9-20
O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas ao nascer
Kawaguchi IAL et al.
ARTIGO ORIGINAL
O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas
ao nascer
Follow-up of congenital syphilis in children treated at birth
Inês Aparecida Laudares Kawaguchi1,2
Daniela Mendes dos Santos Magalhães1,2
Iracema de Mattos Paranhos Calderon2
Adriano Dias2
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil
2
Programa de Pós-graduação em Ginecologia,
Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, São Paulo, Brasil
1
Correspondência
Daniela Mendes dos Santos Magalhaes
Rua 14 Norte, lote 3, apartamento 204, Edifício
Residencial Parque das Águas, Águas Claras,
Basília-DF. 71910.000, Brasil.
[email protected]
Recebido em 15/janeiro/2014
Aprovado em 19/fevereiro/2014
RESUMO
Objetivo: Descrever o manejo clinico inicial e seguimento terapêutico dispensado aos recém-nascidos com diagnóstico de sífilis
congênita na ocasião do parto e a partir da alta em maternidades
públicas do Distrito Federal, Brasil.
Método: Coletou-se informações do prontuário médico hospitalar
e fichas de notificação compulsória da conduta clínica inicial e seguimento terapêutico dos 81 casos de sífilis congênita notificados
ao Sistema Nacional de Agravos de Notificação, no ano de 2008.
Resultado: A realização de hemograma ocorreu em 46,9%, e os exames radiológicos de ossos longos em 81,4%. Quatro crianças (4,9%)
fizeram o acompanhamento conforme protocolo do Ministério da
Saúde. Em relação ao seguimento bimensal até os 12 meses de vida
houve 93,8% de casos ignorados e não foi encontrado nenhum registro de seguimento completo até os 18 meses de idade.
Conclusão: O manejo clínico inicial e o seguimento terapêutico
do recém-nascido com sífilis congênita no Distrito Federal não é
realizado de forma adequada e está em desacordo com as diretrizes
definidas pelo MS.
Palavras-chave: Sífilis; Sífilis Congênita; Epidemiologia
Com. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 221-230
221
Kawaguchi IAL et al.
ABSTRACT
Purpose: Describe the initial clinical management and therapeutic monitoring dispensed for newborns diagnosed with congenital
syphilis at birth and as of the high public hospitals in the Federal
District, Brazil.
Methods: Collected informations from the initial clinical management and continuity of care accorded to 81 newborns diagnosed
with congenital syphilis reported to the National System of Diseases of Notification in 2008.
Results: The hemogram occurred in 46.9%, and radiological long
bone in 81.4%. Four children (4.9%) followed up according to the
protocol of the Ministry of Health in relation to bi-monthly follow-up until 12 months of age was 93.8% of cases ignored and found no
record of complete follow-up at 18 months old of age.
Conclusions: The initial clinical management and therapeutic
follow-up of newborns with congenital syphilis in the Federal District is not carried out adequately and does not accordance with the
guidelines set by the Ministry of Health.
Keywords: Syphilis; Syphilis Congenital; Epidemiology
INTRODUÇÃO
A sífilis congênita (SC) é uma doença infecciosa que resulta da transmissão vertical do Treponema pallidum, que pode ocorrer em qualquer
fase da gestação ou estágio clínico da doença
materna. As formas graves da infecção resultam em malformações e alta mortalidade1,2 nos
recém-nascidos (RN).
Acredita-se que os principais fatores relacionados à incidência da SC sejam falhas nas medidas profiláticas e na assistência pré-natal,
precocidade sexual, prática de sexo inseguro,
automedicação, desconhecimento da doença,
imunodeficiência e uso de drogas3-5.
Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano, mais de 300
milhões de pessoas são infectadas por alguma
doença sexualmente transmissível (DST) e,
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Com. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 211-230
destas, cerca de 12 milhões o são por sífilis. Em
países em desenvolvimento, a incidência anual
de sífilis na gestação varia entre 10 e 15%6-8. Na
América Latina e Caribe, estima-se que o total
de casos na população adulta seja de cerca de
três milhões e, no Brasil, que a prevalência varie
entre 1,4 e 2,8% com uma taxa de transmissão
vertical ao redor de 25%9.
No Brasil, entre 1998 e 2009, foram notificados
55.124 casos de SC. Dados epidemiológicos do
Ministério da Saúde do Brasil (2011) apontam
uma variação entre 1,2/1.000 nascidos-vivos
(NV) na região Centro-Oeste e 2,4/1.000 NV
na região Norte10,11, como as regiões com menor
e maior taxa de detecção, respectivamente, no
país. No Distrito Federal (DF), o Sistema de Informações de Agravos de Notificação da Secretaria de Estado de Saúde do DF (SINAN/SES/
O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas ao nascer
DF) informa que entre 1980 a 1990 a prevalência de SC variou entre 0,1 e 0,8/1.000 NV, entre
1991 e 2001, de 0,6 a 1,8/1.000 NV e entre 2002 a
2009, de 1,8 a 1,5/1.000 NV. Nestes 29 anos, o DF
notificou 1.793 casos de sífilis congênita12.
Estes números demonstram um aumento crescente dos registros de sífilis congênita, realidade
em outras regiões brasileiras, com mortalidade
perinatal relevante, sem nenhuma expectativa
de controle e sugerem que as mesmas estratégias fracassadas das últimas décadas são mantidas, embora a meta de redução de sífilis exista
desde 1993 e as diretrizes de rastreamento e tratamento sejam amplamente divulgadas13.
O Plano Nacional de Redução de Transmissão
Vertical do HIV e da Sífilis pactuou entre estados e municípios brasileiros metas para redução escalonada e regionalizada das taxas de
transmissão vertical da SC. Por este pacto, o MS
definiu como meta o alcance de uma incidência
menor ou igual a um caso por mil NV14.
A OMS recomenda estratégias para a eliminação da SC, mediante a redução da prevalência
de sífilis em gestantes e prevenção da transmissão vertical da doença, baseadas em quatro
pilares: a) assegurar comprometimento sustentado com a política de eliminação da doença;
b) aumentar acesso e qualidade de cuidados de
saúde para mãe e bebê, assegurando que todas
as gestantes realizem o rastreamento e o tratamento adequado, diminuindo a frequência
de oportunidades perdidas de rastreamento de
mulheres e de cuidados neonatais; c) rastrear e
tratar todas as gestantes infectadas e parceiros,
bem como todas gestantes e recém-nascidos
de mulheres infectadas não tratadas durante a
gestação; d) estabelecer e adequar a vigilância,
monitorização e sistemas de avaliação, bem
como desenvolver indicadores da doença15.
A investigação de SC é desencadeada em situações
em que a mãe com sífilis (evidência clínica ou
laboratorial) é diagnosticada durante a gestação,
parto ou puerpério; ou em todo indivíduo entre
dois e treze anos de idade com suspeita clínica e/
ou epidemiológica de sífilis congênita, situação
denominada sífilis congênita tardia14,15.
O protocolo do MS para o seguimento da SC
institui consultas ambulatóriais mensais até o
sexto mês de vida e bimensais a partir do sexto
mês, até completar um ano; realização de testes
não-treponêmicos (VDRL – Veneral Disease
Research Laboratory) aos 1, 3, 6, 12 e 18 meses de
idade, interrompendo o seguimento com dois
VDRL negativos consecutivos; realização de
teste treponêmico por aglutinação de partículas (TPHA) ou teste fluorescente por absorção
de anticorpos (FTA-Abs) após os 18 meses de
idade para a confimação do caso. Na presença
de sinais clínicos deve-se proceder a repetição
dos exames sorológicos. A elevação do título sorológico ou sua não negativação até os 18
meses de idade determinam a reinvestigação da
criança e que, tratada, deve ter acompanhamento oftalmológico, neurológico e audiológico
semestral, durante dois anos. Na presença de
líquido cerebroraquidiano (LCR) inicialmente
alterado, deve ser realizada uma reavaliação
liquórica a cada seis meses até a sua normalização. Alterações persistentes e/ou evidências
clínicas neurológicas indicam avaliação clínico-laboratorial completa e retratamento16.
Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar
o manejo clínico incial e seguimento terapêutico dispensado aos recém-nascidos com diagnóstico de SC na ocasião do parto e a partir da
alta em maternidades públicas do DF.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo realizado em
seis hospitais públicos do Distrito Federal, dois
localizados em Brasília (Asa Sul e Asa Norte)
e quatro em Regiões Administrativas do DF
(Gama, Taguatinga, Celândia e Samambaia),
através de dados secundários dos casos de SC notificados no ano de 2008. Estes hospitais foram
escolhidos por apresentarem os maiores números de notificações de SC em uma série temporal
entre os anos de 2003 e 2007, quando foram responsáveis por 54,8% dos casos notificados.
A casuística foi definida pelos 70 casos notificados e investigados pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado de
Saúde do Distrito Federal (DIVEP/SES/DF) e
acrescida de mais 11 casos de sífilis tardia investigados por um núcleo regional de vigilânCom. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 221-230
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Kawaguchi IAL et al.
cia epidemiológica de um dos hospitais que fizeram parte deste estudo, totalizando 81 casos.
A coleta de dados foi realizada em duas etapas: a
primeira, partindo da notificação dos casos nas
Bases de Dados da DIVEP/SES/DF e, a segunda, pela busca ativa dos prontuários e fichas de
notificação das mães e recém-nascidos nos Núcleos de Vigilância Epidemiológica e hospitais
que fizeram parte deste estudo.
As informações foram registradas em instrumento estruturado, composto por questões com
abrangência sociodemográfica materna (escolaridade, cor de pele, estado civil), obstétrica
(realização de pré-natal, número de consultas),
antecendentes de sífilis na gestação (situação
sorologica no pré-natal e parto) e seguimento
do RN com SC (tratamento por ocasião do parto
e acompanhamento ambulatorial).
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde (CEP/FEPECS/SES-DF), sob protocolo
n.º 066/2010.
RESULTADOS
A Tabela 1 traz as características sociodemográficas e os antecedentes obstétricos das gestantes que geraram RN com notificação de SC.
Tabela 1.
Distribuição das mães dos recém-nascidos notificados como sífilis congênita no ano de 2008 de acordo com variáveis sociodemográficas e antecedentes obstétricos, Brasília/DF, 2010
Variáveis
Escolaridade
Mora com parceiro
Local da residência
Cor da pele
Realizou pré-natal nesta gestação
224
Com. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 211-230
n
%
% acumulado
Analfabeta
5
6,2
6,2
Ensino fundamental
32
39,5
45,7
Ensino médio
14
17,3
63,0
Ensino superior
3
3,7
66,7
Não Informado
27
33,3
100,0
Sim
12
14,8
14,8
Não
12
14,8
29,6
Não Informado
57
70,4
100,0
Urbana
72
88,9
88,9
Rural
7
8,6
97,5
Peri urbana
0
0,0
00,0
Ignorada
2
2,5
100,0
Branca
6
7,4
7,4
Negra
4
4,94
12,3
Amarela
2
2,5
14,8
Parda
28
34,6
49,4
Ignorado
41
50,6
100,0
Sim
71
87,7
87,7
Não
9
11,1
98,8
Não Informado
1
1,2
100,0
O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas ao nascer
Número de consultas
Número de VDRL realizados no prénatal
Situação sorológica no parto
Momento do diagnóstico de sífilis
Realizou teste treponêmico
Tratamento realizado
Sífilis em gestação anterior
Diagnóstico de HIV
1-2
7
8,6
8,6
3-4
5
6,2
14,8
5-6
20
24,7
39,5
Mais de 6
17
21,0
60,5
Nenhuma
6
7,4
67,9
Não Informado
26
32,1
100,0
1
6
7,4
7,4
2
10
12,8
19,8
3
5
6,2
25,9
Nenhuma
14
17,3
43,2
Não Informado
46
56,8
100,0
Reagente
79
97,5
97,5
Não Reagente
1
1,2
98,8
Não informado
1
1,2
100,0
No pré-natal
38
46,9
46,9
No momento do parto/curetagem
20
24,7
71,6
Puerpério
16
19,8
91,4
Ignorado
5
6,2
97,5
Não realizado
2
2,5
100,0
Sim
26
32,1
32,1
Não
55
67,9
100,0
Adequado
16
19,8
19,8
Não adequado
35
43,2
63,0
Não Realizado
26
32,1
95,1
Ignorado
1
1,2
96,3
Não Informado
3
3,7
100,0
Sim
6
7,4
7,4
Não
2
2,5
9,9
Ignorado
73
90,1
100,0
Não
19
23,5
23,5
Outras DST
1
1,2
24,7
Não Informado
61
75,3
100,0
Com. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 221-230
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Kawaguchi IAL et al.
das gestantes possuiam apenas o ensino fundamental.
Entre os 81 casos notificados, 71 gestantes
(87,7%) fizeram o pré-natal, destas, 20 mulheres (24,7%) realizaram entre cinco e seis
consultas, 17 (21,0%) mais de seis consultas, 26
(32,1%) não havia informações a respeito de
acompanhamento pré-natal e 14 (17,3%) não
realizaram nenhum exame de VDRL. Chama
a atenção o número de gestantes com registro
de VDRL “não informado” (56,8%) durante o
pré-natal. Das gestantes (n=81), 97,8% apresentaram situação sorológica reagente no parto, 46,9% tiveram o diagnóstico de sífilis no
pré-natal, 32,1% não foram tratadas para sífilis
no pré-natal, 88,9% informaram residência em
área urbana, e em relação a escolaridade, 39,5%
A Tabela 2 se refere ao manejo clínico e conduta terapêutica na presença de SC. A realização
de hemograma ocorreu em 38 casos (46,9%),
enquanto que os exames radiológicos de ossos
longos em 66 deles (81,4%). Quatro crianças
(4,9%) fizeram o acompanhamento da SC conforme protocolo do MS. Para o acompanhamento bimensal até os 12 meses de vida, evidenciaram-se 76 casos ignorados (93,8%). Quanto ao
seguimento completo até os 18 meses de idade,
não se obteve nenhum registro de que tenha
sido realizado.
Tabela 2.
Distribuição dos recém-nascidos de acordo com dados sobre a sífilis congênita, conduta terapêutica e seguimento clínico, Brasília/DF,
2010
Variáveis
Sinais clínicos de infecção congênita
Exames realizados no rastreamento
Tratamento recebido*
Seguimento ambulatorial mensal nos primeiros seis meses
Seguimento ambulatorial bimensal do sexto ao 12° mês
História de retratamento
Local de acompanhamento e/ou tratamento da sífilis congênita
Desfecho da sífilis congênita em até 18 meses de idade
226
Com. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 211-230
n
%
% Acumulado
Sim
23
28,4
28,4
Não
58
71,6
100,0
VDRL de sangue periférico
80
98,7
Hemograma
38
46,9
Rx de ossos longos
66
81,4
Punção liquórica
50
61,7
A1
5
6,2
6,2
A2
44
54,3
60,5
A3
21
25,9
86,4
Outros
11
13,6
100,0
Sim
8
9,9
9,9
Não
4
4,9
14,8
Ignorado
69
85,2
100,0
Ignorado
76
93,8
93,8
Não
5
6,2
100,0
Ignorado
74
91,4
91,4
Não
7
8,6
100,0
Serviço especializado
4
4,9
4,9
Centro de saúde
1
1,2
6,2
Ignorado
76
93,8
100,0
Sem informação sobre o
seguimento
81
100
100,0
O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas ao nascer
DISCUSSÃO
Este estudo, baseado em dados secundários, esteve sujeito à qualidade dos registros, que apresentaram grandes deficiências em considerável
número de prontuários e fichas de notificação,
pelo preenchimento incompleto ou inadequado das informações.
As características das mães dos RN com sífilis
congênita neste estudo são semelhantes às encontradas em outros estudos realizados no Rio
de Janeiro17,18 e Rio Grande do Sul19, mulheres
com pouca escolaridade e baixa renda. Em outro
estudo multicêntrico nacional sobre soroprevalência em uma amostra de 3.047 mulheres,
mostrou que o maior risco para o VDRL positivo
estava associado, além de outros fatores, a pouca
escolaridade materna e baixa renda familiar20.
Estes dados sugerem que a sífilis na gestação se
configura como um problema importante da
população feminina, particularmente, das mulheres mais pobres, com menor acesso às informações e serviços e menor repertório para tomar
decisões, especialmente às relacionadas à saúde.
Neste estudo, chama a atenção o percentual de
mulheres residentes em área urbana, que deveriam ter um maior acesso aos serviços de saúde, e não tiveram oportunidade de diagnóstico
precoce e tratamento adequado. Este resultado
sugere que, embora a sífilis em gestante não esteja restrita às camadas mais empobrecidas da
população, as condições de vida em grandes
centros urbanos podem ser importantes marcadores de acesso22-29.
Em relação à assistência pré-natal, a maior
parte dos registros relatou o acompanhamento
pré-natal (87,7%), porém com baixo percentual
(24,7%) de seguimentos com número de consultas considerado adequado pelo MS. No entanto,
chama a atenção o número de mulheres com
triagem sorológica no pré-natal não informada
(56,8%), com tratamento inadequado (43,2%) e
reagentes à sífilis no momento do parto (97,5%).
Resultados semelhantes foram encontrados no
estudo sentinela-parturiente, onde uma alta
porcentagem de gestantes havia realizado pré-natal, mas o diagnóstico da sífilis na gravidez
fora feito em pouco mais da metade dos casos.
Nessa população de mais de 16 mil parturientes
verificou-se, ainda, que entre as mulheres que
fizeram seis ou mais consultas de pré-natal, a
cobertura de testes de sífilis, como preconizada,
foi baixa (26,2%)30.
Magalhães et al.31, ao descreverem a ocorrência de
sífilis em gestantes no Distrito Federal nos anos
de 2009 e 2010, encontraram resultados semelhantes em relação ao pré-natal, em que o início
precoce da assistência não assegurou um desfecho favorável, mesmo entre as mulheres com
mais de seis consultas. Estes achados reforçam
que apenas a observância de um número mínimo
de consultas não garante a qualidade da assistência prestada e que, mesmo assim, perdem-se oportunidades de diagnóstico precoce e tratamento
adequado, fato já relatado por outros autores7,27,32.
A falta de registro sobre o pré-natal, em fichas
de notificação/investigação da sífilis congênita
e prontuários obstétricos, revelam baixa qualidade dos registros e um pré-natal qualitativamente deficiente em mais de 50% dos casos
estudados.
Os RN nascidos de mães consideradas inadequadamente tratadas devem ser submetidos ao
exame físico e ao VDRL, além de realizarem hemograma completo, estudo radiográfico de ossos
longos e punção lombar para exame do líquor. O
recém-nascido, em função dos achados clínicos e
laboratoriais é submetido a esquemas padronizados de tratamento que variam desde a aplicação
em dose única de penicilina benzatina até várias
doses diárias de penicilina cristalina por dez dias33.
Quanto ao manejo clínico dos RN, observou-se a falta de seguimento das recomendações
do MS em um número considerável de casos.
O hemograma, apesar da facilidade de acesso e
execução, foi o exame mais negligenciado, realizado em menos da metade dos casos (46,9%),
seguido da punção liquórica (61,7%).
Para que o exame do líquor seja considerado adequado na avaliação do RN com sífilis congênita,
é necessária realização da contagem das células,
dosagem das proteínas e realização do VDRL no
líquor. A ausência de laudos completos quando
o exame era realizado, reforça a omissão de informações médicas e na conduta clínica do RN.
Ressalte-se que em alguns laudos verificou-se a
informação de falta de reagente para a realização
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Kawaguchi IAL et al.
do exame. O mesmo foi observado na interpretação do hemograma e, neste caso, foi recorrente a
não localização dos resultados dos exames.
O estudo radiográfico dos ossos longos e VDRL
de sangue periférico foram os exames complementares mais solicitados, no entanto, não
foram localizados registros de alterações encontradas, mesmo nos casos de RN com sinal
clínico de doença congênita. Achados semelhantes foram encontrados por Donalísio et al.
em estudo sobre a investigação da sífilis congênita na microrregião de Sumaré/SP34.
Considerando a frequente irregularidade dos
registros, a ausência dos resultados de exames,
mesmo muitas vezes solicitados, mas sem a devida localização no prontuário, fica evidente o
despreparo e falta de infraestrutura nos serviços de assistência.
Observou-se que 11 recém-nascidos (13,6%) receberam tratamento diferente da penicilina e
foram, por isso, considerados inadequadamente
tratados de acordo com o preconizado pelo MS.
Este dado sugere que o tratamento destes bebês
está sendo negligenciado ou talvez oferecido por
oportunidade, em algum momento da infância
diante da necessidade do uso de antibioticoterapia com penicilina, independentemente da dose,
via de administração ou apresentação da droga
correta para a fase clínica da SC. Sob quaisquer
desses aspectos, é reiterado o desconhecimento
e/ou a negligência na abordagem da doença.
O protocolo para tratamento da SC é de baixo
custo, fácil e está bem fundamentado na literatura16, a falta do tratamento adequado pode acarretar danos irreversíveis e progressivos, prejudicando o desenvolvimento infantil com lesões
ósseas, articulares, neurológicas, oftalmológicas
que surgem após os dois anos, quando o tratamento não é iniciado até o terceiro mês de vida, e
prejudicarão o indivíduo por toda sua vida.
A penicilina é a droga de escolha para o tratamento, tem baixo custo e não existe relato de resistência treponêmica à droga, dentre as doenças
congênitas, a SC é a que tem melhores condições
para a erradicação. Mesmo diante destas facilidades, mas devido à falta de adesão aos protocolos, falta de insumos para o diagnóstico materno
precoce ou da baixa qualidade de informações,
os serviços de saúde continuam a prestar uma
assistência precária aos RN com SC.
228
Com. Ciências Saúde. 2014; 24(3): 211-230
Quando se inicia o seguimento do RN pode-se estar diante de duas situações: 1) o VDRL
estava positivo ao nascimento, mas se tratava
de anticorpos maternos, portanto passivos, e
o recém-nascido não tinha sífilis; 2) o VDRL
era positivo porque o recém-nascido estava
infectado. Em ambas as situações, o acompanhamento clínico inicial deve ser mensal. Na
primeira situação, o exame de VDRL deverá ser
realizado com um, três, seis, 12 e 18 meses, caso
o VDRL seja negativo aos três meses descarta-se a SC. Na segunda situação, o VDRL deverá
ser realizado aos 30 dias, três, seis, 12 e 18 meses,
o VDRL permanecendo positivo aos três meses,
a criança é considerada infectada. Em todos os
casos, deverá ser feito acompanhamento clínico, mensalmente, e oftalmológico, neurológico
e audiológico16.
Não foi possível verificar o seguimento dos RN
a partir da alta hospitalar. Não havia qualquer
registro nos prontuários, tanto maternos quanto
infantis, sobre seguimento clínico ou laboratorial.
Saliente-se que a falta de informações ou informações incompletas corroboraram para a
impossibilidade de extrair mais a respeito do
seguimento dos casos, além da perda de oportunidade de conhecermos o sucesso do tratamento na maternidade e, principalmente, monitorar o seguimento terapêutico assistencial,
situação que poderia contribuir enormemente
com os serviços de saúde, uma vez que são poucos os trabalhos científicos que abordam o seguimento terapêutico das crianças com sífilis.
CONCLUSÃO
O estudo mostrou que o manejo clínico inicial
e o seguimento terapêutico do RN com sífilis
congênita no Distrito Federal não é realizado
de forma adequada e está em desacordo com as
diretrizes definidas pelo MS. Os resultados obtidos nesta investigação reforçam a necessidade de um melhor acompanhamento clínico de
crianças com SC, contribuindo para a diminuição da morbidade e mortalidade relacionadas a
este agravo.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da
Saúde (FEPECS/SES-DF) pelo financiamento.
O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas ao nascer
REFERÊNCIAS
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de Ações Programáticas e Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral a Saúde
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Coêlho HLL, Ramos Jr AN. A (des)Informação relativa à aplicação da penicilina
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Este artigo faz parte da Dissertação de Mestrado intitulada Perfil terapêutico assistencial da sífilis
congênita no Distrito Federal no ano de 2008 para a obtenção do título de Mestre em Ginecologia,
Obstetrícia e Mastologia pela Faculdade de Medicina da UNESP/Botucatu, apresentada em julho
de 2011.
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O seguimento da sífilis congênita em crianças tratadas ao