‖. Este comportamento era esperado para cláusulas finitas, em vez de não-finitas. Provavelmente isto se deve ao uso de um item que funciona como elo entre cláusulas: a preposição SEM. De certa forma, este item poderia conferir à cláusula paratática um status de cláusula finita. Já as cláusulas paratáticas com verbo no gerúndio apresentaram comportamento prototípico, isto é, ocorreram mais frequentemente com o mesmo referente (sujeito) em relação à cláusula com a qual se articulam e com verbo do tipo ―material‖. As cláusulas paratáticas finitas foram encontradas com as seguintes formas de articulação: introduzidas por BEM COMO; ASSIM COMO; COMO, POR EXEMPLO; COMO TAMBÉM e SEM QUE. No que tange à mudança de referente, nos textos de língua escrita no corpus VARPORT, quase metade dos dados apresentou mesmo referente em relação à cláusula com a qual se articulam e mais da metade apresentou referente diferente. Nos textos de língua falada, as cláusulas paratáticas finitas também ocorreram predominantemente com referente diferente. No que concerne ao tipo semântico de verbo, em textos de língua escrita, este tipo de cláusula apareceu mais frequentemente com verbo do tipo ―material‖ e, em textos de língua falada, com verbo do tipo ―existencial‖. Em relação aos gêneros textuais, os dois tipos de cláusulas paratáticas – finitas e não-finitas – ocorreram com frequências semelhantes em anúncios e notícias. No que se refere às sequências tipológicas, assim como fora observado nas cláusulas hipotáticas, a depender da modalidade linguística, as cláusulas paratáticas podem ter funções comunicativas distintas. Nos textos de língua escrita, elas foram encontradas com mais frequência em sequências argumentativas e, nos textos de língua falada, em sequências narrativas. 53 Nesta tese, no âmbito da parataxe, estão inclusos casos em que a sequência de eventos é verificada seja por uma cláusula finita seja por uma cláusula não-finita. 193 No que tange à hipótese inicial da tese – a possibilidade de se estabelecer um continuum das cláusulas modais em português, alguns comentários merecem destaque. Na análise que levou em conta o nível sintático, pôde-se verificar que há cláusulas modais com graus diferentes de vinculação ou sem encaixamento algum: encaixadas com função substantiva e adjetiva, cláusulas hipotáticas, cláusulas correlatas e cláusulas paratáticas (cf. organograma 1, seção 6.2.2.4). Na análise que levou em conta o nível semântico, o resultado forneceu indícios de que há uma relação entre os graus de vinculação sintática e a possibilidade de veicular outros matizes, outros conteúdos semânticos: as cláusulas mais encaixadas – com função substantiva e adjetiva – não possuem outros matizes, além do de modo; as cláusulas hipotáticas possuem outros dois matizes (o de comparação-hipótese e o de negação); todas as cláusulas correlatas possuem, além do matiz de modo, o de adição; e as cláusulas paratáticas possuem outros três matizes (exemplificação, adição e negação) – cf. organograma 2, seção 6.2.2.4. Observa-se que as cláusulas mais encaixadas são menos integradas semânticopragmaticamente – não veiculam outros matizes – e que as cláusulas que não envolvem encaixamento são mais integradas semântico-pragmaticamente – possuem três matizes além do de modo. A combinação das análises feitas sob o ponto de vista sintático e o ponto de vista semântico permitiu que se estabelecesse o continuum das cláusulas modais, que parte do maior encaixamento sintático e menor integração semântico-pragmática até a ausência de encaixamento sintático e maior integração semântico-pragmática. As cláusulas encaixadas com função substantiva e adjetiva encontram-se em um extremo do continumm que representa maior encaixamento e menor integração semântico-pragmática. O grau de encaixamento vai diminuindo e o nível de integração semântico-pragmática vai aumentando. Com isso, em um nível intermediário do continumm, são encontradas as cláusulas hipotáticas e correlatas. Em um outro extremo do continuum que representa ausência de encaixamento e maior integração semânticopragmática, encontram-se as cláusulas paratáticas (cf. esquema 4, cap. 5). Este continuum permite afirmar que as cláusulas que manifestam a relação de modo em português podem envolver diferentes processos sintáticos e podem evidenciar diferentes graus de integração semântico-pragmática. A pesquisa desenvolvida viabiliza uma visão mais apurada de cláusulas que expressam a circunstância de modo. Isto já ajudaria alguns professores a terem um 194 material em que constassem informações a respeito de orações que veiculam esta ideia, tendo em vista que as orações subordinadas adverbiais modais – um tipo de estrutura analisada – geralmente não aparecem em livros didáticos. Além disso, este estudo pode auxiliar no ensino de sintaxe do período composto. Primeiramente, porque ele mostra que é possível analisar uma estrutura específica do ponto de vista sintático e do ponto de vista semântico separadamente, assim como se podem estabelecer relações entre estes dois tipos de análise. Este trabalho também permite mostrar tanto ao professor quanto ao aluno que, em muitos livros didáticos e em algumas gramáticas, tradicionais ou não, as classificações propostas para as orações, por um lado, não esclarecem do ponto de vista sintático o que deu origem às nomenclaturas utilizadas e, por outro lado, não levam em conta vários aspectos semânticos que tornariam as análises do período composto mais atraentes e mais condizentes com o real uso da língua. Uma outra contribuição para a área da educação é alertar os envolvidos no / pelo processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa que as orações desenvolvidas e reduzidas possuem comportamentos distintos. Geralmente, quando se ensina o período composto, o professor, ao mostrar a diferença entre oração desenvolvida e oração reduzida, atenta apenas para o que é mais evidente: o uso ou não de um verbo em uma das formas nominais – infinitivo, gerúndio e particípio. Nesta tese, alguns critérios foram utilizados para, entre outros objetivos, demonstrar os diferentes comportamentos entre orações desenvolvidas e reduzidas: manutenção ou mudança de referente (sujeito) e tipos semânticos de verbo. Acredita-se que a investigação realizada aqui evidenciou, também, a necessidade de se trabalhar de uma forma mais eficiente com os gêneros textuais. Muitas vezes, os gêneros textuais, em sala de aula, são rotulados de acordo com as sequências tipológicas predominantes. Encontram-se frequentemente comentários como: a notícia é um texto narrativo, o editorial é um texto argumentativo, a receita é um texto injuntivo. Estas generalizações deixam de explicitar, por exemplo, que a sequência narrativa pode ser a sequência predominante em uma notícia. Verificou-se, nesta tese, ainda, que diferentes tipos de cláusula com a noção de modo foram utilizados em sequências argumentativas, mesmo tendo sido encontradas em um texto predominantemente narrativo como a notícia. 195 Com isso, se espera que este estudo auxilie professores e alunos na descrição das relações estabelecidas pelas orações no texto e co-texto de uso, e que encoraje outras pessoas a realizar trabalhos semelhantes a este. 196 BIBLIOGRAFIA ABREU, Antônio Suárez. Gramática mínima para o domínio da língua padrão. Ateliê Editorial, 2003. ADGER, David. Core syntax: a minimalist approach. Oxford: Oxford University Press, 2003. p.172-177. ALMEIDA, P.M.C. Atendimento de check-in de companhia aérea: análise sistêmicofuncional de um gênero discursivo do português. Dissertação de Mestrado: PUC-Rio, Departamento de Letras, 2002. p.32-45 APOLÔNIO DÍSCOLO. Sintaxis. Intr., traducc. Y notas por V. Bécares Botas. Madrid: Gredos, 1987. ARNAULD, Antoine & LANCELOT, Claude. 1660. 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