PARECER CRM/MS N° 15/2014
PROCESSO CONSULTA CRM MS: 09/2014
INTERESSADO: ASSOCIAÇÃO BENEFICIENTE DE CAMPO GRANDE
PARECERISTA: Eliana Patrícia S. Maldonado Pires
PALAVRA CHAVE: Doulas; Parto dentro d’agua.
EMENTA: “O Ministério de Saúde como também a Organização Mundial de Saúde, incluem
nas suas diretrizes assistenciais a presença de um acompanhante para a parturiente durante o
trabalho de parto e parto; podendo ser o parceiro, uma amiga, uma doula ou enfermeira
obstetriz. No entanto a prática de partos em baixo “d’agua” deverá somente acontecer se tanto
a equipe multiprofissional como a estrutura física contemplarem os pré-requisitos de
biossegurança para o binômio materno-fetal”
CONSULTA:
O Diretor Técnico da Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande-MS, solicita
parecer do CRM em relação a execução de partos “dentro d’agua” com presença de doulas,
situação prevista em Portaria regulamentada pela rede cegonha, o vínculo da instituição com
as doulas e a estrutura técnica necessária para realização deste tipo de parto. O Diretor
Técnico do Hospital Santa Casa alega que o funcionamento da “Rede Cegonha” prevê espaço
físico para a acomodação de banheiras para partos “dentro d’agua”, treinamento adequado do
pessoal envolvido, e a presença de “doulas”. Alega, no entanto referido Diretor, que o hospital
referido ainda não tem estrutura física adequada e a presença de “doulas” tem causado
desconfortos devido a interferências em condutas médicas o que muitas vezes tem trazido
riscos aos recém-natos.
DISCUSSÃO
Historicamente a palavra doula foi utilizada para descrever aquela que assiste a mulher em
casa após o parto, auxiliando no cuidado com o bebê e os afazeres domésticos. Atualmente
possui vertente mais técnica ancorada em saberes biomédicos, embora norteada pela
humanização da assistência obstétrica (Brasil. Ministério da Saúde. Humanização do parto e
do nascimento/Ministério da Saúde. Universidade Estadual do Ceará. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2014. 465 p.: il.– (Cadernos Humaniza SUS; v. 4).
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Esta mesma referencia informa que as doulas têm sido associadas a diversos resultados
positivos para a área Obstétrica, especialmente por meio de alterações na percepção do parto,
entendendo-o e restituindo-o como evento social e não como doença, ou seja, restituindo a
dimensão social que envolve o processo de parir. Assim, por meio do envolvimento da mulher
na protagonização do parto e estando ela acompanhada pela equipe de saúde, mas também por
seus familiares e comunidade, aumenta-se a sensação de sua segurança e dos familiares em
relação ao processo gravídico.
“Doula”- assistente de parto sem formação médica. Cabe à Doula proporcionar informação,
acolhimento, apoio físico e emocional às mulheres durante a gravidez, parto e pós-parto.
A assistência ao parto no Brasil tem sido um desafio para os profissionais de saúde e a doula
apresenta-se como possível membro da equipe assistencial obstétrica.
Apenas em 2013 as doulas foram classificadas como ocupação laboral no Brasil. Porém, há
anos são reconhecidas socialmente por desenvolver atividades assistenciais nos variados
cenários do trabalho de parto, parto e puerpério.
A doula possibilita “melhora nas orientações e segurança da mulher” por meio da
disponibilização de uma significativa quantidade de informações, desenvolvendo orientações
que tornam a mulher segura acerca das possibilidades de um parto mais adequado à sua
escolha. Isso ocorre principalmente se a mulher estiver sendo acompanhada durante todo
período gestacional, parto e puerpério.
Na direção de qualificar a assistência ao parto, aponta-se que a mulher em trabalho de parto e
parto necessita receber um cuidado humanizado, o que envolve a possibilidade de acesso aos
avanços científicos e principalmente, o exercício da cidadania priorizando sua liberdade de
escolha nos encaminhamentos durante as ações que permeiam o processo de parir. A doula
surge, assim, como importante membro nesse processo, como pessoa capaz de promover
momentos de descontração e informação durante o parto, auxiliando a equipe de saúde na
facilitação do entendimento da parturiente acerca dos acontecimentos sequenciais que
envolvem o parir, causando melhora no autoconhecimento, na autonomia e na sensação de
segurança.
A presença de um(a) acompanhante de escolha da parturiente, durante todo o período de
internação, encontra-se entre as várias recomendações feitas pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) para a humanização do parto e do nascimento, diretriz esta que pretende
reorientar a organização e a prática profissional no âmbito dos serviços de saúde a fim de
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respeitar e promover os direitos das mulheres e crianças a uma assistência baseada na
evidência científica da segurança e da eficácia, e não na conveniência de instituições ou
profissionais (Brasil. Ministério da Saúde. Humanização do parto e do nascimento/ Ministério
da Saúde. Universidade Estadual do Ceará. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 465 p. : il.
– (Cadernos HumanizaSUS ; v. 4)
O movimento pela humanização do parto e do nascimento nasce com o objetivo de evitar
abusos como o uso de medicamentos e intervenções cirúrgicas desnecessárias, e maus-tratos
por parte dos profissionais de saúde.
Para a prática dos partos envolvidos no projeto Rede Cegonha os hospitais credenciados
deverão observar as seguintes recomendações (Ministério da Saúde, em seu “Brasil.
Ministério da Saúde. Humanização do parto e do nascimento/Ministério da Saúde.
Universidade Estadual do Ceará. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 465 p.: il. – (Cadernos
HumanizaSUS; v. 4):
Em relação à estrutura do serviço
1. Instalação de divisórias (biombos, cortinas etc.) nos espaços de pré-parto e pós-parto,
de modo que a mulher tenha maior privacidade e possa ter o acompanhante ao seu
lado.
2. Garantia de insumos (bata, touca de cabelo, luva etc.) para o acompanhante nos
momentos em que esses insumos forem exigidos pelas normas de biossegurança.
3. Garantia de sala de espera especial para os(as) acompanhantes.
4. Realizar atividades internas de capacitação e atualização para refletir sobre os
benefícios da presença do acompanhante no parto.
Em relação à equipe de saúde
1. Informar à mulher que, caso ela tenha interesse, o pai pode acompanhá-la no parto, no
pré-parto e no pós-parto.
2. Incentivar a participação do pai, desde o pré-natal, incluindo, entre os procedimentos,
recomendações específicas sobre como deve proceder o acompanhante.
3. No contexto do parto humanizado, garantir maior aproximação entre doulas (quando
houver) e acompanhantes.
Em relação aos sistemas de informação em saúde
1. Ampliar o conhecimento das mulheres e dos homens sobre a lei nº 11.108, a partir da
elaboração de cartazes, folhetos e especialmente uma “Cartilha do Acompanhante”
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que possa trazer informações relevantes sobre as condições e os procedimentos
durante o pré-parto, o parto e o pós-parto.
2. Ampliar a divulgação da lei e seus princípios com os profissionais de saúde.
3. Criação de um sistema de informação que registre o número e o perfil dos(as)
acompanhantes.
Entre as estratégias do Ministério da Saúde para institucionalizar um modelo de atenção ao
parto, cria-se a Rede Cegonha (Portaria MS nº 1.459, de 24 de junho de 2011) como forma de
garantir às mulheres e crianças uma assistência humanizada e de qualidade.
Humanizar o parto, portanto, é antes de tudo ampliar a escuta, possibilitar à mulher o
exercício da sua autonomia, prestar um atendimento focado em suas necessidades, e não no
que é melhor para a equipe. O médico poderia discutir todas as possibilidades do parto com a
mulher, garantindo-lhe a liberdade de escolha do método que seja mais adequado à condição
clínica. É preciso levar em consideração, portanto, a história do pré-natal e do
desenvolvimento fetal, interferindo apenas nas questões necessárias. Um processo que implica
a abordagem da paciente para além das suas queixas, buscando a valorização do trabalho em
equipe, aumentando o grau de protagonismo não só da mãe, mas também do pai e outros
familiares é o desejável. Dentro dessa proposta, faz-se necessária também a adequação da
ambiência, aliando confortabilidade e segurança, condições ideais para a acolhida da mãe, do
bebê e da sua rede social (Brasil. Ministério da Saúde. Humanização do parto e do nascimento
/ Ministério da Saúde. Universidade Estadual do Ceará. – Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
465 p. : il. – (Cadernos HumanizaSUS ; v. 4).
A Rede Cegonha agrega um conjunto de ações novas e outras já experimentadas no
Ministério da Saúde com o Plano de qualificação das Maternidades, para a promoção do parto
e do nascimento humanizados. O Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais
(PQM) nasce no contexto do plano de redução da morte materna e infantil na Amazônia legal
e no Nordeste, em 2008, quando na avaliação dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio
(ODM), o Brasil identifica que a redução da morte materna, cujo objetivo de 35 mortes, a
cada 100 mil partos, não seria atingido e tampouco a mortalidade infantil, ambos em situação
crítica, então se monta um plano de ação específico para essas regiões que correspondem a
dois terços do Brasil. Esse plano contempla várias frentes, como a redução do analfabetismo,
o aumento do registro civil e, no campo da Saúde, duas ações ganham relevância: a
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qualificação dos serviços (com compra de equipamentos para UTIs neonatais e maternidades)
e mudanças no cuidado.
Qual o principal desafio da Rede Cegonha?
Mudar a concepção de parto, de nascimento e de gravidez. Nós associamos o evento gravidez
e parto como uma ação médica. E apenas um percentual pequeno das mulheres vai
desenvolver alguma morbidade. A grande maioria nem precisa de assistência médica, apenas
de cuidados. Não é a toa que temos uma alta taxa de cesárea; a Organização Mundial da
Saúde diz que parto normal é quando o profissional da Saúde não age se não precisa agir, mas
os profissionais são treinados para agir. Gravidez não é algo que precise de intervenção. A
Rede Cegonha aposta na humanização do acolhimento, dos centros.
Contudo, a humanização de assistência ao parto implica também e, principalmente, que
atuação do profissional respeite também os aspectos da fisiologia da mulher que não
intervenha desnecessariamente, que reconheça os aspectos sociais e culturais do parto e do
nascimento, e ofereça necessário suporte emocional a mulher e sua família, facilitando a
formação dos laços afetivos familiares e o vínculo mãe-bebê. Outros aspectos referem-se à
autonomia da mulher durante todo o processo, com a elaboração de um plano de parto que
seja respeitado pelos profissionais que a assistirem; de ter um acompanhante de sua escolha,
de serem informadas sobre todos os procedimentos a que serão submetidas; e ter o seus
direitos de cidadania respeitados. (Brasil. Ministério da Saúde. Humanização do parto e do
nascimento / Ministério da Saúde. Universidade Estadual do Ceará. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2014. 465 p.: il. – (Cadernos HumanizaSUS ; v. 4).
PARECER:
A palavra “doula” vem do grego “mulher que serve”. Nos dias de hoje, aplica-se às mulheres
que dão suporte físico e emocional a outras mulheres antes, durante e após o parto. Na
legislação do Brasil elas devem atuar apenas como amigas de confiança das parturientes,
portanto não são exigidas qualificações profissionais.
Haja vista a importância como mais um personagem de grande valia durante a internação da
parturiente, discriminamos o campo restrito de atuação da doula.
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Transcrevemos abaixo trecho do processo-consulta Nº 24385/13, do CRM/SP, em que o
parecerista abordou tal assunto de maneira bastante didática, direta e objetiva.
O que a doula efetua durante o parto?
A doula funciona como interface entre a equipe de atendimento e o casal. Ela explica os
complicados termos médicos e os procedimentos hospitalares e atenua a eventual frieza da
equipe de atendimento. Ajuda também a parturiente a encontrar posições mais confortáveis
para o trabalho de parto e parto, explica de forma eficiente a maneira da respiração e propõe
medidas naturais que podem aliviar as dores, como banhos e relaxamento e estimula a
participação do marido ou companheiro em todo o processo. Promove interação entre a
equipe assistencial e os familiares, fortalecendo o vínculo com todos os participantes do parto.
Obedece solicitações da equipe médica, adotando diálogo constante e claro entre os familiares
quando ocorre mudança de conduta diante do trabalho de parto.
Os instrumentos de trabalho das doulas compreendem: bolas de fisioterapia, massageadores,
bolsas de água quente, óleos de massagens, banqueta auxiliar para partos. Todos estes
materiais deverão ser introduzidos dentro do âmbito hospitalar com a prévia anuência da
equipe assistencial.
O que a doula não faz?
A doula não executa qualquer procedimento médico, não faz exames, não cuida da saúde do
recém-nascido. Ela não substitui qualquer dos profissionais tradicionalmente envolvidos na
assistência ao parto. Também não é sua função discutir procedimentos com a equipe ou
questionar decisões. Assim, não existe responsabilidade legal, por não serem profissionais
capacitados legalmente, e os limites de atuação estão restritos ao acompanhamento e conforto
à parturiente. As doulas não podem retirar qualquer equipamento da paciente sem autorização
médica ou da enfermeira obstetriz, não podem ter acesso a prontuários médicos e deverão
permanecer nas instalações hospitalares previamente fixadas pela equipe assistencial da
parturiente.
Não é permitida a mudança da conduta médica por nenhum dos acompanhantes da paciente,
salvo por outro médico que assuma a assistência à paciente. Desta forma a doula deve se
submeter ao regulamento e diretrizes internas do hospital, inclusive podendo ser convidada a
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desocupar o ambiente hospitalar se infringir qualquer conduta não aceita pela equipe
assistencial.
Assim, a utilização de materiais para alívio da dor durante o trabalho de parto da gestante,
pertence normalmente ao recinto hospitalar que acolhe a parturiente; sendo necessário a
comunicação prévia para a equipe assistencial de qualquer artefato que seja introduzido
dentro do âmbito hospitalar por qualquer acompanhante da gestante.
Em referencia a utilização de banheiras para os partos em baixo d’agua, poderia haver um
diálogo prévio com a equipe médica para a sua autorização, como também para que o próprio
médico ou enfermeira obstetriz, possa efetuar o acompanhamento do trabalho de parto e a
realização do parto neste contexto. Acreditamos que devem ser respeitados os anseios e
preocupações da equipe assistencial. Assim a parturiente e seus familiares não podem exigir
que este tipo de procedimento seja efetuado por profissional que não se sinta seguro na prática
de tais atos ou ainda que perceba riscos na condução deste tipo de parto.
É o parecer, smj.
Campo Grande, 20 de outubro de 2014.
Drª Eliana Patricia S. M. Pires
Parecerista
Parecer Aprovado na Sessão Plenária do dia
24/10/2014
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parecer crm/ms n° 15/2014 processo consulta crm ms: 09/2014