A CRIANÇA E SEU MUNDO: COMPREENDER A PARTIR DO INFANTIL COMO É ESTABELECIDA A INTERAÇÃO ENTRE VÍNCULO SOCIAL E APEGO¹ HASLINGER, Camile²; SPOHR, Vanessa²; DOTTO, Fernanda Real³ ¹ Trabalho apresentado na disciplina de Estágio Específico II – UNIFRA ² Acadêmica do curso de Psicologia (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil ³ Docente do curso de Psicologia (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo É na família que a criança inicia os primeiros contatos afetuosos e formações de vínculos, para que então posteriormente estenda-se ao social. A formação de vínculos sociais, são constituintes da subjetividade do individuo e também da construção particular do mundo pelo qual a criança vive, cria e significa. Por meio do contato com o social, a criança fortalece o seu desenvolvimento e começa a construir sua identidade social. Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura acerca de aspectos sobre o infantil, com o intuito de compreender a interação do vínculo social e apego, que serão constituintes e responsáveis para que a criança invente e reinvente seu mundo. Contudo, percebeu-se que a família e a rede de apoio, como a escola e amigos, realizam um papel de grande importância para que a criança consiga relacionar-se de forma saudável com o outro, construindo apegos e vínculos sociais duradouros. Palavras- chave: Família; Criança; Vínculo social; Apego. 1. INTRODUÇÃO A família tem enorme influência no desenvolvimento da criança. Os relacionamentos formados durante a primeira infância afetam a capacidade de formar relacionamentos íntimos durante toda a vida. Segundo Papalia (2006) quanto mais seguro for o vínculo da criança a um adulto responsável, mais fácil torna-se para ela ser um adulto responsável. O relacionamento entre o apego e as características que aparecem anos depois salienta a continuidade do desenvolvimento e o interrelacionamento do desenvolvimento emocional, cognitivo e físico. Por mais que a família seja o centro do mundo social da criança, ela demonstra grande interesse por pessoas fora do vínculo familiar, particularmente por sujeitos de seu próprio tamanho, construindo, aprendendo e imitando umas as outras. Quanto mais cedo a criança estabelece contato social com outras crianças fora de casa, maior será a sua sociabilidade e aquisição de habilidades sociais, construção de vínculos 1 duradouros e formação de apegos essenciais para sua construção enquanto sujeito (PAPALIA, 2006). Segundo Eizirik (2001) um desenvolvimento saudável está intimamente ligado ao tipo de apego que se estabelece desde o inicio da relação entre a mãe e a criança, sendo que aos poucos essa tarefa vai evoluindo juntamente com o filho. Conforme nos diz Winnicott (1999) quando a mãe consegue adaptar-se às necessidades da criança nos estágios iniciais, ela consegue segurar e sustentar a mesma. A partir daí, a criança adquire confiança em si e no mundo, tornando-se capaz de atravessar de forma saudável, todas as fases de seu desenvolvimento emocional. O vínculo social só é possível quando a criança sente-se segura em seu mundo, em sua família, expressando sentimentos e afetos para fora dela, na escola, com amigos e professores. Considerando tais aspectos, este estudo objetiva compreender a partir do infantil, como é estabelecida a interação entre vínculo social e apego, tanto no contexto familiar, como no social, para melhor entender questões que se fazem presentes em torno da criança e seu mundo. Para tanto, foi desenvolvida uma revisão de literatura, que segundo Gil (2002) é construída primordialmente através de livros e artigos científicos, onde o pesquisador deve analisar em profundidade cada informação, com o intuito de descobrir possíveis incoerências ou contradições, utilizando fontes diversas. 2. RESULTADOS E DISCUSSÕES Nos períodos iniciais da vida humana, é comum que se imagine o bebê apenas como objeto de cuidados, projeções e impulso maternos. Além da evidência mais imediata ir sendo marcada pelos movimentos de sua mãe, também o gesto do bebê produz efeitos nela. Evidentemente isso não se restringe ao ponto de vista físico, indissociável do ponto de vista psíquico. Neste processo, é essencial a produção de marcas, essa transformação do ambiente pela simples presença, implica existir. Pelo simples fato de ser, um bebê irá marcando sua mãe, a partir da sua singularidade e a medida que ela for suficientemente adaptável, sensível, viva, será “marcável” por seu bebê (WINNICOTT, 1983). Para Winnicott (1975) os processos de maturação e o desenvolvimento primário, são essenciais para o crescimento da criança, como também o brincar, onde passa a ter uma identidade própria. O autor segue relatando a importância do fator maturacional e o papel da mãe suficientemente boa, ele inclui não apenas o pai e a 2 família, mas também a cultura em que estão inseridos. É neste ambiente em que a criança vai atribuir significados em relação a sua vida familiar e também cultural. Pensando em tal questão Del Prette & Del Prette (2001) é na escola que a criança constrói conhecimentos sobre a compreensão social, e as relações que estabelece com outras crianças, sendo estas, essenciais para o processo de socialização. As relações mediadas pelo professor durante as atividades pedagógicas devem ser permeadas por sentimentos de acolhimento, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro. Tais sentimentos, não só marcam a relação do aluno com o objeto do conhecimento, mas também afetam a auto-imagem, favorecendo a autonomia e capacidades de decisões (LEITE e TASSONI, 2002). O papel do professor na construção e na manutenção das habilidades sociais, ajudará a criança no seu desempenho, na aquisição de habilidades e comportamentos, nas relações interpessoais tanto na escola como na família. As habilidades sociais envolvem capacidade para fazer uma seleção acurada das informações úteis e importantes que acontecem nas relações interpessoais (FALCONE, 2000). Conforme Eizirik (2001) a congruência entre a família e a escola é de grande impacto na interação e na aprendizagem. O envolvimento e a influência dos iguais são também potentes reguladores da competência acadêmica. Compartilhar expectativas, objetivos educacionais, regras, e o nível de permissividade com a escola possibilita o monitoramento conjunto (criança, pais, professores) progressivo da aprendizagem. Conforme Del Prette & Del Prette (2001) os três processos (cognitivo, afetivo e comportamental) estão presentes no desenvolvimento das habilidades de resolução de problemas, impostos pelo ambiente social e que exigem habilidades de discriminar e responder a estímulos sociais, e simultaneamente, aos próprios eventos internos, pensamentos e sentimentos. Segundo o mesmo autor as crianças diante do contexto familiar e escolar vão aprendendo os diferentes papéis existentes na sociedade, sendo a família o primeiro grupo social, iniciando um longo processo de aprendizagem e convivência social. A relação que o ser humano estabelece com o meio, acumula-se historicamente. De acordo com Papalia (2000) o desenvolvimento social refere-se às mudanças nos relacionamentos entre as pessoas, construindo o desenvolvimento psicossocial que contribui na auto-estima da criança. 3 O mesmo autor ainda nos traz que a personalidade é a maneira peculiar que cada indivíduo possui de sentir, reagir e comporta-se. A afetividade ocorre por meio de vínculos que iniciam-se pelo apego ao ambiente familiar, e assim estendendo-se a outras pessoas, obtendo a cada experiência, emoções diferentes (DEL PRETTE & DEL PRETTE, 2001). Segundo Bowlby (1990) apego compreende um relacionamento afetuoso, recíproco, e duradouro entre duas pessoas, no qual, esta interação fortalece ainda mais a ligação amorosa. Na medida em que a criança é influenciada por fatores externos e acaba por despertar o lado afetivo pelo sexo oposto, começa a apresentar comportamentos diferentes, sendo uma manifestação do despertar pelo Outro (BALBO &BERGÈS, 2002). O investimento afetivo estendido fora do grupo familiar permite o abandono do brinquedo paralelo ou do brinquedo recíproco apenas com um outro parceiro, característicos das fases anteriores. A criança começa a aprender como se relacionar de forma mais elaborada além do dar e receber. Novas aquisições viabilizam formas mais eficientes de competir, comprometer-se, aprender as regras do jogo, cuidar-se e proteger-se de agressões, independente de simples reações motoras (EIZIRIK, 2001). Conforme Bowlby (1990) as crianças apresentam um “período sensível”, em que se encontram mais dispostos a formar vínculo com suas mães. Assim, revelam esse vínculo (chamado apego) através do comportamento (sorrir, chorar, sugar o polegar, olhar em direção à mãe, buscar proximidade, contato físico) destinado a atrair a mãe para perto deles (recém-nascidos), ou levá-los (quando maiores) em direção a suas mães. Dizer que uma criança tem apego por alguém significa que ela está fortemente disposta a buscar proximidade e contato com uma figura específica, principalmente quando está cansada, assustada ou doente. Para isso, considerou-se o apego uma ligação contínua e íntima, apresentada pela criança em relação à mãe ou cuidador. De acordo com Del Prette & Del Prette (2001), as brincadeiras e jogos tornamse experienciais que auxiliarão na organização social, na adequação de regras, na identificação dos diferentes papéis (familiares e escolares), e para o desenvolvimento de competências sociais. Vygotsky (1999) menciona que o jogo infantil aproxima-se da arte, tendo em vista a necessidade da criança criar para si o mundo às avessas para melhor compreendê-lo. Para Winnicott (1975) o brincar por si só já é terapêutico, é onde as crianças apresentam atitudes sociais positivas em relação ao brincar. O desejo de comunicarse através do brincar, experiência a criatividade no sentido de espaço-tempo, sendo 4 então uma forma básica de viver. O brincar precisa ser espontâneo, sem pressões, para que todo o conteúdo psíquico das crianças se manifeste, seja através do amor, do ódio, do medo, ansiedade ou impotência perante a alguma situação. “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o individuo descobre o eu o self” (WINNICOTT, 1975, p. 80). Segundo Bowlby (1907) “o primeiro e mais persistente de todos os vínculos é geralmente entre a mãe e o filho, um vínculo que frequentemente persiste até a idade adulta” (p. 96). Para Klaus, Kennell e Klaus (2000) a característica essencial comum entre apego e comportamento de apego é que dois parceiros tendem a manter-se próximos um do outro. Um fator importante no comportamento de apego é a intensidade da emoção que o acompanha. Essa emoção surge conforme acontece a relação entre a pessoa apegada e a figura de apego. Lebovici (1987) acrescenta que, se tudo está bem, há satisfação e um senso de segurança, porém, se esta relação está ameaçada, existem ansiedade e angústia. Desta forma, uma criança que tem pais afetivos e vive em um lar no qual encontra conforto e proteção, consegue desenvolver um sentimento de segurança e confiança em si mesma e em relação aqueles que convivem com ela (Bowlby,1990). Do contrário, conforme o mesmo autor, se uma criança cresce em situação irregular (afastada da vida familiar), pressupõe-se que sua base de segurança tende a desaparecer, o que pode prejudicar suas relações com os outros, havendo, assim, prejuízos nas demais funções de seu desenvolvimento. Segundo Newcomb (apud ALEXANDRE & VIEIRA, 2004) sustenta que a rede de apoio social começa a se formar quando a criança se expande socialmente, relacionando-se com pessoas não familiares, como aqueles com quem convive nas creches e escolas. “O ser humano necessita construir sua própria subjetividade e, neste caminho, cria a externalidade do mundo de realidade compartilhada, para estabelecer pontes e transitar sobre elas” (WINNICOTT, 1975, p. 81). É possível supor que a tarefa de proteção não se restringe unicamente a fornecer um contexto adequado a fim de que a criança chegue à plena maturidade física (alimento, abrigo), mas a fazer uso das habilidades metacognitivas. Consiste, também, em ensinar à criança os comportamentos valorizados pela sociedade (comportamentos pró-sociais), permitindo-lhe adaptar-se mais facilmente à vida acadêmica e social (MONDIN, 2005). Bowldy (apud MONDIN, 2005) nos trás que: O amor materno de que a criança necessita, é facilmente encontrado no seio da família e extremamente difícil fora dela. Os serviços habitualmente prestados pelos pais a seus filhos são de tal maneira 5 considerados naturais que a grandiosidade dos mesmos é esquecida. Não há outro tipo de relacionamento no qual um ser humano se coloque de forma irrestrita e contínua à disposição do outro (p.133). Como ressalva Levin (2005) a infância é o acaso em ação ou a encenação do acaso surpreso, da surpresa como intriga, inquietação e ao mesmo tempo satisfação de compartilhar com o outro. “A alteridade na infância é caracterizada pela experiência cênica plural e polifônica em suspenso, o que abre uma fresta para o acaso silencioso se desenrolar, animado e dando vida à busca de um desejo sempre insatisfeito”(p. 102). Para finalizar o autor supracitado nos diz que a criança no próprio desconhecimento e na inexistência, re-significa na diferença. Ela brinca com alteridade ao transformar-se e transformar as coisas em outras e outros. Quando brinca, brinca do oculto segredo de ser outro. Ela brinca de alteridade sendo outro, reservando-se como criança e abrindo para interação e vínculo social. 3. CONCLUSÃO A infância é uma fase do desenvolvimento onde a criança experiência e expressa tudo aquilo que descobre. É um momento de transformação que transpassa por toda a família. A construção de vínculos sociais, afetos e interação com o meio faz parte destas descobertas e experiências, onde se torna possível para a criança, construir e reinventar seu mundo e sua forma de brincar e interagir com o social. É importante pensar, que a construção do vínculo social inicia muito antes do contato propriamente dito da criança com este meio. É no seio da família que este pequeno indivíduo vai vivenciar as primeiras formas de contato com o mundo, com o seu mundo particular, fazendo-se necessário já neste momento à troca de afetos, para que então possa vincular-se de forma saudável com o social. Cabe ressaltar também, que nesse momento inicia-se a formação da subjetividade que será reconstruída â partir das vivências positivas e negativas com o meio em que a criança está inserida. A criança deve ser desafiada a criar suas próprias brincadeiras, seu próprio jeito de ser e viver no mundo, contando com uma rede de apoio tanto na família, na escola e como também no social, que sustentará esta realidade, dando então a esse sujeito a oportunidade de transitar sobre ela. Considerando tais aspectos, pode-se dizer que o objetivo central do trabalho foi alcançado. Havendo a partir da construção do mesmo, uma nova forma de olhar e compreender o infantil a partir da interação entre vínculo social e apego. Onde a 6 família e os cuidados da mãe nos estágios iniciais, tornam-se essenciais para o desenvolvimento e construção de habilidades, fazendo com que a criança relacione-se de forma saudável com o mundo que criou, e com aquele que de alguma forma necessita vivenciar e relacionar-se. REFERÊNCIAS ALEXANDRE, D. T.; VIEIRA, M. Relação de apego entre crianças institucionalizadas que vivem em situação de abrigo. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 2, p. 207-217, ago. 2004. Acesso em 28 junho de 2012. BALDO & BERGÈS, G. J. A atualidade das teorias sexuais infantis. Porto Alegre: CMC, 2001. BOWLBY, J. Formação e rompimento de laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1907. BOWLBY, J. Apego e perda. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1990. EIZIRIK, Cláudio Laks. Ciclo da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre: Artemed, 2001. FALCONE, E. M. O. Habilidades sociais: Para além da assertividade. In: WIELENSKA, R. C. (Org.). Sobre comportamento e cognição: questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas e em outros contextos. v. 6. São Paulo, 2000. p. 211-221. Acesso em 02 de jul. 2012. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. - 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. KLAUS, K.; KENNELL, J.; KLAUS, P. Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. LEBOVICI. S. O bebê, a mãe e o psicanalista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. LEITE, S. A. Da S.; TASSONI, E. C. M. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. In: AZZI, R. G.; SADALLA, A. M. F. de A. (Orgs.). Psicologia e formação docente: desafios e conversas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. LEVIN, E. Clínica e educação com as crianças do outro espelho. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. MONDIN, E. M. C. Interações afetivas na família e na pré-escola. Estudos de Psicologia. v. 10, n 1, 2005, p. 131-138. Acesso em 28 junho 2012. PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W. Desenvolvimento humano. Tradução Daniele Bueno. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. PAPALIA, D. E.; OLDS, S. E. & FELDEMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2006. 7 PRETTE, A. D.; PRETTE, A. P. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003. WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artemed, 1983. WINNICOTT, D. W. O brincar e realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. 8