Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS
ISSN – 2175-4128
Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso
São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014
CÂNONE MODERNISTA: CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO DA PROSA DE
30 - UMA ANÁLISE ENTRE VIDAS SECAS E OS CORUMBAS.
Maria Irene dos Santos André
INTRODUÇÃO
A comunidade acadêmica já discute e indaga a respeito dos cânones, pois é
preciso descobrir novos escritores, novas obras e desafiar o próprio cânone já
constituído para não se repetir o que ditam os livros didáticos e manuais de literatura,
sem reflexão crítica acerca das obras canonizadas .
Em consonância com a discussão da crítica que se refere ao cânone este
trabalho se justifica pela necessidade de se compreender os critérios de inclusão e
exclusão adotados pela crítica de determinadas obras literárias modernistas da
década de 30.
Como
cada
época
estabelece
sua
concepção
de
literatura
e,
consequentemente, de cânone, faz-se mister delinear o que se concebe como cânone
no modernismo brasileiro e como isso contribui para a identificação de critérios
norteadores do processo de canonização.
Desse modo o que se aspira com este trabalho é contribuir com os debates
acerca do cânone no século XX e verificar quais são os critérios seguidos pela crítica
literária modernista da década de 30 no processo de canonização de determinadas
obras literárias em detrimento de outras.
Desse modo, pretende-se também , mesmo observando-se que há um
processo de escolha e de exclusão operando na canonização de escritores e obras, é
problematizar a historicidade, é questionar a própria canonização, que precisa ser
destrinchada nos seus emaranhados vínculos com a malha do poder. Portanto, o
problema é a existência de um cânone que estabelece relações injustas e
compartimenta a sociedade intelectual literária.
1 CÂNONE LITERÁRIO
Segundo Carlos Reis (1992), o termo “Kanon”, vem do grego e significa uma
espécie de vara de medir. O termo entrou para as línguas românicas com o sentido de
 Professora da Rede Estadual de Ensino (ensino médio e pré-vestibular) e tutora do Cesad/UAB/UFS - LetrasPortuguês; graduada em Letras-Português pela Universidade Federal de Sergipe; especialista em Literatura
Brasileira e em Educação a Distância. E-mail: [email protected].
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“norma” ou “lei”. Assim durante os primórdios da cristandade, teólogos o utilizaram
para selecionar autores e textos que mereciam ser preservados e, em consequência,
retirar da Bíblia os que não se prestavam para disseminar as “verdades” que deveriam
ser incorporadas ao livro sagrado e pregadas aos seguidores da fé cristã.
Reis (1992) afirma que, na literatura, cânone significa um perene e exemplar
conjunto de obras, os clássicos, as obras primas dos grandes mestres, que constitui
um patrimônio da humanidade, e observa, no entanto, que esta humanidade ainda
hoje é muito fechada e restrita.
Desse modo, conforme Reis (1992) verifica-se que o conceito de cânone
implica princípio de seleção (e exclusão), logo, não pode se desvincular da questão do
poder: os que selecionam e os que excluem estão investidos da autoridade para fazêlo e o fazem de acordo com seus próprios interesses, ou seja, de sua classe social, de
sua cultura. É importante ressaltar que o exercício dessa autoridade se faz, no caso da
literatura, na Universidade.
A atividade dos críticos literários, conforme Reis (1992), sempre desempenhou
um papel importante na formação dos cânones. Seus atos avaliativos são
recomendações e determinações de valor, podendo, a partir dessa recomendação,
integrar-se ou não ao cânone. Esse método de gerenciamento e atribuição de valor
desenvolve mecanismos que mantêm um processo de aculturação no momento em
que instaura o que será de “bom gosto” para um leitor culturalmente apto.
Como caracteriza Harold Bloom (1995), o cânone ocidental é, no mínimo,
revelador de um discurso ideológico marcado pela noção do valor em função da
autoridade que representa, como discurso normativo vigente, e definido a partir de um
olhar historicizado que o presente confere.
Do ponto de vista de Bloom (1995), estudioso do cânone ocidental, o cânone
tornou-se uma escolha entre textos em luta pela sobrevivência determinada por
grupos sociais dominantes, instituições de educação e tradições de crítica, ou ainda
por autores que vieram depois. Para ele o valor estético pode ser reconhecido ou
experimentado, mas não pode ser transmitido aos incapazes de apreender suas
sensações e percepções. De acordo com o autor não é possível negar Shakespeare
com sua palpável supremacia estética e gritante originalidade.
Decerto, diz Bloom (1995), a escolha estética sempre orientou a formação do
cânone, embora esse argumento não se sustente neste momento, em que a defesa do
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cânone literário, bem como seu ataque, se tornou tão fortemente politizada. Ele diz
que as defesas ideológicas do cânone são perniciosas aos valores estéticos e que as
agressões dos atacantes que querem destruí-los. Para ele “nada é tão essencial para
o Cânone Ocidental quanto seus princípios de seletividade, que só são elitistas à
medida que se fundem em critérios severamente artísticos”.
Certamente conforme Bloom (1995), há sempre uma ideologia envolvida na
formação de um cânone. Ele acredita que o atraso cultural hoje é um problema
mundial quase universal e que por isso se herdará a tradição ocidental. O
conhecimento para o autor pode prosseguir sem memória, e o cânone é a verdadeira
arte da memória, o fundamento do pensamento cultural.
A questão é a mortalidade ou imortalidade das obras literárias. Onde
se tornaram canônicas, elas sobreviveram a uma imensa luta nas
relações sociais, mas essas relações muito pouco tem a ver com a
luta de classes. Os valores estéticos emanam da luta entre textos: no
leitor, na linguagem, na sala de aula, nas discussões dentro de uma
sociedade. (BLOOM, 1195. p. 44)
Desse modo percebe-se que o cânone da literatura brasileira é fruto das
discussões dos primeiros historiadores e críticos brasileiros que, após a independência
política, em 1822, ocuparam-se com a construção de uma história do Brasil e a
invenção de uma literatura que representasse a identidade da nação recém-surgida.
Na visão de Barbosa (1996) esses críticos e historiadores inspirados nas ideias
românticas europeias estabeleceram um cânone para a literatura brasileira formado
por autores e obras do que mais representasse o que entendiam por brasilidade, uma
ideia geral do país baseada na necessidade de expressar características nacionais,
diferenciando-se assim das origens das demais literaturas europeias, cujos cânones
eram marcados por um forte apelo classicizante, dando como resultado uma rígida
hierarquização de gêneros, raças e modelos culturais, que somente foi abalada pelos
movimentos multiculturais de anos recentes.
Como descrito por Barbosa (1996) na relação de dependência da literatura
frente à história, restou à crítica a função de indicar a relação de necessidade entre
uma e outra, pois criticar era interpretar os produtos culturais em função de uma ideia
geral do país que, por sua vez, está firmada na necessidade de conferir características
peculiarmente nacionais àqueles produtos.
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Dessa forma, literatura, na concepção de Sílvio Romero (1980), compreendia
todas as manifestações da inteligência de um povo: política, economia, arte, criações
populares, ciências e não, como era costume supor-se no Brasil, somente as
intituladas belas-letras, que afinal cifravam-se quase exclusivamente na poesia.
Na verdade, esse conceito de literatura, como disse Antonio Candido, ao
analisar o método crítico de Sílvio Romero, tinha por finalidade:
(...) analisar a situação cultural brasileira, com vistas a uma reforma
intelectual ligada à reforma social, ele se viu de certo modo obrigado
a estender demasiadamente o conceito de literatura, até fazê-lo
englobar todos os produtos de criação espiritual, da ciência à música.
Na prática, todavia, diferenciou devidamente os setores aos quais se
dedicou: filosofia, sociologia, etnografia, folclore. Mas ainda assim os
incluía sempre nos seus panoramas literários.(CÂNDIDO, 1978, p 28)
Já José Veríssimo (1969) lamenta que, na sua história, o paradigma esteja tão
marcado por muitos nomes que poderiam ser omitidos pelo fato de pouco ou nada
representarem. Diz ainda que escritores portugueses ou estrangeiros, desde o período
colonial, mesmo sem qualificações propriamente literárias, contribuíram, ainda que de
forma subsidiária, à história da literatura, para a cultura brasileira e por isso não
podem ser esquecidos:
A história da literatura brasileira é, ao meu conceito, a história do que
nossa atividade literária sobrevive na nossa memória coletiva de
nação. Como não cabem nela os nomes que lograram viver além do
seu tempo também não cabem nomes que por mais ilustres que
regionalmente sejam não conseguiram (...) fazerem-se nacionais.
(VERÍSSIMO, 1969, p. 13)
Assim, certamente existe um processo de escolha e exclusão operando na
canonização de escritores e obras. No entanto, verifica-se que não é o caráter literário
que estabelece o cânone e tão pouco seu conceito, pois isto depende da recepção e
assimilação das obras literárias feitas pela crítica. Assim, constata-se que é a partir do
olhar de uma elite cultural, de formação acadêmica, com seu juízo de valor, com sua
ideologia, que seleciona e descarta as obras e estabelece o cânone literário,
independente dos aspectos de literariedade.
2.1 Crítica Literária
De acordo com Massaud Moisés (1979) o termo “crítica” deriva do grego
Krínein, que significa “julgar”, através do feminino da forma latina criticu(m). Krités
significa “juiz” e Kritikós, “juiz ou censor literário”.
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Para Afrânio Coutinho (1980) a crítica é atividade intelectual e não afetiva,
filosófica e não apenas psicológica objetiva em seus fins e não puramente subjetiva.
Ele acredita que é a alma do crítico que o deve iluminar, pois sem ela não conseguirá
jamais penetrar a obra estudada, e, assim, impregnar-se dela.
De acordo com Wendel Santos (1983) a crítica em si, responde pelo interesse
do homem em compreender a importância do pensamento. Afirma que a crítica nasce
de um espanto do homem diante de si mesmo; ou melhor, daquilo que produz perante
a insistência do mundo.
Segundo Wendel (1983) a crítica é uma ciência do espírito, de sua capacidade
de compreender o mundo. Para ele a crítica em si é uma atividade que descobre o
poder do homem sobre o ser das coisas. Dependendo da espécie de “mundo” (grifo do
autor) no interior do qual exerce seu poder, a crítica se define.
Ressalta Wendel (1983) que a crítica da literatura, teoricamente, trabalha sobre
todo o conhecimento humano a fim de se realizar. Então é uma ciência síntese de
todas as ciências. Isso por que todo saber, qualquer que seja, é valioso para a tarefa
crítica. A crítica é aberta em todas as direções. Ele alega que se a literatura é o
homem total, a crítica da literatura é a ciência do homem total.
Assim, Wendel (1983,) destaca que no espaço da crítica, todas as ciências, ou
todos os saberes, harmonizam-se no anseio comum de ver, compreender e julgar a
ação humana no universo. Portanto, a crítica transcende, sem medida, a consciência
do crítico. Porque afirma que a consciência crítica é, sem dúvida, a consciência da
humanidade, como se fez, como se está fazendo e como se fará. A crítica da literatura
para ele é uma procura insistente do espírito a conferir sentido às coisas, ou seja, é a
procura insistente da humanidade no homem.
3.1 Imagens e miragens nas inter-relações entre Graciliano Ramos e Amando
Fontes.
Após a leitura e análise dos romances Vidas secas e Os Corumbas percebe-se
que ambos se assemelham quanto à temática, pois enfocam o tema da seca e suas
consequências na vida humana. Nas duas obras há oprimidos e opressores, ambos
estão inseridos na prosa reivindicatória, de denúncia, que é a prosa ficcional de 30.
Nota-se que tanto Vidas secas quanto Os Corumbas não são tidos no mesmo
patamar de importância, e após a análise dos dois romances não se justifica que o
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último seja apenas mencionado por alguns críticos e citado em alguns livros didáticos,
tratado como se fosse de fato uma obra menor.
Vidas Secas, por exemplo, apresenta uma estrutura novelesca manifestada
pela ausência de um conflito central pelo domínio da ação, segundo um ritmo que
impõe a mudança do protagonista e do foco de visão, isso ocorre a cada capítulo.
Certamente o intuito tenha sido de fixar, com o máximo de exatidão e clareza, o drama
dos “escorraçados” pelas secas, as suas vidas com histórias ressequidas.
Em Os Corumbas, por exemplo, o autor conduz firmemente a narrativa como
quem sabe do seu ofício. No entanto, o problema reside no assunto, ou antes, na sua
tendência para se apoiar mais na observação que na imaginação, percebe-se como as
paisagens descritas possuem um colorido largo e absolutamente verdadeiro no seu
naturalismo, o que certamente torna Os Corumbas semelhante a outros no gênero,
anteriores e posteriores ao seu aparecimento.
Essa obra é de inegável qualidade e pode ser comparada a principal de Raquel
de Queiroz, O quinze e A bagaceira, de José Américo de Almeida, contudo, a sua
narrativa se empobrece pela simetria dos casos sentimentais dos três retirantes.
Certamente uma das maiores qualidades desse romance é o seu drama, sua
construção pura e simples da sua história.
Tanto em Graciliano Ramos quanto em Amando Fontes, a narrativa é marcada
pela peregrinação afetiva duma família de retirantes. As cenas nos romances se
aglutinam e a via crucis de Fabiano, Sinhá Vitória e os meninos juntamente com
Geraldo Corumbá, Sá Josefa e os filhos parece não terminar nunca. Fabiano e
Geraldo Corumba são explorados, os dois agem com passividade e permanecem
impotentes diante das circunstâncias que os envolvem.
Desse modo, a única e remota esperança em Vidas Secas, por exemplo, era
ver surgir uma trégua da natureza hostil e nos Corumbas a esperança era que as
filhas de Geraldo Corumba, ao contrário da prostituição, tivessem conseguido trabalho
com menos opressão e dominação, melhorando de vida e assim correspondido às
expectativas da família ao chegar na cidade grande e de vê-los casados, empregados,
com uma vida diferente da que seguiram.
Os dois romances apresentam duas mulheres que comandam, que lutam e que
são as únicas que realmente acreditam que suas realidades podem mudar e fazem
todo esforço para que isso ocorra. Sá Josefa tenta a todo custo que o marido saia do
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local onde eles nasceram e padeceram com os flagelos da seca, para mudar de vida
acreditando que toda sua vida pode ser transformada, até que convence Geraldo
Corumba. Sinhá Vitória, mulher inteligente, astuta, ao perceber que estavam sendo
enganados, ela é inconformada com toda situação, passa a reclamar constantemente,
também consegue persuadir Fabiano e eles seguem sua via crucis em busca da vida
nova.
Logo, tanto Vidas secas quanto Os Corumbas apresentam pontos comuns,
qualidades e problemas, mas, no entanto, apenas o primeiro foi inserido no cânone
literário em detrimento da exclusão do segundo.
Verifica-se que do ponto de vista estético, por exemplo, as duas obras se
assemelham e se contrapõe, pois possuem qualidades e falhas, porém uma é do
cânone e outra é excluída dele.
Portanto, verifica-se que não é apenas o caráter estético que exclui Os
Corumbas do Cânone e eterniza Vidas secas, mas indubitavelmente as questões
ideológicas e de poder a que já discute-se nesse trabalho. Assim percebe-se que é
muito difícil um saber se desvincular do poder e assim acontecem com os textos
literários que dificilmente serão dissociados da configuração ideológica, pois o que é
dito depende tanto do contexto quanto dos interlocutores e ainda de sua inscrição
social e histórica do seu produtor.
Embora Amando Fontes tivesse tido também uma vida política importante,
assim como sua obra que possui as mesmas qualidades que a do seu
contemporâneo, a crítica prefere eleger algumas obras e autores e varrer do mapa
outros, como é o caso de Os Corumbas, que é apenas citado em alguns manuais e
livros didáticos mesmo de semelhante estrutura e qualidades estéticas, conforme se
pôde perceber após a análise de Vidas secas e Os Corumbas.
Certamente, por alguma razão vele a pena preservar algumas obras porque
elas contêm verdades incontestáveis, atemporais e universais que transcendem o seu
momento histórico e fornecem um modelo a ser seguido. Desse modo, a literatura,
representada pela crítica, enaltece um certo tipo de escrita, peculiar às elites educadas
e despreza outras formas, bem mais populares de cultura.
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Considerações finais
Certamente o julgamento do valor de uma obra obedece a critérios que
ultrapassam o literário, (cultural e histórico), pois é preciso levar em conta como se
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produzem os discursos de legitimação, quem os legisla e quais vozes devem ser
silenciadas.
Desse modo, constata-se que o saber está vinculado ao poder e assim, os
textos não podem
ser dissociados de uma configuração ideológica, pois,
proporcionalmente, o que é dito, de fato, depende de quem fala no texto e de sua
inscrição social e histórica. Logo, o cânone reflete os interesses e valores de uma
classe.
A análise dos dois romances comprova que ambos são semelhantes quanto à
forma, mas diferentes quanto à recepção feita pela crítica. Os elementos formais
como, por exemplo, a verossimilhança, o enredo, a literariedade, linguagem,
personagens, o espaço, o ambiente, o tempo, o foco narrativo são elementos que
estabelecem uma obra como literária estão presentes tanto em Vidas secas quanto
em Os Corumbas. Observa-se também que esses elementos estão todos de acordo
com os parâmetros estabelecidos pelo romance de 30.
No Entanto, é a recepção das obras que as distanciam, pois Vidas secas foi
aclamada pela crítica como uma das maiores obras representativa do romance
regionalista nordestino de 30, engajada na temática da seca. Já Os Corumbas não
teve a mesma forma de recepção de sua contemporânea.
Os dois romances se assemelham tanto aos aspectos formais, conforme
menciona-se, quanto na questão humana. Em ambos há presença do espaço e da
trajetória do homem no campo e na cidade; tratam do homem sertanejo mostrado
como ser fracassado. Há passividade nos personagens das duas obras e aqueles que
tentam fugir são arremessados de volta pelo determinismo marcante nos romances
estudados.
Assim, o discurso crítico é poder. O poder desse discurso está articulado em
diversos níveis. É ele que tem o poder de “policiar” a linguagem, de determinar que
certo enunciado deve ser excluído por não se conformar ao que se é considerado um
cânone.
Nessa perspectiva conclui-se que o cânone é determinado pela recepção que
as obras têm da crítica literária que decide as que serão excluídas e aquelas que
serão eternizadas de acordo com a ideologia dessa elite cultural. A crítica se sustenta,
portanto, pela opção pouco invejável de se abafar ou de sufocar uma obra.
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REFERÊNCIAS
BLOOM, Harold. O cânone ocidental. Rio de Janeiro: Objetivo, 1995.
BARBOSA, J. A. A biblioteca imaginária ou O cânone na história da literatura brasileira. São
Paulo: Ateliê, 1996.
CÂNDIDO, Antônio. Introdução. Sílvio Romero: teoria, crítica e história literária. Rio de Janeiro:
LTC-Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1978.
COUTINHO, Afrânio (dir). A literatura no Brasil. Vol. 5. São Paulo: Global Editora, 1997.
FONTES, Amando. Os Corumbas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.
MOISÉS, Massaud. A criação literária : Introdução à problemática da literatura. 9.ed. São
Paulo: Melhoramentos, 1979.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 1998.
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura: uma introdução aos estudos literários. Coimbra:
Livraria Almeida, 1995.
ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INLMEC, 1980.
VERÍSSIMO, José História da literatura Brasileira: Rio de Janeiro: José Olympio, 1969.
SANTOS, Wendel. Crítica: uma ciência da literatura. Goiânia: Universidade Federal de Goiás,
1983
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