C M CM Y MY CY CMY K História do Direito Universidade do Sul de Santa Catarina História do Direito Disciplina na modalidade a distância Palhoça UnisulVirtual 2011 Créditos Universidade do Sul de Santa Catarina | Campus UnisulVirtual | Educação Superior a Distância Avenida dos Lagos, 41 – Cidade Universitária Pedra Branca | Palhoça – SC | 88137-900 | Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 | E-mail: [email protected] | Site: www.unisul.br/unisulvirtual Reitor Ailton Nazareno Soares Vice-Reitor Sebastião Salésio Heerdt Chefe de Gabinete da Reitoria Willian Corrêa Máximo Pró-Reitor de Ensino e Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitora de Administração Acadêmica Miriam de Fátima Bora Rosa Pró-Reitor de Desenvolvimento e Inovação Institucional Valter Alves Schmitz Neto Diretora do Campus Universitário de Tubarão Milene Pacheco Kindermann Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis Hércules Nunes de Araújo Secretária-Geral de Ensino Solange Antunes de Souza Diretora do Campus Universitário UnisulVirtual Jucimara Roesler Equipe UnisulVirtual Diretor Adjunto Moacir Heerdt Secretaria Executiva e Cerimonial Jackson Schuelter Wiggers (Coord.) Marcelo Fraiberg Machado Tenille Catarina Assessoria de Assuntos Internacionais Murilo Matos Mendonça Assessoria de Relação com Poder Público e Forças Armadas Adenir Siqueira Viana Walter Félix Cardoso Junior Assessoria DAD - Disciplinas a Distância Patrícia da Silva Meneghel (Coord.) Carlos Alberto Areias Cláudia Berh V. da Silva Conceição Aparecida Kindermann Luiz Fernando Meneghel Renata Souza de A. Subtil Assessoria de Inovação e Qualidade de EAD Denia Falcão de Bittencourt (Coord.) Andrea Ouriques Balbinot Carmen Maria Cipriani Pandini Assessoria de Tecnologia Osmar de Oliveira Braz Júnior (Coord.) Felipe Fernandes Felipe Jacson de Freitas Jefferson Amorin Oliveira Phelipe Luiz Winter da Silva Priscila da Silva Rodrigo Battistotti Pimpão Tamara Bruna Ferreira da Silva Coordenação Cursos Coordenadores de UNA Diva Marília Flemming Marciel Evangelista Catâneo Roberto Iunskovski Auxiliares de Coordenação Ana Denise Goularte de Souza Camile Martinelli Silveira Fabiana Lange Patricio Tânia Regina Goularte Waltemann Coordenadores Graduação Aloísio José Rodrigues Ana Luísa Mülbert Ana Paula R.Pacheco Artur Beck Neto Bernardino José da Silva Charles Odair Cesconetto da Silva Dilsa Mondardo Diva Marília Flemming Horácio Dutra Mello Itamar Pedro Bevilaqua Jairo Afonso Henkes Janaína Baeta Neves Jorge Alexandre Nogared Cardoso José Carlos da Silva Junior José Gabriel da Silva José Humberto Dias de Toledo Joseane Borges de Miranda Luiz G. Buchmann Figueiredo Marciel Evangelista Catâneo Maria Cristina Schweitzer Veit Maria da Graça Poyer Mauro Faccioni Filho Moacir Fogaça Nélio Herzmann Onei Tadeu Dutra Patrícia Fontanella Roberto Iunskovski Rose Clér Estivalete Beche Vice-Coordenadores Graduação Adriana Santos Rammê Bernardino José da Silva Catia Melissa Silveira Rodrigues Horácio Dutra Mello Jardel Mendes Vieira Joel Irineu Lohn José Carlos Noronha de Oliveira José Gabriel da Silva José Humberto Dias de Toledo Luciana Manfroi Rogério Santos da Costa Rosa Beatriz Madruga Pinheiro Sergio Sell Tatiana Lee Marques Valnei Carlos Denardin Sâmia Mônica Fortunato (Adjunta) Coordenadores Pós-Graduação Aloísio José Rodrigues Anelise Leal Vieira Cubas Bernardino José da Silva Carmen Maria Cipriani Pandini Daniela Ernani Monteiro Will Giovani de Paula Karla Leonora Dayse Nunes Letícia Cristina Bizarro Barbosa Luiz Otávio Botelho Lento Roberto Iunskovski Rodrigo Nunes Lunardelli Rogério Santos da Costa Thiago Coelho Soares Vera Rejane Niedersberg Schuhmacher Gerência Administração Acadêmica Angelita Marçal Flores (Gerente) Fernanda Farias Secretaria de Ensino a Distância Samara Josten Flores (Secretária de Ensino) Giane dos Passos (Secretária Acadêmica) Adenir Soares Júnior Alessandro Alves da Silva Andréa Luci Mandira Cristina Mara Schauffert Djeime Sammer Bortolotti Douglas Silveira Evilym Melo Livramento Fabiano Silva Michels Fabricio Botelho Espíndola Felipe Wronski Henrique Gisele Terezinha Cardoso Ferreira Indyanara Ramos Janaina Conceição Jorge Luiz Vilhar Malaquias Juliana Broering Martins Luana Borges da Silva Luana Tarsila Hellmann Luíza Koing Zumblick Maria José Rossetti Marilene de Fátima Capeleto Patricia A. Pereira de Carvalho Paulo Lisboa Cordeiro Paulo Mauricio Silveira Bubalo Rosângela Mara Siegel Simone Torres de Oliveira Vanessa Pereira Santos Metzker Vanilda Liordina Heerdt Gestão Documental Patrícia de Souza Amorim Poliana Simao Schenon Souza Preto Karine Augusta Zanoni Marcia Luz de Oliveira Mayara Pereira Rosa Luciana Tomadão Borguetti Gerência de Desenho e Desenvolvimento de Materiais Didáticos Assuntos Jurídicos Márcia Loch (Gerente) Bruno Lucion Roso Sheila Cristina Martins Desenho Educacional Marketing Estratégico Rafael Bavaresco Bongiolo Carolina Hoeller da Silva Boing Vanderlei Brasil Francielle Arruda Rampelotte Cristina Klipp de Oliveira (Coord. Grad./DAD) Roseli A. Rocha Moterle (Coord. Pós/Ext.) Aline Cassol Daga Aline Pimentel Carmelita Schulze Daniela Siqueira de Menezes Delma Cristiane Morari Eliete de Oliveira Costa Eloísa Machado Seemann Flavia Lumi Matuzawa Geovania Japiassu Martins Isabel Zoldan da Veiga Rambo João Marcos de Souza Alves Leandro Romanó Bamberg Lygia Pereira Lis Airê Fogolari Luiz Henrique Milani Queriquelli Marcelo Tavares de Souza Campos Mariana Aparecida dos Santos Marina Melhado Gomes da Silva Marina Cabeda Egger Moellwald Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo Pâmella Rocha Flores da Silva Rafael da Cunha Lara Roberta de Fátima Martins Roseli Aparecida Rocha Moterle Sabrina Bleicher Verônica Ribas Cúrcio Reconhecimento de Curso Acessibilidade Multimídia Lamuniê Souza (Coord.) Clair Maria Cardoso Daniel Lucas de Medeiros Jaliza Thizon de Bona Guilherme Henrique Koerich Josiane Leal Marília Locks Fernandes Gerência Administrativa e Financeira Renato André Luz (Gerente) Ana Luise Wehrle Anderson Zandré Prudêncio Daniel Contessa Lisboa Naiara Jeremias da Rocha Rafael Bourdot Back Thais Helena Bonetti Valmir Venício Inácio Gerência de Ensino, Pesquisa e Extensão Janaína Baeta Neves (Gerente) Aracelli Araldi Elaboração de Projeto Maria de Fátima Martins Extensão Maria Cristina Veit (Coord.) Pesquisa Daniela E. M. Will (Coord. PUIP, PUIC, PIBIC) Mauro Faccioni Filho (Coord. Nuvem) Pós-Graduação Anelise Leal Vieira Cubas (Coord.) Biblioteca Salete Cecília e Souza (Coord.) Paula Sanhudo da Silva Marília Ignacio de Espíndola Renan Felipe Cascaes Gestão Docente e Discente Enzo de Oliveira Moreira (Coord.) Capacitação e Assessoria ao Docente Alessandra de Oliveira (Assessoria) Adriana Silveira Alexandre Wagner da Rocha Elaine Cristiane Surian (Capacitação) Elizete De Marco Fabiana Pereira Iris de Souza Barros Juliana Cardoso Esmeraldino Maria Lina Moratelli Prado Simone Zigunovas Tutoria e Suporte Anderson da Silveira (Núcleo Comunicação) Claudia N. Nascimento (Núcleo Norte- Nordeste) Maria Eugênia F. Celeghin (Núcleo Pólos) Andreza Talles Cascais Daniela Cassol Peres Débora Cristina Silveira Ednéia Araujo Alberto (Núcleo Sudeste) Francine Cardoso da Silva Janaina Conceição (Núcleo Sul) Joice de Castro Peres Karla F. Wisniewski Desengrini Kelin Buss Liana Ferreira Luiz Antônio Pires Maria Aparecida Teixeira Mayara de Oliveira Bastos Michael Mattar Vanessa de Andrade Manoel (Coord.) Letícia Regiane Da Silva Tobal Mariella Gloria Rodrigues Vanesa Montagna Avaliação da aprendizagem Portal e Comunicação Catia Melissa Silveira Rodrigues Andreia Drewes Luiz Felipe Buchmann Figueiredo Rafael Pessi Gerência de Produção Arthur Emmanuel F. Silveira (Gerente) Francini Ferreira Dias Design Visual Pedro Paulo Alves Teixeira (Coord.) Alberto Regis Elias Alex Sandro Xavier Anne Cristyne Pereira Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro Daiana Ferreira Cassanego Davi Pieper Diogo Rafael da Silva Edison Rodrigo Valim Fernanda Fernandes Frederico Trilha Jordana Paula Schulka Marcelo Neri da Silva Nelson Rosa Noemia Souza Mesquita Oberdan Porto Leal Piantino Sérgio Giron (Coord.) Dandara Lemos Reynaldo Cleber Magri Fernando Gustav Soares Lima Josué Lange Claudia Gabriela Dreher Jaqueline Cardozo Polla Nágila Cristina Hinckel Sabrina Paula Soares Scaranto Thayanny Aparecida B. da Conceição Conferência (e-OLA) Gerência de Logística Marcelo Bittencourt (Coord.) Jeferson Cassiano A. da Costa (Gerente) Logísitca de Materiais Carlos Eduardo D. da Silva (Coord.) Abraao do Nascimento Germano Bruna Maciel Fernando Sardão da Silva Fylippy Margino dos Santos Guilherme Lentz Marlon Eliseu Pereira Pablo Varela da Silveira Rubens Amorim Yslann David Melo Cordeiro Avaliações Presenciais Graciele M. Lindenmayr (Coord.) Ana Paula de Andrade Angelica Cristina Gollo Cristilaine Medeiros Daiana Cristina Bortolotti Delano Pinheiro Gomes Edson Martins Rosa Junior Fernando Steimbach Fernando Oliveira Santos Lisdeise Nunes Felipe Marcelo Ramos Marcio Ventura Osni Jose Seidler Junior Thais Bortolotti Gerência de Marketing Eliza B. Dallanhol Locks (Gerente) Relacionamento com o Mercado Alvaro José Souto Relacionamento com Polos Presenciais Alex Fabiano Wehrle (Coord.) Jeferson Pandolfo Carla Fabiana Feltrin Raimundo (Coord.) Bruno Augusto Zunino Gabriel Barbosa Produção Industrial Gerência Serviço de Atenção Integral ao Acadêmico Maria Isabel Aragon (Gerente) Ana Paula Batista Detóni André Luiz Portes Carolina Dias Damasceno Cleide Inácio Goulart Seeman Denise Fernandes Francielle Fernandes Holdrin Milet Brandão Jenniffer Camargo Jessica da Silva Bruchado Jonatas Collaço de Souza Juliana Cardoso da Silva Juliana Elen Tizian Kamilla Rosa Mariana Souza Marilene Fátima Capeleto Maurício dos Santos Augusto Maycon de Sousa Candido Monique Napoli Ribeiro Priscilla Geovana Pagani Sabrina Mari Kawano Gonçalves Scheila Cristina Martins Taize Muller Tatiane Crestani Trentin André Luiz Santos História do Direito Livro didático Revisão e atualização de conteúdo Paulo Potiara de Alcântara Veloso Design instrucional Flavia Lumi Matuzawa Lucésia Pereira 2ª edição Palhoça UnisulVirtual 2011 Copyright © UnisulVirtual 2011 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Edição – Livro Didático Professor Conteudista André Luiz Santos Revisão e atualização de conteúdo Paulo Potiara de Alcântara Veloso Design Instrucional Flavia Lumi Matuzawa Lucésia Pereira Karla Leonora Dahse Nunes (2ª edição) Projeto Gráfico e Capa Equipe UnisulVirtual Diagramação Evandro Guedes Machado Alice Demaria Silva Edison Rodrigo Valim Daiana Ferreira Cassanego (2ª edição) Revisão Ortográfica B2B Jaqueline Tartari (Unidade 6) 340.9 S23 Santos, André Luiz História do direito : livro didático / André Luiz Santos ; revisão e atualização de conteúdo Paulo Potiara de Alcântara Veloso ; design instrucional Flavia Lumi Matuzawa, Lucésia Pereira, Karla Leonora Dahse Nunes. – 2. ed. – Palhoça : UnisulVirtual, 2011. 190 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. 1. Direito – História. 2. Direito romano. I. Veloso, Paulo Potiara de Alcântara. II. Matuzawa, Flavia Lumi. III. Pereira, Lucésia. IV. Nunes, Karla Leonora Dahse. V. Título. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 UNIDADE 1 - Historicidade do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 UNIDADE 2 - Código de Hamurabi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 UNIDADE 3 - Legislação Mosaica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 UNIDADE 4 - Direito grego: legislações atenienses e espartanas. . . . . . . . . 89 UNIDADE 5 - Direito romano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 UNIDADE 6 - A fundação da tradição jurídica ocidental. . . . . . . . . . . . . . . . 151 Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Sobre os professores conteudistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 Respostas e comentários das atividades de auto‑avaliação. . . . . . . . . . . . . 179 Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 Apresentação Este livro didático corresponde à disciplina História do Direito. O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado contextualizado e eficaz. Lembre‑se que sua caminhada, nesta disciplina, será acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual, por isso a “distância” fica caracterizada somente na modalidade de ensino que você optou para sua formação, pois na relação de aprendizagem professores e instituição estarão sempre conectados com você. Então, sempre que sentir necessidade entre em contato; você tem à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como: telefone, e‑mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem, que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo. Bom estudo e sucesso! Equipe UnisulVirtual. 7 Palavras do professor Caros acadêmicos (as), Sejam todos muito bem‑vindos ao universo da História do Direito! Esta disciplina visa proporcionar a cada um de vocês uma visão crítica das principais civilizações da História Antiga, responsáveis pela construção das primeiras codificações de leis da história universal. Para tal, vamos, no decorrer deste aprendizado, construir o cenário geográfico e reconstituir o tempo histórico necessários para entendermos o universo constituído das primeiras civilizações da antiguidade. Desta forma, faremos uma viagem no tempo histórico e no espaço geográfico pontuando o nascimento de sociedades históricas milenares, suas necessidades naturais impostas pelo seu habitat, seus costumes, tradições, dogmas religiosos etc. Avaliaremos a construção de uma identidade política, social e econômica nessas sociedades, bem como o nascimento de um conjunto primitivo de normas de comportamento social, as quais evoluem ao longo dos tempos históricos agregando valores e instituindo‑se em legislações mais apuradas. Neste momento, convido a todos vocês a iniciarem esta viagem de estudos por meio desse cenário e desejo a cada acadêmico(a) um ótimo aprendizado e uma boa viagem. Professor André Luiz Santos Plano de estudo O plano de estudos visa a orientá‑lo no desenvolvimento da disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto, a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação/mediação. São elementos desse processo: o livro didático; o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA); as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de autoavaliação); o Sistema Tutorial. Ementa Noções fundamentais. Fases do Direito. A Evolução dos direitos das pessoas, das coisas e das obrigações a partir da Roma Clássica. História da civilização e História do Direito. Noções básicas de Direito comparado. Grandes sistemas jurídicos. Universidade do Sul de Santa Catarina Objetivos Analisar a evolução histórica das Legislações Antigas e dos Direitos dos Povos e suas respectivas influências nas sociedades contemporâneas. Identificar as circunstâncias sócio‑políticas que propiciaram o desenvolvimento das Legislações nos diversos tempos históricos. Conhecer o contexto histórico que serviu de base inspiratória para os autores dos diversos tratados e obras. Perceber que princípios políticos e posturas econômicas ainda persistem nas sociedades contemporâneas, determinando mercados, regulando posturas políticas e normatizando condutas sociais. Carga Horária A carga horária total da disciplina é 60 horas‑aula. Conteúdo programático/objetivos Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de conhecimentos que você deverá deter para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias à sua formação. Neste sentido, veja a seguir as unidades que compõem o livro didático desta disciplina, bem como os seus respectivos objetivos. Unidades de estudo: 6 12 História do Direito Unidade 1 – Historicidade do direito Nesta unidade pretende‑se construir o cenário geo‑histórico por onde se dará o desenvolvimento das primeiras civilizações da Antiguidade Oriental. Neste contexto avaliar‑se‑ão as condições geográficas que permearam estas civilizações como fator determinante na construção de seus modelos sócio‑econômicos, sócio‑políticos e sócio‑culturais. Por fim, avaliaremos as circunstâncias históricas que deram origem à estratificação social, à instituição do Estado e ao nascimento dos primeiros mecanismos de intervenção do Estado instituído na sociedade civil: o instituto da religião e a instituição de normas de convivência social (códigos de leis). Unidade 2 – Código de Hamurabi Nesta unidade pretende‑se avaliar o nascimento do principal código de leis da Antiguidade Oriental, o Código de Hamurabi. Para tal, discutiremos acerca das civilizações mesopotâmicas, em especial, da civilização babilônica responsável por esta codificação de leis. Ainda será alvo desta unidade o estudo da sociedade que constituiu o 1º Império Babilônico e o governo do imperador Hamurabi, figura política que dá nome ao código de leis babilônico. Unidade 3 – Legislação Mosaica Nesta unidade o estudo da história do direito avaliará a importância do instituto da religião na normatização de condutas sociais. Para tal, reconstruiremos a sociedade hebraica dos tempos do Antigo Testamento Bíblico, enfatizando o discurso religioso monoteísta a serviço do Estado Palestino na construção da Legislação Mosaica de caráter teocêntrico. 13 Universidade do Sul de Santa Catarina Unidade 4 – Direito grego: legislações atenienses e espartanas Nesta unidade pretende‑se discutir acerca do nascimento das primeiras sociedades de caráter tipicamente antropocêntrico, as chamadas civilizações ocidentais, em especial à civilização grega. Neste contexto dar‑se‑á ênfase a história política da Grécia a partir do nascimento das pólis (cidades‑estado gregas), em especial de Esparta e Atenas. Observar‑se‑á o nascimento de um conjunto de legislações ditas gregas, mas que variam de acordo com a pólis que representam. Destas, dar‑se‑á ênfase às legislações espartanas e atenienses que inspiraram e serviram de base para a construção das principais legislações da Antiguidade Ocidental. Unidade 5 – Direito romano Nesta unidade, pretende‑se analisar o nascimento do Direito como resultado da manifestação organizada da sociedade civil de Roma durante o período republicano. Para tal, faz‑se necessário avaliar o nascimento da civilização romana e seu desenvolvimento sócio‑político, sócio‑econômico e sócio‑cultural como requisitos essenciais para o desenvolvimento de sua legislação. Unidade 6 – A fundação da tradição jurídica ocidental Nesta unidade você vai observar a influência do direito Romano dentro da constituição de nossa tradição jurídica, que remonta ao século XI d.C. Além disso, por conta das especificidades históricas e intelectuais da época, você analisará a importância do surgimento das Universidades Européias, principalmente a primeira delas, a de Bolonha, na Itália e o seu reflexo na expansão da tradição jurídica para toda a Europa. 14 História do Direito Agenda de atividades/Cronograma Verifique com atenção o EVA, organize‑se para acessar periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da realização de análises e sínteses do conteúdo e da interação com os seus colegas e professor. Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço a seguir as datas com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA. Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas ao desenvolvimento da disciplina. Atividades obrigatórias Demais atividades (registro pessoal) 15 UNIDADE 1 Historicidade do Direito Objetivos de aprendizagem Conhecer a origem histórica das civilizações antigas orientais e o surgimento do Estado. Identificar os fatores que resultaram na estratificação social e no conflito entre as classes sociais. Compreender a necessidade da intervenção do Estado na sociedade civil por meio da normatização das condutas sociais. Seções de estudo Veja, a seguir, as seções que compõem esta unidade de aprendizagem. Seção 1 As primeiras manifestações do Direito Seção 2 Modelos socioculturais das civilizações da Antigüidade Oriental Seção 3 As sociedades sedentárias 1 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, você conhecerá o cenário geo‑histórico no qual aconteceu o desenvolvimento das primeiras civilizações da Antigüidade Oriental. Inicialmente, trataremos das civilizações mesopotâmicas, palestinas e medo‑orientais, as quais habitaram por volta do século XX a. C. a atual região do Oriente Médio. Nesse contexto, serão abordadas as condições geográficas que permearam essas civilizações como fator determinante na construção de seus modelos socioeconômicos, sociopolíticos e socioculturais. Você estudará as circunstâncias históricas que deram origem à estratificação social, à instituição do Estado e ao nascimento dos primeiros mecanismos de intervenção do Estado instituído na sociedade civil: o instituto da religião e a instituição de normas de convivência social (códigos de leis). Nesta unidade, será abordado o desenvolvimento de dois modelos de civilizações antigas orientais que co‑habitaram a região do Oriente Médio: as civilizações nômades e as sedentárias. As primeiras civilizações, ditas nômades, caracterizavam‑se, dentre outras coisas, por uma conduta social agressiva, pela utilização da caça, da coleta e dos espólios de guerra como principais atividades econômicas e pela migração constante por melhores condições de vida ‑ fatos sociais justificáveis quando avaliamos as condições do solo onde estas civilizações localizavam‑se. O solo apresentava‑se quase sempre árido, impossibilitando o cultivo de qualquer cultura agrícola ou mesmo dificultando a atividade da pecuária e do pastoreio. Desta forma, restavam‑lhes como uma das alternativas de vida nessas condições naturais inóspitas o comportamento social rudimentar, a atividade primitiva da caça e coleta e de espólios de guerra quando entravam em contato com povos sedentários. As civilizações ditas sedentárias, por sua vez, correspondiam àquelas que apresentavam moradia fixa, efetivando residência em regiões geográficas banhadas por rios, constituindo, assim, comunidades denominadas ribeirinhas. Estas, por sua vez, apresentavam solo fértil e propício para o desenvolvimento 18 História do Direito das atividades agro‑pastoris, sendo possível viver do cultivo de diversas culturas agrícolas e da criação de animais. São essas civilizações que introduzirão primitivamente as normas de convivência em sociedade, organizarão primeiramente o Estado e instituirão a lei e a religião, quase sempre mesclando‑as entre si. Seção 1 – Primeiras manifestações do Direito Observando os povos primitivos em suas respectivas comunidades, não nos deparamos com uma justiça atuante e regular que, partindo da autoridade, lhes definiam ações e reações. O que vigorava nas épocas mais remotas da história era a autotutela, partindo da concepção de que à vítima de uma injustiça era outorgado o direito de revidar injustiça, o mal com o mal, fazendo “justiça” com as próprias mãos. Essa vingança, que leva a uma série de represálias, sempre foi reprimida pelo poder constituído pelo Estado, que acabou por se arrogar o poder de dizer o direito e de decidir as causas, garantia de paz entre os cidadãos. Para compreender o processo de formação dos primeiros códigos de leis da história universal, faz‑se necessário analisar o contexto social, político e econômico em que essas mesmas civilizações estavam inseridas. Vamos começar com a Mesopotâmia, região compreendida entre dois rios: Tigre e Eufrates. Estes rios eram responsáveis pela economia e pelo estilo de vida das primeiras civilizações catalogadas na história universal: sumérios, acádios, assírios, caldeus, babilônicos e os vizinhos persas. Estas civilizações dependiam das cheias dos referidos rios para sua sobrevivência, pois a partir do momento em que eles transbordavam, os seus leitos nutriam o solo, transformando‑o de árido em fértil para a boa prática da agricultura. Unidade 1 19 Universidade do Sul de Santa Catarina Convém ressaltar que algumas civilizações, por se localizarem mais próximas das margens dos rios, tinham seus solos mais férteis, não sofrendo a necessidade de mudanças territoriais mais bruscas, tornando‑se povos tipicamente sedentários (sumérios, acádios, caldeus e babilônicos). Ao contrário destes, encontramos civilizações localizadas em uma região de solo mais árido (assírios e persas), os quais, por necessidade de sobrevivência, desenvolveram uma atividade baseada na caça e coleta, gerando a prática da guerrilha, responsáveis pelo seu comportamento nômade. Figura 1.1 – Mapa da Mesopotâmia Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 34. Analise inicialmente as civilizações sedentárias. Elas são as responsáveis pela primeira noção que temos, na história universal, da regulamentação de hábitos, costumes e tradições. Elas normatizavam um convívio social harmônico, regidos por regras minimamente estabelecidas. Há aproximadamente 8 mil anos, todas as sociedades da Antigüidade Oriental desenvolveram‑se a partir da chamada “Revolução Agrícola”. 20 História do Direito Sobre a revolução agrícola Período da história que consentiu estabelecer o assentamento dos grupos humanos em regiões delimitadas (sedentarização) e contribuiu para um aumento da população em detrimento do volume da oferta de alimentos como a agricultura e criação de animais. Nesse período, pode‑se observar sob diversos aspectos a prática utilizada às atividades elaboradas e uma particularização voltada ao trabalho. Figura 1.2 – Ferramentas do período neolítico (que antecedeu o surgimento das primeiras civilizações). Fonte: Disponível em <http://blogdaprehistoria.blogspot. com/2008_03_01_archive.html> O sociólogo Domenico De Masi salienta o elevado conceito dessa “revolução”: O uso de sementes é uma descoberta que remonta a 6 mil anos antes de Cristo e provoca uma verdadeira revolução. Desta vez as protagonistas foram as mulheres. É a grande fase matriarcal. Uma divisão sexual do trabalho já tinha ocorrido: o homem saía para caçar e a mulher, impossibilitada de locomover‑se devido às maternidades freqüentes, usava o tempo livre para a colheita de frutas. Contudo, aos poucos, o macho aprende que pode substituir o cansaço da caça por aquele, menor, da criação de animais: a caça implica perseguir animais adultos, muitas vezes perigosos, rebeldes e que fogem. A atividade de pastor, ao contrário, permite dominar os animais desde o seu nascimento. A mulher, por sua vez, aprende que melhor do que recolher as frutas caídas é ‘cultivá‑las’ com a agricultura: Unidade 1 21 Universidade do Sul de Santa Catarina onde plantar as sementes, regá‑las e ver crescer as plantas. Ambas as técnicas, pecuária e agricultura, produzem alimento dentro de um prazo previsível, diferido no tempo. Enquanto o animal deve satisfazer suas necessidades aqui e agora, o ser humano planeja o futuro e aprende que, trabalhando hoje, poderá obter alimento dali a seis meses. E é também nesta fase que o macho participa no nascimento dos filhos. Até então reinava a convicção de que as mulheres produzissem os filhos. Nesta ocasião, talvez com a observação dos animais, alguém entende que existe uma ligação entre cópula, nove meses antes, e nascimento, nove meses depois. Assim, passa‑se do matriarcado ao patriarcado, que dura até hoje, mas que está acabando, justamente porque as mulheres agora têm condição de gerar filhos sem a participação de um marido, enquanto os homens não têm condição de gerar filhos sem uma mulher. (DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 29‑30). Como você viu, a revolução agrícola foi responsável pelo nascimento das primeiras civilizações sedentárias da história universal, pois a partir dela tornou‑se possível dominar o solo instituindo um novo modelo socioeconômico inspirado na atividade agropastoril. Seção 2 – Modelos socioculturais das civilizações da Antigüidade Oriental Você viu, na seção anterior, que o novo modelo socioeconômico desenvolvido pelas civilizações sedentárias a partir da revolução agrícola foi um marco importante. Nesta seção, você verá a importância da mudança comportamental apresentada por essas civilizações a partir do sedentarismo e da atividade agropastoril. As civilizações sedentárias organizaram‑se em torno de sociedades patriarcais, inspiradas na liderança dos anciões, ou 22 História do Direito seja, dos homens mais velhos da comunidade. Respeitavam o princípio de legitimidade do poder dos anciões inspirando‑se na experiência de vida por eles acumulada. A princípio, desenvolveu-se uma sociedade igualitária, baseada na divisão do volume da produção econômica. Esta divisão do volume da produção seria destinada exclusivamente aos anciões, que ocupavam a liderança comunitária. Portanto, cabia ao líder ancião garantir a distribuição do volume de produção econômica de forma igualitária aos membros do corpo social. Enquanto o volume da produção econômica fosse superior ao volume populacional das comunidades ribeirinhas que formavam as civilizações sedentárias, não haveria dificuldades em manter‑se o igualitarismo social; no entanto, a partir do momento em que ocorresse o desequilíbrio entre o volume de produção econômica e o volume populacional do corpo social resultaria, inevitavelmente, no nascimento da estratificação (desigualdade) social. Este fato foi desencadeado em certas comunidades ribeirinhas pelo mal uso do solo, pela ausência de conhecimentos mais aprimorados de técnicas agrícolas e pelo enfraquecimento do solo com o uso exagerado da monocultura agrícola. Estes fatores serão explorados com maior propriedade em parágrafos posteriores. Neste momento, no entanto, cabe‑nos apresentar as principais características das civilizações antigas orientais as quais adotaram o modelo sedentário de vida social. Prossigamos com o estudo, então! Dentre as principais características das civilizações da Antigüidade Oriental, destacam‑se: 1.atividade econômica de origem agropastoril, baseada no rendimento da agricultura de subsistência e no comércio do excesso da produção; Unidade 1 23 Universidade do Sul de Santa Catarina 2.desenvolvimento do trabalho artesanal e introdução ao trabalho arquitetônico de base comunitária, ou seja, aquele empreendimento desenvolvido com base na necessidade da comunidade, tais como canais de irrigação e diques; 3.grande partilha do labor e começo do desenvolvimento social; 4.o nascimento de um grupo constituído por chefes militares, sacerdotes, membros da realeza e nobres; 5.concentração político‑administrativa, que atingiu o ponto mais elevado com a constituição do Estado, em que o poder era instituído e desempenhado sobre o grupo da sociedade estabelecida em uma determinada região. Essa concentração, no entanto, foi de grande valor para a mobilização de inúmeros trabalhadores para a realização de tarefas de drenagem e irrigação para a “agricultura de regadio”. O conceito de Estado aqui presente é apenas uma aproximação conceitual, que deve ser interpretada de acordo com as limitações históricas pertinentes. 24 No tocante ao importante papel do Estado nas sociedades da Antigüidade Oriental, Eugênio Varga explicita que, O Estado exerce uma função de extraordinária importância para a população: constrói e regula os sistemas de irrigação, que só podiam se realizar em grandes extensões de terra e sem os quais não poderia haver nenhuma produção agrícola nestas áridas regiões. É função do Estado, também, organizar defesa contra devastadoras inundações. (...) Ao Estado cabe acumular alimentos para enfrentar os períodos de má colheita. (...) O Estado é o único e principal recebedor do excedente da produção dos camponeses; a renda da terra é recebida em forma de imposto. (VARGA, Eugênio. O modo de produção asiático. In: GEBRAN, Philomena (org.). Conceito de modo de produção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 64). História do Direito 6.O governo exercido pela classe sacerdotal ou apoiado por esta classe; com o desenvolvimento de religiões, pela qual a prática da religião e a veneração de deuses adquiriram forças à posição dos sacerdotes nessas sociedades, sendo que estes celebravam as relações com o mundo sobrenatural, assim se desvinculando dos processos de produção. A organização de uma elite não vinculada diretamente ao labor produtivo esteve diretamente vinculada à consolidação do Estado. Em que pese a questão, comenta Cássio Tunes: A qual classe dominante corresponde esse Estado? Como dissemos, podemos considerá‑la como uma aristocracia que é tal enquanto pertencente aos aparelhos estatais, seja como membros das unidades palacianas (nobreza da corte), dos templos (sacerdotes) ou como funcionários menos graduados (escribas, coletores de impostos). A origem destes grupos remonta ao período da ‘Revolução Urbana’ e da dissolução das comunidades tribais ‑ dissolução que, se não se completou, permitiu porém a formação de uma camada de não‑produtores ligada à administração e à organização da defesa e da religião. Daí a classe dominante também ser considerada burocrática, pois seu poder vem das funções, dos postos que ocupa no Estado. Estes grupos ‑ administradores, sacerdotes, chefes militares ‑ formavam, portanto, uma unidade, a ‘comunidade superior’, que se apropriava do excedente nas aldeias e o redistribuía entre os seus membros: na forma de ordenados fixos em espécie (para os funcionários e mercenários); na forma de direitos a impostos regionais (para governadores e membros da família real); na forma de sacrifícios aos deuses (oferendas auferidas pelos sacerdotes). (TUNES, Cássio Marcelo de Meio. O modo de produção asiático e o Egito Antigo. In: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. Modo de produção asiático: nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 61‑62). Assim sendo, alguns historiadores denominaram modo de produção asiático ao conjunto de características nas diversas jurisdições (política, social, econômica, religiosa e cultural). Unidade 1 25 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 3 – As sociedades sedentárias Na história antiga, desenvolveram‑se as primeiras civilizações que englobam a Antigüidade Oriental e a Ocidental. Na Oriental surgiram as sociedades que, de acordo com uma determinada concepção dita “historiográfica”, são consideradas históricas porque já possuíam o domínio da escrita. O conceito de sociedades históricas, segundo o historiador vinculado a uma corrente historiográfica J. M. Roberts, assim expressa: Alguns argumentam que, mesmo que concordemos quanto a quem são os primeiros humanos, o que foi feito por eles não é de forma alguma História. Estas pessoas destacam que só poderemos verdadeiramente começar a conhecer os povos e a escrever a história real quando tivermos evidências que nos dêem uma idéia razoavelmente boa do que eles pensavam. Na prática, precisamos ter palavras e compreendê‑las. Portanto, a ‘História’, como relato do passado humano, não pode retroceder muito mais do que a primeira escrita. Diz‑se que dois caracteres chineses encontrados datam de 5500 a. C., mas a primeira escrita de que temos certeza foi inventada entre 3500 e 3000 a. C. Em poucas centenas de anos foram feitos registros escritos sob a forma de inscrições em pedra ou em tabuletas de argila. Com o papiro o pergaminho e o papel, essas inscrições se intensificaram amplamente no devido tempo e um crescente fluxo de documentos escritos daí por diante nos dá a evidência da era em que aconteceram mudanças mais rápidas e surpreendentes no modo de viver das pessoas. A vida humana foi transformada nos últimos cinco mil anos e, dizem alguns estudiosos, é disto que trata a ‘História’. É a era dos relatos escritos. (ROBERTS, J. M. O livro de ouro da História. 9. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 72) As sociedades egípcia e mesopotâmica são consideradas civilizações de agricultura dos grandes rios. As civilizações que se sobressaíram nas regiões do Oriente Próximo foram as desenvolvidas pelos persas, hebreus e fenícios. Estes últimos se destacaram muito poderosos com a navegação, sendo a sua principal fonte de renda o comércio marítimo, o que deu capacidade para obterem um forte contato com outros povos, identificando‑se culturalmente. 26 História do Direito Os fenícios foram, também, os criadores do alfabeto, fonte essencial para a construção de um conjunto de documentos simples e necessário para as relações comerciais. O alfabeto que substituiu os métodos hieroglíficos dos egípcios e cuneiformes dos mesopotâmicos foi depois melhorado pelos gregos e romanos, considerado por diversos historiadores o maior legado da cultura fenícia. O sistema de escrita chamada cuneiforme foi instituído pelos sumérios, um dos mais importantes povos da Antigüidade Oriental. O maior império desse período e lugar foi construído pelos persas, estendendo‑se do Rio Nilo ao Rio Indo e teve na atividade nômade‑pastoril a origem para administrar seus bens. A historiografia nomeou de Crescente Fértil essas sociedades antigas orientais que se desenvolveram em uma extensa área situada no nordeste da África e em parte da Ásia (Oriente Próximo). A região, rodeada por cadeias de montanhas, desertos e planaltos áridos, era organizada por Egito, Mesopotâmia, Síria e Palestina, demarcada ao sul pelo Deserto da Arábia, ao norte pelo Planalto da Anatólia (atual Turquia); a oeste pelo deserto do Saara; e a leste pelo Planalto do Irã. A extensão do Crescente Fértil era envolvida pelo Mar Mediterrâneo e cortada por três grandes rios: o Nilo, no Egito, e o Tigre e o Eufrates, na região da Mesopotâmia. Figura 1.3 – Mapa do Crescente Fértil Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 30. Unidade 1 27 Universidade do Sul de Santa Catarina Há muito tempo, o povo que vivia nos arredores dos rios Tigre e Eufrates, que banhavam a Mesopotâmia (hoje situado o Iraque), escavou canais para irrigação e reservatórios. Os pântanos eram drenados, trazendo o desenvolvimento da agricultura para aquela população antes mesmo da existência de qualquer tipo de Estado. Mais tarde, com o surgimento do Estado, este encarregou‑se de organizar essas tarefas. Ao longo dos séculos, foram desenvolvidas diversas civilizações na região da Mesopotâmia, como a dos sumérios, acádios, assírios, babilônicos, caldeus ou neobabilônicos, as quais desenvolveram um modelo político, econômico e social muito parecidos. Ao Estado pertenciam quase todas as terras. Os cargos mais altos pertenciam à família da nobreza, sendo passado esse privilégio aos filhos. Os nobres tinham suas propriedades particulares, que alugavam e vendiam. Os religiosos também tiveram terras por um determinado tempo, as quais eram administradas por funcionários do Estado. O poder político do Estado dividia‑se entre a nobreza primitiva e a camada sacerdotal. As comunidades de camponeses que trabalhavam na terra precisavam entregar parte do que produziam ao Estado, isto constituía uma espécie de tributação primitiva, (a qual séculos mais tarde, na Idade Medieval, sob o instituto do modelo de produção feudal, seria conhecido como tributo da talha). Com esses tributos primitivos, o Estado instituído garantiria o desenvolvimento de uma política social a qual visaria a agregar benefícios ao corpo social. Destacamos a construção de canais de irrigação, muralhas para as cidades, templos, estradas. Havia poucos escravos, as mulheres eram em número bem maior, utilizadas para trabalhar nas casas dos nobres em serviços domésticos. Pelos idos de 3.500 a. C., na Suméria, região Sul da Mesopotâmia, os sumérios já tinham cidades de grande porte similares às pólis gregas. Existia um governo para cada cidade independente alimentada pelos campos ao redor. Havia inúmeras casas, as quais eram protegidas por densas muralhas de tijolos. 28 História do Direito Tudo o que se passava no palácio do rei, como os atos, as leis, o resultado de cobrança de impostos, era anotado por seus funcionários especializados, por meio de uma escrita surgida por volta de 4000 a.C., denominada de Escrita Cuneiforme, ou seja, uma escritura em forma de cunha. Trabalhava‑se com a técnica posteriormente conhecida como iconografia (escrita por meio de desenhos). Na prática, cobria‑se com argila a cunha de uma madeira fazendo sobre ela certos desenhos representativos no contexto social. Esses ícones ou desenhos feitos sobre a madeira com argila representavam certos padrões comportamentais aceitos no seio da comunidade. Em 2000 a. C., a principal cidade‑estado da região da Mesopotâmia passou a ser a Babilônia, a qual se destacou pela riqueza natural do solo e por sua aptidão natural aos negócios agrários (comércio do excedente da produção de gêneros alimentícios, artesanato e especiarias) por se situar próxima dos rios Tigre e Eufrates, por onde passavam mercadores com produtos de terras estrangeiras e longínquas. A Babilônia também enriqueceu por causa dos impostos sobre os comerciantes. Sua localização proporcionava riqueza, o que provocava olhares de cobiça e, por isso, foi alvo de constantes ataques por outros povos. Hamurabi foi o rei babilônico que teve maior destaque por ter vencido diversas guerras contra as cidades sumérias e de outras regiões da Mesopotâmia. Foi responsável pela construção de um dos maiores impérios da história antiga oriental – o Primeiro Império babilônico, do qual foi o maior imperador. Imortalizou‑se com a primeira grandiosa legislação antropocêntrica universal intitulada de Código de Hamurabi. Esta célebre legislação adotou como ferramenta o uso da vareta de escrever nas tábuas feitas de argila, ou seja, foi por meio da Escrita Cuneiforme sumeriana que os babilônicos da época de Hamurabi tornaram pública a legislação antropocêntrica babilônica. Unidade 1 29 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 1.4 – Código de Hamurabi Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 32. É importante ressaltar que as primeiras sociedades organizadas na Antigüidade Oriental dependiam dos recursos naturais, principalmente dos rios, que facilitavam o transporte. Em suas margens estavam localizadas ricas terras irrigadas e, nessa região, houve também novas formas de manifestações religiosas primitivas gerenciadas pelos anciões comunitários, que se manifestaram culturalmente apresentando as religiões organizadas. A expressão cultural se manifestou nessa região e as religiões organizadas passaram a dar orientação para grande parte das atitudes do ser humano. 30 História do Direito Chamamos de religiões organizadas aqueles ritos de fé instituídos pelos anciões líderes comunitários das principais sociedades constituintes das civilizações sedentárias da Antigüidade Oriental. Esses ritos de fé consistiam na uniformização da manifestação da crença religiosa comunitária pelos líderes anciões, os quais organizavam o espaço geográfico reservado para a manifestação dos ritos, bem como elaboravam o conjunto de dogmas religiosos responsáveis pela construção da identidade espiritual do grupo social. Na maior parte das vezes, o rito de fé traduzia‑se em um discurso religioso que justificava a liderança dos anciões no grupo social instituído, bem como traduzia a vontade soberana desses líderes anciões sobre os demais membros do corpo social. Convém ressaltar que nessas civilizações antigas orientais de caráter sedentário a vontade do soberano (no qual se centravam as figuras do legislador, do juiz, do sacerdote supremo e do administrador público) norteava as diretrizes da legislação a ser codificada. A deificação do soberano leva‑nos ao entendimento de que a codificação dessas leis, em sua origem, resulta de uma outorga e não de uma promulgação, sem que isso viesse a gerar qualquer conflito social, demonstrando que o soberano contava com o respeito por sua autoridade divina. Conforme a obra de John Gilissen, a maior parte desses escritos foi descoberta no decorrer das últimas décadas, sendo que sua interpretação, tradução e publicação estão ainda em curso. Esses achados são chamados geralmente de códigos, mas na verdade contêm um pequeno número de disposições (trinta a sessenta artigos), relativos a questões de detalhes e “não uma exposição sistemática e completa do direito ou de uma parte do direito.” São textos agrupados de uma maneira que parece lógica, seguindo a idéia do que parece ser – “(...) o mecanismo instintivo da associação de idéias” (GILISSEN, 2001, p. 61). Unidade 1 GILISSEN, John. Introdução histórica ao Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 61. 31 Universidade do Sul de Santa Catarina Esses textos, como descreve o autor, não parecem leis (assim como o Código de Hamurabi), mas sim julgamentos de direito, ensinamentos indicando o caminho aos juízes. Escrita cuneiforme foi aquela desenvolvida pelos sumérios por volta de 4000 a.C. na região da Mesopotâmia, a qual utilizava a técnica da iconografia. Cada frase, geralmente breve, diz respeito a um caso concreto e dá a solução jurídica; a maior parte começa com a expressão equivalente à expressão latina si quis (se alguém...), situando a formulação a meio caminho entre o concreto e o abstrato. Nesse momento histórico, os documentos de Direito cuneiformes não conhecem qualquer sistematização do Direito, qualquer doutrina jurídica. Podemos ilustrar essa idéia com o pensamento do historiador: “Ainda que aí não se encontre nenhuma exposição geral do sistema jurídico, estes códigos constituem, no entanto os primeiros esforços da humanidade para formular regras de direito” (GILISSEN, 2001, p. 61). O mais antigo código atualmente conhecido é o de Ur‑Nammu, fundador da terceira dinastia de Ur (cerca de 2040 a. C.). Existem textos mais antigos, como o código de Urakagina de Lagas, dos meados do terceiro milênio, ou o de Sulgi, em Ur, do mesmo período. Neles conservam‑se milhares de atos e prática de julgamento. Continua esclarecendo Gilissen que, depois do desmembramento do reino de Ur, vários principados fizeram esforços no sentido da redação de textos jurídicos. O código de Esnunna, escrito cerca de 1930 a. C. (atribuído erradamente ao rei de Bilalama), contém cerca de sessenta artigos. Do código de Lipit‑Istar, rei de Isin, escrito cerca de 1880 a. C., encontrou‑se o prólogo, o epílogo e trinta e sete artigos; eram destinados a estabelecer o Direito na região Suméria e da Acádia. No que se refere ao Código de Hamurabi, tido por uma vasta gama de juristas e historiadores como o monumento jurídico mais importante da Antigüidade antes de Roma (redigido provavelmente por volta de 1694 a. C.), podemos descrevê‑lo da seguinte forma: em sua parte superior, um baixo relevo representa o deus‑sol Samas “o grande juiz dos céus e da terra”, ditando a Hamurabi as regras do direito que aí estão 32 História do Direito gravadas. Este declara, no fim do texto “Hamurabi, rei do direito, sou eu a quem Samas oferece as leis” (GILISSEN, 2001, p. 62). Com esta descrição do Código fica claro observar que Hamurabi, em seu tempo, era considerado o rei do Direito. Seria ele quem ditaria as normas, as quais todos deveriam seguir. O Imperador mostra a sua devoção a Samas e como o Direito e a religião se misturam, seria o espiritual inspirando o material, o divino conspirando nas questões jurídicas. Continuando a descrição do Código de Hamurabi, o baixo relevo faz pensar em Jeová entregando o Decálogo a Moisés ‑ no caso do Código de Hamurabi, está o deus‑sol entregando as leis a Hamurabi. O Direito babilônico é, sobretudo, um regulamento de paz em que o rei aparece como um justiceiro e um protetor dos fracos: órfãos, viúvas, pobres, garantindo a liberdade de cada um. Em Mari (no Eufrates, ao norte da Babilônia) foram descobertas desde 1935, cerca de vinte mil tabuinhas, datando da primeira metade do século XVIII a. C, época aproximada de Hamurabi. Tratam-se, em geral, de documentos da prática administrativa, jurídica ou econômica. Na Assíria, recolhas jurídicas, chamadas códigos assírios, foram redigidos em diversas épocas: as mais antigas datam de antes de Hamurabi, cerca de 1950 – 1870 a. C; um segundo grupo data de cerca de 1450 – 1250 a. C.; o terceiro, cerca de 750 – 700 a. C. Eles revelam, todavia, um Direito muito menos desenvolvido que o da região da Suméria e da Babilônia. Agrupamentos de textos de valor moral e legislativo dos povos antigos orientais. Para continuarmos nossa descrição histórica de ordem cronológica dos fatos, citamos também os hititas, que estavam instalados no segundo milênio na região de Hatti, ao centro da atual Turquia asiática (região de Ankara). Cerca de 1800 anos antes de Cristo, na região de Ankara, formou-se na região um reino hitita – composto pela reunião de vários pequenos principados, do tipo feudal. Esse reino aumenta o seu poderio para se tornar, cerca de 1400 a 1300 a. C., um vasto império, assim como o Novo Império egípcio. Desaparece Unidade 1 33 Universidade do Sul de Santa Catarina cerca de 1200 a. C. após as grandes invasões dos povos do mar (fenícios, cretenses, pseudo gregos e pseudo macedônicos). No entanto, o reino hitita parece ter sido um elo entre os direitos mesopotâmicos e os direitos gregos. A partir de 1906, em Hattusas (atualmente Bogosköy, a cento e cinqüenta quilômetros de Ankara), foram descobertas mais de duas mil e quinhentas tabuinhas contendo atos jurídicos e, além disso, duas recolhas de textos jurídicos, que foram chamadas de Código Hitita, gravado em caracteres cuneiformes e datado do século XIV a. C. Direito não escrito, fundado nos costumes ou na prática. Essas recolhas contêm, por um lado, um conjunto de regras de origem consuetudinária, por outro lado, formulações relativamente abstratas de regras jurídicas, provavelmente proclamadas pelo rei. As recolhas dizem respeito sobretudo ao Direito Penal, sancionando os delitos contra a autoridade pública, contra as pessoas comuns e contra os bens (principalmente roubos); encontram‑se aí alguns artigos relativos ao Direito Privado, assim como o casamento. Protetorados e vassalagem eram formas de relações de poder e manutenção da terra entre soberanos e súditos desde a Antigüidade Oriental. 34 Foi igualmente encontrada em Hattusas a cópia de tratados internacionais: tratado de aliança com o Faraó Ramsés II (1270 a. C), tratados de protetorados e de vassalagem com os países dominados pelo poder hitita. Tratam‑se dos mais antigos atos da história do Direito Internacional. No conjunto, o Direito hitita é o de uma sociedade sobretudo agrícola, embora ainda fortemente feudalizada; parece mais arcaico que o da Babilônia na época de Hamurabi. História do Direito Síntese Desde a mais remota origem do homem, enquanto membro de um grupo social, fez‑se necessário o estabelecimento de regras de convivência como condição sine qua non para a preservação da espécie humana. A expressão dos comportamentos desejáveis e aceitos, ao longo da história, sempre teve como norte orientativo o contexto social, político e econômico vivenciado pelas civilizações. Geograficamente, as primeiras sociedades organizadas na Antigüidade Oriental, por conveniências inerentes à própria sobrevivência, habitavam, preferencialmente, as localidades que ficavam às margens dos rios, abundantes em recursos naturais, o que facilitava a principal atividade das pessoas no ramo agropastoril e na pesca, além de proporcionar a facilidade de transporte que culminou na principal fonte de renda com o comércio marítimo. Existiam, também, civilizações habitando localidades onde as facilidades da retirada de alimentos da natureza para o sustento de seus povos eram menos privilegiadas. Neste particular, faz-se referência, ainda na primeira seção desta unidade, a algumas das civilizações que fixaram seus convívios nas localidades de solos áridos e que tinham como principal fonte de sobrevivência a caça, a coleta e os espólios de guerra. Tal fato despertou e desenvolveu nesses povos habilidades para o manejo de armas, e, conseqüentemente, contribuiu com sua cultura no sentido que propiciaram habilidades para a prática da guerrilha e a formação de um comportamento nômade. Essa diferença de cultura de sobrevivência e de habilidades distintas para garantir a preservação dos povos de cada civilização implicou na necessidade de regulamentação de hábitos, costumes e tradições das pessoas. No contexto organizacional do trabalho, tinha‑se como prática a divisão deste em tarefas comunitárias em que os afazeres seguiam critérios de disciplina, resistência e capacidade como forma de distribuição adequada do labor às condições das pessoas que compunham cada comunidade. Essa realidade, para as principais Unidade 1 35 Universidade do Sul de Santa Catarina correntes de antropólogos, explica as raízes das relações de gênero desde os primórdios da Antigüidade Oriental. Ressaltam‑se, entre todas as sociedades da Antigüidade Oriental, a egípcia e a mesopotâmica, que por intermédio de diferentes civilizações tais como persas, hebreus e fenícios, tornaram‑se expoentes na arte da navegação, sendo esta última (fenícios) a responsável pela criação do alfabeto, que além de servir como fonte essencial para a construção de documentos necessários para as relações comerciais, depois de ser melhorado por gregos e romanos foi considerado por diversos historiadores como o maior legado dessa cultura. A arte de escrever passou a fazer parte de todas as civilizações, uma vez que ela lhes era útil no campo da religião, da política e da economia. Em se tratando de religião, vale o destaque para os hebreus, que viviam entre o Egito e a Mesopotâmia e que tiveram como característica marcante e original o monoteísmo, alicerçado no conjunto de princípios éticos que por sua característica patriarcal submetia a mulher a uma condenação perpétua de uma existência de segunda ordem. 36 História do Direito Atividades de auto‑avaliação 1) Em relação aos povos da Antigüidade, é correto afirmar que: a. ( ) os assírios foram submetidos por Nabucodonosor, originando o episódio conhecido por Cativeiro da Babilônia. b. ( ) os fenícios foram os criadores do alfabeto, posteriormente aperfeiçoado pelos gregos e latinos. c. ( ) os hebreus criaram um quadro religioso caracterizado pelo politeísmo e a mumificação. d. ( ) os egípcios estabeleceram, em 300 a. C, o importante Código de Hamurabi, um dos primeiros códigos jurídicos escritos. e. ( ) os persas, após derrotarem as tropas de Alexandre, conseguiram anexar o território grego ao seu império. 2) As civilizações da Antigüidade Oriental e Ocidental deixaram elementos culturais para as civilizações posteriores, alguns alcançando nossos dias. Correlacione os elementos da coluna B com os da coluna A, assinalando, posteriormente, a alternativa correta. COLUNA A COLUNA B 1. Egípcia ( ) alfabeto 2. Hebraica ( ) sistema de irrigação 3. Fenícia ( ) ciência jurídica 4. Grega ( ) filosofia 5. Romana ( ) monoteísmo a. ( ) 3, 1, 5, 4, 2. b. ( ) 4, 2, 1, 3, 5. c. ( ) 2, 5, 4, 1, 3. d. ( ) 1, 3, 2, 5, 4. e. ( ) 5, 2, 3, 4, 1. Unidade 1 37 Universidade do Sul de Santa Catarina 3) Examine as proposições abaixo e responda de acordo com o código que segue. I. A região que compreendia a Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates e atualmente parte do Iraque, foi habitada entre 5000 e 2000 a. C, por diferentes povos semitas, nos quais incluímos os sumérios. II. A cidade de Babel, capital do Império de Hamurabi, desenvolveu‑se e abrigou parte da civilização babilônica antes do nascimento de Cristo. III. Outro importante rei babilônico, em cujo império foram construídas grandes obras arquitetônicas, foi Nabucodonosor, que também viveu antes do nascimento de Cristo. a. ( b. ( c. ( d. ( e. ( ) Todas as proposições são verdadeiras. ) Todas as proposições são falsas. ) Apenas as proposições I e II são verdadeiras. ) Apenas as proposições I e III são verdadeiras. ) Apenas as proposições II e III são verdadeiras. 4) Assinale a alternativa que completa corretamente as lacunas As antigas civilizações orientais caracterizavam‑se pelo predomínio das concepções políticas ............................ e pelo caráter majoritariamente ...................................... de suas crenças religiosas. a. ( b. ( c. ( d. ( e. ( ) teocráticas e monoteísta ) democráticas e politeísta ) teocráticas e politeísta ) democráticas e monoteísta ) coletivistas e racionalista 5) Sobre a Mesopotâmia, importante região integrante do crescente fértil, é correto afirmar: 01) ( ) Era formada pelas terras situadas entre os rios Tigre e Eufrates, que desempenhavam na região papel semelhante ao rio Nilo no Egito. 02) ( ) Foi uma das primeiras regiões do mundo em que ocorreu a passagem da sociedade comunitária (sem classes) para a de classes sociais, formando o “modo de produção asiático” com exploração feita pelo governante divinizado sobre as comunidades aldeãs. 04) ( ) A primeira civilização a surgir na região foi a assíria, cujo enriquecimento se deu, basicamente, com as pacíficas atividades agropastoris. 08) ( ) Os caldeus ou neobabilônicos formaram o Segundo Império Babilônico, famoso pelos seus “jardins suspensos”. 16) ( ) Os egípcios, habitantes também da Mesopotâmia, desenvolviam técnicas agrícolas semelhantes aos demais povos do crescente fértil. Somatório final: ___ 38 História do Direito 6) Entre as importantes contribuições deixadas pelos fenícios para a civilização ocidental, podemos destacar: a) ( ) o desenvolvimento do alfabeto fonético e das técnicas de navegação. b) ( ) a construção de gigantescas obras hidráulicas para a prática da agricultura. c) ( ) a religião monoteísta, a escrita cuneiforme e a sociedade nômade e pastoril. d) ( ) a religião dualista, o regime político democrático e a escrita hieroglífica. e) ( ) a sociedade estamental, a economia de subsistência e o expansionismo militar. Saiba mais ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. AQUINO, Rubim Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; LOPES Oscar Guilherme Pahr Campos. História das sociedades. Das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. DEMO, Wilson. Manual de História do Direito. Florianópólis: OAB/SC, 2000. HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. São Paulo: Max Limonad, 2000. NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. TELES, Fídias. Filosofia para o século XXI. Erechim: São Cristóvão, 2003. Unidade 1 39 Universidade do Sul de Santa Catarina VENOSA, Sílvio de Salvo. Lineamentos de História do Direito. São Paulo: Atlas, 2004. VICENTINO, Cláudio. História geral. São Paulo: Scipione, 1997. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Assista também aos filmes: A Guerra do Fogo. De Jean‑Jacques Annaud, 1981. Os Dez Mandamentos. De Cecil B. de Mille. 1956, Paramount. Em Busca da Terra Prometida. De Alan Bates. 1994, Alpha Filmes/ Hallmarck. A Vila. De M. Night Shyamalan. 2005, Touchstone. 40 UNIDADE 2 Código de Hamurabi Objetivos de aprendizagem Conhecer as principais fontes do Direito babilônico. Identificar os fatores políticos que resultaram no nascimento do Império Babilônico. Compreender a necessidade da intervenção do Estado babilônico nas condutas sociais dos povos mesopotâmicos. Apresentar o grau de intervenção desse Estado na sociedade mesopotâmica, em especial, na sociedade babilônica. Seções de estudo Veja, a seguir, as seções que compõem esta unidade de aprendizagem. Seção 1 As civilizações mesopotâmicas sedentárias (civilização babilônica) Seção 2 A figura de Hamurabi Seção 3 O Código de Hamurabi Seção 4 O Código de Hamurabi e as questões de gênero 2 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, pretende‑se avaliar o nascimento do principal código de leis da Antigüidade Oriental, o Código de Hamurabi. Para tal, discutiremos acerca das civilizações mesopotâmicas, em especial, da civilização babilônica responsável por esta codificação de leis. Ainda será alvo desta unidade o estudo da sociedade que constituiu o 1º Império Babilônico e o governo do imperador Hamurabi, figura política que dá nome ao código de leis babilônico. É nesse contexto sociopolítico, com o advento do 1º Império Babilônico governado por Hamurabi, que dar‑se‑á o desenvolvimento de um modelo específico de legislação inspirado no homem como elemento jurídico. Este modelo de legislação convencionou‑se denominar de antropocêntrico; ou seja, apresenta o homem como seu principal objeto de estudo e inspiração. Ao lado do Código de Hamurabi, dezenas de outras legislações antigas orientais e ocidentais inspiraram‑se nessa relação, igualmente sendo classificadas como antropocêntricas: é o exemplo das legislações greco‑latinas (espartanas, atenienses e romanas), as quais terão destaque neste trabalho em unidades posteriores. Por hora, centremo‑nos na Babilônia da época de Hamurabi, na época do 1º Império Babilônico, por volta de 1850 a. C, para avaliarmos o nascimento das legislações antropocêntricas, em especial, o nascimento da legislação babilônica intitulada de Código de Hamurabi. 42 História do Direito Seção 1 – As civilizações mesopotâmicas sedentárias (civilização babilônica) Além das civilizações descritas anteriormente, a Mesopotâmia, sobretudo, abrigava uma das mais prósperas civilizações do médio oriente: a Babilônica. Antes de você estudar a respeito do Direito babilônico, convém ressaltar os modelos culturais e sociopolíticos que produziram a codificação das leis do povo babilônico, o que os historiadores especializados na História do Direito e das Instituições Jurídicas convencionaram denominar de legislações antropocêntricas, ou seja, aquelas que derivam propriamente do homem e são aplicadas pelo homem, visando a normatização das condutas humanas. Aqui encontram‑se ao lado do Código de Hamurabi as legislações greco‑latinas: legislações atenienses e espartanas na Grécia Antiga e o Direito romano. Estas legislações diferem‑se substancialmente daquelas denominadas teocêntricas. Chamamos de legislações teocêntricas aquelas ditas inspiradas por Deus ou por Ele confeccionadas. Dentre as principais legislações teocêntricas catalogadas pela história das ciências jurídicas, destacam‑se: a legislação mosaica ou Direito hebraico, a legislação islâmica ou Direito muçulmano, o Código de Manu ou Direito hindu e o Código de Osíris ou Direito egípicio. Será abordado, primeiramente, o contexto da história da civilização da Babilônia e sua ligação imediata com as diversas civilizações mesopotâmicas do Oriente Médio, as quais desenvolveram legislações do tipo antropocêntricas. Como utilizamos o método histórico de abordagem, obedecemos à cronologia histórica na descrição das sociedades da Antigüidade Clássica; assim, mesclou‑se a história das civilizações que adotaram legislações do tipo antropocêntricas com a de civilizações que adotaram legislações do tipo teocêntricas. Unidade 2 43 Universidade do Sul de Santa Catarina Conforme Aquino, Franco e Lopes (1980), os babilônicos, habitantes da Média Mesopotâmia vindos do deserto arábico e descendentes dos amoritas, haviam se estabelecido em uma povoação na Babilônia que, com o tempo, converteu‑se em importante centro comercial, devido à sua localização privilegiada. Naqueles tempos, na Babilônia convergiam muitas rotas comerciais do Oriente Próximo, garantindo o intercâmbio sociopolítico, cultural e econômico entre os diversos povos mesopotâmicos. Figura 2.1 ‑ Mapa da Mesopotâmia destacando a Babilônia Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 34. Entre os reis das dinastias amoritas destacou‑se Hamurabi. No reinado deste soberano, as cidades‑estados da Mesopotâmia foram reunidas sob uma autotutela central: formou‑se o Primeiro Império babilônico, que abrangeu toda a Mesopotâmia. Babilônia converte‑se, então, na principal cidade e, prova dessa ascendência, seu deus protetor, Marduque, foi elevado à categoria de divindade mais importante. 44 História do Direito As cidades mesopotâmicas passaram a ser administradas por governadores designados pelo rei. O comércio do Oriente Próximo obteve considerável desenvolvimento, tendo a Babilônia como pólo; os “emprestadores” de dinheiro se associaram ao rei e aos mercadores na realização das atividades comerciais. O Império Babilônico, durante a época de Hamurabi, foi um Estado despótico e centralizado administrativa, religiosa, lingüística e juridicamente. A centralização jurídica, na verdade a maior realização do governo de Hamurabi, foi possível devido à elaboração de um código de leis baseado em antigas leis sumerianas (Código de Dungi), sendo um dos mais antigos documentos jurídicos conhecidos; esse código foi denominado Código de Hamurabi. Figura 2.2 ‑ arte representativa do 1º Império Babilônico Fonte: MUSEU DO LOUVRE IN: SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005, p. 9 e 11. Unidade 2 45 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 – A figura de Hamurabi A grandeza do Código de Hamurabi é justificada pela biografia de seu organizador, o próprio Hamurabi foi o grande imperador do primeiro império babilônico. Vejamos um pouco de sua biografia. Saiba mais sobre Hamurabi Filho de Sin‑Mubalit (Sin vivifica), começou por retomar as cidades babilônicas incorporadas ao reino de Rim‑sin. Acabou por conquistar o reino inteiro. Dominou o sul e o norte da Caldéia, tomando o título de rei de Sumer e de Acad ou Agade (Akkad). Embelezou Babilônia, abriu canais a fim de evitar as cheias irregulares do Tigre e do Eufrates. Mandou construir numerosos templos. Consolidou o primeiro império babilônico, logrando ainda celebridade como legislador; outorgou um código de amplas proporções, que abrange leis civis, políticas, militares e comerciais, por meio das quais se pode apreciar, objetivamente, o progresso da civilização babilônica. O primeiro texto deste código foi encontrado numa estela ou coluna de diorito de 2,25 m (dois metros e vinte e cinco centímetros) de altura e de 1,90 m (um metro e noventa centímetros) de base. O texto está inscrito em 21 (vinte e uma) colunas horizontais, sob um baixo relevo do rei, em respeitosa atitude diante do deus Sol (Shamash), que lhe entrega as leis. Foi encontrado em Susa, no Elam, região vizinha da Caldéia em 1901‑02 (mil novecentos e um), e está hoje no Louvre, em Paris. O Código de Hamurabi representa, para sua época, um dos maiores monumentos jurídicos da antiguidade oriental. A tradição diz que o imperador se ocupava pessoalmente dos mais diversos assuntos e sua volumosa correspondência de Estado preservada em argila levou historiadores a exagerar‑lhe o papel, mas foi, sem dúvida, administrador competente, avisado e justo. (BARSA. São Paulo: Encyclopaedia Britannica Consultoria Editorial. 1995. v. 8, p. 467) 46 História do Direito Fruto da civilização babilônica, a qual adotava o modelo político sedentário anteriormente exposto, esse código tinha como objetivo regulamentar a vontade dos deuses babilônicos e caldeus, por intermédio de sua personificação na terra na figura do imperador. Hamurabi foi o grande responsável pelo sucesso do primeiro império babilônico, criando uma sociedade harmoniosa, economicamente desenvolvida, a qual prestava contas com o Estado por meio de uma série de impostos e tributações, os quais não eram sonegados em temor e respeito ao Código. Esse Código era baseado na lei bíblica do talião “olho por olho, dente por dente”; ou seja, o indivíduo estaria sujeito às sanções previstas na lei de acordo com os atos e comportamentos desencadeados em sua conduta delitiva. Seção 3 – O código de Hamurabi O Código de Hamurabi tornou‑se tão poderoso e eficaz que até os dias de hoje é mencionado em virtude de seu rigor e celeridade na aplicação das penas. É um dos mais antigos documentos jurídicos, composto de 282 artigos, gravados em um bloco de diorito negro de 2,25 metros de altura encontrado na Pérsia e que hoje pode ser observado no Museu do Louvre, em Paris. Unidade 2 47 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 2.3 ‑ Esta gravura, pintada à mão pelo artista holandês Maerten van Heemskerck, no século XVI, representa os jardins suspensos da Babilônia, criado pelo rei Nabucodonosor II por volta de 600 a.C. Fonte: Disponível em <www.historiadomundo.com.br/.../babilonia‑cidade/> Estão ali gravados dispositivos sobre todos os aspectos da vida da antiga Babilônia, desde família, propriedade, herança, até comércio, escravidão, cujos delitos são seguidos de punição conforme a categoria social do infrator e da vítima. Prevalece um sentido prático e casuístico nessa legislação. Assim, por exemplo, a penalidade aplicada a um juiz, verbis: Se um juiz julgou uma causa, deu uma sentença e mandou exarar um documento selado, mas depois alterou o seu julgamento: comprovarão contra esse juiz a alteração e ele pagará até 12 vezes a quantia que estava em questão no processo; além disso, fá‑lo‑ão levantar‑se do seu trono de juiz na assembléia e não tornará a sentar‑se com os juízes em um processo. (ALTAVILA, de Jayme. Origem dos direitos dos povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. p. 40). Nesse sentido, encontramos grande semelhança no Código Penal Brasileiro e outros, nos quais conforme a conduta delituosa praticada é estipulada uma pena, mantendo, é claro, as devidas proporções. 48 História do Direito Na época do imperador Hamurabi, a formulação e a aplicação das penas eram muito mais severas que as tidas atualmente em nosso ordenamento jurídico. Existia, pois, nesse tempo, um início de organização judiciária no qual, além dos juízes, encontravam‑se também delegados da justiça real, assessores, oficiais e escrivães. É bem verdade, que, a par de recorrer ao processo para solução das controvérsias, a legislação em foco admitia ainda o talião, não afastando a importância do juramento e do temor reverencial à divindade e o tormento como meio de prova. De acordo com Aquino: As penas iam variando de acordo com a categoria social do infrator ou da vítima. O Código protegia a propriedade privada e os interesses dos proprietários de escravos. Nota‑se que, com o desenvolvimento comercial, o escravo se tornou em um importante bem de troca. (AQUINO, Rubim S. L de; FRANCO, Denise de A.; LOPES, Oscar G. P. Campos, op. cit., p. 114). O intuito de Hamurabi era chegar a um julgamento condizente ao dano, ou melhor, chegar a uma justiça rápida e eficaz, de maneira que os métodos para essa solução poderiam passar também por práticas extremas ao corpo e à mente do acusado. Quanto aos escravos, estes raramente eram mortos. Existia a preocupação de não prejudicar o seu organismo, visto que eram tidos como bem e poderiam ser vendidos, trocados, transformados em valores, em crédito e as mutilações e mortes iam contra esses interesses. Não muito raro acontecer era um cidadão ser rebaixado à categoria de escravo por ter contraído dívida sem poder honrá‑la posteriormente. Existiam também os escravos por motivo de guerra. Cada povo sucumbido em uma nova invasão do Império Babilônico tornava‑se seu escravo. Unidade 2 49 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 2.4 ‑ Ilustração das camadas sociais do Primeiro Império babilônico Fonte: SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005, p. 28. Por sua rigidez e austeridade na aplicação, o Código de Hamurabi acabou por inibir as levas de invasões de povos inimigos sobre a Babilônia por muito tempo. Tal era a eficácia desse ordenamento jurídico que os persas e assírios, anos mais tarde, ao invadirem o império babilônico, tomaram posse desse mecanismo jurídico, incorporando a legislação aos seus códigos de leis nacionais. Analisemos, alguns assuntos tratados no Código de Hamurabi. Hamurabi exorta o juiz a ser imparcial. O falso testemunho era severamente castigado. Quando se acusava alguém de homicídio ou magia, o acusado deveria dar provas de sua inocência submetendo‑se à experiência da água (nesta prova o réu era atirado ao rio) e, se não sobrevivesse estaria cumprida sentença. Segundo as leis de Hamurabi, os ladrões e seus colaboradores pagariam seus feitos com a vida na maior parte dos casos, às vezes eram cortadas suas mãos e em outras era exigida uma indenização que não excederia 30 (trinta) vezes o valor dos bens roubados. Aquele que acusava falsamente alguém de haver participado em um roubo devia ser entregue à morte. Se alguém penetra com violência em uma casa, deve morrer e seu corpo ser enterrado no lugar da violência. 50 História do Direito Se uma casa está se incendiando e um dos que ajudam a apagar o incêndio olha com cobiça o que possui o proprietário da casa e toma alguma coisa para si, deve ser jogado ao fogo. Um soldado que não cumpre seu dever e retrocede diante do inimigo, devia ser condenado à morte, e aquele que o denuncia podia apropriar‑se da casa do covarde. No Direito sumério, o matrimônio era considerado, todavia, como a compra de uma mulher. Hamurabi disse ao ladrão de mulheres: Se um leva a filha de outro pela força, contra a vontade do pai e da mãe, e tem trato com a vítima, o ladrão deve ser condenado à morte por ordem dos deuses. A esposa que odeia seu marido e diz: Tu não és meu marido, deve ser lançada ao rio com pés e mãos amarrados ou ser jogada do alto da torre do recinto. A poligamia era tolerada até certo ponto: cada homem podia ter uma segunda esposa quando a primeira não lhe dava filhos. (VICENTINO, Cláudio. História geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 32) O Código de Hamurabi não visava, em um primeiro momento, a praticar a justiça, conforme conhecemos nos tempos contemporâneos; mas sim, visava a ser eficaz, procurando objetivamente inibir a delinqüência e efetivar a ordem pública por meio de um conjunto severo de penas. Além das questões específicas de gerenciamento e manutenção da ordem no Império Babilônico, esse código ainda tratava de questões pontuais do cotidiano do império; tais como: comércio de bens de consumo entre cidadãos do império e estrangeiros, escravidão por dívida e guerra, tributação sobre circulação de mercadorias, dentre outros. Um grande número de artigos tratava dos escravos e de seus direitos, compreendendo, inclusive, o de readquirir a própria liberdade. Isto porque os escravos não eram apenas recrutados entre os prisioneiros de guerra, mas obtidos também através de escravização por dívidas e outros delitos. Unidade 2 51 Universidade do Sul de Santa Catarina Os sacerdotes e comerciantes enriqueciam‑se com os empréstimos (em metal e cereal) feitos aos pequenos proprietários; caso o devedor não saldasse a dívida, o credor tinha o direito de convertê‑lo em escravo, tomando‑o a seu serviço por um prazo limitado. Na Babilônia havia um exército regular cujos guerreiros recebiam, como pagamento, pequenos lotes de terra. Nas épocas de guerra, os camponeses eram obrigados a prestar o serviço militar, o que os afastava da produção de alimentos. Essa circunstância acabava por arruiná‑los, levando‑os, muitas vezes, a contrair empréstimos que não podiam pagar, tornando‑se então, muitas vezes junto com a família, devedores escravizados, cujo número aumentava gradativamente. (AQUINO, Rubim S. L de; FRANCO, Denise de A.; LOPES, Oscar G. P. Campos. op. cit., p. 114). O Código de Hamurabi traçou a preocupação com os escravos, principalmente no tocante aos seus direitos, visto que muitos vinham da classe de cidadão babilônico, querendo restaurar a sua liberdade, não aceitando ficar como escravos pelo resto de suas vidas. Hamurabi assumiu a preocupação com o patrimônio e com a ordem social em primeiro lugar, mas também avalizou a questão social de uma retomada do escravo à posição anterior, passando novamente a cidadão, com a possibilidade de retomar a sua vida em família, visto que fora segregado dela em virtude da escravidão. Seção 4 – O código de Hamurabi e as relações de gênero O Código de Hamurabi, pelo seu rigor e celeridade na aplicação das penas, até os dias atuais tem destaque, e por muitos é estudado como o marco de uma legislação que pretendia “(...) fazer justiça na terra para eliminar o mau e perverso, para que o forte não oprima o fraco, para, como o sol, levantar‑se sobre os cabeças‑pretas e iluminar o país”. (DEMO, 2000, p. 167). Esse código inicia‑se com a apresentação da base de qualquer justiça: ‘se alguém acusa um outro, mas não pode prová‑lo, quem 52 História do Direito acusa será morto’. E ‘se alguém testemunha contra o acusado sem poder provar o que diz e se o acusado for condenado à morte, a testemunha perderá a vida’. Até o juiz que proferir uma sentença errada será ‘publicamente expulso de sua cadeira’. No Direito babilônico, o soberano aparece como um justiceiro que busca estabelecer a paz por meio de regulamento que caracteriza‑se pelo desejo de proteger os mais fracos: órfãos, padres, viúvas, pobres; garantindo a cada um o seu direito de liberdade. O contexto cultural que fomentou a elaboração das normas que compunham os códigos viu‑se desprovido da lembrança da mulher como ser de direito, mesmo estando ela durante toda a existência da vida na terra ao lado do homem como apoio importante nas suas mais diversificadas atividades produtivas. A figura feminina, quase sempre, só era lembrada quando o assunto eram os afazeres domésticos, suscitando questionamento como: Voltadas ao silêncio da reprodução materna e doméstica, na sombra da domesticidade que não merece ser quantificada nem narrada, terão mesmo as mulheres uma história?. O apego dos babilônios à justiça só se igualou ao seu apego à propriedade – o que era perfeitamente natural em uma cidade enriquecida à custa do domínio mercantil. Em Demo (2000, p. 188) encontram‑se alguns artigos a serem destacados. § 110 Se uma (sacerdotisa) naditum ou ugbabtum, que não mora em um convento, abriu uma taberna para beber cerveja, queimarão essa mulher. (p. 183). § 127 Se um awilum apontou o dedo contra uma (sacerdotisa) ugbatbum ou contra a esposa de um awilum e não comprovou, baterão nesse homem diante dos juízes e rasparão a metade (de sua cabeça). (p. 186). § 142 Se uma mulher tomou aversão a seu esposo e disse‑lhe: “tu não terás relações comigo” seu caso será examinado em seu distrito. Se ela se guarda e não tem falta e seu marido é um saidor e a despreza muito, essa mulher não tem culpa, ela tomará seu dote e irá para casa de seu pai. Unidade 2 53 Universidade do Sul de Santa Catarina A pensão alimentícia possui raízes culturais advindas no Direito desde os tempos primórdios. É bem verdade que ao longo dos tempos essa questão cultural vem passando por ajustes demandados pela realidade socioeconômica vivida e conquistada pelas mulheres. Ou seja, no código de Hamurabi “O homem que repudia sua mulher fica obrigado a sustentá‑la (...)”. (DE CICCO, 2006, p. 7) Na realidade brasileira, reportando ao antigo Código Civil de 1916, a mulher fazia jus a esse instituto quando na separação judicial ela não havia dado causa à sua separação. Já no atual Código Civil, constata‑se uma evolução mais significativa, condizente com o que existe de fato estabelecido na realidade de igualdade entre homens e mulheres instituída pela Constituição Federal de 1988. Hoje, a pensão alimentícia é um direito mútuo e recíproco entre os casais. Com o passar do tempo, as revoltas internas e as invasões estrangeiras (hititas) desorganizaram a vida econômica da Babilônia, levando à ruína os camponeses e à destruição da rede de canais de irrigação em virtude das diversas lutas que foram enfraquecendo o Estado na época dos sucessores de Hamurabi. 54 Figura 2.8 ‑ Ilustração acerca da queda do Primeiro Império babilônico e criação do Império Assírio Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral.São Paulo: Scipione, 1997, p. 34. História do Direito Por volta de 1800 a. C., tribos cassitas invadiram e conquistaram a Babilônia, introduzindo o uso do carro de guerra com tração de cavalos e permanecendo no país até cerca de 1200 a. C., quando os assírios os subjugaram, dando um fim ao respeitado império babilônico. Síntese Nesta segunda unidade, coube destacar o advento do modelo de legislação antropocêntrica, exemplificada por meio do Código de Hamurabi, que se configura como um dos mais antigos textos legais e pretendia fazer a justiça dos homens na terra dos homens. Inspirado na Lei de Talião, enfatizava a máxima “olho por olho, dente por dente”. Na concepção de muitos juristas, é tido como o marco jurídico mais importante da antigüidade, antes de Roma. Esse código, trazia em seu contexto julgamentos de Direito e ensinamentos em que se mostravam caminhos a serem seguidos pelos juízes. Seus ditames quase sempre começavam pela expressão latina si quis (se alguém...) situando a formulação a meio caminho entre o concreto e o abstrato. Também demonstrava o poderio econômico invejável da Mesopotâmia, graças a sua organização e localização geográfica privilegiada. Neste contexto dá‑se destaque para a cidade‑estado da Babilônia, na época do soberano Hamurabi, imperador do Primeiro Império babilônico, o qual por meio de regras de convívio social buscava, em tese, proteger os mais fracos e garantir o direito de liberdade de todos. Na Mesopotâmia figuravam, ainda, outros povos de origem sedentária, os quais também viviam da atividade agropastoril e cultivavam o espírito religioso politeísta. Destes figuram os assírios, que faziam valer os direitos que julgavam ser seus pela violência, uma das principais características desse povo, sendo que assim intimidavam os povos vizinhos mesopotâmicos. Unidade 2 55 Universidade do Sul de Santa Catarina O advento do Primeiro Império babilônico governado pelo imperador Hamurabi e o desenvolvimento da legislação babilônica intitulada de Código de Hamurabi não só normatizou a vida da sociedade babilônica, bem como inibiu consideravelmente levas de invasões de povos violentos sobre o solo babilônico, a exemplo dos próprios assírios. Atividades de auto‑avaliação 1) De acordo com os conhecimentos adiquiridos nesta unidade, disserte acerca das principais diferenças entre as legislações antropocêntricas e as teocêntricas. 56 História do Direito 2) Por que podemos dizer que o Código de Hamurabi não pretendia praticar justiça nos moldes contemporâneos? Justifique a sua resposta. 3) De que forma o Código de Hamurabi estabelecia as relações de gênero na sociedade babilônica? Justifique a sua resposta. Unidade 2 57 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. AQUINO, Rubim Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; LOPES Oscar Guilherme Pahr Campos. História das sociedades. Das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. DEMO, Wilson. Manual de História do Direito. Florianópólis: OAB/SC, 2000. HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. TELES, Fídias. Filosofia para o século XXI. Erechim: São Cristóvão, 2003. TELES, Fídias. A construção antropológica do terceiro milênio. Curitiba: Nosde, 1997. VENOSA, Sílvio de Salvo. Lineamentos de História do Direito. São Paulo: Atlas, 2004. VICENTINO, Cláudio. História geral. São Paulo: Scipione, 1997. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 58 UNIDADE 3 Legislação Mosaica Objetivos de aprendizagem Conhecer as principais fontes do direito hebraico. Entender a importância da crença, da confissão de fé, do culto e dos dogmas religiosos na construção da identidade cultural de um povo e do conjunto de suas normas e seus códigos de leis. Avaliar o grau de intervenção do Estado hebraico nas condutas sociais dos povos locais (hebreus, cananeus e filisteus). Seções de estudo Veja, a seguir, as seções que compõem esta unidade de aprendizagem. Seção 1 Origem histórica da civilização hebraica Seção 2 Períodos da história política dos hebreus Seção 3 Aspectos religiosos da Legislação Mosaica Seção 4 Aspectos jurídicos do código hebraico Seção 5 Fontes do Direito hebraico Seção 6 O Direito hebreu e as relações de gênero 3 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, o estudo da história do Direito avaliará a importância do instituto da religião na normalização de condutas sociais. Para tal, reconstruiremos a sociedade hebraica dos tempos do Antigo Testamento bíblico, enfatizando o discurso religioso monoteísta a serviço do Estado palestino na construção da Legislação Mosaica de caráter teocêntrico. É conveniente ressaltar que, embora seja feito uso de diversas passagens bíblicas do Antigo Testamento, em momento algum o autor preocupou‑se em estabelecer qualquer proselitismo religioso ou dogmático, mas tão somente reportou‑se a essas passagens por entender ser indispensável para a compreensão da legislação de caráter teocêntrico em análise. É interessante que você contextualize a Legislação Mosaica de caráter teocêntrico às legislações seculares contemporâneas que adotam um forte discurso religioso como pano de fundo para intervirem com maior propriedade nas condutas sociais. Nesta unidade, ainda, você conhecerá as relações de gênero a partir da justificativa religiosa de subordinação da mulher à autoridade do homem, bem como entender a importância da crença, da confissão de fé, do culto e dos dogmas religiosos na construção da identidade cultural de um povo e do conjunto de suas normas e seus códigos de leis. Seção 1 – Origem histórica da civilização hebraica Outra grande civilização da história universal é, sem dúvida, a hebraica, responsável pela denominada Legislação Mosaica, vinculada à figura de Moisés. A civilização hebraica desenvolveu‑se na antiga Palestina, correspondendo a uma região cercada pela Síria, pela Fenícia e pelos desertos da Arábia. Seu território era cortado pelo rio Jordão, cujo vale constituía a área 60 História do Direito mais fértil e favorável à prática agrícola e ao sedentarismo de sua população. O restante da Palestina, ao contrário, era formado por colinas e montanhas, de solo pobre e seco e ocupado por grupos de nômades dedicados ao pastoreio. Os hebreus, de origem semita, desenvolveram uma civilização nômade‑pastoril, tendo como traço mais original o monoteísmo, alicerçado no conjunto de princípios éticos. Alguns autores consideram ser o monoteísmo o maior tributo dos hebreus, uma vez que o contexto cultural que os circundava era de povos com espiritualidade marcada pelo politeísmo. Os textos sagrados foram reunidos em vários livros, que constituíram a Bíblia, vocábulo de origem grega chamada de “uma coleção de livros”. Nesse contexto, todas essas civilizações tiveram em comum o processo da arte de escrever, útil para a religião, a política e a economia. O arqueólogo Jean‑Marie Pesez enfatizou no trabalho organizado pelos historiadores Jacques Le Goff, Roger Chartier e Jacques Revet intitulado A nova história, a seguinte tese: Um outro debate surge imediatamente: a presença ou ausência de documentos escritos chega para criar um corte entre pré‑história e história? Certas pinturas rupestres (de valor pictográfico) não são já uma escrita? E que pensar de muitas das sociedades (históricas) ou de camadas sociais que não deixaram praticamente textos e cuja reconstrução se opera a partir de observações arqueológicas? Na visão total de uma sociedade, o texto não é senão um meio de informação (por vezes suspeito, aliás) e qualquer dado, mesmo que seja pequeno, não seria omitido. Felizmente as abordagens atuais tentam ultrapassar estas barreiras artificiais. (Fonte: PESEZ, Jean‑Marie. A história da cultura material. In: LE GOFF, Jacques; CHARTIER, Roger; REVEL, Jacques. A nova história. Coimbra: Almedina, 1990, p. 519) Unidade 3 61 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 3.1 ‑ Mapa da região do atual estado de Israel (antiga região de Canaã – Palestina) FONTE: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 42. Para melhor compreensão do direito hebreu, é fundamental conhecer a história do povo hebraico, também designado ascendentes dos judeus e dos israelitas. Conforme ensina a Bíblia, os judeus são descendentes do patriarca Abraão, o qual recebeu a determinação de Deus para conduzir os hebreus até Canaã, a “terra prometida”, hoje Israel. Os hebreus teriam sido levados por Jacó, neto de Abraão, para o Egito, onde viveram por muitos séculos, conservando sua cultura, seu idioma e as tradições religiosas. Corvéias significa trabalho gratuito que era devido pelo camponês ao senhor do feudo ou ao Estado. No Estado egípcio, importantes cargos foram ocupados por alguns hebreus, dentre eles José, o qual foi ministro do faraó. Por volta de 1580 a. C., o desejo dos egípcios em aumentar o poder do Estado fez com que o povo hebreu pagasse impostos mais pesados, fosse submetido a corvéias e escravização, transformando o Egito em um cativeiro. Após três séculos de tirania, os hebreus fugiram para o deserto, fuga chamada de “Êxodo”, liderada por Moisés. Deus entregou a Moisés, no Monte Sinai, as duas placas de pedra que eram as tábuas da lei, em que estavam escritos os Dez Mandamentos. Conforme a Bíblia, os hebreus retornaram à Cananéia e defrontaram‑se com os povos cananeus e os filisteus que lá viviam. Davi, moço hebreu, derrotou o gigante Golias com uma pedrada. Quando adulto, foi rei e grandiosamente entrou na cidade de Jerusalém, que se tornou a capital de Israel. Salomão ocupou o trono após a sua morte. Foi considerado um período virtuoso, em que os comerciantes negociavam com os fenícios e os egípcios. 62 História do Direito Salomão foi considerado um rei justo e sábio, mas muitas pessoas não o viam como um rei nobre, porque também aumentou os impostos para a construção do grande “Templo de Jerusalém”. Após sua morte, começa uma demorada fase de obstáculos, em que o povo se rebelou devido ao excesso de cobrança de tributos, levando o reino a dividir‑se em duas partes: no norte, o reino de Israel, no sul, o reino de Judá; a partir daí, então, os hebreus passaram a ser chamados também de judeus. Os judeus, no decorrer do período, por volta de 600 a. C., caíram sob o poder dos assírios, de neobabilônicos, que tomaram posse do Império Assírio. Em 586 a. C., Nabucodonosor, rei babilônico, ordenou que o Templo de Jerusalém fosse destruído. A Bíblia, em II Reis 25:7, relata que Nabucodonosor “ordenou que degolasse os filhos de Zedequias na sua frente, vazando‑lhe os olhos e algemado, foi levado para a Babilônia”. Rei de Judá. Em 539 a. C. os persas tomaram a Babilônia e os judeus que lá estavam puderam voltar para Cananéia. Os romanos, séculos mais tarde, dominaram os judeus. É importante salientar que em nenhum momento da historiografia hebraica há alguma descrição ou documento que tenha contribuição ou privilegie o papel da mulher na sociedade hebraica. Muito pelo contrário, a mulher em todo o período histórico do povo hebreu sempre surge como subalterna em relação ao homem, como sua serva e auxiliadora nas variadas situações. De acordo com Demo (2000, p. 28), no Direito hebreu, pelas citações bíblicas, o pátrio poder pertence aos homens, portanto, “As mulheres herdavam, quando não existissem filhos homens”. Unidade 3 63 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 – Períodos da história política dos hebreus A partir deste momento, você estudará as especificidades e os principais aspectos da história hebraica distribuindo‑a em fases ou períodos distintos. A história da civilização hebraica compreende três momentos distintos: patriarcado, juizado e reinado. O período denominado de patriarcado correspondeu à fase política da história dos hebreus em que os poderes legislativo, jurídico, sacerdotal e político‑administrativo encontravam‑se concentrados nas mãos de um único patriarca, escolhido na visão popular pelo próprio Deus Jeová ou Yavéh. Podemos citar, dentre os principais patriarcas hebraicos: Abraão, Isaac, Jacó, José e Moisés. Eles foram responsáveis pela base do Direito hebraico, transmitido pelo próprio Deus a estas pessoas. O ramo do direito hebraico mais conhecido é o chamado de Direito Mosaico, ligado à história bíblica dos Dez Mandamentos. O período denominado de juizado correspondeu, na fase política da história dos hebreus, a um período no qual um conjunto de homens sábios, anciãos respeitados pelo povo hebreu por sua maturidade e sabedoria política, jurídica e, acima de tudo, religiosa, governaram e guiaram o povo hebreu durante o período bíblico de peregrinação pelo deserto em direção à “terra prometida” – Canaã ou Palestina, após o episódio do Êxodo. Os juízes hebraicos foram aqueles sábios homens levantados por Deus na história da civilização hebraica para substituírem os patriarcas e guiarem o povo de volta para a Palestina (Canaã). Eram homens de idade mais avançada, os quais deduzia‑se serem possuidores de grande sabedoria e maturidade para interferirem e darem cabo às decisões públicas. Porém, o que se verificou foi justamente o inverso. O juizado foi o período mais obscuro e confuso da história dos hebreus, causando verdadeiros infortúnios na legislação e aplicação das leis hebraicas. 64 História do Direito Dentre os principais juízes, podemos destacar as personalidades bíblicas de Gideão, Sansão e Samuel. O período denominado de reinado correspondeu à última fase da história política dos hebreus. Foi um período marcado por uma série de conquistas na ordem político‑administrativa, bem como na esfera jurídica. Figura 3.2 – Muro das Lamentações Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 42. É conveniente destacar que a grande contribuição do Direito Mosaico para a formação de outros importantes códigos de leis universais reside na cristianização das futuras leis ocidentais, tomando por base a legislação hebraica, como percebemos no Direito romano a partir do Imperador Teodósio, por volta do ano 395, por meio do Édito de Tessalônica. Para reforçar este estudo, faz‑se necessário nos reportarmos aos primórdios do século XIV a. C., quando a civilização hebraica vivenciava o episódio bíblico do Êxodo (fuga do povo hebreu da escravidão egípcia durante o governo do faraó Ranmesés II). É nesse contexto que se dava a administração hebraica do patriarca Moisés, responsável, dentre tantos episódios narrados no Antigo Testamento bíblico, pelo desenvolvimento dos Dez Mandamentos (Decálogo ou Legislação Mosaica). Unidade 3 65 Universidade do Sul de Santa Catarina Os hebreus viveram por muito tempo associados ao Estado egípcio até que, frente a uma política xenófoba dos faraós, acabaram sendo escravizados. A resistência hebraica à escravização encontrou força na identidade religiosa monoteísta. Para poderem se libertar da opressão egípcia os hebreus empreenderam o Êxodo, liderados por Moisés, e, após percorrerem o deserto durante quarenta anos, retornaram à Palestina. Durante a permanência no deserto, conforme conta a Bíblia, Moisés recebeu de Deus, no monte Sinai, os Dez Mandamentos, conjunto de determinações para a vida que os hebreus deveriam seguir. Desta forma, Moisés avançava na unidade e coesão do povo israelita, acrescentando à sua chefia religiosa, política e militar, a autoridade jurídica. Com Josué, sucessor de Moisés, os hebreus conseguiram alcançar a Palestina, reavivando as antigas disputas territoriais da região. (Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 40.) Seção 3 – Aspectos religiosos da Legislação Mosaica Podemos observar que a religião foi ponto crucial para o desenvolvimento do ordenamento jurídico para os hebreus, principalmente pelo fato de que eles viveram por quarenta anos no deserto na condição de povo sem nação. Nesse momento, a religião se tornou fonte de coesão social, possibilitando que os líderes hebraicos ditassem normas de boa convivência entre os próprios hebreus e entre estes com os estrangeiros, buscando sempre a união do povo na esperança de alcançar a terra prometida. Moisés já sabia que se seu povo não estivesse unido em um só ideal e organizado dentro de determinadas regras (inclui‑se as jurídicas, que foram de grande valia), o seu povo jamais seria vitorioso em seu ideal maior. O fator de risco que se apresentava a cada dia era a incerteza dessa coesão, que precisava ser contrabalanceada por normas que, além de sancionadoras, ecoassem sentido de índole na moral e na fé de cada hebreu. 66 História do Direito Figura 3.3 – Ilustração da cultura hebraica na época da escravidão hebraica em solo egípcio. Fonte: SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005. p. 15. Estes diversos acontecimentos levaram o povo israelita, ao longo de sua evolução histórica, a fazer da religião um importante fundamento de coesão nacional. Desde o início, a originalidade de Israel consiste em integrar, mais do que qualquer outro povo, a moral na sua lei, e esta na sua religião: entre os israelitas, o teólogo está inteiramente ligado ao legista e ao moralista. Deste modo, a evolução da Lei apresenta necessariamente, o reflexo da organização social, bem como das reações, suscitadas pelas transformações. A evolução realizou‑se de fato com este povo e o conjunto das prescrições divinas que constituem a Lei (Torá) é formado por diversas contribuições, tais como as influências estrangeiras, principalmente babilônicas, a influência da organização tribal. Os casamentos exteriores permaneceram interditos; ou, da mesma forma, continuou condenado entre compatriotas, o empréstimo a juros; ou ainda, a escravatura de um estrangeiro era ilimitada, ao passo que a de um israelita deveria chegar ao fim, no máximo no começo do sétimo ano. (Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 40.) Unidade 3 67 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 4 – Aspectos jurídicos do código hebraico Analisando brevemente certos trechos do código hebraico, podemos destacar uma série de tópicos jurídicos catalogados e classificados pela ciência jurídica contemporânea. Citamos aqui, como exemplo, a presença de passagens que se referem nitidamente a certos conceitos jurídicos contemporâneos, tais como: justiça, direito internacional, normas processuais, limites de propriedades, direito do trabalho, direito constitucional, direito penal, dentre outros. Porém, essa aproximação conceitual é apenas aparente. Dentro das análises históricas do direito deve-se ter uma nítida a distância entre conceitos aparentemente semelhantes. É o que Antonio Manuel Hespanha (2005) caracteriza como o conflito entre continuidade terminológica e ruptura semântica. Apesar de se poder verificar a existência de conceitos iguais durante a análise historiográfica do direito, o significado das palavras (nas suas diferentes ocorrências históricas) está intimamente ligado aos diferentes contextos, sociais ou textuais, de cada ocorrência: o sentido é eminentemente local, relacional. Ex.: conceito de família na Roma antiga não tem o mesmo significado que família, hoje em dia, apesar de possuir a mesma terminologia. Quanto à justiça, Moisés estabeleceu a lei para todos, quando diz aos juízes que julguem dentre todos, discriminando entre os irmãos e os estrangeiros (os irmãos seriam aqueles que o seguiam); quando diz que tanto o pequeno quanto o grande devem ser ouvidos da mesma forma perante o juiz, ou seja, de forma imparcial; também prega a justiça e autoridade quando diz para não temer ninguém, pois só Deus tem o juízo das coisas e, se alguém agir de forma errada perante o juiz, com Deus prestará contas, devendo assim o juiz agir sempre com autoridade e sem medo de represálias. A sede da justiça deveria se estabelecer em diversos foros. Quando Moisés diz que onde tiverem portas, juízes e oficiais Deus o porá. Esta é uma aliança que Deus faz com Moisés para que este possa guiar o povo no deserto e para manter a coesão social até a terra prometida. 68 História do Direito Moisés estabeleceu a lei para todos: ‑ E no mesmo tempo mandei a vossos juízes, dizendo: ‑ Ouvi a causa entre vossos irmãos e julguei justamente entre o homem e seu irmão e entre o estrangeiro que está com ele. Não atentareis para pessoa alguma em juízo, ouvireis assim o pequeno como o grande: não temereis a face de ninguém, porque o juízo é de Deus; porém a causa que vos for difícil, fareis vir a mim e eu a ouvirei. Juízes e oficiais porás em todas as tuas portas que o Senhor teu Deus te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça. Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem tomarás peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos. A justiça, a justiça seguirás; para que vivas e possuas a terra que te dará o senhor teu Deus. E que gente há tão grande, que tenha estatutos e juízes tão justos como toda esta lei que hoje dou perante vós? (Fonte: ALTAVILA, 2000, p.25) Moisés, por ser ancião, sábio e líder, consegue fazer com que seu povo obedeça aos Dez Mandamentos, de forma alguma constrangedora, pois além de serem leis para os hebreus, os Dez Mandamentos são um código para a vida de cada um e reflete a própria história e cultura desse povo. Quanto aos dispositivos de direito internacional, a legislação mosaica insere diversos incisos sobre a situação do estrangeiro, sobre a paz e a guerra; vejamos alguns deles. Há a preocupação de Moisés com o estrangeiro, pois seu povo foi estrangeiro no Egito e foi escravizado, fato este que não condiz com os ideais de Moisés para com o seu povo: Pelo que amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiro na terra do Egito. Quando sitiares uma cidade por muitos dias, pelejando contra ela para a tomar, não destruirás o seu arvoredo, metendo nela o machado, porque dele comerás: pelo que não o cortarás (pois o arvoredo do campo é mantimento do homem) para que sirva de tranqueira diante de ti. Não abominarás o edumeu, pois é teu irmão: nem abominarás o egípcio, pois estrangeiro foste em sua terra. Não perverterás o direito do estrangeiro e do órfão, nem tomarás em penhor a roupa da viúva. (Fonte: ALTAVILA, 2000, p.26) Unidade 3 69 Universidade do Sul de Santa Catarina Moisés alerta o seu povo para ser prudente nas invasões, pois ele mesmo sentiu a dor de permanecer anos, até a sua morte no deserto, sem a terra para estabelecer sua nação. Quanto às normas processuais, Moisés estabelece normas de conduta para que o processo se estabeleça de forma tranqüila e pacífica e para que seu povo não se divida em brigas ou permita que um estrangeiro venha e cause desordem com um povo já tão sofrido com as intempéries do deserto. Para ilustrar isto, extraímos um de seus pensamentos: “Então inquirirás e informar‑te‑ás e com diligência perguntarás” (ALTAVILA, 2000, p. 26), ressaltando a importância do processo antes de uma decisão, evitando, assim, uma sentença injusta e um falso juízo de valor. Com Moisés, já existia a idéia do princípio do devido processo legal. Ninguém poderia ser tomado como culpado sem antes ser questionado acerca da verdade dos fatos. O acusado já possuía o direito da ampla defesa, podendo chamar duas ou mais pessoas para testemunhar em seu favor, além de procurar esclarecer os fatos narrados conforme a sua versão. Figura 3.4 – Ilustração do livro hebraico da lei de Moisés (Legislação Mosaica) escrito à mão na Alemanha no começo do século XIV. Observe o alfabeto hebraico. Fonte: SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005. p. 15. Quanto aos princípios de direito constitucional, Moisés segue o princípio da nacionalidade, visto que não admitia um estrangeiro governando seu povo, tão pouco permitiria que seu povo voltasse ao Egito, seja por qual motivo fosse, temendo a escravidão e o cativeiro. Vejamos alguns de seus princípios: 70 História do Direito Moisés firma princípios nacionalistas, porém como os seus soberanos recebiam a investidura de Jeová, não foi preciso incluir nela um artigo previdente e concreto como este, das leis de Sólon: ‑Homem desmoralizado não poderá governar. Determina o direito mosaico: ‑ Porás certamente sobre ti como rei aquele que escolher o Senhor teu Deus: dentre teus irmãos porás sobre ti: não poderás pôr homem estranho sobre ti, que não seja de teus irmãos. ‑ Porém não multiplicarás para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito, para multiplicar cavalos; pois o Senhor vos tem dito: ‑ Nunca mais voltarás por este caminho. ‑ Tampouco para si multiplicarás mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem prata, nem ouro multiplicará muito para si. ‑ Será também que quando assentar sobre o trono de seu reino, então escreverá para si um translado desta lei num livro, do que está diante dos sacerdotes. (Fonte: ALTAVILA, 2000, p.26) Moisés faz orientações para o futuro, para que, quando seu povo viesse a se estabelecer em um reinado, seguisse suas orientações e que fizesse cópias desses livros escritos por ele e os pusessem na presença dos sacerdotes, ou seja: para que os sacerdotes fizessem uso e pregassem o seu evangelho. Esses sacerdotes eram pessoas que desempenhariam a função de juízes – posição que só os sábios e anciãos poderiam ocupar. Quanto à prova testemunhal, como meio de produção de provas, já estava presente no Decálogo (Lei de Moisés) e muito antes do Digesto romano estabelecer o seu capítulo De testibus que In ore duorum vel trium testium stabit omne verbum (os depoimentos de duas ou três testemunhas fazem prova perfeita), Moisés já havia despertado preocupação com a questão testemunhal. Uma só testemunha contra ninguém se levantará contra qualquer iniquidade, por qualquer pecado, seja qual for o pecado que pecasse: pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três testemunhas, se estabelecerá o negócio. (Fonte: ALTAVILA, 2000, p.29) Unidade 3 71 Universidade do Sul de Santa Catarina Nesse aspecto, Moisés procurou evitar as mentiras, os exageros e até as calúnias, injúrias e difamações, além do falso testemunho de uma pessoa para com a outra. Quando duas ou mais pessoas alegassem algo sobre alguém é que poderiam ser levados em conta aqueles depoimentos. Quando o fato era narrado por apenas uma pessoa, não poderia ser considerado. Este aspecto do processo ou inquirição da verdade dos fatos fazia com que a presença da testemunha fosse de grande valia no momento da produção das provas. Quanto ao falso testemunho, este passa a ser mais uma conduta condenada por Moisés e, sendo assim, estabeleceu a forma de como a testemunha deveria ser inquirida, para que ao final se alcançasse a verdade dos fatos e não uma simples represália contra aquela pessoa suspeita como forma de resposta ao anseio do ofendido. Além deste aspecto, conseguiu‑se chegar à própria condenação da testemunha ou não, conforme o andamento desse meio de prova, que a princípio parece muito mais moral que penal, no momento em que alguém é investigado sobre uma mentira ou alteração no sentido dos fatos. Tal punição deveria vir como uma forma de orientação da conduta, um ensinamento para com o seu irmão, o seu semelhante, para que ele não voltasse a cometer aquele mal, no caso, o falso testemunho. O legislador do Sinai exarou estes judiciosos princípios: ‑ Quando se levantar testemunha falsa contra alguém, para testificar contra ele acerca do desvio. ‑ Então aqueles dois homens que tiverem a demanda, se apresentarão perante o Senhor, diante dos sacerdotes e dos juízes que houver naquele dia; ‑ E os juízes bem inquirirão; e eis que sendo a testemunha falsa, que testificou falsidade contra seu irmão, ‑ Far‑lhe‑eis como cuidou fazer a seu irmão: e assim tirarás o mal do meio de ti. (Fonte: ALTAVILA, 2000, p.29) O falso testemunho deveria ser punido, conforme os ensinamentos de Moisés. Aqueles que alegassem algum fato 72 História do Direito deveriam se apresentar perante Deus, os sacerdotes e os juízes, para então se dar início à apuração da presença ou não do falso testemunho. Para que este processo tivesse validade deveria ser respeitada esta forma, não podendo o depoente se apresentar somente perante uma dessas figuras (Deus, sacerdotes ou juízes). Quanto às penalidades, nem sempre os textos exprimem com exatidão a intenção do legislador da lei primitiva. É preciso que se penetre no sentido legal da antigüidade para se compreender bem a aplicação das penas. Sabemos que Moisés precisava reprimir os instintos primitivos de sua gente, na preservação de seu Estado, cercado que estava de inimigos externos; fato importante a se ressaltar é que o Talião não se aplicava a todos os casos delituosos. A legítima defesa e o homicídio involuntário eram reconhecidos no seu direito e a pena não passava da pessoa do criminoso. Daí a necessidade de lermos com a devida atenção estes incisos: ‑ O teu olho não poupará: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé. ‑ Quando houver contenda entre alguém e vierem ao juízo, para que os julguem, ao justo justificarão e ao injusto condenarão. ‑ E será que se o injusto merecer açoites o juiz o fará deitar e o fará açoitar diante de si, quando bastar pela sua injustiça, por certa conta. ‑ Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais: cada qual morrerá pelo seu pecado. (Fonte: ALTAVILA, 2000, p.30) As penalidades não deveriam passar da pessoa do criminoso. Não poderiam membros da família, amigos, dentre outros, pagarem por crimes de outra pessoa; fato este que usualmente ocorria em diferentes ordenamentos jurídicos de outros povos. Existia a preocupação da existência de um processo, para que se ouvissem as partes e para que se apurassem os fatos, em que os justos poderiam se justificar e os injustos serem localizados e condenados. Unidade 3 73 Universidade do Sul de Santa Catarina A Legislação Mosaica era semelhante ao Talião, em que o castigo ou a pena deveria ser igual ou proporcional ao dano causado. Diante do que foi exposto até este momento a respeito da Legislação Mosaica ou Direito hebraico, fica evidente a origem religiosa deste direito. De acordo com o princípio divino‑jurídico, o direito é dado por Deus ao povo. Assim se estabelece uma aliança entre Deus e o povo que Ele escolheu – os hebreus. Desta forma, o direito é desde logo imutável, ou seja, somente o próprio Deus pode modificar. Seção 5 – Fontes do Direito hebraico De acordo com John Gilissen, dentre as principais fontes do Direito hebraico (Legislação Mosaica ou Decálogo), podemos destacar: a Bíblia, a Lei oral – Michna, Guémara e Talmude, bem como as codificações medievais e modernas. Por intermédio de Moisés e o advento dos Dez Mandamentos, a ordem se estabelece e as leis de convivência no deserto se tornam mais claras e coesas, unificando o povo hebreu. Direito religioso, o direito hebraico está em grande medida confundido com a religião, cujas fontes estão contidas nas escrituras, isto é, na Bíblia, no livro da Aliança de Deus com o povo. (Fonte: GILISSEN, 2001, p. 67) No momento em que Moisés recebe de Deus o Decálogo, como ele próprio afirmou, passa a possuir um documento escrito e riquíssimo de orientações para o seu povo. É por meio dessas escrituras religiosas, mas que são também as fontes do Direito hebraico, que na época Moisés consegue orientar o seu povo acerca da Aliança que Deus quer estabelecer com eles. 74 História do Direito Quanto à Bíblia, podemos dizer que ela é um livro sagrado que contém a lei revelada por Deus aos israelitas. Está dividida de tal forma que em sua parte pré‑cristã, isto é, no Antigo Testamento, há três grupos de livros: o Pentateuco, os Profetas e os Hagiógrafos. Pentateuco Quanto ao Pentateuco, entende‑se corresponder aos cinco primeiros livros contidos na Bíblia. São eles: o Gênesis, que compreende a criação e a vida dos patriarcas; o Êxodo, que narra a estadia no Egito e volta a Canaã; o Levítico, que é o livro de prescrições religiosas e culturais; os Números, que tratam, sobretudo, da organização da força material; e o Deuteronômio, que é uma codificação de antigos costumes, tendendo à manutenção do monoteísmo. Nele há também disposições que interessam ao Direito público e ao Direito familiar. Figura 3.5 – Versão antiga da Bíblia, escrita em grego há mais de 1.600 anos. Fonte: Disponível em <http://mlouvor.wordpress.com/2008/07/24/ versao‑mais‑antiga‑da‑biblia‑esta‑diponivel‑na‑web/ > Esses livros narram a história do povo de Israel, desde a criação do mundo, incluindo o período do dilúvio e dos patriarcas, até o Êxodo do Egito, a jornada pelo deserto e a entrega da Lei no Monte Sinai. Unidade 3 75 Universidade do Sul de Santa Catarina O Pentateuco tem para os Judeus o nome de Thora, quer dizer, “a Lei escrita revelada por Deus”. A Lei é atribuída, segundo a tradição judia, a Moisés, donde vem a sua denominação usual de Lei de Moisés ou os Cinco Livros de Moisés. Na Bíblia, o direito é concebido como origem divina: Deus é a última fonte de sanção de toda a regra de comportamento; todo o crime é pecado, pelo qual a comunidade é responsável perante Deus e não perante um governo humano. Vedas é o conjunto de evangelhos milenares hindus. Na Bíblia, assim como nos Vedas ou no Corão, as prescrições jurídicas, morais e religiosas estão confundidas. Corão é o evangelho sagrado islâmico pregado por Maomé em meados da Idade Média (século VII). Existem algumas partes do Pentateuco cujo conteúdo corresponde mais especialmente às matérias que hoje chamamos jurídicas. Estes textos são considerados as fontes formais do direito hebraico. (Fonte: GILISSEN, 2001, p. 68) Continuando nosso estudo da tripartição do Antigo Testamento: para analisarmos sua influência no processo jurídico, passamos do Pentateuco aos Profetas e Escritos. Profetas Quanto aos Profetas, estes livros dizem respeito, sobretudo, à história e estão divididos em dois grupos principais de escrituras: os Profetas Anteriores (Josué, Juízes, Samuel 1 e 2 e Reis 1 e 2), que contam a história do povo de Israel, da passagem pelo rio Jordão e a conquista de Canaã, por meio da ascensão e queda dos reinos israelitas, até sua derrota e exílio nas mãos dos assírios e babilônios. Os Profetas Posteriores incluem os oráculos, os ensinamentos sociais, as condenações amargas e as expectativas messiânicas de um diversificado grupo de indivíduos inspirados, abrangendo período de cerca de trezentos e cinqüenta anos. 76 História do Direito Hagiógrafos ou Escritos Quanto aos Hagiógrafos ou Escritos, são considerados pelos estudiosos como uma coleção de homilias, provérbios e salmos, que representam, sobretudo, costumes, instituições e a devoção do israelita comum e sua reflexão. Na maior parte dos casos, são extremamente difíceis de serem relacionados a quaisquer acontecimentos históricos ou a autores. São produto de um processo ininterrupto de composição que se estende por centenas de anos. Embora as partes mais antigas nessa coleção ‑ os Salmos e as Lamentações ‑ possam ter sido reunidas nos últimos períodos monárquicos, ou logo depois da destruição de Jerusalém, a maioria dos escritos foi composta bem mais tarde, por volta do século V ao II a. C., nos períodos persa e helenístico. Quanto ao Decálogo ou Dez Mandamentos, são também fontes do Direito mosaico e estão inseridos na Bíblia. Segundo a tradição, teriam sido ditados a Moisés no Monte Sinai por Jeová e pode ser conhecido em duas versões, uma no Êxodo (XX, 2‑17) e outra no Deuteronômio (V, 6‑18). O Decálogo contém prescrições de caráter moral, religioso e jurídico gerais, redigidas sob formas de máximas imperativas muito curtas, tais como: “Tu não matarás”, “Tu não levantarás falso testemunho contra o teu próximo”. São os Dez Mandamentos, conhecidos por todo cristão, que influenciaram e influenciam vários povos ainda na atualidade. No Código Penal Brasileiro em vigor, por exemplo, temos o artigo referente ao homicídio, que tem como um de seus fundamentos históricos o “não matarás” dos hebreus e dos Dez Mandamentos. Unidade 3 77 Universidade do Sul de Santa Catarina O Código da Aliança contém prescrições religiosas, regras relativas ao direito penal, à reparação dos danos, dentre outros assuntos de caráter religioso e jurídico. Quanto ao Código da Aliança, este documento pode ser encontrado no Êxodo, texto bíblico cuja autoria é atribuída ao hebreu Moisés, o qual foi criado no Egito como príncipe egípcio e herdou o conhecimento clássico das legislações do norte da África, adaptando‑as à realidade palestina. Além da influência egípcia, a Legislação Mosaica assemelha‑se às legislações cuneiformes mesopotâmicas e hititas, assim como ao Código de Hamurabi, considerado uma das principais legislações cuneiformes da história universal. Quanto ao Código Sacerdotal, conhecido também por Lei da Santidade, pode ser encontrado no Levítico – texto bíblico que descreve o ritual dos sacrifícios e da sagração dos padres. Nele encontram‑se também disposições importantes sobre o casamento e o direito penal. No tocante à lei oral e à Michna, antes precisamos fazer algumas considerações acerca da Thorá para melhor compreensão. Sendo assim, para Gilissen, a Thorá conservou uma autoridade considerável, mesmo nos nossos dias. Qualquer interpretação do Direito hebraico apóia‑se em um versículo da Bíblia, mas foi necessário adaptá‑la à evolução da sociedade hebraica, o que foi feito pelos sacerdotes, chamados rabinos, comentadores da lei escrita. Esses comentários, interpretações e adaptações formaram a lei oral que, segundo a tradição judia, são tão antigas quanto as leis escritas. A lei oral desenvolveu‑se entre a volta do cativeiro da Babilônia em 515 a. C e a diáspora no ano 70 da era cristã, pois na sua volta para a Judéia, os Hebreus tiveram que se adaptar a novos modos de vida para o qual o velho Direito público não era suficiente. Os Rabi (mestres) alargaram e desenvolveram a Thora por meio de um importante trabalho doutrinal, de caráter exegético, incorporando também tradições e costumes novos. Essa atividade do Rabi é comparada a dos jurisconsultos romanos da mesma época que também se esforçaram por adaptar um direito arcaico a uma sociedade em rápida evolução. (Fonte: GILISSEN, 2001, p. 69) 78 História do Direito Esclarece ainda Gilissen que no começo do século III da nossa era, o rabino Rabi Yerouda Hanassi, chefe espiritual da comunidade judaica na Palestina, procedeu uma nova redação da lei oral em uma obra denominada Michna, que significa ensino. Esta obra não é um código de leis que apresenta a matéria jurídica de forma metódica. A Michna é uma recolha relativamente confusa de opiniões dos rabinos sobre matérias religiosas e jurídicas. Nela, a opinião da minoria é mencionada ao lado da opinião da maioria dos sábios. Uma das partes da Michna, chamada Das Mulheres (Seder Naschime), trata do casamento, do divórcio e de outros problemas de relações entre esposos. Quanto à Guémara e ao Talmude, são escritos derivados da Michna, comentados e interpretados, para tentar adaptar o seu conteúdo aos avanços e às mudanças sociais. A Michna foi, por sua vez, comentada e interpretada por numerosos rabinos dos séculos III, IV e V, uns trabalhando na Palestina sob a dominação romana, outros na Babilônia. Os comentários chamados Guémera (isto é, ensino tradicional), cedo se transformaram mais abundantes que o texto da Michna em si mesma. (Fonte: GILISSEN, 2001, p. 69) No que podemos abstrair da citação acima, a Gémara acabou por deixar a Michna confusa, no tocante aos seus fundamentos religiosos, haja vista que os exemplos dados eram tão variados acabando por propiciar interpretações muito diferentes, levando ao desconforto os seus seguidores. Em função de um esforço de sistematização, foram agrupados Michna e Guémara no Talmude (estudo), inicialmente em Jerusalém, depois na Babilônia, na mesma época da grande codificação romana de Justiniano (Código de Justiniano ou Corpus Júris Civilis por volta do início do século VI da era cristã). Ainda de acordo com Gilissen, o Talmude da Babilônia, mais completo e mais claro que o da Palestina, prevaleceu finalmente no judaísmo compreendendo não somente uma massa imensa Unidade 3 79 Universidade do Sul de Santa Catarina de textos jurídicos e religiosos (explicações da lei), mas também numerosos textos que dizem respeito à história, medicina, astronomia e às ciências em geral. O Talmude, estando comentado, carecia de uma síntese, de uma sistematização. Nas palavras de Gilissen (2000, p. 70): “assemelhava‑se mais a uma enciclopédia que a um código”. Esses esforços de codificação foram feitos em diversas regiões da Europa em que se desenvolveu a ciência talúdica. A primeira importante codificação foi feita na Espanha por volta da segunda metade do século XII, a qual chegou a expor metodicamente as matérias relativas à teologia, à ética, ao direito e à ciência política. A codificação definitiva, o Código de Caro, permaneceu como Código rabínico civil e religioso da Diáspora, continuando até hoje a reger numerosos judeus que vivem fora de Israel. Nesse momento, faz‑se necessária uma pausa para refletirmos acerca da questão das principais fontes do Direito hebraico. A partir do conteúdo apresentado, podemos assim descrever: a Bíblia – formada pelo Pentateuco, os Profetas e os Hagiógrafos; o Decálogo; o Código da Aliança; o Código Sacerdotal; a Lei Oral e a Michna; a Guémara e o Talmude. O Decálogo, o Código da Aliança e o Código sacerdotal estão inseridos na Bíblia; enquanto que a Lei Oral, a Michna, a Guemara e o Talmude, embora não inseridos no evangelho sagrado, também têm alguma ligação com a Bíblia, pois seus escritos vêm da mesma raiz hebraica. Assim sendo, podemos 80 História do Direito concluir que a Bíblia, além de ser uma importante fonte do Direito hebraico comportando em si a base para os demais códigos de leis, destaca‑se como alicerce para toda uma corrente jurídica apresentada como Direito mosaico. Seção 6 – O Direito hebreu e as relações de gênero Os hebreus, que tinham como características marcantes o fato de serem nômades e terem crença em um único Deus, tinham as questões ligadas aos seus direitos influenciadas pela crença religiosa. E essa influência se estende também às relações de gênero. A sociedade hebraica subordina a mulher à autoridade do homem tendo a Legislação Mosaica como principal instrumento para este feito. No entanto, a mulher ao mesmo tempo em que possui uma condição de inferioridade em relação ao homem, no tocante às questões familiares (“A família firmava‑se sobre a base patriarcal, e o casamento poligâmico era permitido”. DEMO, 2000, p. 27) e de propriedade, por sua vez, obtinham da mesma religião o direito de exercer profissões de destaque. Figura 3.6 – Relações de gênero Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 140. Unidade 3 81 Universidade do Sul de Santa Catarina As mulheres, a despeito de relativa inferioridade jurídica em relação aos homens, em especial no tocante aos aspectos de aquisição de propriedade e casamento, por força da condição religiosa do Direito, conseguem exercer atividades influentes como de juízas ou profetisas, conforme nos refere o texto bíblico (DEMO, 2000, p. 25). Observando os diversos períodos ou fases da história política dos hebreus (Patriarcado, Juizado e Reinado), em nenhum destes momentos, na historiografia hebraica, encontra‑se uma descrição que privilegie o papel da mulher nessa sociedade; pelo contrário, a mulher, em todos os anais da história hebraica, sempre aparece descrita como subalterna ao homem, como sua serva e auxiliadora nas mais diversas questões. No Direito hebreu, pelas citações bíblicas, o pátrio poder pertence aos homens, a mulher somente tem direito se não existir filho homem. Assim sendo, “As mulheres herdavam, quando não existissem filhos homens” (DEMO, 2000, p. 28). Síntese Para compreendermos o universo hebraico das relações de gênero, faz‑se necessário mergulharmos sutilmente na história da civilização hebraica. A característica marcante desta civilização foi o monoteísmo. Enquanto os outros povos da Antigüidade eram politeístas, os hebreus acreditavam em um único Deus, que teria criado todas as coisas a partir do nada. O nome do Deus hebraico era impronunciável, mas é costume referir‑se a Ele como Javé ou YAVHE. Os hebreus acreditavam que Deus havia feito uma aliança com eles: se fossem obedientes aos Seus mandamentos e O louvassem, seriam protegidos, mas se fossem desobedientes, Deus os castigaria. De qualquer modo, a aliança entre os hebreus e Deus estava selada para sempre. 82 História do Direito Os ensinamentos de Deus foram postos no livro sagrado dos hebreus, que é a primeira parte da Bíblia, o chamado –“Antigo Testamento”, especialmente a Thorá (que os cristãos chamavam de Pentateuco). Os heróis bíblicos, como Abraão, Moisés, Davi, Sansão e Noé, eram todos hebreus. De acordo com a Bíblia, os hebreus descendem do patriarca Abraão. Foi ele quem recebeu a orientação de Deus para levar os hebreus para a “terra prometida”, Canaã (onde hoje está Israel). Jacó, neto de Abraão, teria levado os hebreus para o Egito. Durante séculos, a comunidade hebraica viveu razoavelmente no Egito. Absorveram alguns aspectos da cultura local, mas não perderam o idioma hebraico nem as tradições religiosas. Alguns hebreus tiveram cargos importantes no Estado egípcio, como José, que foi ministro do faraó. Mas, por volta de 1580 a. C., a situação mudou. Os egípcios queriam aumentar o poder do Estado e passaram a exigir demais dos hebreus. Com impostos pesados, corvéias, escravização, o Egito havia se tornado um cativeiro. Depois de três séculos de opressão, os hebreus fugiram para o deserto. A fuga (chamada de Êxodo) foi liderada por Moisés (Moshe). No Monte Sinai, Deus entregou a Moisés as duas placas de pedra que eram as tábuas da lei. Nelas, estavam escritos os Dez Mandamentos (Decálogo ou Legislação Mosaica). Ainda de acordo com a Bíblia, os hebreus voltaram a Cananéia (Canaã ou Palestina) e tiveram que enfrentar os povos que viviam lá, como os cananeus e os filisteus. O jovem hebreu Davi derrotou o filisteu Golias com uma pedrada. Quando adulto, Davi tornou‑se rei, venceu inúmeras batalhas e entrou vitorioso na cidade de Jerusalém, que se tornou a capital do Reino Hebraico. Depois da morte de Davi, o trono foi ocupado por Salomão. Foi uma época próspera. Os comerciantes hebreus faziam negócios com os fenícios e os egípcios. Salomão foi tido como um rei sábio e justo. Entretanto, talvez seus súditos não o vissem com tantas qualidades, porque Salomão aumentou os impostos para construir o grande Templo de Jerusalém. Depois de sua morte, houve uma revolta popular contra o excesso de tributos, o que teria levado à divisão do reino em duas partes: no Norte, o reino de Israel, no Sul, o reino de Judá. É por isto que os hebreus, a partir desse momento, passaram a ser chamados de israelitas e de judeus. Unidade 3 83 Universidade do Sul de Santa Catarina Começava um longo período de dificuldades. Ao longo dos séculos, os judeus caíram sob o domínio seguido de assírios (cerca de 600 a. C.), de neobabilônios, que tomaram o Império assírio. O rei babilônio Nabucodonosor mandou destruir o Templo de Jerusalém (586 a. C.). A Bíblia afirma que Nabucodonosor “mandou degolar os filhos de Zedequias (rei de Judá) na presença dele, furou‑lhe os olhos, algemou‑o e conduziu‑o para a Babilônia” (II Reis 25:7). Finalmente, em 539 a. C., a Babilônia foi tomada pelos persas e os judeus que estavam lá puderam retomar a Cananéia. Séculos mais tarde, os judeus foram dominados pelos romanos. Em nenhum desses momentos históricos, na historiografia hebraica, encontra‑se uma descrição que privilegie o papel da mulher na sociedade hebraica; pelo contrário, ela em todos os anais da história hebraica sempre aparece descrita como subalterna ao homem, como sua serva e auxiliadora nas mais diversas questões. Atividades de auto‑avaliação 1) A Páscoa, na cultura do povo hebreu, está relacionada com: a. ( ) a conquista de Canaã, a Terra Prometida, após o Cativeiro dos Hebreus na Babilônia. b. ( ) a unificação do Reino de Israel após o conturbado período gerado pelo Cisma das 12 Tribos Hebraicas. c. ( ) a sucessão de Davi, como Rei dos Hebreus, após a conquista de Jerusalém aos cananeus; d. ( ) a resistência imposta pelos judeus, após a anexação da Judéia por Roma. e. ( ) o Êxodo, inicialmente liderado por Moisés, após a permanência de mais de 400 anos dos hebreus no Egito. 2) A principal contribuição dos hebreus para a civilização ocidental foi: a. ( ) a organização política. b. ( ) o monoteísmo religioso. c. ( ) a grande obra literária mitológica. d. ( ) o desenvolvimento artístico e cultural. e. ( ) o conhecimento científico e tecnológico. 84 História do Direito 3) Dentre as afirmações abaixo relacionadas, está(ão) correta(s): I ‑ O Pentateuco é o conjunto de temas místicos, morais e de glorificações ao Senhor. II ‑ O Livro de Gênesis, depois de narrar a origem do mundo, relata, entre outros aspectos, a história do dilúvio. III ‑ O Êxodo, parte do Pentateuco, relata a saída dos hebreus do Egito, sob a liderança de Moisés. a. ( ) Somente a afirmação I é correta. b. ( ) Somente a afirmação II é correta. c. ( ) Somente a afirmação III é correta. d. ( ) somente as afirmações I e II são corretas. e. ( ) somente as afirmações II e III são corretas. 4) Explique por que o povo hebreu emigrou para o Egito? Em que condições tomaram o caminho de volta e finalmente se instalaram na Palestina? Unidade 3 85 Universidade do Sul de Santa Catarina 5) Por que podemos dizer que a religião monoteísta correspondeu na condição necessária para o desenvolvimento do ordenamento jurídico hebraico? Justifique a sua resposta. 6) De que forma o patriarca Moisés instituiu o princípio processualístico do Direito no Decálogo hebraico? Justifique a sua resposta. 7) Como a Legislação Mosaica tratava a questão jurídica da prova testemunhal no processo jurídico? 86 História do Direito 8) Por que podemos afirmar que a Legislação Mosaica, embora seja considerada um exemplo nítido de uma legislação teocêntrica, de fato corresponde, pelo menos em parte, a uma legislação antropocêntrica? Justifique a sua resposta. 9) Comente acerca das principais fontes do Direito hebraico. Unidade 3 87 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais Indicações de leituras: ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. AQUINO, Rubim Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; LOPES Oscar Guilherme Pahr Campos. História das sociedades. Das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. DEMO, Wilson. Manual de História do Direito. Florianópólis: OAB/SC Editora, 2000. HEILBRONER, Robert. A História do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1996. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. São Paulo: Max Limonad, 2000. NUNES, Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. TELES, Fídias. Filosofia para o século XXI. Erechim: São Cristóvão, 2003. VENOSA, Sílvio de Salvo. Lineamentos de História do Direito. São Paulo: Atlas, 2004. VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 2. ed. rev. e amp. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. Indicações de filmes: José – Patriarca dos Hebreus. De Milos Forman, 1990. Hallmarck. Histórias da Bíblia. De Charlton Heston, 1995. Vídeo Print, Editora Abril. 88 UNIDADE 4 Direito grego: legislações atenienses e espartanas Objetivos de aprendizagem Entender o surgimento das pólis (cidades‑estado gregas). Compreender a estrutura político‑administrativa das pólis gregas. Compreender as diferenças sociopolíticas, culturais e econômicas das pólis gregas (em especial, Esparta e Atenas). Conhecer o direito instituído nas principais pólis gregas (Esparta e Atenas). Seções de estudo Veja, a seguir, as seções que compõem esta unidade de aprendizagem. Seção 1 A origem histórica dos povos indo‑europeus Seção 2 A pólis grega: Esparta Seção 3 A educação espartana Seção 4 A pólis grega: Atenas Seção 5 Ostracismo Seção 6 Escravidão Seção 7 As relações de gênero Seção 8 Os legisladores espartanos e atenienses Seção 9 Direito comparado (a influência da Filosofia) Seção 10 As fontes do Direito grego Seção 11 As formas de resolução de controvérsia no Direito grego Seção 12 A Filosofia a serviço do Direito Seção 13 O legado grego 4 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, você estudará acerca do nascimento das primeiras sociedades de caráter tipicamente antropocêntrico, as chamadas civilizações ocidentais, em especial a civilização grega. Neste contexto, dar‑se‑á ênfase na história política da Grécia a partir do nascimento das pólis (cidades‑estado gregas), em especial de Esparta e Atenas. Você observará o nascimento de um conjunto de legislações ditas gregas, porém, que variam de acordo com a pólis que representam. Destas será dada ênfase às legislações espartanas e atenienses, as quais inspiraram e serviram de base para a construção das principais legislações da Antigüidade Ocidental. Seção 1 – A origem histórica dos povos indo‑europeus Para facilitar o estudo das legislações atenienses e espartanas que integram o Direito grego, faz‑se necessário reportar primeiro à história geral da civilização grega e pontuar a evolução de suas instituições políticas, sociais e jurídicas ao longo dos tempos históricos. Os gregos resultaram do encontro de diversos povos, atingindo o auge entre 2000 a. C. e 1600 a. C., tendo sua primeira influência vindo da chamada civilização cretense, que se desenvolveu na ilha de Creta, sul da atual Grécia. 90 História do Direito Figura 4.1 ‑ Mapa da Grécia Antiga Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 60. Por volta de 1900 a. C., a região onde hoje se encontra a Grécia foi diversas vezes tomada por povos que vinham da Ásia. Os guerreiros aqueus, que fundaram a poderosa cidade de Micenas, eram cobertos com pesadas armaduras de bronze e os elmos decorados com dentes de javali. Em 1450 a. C., os micênios conquistaram e terminaram de destruir a cidade de Creta, que grande parte já havia sido arrasada por um terremoto. Isto fez com que os micênios agregassem valores culturais cretenses. Micenas estava envolta por grandes muralhas e nas oficinas do palácio real chegaram a agrupar‑se 400 artesãos que fabricavam com cobre e bronze. Os navios faziam comércio com o Egito, a Mesopotâmia e com o povo da Itália. Possivelmente, os navegadores mercadores tenham entrado na cidade de Tróia e atacado. O comércio do Mar Negro era controlado por Tróia. Unidade 4 As ruínas da cidade de Tróia ficam na atual Turquia. 91 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 4.2 ‑ Mapa da colonização grega Pelos idos de 1200 a. C., a civilização micênica decaiu, os palácios foram abandonados, a escrita foi esquecida, nenhum prédio foi construído. Isto aconteceu devido à chegada de outros povos guerreiros, conhecidos como “povos do mar”, em especial os dórios, que não sabiam escrever, mas tinham conhecimento das armas de ferro, superiores ao bronze micênico. Figura 4.3 ‑ Mapa da colonização grega (Invasões) Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 62. Do século XII a. C. até o século VIII a. C., tem‑se o período chamado “Idade das Trevas”, devido à existência de poucos indícios arqueológicos, e os historiadores pouco saberem a 92 História do Direito respeito. Nessa época foram formados os alicerces da civilização grega, que não se baseava em reis e palácios, mas sim em camponeses guerreiros, permanecendo o contato com outros povos. Os comerciantes fenícios transmitiram seu alfabeto a partir do século X a. C., inspirando o alfabeto grego. Figura 4.4 ‑ Alfabeto grego Fonte: SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005. p. 33. Por volta dos séculos VIII a. C. e V a. C., na costa do mar Mediterrâneo, os gregos fundaram colônias, pois não viviam apenas onde está situado o país da Grécia. Essas colônias eram cidades gregas que protegiam a população, as quais necessitavam das terras para a sobrevivência e eram autônomas, não deviam nenhuma obrigação para outras cidades. Em geral, eram cidades‑estado, isto é, com o próprio governo e modo de viver. O exército anteriormente era formado por nobres, os únicos que tinham condições de pagar pelas armaduras e pelos cavalos. As batalhas eram baseadas no combate individual. No século VIII a. C., o desenvolvimento da tecnologia criou a conveniência de fabricar armas mais eficientes e baratas. Com isto, os pobres tiveram a chance de se integrar às tropas, trazendo a grande mudança: os soldados gregos passaram a formar falanges, ou seja, caminhavam lado a lado, em linha, como um imenso ouriço de lanças e escudos. Esses soldados de infantaria de armadura pesada foram chamados de hoplitas. Unidade 4 93 Universidade do Sul de Santa Catarina As vitórias dependiam da união e da disciplina em conjunto: cada soldado comum se sentia igualmente responsável pelas conquistas. Quando os hoplitas retornavam aos lares, achavam‑se no direito de exigir mudanças na forma de governo e de organização da sociedade. A revolução hoplita foi um dos princípios do regime de participação política dos cidadãos em suas comunidades para a formação das cidades‑estado. Figura 4.5 ‑ Mapa das pólis gregas. Fonte: <picasaweb.google.com> Acessado em 01/09/2008. Percebe‑se que a expressão política deriva de pólis, porque para os cidadãos da pólis, a atividade política era considerada a mais célebre, uma vez que atingia a vida de toda a sociedade. 94 Na Grécia, portanto, não havia capital nem governo único. No país não havia um poder centralizado; a base da sociedade grega consistia na cidade‑estado, chamada também de pólis. Cada cidade‑estado era autônoma, possuía seu próprio governo, tinha suas próprias leis. Nas cidades estavam localizados as lojas, os teatros e os locais onde os cidadãos se reunião em assembléias para debater assuntos políticos. Nas assembléias, os oradores, podiam argumentar e usar fascinantes palavras para convencer, podiam ser admirados, odiados ou imitados. Por isto Aristóteles, filósofo grego, afirmou que “o homem é um animal político”. História do Direito Figura 4.6 ‑ Acrópole de Atenas. Fonte: <http://www.notapositiva.com/trab_professores/textos_apoio/historia/mundohelenico2. jpg > Acessado em 01/09/2008. A cidade normalmente era rodeada por casas de camponeses, pastos e campos cultivados. Esparta e Atenas eram consideradas as cidades mais ricas e influentes. Tebas e Corintos foram as cidades‑estado que mais se destacaram. Na próxima seção vamos adentrar com maior propriedade na história das instituições jurídicas gregas, em especial daquelas edificadas em torno das duas principais cidades‑estado (pólis) gregas: Atenas e Esparta. Unidade 4 95 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 – A pólis grega: Esparta Esparta, também denominada de Lacedemônia, não possuía grandes edifícios, mas tinha o controle das cidades vizinhas e era considerada um caso especial de cidade‑estado. A aristocracia era a classe dominante em Esparta. Entre o povo havia igualdade e, para registrar essa igualdade, as refeições eram feitas em conjunto: todos possuíam lotes de terra, que eram cultivados pelos servos. Era um povo guerreiro, não tinha luxo nem se vangloriava. Figura 4.7 ‑ Estátua em mármore de um guerreiro espartano. Fonte: Disponível em <www.colegiosaofrancisco.com.br/.../esparta.php> Esparta tinha como regime político a oligarquia, que em grego significa “poder de poucos”. Dois reis pertencentes às famílias mais célebres e elevadas governavam, comandavam os exércitos e lideravam os cultos religiosos. Havia ao lado deles a gerúsia, uma assembléia de anciãos, com mais de sessenta anos, sendo que a maioria dos homens morria antes dos 50 anos. Os cidadãos eram apenas os do sexo masculino e com mais de trinta anos, e das famílias de esparciatas. A única atividade pública e honrada dos esparciatas era a militar, ou seja, desde criança até a idade avançada se dedicavam ao treinamento no exército. Os periecos, que eram homens livres, moravam próximos à cidade, trabalhavam no comércio e no artesanato, tinham que 96 História do Direito pagar impostos para a elite esparciata. Em posição inferior encontravam‑se os servos hilotas. Não eram escravos, mas também não eram livres. Eram obrigados a trabalhar nas terras de propriedade dos esparciatas e entregar de graça uma parte do que produziam. O espartano que castigava ou matava um hilota por qualquer motivo que fosse não era punido nem castigado. Os hilotas descontentes se rebelavam. Essas rebeliões dos servos hilotas levaram os espartanos a desenvolverem os exércitos para oprimi‑los. No século VII a. C., em uma dessas manifestações, os rebeldes (hilotas) se esconderam no alto da montanha. Ao anoitecer, procuraram dormir para descansar (na antigüidade, à noite não havia combate por causa da falta de luz). Veio uma grande tempestade e, com a claridade dos relâmpagos, os caminhos ficavam iluminados para as tropas espartanas que estavam subindo. Após três dias de batalha, os hilotas se renderam. Como não foram massacrados, foram libertados com a condição de abandonarem a região da Messina, ou seja, não teriam a condição de escravos. Figura 4.8 ‑ Ilustração da atividade militar espartana. Fonte: SCHMIDT, 2005, p. 24. A grande característica da sociedade de Esparta era a vida militar. A classe dominante formava as mais temerosas falanges de hoplitas de toda a Grécia. Caminhavam de forma comprimida, ao som de flautas e cantos de guerra como se fosse um grandioso porco espinho com couro e espetos de bronze e de ferro. Devido à dedicação aos exercícios militares, na maior parte de sua história, os espartanos se sobressaíram como guerreiros. Unidade 4 97 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 3 – A educação espartana A destinação da educação espartana era formar guerreiros. Aos sete anos de idade, os meninos eram afastados de suas mães e ficavam nas escolas até os 18 anos. Sua aprendizagem era voltada para a ginástica, os esportes, as corridas, as lutas usando o corpo, o lançamento de dardos, ler, escrever e manejar armas. O processo de ensino era muito rigoroso, ou seja, apanhavam, tomavam banho gelado, recebiam pouca comida, ficavam nus até nos dias frios. Os objetivos principais eram de suportar a capacidade da dor física, a habilidade militar e a disciplina. Era dado esse tratamento para que ficassem resistentes como o ferro. Figura 4.9 ‑ Prato espartano século VI a. C Fonte: SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005. p. 26. No entanto, as meninas espartanas recebiam educação em escolas especializadas para mulheres, faziam ginástica, aprendiam música, a ler e escrever e a costurar e o objetivo maior era formar boas mães para a cidade. 98 História do Direito Seção 4 – A pólis grega: Atenas Figura 4.10 ‑ Atenas SCHMIDT, Mário. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005. p. 27. Atenas, cidade‑estado da região da Ática, ficou notável por duas características: pela vida cultural e pelo regime político democrático. A cidade ateniense era rival da cidade espartana. As terras aos arredores de Atenas não eram tão férteis quanto de Esparta, mesmo assim, plantava‑se, nas encostas das colinas, oliveiras e uvas para fazer azeite e vinho e exportavam pelos navios que saíam do porto do Pireu. Transportavam muitas mercadorias pelos navios e traziam muitas novidades de todos os povos com quem faziam comércio. As habilidades, as técnicas, as idéias, as novidades dos outros povos circulavam livremente pela cidade e, em conseqüência disto, Atenas desenvolveu uma admirável progressão intelectual. Unidade 4 99 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 4.11 – Localização de Atenas Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 67. Durante muito tempo, a cidade foi dominada pelos aristocratas proprietários de terras, chamados de eupátridas, que em grego significa “bem nascidos”. Eles eram os únicos que governavam a cidade. As pequenas propriedades rurais dos camponeses pobres ficavam menores ainda quando eram divididas entre os filhos, pois não tinham dinheiro para comprar novas terras. Por este motivo, pediam dinheiro ou sementes emprestadas aos aristocratas e tinham um prazo para pagar. Muitas vezes, não conseguiam pagar a dívida no tempo determinado, então, eram obrigados a entregar a pequena e única propriedade para o credor. Quando a dívida era grande demais, o único modo de saldar era a venda da própria liberdade. Isto fez com que muitos camponeses pobres se tornassem escravos para pagar suas dívidas, fazendo com que levassem uma vida de muito sofrimento. 100 História do Direito Figura 4.12 ‑ Ilustração das camadas sociais atenienses Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 73. O descontentamento dos camponeses pobres foi se alastrando e, insatisfeitos, revoltaram‑se contra a aristocracia. Em 620 a. C., aconteceu a primeira experiência de tranqüilizar os rebeldes, quando se estabeleceram as leis draconianas. As leis draconianas tinham uma característica democrática, porque antes qualquer ofensa era respondida com a vingança da família. Quando isto acontecia, as famílias deviam levar suas reclamações para um tribunal, isto é, a justiça deixava de ser decidida de forma privada e tornava‑se um assunto público. Você já observou que os advogados, atualmente, utilizam a expressão “lei draconiana” para mencionar uma lei muito severa? Em 594 a. C., Sólon promoveu importantes reformas sociais, dando um grande avanço para a democracia ateniense. Decretou a anulação de dívidas dos camponeses libertando antigos escravos por dívidas e proibindo esse tipo de escravidão. Deu fim às vantagens políticas provenientes do nascimento, as quais protegiam as famílias tradicionalmente nobres e determinou os direitos iguais para todos. Estas medidas fizeram com que as principais decisões tomadas pelo governo fossem concessões dos que obtinham mais fortuna. Unidade 4 101 Universidade do Sul de Santa Catarina Na era clássica da democracia ateniense, no período de 594‑593, as leis de Sólon, supondo‑se ter a influência egípcia, passam a estabelecer “a igualdade civil (...), limitam o poder paternal” (GILISSEN, 2003, p. 74.). Sólon começa uma democracia que irá engrandecer a cidade de Atenas, levando o direito ateniense ao auge da existência individual. Figura 4.13 – Busto do legislador ateniense Sólon Fonte: VICENTINO, 1997, p. 69. Na época clássica (século V e IV a. C.), o melhor direito privado era o de Atenas, considerado muito individualista. As regras jurídicas eram mais favoráveis aos homens e permitia aos indivíduos dispor livremente dos seus bens e da sua pessoa. As mulheres eram propriedades do pai ou do marido do nascimento até sua morte. O poder paternal, no seio da família, é limitado (...). Pela maioridade, o filho escapa à autoridade do pai (...), o poder paternal permanece todavia muito forte em Atenas em relação às filhas que não saem nunca da tutela, quer se trate da do seu pai quer da do seu marido. (GILISSEN, 2003, p. 78). Em 509 a. C., quase um século depois, as reformas de Clístenes foram adotadas, acabando com os privilégios dos políticos aristocratas. A partir de então, todos os cidadãos atenienses, por meio de assembléia popular, podiam fazer parte das decisões do Estado. Todo cidadão poderia votar e ver sua proposta ser votada nessa assembléia. 102 História do Direito Figura 4.14 – Busto do legislador Clístenes Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 67. O regime político era chamado de democracia, que no antigo idioma grego significa “poder do povo”, e foi um dos melhores feitos gregos, pois, em Atenas, a decisão a ser tomada pertencia a todo o conjunto de cidadãos. É importante destacar que a democracia ateniense era uma democracia para poucos. Ou seja, os escravos, que eram milhares, não tinham o direito de votar. As mulheres também não tinham direito de votar. Todos os homens que eram livres, mas que não tinham nascido em Atenas, também não podiam votar. A democracia ateniense, portanto, estava restringida a uma minoria. Para participar das assembléias democráticas, havia cerca de 40 mil pessoas com direito de participação, mas pouco freqüentemente chegou a 25 mil, pois não eram todas as pessoas que tinham capacidade para discutir os problemas ligados à comunidade. Para votar, eram levantados os braços. Na prática, eram poucos que pediam para discursar e os que tinham mais habilidades obtinham maior proveito na hora de convencer a multidão. Além da contribuição do regime democrático, Atenas também passou a pertencer aos arquitetos, escultores, autores de teatro, poetas e grandes filósofos, devido à democracia e à liberdade de terem contribuído em muito para a grandeza cultural da cidade. Unidade 4 103 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 5 – Ostracismo Qualquer pessoa que fosse considerada uma ameaça para a democracia ateniense era submetida à seguinte votação: os eleitores escreviam o nome dela em um pedaço de cerâmica chamado de óstraco, em grego óstrakon. Fragmento de cerâmica em que, na Grécia antiga, se escrevia o nome daquele que se queria banir. Figura 4.15 – Ostracismo Fonte: SCHMIDT, 2005, p. 28. A pessoa que tinha o nome mais votado era condenada ao ostracismo, isto é, ela deveria se afastar de Atenas por dez anos. Decorrido esse prazo, ela podia retornar com plenos direitos políticos. Nos dias de hoje, você já ouvir alguém utilizar a expressão “cair no ostracismo”? Quando você perceber, lembre‑se do estudo desta seção: significa que um indivíduo ficou esquecido na memória de todos. 104 História do Direito Seção 6 – Escravidão Havia escravos bárbaros, ou seja, não eram gregos, em muitas cidades‑estado. As cidadezinhas localizadas na costa de outros territórios eram invadidas por piratas e capturavam os habitantes para depois vendê‑los como escravos. O senhor que comprava o escravo tinha total poder sobre ele, podendo até castigá‑lo da forma que quisesse e, querendo, podia até matá‑lo, pois o escravo não era considerado como um homem e ainda era desprezado. O Estado também tinha escravos e eram utilizados para o trabalho nas obras públicas. Os escravos trabalhavam para proprietários de grande extensão de terra. Muitos senhores tinham centenas de escravos, sendo que usual era ter menos de dez. Os camponeses, proprietários de pequenas extensões de terra, quase nunca tinham dinheiro para comprar um escravo. Figura 4.16 – Escravidão Fonte: SCHMIDT, 2005, p. 32. Os escravos que moravam na cidade levavam uma vida um pouco melhor: trabalhavam nas oficinas de artesanato, faziam vasos de cerâmica e abatiam porcos. Unidade 4 105 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 7 – As relações de gênero Conforme o período, a cidade‑estado, a classe social e a condição da mulher na Grécia teve uma grande diferença. Isto se apresenta na literatura, no teatro e na sociedade, onde as mulheres da nobreza agiam com bastante independência. Encontram‑se também registros de poetisas e discípulas de filósofos. Normalmente, as mulheres eram subordinadas. Em Atenas, elas casavam com idade de 15 anos com maridos escolhidos pelos pais e, geralmente, muito mais velhos. Quando saíam de casa, andavam sempre acompanhadas. Sua dedicação era para o lar. Nas casas da nobreza, as mulheres ficavam em uma área feminina limitada. As mulheres gregas de outras cidades, ou seja, as estrangeiras, podiam ser mais livres e instruídas. Por exemplo: as mulheres de Esparta tinham mais liberdade que as de Atenas. Quanto às relações familiares, vale destacar a reciprocidade do divórcio com direitos iguais para homens e mulheres, sendo que o casal tinha liberdade para se divorciar. Portanto, a retrospectiva quanto à evolução do direito formal mostra‑se lenta quando seu personagem central é o ser humano do gênero masculino e aparece em momentos “relâmpagos” quando se trata da mulher. Figura 4.17 – Escultura grega mostrando duas mulheres. Fonte: SCHMIDT, 2005, p. 27. 106 História do Direito Pode‑se contextualizar esta realidade mediante alguns casos esporádicos, nos quais, conforme a cultura do ambiente, a mulher de alguma forma gozava de uma ou outra condição de igualdade com o homem. Nas relações de família conhecia‑se o divórcio recíproco, com iguais direitos para homens e mulheres. (...) As mulheres continuam sob a tutela de seus pais e maridos, no entanto, tem uma enorme liberdade de ir e vir, totalmente distinta da vida reclusa das mulheres orientais, enclausuradas; chegarão até a freqüentar escolas. (LOPES, 2002, p. 34‑41). Dando maior ênfase à questão jurídico‑legislativa nas principais pólis gregas (Esparta e Atenas), destacamos neste momento a figura dos maiores legisladores da Grécia Antiga: Licurgo e Sólon, os quais figuraram ao lado de tantos outros ícones da historiografia jurídico‑legislativa grega, tais como: Drácon, Clístenes, Hípias, Hiparco, Demóstenes. Estes legisladores influenciaram na formação não só de legislações gregas, bem como serviram de base para outras legislações e codificações de leis, dentre as quais destacamos as futuras legislações romanas. Seção 8 – Os legisladores espartanos e atenienses Licurgo e Sólon são originários respectivamente de Esparta e Atenas, as duas principais cidades‑estado gregas. A legislação proposta por Licurgo na assembléia espartana visava atender às necessidades expansionistas características de Esparta, cidade a qual tinha com principal atividade econômica a prática da conquista e espoliação de cidades vizinhas. Portanto, a legislação espartana proposta por Licurgo apresentava um caráter anti‑social, autoritário, repressivo e de excessiva tributação; elementos indispensáveis à sustentação de uma pólis baseada nesse modelo socioeconômico. Unidade 4 107 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 4.18 – Estrutura político‑jurídica espartana Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. P. 66. Sólon, por sua vez, propôs uma legislação contrária à de Licurgo, a partir do momento em que se entendem as próprias diferenças entre as pólis que cada qual representava. Atenas, diferentemente de Esparta, era uma cidade agrícola, baseada em um forte comércio com cidades vizinhas da região de Delos. A legislação proposta por Sólon visava, antes de mais nada, a incrementar e expandir a atividade comercial ateniense, atendendo suas prerrogativas. Neste tocante, a redução de impostos se fazia necessária, por vir a atender e facilitar a livre circulação de mercadorias, possibilitando o crescimento das atividades comerciais desenvolvidas em Atenas. A Grécia clássica conhece várias formas de organização e institucionalização. Basta citar a profunda diferença entre Atenas e Esparta. Esparta deixa traços históricos, mas não se converte ao modelo ideal que inspire o ocidente, embora com Atenas compartilhe um elemento fundamental de nossa tradição jurídica: a laicização do direito e a idéia de que as leis podem ser revogadas pelos mesmos homens que as fizeram. (LOPES, 2002, p. 33). 108 História do Direito Seção 9 – Direito comparado (a influência da Filosofia) Diferente do Direito Mosaico, o Direito grego baseado na cultura helênica traz o homem ao centro do ordenamento jurídico e não mais Deus. Nesse momento, as leis passam a ser feitas pelos homens e para os homens; sendo que estes possuem a liberdade de alterá‑las conforme suas necessidades. Conforme Lopes (2002), a ciência do Direito na Grécia careceu de método e sistema característicos dos romanos. Todavia, os princípios estavam arraigados na consciência helênica, objeto de debate nas obras dos grandes filósofos, especialmente Platão e Aristóteles; na administração pública (Sólon e Péricles); no drama e na comédia (Ésquilo, Sófocles, Eurípides e Aristófanes), cujos pilares básicos se resumiam na isonomia (igualdade) e eleuteria (liberdade), princípios que, séculos depois, foram retomados pela revolução francesa sob o trinômio: liberté, égalite, fraternité. No Direito Mosaico, as leis eram consideradas imutáveis, posto que o homem não poderia alterar uma criação de origem divina e somente Ele (Deus) possuía o poder de criá‑las e destruí‑las. A organização judiciária helênica esteve, a princípio, nas mãos dos arcontes (magistrados, que cuidavam de causas criminais e civis), seguidos, mais tarde pelos temóstatas (magistrados que cuidavam de pleitos de interesse do Estado); eisagogueis (magistrados que deveriam decidir ações comerciais dentro do prazo de um mês); juízes pedâneos (que corriam as aldeias, distribuindo justiça em causas referentes à propriedade); e juízes de paz, que julgavam as causas relativas à propriedade de valor superior a dez dracmas. Esses modelos legislativos confeccionados na Grécia foram absorvidos e aperfeiçoados, anos mais tarde, pelos romanos, na história política da república romana. O filósofo Diógenes queria viver com a máxima simplicidade, por isso andava nu e morava num barril. Conta‑se que o rei e general Alexandre da Macedônia, teria dito a ele: sou o homem mais poderoso do mundo, pede‑me o que quiseres. E Diógenes, fazendo o gesto para que Alexandre não ficasse na frente do Sol, respondeu: “Não me tires o que não podes me dar”. Unidade 4 109 Universidade do Sul de Santa Catarina HOMENS HOMENS MORTAIS TODOS OS HOMENS SÃO MORTAIS. SÓCRATES É HOMEM. MORTAIS SÓCRATES É MORTAL. Figura 4.19 – Em cima, a deusa grega Nêmesis, em uma representação que se confunde com a de Têmis: ‑ a Deusa da justiça, que inventou as leis e a ordem também impunha uma espada e uma balança. Embaixo, silogismo em forma gráfica e mármore de Diógenes. Fonte: SCHMIDT, 2005, p. 37. Diferente do Direito Mosaico ‑ no qual as leis são entregues por Deus ao homem como um presente; ou da Lei do Talião ou do Código de Hamurabi ‑ o Direito grego faz a distinção entre religião e direito, traçando novos caminhos no entendimento, na formulação e aplicação das leis e dos processos. Costuma‑se dizer que da Grécia veio pouca coisa na tradição jurídica e que a rigor o Ocidente deve mais a Roma nesta área. Trata‑se de meia verdade e podem ser alinhados alguns temas fundamentais que já eram conhecidos dos gregos. 110 História do Direito Em primeiro lugar a própria filosofia grega tem um papel relevante. A entrada dos sofistas no debate filosófico assinala que a filosofia de um certo ponto em diante vai também se debruçar sobre o mundo das coisas humanas, o universo da liberdade. Assim passa‑se à reflexão metódica sobre a liberdade, a política, a ética. É a partir dos sofistas que a filosofia vai refletir sobre a lei. Quem faz, por que faz, como faz as leis? Como se mudam as leis? Se os sofistas foram mal vistos por cobrarem para ensinar aquilo que qualquer um deveria saber (conhecer as regras do bem‑viver em sociedade e participar das assembléias expressando o seu ponto de vista) isto se deve ao fato de que afinal não se esperava que houvesse um conhecimento profissional específico sobre o que a rigor era questão de bom senso: ser um bom cidadão. A virada sofística, seguida por Sócrates, Platão e Aristóteles, significou colocar em crise e submeter à crítica este senso comum que facilmente poderia converter‑se em tradicionalismo (ou fundamentalismo) puro e simples. Esta discussão não seria possível se os gregos não tivessem descartado de algum modo a idéia de que as leis são reveladas pelos deuses exclusivamente, ou são apenas as tradições hebraicas. A positivação do direito e sua disponibilidade exigem dos gregos uma primeira reflexão clássica sobre a natureza da lei e da justiça. (LOPES, 2002, p. 35). A tradição jurídica absorvida pelo ocidente teve influência tanto da Grécia quanto de outros povos da Antigüidade. Figura 4.20 – Ruínas gregas Fonte: SCHMIDT, 2005, p.22. Unidade 4 111 Universidade do Sul de Santa Catarina A Grécia foi o berço da Filosofia e, partindo daí, os gregos lançaram‑se sobre o mundo das coisas humanas, questionando assuntos como a liberdade, a política, a ética, o direito de um e de outro, os direitos sociais e individuais. É a partir da Filosofia que se desenvolve o mundo jurídico, fruto dessa preocupação de como ser um bom cidadão e atingir o bom senso nas relações sociais num todo. Os gregos lançaram uma importante discussão sobre as leis e descartaram a idéia que elas foram reveladas exclusivamente pelos deuses. Este foi um importante passo no avanço das leis e futuras codificações, em que a desmistificação de muitos costumes e normas se deu por esse novo jeito de pensar dos gregos. A positivação do Direito fez com que os gregos refletissem acerca da lei e da justiça, deixando raízes profundas às codificações que viriam a posteriori. A Filosofia foi a base da cultura grega, com ela passou‑se a questionar os conceitos de direito e de justiça, buscar saber quem faz as leis, para quem e como se mudam as leis. Seção 10 – As fontes do Direito grego Conforme Gilissen, as fontes históricas do Direito grego são conhecidas pela contribuição das cidades gregas de Atenas (pelos seus numerosos escritos literários), Esparta (pela curiosidade dos seus) e Gortina (por sua epigrafia). O direito das cidades gregas não parece ter sido formulado nem sob a forma de textos legislativos, nem sob a forma de comentários de juristas; o direito derivaria mais duma noção mais ou menos vaga de justiça que estaria difusa na consciência coletiva. (GILISSEN, 2002, p. 75). 112 História do Direito As fontes escritas são raras, mas podemos citar os poucos textos que permitem o estudo do Direito grego: as epopéias de Homero (do período homérico); os discursos de Demóstenes e de Iseu (do fim da época clássica); os escritos de Platão, Aristóteles e Plutarco (documentos filosóficos e literários); numerosas inscrições jurídicas; a lei de Gortina (descoberta muito recentemente em Creta); e a lei de Dura (descoberta em 1922 no Eufrates, relativa às sucessões). Com o intuito de ilustrar o nascimento do Direito grego, passamos agora a conhecer um trecho do discurso de Demóstenes que trata principalmente do tema processo. Nas leis que nos regem, Atenienses, contêm‑se prescrições tão preciosas quanto claras sobre todo o processo a seguir na propositura das leis. Antes de mais, fixam a época em que a ação legislativa é admitida. Em segundo lugar, mesmo então, não permitem a todo o cidadão exercê‑lo à sua fantasia. É necessário, por outro lado, que o texto seja transcrito e afixado à vista de todos perante o Epónimos; por outro lado, que a lei proposta se aplique igualmente a todos os cidadãos; enfim que as leis contrárias sejam derrogadas; sem falar noutras prescrições, cuja exposição, parece‑me, não teria interesse para nós neste momento. Em caso de infração a uma só dessas regras, qualquer cidadão pode denunciá‑la. (DEMÓSTENES apud GILISSEN, 2002, p. 78). Unidade 4 113 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 11 – As formas de resolução de controvérsias no Direito grego De acordo com o jurista José Reinaldo de Lima Lopes (2000), as formas de resolução de controvérsias em Atenas eram divididas em dois órgãos de jurisdição. Para os casos de crimes públicos, os julgamentos eram feitos por grandes tribunais de dezenas ou centenas de membros. A assembléia de todos os cidadãos, repartidos em distritos territoriais, elegia o grande conselho de supervisão, em que nem todos podiam ocupar todas as magistraturas, pois os cidadãos haviam sido divididos em classes de renda pela Constituição de Sólon. Esse grande conselho, denominado areópago, julgava os acusados de crimes contra a constituição. Já para os casos ditos de menor potencial ofensivo, o julgamento se fazia por um magistrado ou juiz singular, em que cabia apelo para a assembléia judicial, que funcionava em grupos bem menores que o grande conselho de supervisão. Como você pode observar, muitas vezes os discursos forenses eram dirigidos a grandes grupos ou assembléias. Não é por acaso que progressivamente se estabelece uma disputa entre o “discurso belo” e o “discurso verdadeiro”, da qual a filosofia de Platão e Aristóteles se ocupam tantas vezes. Não é por acaso que progressivamente se estabelece uma como fazer justiça buscando a verdade e não a emoção provocada por um discurso belo? (LOPES, 2002, p. 37). Nos tribunais era preciso provar além dos fatos, o próprio Direito (a lei e o costume). Pela Constituição de Sólon, todos os membros de alguma magistratura deveriam jurar cumprir tal constituição, mas havia muitas outras resoluções e deliberações que valiam como lei instalando‑se uma burocracia, levando grande entrave ao sistema cartorário. 114 História do Direito Nesse momento histórico, para o Direito grego não havia a execução judicial: o queixoso recebia o julgamento e se encarregava de executá‑lo por sua conta ou o processo passava a uma espécie de fase de ação penal, conforme o caso. Receber dinheiro pela defesa era considerado moralmente indigno, fazendo com que os redatores de discursos se mantivessem ocultos ou, no caso de apresentarem‑se, que deixassem claro que não receberam pagamento. Entendiam que “quem precisava pagar não tinha uma boa causa,” (LOPES, 2002, p. 38), mas nem sempre era isto que acontecia. Ainda esclarece Lopes que a idéia fundamental era que qualquer cidadão poderia se apresentar perante os tribunais, juízes e árbitros para defender o seu ponto de vista. O advogado propriamente dito não existia. Nos tribunais, como no júri, a resposta era sempre sim ou não, culpado ou inocente. Em 403 a. C. criou‑se a obrigatoriedade do recurso aos árbitros em matéria civil e comercial sempre que isto envolvesse mais de dez dracmas. Quanto às provas, poderiam ser por escrito nos tribunais populares e nos arbitrais poderiam ser produzidas oralmente. Os juízes de uma assembléia poderiam testemunhar sobre um fato desde que tivessem conhecimento acerca dele. Não se fazia necessário que o juiz formasse o seu convencimento apenas pelas provas que as partes trouxessem ao processo. Ele julgava conforme a sua consciência. A imparcialidade do juiz, se não respeitada, é ato de nulidade absoluta do processo em nosso ordenamento jurídico, fato este muito diferente dos primeiros conceitos gregos, em que o juiz poderia testemunhar no processo o qual presidia se assistisse a algum fato relacionado com esse processo. Hoje, se faz necessário que ele se dê por suspeito e/ou impedido e jamais poderá formar o seu convencimento por fatos que abstraiu fora do processo ou julgar somente conforme a sua consciência. O juiz só poderá formar o seu convencimento com as provas trazidas ou produzidas nos autos, assim chegamos à máxima de que “o que não está nos autos, não está no mundo”. Unidade 4 115 Universidade do Sul de Santa Catarina As testemunhas depunham por escrito ou pessoalmente e os escravos eram submetidos à tortura prévia, pois acreditavam que se não fossem torturados não diriam a verdade: protegeriam ou se vingariam de seus senhores. Aristóteles nos deixou uma classificação sobre as provas. Para ele, as provas poderiam ser naturais ou artificiais. Naturais eram provas da existência da lei, testemunhas, contratos, juramentos. Eram evidências empíricas. Já as provas artificiais seriam indícios e presunções sobre aquilo que sabemos ou não. A eloqüência auxiliaria nesse processo de formulação da prova. Aquilo que é para nós, hoje, crime de ação pública dependia de ação privada. Não existia o órgão público de acusação (promotoria). Os crimes eram denunciados nos tribunais por qualquer um desde que este se sentisse lesado, pois o entendimento era de que qualquer um que atentasse contra a coletividade poderia ser acusado por um da coletividade para a manutenção do estado democrático de direito. A denúncia não era apenas a informação do ocorrido; era uma petição, um início de processo. A intenção era sempre a participação popular, mas era preciso frear as denúncias infundadas, pois o denunciante não poderia desistir da acusação no meio do processo se não obtivesse pelo menos um quinto dos votos do tribunal, do contrário, seria multado. O medo da impunidade era enorme e uma pequena ofensa não punida poderia desnortear toda uma cidade, gerando vingança ou outras atitudes indesejadas. Deste modo, as penas eram muitas vezes desproporcionais aos delitos nos padrões de hoje. Podemos citar os castigos, as multas, as feridas, as mutilações, a morte e o exílio. A pena de morte era aplicada de diversas formas conforme o crime, guardando um caráter ritual, caracterizando dessa forma o processo penal para aquele indivíduo, e sagrado assinalando, assim, a influência da religião no Direito. 116 História do Direito Seção 12 – A Filosofia a serviço do Direito Da concepção jurídica grega dos tempos clássicos da história universal, destaca‑se a constituição do pensamento filosófico‑político a serviço do Direito, o que conheceríamos nos tempos modernos rotulado como Filosofia do Direito ou Jurídica. De acordo com o filósofo contemporâneo Fídias Teles (2003, p. 105): O Direito é técnica (com instrumentos e procedimentos adequados); é ciência (prova e rigor radical); é filosofia (colada com os valores); é arte (criação súbita para casos impossíveis de serem resolvidos pelos parâmetros clássicos, num determinado momento). O estudo filosófico não despreza os ramos gerais da ciência jurídica, como o Direito do Trabalho, o Direito Penal, o Direito Civil, Administrativo e outros. Enquanto a ciência jurídica observa e discerne das normas aquelas de caráter radicalmente coercitivo, consagradas pelo Estado e por Ela autorizadas na prática de sanções, a Filosofia Jurídica elabora incansáveis reflexões críticas sobre tais normas, laça propostas e faz julgamentos. Além da mera legalidade, a filosofia jurídica, cobra significados profundos referentes ao Ser, questionando a Verdade, os fundamentos éticos existenciais, criticando tudo o que seja injusto, que seja legal ou ilegal. A filosofia jurídica é, e deve desenvolver‑se no século XXI, o único campo do saber que tem condições de julgar os mais altos julgadores do mundo: os supremos tribunais, as supremas cortes. Sem a Filosofia Jurídica, qualquer instituição bélica e economicamente poderosa, achar‑se‑á no direito de eliminar povos, nações e até o planeta Terra. Assim, embora tal saber deva manter seus fecundos elementos metafísicos, Ele flutuará pelos ares se não tiver competentíssima lucidez política e paixão humanística. Unidade 4 117 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 13 – O legado grego A herança cultural deixada pelos gregos foi muito rica e influenciou toda a civilização ocidental contemporânea. Suas concepções de beleza, retratadas nas obras de escultura, pintura e arquitetura, foram tidas como clássicas, por seu equilíbrio e harmonia. Também sua produção teatral, filosófica e científica foi fecunda e marcou as linhas do pensamento até fins da Idade Moderna (1789). De forma análoga, a ciência política e jurídica grega revelou profundos traços de influência sobre o pensamento ocidental contemporâneo, inaugurando a civilização romana e, a partir dela, todo o mundo conhecido na época que, posteriormente, seria alvo da conquista e dominação romana. Síntese Esta quarta unidade traz o contexto de parte do ocidente, representado pela civilização grega, de forma a complementar a visão do mundo oriental no que diz respeito às relações de gêneros. A legislação dessa civilização também integra a legislação antropocêntrica com uma visão representativa de vários povos indo‑europeus que deram origem aos gregos, dentre eles figuravam os aqueus, os eólios, os jônios e os dórios. São enfocadas as constantes guerras e destacado, como um dos elementos mais importantes desse contexto, o desenvolvimento de armas e estratégias bélicas, bem como os motivos de ascendência e descendência da civilização ao longo dos tempos. Outro destaque é a forma de organização política estruturada em cidades‑estado (pólis), que culminou com a afirmação do filósofo Aristóteles expressando que “o homem é um animal político”. 118 História do Direito Na cidade de Esparta figurava um modo de vida aparentemente simples, desenvolveu‑se a atividade militar como principal modelo de produção econômica, a estrutura político‑administrativa inspirava‑se no modelo oligárquico, em que somente os cidadãos maiores participavam efetivamente das decisões públicas. Neste contexto é conveniente ressaltar que somente os homens com idade superior aos trinta anos recebiam títulos de cidadania, após preencherem uma série de pré‑requisitos, dentre os quais figuravam: serviço militar obrigatório num período estimado de 23 anos, dentre outros. As crianças masculinas recebiam educação voltada para preparação de futuros guerreiros e as meninas recebiam educação voltada para os esportes, a cultura e os predicativos que garantiam às mesmas serem boas mães. As mulheres diferenciaram‑se conforme a época, a cidade‑estado e a classe social, mas, normalmente, eram subordinadas ao homem (pai, marido ou filho mais velho) e o seu papel principal na Grécia estava restrito, quase em todas as pólis, em ser mãe e esposa. Em Atenas, o desenvolvimento do direito relaciona‑se intimamente com as reformas políticas e a estrutura social da cidade. O surgimento do conceito ancestral de democracia e, principalmente, o desenvolvimento do pensamento filosófico influenciaram o estabelecimento de conceitos jurídicos próprios. Como será visto na última unidade, todos esses fatores repercurtiram na construção do direito medieval, que se estende até nossos dias, dentro da assim denominada Tradição Jurídica Ocidental. Unidade 4 119 Universidade do Sul de Santa Catarina Atividades de auto‑avaliação 1) A civilização ocidental tem na Grécia Antiga uma de suas fontes mais ricas. Um dos seus legados mais expressivos foi o termo e a noção de democracia. A respeito da democracia entre os gregos da Antigüidade, é correto afirmar que: 01) ( ) Na democracia ateniense, participavam com plenos direitos políticos apenas os “cidadãos”. 02) ( ) Havia um grande número de indivíduos que não eram considerados “cidadãos” e, por conseguinte, não tinham os mesmos direitos que eles. 04) ( ) Entre os que eram atingidos pela restrição dos direitos políticos figuravam os metecos (estrangeiros) em Atenas. 08) ( ) Os escravos, recrutados entre as populações livres endividadas ou tomados como presas de guerra, não gozavam de direitos políticos. 16) ( ) Os escravos gregos conseguiram melhores condições de vida após promoverem constantes revoltas, em particular aquela liderada por Crixus, Oenomaus e Spartacus em 73 – 71 a. C. 32) Muito embora o regime democrático tenha funcionado com perfeição em Atenas, jamais foi admitida a participação direta do “cidadão” no governo. 2) A introdução da democracia foi uma das grandes conquistas da sociedade ateniense. Entretanto, esta não foi uma democracia completa. Entre as restrições a ela atribuídas, destacam‑se: 01) ( ) Os estrangeiros e seus descendentes gregos foram excluídos da vida política. 02) ( ) O direito de votar ocorria somente após os 60 anos de idade. 04) ( ) Só as pessoas nascidas de famílias nobres tinham direito a voto. 08) ( ) Os camponeses estavam excluídos dos direitos de cidadania. 16) ( ) As mulheres nunca conseguiram o direito de votar nem de serem votadas nas assembléias. 3) Podemos relacionar à história das cidades da Grécia (Atenas e Esparta) os seguintes conceitos, exceto: a) ( ) democracia. b) ( ) teocracia. c) ( ) oligarquia. d) ( ) república. e) ( ) pólis. 120 História do Direito 4) Na Grécia Antiga, o conceito de cidadania estava relacionado a um conjunto de pré‑requisitos, dentre os quais não podemos destacar: a) ( ) Idade mínima. b) ( ) Classe social. c) ( ) Escolaridade. d) ( ) Naturalidade/nacionalidade. e) ( ) Ancestralidade. 5) A civilização grega alcançou extraordinário desenvolvimento. Os ideais gregos de liberdade e a crença na capacidade criadora do homem têm permanente significado. Acerca do imenso legado cultural grego, é correto afirmar que: a) ( ) A importância dos jogos olímpicos limitava‑se aos esportes. b) ( ) A democracia espartana era representativa. c) ( ) Os atenienses valorizavam o ócio e desprezavam os negócios. d) ( ) Poemas, com narrações sobre aventuras épicas, são importantes para a compreensão do período homérico. e) ( ) N.d.a. 6) “Democracia e imperialismo foram duas faces da mesma moeda na Atenas do século V . a. C.”. Tal afirmativa é: a) ( ) correta, já que a prosperidade proporcionada pelos recursos provenientes das regiões submetidas liberava aos cidadãos atenienses o tempo necessário a uma maior participação na vida política. b) ( ) falsa, pois aquelas práticas políticas eram consideradas contraditórias, tanto que fora em nome da democracia que Atenas enfrentara o poderoso Império Persa nas Guerras Peloponésicas. c) ( ) correta, pois foi o desejo de manter a Grécia unificada e de estender a democracia a todas as suas cidades que levou os atenienses a se oporem ao imperialismo espartano. d) ( ) falsa, já que o orgulho por seu sistema político sempre fez com que Atenas ficasse fechada sobre si mesma desprezando o contato com outras pólis gregas. e) ( ) correta, se aplicada exclusivamente ao período das Guerras Médicas entre Esparta e sua Liga Aristocrática. Unidade 4 121 Universidade do Sul de Santa Catarina 7) Diferencie em linhas gerais a oligarquia espartana da democracia ateniense quanto à participação política do cidadão nas decisões públicas. 8) Explique, com base nos conhecimentos adquiridos nesta unidade, o que foi o chamado ostracismo grego desenvolvido na pólis ateniense? 122 História do Direito 9) Dentre os principais legisladores gregos (espartanos e atenienses), figuram Licurgo e Sólon, dentre outros. As legislações propostas por eles diferiram em muitos aspectos. Comente as principais diferenças entre as legislações espartanas de Licurgo e as legislações atenienses de Sólon. 10) Elabore um pequeno texto, explicando a importância da Filosofia para a ciência do Direito grego. Unidade 4 123 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. AQUINO, Rubim Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; LOPES, Oscar Guilherme Campos. 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Compreender o nascimento do Direito romano como resultado das mais diversas convulsões sociais protagonizadas pelas camadas sociais romanas. Seções de estudo Veja, a seguir, as seções que compõem esta unidade de aprendizagem. Seção 1 Períodos da história política romana Seção 2 O período monárquico Seção 3 As classes sociais em Roma Seção 4 O período republicano Seção 5 A organização familiar romana (relações de gênero) Seção 6 As revoltas sociais Seção 7 O nascimento do Direito romano (Lei das XII Tábuas) Seção 8 O Direito processual romano 5 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Nesta unidade, pretende‑se analisar o nascimento do Direito como resultado da manifestação da sociedade civil organizada romana durante o período republicano da história política de Roma. Para tal, faz‑se necessário antes avaliar o nascimento da civilização romana e seu desenvolvimento sociopolítico, socioeconômico e sociocultural como requisitos essenciais para o desenvolvimento de sua legislação. A história do Direito romano é de fundamental importância para o entendimento dos atuais sistemas jurídicos ocidentais. Foi através do Direito romano que herdamos a estrutura e os fundamentos mais básicos, como é o caso da sistematização das normas jurídicas. O direito romano foi a estrutura fundamental, a coluna vertebral das reformas do direito canônico ocorridas no século XI, que fundaram a Tradição Jurídica Ocidental e influenciaram a construção daquilo que hoje entendemos como direito. Desde a estrutura funcional do primitivo Poder Judiciário romano dos tempos da República ao aprimorado modelo estrutural jurídico do Império Romano, o processo se desenvolveu seguindo métodos, ritos e formas inspirados nos principais institutos jurídicos do mundo romano, resultado das conquistas militares e sua grande expansão territorial. Da Lei das XII Tábuas do fim do período republicano romano nascem as fases desse Direito processual romano (in jure e in judicio), além do processo formular, em que o processo passou a ser remetido ao julgamento de um juiz ou árbitro privado. Dos editos imperiais, novos atributos foram agregados ao processo romano, o qual, no auge do Império Romano, apresentou a figura do pretor como responsável pela organização dos ritos processuais em toda a extensão do território imperial. 128 O Direito romano, posteriormente associado ao Direito canônico, deu lugar à formação de um processo misto que sobreviveu durante todo o período medieval sob o rótulo de Direito romano‑barbárico, o qual serviu de base para a formação de diversos sistemas jurídicos da história universal, sendo ainda hoje alvo de inúmeras pesquisas no campo das ciências jurídicas. História do Direito Seção 1 – Períodos da história política romana Neste momento, você estudará a civilização romana, responsável pela edificação de um dos maiores e mais ilustres sistemas jurídicos da história universal – o Direito romano. Para efetivamente estudar este tema, didaticamente se faz necessário dividir a história da civilização romana não em três períodos ‑ como academicamente se verifica nos principais manuais de História do Direito ‑, mas sim em dois períodos distintos: da construção do Reino Romano à Proclamação da República em Roma e; do nascimento da Lei das XII Tábuas. Seção 2 – O período monárquico Comecemos por analisar o período monárquico da história de Roma. Quando falamos de uma monarquia, logo lembramos da figura histórica de um monarca ou rei. Roma foi fundada por volta do ano 1000 a. C., no Lácio. É importante ressaltar que Roma foi um centro de defesa contra os ataques constantes dos etruscos. Está situada ao norte ao longo dos Alpes, desenvolveu‑se na península itálica, região de solo fértil. Quando foi fundada, a península itálica era ocupada pelos Gauleses ao norte, ao centro pelos etruscos‑latinos, ao sul pelos gregos – A Magna Grécia. O povo que mais se destacou para a formação de Roma foram os habitantes do Lácio, isto é, os latinos que moravam em diversas tribos, e os etruscos, habitantes da Toscana (Etrúria). Unidade 5 129 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 5.1 – Mapa de Roma (localização geográfica romana) Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 82 Há uma lenda na visão da fundação de Roma, contada por Tito Lívio em sua história romana, e reforçada na obra Eneida pelo poeta romano Virgílio, em que Enéias, príncipe Troiano, filho de Vênus, fugiu de sua cidade destruída pelos gregos, chegou em Lácio, conheceu a filha de um rei latino, e com ela se casou. Os seus descendentes Rômulo e Remo foram jogados no Tibre, por Amúlio, rei de Alba Longa, no entanto, foram salvos por uma loba que os amamentou e depois foram encontrados por camponeses. A lenda ainda relata que quando cresceram os dois irmãos retornaram para Alba Longa, destituíram Amúlio, e em 753 a. C. fundaram Roma. Mais tarde, houve desentendimento entre os irmãos, Rômulo matou Remo para então se transformar no primeiro rei de Roma. Devido à escassez de registros dessa época, não são conhecidos os nomes de muitos dos reis que governaram Roma durante o período monárquico, estando apenas citados nos relatos das obras de Virgílio e Tito Lívio. Nessa época, o rei exercia as funções executiva, judicial e religiosa, sendo que sua soberania era limitada na área legislativa, uma vez que o Senado ou o Conselho dos Anciãos obtinha o direito de veto e sanção das leis 130 História do Direito apresentadas pelo rei. As leis eram ratificadas pela Assembléia ou Cúria, composta por todos os cidadãos em idade militar. A estrutura político‑administrativa romana do período monárquico No fim do século VII a. C, fase final da realeza, Roma conheceu um período de domínio etrusco, coincidindo com o começo da expansão do comércio. Figura 5.2 ‑ Arte etrusca: Cabeça de guerreiro (Necrópole de Crocifisso do Tufo, Orvieto, Itália. Fonte: Disponível em < http://saber.sapo.ao/wiki/Etrusca.> Dos diversos reis que exerceram poder em Roma, destacamos a figura do último rei de Roma, denominado Tarquínio, o Soberbo. Todos os reis que governaram Roma foram obrigados a obedecer às leis que eram feitas pelo Parlamento Romano; ou seja, nenhum dos reis que governaram Roma tinham poder absoluto sobre o Estado. O Parlamento Romano era formado por vários órgãos menores, dentre eles: Senado Romano (responsável pelas leis de Roma); Assembléia Curiata (responsável pela preservação da moral e dos costumes romanos); Unidade 5 131 Universidade do Sul de Santa Catarina Assembléia Centuriata (formada por centúrias, exércitos particulares de cem ou mais homens, responsável pela defesa do território romano); e Assembléia Tribunícia (formada por tribunos, os quais preparavam projetos de lei, que deveriam ser avaliados pelo Senado Romano). O Senado Romano e a Assembléia Tribunícia juntos faziam, em certos momentos específicos, as leis de Roma, ou seja, formavam juntos o que nós conhecemos hoje como Poder Legislativo. O rei deveria respeitar as leis feitas por esses dois órgãos romanos. Figura 5.3 ‑ Sigla do Senado Romano SPQR ( Senatus Populusque Romanus, cujo significado é : O Senado é o povo de Roma). De acordo com Lopes (2000, p. 44), o Senado Romano não pode ser confundido com uma assembléia de representantes ou com um órgão legislativo, como hoje temos as assembléias. Ele era um conselho de anciãos, responsável pela ligação da cidade com a sua história, vida e autoridade. A civilização romana foi marcada pela tradição e, nesse sentido, o senado exercia e simbolizava a autoridade dos pais fundadores. Já a Assembléia Tribunícia tinha uma função legislativa. Podemos citar que na República Romana havia três assembléias: assembléia por centúrias (de origem militar); assembléia por tribos ou distritos e o concilium plebis. O rei é o juiz dentro da cidade, como o pater famílias, é o juiz no meio familiar, com sua jurisdição civil e penal, mas é na justiça criminal que mais se destaca o papel do rei, porque a jurisdição civil ainda se apresenta tosca e embriatória. O rei é assistido por um conselho de anciãos, senatores, que, primitivamente eram os chefes de várias gens, tribos. (VENOSA, 2004, p. 301) 132 História do Direito Seção 3 – As classes sociais em Roma Havia quatro classes sociais em Roma: os patrícios: grandes fazendeiros romanos; tinham o título de cidadania maior (podiam votar e serem candidatos a qualquer cargo público); os clientes: eram trabalhadores livres; tinham o título de cidadania menor (podiam somente votar); os plebeus: eram estrangeiros que residiam em Roma; não tinham o título de cidadania (não podiam nem votar, nem serem candidatos); e os escravos: devedores e prisioneiros de guerra. Os patrícios eram cidadãos de Roma, possuíam terra e gado, que formavam a aristocracia. Os plebeus eram a pequena parte da população que havia passado para o poder romano durante as primeiras vitórias. Eram também pessoas que tinham liberdade, mas não podiam participar do senado e não podiam constituir famílias declaradas conforme a lei, ou seja, não eram legalmente reconhecidos. Os clientes eram pessoas dependentes de alguma família patrícia, que deviam cumprir várias obrigações econômicas. O patrício era seu senhor, alguém que o protegia econômica, política e juridicamente e, em retorno, os clientes seguiam as decisões políticas de seus senhores, cumprindo o obsequium, a submissão política e também de dedicar as horas de trabalho para o seu senhor. Eram, no entanto, os dependentes, alguns de origem estrangeira, outros de origem plebéia buscavam a proteção dos que tinham muito dinheiro e poderosos políticos para a sua sobrevivência. Os escravos era a população recrutada entre os derrotados de guerra, não eram considerados homens, mas instrumentos de trabalho sem nenhum direito político. Ao que tudo indica, a época da monarquia não teve muita influência da escravatura, recebendo importância somente com o alargamento do território no período republicano. Unidade 5 133 Universidade do Sul de Santa Catarina Somente os patrícios podiam fazer parte do Senado ou das Assembléias Romanas, sendo assim, eles faziam leis que sempre os beneficiariam, prejudicando as demais classes sociais romanas. Ambiciosos e opondo‑se ao rei Tarquínio o Soberbo, os patrícios deram um golpe de estado, graças à ajuda dos militares da Assembléia Centuriata, e tomaram o poder derrubando o rei. Neste momento de nosso estudo chegamos ao fim do período monárquico romano e abrimos outro período: o republicano. A realeza, segundo a tradição, teria terminado de modo violento, por meio de uma revolução, que baniu Tarquínio, o Soberbo, de Roma em 510 a.C. A passagem de um regime para outro foi feita lenta e paulatinamente, com avanços e recuos. A transferência dos poderes políticos dos reis é o resultado quase exclusivo da queda da realeza. (VENOSA, 2004, p. 303) O rei Tarquínio, soberbo, de origem etrusca, foi derrubado em 509 a. C., por uma conspiração patrícia do Senado, que queria acabar com a interposição real no poder legislativo. Tarquínio governava de forma tirânica e anulava os anseios patrícios de participação política, terminando, assim, a realeza romana. No seu cargo apareceu uma nova estrutura administrativa, em que o poder do Senado estava acima dos outros. Seção 4 – O período republicano O período republicano da história de Roma foi marcado pela centralização e manutenção do poder político nas mãos da camada social conhecida por patrícios. Além do Senado e das Assembléias, os patrícios também ocuparam novos cargos públicos que foram criados para a República Romana. Para substituir o rei e para administrar Roma, o Senado Romano criou os seguintes cargos: 134 História do Direito cônsules: sempre em número de dois, eram “presidentes” da República Romana; ditador: sempre em número de um; governavam Roma em períodos de rebeliões ou guerras por um prazo de seis meses, podendo ser renovado por mais seis; edis: “prefeitos”/“vereadores” municipais que governavam as pequenas vilas e cidades menores; censores: “pesquisadores” que faziam o censo; questores: cobradores de impostos; e pretores: “juízes” primitivos organizadores do processo jurídico. Quando falamos em magistraturas, é importante lembrar que eram cargos eletivos para funções determinadas e sempre pelo prazo de um ano, sendo exercida em muitas vezes em grupos de dois ou mais, isso para que houvesse um controle recíproco de poder. Dentre as diversas magistraturas, podemos citar as de cônsules, censores, questores, pretores e excepcionalmente os ditadores. Os magistrados emitiam editos. Quanto aos pretores, eles participavam do poder geral de mando, em que detinham o poder de disciplina e o de dizer o direito. Esses poderes eram mais parecidos com o poder de polícia, de segurança e de manutenção da ordem do que com um poder judicial. Os pretores eram encarregados de fazer com que os conflitos fossem resolvidos e ordenados por um juiz, sempre a pedido das partes. Então, podemos assim dizer que os pretores não julgavam as controvérsias, e sim organizavam os pedidos dentro de um método estipulado na época (espécie de processo), para que os juízes, então, julgassem. Unidade 5 135 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 5.5 – Ruínas do Fórum romano Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 85. Os romanos submetiam‑se ao direito civil e para impor a ordem entre eles havia o pretor urbano. Já para conflitos entre estrangeiros ou entre romanos e estrangeiros havia o pretor dos peregrinos. Foram os editos destes pretores que formaram o direito dos cidadãos. Desta forma, além de fazerem as leis de Roma, os patrícios também executavam essas leis e administravam o Estado. Culturalmente, os cidadãos romanos configuravam‑se perante a sociedade mais como membros de uma sociedade familiar do que como indivíduos. Este posicionar, de certa forma, reflete o contexto cultural desenvolvido no seio familiar, em que o pivô central de poder inquestionável era o paterfamilias. 136 História do Direito Seção 5 – A organização familiar romana (relações de gênero) O paterfamilias exercia total poder sobre seus descendentes, a ponto de poder casar ou desfazer o matrimônio dos filhos sem o consentimento dos mesmos e, até mesmo, de poder matar e abandonar o seu próprio filho. Também era o pátrio poder que ligava a centralização de todos os direitos patrimoniais na pessoa do paterfamilias. A organização familiar romana repousava na autoridade incontestada do paterfamilias em sua casa e na disciplina férrea que nela existia. Assim o paterfamilias exercia um poder de vida e de morte sobre seus descendentes (ius vitae ac necis), o que já era reconhecido pelas XII Tábuas (450‑451 a.C.). Esse poder vigorou em toda sua plenitude até Constantino. (MARKY, 1995, p. 155) As mulheres romanas não podiam participar da vida pública, não podiam servir de testemunha, não tinham prestígio, não tinham direito. O poder político concentrava-se sempre nas mãos dos homens. O mundo das mulheres sempre esteve inserido em um mundo de limitações. Limitações estas que se estenderam desde as prerrogativas do Direito público até o Direito privado e contribuíram em muito na arquitetura de evidentes desigualdades entre os homens e as mulheres ao longo da história da humanidade. As mulheres não tinham capacidade para direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do direito privado também. A mulher não tinha direito ao pátrio poder, nem à tutela, e não podia participar dos atos solenes na qualidade de testemunha. (MARKY, 1995, p. 37) Unidade 5 137 Universidade do Sul de Santa Catarina A família romana, de base patriarcal, era formada pelo conjunto de pessoas colocadas sob o pátrio poder de um chefe, não necessariamente o pai, mas o chefe, este chamado paterfamilias. As mulheres que fazem parte do grupo do paterfamilias antes do casamento, o pátrio poder não se extinguia pelo casamento, ou seja, sua sujeição continuava sobre o poder. Pater, nesta expressão, não quer dizer pai, mas chefe, efetivo ou em potencial. A família romana é de base patriarcal: tudo gira em torno de um paterfamilias ao qual, sucessivamente, se vão subordinando os descendentes – alieni juris –, até a morte do chefe. O paterfamilias tem o dominium in domo, a potestas. É o dominus, o senhor, a quem está confiada a domus, ou grupo doméstico. Os seres humanos, submetidos à pátria potestas do paterfamilias, na domus, são: 1º, a materfamilias, ou seja, a mulher casada colocada sob o poder do marido (manus), em contraposição à mulher casada ainda sob o poder de seu pater de origem (casamento sine manu). (CRETELLA JÚNIOR, 2003, p. 77) Seção 6 – As revoltas sociais Com o passar dos tempos, uma série de rebeliões foram ocorrendo na tentativa de derrubar os patrícios do poder. Dentre as mais violentas rebeliões desse período, destaca‑se a chamada Revolta da Plebe. Esta revolta foi liderada pelos plebeus e teve a participação de grande número de clientes e escravos lutando contra os patrícios. Ela durou cerca de dois séculos. Nesse tempo, os cônsules foram afastados do poder e seus lugares foram tomados pelos ditadores romanos, dos quais destacam‑se: Mário e Sila. 138 História do Direito Figura 5.6 – Busto de Mario Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997.p. 88 Os diversos ditadores que governaram Roma não foram capazes de vencer os revoltosos e pôr um fim na Revolta da Plebe. Após dezenas de ditadores, o Senado Romano resolveu dividir o território romano em três partes e entregá‑las a três grandes centuriões, comandantes de centúrias, hoje assemelhadas a exércitos. Eram eles: Pompeu, Júlio César e Licínio Crassus. Estava formado o primeiro Triunvirato Romano. Figura 5.7 – Mapa do 1º Triunvirato romano Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 89. De acordo com este autor o Triunvirato, criado para estabilizar a política republicana, acabou aguçando divergências, provocando a queda da República romana. Unidade 5 139 Universidade do Sul de Santa Catarina Deste modo, Roma seria governada por três centuriões ao mesmo tempo, os quais teriam por missão combater e derrotar os revoltosos plebeus, clientes e escravos e acabar com a Revolta da Plebe, fato este que ocorreu, dando‑se a vitória aos patrícios. Neste momento, vale destacar que os revoltosos também de certa forma saíram vencedores, pois os mesmos conseguiram a garantia de uma série de direitos, dos quais nasceu o chamado Direito romano. Neste contexto histórico, marcado por um conjunto de insurreições sociais, é conveniente enfatizar certos aspectos intrínsecos ao episódio aqui abordado da história romana. Classe formada por estrangeiros ricos e pobres residentes em Roma que sofriam com os altos impostos, não usufruíam de direitos políticos e não participavam das decisões públicas da Roma Antiga. Nos parágrafos anteriores deste capítulo, enfatizamos a importância dos plebeus para o desenvolvimento desse movimento de insurreição social. Porém, tal insurreição, como afirmamos anteriormente, não contou exclusivamente com a participação da plebe romana e nem tão pouco se destinava exclusivamente a atender interesses meramente dos plebeus. A insurreição visou a atender também aos anseios das demais classes sociais romanas que se encontravam à margem de todo o processo político‑legislativo‑jurídico da Roma republicana. Com isto, buscava‑se atingir na configuração política romana um modelo amplamente democrático, em que todas as camadas sociais romanas pudessem participar do processo político‑legislativo‑jurídico. Das camadas sociais emergentes envolvidas no contexto insurrecional, destacamos além dos plebeus romanos também os clientes e escravos (já citados anteriormente). A camada social conhecida como patrícios (grandes proprietários de terras e merecedores de direitos políticos) não se interessava em estender os mesmos direitos aos demais cidadãos romanos. Em suma, a revolta da plebe foi a luta entre os interesses dos plebeus, clientes e escravos contra os interesses da camada politicamente majoritária, os patrícios. 140 História do Direito Seção 8 – O nascimento do Direito romano (Lei das XII Tábuas) Retornando ao cerne do movimento de insurreição, enfatizamos que o mais consagrado fruto dessa revolta foi a configuração da Lei das XII Tábuas, a qual veio assegurar direitos jurídico‑políticos aos plebeus, clientes e escravos. Mais que isto, é, originariamente, fator que vem justificar a atuação da sociedade na consecução do direito que cada momento histórico exige. Conforme Venosa (2004, p. 304), “essas leis surgiram, portanto, do conflito entre a plebe e o patriciado e dela só restaram fragmentos que vieram até nós transmitidos por jurisconsultos e literatos.” O Direito romano absorveu o Direito mosaico (palestino) em seu corpo. Na Lei das XII Tábuas, podem ser encontradas disposições relativas ao processo das ações civis, ao direito de família, em que segue o modelo patriarcal, possibilitando ao paterfamilias o direito de vida e morte de seus filhos, mulher e escravos. Neste modelo, as sucessões se estabelecem pela linha masculina da família. Seção 9 – O Direito processual romano No tocante ao direito obrigacional, o credor poderia levar o devedor à presença do magistrado para resguardar seus direitos. Poderia também o credor fazer do devedor prisioneiro, a menos que um terceiro interviesse na questão, como uma espécie de fiador. Residem aí os primórdios de execução forçada, que não se dará mais sobre a pessoa do devedor, e sim sobre o seu patrimônio. Em Roma, podemos distinguir um duplo período: clássico e pós‑clássico. Unidade 5 141 Universidade do Sul de Santa Catarina No período clássico (República), o processo se divide em duas fases distintas: a primeira fase intitulada in jure, ocorrendo a presença das partes, vedada a representação, o pretor verificava a admissibilidade da pretensão e, em caso positivo, era nomeado um Jude. Na segunda fase, denominada in judicio ou apud Judicem, colhiam‑se as provas até final decisão, restando ao pretor a execução da sentença. Figura 5.8 – Coliseu Romano. Uma das mais notáveis obras de engenharia clássica, foi mandado erigir por Vespasiano, serviu para inúmeros espectáculos, incluindo dramatizações de batalhas navais Fonte: Disponível em <http://saber.sapo.cv/wiki/Imp%C3%A9rio_Romano> A controvérsia desenvolve‑se, então, perante um juiz ou árbitro (cidadão particular (LOPES, 2000, p. 47) e iniciava‑se um processo chamado formular. O processo formular é o ambiente próprio do desenvolvimento da jurisprudência clássica, que continuará florescendo até o século III, em que o processo passou a ser remetido ao julgamento de um juiz ou árbitro privado. Vigorou na República e no Principado, caindo em desuso com o aumento do poder do imperador e sua burocracia. Passamos, agora, a conhecer o conceito de processo formular. 142 História do Direito O processo formular caracteriza‑se por uma divisão nítida em duas fases. A primeira chamada in iure, ocorre perante o magistrado (autoridade pública), o pretor. Sua tarefa é obviamente organizar a controvérsia, transformando o conflito real num conflito judicial. (...) A segunda fase é chamada apud judicem: a controvérsia desenvolvia‑se então perante um juiz ou árbitro. (LOPES, 2000, p. 47) Voltando à figura do pretor, esta pode ser descrita como a de administrar a justiça, não a de julgar. Na organização judiciária romana, a contribuição do pretor foi muito importante, ao atuar no campo da proteção individual e fornecer distribuição de justiça mais flexível (restitutio in integrum – restituição por inteiro é uma das criações pretorianas). Figura 5.9 – Busto de Cícero Fonte: VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 88. Competiam, pois, ao pretor, os poderes da cognitio (juízo de admissibilidade da causa) e do imperium (ou seja, de fazer executar a sentença). Voltando ao estudo da primeira fase do processo, também conhecida como in júri, esta se inicia com a comunicação da pretensão da parte ao adversário e perante o pretor. Nela era essencial que o interessado fizesse com que seu adversário comparecesse perante o magistrado para que aí, então, pública e formalmente formulasse o seu pedido. Unidade 5 143 Universidade do Sul de Santa Catarina Quanto à tarefa de levar o adversário à presença do magistrado, era função exclusiva do queixoso (autor), não havendo na época qualquer forma de polícia judiciária. Este fato fazia com que o acesso à justiça se tornasse limitado. Nesse sentido, esclarece Lopes (2000, p. 48): Só pode dar início ao processo aquele que dispuser de meios financeiros e pessoais: dinheiro, amigos, escravos, parentes, clientes, que o ajudem a localizar o adversário em lugares públicos e detê‑lo, nas praças e nos banhos especialmente. (...) Transformar a disputa num caso jurídico‑judicial era um sinal de estilo, honra e status social mais acessível a uma classe social do que a outra, uma distinção. Com o passar do tempo, foram criadas formas de punir a favor do autor para desestimular o não comparecimento em juízo. Conseguindo levar o adversário à presença do magistrado, este detinha a tarefa de transformar a queixa em um conflito que pudesse ser decidido por um árbitro, escolhido por uma fórmula ou quesito que estava contido no edito (lei). O edito poderia trazer este quesito de forma genérica, o que era aceito, mas o pretor poderia criar condições especiais para o caso concreto. Perante o pretor, as partes negociavam, até chegar no que efetivamente pretendiam discutir, sempre com o convencimento do pretor acerca da correlação dos fatos e do direito protegido pelo edito. Seria, então, estipulada uma questão à qual o juiz ou árbitro pudesse responder sim ou não. Quanto a quem julgaria o feito, isto também poderia ser discutido. O pretor dispunha de uma lista, chamada álbum, que continha os nomes de cidadãos romanos das classes superiores que deveriam prestar o serviço arbitral nas cidades e esse serviço era para eles um encargo compatível com a honra que receberiam como cidadãos superiores. Quando os termos da controvérsia tivessem sido definidos, as partes firmavam compromisso perante as testemunhas, as quais acompanhavam o feito até o julgamento final, na presença do juiz que recolhia as provas e decidia a questão. 144 História do Direito No período pós‑clássico (o do império), aparece a figura de magistrados, que exerciam função delegada pelo imperador. Desaparece, então, o sistema bifásico, porquanto o juiz não só julga, senão também organiza a instância e executa o decisum. Após a queda de Roma em 476, seus territórios foram ocupados pelos germanos invasores, ocorrendo, então, o encontro do elevado sistema jurídico romano com os costumes bárbaros. Figura 5.10 – Mapa das invasões bárbaras Fonte: <www.saberhistoria.hpg.ig.com.br/.../invasao.jpg> Acessado em 01/09/2009. No rudimentar processo romano‑germânico, o titular da jurisdição era o povo ou as assembléias populares, sob a presidência do conde feudal. O procedimento era oral e o juiz orientava a assembléia a colher as provas e a dar a decisão. Eram meios de prova o juramento da parte, as ordálias e o duelo. A resistência e a influência do Direito romano, auxiliado pelo Direito canônico, deu lugar à formação de um processo misto, denominado romano‑barbárico, que se desenvolveu, sobretudo, na região da Lombardia. O Direito romano‑barbárico serviu de base para a formação de diversos sistemas jurídicos da história universal, sendo ainda hoje alvo de inúmeras pesquisas no campo das ciências jurídicas. Assunto que você estudará detalhadamente na próxima unidade. Unidade 5 145 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese Nesta quinta unidade, abordou‑se a origem da população de Roma e a sua história política, que vai da monarquia ao império, passando pela república. Como você pôde estudar, nela foram ressaltadas, ainda, as condições necessárias para uma pessoa ser considerada cidadão romano, destacando que estes configuravam‑se mais como membros familiares do que como indivíduos, consubstanciando uma cultura em que o poder central de inquestionável poder na família tinha como pivô central o paterfamilias, tendo este total poder sobre os seus descendentes, chegando até mesmo ao cúmulo de lhe ser conferido o poder de matar e abandonar o seu próprio filho. E por assim ser, as mulheres não podiam participar da vida pública, não podiam servir de testemunhas, não tinham prestígio, não tinham direitos, e o poder político centrava‑se nas mãos dos homens, configurando o mundo das mulheres em um mundo de limitações. Você também viu, nesta unidade, o contexto que fundamentou a maior e a mais violenta revolta de Roma, intitulada de Revolta da Plebe e que teve como atores de um lado os plebeus, clientes e escravos e de outro os patrícios (grandes proprietários de terras e detentores de direitos políticos). Por fim, você pôde ter contato com a abordagem da Lei das XII Tábuas, como fruto consagrado dessa revolta e que ensejou assegurar os direitos jurídico‑políticos aos plebeus, clientes e escravos. 146 História do Direito Atividades de auto‑avaliação 1) Descreva a estrutura social romana do período republicano e comente acerca dos elementos sociais que a constituíam. 2) Descreva e comente a estrutura político‑administrativa romana do período republicano da história romana. Unidade 5 147 Universidade do Sul de Santa Catarina 3) Comente a afirmação do autor Thomas Marky: “As mulheres não tinham capacidade para direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do direito privado também. A mulher não tinha direito ao pátrio poder, nem à tutela, e não podia participar dos atos solenes na qualidade de testemunha.” 4) Apresente e explique os fatores sociopolíticos e econômicos que resultaram na Revolta da Plebe. 148 História do Direito Saiba mais ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v.2. AQUINO, Rubim Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; LOPES Oscar Guilherme Campos. História das Sociedades. Das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. DEMO, Wilson. Manual de História do Direito. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. São Paulo: Max Limonad, 2000. MARKY, Thomas. Curso elementar de Direito Romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. MEIRA, Silvio A. B. Curso de Direito Romano: História e Fontes. São Paulo: Saraiva, 1997. POLÍBIOS. História. Tradção de Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1985. LÍVIO, Tito. AB URBE CONDITA LIBRI. 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Constatar a imprescindível relação entre o redescobrimento do Direito Romano e o desenvolvimento do Direito Medieval em direção aos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Estabelecer uma linha divisória entre os sistemas jurídicos anteriores ao século XI e aqueles posteriores à revolução jurídica medieval. Seções de estudo Seção 1 Crise do Império Romano do Ocidente Seção 2 O Direito Comum Europeu e o Direito Germânico Seção 3 A Revolução Papal Seção 4 Direito Romano e Universidades Européias: estrutura fundamental das Ordens Jurídicas Européias 6 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Os modelos jurídicos que surgiram durante o desenvolvimento das sociedades humanas apresentaram, como você pôde perceber nas unidades anteriores, inúmeras especificidades. Estas permitem afirmar a existência de sistemas ou ordenamentos jurídicos que se diferenciam por conta de suas características individualizadoras. Deste modo, pode‑se falar de direito grego, egípcio ou romano, sem que se confunda um com outro, já que as diferenças são nítidas e permitem perceber a distinção entre os modelos. Normalmente, as construções sociais humanas se fundamentam nos modelos passados para traçar suas novas linhas de atuação. Com o fim do Império Romano do Ocidente, verificamos também o fim do paradigma, do modelo de ordenamento jurídico entendido como o mais complexo até então elaborado pelas sociedades humanas. As invasões dos inúmeros povos do norte e do leste europeu, denominados de “bárbaros” pelos romanos, fez cair no esquecimento grande parte das estruturas jurídicas romanas e provocou a alteração do modelo jurídico para o que se convencionou chamar de “direito germânico”, e, posteriormente, “direito comum europeu”. É importante salientar que não se pode falar em regressão ou surgimento de um direito mais arcaico que o romano, quando da sua “substituição” pelo direito germânico. O que se verifica é uma adequação do modelo jurídico às necessidades histórico‑sociais do momento e do local em que surgem. O direito é relacional, ou seja, se relaciona com a sociedade que rege. Porém, nem todo o direito romano foi esquecido. Princípios e contextos jurídicos daquele grande povo da antiguidade permaneceram misturados dentro dos sistemas germânicos, formando o direito comum europeu. Além disso, a redescoberta de um vasto conjunto de textos versando sobre normas, jurisprudências e doutrinas romanas – o Corpus Iuris Civilis ‑, 152 História do Direito compilados pelo imperador Justiniano, permitem dizer que o Direito Romano nunca abandonou completamente a civilização ocidental e, além disso, constitui‑se como uma das mais importantes bases para a construção de nossa tradição jurídica: a Tradição Jurídica Ocidental. Nesta Unidade 6, você estudará as implicações e os fatores que moldaram todos os nossos ordenamentos jurídicos modernos, principalmente aqueles entendidos como ordenamentos de Civil law ou de Direito Continental Europeu. Seção 1 – Crise do Império Romano Acerca da crise política, social e econômica que se abateu sobre o Baixo Império Romano no decorrer do século I, da era cristã, podemos relacionar um conjunto de fatores de ordem interna, os quais caracterizaram o governo de uma dezena de imperadores romanos daquele período histórico. Tais fatores resultaram a adoção de uma política de gestão do território do Império Romano denominada “Política de Expansão Territorial”, implantada a partir do governo do Imperador Romano Tibério (14 d.C.), com vistas a desenvolver a economia romana ao máximo, através do mecanismo político‑militar das conquistas territoriais e dos espólios de guerra. Este modelo é o que nos é familiar, ou seja, fundamentado em leis escritas, códigos de conduta, como o nosso atual código civil, e que se relaciona por quase todos os países continentais europeus (Itália, França, Alemanha etc.) Pode, de certa maneira, ser oposto ao modelo Inglês ou da Common Law. Fazia‑se necessário, no entanto, adotar um conjunto de medidas políticas internas capazes de impulsionar a ousada empreitada. Dentre as principais medidas políticas adotadas no âmbito interno para motivar a “Política de Expansão Territorial” destacam‑se: a)o fim da chamada Pax Romana, ou seja, o término da política de paz firmada durante o governo de Caio Otávio Augusto (primeiro imperador romano) com os povos vizinhos, apelidados pelos romanos de “povos bárbaros” por apresentarem costumes culturais e comportamentos sociais distintos da cultura romana; Unidade 6 153 Universidade do Sul de Santa Catarina b)o aumento do contingente militar, visando o confronto bélico que se estabeleceria com os povos vizinhos bárbaros em função da “Política de Expansão Territorial”; c)o aumento das despesas públicas, como resultado das campanhas militares; d)o aumento da carga tributária que recaía sobre as diversas camadas socioeconômicas romanas, onerando mais as camadas humildes (clientes e plebeus) da sociedade romana; e)o aumento das crises e convulsões sociais como resultado dos altos impostos, da corrupção política, do caos militar e dos escândalos da nobreza romana. É comum afirmar que estas medidas políticas impulsionaram a crise do Império Romano, que recebeu o seu golpe derradeiro com as invasões dos povos bárbaros sobre o território romano ocidental. Seção 2 – O Direito Comum Europeu e o Direito Germânico Os povos bárbaros possuíam formas variadas de organização social. Como afirma Harold Berman (2006, p.68), o chamado “Direito tribal” ou “germânico” pode ser observado de modo independente em inúmeros povos da Europa Ocidental, tais como: [...] os francos, alemandos, frisões, visigodos, ostrogodos, borgonheses, lombardos, saxões ocidentais, vândalos, suevos e outros povos que posteriormente viriam a se combinar no Império Franco e que se encontravam na região que, muito mais tarde, viria a se tornar a Alemanha, França e o Norte da Itália; os anglos, os saxões ocidentais, os jutos, celtas, bretões e outros povos que viriam a ser os ingleses; os dinamarqueses, os noruegueses e outros homens do mar do Norte da Escandinávia e mais tarde Normandia, Sicília e outros lugares; e muitos outros, desde pictos e escoceses até os magiares e os eslavos. Do período que abrange o século VI ao X, os direitos desses povos, apesar de independentes, eram incrivelmente similares. 154 História do Direito Além disso, apesar da desintegração do Império Romano do Ocidente, no século V, e do pouco que restou do antigo direito romano, alguns locais da Europa, como o Norte da Itália, a Espanha e o Sul da França mantiveram uma espécie de memória jurídica romana. Desta forma, mantiveram uma parcela da antiga terminologia do Direito Romano, desenvolvendo, a partir da confluência com o direito germânico, um direito simplificado, popularizado e corrompido, denominado Direito Romano Vulgar. Observe por meio da figura 6.1 a movimentação dos povos bárbaros sobre o território romano. Figura 6.1 – Invasões Bárbaras – séc. IV e V Fonte: Disponível em <http://www.denarii.com.br>. Acesso em: 3 mar. 2011. No início, o direito romano vulgar caracterizava‑se por ser eminentemente oralizado, ou seja, não possuía leis escritas e universalmente definidas. Era um reflexo direto da cultura dos povos aos quais se vinculava; Era, enfim, uma expressão de seus costumes. Denominava‑se, por isso, “direito costumeiro” ou “consuetudinário”, porém, com o aumento da influência da Igreja Católica sobre os povos bárbaros, passou a ser comum a transcrição, pelas autoridades reais, de leis tribais e locais em coleções escritas (códigos, como viriam a ser mais tarde denominados). Unidade 6 155 Universidade do Sul de Santa Catarina Muito do que conhecemos hoje do direito costumeiro daquela época se deve a tais documentos. Os códigos tribais representam, contudo, apenas uma pequena fração do direito consuetudinário daquela época. Outras fontes que proporcionam o conhecimento daqueles direitos são as músicas, lendas e textos literários daquele tempo. Entre as leis dos Bárbaros (Leges Barbarorum) a que hoje temos acesso, a mais antiga parece ser a Lex Salica, editada pelo Rei Clóvis, dos Merovíngios, pouco tempo após a sua conversão ao cristianismo, em 496. Já a primeira compilação anglo‑saxã (as Leis de Ethelbert) data de 600 d.C. Ethelbert era regente de Kent, casado com uma católica e convertido ao cristianismo pelo emissário do Papa Gregório, Agostinho, em 597. Para as tribos bárbaras, a conversão de nobres pagãos ao cristianismo provocava reações, tais como a preocupação com a criação de textos escritos. Dessa forma, podemos traçar uma linha de desenvolvimento do direito germânico, que, num primeiro momento, segundo Harold Berman (2006, pp. 80‑83), possuía caráter simbólico e cerimonial, sendo eminentemente oral, dependente de um formalismo da prova testemunhal, e dos ordálios, pois, como direito não escrito, ele dependia de certa dramaticidade e representação para ser notado pela sociedade. Você deve se lembrar de filmes com cenas de duelos, em que um cavalheiro, com uma batida de luvas na face de outro o desafiava para um duelo. Essa é uma típica manifestação de direito costumeiro, não escrito, que possuía uma grande cena dramática, teatral, para a execução do que o direito previa. O duelo em si prova que a parte que tiver a razão será a vencedora, através das mãos de Deus. 156 História do Direito Já em um segundo momento, por conta das conversões dos povos pagãos, podemos observar importantes efeitos do cristianismo sobre o direito germânico. Dentre estes efeitos, podemos destacar que a conversão dos povos pagãos: a)possibilitou que os costumes tribais fossem escritos. b)quebrou a ficção da imutabilidade do direito costumeiro, substituindo os conceitos de raça, sexo e classe do direito germânico por conceitos de igualdade entre as pessoas; c)o cristianismo tornou‑se uma ideologia unificadora, ou seja, o rei ou imperador (como representante da igreja), deveria defender não mais poucas tribos, mas sim uma universalidade de pessoas: os cristãos. O processo de criação de vários ordenamentos jurídicos distintos, como o real e o costumeiro, seguiu sendo influenciado pelo direito Romano. Desta forma, O advento do cristianismo permitiu a ampliação da palavra escrita e esta possibilitou fixar costumes, que, de outro modo, permaneceriam incertos. Tal fato facilitou a negociação em casos controvertidos, bem como fortaleceu a jurisdição das autoridades públicas para punirem as formas mais sérias de crimes. O direito oficial e muitas formas costumeiras foram influenciados pelo Direito Romano, tal como existiu nos territórios conquistados pelos povos germânicos invasores. Muitas regras romanas foram mantidas: por exemplo, a proibição a uma transação imoral ou contra o Direito, a invalidade de uma venda ou doação por coação, a obrigação de um devedor em mora pagar juros sobre o seu débito. Havia, com efeito, uma recepção – e ao mesmo tempo uma vulgarização – do Direito Romano. Uma analogia moderna é a recepção do Direito de feição ocidental no Japão e na China no final do século XIX e início do XX – um tipo de direito ocidental que governava certas relações oficiais das classes superiores, mas que virtualmente nada modificou nas demais, isto é, no povo como um todo (BERMAN, 2006, p.85). No período conhecido como Alta Idade Média, cada um dos povos da Europa era detentor de uma ordem jurídica própria e complexa, que variava de acordo com suas necessidades históricas. Porém, nenhum desses sistemas jurídicos poderia ser caracterizado como uma estrutura concisa e articulada de instituições jurídicas diferenciadas de outras instituições sociais, compostas de pessoas treinadas e dedicadas à aplicação da tarefa de julgar, pesquisar ou criar o direito. Unidade 6 157 Universidade do Sul de Santa Catarina No passado, o direito não estava separado de outras regras de conduta, como a moral e a religião. Tentar estabelecer esses limites num tempo anterior seria um anacronismo, conforme nos lembra Hespanha (2005), pois seria como pegar algo que existe apenas no presente e forçar sua aplicação no passado. Assim, diferentemente do que ocorre com aquilo que hoje entendemos por direito, os povos da Europa do século VI ao século X (e às vezes até mais adiante) não possuíam um corpo de regras definido. Segundo Harold Berman (2006, p. 85), “o próprio povo nas assembléias públicas legislava e julgava; e quando os reis impunham sua autoridade sobre o Direito, era principalmente para guiar o costume e a consciência jurídica do povo e não para reformulá‑la”. Seção 3 – A Revolução Papal Nos primeiros séculos do período denominado Baixa Idade Média (aproximadamente entre o século XI e o século XVI), verificou‑se uma substancial alteração nas estruturas sociais européias que, por sua vez, levaram a uma decisiva transformação nas bases do Direito europeu, e, daí por diante, ocidental. Neste período, surgiram estruturas de poder centralizadoras, como a Santa Sé e Portugal. Durante os séculos XI e XII, houve uma mudança centrípeta na Europa, com o poder sendo irradiado a partir de centros. Além disso, a sistematização de um sistema de direito, com profissionais especializados – juristas profissionais ‑, começa a surgir, graça ao ressurgimento de textos filosóficos da antiguidade grega e ao surgimento das Universidades européias. 158 História do Direito É possível afirmar que nesse período o direito adquire consciência de si próprio e torna‑se, gradativamente, autônomo em relação a outras estruturas sociais, como a política, a religião e a moral. A combinação dos fatores político e intelectual, bem como profundas alterações sociais e econômicas, ajudou a produzir sistemas jurídicos ocidentais modernos, dos quais o primeiro foi o novo sistema de Direito Canônico da Igreja Católica Apostólica Romana. Contra os fundamentos desse Direito Canônico, os reinos europeus e outros entes políticos começaram a criar seus próprios sistemas jurídicos seculares. É importante ter em vista que todos os sistemas jurídicos que surgiam tinham como base fundamental a sistematização do antigo Direito Romano. Voltaremos a isso mais à frente. A fundamental revolução dos sistemas jurídicos europeus iniciou‑se dentro da Igreja, no ano de 1075, com a edição das Bulas Papais, do Papa Gregório VII. Este evento centralizou e sistematizou seu complexo direito, partindo da centralização política e jurídica do papado sobre toda a Igreja e a independência do clero de qualquer controle secular. Antes desse evento, também conhecido como Reforma Gregoriana, a Igreja experimentava uma descentralização em sua organização administrativa. Cada localidade, cada mosteiro tinha suas próprias regras e costumes, e não havia preponderância de nenhuma autoridade específica. Além disso, os cargos importantes do clero (como bispos, por exemplo) não estavam vinculados a decisões papais; eram os líderes políticos – os Reis e o Imperador ‑, que investiam seus aliados nas posições eclesiásticas. Unidade 6 Este ato de investimento de aliados dos poderes seculares – reis, senhores feudais e o Imperador ‑, em cargos eclesiásticos denominava‑se Simonia. 159 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 6.2 – Papa Gregório VII Fonte: Disponível em: <http://asv.vatican.va>. Acesso em: mar. 2011. As Bulas Papais rompem com tais costumes, estabelecendo uma centralização política da administração da Igreja na figura do papado. Além disso, a partir de então, apenas o Papa poderia indicar os nomes para os altos cargos do clero. A Reforma Gregoriana também tocou em um ponto crucial do antigo equilíbrio político da Europa. A partir da publicação das bulas, o Papa arrogava sua supremacia definitiva sobre os assuntos seculares, incluindo a autoridade para depor seus representantes, fossem os reis ou o próprio Imperador. Não era de se esperar outra coisa que não o conflito entre o Papa e o Imperador e alguns monarcas, que ocorreu por toda a Europa até 1122, quando foi assinada a Concordata de Worms. Na Inglaterra e na Normandia o conflito se estendeu por mais algum tempo, sendo concluído após o martírio do arcebispo Thomas Beckett, em 1170. É importante salientar que esta centralização dos poderes da Igreja em torno do papado ocorreu com fundamento na criação de um ordenamento jurídico próprio, centralizado, sistematizado e racional, denominado Direito Canônico. E a separação, a concorrência e a interação das jurisdições espiritual e secular foram uma das principais fontes da Tradição Jurídica Ocidental, pois deram margem a movimentos que originaram outros sistemas jurídicos, como o Real, o das Cidades, o Feudal, o Senhorial, o Mercantil etc. 160 História do Direito Nesse desenvolvimento de sistemas jurídicos que floresceu na Idade Média a partir do século XI, deve‑se destacar o papel relevante do Direito Romano recém redescoberto e o Estudo de suas estruturas por organismos especializados: a Universidade. Seção 4 – Direito Romano e Universidades Européias: estrutura fundamental das Ordens Jurídicas Européias As reformas instituídas pelo Papa Gregório VII causaram uma profunda comoção entre os nobres europeus, originando conflitos armados entre estes e o papado. Mas como o Papa conseguiria resistir a esses conflitos se ele não controlava nenhum exército? A resposta estava na sua legitimação ao poder, que motivava outros nobres a defender o poder da cristandade, poder representado pelo Bispo de Roma. Esta legitimidade, no entanto, necessitava ser historicamente fundamentada e, para isso, o Papa fundou centros de estudo para a procura do registro escrito da história da Igreja. Nesta busca, alguns documentos romanos foram descobertos em monastérios. Dentre eles um manuscrito que descrevia as estruturas do direito romano intitulado Digesto do Imperador Justiniano, de 534 d.C. Historicamente o Papa é conhecido como Bispo de Roma, primeiro bispo dentre todos os outros da cristandade. Esse texto, compilado pelo Imperador Justiniano – o Corpus Iuris Civilis ‑, com as normas do antigo direito romano, revolucionou a construção do direito na Idade Média. Escolas de direito foram criadas e posteriormente vieram a ser conhecidas como “Universidades”. Fundadas por toda a Europa entre os séculos XII e XIII, eram intimamente ligadas ao Unidade 6 161 Universidade do Sul de Santa Catarina surgimento dos sistemas jurídicos ocidentais modernos. Nesse processo, o Direito Romano Justinianeu, como ficou conhecido, exerceu papel fundamental. Nas Universidades dedicadas, a princípio, exclusivamente à leitura e entendimento do Direito Romano, eram formados os primeiros juristas, que depois iriam retornar aos seus reinos, cidades autônomas ou postos eclesiásticos, e aplicariam, a partir de então, os conhecimentos adquiridos e a estrutura sistematizada daquele intricado normativo que se mostrava tão complexo e completo aos olhos dos estudantes. Desta influência intelectual (que unia a Universidade e os textos Romanos) nasceram os sistemas jurídicos modernos. A leitura e o entendimento de textos tão antigos e complexos não eram simples. Além disso, a maioria das previsões jurídicas contidas neles não poderia ser aplicada com facilidade à realidade da Europa Medieval, que se mostrava muito diversa daquela em que os textos justinianeus foram elaborados. Havia a necessidade de uma interpretação desses textos e de uma adaptação de suas normas à realidade européia. Por conta desses motivos, a figura do professor foi de fundamental importância no desenvolvimento da consciência e da estrutura jurídica ocidental. Como exemplo disso podemos observar a Escola de Bolonha. Via de regra, os alunos interessados em estudar os textos romanos contratavam um professor por um ano. Conhecida também pelo seu lema Alma Mater Studiorum, a Universidade de Bolonha foi fundada em 1088. 162 Em 1087, um professor chamado Guarnerius ganhou proeminência e a sua escola sobreviveu à sua morte. Surgiu então a Escola de Bolonha, primeira faculdade de direito do mundo, que entre os séculos XII e XIII, chegou a possuir cerca de 10.000 alunos. História do Direito Figura 6.3 – Universidade de Bolonha Fonte: Disponível em < http://www.unibo.it/Portale/default.htm>. Acesso em mar. 2011. Os alunos se organizaram em corporações para tornar suas vidas na cidade menos precária. Essas corporações regulamentavam os contratos dos alunos com os professores, os aluguéis, os cursos e matérias ministradas, e denominavam‑se Universitas. Daí a origem do nome Universidade. Dentro das Universidades Européias de então, realizava‑se o estudo dos manuscritos justinianeus, que estavam divididos em: a)código (doze livros de ordenações de imperadores anteriores a justiniano); b)novelas (leis do imperador Justiniano); c) institutas (manual de introdução aos estudantes de direito); d)digesto ou pandectas (cinquenta livros com opiniões de juristas romanos). Os textos eram muito complicados, sendo que o Professor interpretava‑os (palavra por palavra, linha por linha) e os alunos anotavam às margens de seus originais em latim, como hoje em dia fazemos quando anotamos pontos importantes de um livro, a lápis, em sua margem. Essas anotações chamavam‑se Glosas e passavam de geração em geração entre os alunos. Algumas adquiriram importância semelhante a um texto romano original, como o Glosador Irineu, ou a Glosa Ordinária de Acúrsio, que tornou‑se a glosa padrão sobre o Digesto de Justiniano. Unidade 6 163 Universidade do Sul de Santa Catarina Figura 6.4 – Texto com glosas nas laterais Fonte: Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Codiceemil.jpg>. Acesso em: mar. 2011. Anos mais tarde as Glosas foram reinterpretadas à luz de novos contextos jurídicos e sociais. Esses comentários sobre as Glosas chamavam‑se Comentários, os quais também adquiriram relevo na interpretação e adequação do direito romano às necessidades sociojurídicas medievais. Pense: Como adaptar um texto fundado em um direito milenar, que havia desaparecido por 600 anos, à realidade medieval? A resposta é: através do método escolástico. Com fundamento na lógica dialética de Aristóteles, recém trazida das bibliotecas do Oriente e da Espanha muçulmana, há pouco reconquistada pelos europeus, esse método permitia a sintetização do texto estudado, a eliminação das lacunas existentes, e, conseqüentemente, a eliminação das contradições presentes entre o texto romano e a realidade medieval. Começaram então a surgir grandes obras jurídicas fundamentadas nesse método escolástico, que visavam a adequar as discordâncias dos textos com a realidade social, denominadas Summae ou Sumas, como é o exemplo do Tratado de Graciano ou “Uma Concordância de Cânones Discordantes”, de 1140. Essa obra, especificamente, e outras tantas que a seguiram, constituíram as principais construções jurídicas da Idade Média, sendo ainda hoje válidas dentro do Ordenamento Jurídico da Igreja, ou Direito Canônico. 164 História do Direito Figura 6.5 – Tratado de Graciano Fonte: Disponível em: <http://www.esacademic.com/dic.nsf/eswiki/289587>. Acesso em: mar. 2011. A redescoberta dos textos romanos e o interesse despertado por eles possibilitam uma grande revolução no direito medieval. As antigas construções de direito comum europeu ou direito barbárico, profundamente ligados ao costume ancestral das comunidades bárbaras, mesclam‑se por outros sistemas jurídicos complexos que têm como estrutura central o modelo romano de direito, apreendido por intermédio do Corpus Iuris Civilis. Esses modelos, como o canônico, o urbano (de cidades autônomas como Veneza do séc. XIV), o real e o mercantil, são relidos de acordo com a época e reinterpretados à luz das novas necessidades sociais, constituindo as bases da Tradição Jurídica Ocidental e, conseqüentemente, dos ordenamentos jurídicos modernos. Assim, para concluir esta unidade, podemos afirmar como fatores fundamentais para a consolidação dos ordenamentos jurídicos modernos os seguintes aspectos: a)o direito romano, por meio do Corpus Iuris Civilis; b)a redescoberta dos textos dos grandes filósofos gregos; c) a fundação das Universidades Européias a partir do séc. XI. Unidade 6 165 Universidade do Sul de Santa Catarina Síntese As relações entre o direito Romano e o desenvolvimento da denominada Tradição Jurídica Ocidental, que fundamenta nossos ordenamentos jurídicos atuais, podem ser observadas por todo o período da Idade Média, como inicialmente você viu, na construção do Direito Comum Europeu, e, posteriormente, na fundação dos vários ordenamentos jurídicos medievais, como o Direito Canônico e o Direito dos Reinos. Com o surgimento do Corpus Iuris Civilis no cenário Europeu, e a existência de crescentes necessidades de centralização das autoridades políticas, principalmente do Papado, uma mudança radical nas estruturas do direito medieval estava prestes a acontecer. Os textos romanos necessitavam de estudos profundos e especializados, originando profissionais especializados em seu estudo – os juristas ‑, e locais em que esses juristas pudessem ser formados e os textos, dissecados – as Universidades. Mas os textos não poderiam ser apenas traduzidos, estudados e aplicados na prática cotidiana do jurista. A realidade social da Idade Média era muito diferente e mais complexa daquela romana, onde surgiu o Corpus Iuris Civilis. Havia a necessidade de adaptação dos textos à realidade daquele momento. Com o surgimento dos textos de filosofia grega, por intermédio dos povos árabes e dos mosteiros espanhóis e portugueses, o método dialético foi desenvolvido, dando origem à ferramenta intelectual que faltava ao desenvolvimento da Tradição Jurídica Ocidental. Muitos foram os fatores que precisaram estar juntos para que a nossa tradição jurídica de hoje começasse a se desenvolver. No entanto, mais importante dentre todos os fatores, está o cenário intelectual que teve de ser adaptado para que esse desenvolvimento fosse possível. 166 História do Direito Atividades de autoavaliação 1) Quanto ao desenvolvimento do direito como ordenamento jurídico racional, ocorrido a partir do Séc. XI na Europa, é INCORRETO afirmar que: a) ( ) A sistematização do direito dentro de um ordenamento jurídico coerente ocorre, primeiramente, a partir da sistematização do direito canônico, iniciada pelo papado, em finais do século XI. b) ( ) Pode‑se afirmar que a espinha dorsal de todo o ordenamento jurídico nascido a partir do séc. XI, na Europa medieval, é representada pelo direito Romano. c) ( ) Glosadores eram, normalmente, monges profundamente ligados a mosteiros medievais, afastados das nascentes universidades, que efetuavam comentários sobre os textos sagrados da Igreja e, assim, construíam o direito nascente na Idade Média. d) ( ) Os Glosadores exerceram profunda influência dentro da evolução do direito na Idade Média, pois a partir da utilização do método escolástico conseguiam adaptar as regras de direito às novas realidades que surgiam com a evolução da sociedade. 2) Indique quais são os principais fatores constitutivos da revolução jurídica ocorrida na Europa Medieval e explique sucintamente a influência deles na construção da Tradição Jurídica Ocidental. Unidade 6 167 Universidade do Sul de Santa Catarina 3) Pesquise quem foi Pedro Abelardo (1079‑1142) e qual sua importância para o desenvolvimento do direito e seu estudo na Idade Média. Saiba mais Para entender um pouco mais sobre a época estudada e compreender o sistema de leis vigentes, assista ao filme “EM NOME DE DEUS”. Sinopse: Na Paris do século XII, um filósofo da tradicional escola de Notre Dame se apaixona por uma discípula erudita. Este filme é uma versão livre da história medieval de Abelardo e Heloísa. O título original é “Stealing Heaven” que traduzido ficou “Em Nome de Deus”. Duração: 108 minutos. Ano de Lançamento: 1988. 168 Para concluir o estudo Com a leitura do presente livro, espero que você tenha experimentado conceitos acerca das origens históricas do processo, partindo das primeiras manifestações nas civilizações antigas orientais; como o Código de Hamurabi, a Legislação Mosaica, as legislações atenienses e espartanas que compõem o Direito grego e, por fim, o Direito romano, que muito influenciou os doutrinadores pátrios em nossos códigos de leis. Este texto traz em seu corpo a conceituação do que vem a ser processo, pois é a partir da compreensão do seu significado que se pode buscar suas origens históricas e, além disso, traçar um paralelo desta com as legislações processuais brasileiras em vigor na atualidade. Conclui‑se, então, que o processo é uma série de atos coordenados para a solução dos conflitos na esfera jurídica. Os povos antigos descritos no presente texto resolviam seus problemas por intermédio da autotutela, partindo da concepção de que à vítima de uma injustiça era outorgado o direito de revidar a injustiça sofrida, de fazer justiça com as próprias mãos; não havendo, dessa forma, qualquer regularidade nas reações daqueles que se sentiam prejudicados e muito menos a idéia da formulação de um processo em que as partes deveriam compor um litígio. Com esta postura estabelecida na sociedade, a vingança e as represálias eram constantes e a satisfação dos direitos se dava de maneira única e exclusiva por parte de cada indivíduo. A partir do estudo do Código de Hamurabi como principal ordenamento jurídico das civilizações Universidade do Sul de Santa Catarina mesopotâmicas da antigüidade oriental, observamos o nascimento das normas antropocêntricas de convivência em sociedade. Estas, por sua vez, acentuavam o poder do Estado, representado pelo imperador, o qual na prática correspondia à “personificação dos interesses do Estado.” Por meio de sua autoridade suprema, o imperador outorgava normas de condutas sociais inspiradas no direito consuetudinário, o qual estabelecia métodos e procedimentos jurídicos que serviram de base aos direitos processuais contemporâneos. Das civilizações palestinas, em especial da hebraica, herdamos a Legislação Mosaica, a qual apresentou com bastante propriedade o nascimento de normas teocêntricas de convivência em sociedade. Estas, ao contrário das primeiras antropocêntricas, tinham na figura do soberano as inspirações divinas que legitimavam as decisões dos líderes do Estado e regulamentavam a vida dos cidadãos hebreus em sociedade a partir do nascimento de métodos e procedimentos jurídicos, os quais igualmente influenciaram as normas processuais do Direito contemporâneo, em especial dos povos cristianizados. Da civilização hebraica, podemos citar a criação da figura da prova testemunhal, dispositivos de Direito Internacional, Constitucional, Direito Penal (como o falso testemunho), tudo com um processo rudimentar, como embrião formado nesse período histórico. Das civilizações greco‑latinas (gregas atenienses, gregas espartanas) e latino‑romanas, herdamos os principais modelos de Direito Processual Civil Contemporâneos dos povos ocidentais. Das legislações atenienses da época de Sólon, herdamos os principais modelos político‑administrativos dos Estados republicanos contemporâneos, além dos institutos legislativos responsáveis pela elaboração das leis por meio do princípio representativo de Estado. A partir de Licurgo e das legislações espartanas, herdamos os principais procedimentos e ritos jurídicos inspirados nos conceitos filosóficos da Grécia milenar. A filosofia do direito proposta por Licurgo e outros juristas espartanos desenvolveu as balisas norteadoras do direito alternativo hoje tão em voga. 170 História do Direito Agora, foi do Direito romano que herdamos os principais fundamentos do Direito Processual Civil contemporâneo. Desde a estrutura funcional do primitivo Poder Judiciário romano dos tempos da República, ao aprimorado modelo estrutural jurídico do Império Romano; o processo se desenvolveu seguindo métodos, ritos e formas inspirados nos principais institutos jurídicos do mundo romano, resultado das conquistas militares e sua grande expansão territorial. Da Lei das XII Tábuas do fim do período republicano romano nascem as fases desse Direito Processual romano (in jure e in judicio), além do processo formular, em que o processo passou a ser remetido ao julgamento de um juiz ou árbitro privado. Dos editos imperiais, novos atributos foram agregados ao processo romano, o qual, no auge do Império Romano, apresentou a figura do pretor como responsável pela organização dos ritos processuais em toda a extensão do território imperial. O Direito romano, posteriormente associado ao Direito canônico, deu lugar à formação de um processo misto que sobreviveu durante todo o período medieval sob o rótulo de Direito romano‑barbárico, o qual serviu de base para a formação de diversos sistemas jurídicos da história universal, sendo ainda hoje alvo de inúmeras pesquisas no campo das ciências jurídicas. 171 Sobre os professores conteudistas André Luiz Santos é bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC ‑, mestre em Relações Internacionais com habilitação em Ciências Jurídicas pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL ‑ e doutorando em História Política e Social. Membro e fundador da Academia Parano‑Catarinense de Letras desde 2001, especializou‑se no estudo das Ciências Humanas Aplicadas ao Direito e no estudo das Ciências da Religião, em especial das religiões orientais de origem védica. Coordenador do Curso de Graduação de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL – Unidade Acadêmica Dom Bosco, desde 2003; é professor de diversas disciplinas na área das Ciências Humanas Aplicadas ao Direito, dentre elas: História do Direito, Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica, Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Professor da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, nos cursos de Direito, Relações Internacionais, Ciência Política e Segurança Pública; professor do programa de pós‑graduação em Gestão do Patrimônio Cultural da Faculdade Energia de Administração e Negócios ‑ FEAN ‑ e Universidade de Salamanca (Espanha). É autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos nas áreas de História Política e Social, História das Religiões Orientais e Filosofia Védica. Paulo Potiara de Alcântara Veloso é doutorando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, possui graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade de Taubaté (2002) e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). Tem experiência docente Universidade do Sul de Santa Catarina na área de Direito, com ênfase em Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado, atuando principalmente nos seguintes temas: integração regional, atores não-estatais, história do direito internacional e direito internacional do meio ambiente. 174 Referências ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2000. ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v.2. ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. elaboração de trabalhos na graduação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. AQUINO, Rubim Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo; LOPES Oscar Guilherme Pahr Campos. 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Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. 177 Respostas e comentários das atividades de auto‑avaliação UNIDADE 1 1) Alternativa correta: b 2) Alternativa correta: a 3) Alternativa correta: a 4) Alternativa correta: c 5) Valor final: 11 6) Alternativa correta: a UNIDADE 2 1) Resposta: As legislações antropocêntricas consistem em normas de convívio social estabelecidas a partir das relações humanas; ou seja, têm como alvo principal o ser humano e o contexto social que o cerca. Essas legislações são outorgadas ou promulgadas pelo homem organizado em seu corpo social e refletem a vontade humana de normatizar a vida em sociedade. Ex.: Código de Hamurabi (Mesopotâmia – Babilônia), legislações atenienses e espartanas (Grécia), Lei das XII Tábuas (Roma). Já as legislações teocêntricas consistem em normas de convívio social estabelecidas a partir de um forte discurso religioso; ou seja, na crença em uma divindade suprema que em Seu próprio nome intervém nas condutas sociais da humanidade com o intuito de estabelecer a ordem social. Estas legislações são atribuídas à autoria divina, em que a divindade inspira um determinado indivíduo para em Seu nome legislar ou, ainda, publica por conta própria o reflexo de sua vontade divina sobre a humanidade. Ex.: legislação mosaica ou Decálogo (Palestina), Código de Manu (Índia), Código de Osíris (Egito). 2) Resposta: O conceito contemporâneo de justiça permeia a relação de equilíbrio entre a vontade suprema de manter a ordem prevista pela lei, representante do Estado instituído e os anseios e necessidades dos indivíduos instituídos em sociedade, direitos. Esse equilíbrio permanente entre os conceitos de Lei e Direito consiste no papel contemporâneo Universidade do Sul de Santa Catarina da justiça. Os povos antigos orientais, a exemplo dos babilônicos da época de Hamurabi, desconheciam o conceito de Direito como conjunto de garantias que visam a satisfazer as necessidades dos indivíduos instituídos em sociedade. Esses povos, por sua vez, conheciam exclusivamente a vontade soberana do Estado em manter a ordem pública, ou seja, a lei primitiva. Desconhecendo, portanto, o conceito contemporâneo de direito, não poderiam conhecer, tampouco, o conceito contemporâneo de justiça; sendo assim, podemos afirmar com propriedade que os códigos de leis da Antigüidade Oriental, a exemplo do Código de Hamurabi, não visava a praticar justiça nos moldes da Justiça contemporânea. 3) Resposta: As sociedades antigas orientais, com raras exceções, estabeleciam a condição de subordinação completa da mulher à autoridade do homem, seja por meio de uma justificativa religiosa, como faziam as legislações teocêntricas, seja por meio de justificativas sociais, como faziam as legislações antropocêntricas, a exemplo do código de Hamurabi. Nesta legislação específica, a mulher aparecia de fato subordinada à autoridade do homem desde o nascimento. Podemos fazer uso de uma parte do Código de Hamurabi para ressaltar essa passagem: “a mulher quando jovem e solteira pertence a seu pai, quando na fase adulta e casada passa a pertencer a seu esposo; uma vez viúva passa a pertencer ao filho mais velho do sexo masculino devendo‑lhe respeito e subordinando‑se a ele ao mesmo, reconhecendo sua autoridade e a ele rendendo homenagens”. Esta passagem repete‑se em outras legislações antropocêntricas mudando vagamente o vocabulário, porém, mantendo fielmente o seu significado e contexto. UNIDADE 3 1) Alternativa correta: e 2) Alternativa correta: b 3) Alternativa correta: e 4) Resposta: Os hebreus foram conduzidos ao Egito por intermédio de dois patriarcas, Jacó e José (pai e filho), os quais viviam na Palestina em condições difíceis devido à grande seca que assolava a região do Oriente Médio Antigo (Fenícia, Palestina e Mesopotâmia). Desta forma, o Egito parecia naquele momento uma boa alternativa, visto que lá havia cereais estocados que eram comercializados nas mais diversas caravanas de comerciantes beduínos. Os hebreus, nestas circunstâncias, migraram para o Egito nesse período da história hebraica e lá fixaram residência, sendo posteriormente escravizados sob ordens do faraó egípcio. Permaneceram escravizados até o episódio do Êxodo hebraico, sob o comando de Moisés, último patriarca da história hebraica, responsável pelo retorno dos hebreus à Palestina e pela Legislação Mosaica ou Decálogo. 180 História do Direito 5) Resposta: Podemos observar que a religião foi ponto crucial para o desenvolvimento do ordenamento jurídico para os hebreus, principalmente pelo fato que a religião se tornou fonte de coesão social, possibilitando com que os líderes hebraicos ditassem normas de boa convivência entre os próprios hebreus e entre estes com os estrangeiros, buscando sempre a união do povo na esperança de alcançar a terra prometida. 6) Resposta: Quanto às normas processuais, Moisés estabelece normas de conduta para que o processo se estabeleça de forma tranqüila e pacífica e para que seu povo não se divida em brigas ou permita que um estrangeiro venha e cause desordem com um povo já tão sofrido com as intempéries do deserto. Para ilustrar esse pensamento, extraímos um de seus pensamentos: “Então inquirirás e informar‑te‑ás e com diligência perguntarás,” ressaltando a importância do processo antes de uma decisão evitando, assim, uma sentença injusta e um falso juízo de valor. Com Moisés, já existia a idéia do princípio do devido processo legal. Ninguém poderia ser tomado como culpado sem antes ser questionado acerca da verdade dos fatos. O acusado já possuía o direito da ampla defesa, podendo chamar duas ou mais pessoas para testemunhar em seu favor, além de procurar esclarecer os fatos narrados conforme a sua versão. 7) Resposta: A Legislação Mosaica já se preocupava com a questão jurídica testemunhal no processo hebraico mesmo muito antes do Digesto romano estabelecer o seu capítulo De testibus que In ore duorum vel trium testium stabit omne verbum (os depoimentos de duas ou três testemunhas fazem prova perfeita); Moisés já havia despertado preocupação com a questão testemunhal. Nesse aspecto, ele procurou evitar as mentiras, os exageros e até as calúnias, injúrias e difamações, além do falso testemunho de uma pessoa para com a outra. Quando duas ou mais pessoas alegassem algo sobre alguém é que poderiam ser levados em conta aqueles depoimentos. Quando o fato era narrado por apenas uma pessoa, não poderia ser considerado. Este aspecto do processo ou inquirição da verdade dos fatos fazia com que a presença da testemunha fosse de grande valia no momento da produção das provas. Quanto ao falso testemunho, este passa a ser mais uma conduta condenada por Moisés e, sendo assim, estabeleceu a forma de como a testemunha deveria ser inquirida, para que ao final se alcançasse a verdade dos fatos e não uma simples represália contra aquela pessoa suspeita como forma de resposta ao anseio do ofendido. Além deste aspecto, conseguiu‑se chegar à própria condenação da testemunha ou não, conforme o andamento desse meio de prova, que a princípio parece muito mais moral que penal, no momento em que alguém é investigado sobre uma mentira ou alteração no sentido dos fatos. Essa punição deveria vir como uma forma de orientação da conduta, um ensinamento para com o seu irmão, o seu semelhante, para que ele não voltasse a cometer aquele mal, no caso o falso testemunho. O falso testemunho deveria ser punido, conforme os ensinamentos de 181 Universidade do Sul de Santa Catarina Moisés. Aqueles que alegassem algum fato deveriam se apresentar perante Deus, os sacerdotes e os juízes, para então dar início à apuração da presença ou não do falso testemunho. Para que tal processo tivesse validade, deveria ser respeitada esta forma, não podendo o depoente se apresentar somente perante uma dessas figuras. 8)Resposta: O Decálogo, ou Dez Mandamentos, originalmente, correspondeu na vontade do Deus hebraico Jeová (Yaveh) em normatizar as condutas sociais do povo hebreu. Porém, Deus, de acordo com o Antigo Testamento bíblico, escolheu o patriarca Moisés e a ele atribuiu a tarefa de guardar e propagar essa legislação às gerações futuras. Moisés, por sua vez, introduziu certos preceitos jurídicos no Decálogo original, contradizendo a recomendação divina que proibiria a intervenção humana na legislação divina (“o direito é desde logo imutável, ou seja, somente o próprio Deus pode modificar”). Desta forma e a partir deste momento dizemos, embora pareça contraditório, que o Decálogo é legitimamente um exemplo de legislação teocêntrica, enquanto que a Legislação Mosaica corresponde a um exemplo de contribuição humana. A legislação, portanto, corresponde, pelo menos em parte, a um código ou legislação antropocêntrica. 9)Resposta: Dentre as principais fontes do Direito hebraico (Legislação Mosaica ou decálogo), podemos destacar: a Bíblia, a Lei oral – Michna, a Guémara e Talmude, bem como as codificações medievais e modernas. A Michna é uma recolha relativamente confusa de opiniões dos rabinos sobre matérias religiosas e jurídicas. Nela, a opinião da minoria é mencionada ao lado da opinião da maioria dos Sábios. Uma das partes da Michna, chamada Das Mulheres (Seder Naschime), trata do casamento, do divórcio e de outros problemas de relações entre esposos. Quanto à Guémara e ao Talmude, são escritos derivados da Michna, comentados e interpretados, para tentar adaptar o seu conteúdo aos avanços e às mudanças sociais. No que podemos abstrair da citação acima, a Gémara acabou por deixar a Michna confusa, no tocante aos seus fundamentos religiosos, haja vista que os exemplos dados eram tão variados, acabando por propiciar interpretações muito variadas, levando ao desconforto os seus seguidores. Em função de um esforço de sistematização, foram agrupados Michna e Guémara no Talmude (estudo), inicialmente em Jerusalém, depois na Babilônia, na mesma época da grande codificação romana de Justiniano (Código de Justiniano ou Corpus Júris Civilis por volta do início do século VI da era cristã). UNIDADE 4 1) Alternativas corretas: 01, 02, 04, 08 2) Alternativas corretas: 01, 08 e 16 3) Alternativa correta: b 182 História do Direito 4) Alternativa correta: c 5) Alternativa correta: d 6) Alternativa correta: c 7) Resposta: Tanto em Esparta quanto em Atenas, o sistema de participação política era excludente, limitando o acesso dos indivíduos às decisões públicas. Em Esparta, esse sistema era denominado de Oligarquia, que na prática correspondia na forma de governo em que poucos cidadãos participavam das decisões públicas. Neste sistema oligárquico, somente os chamados cidadãos maiores teriam direito de se candidatarem aos cargos públicos representativos. Para alcançarem o status de cidadãos maiores, os indivíduos deveriam preencher uma série de pré‑requisitos, dentre eles destacam‑se: ser homem, nascido em Esparta, de origem dórica, com idade superior a 60 anos e estar em dia com todas as obrigações para com a polis espartana. O título de cidadania menor, aquele que dava o direito do indivíduo votar, era concedido somente aos homens de origem dórica, nascidos em Esparta, com idade superior a 30 anos e em dia com as obrigações espartanas, em especial com o serviço militar. Já em Atenas, a cidadania era estendida aos homens, de origem jônica, nascidos em Atenas, com idade superior aos 21 anos e detentores de propriedades rurais. Todos os indivíduos que gozassem do título de cidadania ateniense teriam direito de participarem efetivamente das decisões públicas sem restrições. Este sistema de participação política fora denominado de Democracia. 8) Resposta: O Ostracismo grego desenvolvido em Atenas correspondeu a uma espécie de exílio por tempo determinado, em que o indivíduo condenado se via forçado a abandonar a polis ateniense por um período de 10 anos. Qualquer pessoa que fosse considerada uma ameaça para a democracia ateniense era submetida à seguinte votação: os eleitores escreviam o nome dela em um pedaço de cerâmica chamado de óstraco, em grego óstrakon. A pessoa que tinha o nome mais votado era condenada ao ostracismo, isto é, deveria se afastar de Atenas por dez anos. Decorrido este prazo, ela podia retornar com plenos direitos políticos. 9) Resposta: A legislação proposta por Licurgo na assembléia espartana visava a atender às necessidades expansionistas características de Esparta, cidade a qual tinha como principal atividade econômica a prática da conquista e expoliação de cidades vizinhas. Portanto, a legislação espartana proposta por Licurgo, apresentava um caráter anti‑social, autoritário, repressivo e de excessiva tributação; elementos indispensáveis à sustentação de uma polis baseada neste modelo socioeconômico. Sólon, por sua vez, propôs uma legislação contrária a de Licurgo, a partir do momento em que se entende as próprias diferenças entre as polis que cada qual representava. Atenas, diferentemente de Esparta, era uma cidade agrícola, baseada em um forte comércio 183 Universidade do Sul de Santa Catarina com cidades vizinhas da região de Delos. A legislação proposta por Sólon visava, antes de mais nada, a incrementar e expandir a atividade comercial ateniense, atendendo suas prerrogativas. Neste tocante, a redução de impostos se fazia necessária, por vir a atender e facilitar a livre circulação de mercadorias, possibilitando o crescimento das atividades comerciais desenvolvidas em Atenas. 10) Resposta: A Filosofia foi a base da cultura grega, com ela passou‑se a questionar os conceitos de direito e de justiça, buscar saber quem faz as leis, para quem e como se mudam as leis. A Grécia foi o berço da Filosofia e, partindo daí, os gregos lançaram‑se sobre o mundo das coisas humanas, questionando assuntos como a liberdade, a política, a ética, o direito de um e de outro, os direitos sociais e individuais. É a partir da Filosofia que se desenvolve o mundo jurídico, fruto dessa preocupação de como ser um bom cidadão e atingir o bom senso nas relações sociais como um todo. Os gregos lançaram uma importante discussão sobre as leis e descartaram a idéia de que elas foram reveladas exclusivamente pelos deuses. Este foi um importante passo no avanço das leis e futuras codificações, em que a desmistificação de muitos costumes e normas se deu por esse novo jeito de pensar dos gregos. A positivação do Direito fez com que os gregos refletissem acerca da lei e da justiça, deixando raízes profundas às codificações que viriam a posteriori. UNIDADE 5 1) Resposta: Havia quatro classes sociais em Roma: os patrícios: grandes fazendeiros romanos; tinham o título de cidadania maior (podiam votar e serem candidatos a qualquer cargo público); os clientes: eram trabalhadores livres tinham o título de cidadania menor (podiam somente votar); os plebeus: eram estrangeiros que residiam em Roma não tinham o título de cidadania (não podiam nem votar, nem serem candidatos) e os escravos (devedores e prisioneiros de guerra). Os patrícios eram cidadãos de Roma, possuíam terra e gado, que formavam a aristocracia. Os plebeus eram a pequena parte da população que havia passado para o poder romano durante as primeiras vitórias; eram pessoas que tinham liberdade, mas não podiam participar do Senado e não podiam constituir famílias declaradas conforme a lei, ou seja, não eram legalmente reconhecidos. Os clientes eram pessoas dependentes de alguma família patrícia, que deviam cumprir várias obrigações econômicas. O patrício era seu senhor, alguém que o protegia econômica, política e juridicamente, que em retorno, os clientes seguiam as decisões políticas de seus senhores, cumprindo o obsequium, a submissão política e também de dedicar a horas de trabalho para o seu senhor. Eram, no entanto, os dependentes, alguns de origem estrangeira, outros de origem plebéia buscavam a 184 História do Direito proteção dos que tinham muito dinheiro e poderosos políticos para a sua sobrevivência. Os escravos era a população recrutada entre os derrotados de guerra, não eram considerados homens, mas instrumentos de trabalho sem nenhum direito político. 2) Resposta: Com a queda da monarquia romana, o senado, com o apoio da assembléia tribunícia criou uma série de cargos executivos‑administrativos, os quais seriam, a princípio ocupados e exercidos exclusivamente pela camada social patrícia; dentre eles, destacam‑se: os cônsules (sempre em número de dois, eram “presidentes” da República Romana); o ditador (sempre em número de um; governavam Roma em períodos de rebeliões ou guerras por um prazo de seis meses podendo ser renovado por mais seis); os edis (“prefeitos”/ “vereadores” municipais, que governavam as pequenas vilas e cidades menores); os censores (“pesquisadores” que faziam o censo); os questores (cobradores de impostos); e os pretores (“juizes” primitivos organizadores do processo jurídico). Quando falamos em magistraturas, é importante lembrar que elas eram cargos eletivos para funções determinadas e sempre pelo prazo de um ano, sendo exercida em muitas vezes em grupos de dois ou mais, isso para que houvesse um controle recíproco de poder. Dentre as diversas magistraturas podemos citar as de cônsules, censores, questores, pretores e excepcionalmente os ditadores. Os magistrados emitiam editos. Quanto aos pretores, eles participavam do poder geral de mando, onde detinham o poder de disciplina e o de dizer o direito. Esses poderes eram mais parecidos com o poder de polícia, de segurança e de manutenção da ordem, do que com um poder judicial. Os pretores eram encarregados de fazer com que os conflitos fossem resolvidos e ordenados por um juiz, sempre a pedido das partes. Então, podemos assim dizer que os pretores não julgavam as controvérsias e sim, organizavam os pedidos dentro de um método estipulado na época (espécie de processo), para que os juízes, então julgassem. 3) Resposta: As mulheres romanas não podiam participar da vida pública, não podiam servir de testemunha não tinham prestígio, não tinham direito, o pátrio poder era relegado, eram privadas de todas as formas. O poder político concentrava‑se sempre nas mãos dos homens. O mundo das mulheres sempre esteve inserido num mundo de limitações. Limitações essas, que se estenderam desde as prerrogativas do direito público até o direito privado e contribuíram em muito na arquitetura de evidentes desigualdades entre os homens e as mulheres ao longo da história da humanidade. 4) Resposta: Dentre os principais fatores sócio‑políticos e econômicos que desencadearam na Revolta da Plebe podemos enfatizar a importância 185 Universidade do Sul de Santa Catarina dos plebeus (classe formada por estrangeiros ricos e pobres residentes em Roma que sofriam com os altos impostos, não usufruíam de direitos políticos e não participavam das decisões públicas da Roma Antiga) para o desenvolvimento deste movimento de insurreição social. Porém, esta insurreição não contou exclusivamente com a participação da plebe romana e nem tão pouco se destinava exclusivamente a atender interesses meramente dos plebeus. Essa insurreição sim, visou atender também aos anseios das demais classes sociais romanas que se encontravam à margem de todo o processo político‑legislativo‑jurídico da Roma republicana; visando assim, atingir na configuração política romana, um modelo amplamente democrático, onde todas as camadas sociais romanas pudessem participar deste processo político‑legislativo‑jurídico. Das camadas sociais emergentes envolvidas neste contexto insurrecional destacamos além dos plebeus romanos também os clientes e escravos (já citados anteriormente no corpo deste trabalho monográfico). A camada social conhecida como patrícios (grandes proprietários de terras e merecedores de direitos políticos), não se interessava em estender estes mesmos direitos aos demais cidadãos romanos. Em suma, a revolta da plebe foi a luta entre os interesses dos plebeus, clientes e escravos contra os interesses da camada politicamente majoritária, os patrícios. UNIDADE 6 1) Alternativa correta: c 2) Resposta: Os principais fatores são: Ressurgimento dos textos de direito Romano – Corpus Iuris Civilis; redescoberta dos textos de filósofos gregos; criação das Universidades Européias. Com o ressurgimento dos textos e a necessidade de fundamentar um ordenamento jurídico autônomo dentro da Igreja, a atividade intelectual necessária fez surgir instâncias especializadas, as Universidades, que se tornaram formadoras de um corpo profissional especializado – os juristas profissionais. Estes, aliando os textos romanos às técnicas de lógica, argumentação, observação adquiridas a partir dos textos filosóficos gregos que ressurgiam dentro do universo europeu, conseguiam adequar a estrutura do direito romano às necessidade histórico-sociais da época. Além disso, os estudantes de direito, depois de terminado seus períodos de estudos nas Universidades, iriam integrar o corpo de juristas especializados em cortes, reinos, cidades autônomas, fazendo expandir o modelo de direito autônomo e sistematizado por toda a Europa. Surgem então vários ordenamentos jurídicos concorrentes e as sementes para a criação de uma Tradição Jurídica Ocidental. 186 História do Direito 3) Resposta: Indicações para a obtenção da resposta: Pesquisa na Internet; Filme: Em Nome de Deus (Stealing Heaven – 1988). Abelardo foi professor de escolas Francesas, como Notre Dame. Fundamental para o desenvolvimento do pensamento ocidental, e não só do direito, Abelardo desenvolveu a aplicação do método dialético ao pensamento medieval. Considerado imbatível em uma discussão acadêmica, ferrenho defensor da liberdade de pensamento dentro das Universidades Européias Medievais, entrou em conflito com São Bernardo, originando um dos maiores conflitos intelectuais e políticos da Igreja de então. Considerado o fundador do método escolástico. 187 Biblioteca Virtual Veja a seguir os serviços oferecidos pela Biblioteca Virtual aos alunos a distância: Pesquisa a publicações on-line <www.unisul.br/textocompleto> Acesso a bases de dados assinadas <www.unisul.br/bdassinadas> Acesso a bases de dados gratuitas selecionadas <www.unisul.br/bdgratuitas> Acesso a jornais e revistas on-line <www.unisul.br/periodicos> Empréstimo de livros <www.unisul.br/emprestimos> Escaneamento de parte de obra* Acesse a página da Biblioteca Virtual da Unisul, disponível no EVA, e explore seus recursos digitais. Qualquer dúvida escreva para: [email protected] * Se você optar por escaneamento de parte do livro, será lhe enviado o sumário da obra para que você possa escolher quais capítulos deseja solicitar a reprodução. Lembrando que para não ferir a Lei dos direitos autorais (Lei 9610/98) pode-se reproduzir até 10% do total de páginas do livro. C M CM Y MY CY CMY K História do Direito