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ÉTICA E SENTIDO DO TRABALHO HUMANO: A
CONTRIBUIÇÃO EDUCATIVA DA UNIVERSIDADE
Marli Pirozelli N. Silva – mestre em Filosofia de Educação USP, doutoranda em
Ciências da Religião PUC/SP
Centro Universitário da FEI
É fácil constatar que um dos maiores desafios atuais encontra-se no campo das
questões éticas. Frente aos problemas do cotidiano, observa-se a ausência de critérios
para agir, a dificuldade em emitir juízos de valor e incorporá-los na prática individual e
coletiva.
Vivemos a experiência cotidiana da ação sem fronteiras na dimensão da
economia, da informação, da técnica, da ecologia, dos conflitos transculturais e da
sociedade civil: dinheiro, tecnologia, idéias, mercadorias, informações e pessoas
ultrapassam as fronteiras como se elas não existissem.
Do ponto de vista do trabalho humano estamos presenciando a constituição de
novas formas de produção através da fragmentação física do ciclo produtivo visando
alcançar maior eficiência e maiores lucros, o que acarreta conseqüências relevantes na
vida de milhões de indivíduos e comunidades, submetidas a mudanças radicais tanto no
plano das condições materiais como no plano da consciência individual.
Liberalização dos mercados, acentuação da concorrência, aumento de empresas
especializadas em produtos e serviços requerem maior flexibilidade no mercado de
trabalho e na organização do processo produtivo.
O trabalho contratado por tempo indeterminado, compacto, reconhecido
(emprego fixo) tende a desaparecer substituído pelo mundo do trabalho fluido, rico de
promessas e incertezas sobre a perspectiva de emprego, da inadequação dos atuais
sistemas de seguridade, assolado pela competição e pelo ritmo vertiginoso das contínuas
inovações tecnológicas.
Agora todos os atores e organizações dos múltiplos domínios da sociedade
precisam lidar com os paradoxos e as exigências da globalização, que alteram o cenário
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mundial tal como o conhecíamos e apontam para duas questões que estão no cerne deste
processo de mudança: a exigência da ética e a perda ou redução do sentido do trabalho.
Torna-se urgente a redefinição das relações sociais a partir da ética e coloca-se em
questão a possibilidade real da Universidade colaborar nesta tarefa.
A economia é certamente um bom exemplo disto: cresce a repulsa aos freqüentes
casos de corrupção, à livre movimentação financeira, à exploração do trabalho infantil,
à fome ou outras violações de direitos humanos, sendo necessário, portanto, o
estabelecimento de critérios éticos que balizem as relações econômicas e limitem as
ações que deteriorem o ambiente ou violem os direitos humanos.
No campo da tecnologia o desafio parece ser maior cada vez maior, pois diversos
fatores como a criação de novas tecnologias, o crescimento constante dos mercados e da
informação, os novos sistemas de produção e relacionamentos de trabalho, exigem das
empresas maior produtividade e competitividade, que podem colocar em risco os
princípios éticos.
A aplicação da pesquisa tecnológica aos vários campos da atividade humana, tais
como a informação, educação, medicina e a produção de bens de consumo, entre outros,
tem gerado inquestionáveis benefícios ao homem, mas suscita também grande euforia
diante da perspectiva do domínio da realidade.
A aceleração das inovações tecnológicas e a ampliação das possibilidades - dois aspectos que marcam o
mundo atual - têm reforçado a crença de que há uma total autonomia de algumas esferas como a
tecnologia ou a ciência em relação à ética, nas quais os critérios para a ação seriam definidos pelas
possibilidades práticas e não pela sua legitimidade intrínseca (Silva: 1999,1).
O desenvolvimento tecnológico transformou-se assim numa mera pergunta
sobre a utilidade prática adquirindo uma natureza própria, separada do homem que a
criou e para o qual se destina.
AS NOVAS EXIGÊNCIAS
A nova economia exige maior flexibilidade no gerenciamento das empresas,
descentralização e organização em redes, individualização e diversificação das relações
de trabalho, eliminação dos obstáculos ao exercício do trabalho (desregulamentações) e
provoca o declínio das organizações dos trabalhadores, o desemprego, o trabalho
temporário ou provisório e os deslocamentos contínuos.
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No processo produtivo atual, dá-se cada vez mais peso à informação e ao conhecimento, ou seja,
ao fator humano. Portanto, graças às novas tecnologias, abrem-se perspectivas de ótimas oportunidades
de trabalho qualificado e criativo. Não se pensa mais no trabalho fixo, mas em atividades dinâmicas
dentro de estruturas produtivas em contínua mudança. ( Agazzi, C.et La Neve: 2000,80).
Para desenvolver a capacidade de adaptação do trabalhador às contínuas
mudanças, não basta apenas promover a qualificação profissional (aprendizagem técnica
das inovações tecnológicas), mas sua competência, a resposta pessoal e livre do
indivíduo, sua responsabilidade, tornando-o sujeito ativos de todo o processo produtivo.
Como afirma Peterossi:
È assim que hoje em dia se valoriza não apenas a qualificação do operário, coisa que a própria empresa
pode dar ou pode aprimorar, mas sobretudo a sua competência. A competência tem como foco o próprio
homem como sujeito, o que está em jogo aqui é sua criatividade e capacidade de desenvolver suas
funções de maneira crítica e construtiva, em constante diálogo com a realidade material, mas também
com seus colegas e superiores (Peterossi: 2004,8)
A valorização do conhecimento, da criatividade, da atitude ativa e crítica em
qualquer função que se exerça, solicita continuamente o profissional a tomar decisões,
a interagir com os outros e a realizar escolhas a partir de parâmetros éticos.
Ao lado da competência, a ética tornou-se imprescindível no mundo do trabalho,
incorporando definitivamente no cotidiano profissional.
Há uma vasta a literatura sobre o tema, pois a atuação ética não é uma opção,
mas condição indispensável para a permanência a longo prazo de qualquer empresa no
mercado.
Oferecer um produto de boa qualidade já é uma exigência do consumidor no
Brasil e o diferencial se deslocou para os valores que a empresa oferece ao consumidor
sendo, colocados no planejamento estratégico da empresa e mensurados por índices
cada vez mais apurados como o GRI (Global Reporting Initiative).
No mundo das relações de trabalho, das empresas e instituições a exigência de
comportamentos éticos está intimamente associada ao conceito de responsabilidade
social, com o qual se confunde, por ser um dos pilares que o sustentam (a
responsabilidade social é avaliada pela forma como a ética permeia as relações internas
na empresa e com seus parceiros – funcionários, fornecedores, consumidores,
comunidade local).
Questões como a erradicação da pobreza, saúde, energia, gestão de ecossistemas,
biodiversidade e desenvolvimento sustentável são agora objeto da preocupação e
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atuação de empresas e fundações, que passaram a conceber-se como agentes morais,
capazes de mudar o quadro negativo gerado pela globalização.
É importante assinalar que a responsabilidade social tem raízes na ética, mas
também na economia: as práticas de responsabilidade social têm impacto positivo na
performance da empresa, pois contribuem para o aumento da produtividade e da
qualidade, para a melhoria da imagem e reputação, para o aumento das vendas e da
fidelidade do consumidor, assim como para a diminuição da rotatividade dos
funcionários e atração de talentos.
Trata-se então de organizar um novo modelo de negócios, capaz de adaptar-se às
exigências do mercado global, entre as quais encontra-se hoje a ética.
Na Universidade a preocupação com o trabalho concretiza-se através da
atualização das informações, na exigência de aperfeiçoamento contínuo do corpo
docente, na atualização de equipamentos e laboratórios, no estímulo aos estágios, nos
convênios e projetos com empresas e por outro lado, na ênfase na formação de
competências que permitam aos alunos enfrentarem os desafios de um mundo em
transformação constante.
O grande dilema parece ser então: como formar profissionais competentes, aptos
a lidarem com as contínuas mudanças tecnológicas e ao mesmo tempo éticos?
A resposta encontrada – introdução de disciplinas específicas de ética – parece
não suprir esta carência, pois estas disciplinas tratam de aspectos particulares da
questão, apresentando em geral, uma abordagem dos códigos de ética profissionais ou
problemas específicos da profissão.
Desta forma, a preparação para o mundo do trabalho resume-se ao
desenvolvimento de habilidades para possibilitar ao aluno sobreviver num mundo em
constantes transformações e instruí-lo sobre as novas exigências do ponto de vista ético
da sociedade atual.
Parece-nos que a ênfase na formação do profissional ético traz ao centro da
discussão não apenas as mudanças ocorridas nas formas de trabalho, mas o próprio
significado do trabalho humano.
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ÉTICA E TRABALHO
Atualmente observamos uma redução não apenas do conceito de ética, mas
também do significado do trabalho.
O contexto cultural em que vivemos é predominantemente marcado pelo
hedonismo e pelo subjetivismo, que recusa o valor do objeto em si, atendo-se
exclusivamente ao modo como o percebemos.
A realidade é compreendida somente como um processo subjetivo, sendo
reduzida ao conjunto de experiências e emoções vividas pelo sujeito. Desta maneira,
todos os aspectos da vida devem produzir resultados imediatos e positivos, caso
contrário, o objeto deve ser prontamente abandonado ou substituído por um outro.
O exercício da profissão insere - se neste contexto e o trabalho torna-se uma
etapa a ser rapidamente vencida, um instrumento capaz de garantir o acesso a uma
posição privilegiada na sociedade.
O modelo do profissional bem sucedido que prevalece entre as novas gerações
resume seu ideal de homem: profissionais jovens, cuja rápida ascensão na carreira
proporciona-lhes ganhos elevados e prestígio, projetando sua atuação profissional por
um tempo delimitado, de modo que possam aposentar-se o mais cedo possível. Neste
sentido, a prática de atos ilícitos pode facilmente ser aceita e justificada em
determinadas circunstâncias.
Há uma verdadeira obsessão pela carreira e desde muito cedo os alunos
experimentam os efeitos do “workalcoholism”.
São freqüentes os relatos dos alunos sobre as dificuldades e a decepção vivida
nos estágios e empregos, ligadas ao próprio exercício do trabalho e não a lacunas
resultantes da qualificação profissional.
Olhar para todos os aspectos do trabalho nos obriga também a reconhecer seu aspecto árido e penoso :
trata-se de realizar tarefas cujo aspeto prazeroso não aparece de maneira tão imediata. (...) Levar em conta
apenas o aspecto econômico-competitivo do trabalho, leva a desprezar os trabalhos secundários que
deveriam ser realizados por trabalhadores de nível hierárquico inferior, mas ninguém quer ser
considerado inferior porque isso não corresponde a sua expectativa de sucesso e à sua auto-estima. Mas,
desta forma se criam falsos obstáculos ao trabalho em equipe. Esta reflexão nos leva então a nos colocar
uma pergunta sobre o aspecto de sacrifício que é próprio do “fazer”, isto é à resistência que a
manipulação do real deve enfrentar e superar. Trata-se de enfrentar também o trabalho no seu aspecto do
sofrimento (Valentini: 2004, 3)
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Esta discussão desemboca inevitavelmente no questionamento sobre o valor e o
sentido do trabalho na sociedade atual.
É preciso que a Universidade discuta o sentido do trabalho na formação do
profissional, de modo que o trabalho possa adquirir a plenitude de seu significado,
assim como a ética deve deixar de ser um complemento a ser acrescentado ao homem,
tornando-se a conseqüência inevitável da consciência de si mesmo.
A ética pressupõe acima de tudo o conhecimento de um único fundamento: o
próprio ser do homem, ontologicamente constituído pela exigência de realização plena,
por perguntas inextirpáveis sobre o sentido último da vida, que se referem, portanto,
não a aspectos particulares, mas à totalidade da existência.
É a aspiração pela realização plena do ser-homem e não apenas de aspectos
parciais da vida (profissão, saúde, finanças, família, etc) que está na raiz de todo
movimento humano, sustentado e redefinindo o caminhar dos homens e dos povos.
Quando não se reconhece esta raiz, todo empenho humano volta-se para a
satisfação de aspectos setoriais, sem dúvida importantes, mas parciais.
Tratar da ética, portanto, pressupõe colocar em jogo o significado da vida e
educar para a ética é estabelecer continuamente o nexo entre cada ação e o fim último
dos atos humanos.
Um trabalho que tenha for fim somente o aumento ilimitado e insustentável da produção e consumo é
contrário á pessoa humana e à suas aspirações mais profundas. As necessidades mais importantes da
nossa sociedade, principalmente nesta era da globalização, não se esgotam no modelo consumista de uma
produção espasmódica de novos bens materiais, mas abarcam mais os serviços à pessoa, à família, às
tradições interperssoais, à solidariedade entre gerações. Recolocar o trabalho neste contexto global da
pessoa humana significa restituir o sentido e valor ao trabalho, abrir caminho para uma civilização
verdadeiramente nova ( Agazzi et La Neve: 2000, 83).
Numa perspectiva unitária, o trabalho e a ética constituem duas dimensões da
para a realização integral do homem. A partir do reconhecimento da pessoa humana
como valor absoluto, fonte de dignidade e direitos inalienáveis a serem defendidos a
percepção do homem sobre a realidade começa a alargar-se, permitindo lhe uma
manipulação mais fácil dos critérios do julgamento e de orientação voltados para o Bem
Comum.
O sentido do trabalho seja ele qual for e em que condição for realizado parece
não ser objeto de uma reflexão nos cursos regulares na Universidade e desta forma a
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ética torna-se acessória, pois esta questão só encontra seu pleno sentido através da
compreensão de todos os aspectos da realidade, notadamente o trabalho, enquanto
expressão da natureza humana e de sua originalidade, como um dos aspectos centrais
que caracterizam a vida adulta.
Nosso desafio maior, portanto, é formar profissionais que estejam capacitados a
sobreviverem num mundo em contínuas mudanças e incertezas engendradas pelas novas
formas de produção e trabalho, mas principalmente homens capazes de aceitar o desafio
de ir além do aprendizado das normas éticas padronizadas pelas empresas e aceitas por
toda a sociedade. Homens que reconheçam em todas as circunstâncias a possibilidade
de realização plena de sua natureza humana e que não abdiquem da exigência original
de caminhar continuamente em busca da Verdade, sempre ao lado dos outros homens.
O TRABALHO COMO LUGAR DE VIDA
Acreditamos que o entusiasmo pelo trabalho, a energia, a capacidade operativa não
nascem apenas de uma correspondência com a própria sensibilidade, da busca de uma
atividade prazerosa, mas do reconhecimento de que é através de circunstâncias
concretas que se joga todo o desejo e a possibilidade de realização da própria natureza
humana.
Desta forma, o trabalho adquire seu pleno significado, deixando de ser apenas
um “pedágio” a ser pago, assim como a ética deixa de ser algo que deve ser
acrescentado ao homem, tornando-se conteúdo de sua consciência.
O trabalho como fonte de realização pessoal, de estímulo permanente para a
ação, que molda a realidade e ao mesmo tempo expressa e constrói a pessoa humana,
perde seu valor intrínseco e torna-se um meio para alcançar uma situação de bem estar.
O trabalho não é somente uma maneira de viver com dignidade, mas uma
atividade cultural, o espaço onde pode ser expressa a originalidade pessoal, a
criatividade, a iniciativa livre e o conhecimento de cada um. É um instrumento da
participação na vida da comunidade.
Victor Frankl, caracteriza o trabalho como o modo do homem responder de
forma original e ativa às circunstâncias concretas da vida tendo uma meta a ser atingida.
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Quando esta meta está obscurecida, a tendência é a paralisia e poderíamos acrescentar, a
luta pela recompensa material ou social.
É através do trabalho que o homem expressa seu caráter único, advindo daí o seu
sentido e valor.
Na contramão da mentalidade dominante o autor afirma que a profissão em si
não traz consigo a plena satisfação, não tem a capacidade de realizar o homem:
Não é, por conseguinte, um determinado tipo de profissão o que oferece ao homem a possibilidade
de atingir a plenitude. Neste sentido, pode-se dizer que nenhuma profissão faz o homem feliz. A
profissão, em si, não é ainda suficiente para tornar o homem insubstituível; o que a profissão faz é
simplesmente dar-lhe a oportunidade para vir a sê-lo. (...) Só a partir do momento em que se move
para além das fronteiras dos preceitos puramente profissionais, para além do que está ‘regulado’
pela profissão, — só a partir desse momento é que o médico, por exemplo, começa um trabalho
verdadeiramente profissional, que só ele pode levar a cabo plenamente (Brandão:2000, 83).
Isto não menospreza o desejo de crescer profissionalmente, mas modifica
substancialmente a quase “obsessão” dos jovens pela rápida ascensão profissional, pois
o que realmente importa é o modo como o homem realiza sua tarefa, imprimindo a ela
uma marca pessoal e insubstituível.
Ao entrarmos em diálogo com Luigi Giussani, a relação entre educação, trabalho
e ética torna-se mais explícita.
Para o autor o trabalho é essencial na vida do homem inicialmente porque o
homem conhece a si mesmo somente na ação e no trabalho. Além disto, é na esfera do
trabalho que o homem se constitui, porque se empenha numa a tarefa, utiliza sua
criatividade para solucionar problemas, dedica-se aos outros, enfim, torna-se
protagonista de sua vida e gerador de obras.
Aqui se encontra o grande valor do trabalho como atitude diante do real: o
estímulo para que a pessoa observe a si mesma, examine o significado pessoal e social
de seu projeto, analise todas as variáveis envolvidas, aprenda a utilizá-las
adequadamente, enfrente os desafios, reoriente sua ação tendo em tendo em vista um
objetivo, enfim, que possa imprimir uma marca pessoal no mundo, através de sua ação.
É um caminho verdadeiramente educativo, no que se refere ao empenho do
homem com o mundo concreto, com as circunstâncias que o envolvem e o exigem
integralmente.
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É o homem em sua totalidade, constituído pelo senso religioso, que o impele a
buscar o sentido último de sua vida abrindo-o ao Infinito o sujeito capaz de viver o
trabalho sem ser reduzido sem sua consistência ou abafado por circunstâncias
desfavoráveis.
Estando diante deste significado, sempre misterioso, o sacrifício, o sofrimento que o trabalho exige faz
sentido, serve para alcançar a realização de si.
Assim fica evidente porque é necessário considerar o homem como pessoa e não apenas como recurso,
“recurso humano” ou pior, como “capital humano” numa imagem “coisificante” (reificante). Também
seria profundamente ambíguo encarar o trabalho humano usando o aspecto “espiritual” do trabalhador em
sentido instrumental, isto é, apenas para aumentar o seu rendimento. Pelo contrário o homem é desejo de
felicidade (Valentini:2004, 9)
Aqui aparece a outra face do trabalho: a colaboração e a solidariedade - trabalhase cada vez mais com e para os outros, sendo esta uma ocasião de crescimento mútuo e
geração de frutos para toda a sociedade.
A raiz da unidade não é “instrumental”, isto é meramente funcional à produção, mas intrínseca
ao próprio ser humano. O trabalho em equipe, a colaboração, o fato de estar diante do outro com a
capacidade de valorizar seus aspectos construtivos e redimensionando seus limites, isto quer dizer ver-ser
e tratar-se como “seres espirituais”. (Valentini:2004, 9)
O trabalho, portanto, é um aspecto parcial da realidade que conduz ao todo,
através do qual se afirma a razão pela qual se existe e deve ser o resultado de uma ação
educativa porque reconduz o homem à razão última de seu agir.
Só assim o homem torna-s sujeito criador, idealizador e realizador de obras.
Através de uma educação contínua, da qual a Universidade deve fazer parte, o
trabalho também pode ser concebido como abertura ao outro, comunicação ativa,
colaboração numa obra comum e serviço à comunidade, ultrapassando os estreitos
limites da visão individualista que predomina atualmente.
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BIBLIOGRAFIA
AGAZZI, C et LA NEVE – O papel da informática na redução das Distâncias entre
Ricos e Pobres IN SEMINÁRIO NEAL - UNIFEI, III edição, 2002, São Paulo.
Sociedade do conhecimento: novos desafios universitários. UNIFEI: 3ª edição, 17 e 18
de outubro, p. 67-91.
BECK, Ulrich – O que é globalização? Equívocos do globalismo: repostas à
globalização. São Paulo. Paz e Terra. 1999.
FRANKL, Victor – Psicoterapia e Sentido da Vida. São Paulo. Quadrante. 1989.
GIUSSANI, L – O Eu, o poder e as obras. São Paulo. Cidade Nova.2001.
O Senso Religioso. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2000.
LAUAND, Luiz Jean – Ética e Antropologia – Estudos e Traduções. São Paulo.
Mandruvá. 1997.
PETEROSSI, Helena – Sociedade, Trabalho e Educação IN Seminário Pessoa e
Trabalho na Sociedade Atual: os novos desafios, 2004, PUC/SP.São Paulo.2004.CD
SILVA, Marli et LA NEVE, Alessandro - The Formation of Ethical Criteria for the
sociable responsible engineer. IN International Conference on Engineering Education,
2003, Universidad Politécnica de Valencia.21-25 de Julho, 2003.
VALENTINI, Vando – Pessoa e Trabalho IN Seminário Pessoa e Trabalho na
Sociedade Atual: os novos desafios, 2004, PUC/SP.São Paulo.2004. CD
TESE:
BRANDÃO, Silva R. Campos – Orientação Vocacional: uma abordagem filosófica e
antropológica, FEUSP, 2000.
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FALAR OU NÃO FALAR?
COMUNICAÇÃO E ÉTICA NO TRABALHO.
Profa. Ms. Ieda Maria Caricari
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Ao refletir sobre o que é ética no trabalho ou como ter ética nas relações
profissionais percebemos que a ética está ligada à comunicação, ao uso e à escolha das
palavras, em contexto. Observamos que a língua é, por si só, um sistema organizado e
arbitrário de palavras, isso significa, de maneira simples, que os usuários de um mesmo
código lingüístico se entendem ou, ao menos, deveriam se entender.
Essa escolha de palavras implica, também, no momento certo de falar ou
não falar. É na palavra que a organização de uma sociedade ou de uma relação
interpessoal se estabelece e se constrói, ou seja, os princípios de organização estão
fundados e organizados desse modo.
Partindo do princípio de que a comunicação é algo que vai além da
mensagem emitida por um remetente e decodificada por um destinatário, sabemos que
essa transmissão é passível de ruídos, que podem prejudicar a comunicação eficaz. Nas
palavras moram os problemas e, também, as soluções da boa convivência. Visto isso, é
na escolha da palavra, que se revela o intuito da comunicação e, também, a sua maneira
de ver o mundo. Tal escolha denota a personalidade e a postura assumida diante de
qualquer fato. Saber usar a palavra implica na escolha do momento certo, para que essa
continue como aliada da boa comunicação.
As relações humanas, no âmbito profissional, são muito tênues, muitas vezes
arriscadas, e devem ser cuidadas. Sem deixar de lado a idéia de que cada profissão tem a
sua conduta de ética, qualquer organização (pública ou privada) se depara com o
questionamento ético ligado a comunicação em vários momentos do seu dia-a-dia.
O primeiro momento, a que chamamos a atenção, está nas relações
interpessoais entre os funcionários, de qualquer tipo de organização. Um exemplo disso
acontece quando o funcionário “A” percebe que um colega de trabalho “B” está
infringindo alguma norma de conduta dentro do seu horário de trabalho e isso, por sua
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vez, prejudica o bom funcionamento da empresa. Mas, até que ponto o funcionário “A”
deve interferir? O que significa para ele falar e corrigir uma atitude antiética alheia? É
claro, que nesse momento o funcionário “A” preocupado com a ética e com o
cumprimento das normas da empresa pondera sobre as conseqüências da sua
comunicação aos superiores. – E se eu falar ao chefe? – E se eu conversar diretamente
com o meu colega? – E se eu ficar quieto? Provavelmente, para o funcionário “A” antes
da ética e das normas da empresa venha o seu sustento, a sua estabilidade financeira, a
sua família, o bom relacionamento com os colegas de trabalho e um ambiente tranqüilo
na empresa.
Poderíamos supor que em um momento de falar ou de não falar muito
deveria ser medido e ponderado. Muitos pontos deveriam ser avaliados, para se definir
qual é a melhor atitude a ser tomada e em que momento isso deve ser feito, e, é claro
sem esquecer de que forma agir para solucionar a dificuldade da melhor maneira.
Segundo o professor Antônio Suárez Abreu (2005), para agir com ética é necessário:
honestidade, verdade e conseqüentemente credibilidade. Esse seria um bom caminho
para decidir qual atitude tomar numa relação profissional.
A postura ética, também, chama a atenção para a comunicação entre os
vários níveis de importância hierárquica dentro de uma empresa. Até que ponto é
verdade que a empresa quer ouvir os seus funcionários? E se ela tem esse interesse,
como atinge esse objetivo? O quanto um funcionário é livre para expressar a sua
opinião? Quanto a empresa se importa com a boa comunicação e como a empresa se
empenha para que esse diálogo aconteça de forma ética?
Na fala do funcionário está também a percepção do quanto o negócio está
indo bem. Ele é o lugar onde acontece a ação, em que se define o que está certo e o que
pode ser alterado. O quanto esse funcionário está satisfeito com a maneira como
trabalha, e com o resultado de produto do qual faz parte.
Ética pode estar relacionada com a coragem por parte dos superiores, dentro
de uma organização, em agir. Inclui-se, aí, as metas e os objetivos definidos, bem como,
o planejamento para atingi-los. Para isso, ao abranger a palavra como parte do processo
de gestão, conta-se com uma dose de coragem dos coordenadores de um processo em
ouvir o outro e aceitar mudanças ou, ainda, ouvir o funcionário e agir com justiça.
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Usar a palavra, do ponto de vista ético, é sinônimo de clareza de idéias, de
determinação e de total capacidade para ocupar o cargo que ocupa, seja ele qual for. A
boa capacidade e a honestidade no uso da palavra permite que as posições hierárquicas,
necessárias dentro de qualquer organização se aproximem, o que pode, proporcionar, no
limite, uma melhor realização do trabalho.
Um exemplo de gestão de uma organização, a partir do compromisso com
boa comunicação é o da empreendedora Anita Roddick, narrada em seu livro: Meu jeito
de fazer negócios 1 . Nesse diário, Roddick conta sobre sua empresa, traça o histórico,
como é fundamentada, quais são seus valores e qual é a importância da Body Shop na
sua vida. Mas, antes de tudo, fala sobre a sua família, o que foi marcante durante a sua
criação e como usou isso para construir sua empresa. Fala dos fracassos, das
dificuldades e das metas.
“Os objetivos e valores da The Body Shop são tão importantes quanto os
nossos produtos e lucros” (RODDICK, 2002, p. 89). A meta de Anita Roddick, sempre,
é agir com responsabilidade social, comunicando-se aberta e claramente com os
funcionários, com os fornecedores e com os consumidores.
Agir com responsabilidade, para a autora, é lidar com a palavra e com a
verdade, isso inclui coragem e descentralização. Um dos problemas que Roddick
observou em sua organização foi a questão da comunicação, seja ela a horizontal ou a
vertical, percebeu que os ruídos impediam o desenvolvimento tanto dos trabalhos como
o dos trabalhadores. Então, desafiou-se no sentido de obter uma comunicação mais
direta com os seus funcionários.
A comunicação interna, entre todos os funcionários, é feita por meio dos
banheiros, lugar por onde todos passam diariamente, o que a empreendedora chama de
Throne Out (pronunciamento do trono). Foram disponibilizados papel, lápis e direito a
fala. Dessa forma, departamentos que não se relacionavam passam a se comunicar. Já,
para escrever diretamente à Anita ou aos membros do conselho qualquer funcionário, de
qualquer lugar do mundo, pode fazer uso da “carta vermelha” e sabe que será
respondido por algum deles em 24 horas.
A questão do vínculo está presente neste contexto da palavra. É por meio da
troca de mensagens que as pessoas da organização se organizam e debatem os temas
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Anita Roddick é a fundadora de The Body Shop, o titulo original do livro é: Business as unusual.
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que estão presentes no cotidiano. Esse evento não poderia ficar restrito, então, aos
limites da organização, deveria atender aos clientes diretos e indiretos, por isso, a
comunicação é com o consumidor, essa continua permeada pela ética.
A The Body Shop quer criar um forte vínculo com o consumidor, e vínculo é
resultado de cuidado, de atenção e de proteção. Tal relação se estabelece à medida que o
seu consumidor percebe que, ao contrário de dizer que o xampu por ela vendido faz
milagres no seu cabelo, essa empresa, antes, quer usar a palavra, quer contar histórias. É
a partir do cuidado que ela tem com a humanidade, que o vínculo se torna interessante,
ela quer consumidores que compartilhem da causa humanitária, que se envolvam na
busca de pessoas desaparecidas, que se preocupem com a origem dos produtos que
consomem, que reajam às propagandas tanto àquelas que os fazem rir como àquelas que
os fazem refletir. Interessante, também, é perceber que a propaganda realizada por essa
empresa tem o compromisso de se mostrar sem mentiras, no que se refere à beleza da
mulher, mas sim promovendo saúde e realidade por meio de seus produtos.
Vender palavras e as sensações que elas produzem preenche muito mais o
consumidor, do que a infeliz descoberta de ter comprado enganosamente um xampu e
constatar que ele não faz milagres. A comunicação, o marketing, é feita com o
consumidor tanto nas vitrines, como nos Outdoors, ou nas laterais dos caminhões, nos
uniformes das atendentes, como também nos pacotes que embalam os produtos. “Antes
da virada do século, eu já dizia que, no novo milênio, não seriamos mais uma empresa
de cosméticos, com um ramo na comunicação, mas uma empresa de comunicação, com
um ramo no setor de cosméticos” (RODDICK, 2002, p. 76).
A propaganda da The Body Shop não preenche, simplesmente, os espaços
vazios das embalagens com a logomarca, mas incentiva a ação pelos direitos humanos,
informa sobre pessoas desaparecidas, educa, conscientiza e diverte a sociedade. A
empresa, dessa forma, se integra com as pessoas no mundo inteiro, por que reconhece
que a matéria do trabalho é humana e a força que produz esse trabalho, também é
humana.
Uma empresa, de valores bem claros e de metas humanitárias, é ética em
todos os âmbitos de suas relações, principalmente, por que vê o homem como ser livre,
autônomo e digno, não como objeto do seu lucro em todas as áreas de seus
relacionamentos. Para Anita Roddick o interessante não é, simplesmente, montar
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empresas em áreas já industriais, onde os incentivos fiscais são melhores, mas construir
uma empresa num bairro que precise ser desenvolvido, em que as pessoas estejam
carentes de assistência do governo, o que geralmente demora a chegar, e o trabalho - a
empresa - signifique crescimento e valorização das pessoas e do lugar.
As hierarquias extremamente rígidas e grosseiras, as mentiras das
propagandas,
a
superficialidade
das
relações
humanas
denotam
medo
e
desconhecimento da sua matéria de trabalho: o Homem. Para Antônio Suárez Abreu:
A verdade é que ninguém é feliz sozinho, mas, ao mesmo tempo,
temos medo de nos relacionar com o próximo. Conseguimos diminuir
a distância que nos separa das partes mais longínquas do mundo, por
meio de avião a jato, da teve a cabo, da Internet, mas não
conseguimos diminuir a distância que nos separa do nosso próximo.
(ABREU, 2005, p. 19-20)
A ausência de interesse pelo relacionamento humano e pelo respeito ao outro
é o lugar da falta de ética. Segundo Abreu, agir com ética é argumentar com
transparência e honestidade. Disso origina-se a credibilidade. Enquanto a argumentação
elaborada sem ética é, antes de tudo, manipulação. Comunicação e ética ou
comunicação com ética envolve verdade.
Assim como as pessoas possuem “detectores inconscientes” de
interesse sexual em relação ao sexo oposto, capazes de decodificar
posturas corporais, expressões faciais e tom de voz, elas também
possuem “detectores de credibilidade” em relação ao outro. Para ter
credibilidade, basta procurar a criança que existe dentro de nós. As
crianças não dizem aquilo que não acreditam e não fingem o que não
sentem. Se estão tristes, seus rostos refletem nitidamente tristeza. Se
estão alegres refletem essa alegria. Ao longo da vida, nós, adultos, é
que desaprendemos a espontaneidade, depois que outros adultos nos
ensinaram a separar nossa inteligência de nossas emoções. (ABREU,
2005, p. 40)
A convivência com o outro implica em ter bom humor, em ser sincero, em
saber ouvir, saber olhar para o outro, saber perceber o outro. Como foi dito, a
comunicação não está somente na transmissão da mensagem, ainda que bem formulada
e sem ruídos. A palavra é antes de tudo convivência. Quando tal convivência
16
profissional tem respeito e honestidade significa que atitude escolhida tem compromisso
com a ética.
Referências bibliográficas
ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 8ª ed.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2005.144 p.
BLIKSTEIN, Isidoro. Técnicas de comunicação escrita. 21ª ed. São Paulo: Ática,
2006. 103 p.
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Curitiba: Criar, 2003. 136 p.
RODDICK, Anita. Meu jeito de fazer negócios. 5ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002.
287 p.
17
MULHERES NEGRAS: DESAFIOS DE OPINIÃO
NA POPULAÇÃO UNIVERSITÁRIA
Antonia Aparecida Quintão dos Santos Cezerilo
18
ÉTICA E TRABALHO: OS VALORES DOS PEDAGOGOS QUE
ATUAM EM ESPAÇOS NÃO ESCOLARES 2
Mary Rosane Ceroni 3
Resumo
A concepção teórica e epistemológica deste estudo tem por base o construtivismo.
Partindo do pressuposto que cada pessoa constrói seu próprio sistema de valores, que se
integra à sua identidade, observa-se que os valores morais são construídos nas
experiências significativas que o sujeito estabelece com o mundo. Assim, compartilhase aqui alguns aspectos relevantes do resultado da pesquisa, realizada entre agosto de
2004 e dezembro de 2005 com pedagogos que atuam em Empresas e ONGs localizadas
em São Paulo, relativo ao tema desta comunicação. Este estudo, desenvolvido na Linha
de Pesquisa Gestão Educacional e Educação Profissional do Grupo de Pesquisa
Educação e Inclusão Social do FMU, com a finalidade de propiciar aos pedagogos em
formação a compreensão de sua capacidade profissional e o desenvolvimento de
competências em ambientes que extrapolem as unidades escolares, apresenta como
resultado a inclusão profissional do pedagogo em diferentes oportunidades de atuação
no mundo do trabalho.
Palavras-chave: Educação Profissional. Pedagogia. Ética Profissional.
1. A construção própria do sistema de valores
2
Tema elaborado com base no estudo desenvolvido na Linha de Pesquisa Gestão Educacional e
Educação Profissional do Grupo Educação e Inclusão Social do FMU. Integrantes desta Pesquisa: Drª
Mary Rosane Ceroni, Ms.Claudia Morais Lietti; Maria Bernadete G. Carbonari; Ms. Maria Evani
Machado; Ms.Nêusa Maria Gomes Gallego.
3
Professora nos Cursos de Pós-Graduação do FMU e nos de Graduação e Pós-Graduação da UPMMackenzie. Pesquisadora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas –
Gestão do Terceiro Setor/Mack Pesquisa (2003-2004)/UPM. Professora e Coordenadora do Centro de
Formação de Professores Mackenzie (1993-2001)/UPM. Professora na Educação Básica em escolas
públicas e particulares de São Paulo,desempenhando diferentes funções (1975-1996). Formada em Letras
e Pedagogia; com especialização em Didática do Ensino Superior; doutorado, mestrado e especialização
em Administração de Empresas pela UPM. Site: http://meusite.mackenzie.com.br/mary e-mail:
[email protected]
19
Aborda-se neste item a distinção entre profissão e profissionalismo para melhor entendimento do estudo em questão, com destaque à
construção de sistemas de valores cujo aprendizado ocorre nas vivências e estudos significativos, estabelecidos com o mundo do
trabalho.
1.1. Profissão e Profissionalismo
Veiga (2005, p. 24) afirma que “a maioria dos estudos realizados sobre o conceito de
profissão tem um enfoque sociológico que se expressa na enumeração de traços de
caráter social e outros de cunho epistemológico.” Esclarece que a palavra profissão, no
sentido etimológico, vem do latim professio, que significa declaração, profissão,
exercício, ocupação, emprego. (p.26).
A mesma autora, ao estudar sobre a
profissionalização docente como uma construção histórica e ética, assinala que “o
profissionalismo é entendido como as características e capacidades específicas da
profissão. É a complexa variedade a que um profissional se deve submeter para
desempenhar o trabalho com dignidade, justiça e responsabilidade.” (2005, p. 27).
Gichure (apud VEIGA, 2005, p.25) apresenta os requisitos que, de modo geral, definem
o perfil da profissão, dos quais destacamos os que estão relacionados ao tema deste
estudo: “potenciar um sentido ético no exercício profissional objetivado em um código
deontológico [centrado na explicitação de princípios e deveres]; esse requisito é
propulsor da reflexão ético-profissional; controlar a qualidade técnica, seu tom ético e,
consequentemente, seu prestígio social.”
Com base na análise desenvolvida por Tardif (2001 apud VEIGA 2005, p.30) sobre a
crise do profissionalismo, destacamos um dos pontos sinalizados pelo autor: “a crise do
profissionalismo é a crise da ética profissional, isto é, dos valores que devem guiar os
profissionais”.
Segundo Veiga (2005, p.100), “(...) aparece em muitos códigos de ética profissional a
orientação de que os profissionais devem buscar expressar-se por valores morais, numa
perspectiva de vir a cumprir com seus deveres. (...)”. Ao pesquisar sobre o profissional
da educação, a autora registra que “Ao orientador educacional cabe responsabilidade,
zelo, discrição e honestidade (alínea a do artigo 1º do Código de Ética dos Orientadores
Educacionais do Brasil).”
Dentro deste contexto, acreditamos que o aprendizado de valores ocorre por intermédio
de abordagem intelectual e vivência, o que implica em experiências significativas
quando os fatos relevantes da vida são tratados com eficácia educativa.
20
1.2. Valores e Formação Integral do Ser Humano
Segundo estudiosos no assunto, “Os valores emanam não dos indivíduos em si, mas da atmosfera criada pela interpessoalidade. É
nela, e por meio da palavra, que adquirimos a condição de seres humanos.” (MARIOTTI, 2000, p.165 apud SOUZA NETO;
MONEZI, 2005, p.43)
Nanzhao (1998), por sua vez, assim se expressa:
À educação não compete apenas transmitir o patrimônio cultural às novas
gerações, mas também modernizar as tradições. Os aspectos negativos das
culturas tradicionais exigem um esforço de renovação à luz da evolução
sócio-econômica, e a educação tem um importante papel a desempenhar
neste campo, suscitando uma transformação positiva dos valores culturais.
(p.263)
O mesmo autor (1998, pp.263-264) pondera que, para promover uma ética global, é preciso cultivar valores culturais universais,
destacando um certo número deles como fundamentais: o reconhecimento dos direitos do homem em conjugação com o sentido das
responsabilidades sociais(...) ; a preocupação com a eqüidade social e com a participação democrática na tomada de decisões (...);
compreensão e tolerância em relação às diferenças e ao pluralismo culturais (...); solicitude para com o outro(...); espírito de
solidariedade (...); espírito de iniciativa (...); criatividade (...); respeito da igualdade entre sexos (...); espírito aberto à mudança
(...); sentido das responsabilidades, no que diz respeito à proteção do ambiente e ao desenvolvimento sustentável (...). Notamos,
desta maneira, que estes valores universais são indispensáveis à formação dos estudantes, pelo fato de refletir as concepções morais
e os ideais de beleza, verdade, liberdade, humanidade e justiça, inscritos e defendidos nas tradições culturais milenárias das grandes
civilizações, conforme explicita Nanzhao (1998, p.265).
Um dos pilares da formação humana, segundo Puig (2000), é a participação dos estudantes na vida da instituição escolar: “ Por meio
da participação, os alunos e alunas trabalham atitudes e valores como convivência, autonomia, cooperação, sentimento de justiça e
diálogo”.
Entendemos que educar crianças, jovens e adultos é prepará-los para uma aprendizagem complexa de conhecimentos e vivências
que podem se tornar em valores e atitudes, em crenças, em capacidades de juízo de moral, em construção de si mesmo. Com base na
abordagem de Puig (2000, p.16), a formação pode ser considerada sinônimo de educação moral ou de educação em valores, “tem
muito de reconstrução dialógica de saberes significativos para cada um e para a sociedade em seu conjunto.” O mesmo autor (p.17)
enfatiza: “A educação moral busca facilitar a aprendizagem de uma maneira de conviver justa e feliz no interior de uma comunidade
social perpassada por múltiplos conflitos, mas também plena de normas e valores.”
Ao fazer sua escolha, o profissional está simplesmente demarcando seus próprios valores, os quais condicionam sua forma de agir
dentro e fora do ambiente de trabalho, consciente ou inconscientemente, sendo que as suas atitudes serão reflexos destes valores.
(SOUZA NETO; MONEZI, 2005, p.54).
Percebemos desta forma, que: “(...) A construção da ética se faz no compromisso consigo mesmo, com o outro e com o Planeta. A
ação humana sem ética é cega. E assim também a ética sem a ação humana. Nenhuma noção de ética pode ser definitiva, mas
sempre provisória, uma vez que as relações sociais e humanas e até mesmo as naturais estão em constante processo de mutação.”
(SOUZA NETO; MONEZI, 2005,p.43).
Constatamos que formar crianças, jovens e adultos significa prepará-los para se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o
conjunto de regras e normas que constituem a vida em sociedade. Assim, os valores se expressam nas relações interpessoais, nas
quais cada um adquire realmente consciência de sua identidade e de tudo que o rodeia, sente-se preparado para reagir e para
corresponder a essa realidade.
Do exposto, podemos inferir que a relevância deste estudo está relacionada à
conscientização dos profissionais da educação de que é importante não apenas conhecer
21
os valores, mas também ser capaz de falar a respeito dos mesmos, e agir com estes
mesmos valores internalizados em seu jeito de ser.
2. O papel do pedagogo na construção e regulação de espaços educativos não escolares
Há duas décadas, nas várias organizações científicas e entre os profissionais da
educação, tem se debatido em todo o país, questões relativas ao campo de estudo da
Pedagogia, da identidade profissional do pedagogo, do sistema de formação de
pedagogos, da estrutura do conhecimento pedagógico.
A CONFERÊNCIA MUNDIAL PARA O ENSINO SUPERIOR (1999, p. 610 apud
MONEZI, 2004), ressalta que:
“A pertinência do ensino superior deve ser analisada essencialmente em
função de seu papel e seu lugar na sociedade, de sua missão em matéria
de educação, da pesquisa e dos serviços que dela decorrem, assim como
em função de seus laços com o mundo do trabalho no sentido mais amplo,
de suas relações com o Estado e as fontes de financiamentos públicas, e
de suas interações com os outros graus de ensino.”
A fragmentação dos saberes traz um desafio para a educação contemporânea: religar os
conhecimentos dispersos – o que exige uma nova postura dos sujeitos diante da
dinâmica dos “sistemas vivos planetários”. Conforme Morin (2001, p.10),
A “Educação” é uma palavra forte: “Utilização de meios que permitem
assegurar a formação e o desenvolvimento de um ser humano (...)”. O
termo “formação”, com suas conotações de moldagem e conformação,
tem o defeito de ignorar que a missão do didatismo é encorajar o
autodidatismo, despertando, provocando, favorecendo a autonomia do
espírito.
Libâneo (1999, p.59), por sua vez, pondera:
Todos os educadores seriamente interessados nas ciências da
educação, entre elas a Pedagogia, precisam concentrar esforços
em propostas de intervenção pedagógica nas várias esferas do
educativo para enfrentamento dos desafios colocados pelas novas
realidades do mundo contemporâneo.
Após essas considerações, verificamos que conhecer outras possibilidades de
atuação do pedagogo se faz necessário, elucidamos aqui, a recomendação de Paulo
Freire aos educadores brasileiros já na década de 90: "Escrevam pedagogias e não
sobre pedagogias", incitando-os a desenvolver métodos e técnicas adequadas para
22
lidar com a diversidade da população brasileira e de suas experiências. (apud I
CONGRESSO, 2006).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, aprovado em dezembro de 2005 (apud CERONI, 2006), em
Finalidade do Curso de Pedagogia, destacam que a educação do Pedagogo deve propiciar estudos de campos do conhecimento,
tais como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o lingüístico, o sociológico, o
político, o econômico, o cultural, para nortear “ a observação, análise, execução e avaliação do ato docente e de suas
repercussões ou não em aprendizagens, bem como orientar práticas de gestão de processos educativos escolares e não escolares,
além da organização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimento de ensino.
Em relação à atuação do Pedagogo em espaços não escolares, o mesmo documento
ressalta que o perfil do graduado em Pedagogia deverá contemplar consistente formação
teórica, diversidade de conhecimentos e de práticas, que se articulam ao longo do curso.
A dimensão a seguir é assim enfatizada:
gestão educacional, entendida numa perspectiva democrática, que
integre as diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de
processos educativos escolares e não-escolares, especialmente no que
se refere ao planejamento, à administração, à coordenação, ao
acompanhamento, à avaliação de planos e de projetos pedagógicos,
bem como análise, formulação, implementação, acompanhamento e
avaliação de políticas públicas e institucionais na área de educação.
O Parecer 5/2005 institui as Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia,
indicando o perfil traçado para o egresso, que apresentamos a seguir:
atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma
sociedade justa, equânime, igualitária; trabalhar, em espaços escolares
e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em
diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e
modalidades do processo educativo; identificar problemas
socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e
propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir
para superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas,
culturais, religiosas, políticas e outras; demonstrar consciência da
diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambientalecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais,
religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras;
desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área
educacional e as demais áreas do conhecimento;participar da gestão
das instituições em que atuem planejando, executando, acompanhando
e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes
escolares e não-escolares; realizar pesquisas que proporcionem
conhecimentos, entre outros: sobre seus alunos e alunas e a realidade
sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências nãoescolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes
meios ambiental-ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre a
organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas.
O mesmo Parecer (2005) enfatiza que, hoje, grande parte dos cursos de Pedagogia tem
como objetivo formar profissionais capazes de exercer a docência e participação no
23
trabalho relacionado à gestão de sistemas educativos escolares, assim como de exercer
atividade relativa à organização e desenvolvimento de programas não-escolares: “os
movimentos sociais também têm insistido em demonstrar a existência de uma demanda
ainda pouco atendida, no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também
formados para garantir a educação, com vistas à inclusão plena, dos segmentos
historicamente excluídos dos direitos sociais, culturais, econômicos, políticos.”
Formarmos o pedagogo para tal finalidade passa ser uma ação necessária. Evidenciamos
neste estudo, a formação generalista deste profissional com ênfase em gestão
educacional, social e da aprendizagem no seu objeto de estudo – o processo educativo
voltado à educação formal e não formal, à educação profissional em sistemas
educacionais escolares e não escolares. É preciso apresentar ampla variedade de
situações circunstanciais para que a aprendizagem ocorra de fato.
Assim, para pensarmos na formação do pedagogo para atuar em espaços não escolares,
do ponto de vista metodológico, identificamos que é muito mais situacional construída
sob medida para a situação específica, aproveitando as experiências profissionais e de
vida dos participantes.
Acreditamos que o construtivismo é a teoria que melhor descreve os diferentes estágios
por que passam os indivíduos no processo de aquisição dos conhecimentos, de como se
desenvolve a inteligência humana e de como o indivíduo se torna autônomo.
Construímos, desta maneira, passo a passo, com os envolvidos, a solução para um
determinado problema.
O que se privilegia é o desenvolvimento das pessoas e não o seu adestramento numa
determinada tarefa. Observamos que os educadores envolvidos e comprometidos com o
auto desenvolvimento e a qualidade social, principalmente, com o desenvolvimento da
qualidade de vida da comunidade onde residem e prestam seus serviços, estarão
motivados em contribuir com suas visões e ações em ambientes educativos.
Neste contexto, a universidade tem como desafio assumir o compromisso de promover a
aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos
níveis e modalidades do processo educativo; com comprometimento, ética e postura
investigativa de identificar problemas socioculturais e educacionais, face de realidades
complexas, com o firme propósito de contribuir para a inserção de seus estudantes, no
24
que se refere às questões sociais, étnico-raciais, culturais, entre outras, para fazer a
diferença na sociedade.
2.1. Peculiaridades dos pedagogos que atuam em espaços não escolares
Com base na pesquisa qualitativa sobre O Perfil do Pedagogo que Atua em Espaços
Não Escolares desenvolvida durante os anos de 2004 e 2005, apresentamos a análise
dos questionários respondidos por 100% de indivíduos do sexo feminino nas ONG´s e
por 83,33,66% nas empresas.Com relação ao sexo masculino apenas 16,66 %
responderam ao questionário. Há uma clara predominância feminina na formação de
pedagogos e conseqüentemente, este aspecto se estabelece neste público pesquisado. De
modo geral esses profissionais possuem faixa etária que gira em torno de 31 a 40 anos
(41,67%).
Destacamos alguns pontos de relevância para melhor compreensão da atuação deste
profissional (CERONI, 2006):
•
o questionamento e interesse que motivaram esta pesquisa foi primeiramente,
investigar em empresas do setor privado e organizações não governamentais
(ONGs), os pedagogos que estão atuando nestes segmentos, quais são as
atividades exercidas por estes, para depois da identificação destes profissionais,
fazer juntamente com os mesmos, um trabalho de definição do perfil do
Pedagogo que atua em espaços não escolares;
•
nosso critério de seleção se fez da seguinte forma: Seleção de 50 empresas e 50
ONG´s que possuem pedagogos atuando em seu quadro funcional, indicadas
pelos professores envolvidos no projeto de pesquisa do FMU do curso de
Pedagogia;
•
o contato com os profissionais foi realizado através de um envio de um envelope
selado por parte dos pesquisadores contendo: o objetivo da pesquisa, as
instruções, o questionário, a carta e um envelope selado para a resposta.
•
a metodologia envolveu a análise estatística para o levantamento numérico e
análise descritiva para a definição do perfil. Assim, pudemos identificar o
25
pedagogo que atua nessas áreas, traçar seu perfil e comparar os resultados
obtidos entre as empresas e ONG´s pesquisadas.
Utilizamos como base inicial da pesquisa para a fundamentação teórica, a revisão da
literatura sobre a formação do profissional da educação na contemporaneidade.
Partimos do pressuposto que para podermos conhecer o Pedagogo que atua em
espaços não escolares, primeiramente precisamos identificá-lo. Como hoje temos uma
grande variedade de opções, resolvemos por pesquisar e encontrar estes profissionais
em dois segmentos que tem grandes possibilidades e que estão em crescimento e
atuando como reflexo do mundo do trabalho: Empresas Privadas e Organizações Não
Governamentais (ONG´s) estabelecidas na grande São Paulo.
Após a identificação destes profissionais no mercado, conhecendo suas funções e
atividades, foi traçado o perfil profissional do Pedagogo.
A partir das respostas obtidas por meio do questionário enviado, foi definido o perfil do
pedagogo que atua em espaços não escolares, o que apresenta como resultado a
própria inclusão deste profissional em diferentes oportunidades de atuação no mundo
do trabalho, enfrentando desafios para se tornarem pioneiros de paradigmas.
2.1.1. Sobre as atividades profissionais exercidas pelos pedagogos que atuam em
espaços não escolares
Os resultados da pesquisa revelam que um número significativo dos entrevistados
(75%) já atuou como professor em algum momento de sua carreira e em sua grande
maioria são os que atuam em ONG´s.
Quando perguntamos para estes profissionais das empresas se já haviam atuado como
docentes, responderam que o fizeram entre períodos que variavam de um (1) ano a trinta
(30) anos.
Já os profissionais das ONG´s que atuaram como docentes o fizeram por no mínimo 2
anos e máximo 13 anos.
Ao questionarmos sobre sua formação acadêmica e se esta corresponde às exigências
do mercado de trabalho, notamos que os que trabalham em empresas se sentem
26
insatisfeitos, pois 66% aproximadamente não acreditem que tiveram uma formação
adequada. Já os que trabalham em ONG´s estão totalmente satisfeitos.
Os respondentes sentem necessidade de atualização profissional e as áreas mais citadas
foram:
ONGs: Gestão de Negócios, formação de educadores, educação complementar
desenvolvida no terceiro setor, educação Continuada, na área de neurologia,
planejamento estratégico e metodologias para o desenvolvimento comunitário, gestão e
empreendimento, gestão de projetos.
EMPRESAS: Educação à distância, fundamentos para educação de adultos, recursos
humanos, psicologia, dinâmica social e novas tecnologias, área ligada ao mundo
empresarial, curso direcionado para área de educação.
Segundo os respondentes, a modalidade de curso que despertou maior interesse dos
participantes de ONG´s quanto das empresas foi o curso de pós graduação: mestrado
seguido de cursos de extensão, caso tivessem que fazê-lo atualmente, como pudemos
observar na tabulação dos dados da pesquisa (RELATÓRIO, 2005) :
ƒ Muitos profissionais atuam fora da instituição escolar e em alguns casos há mais de 20
anos;
ƒ Foi interessante notar que respondentes relataram que o curso de Pedagogia auxiliou
os profissionais da ONG´s no planejamento e organização dos conteúdos, na prática
docente, e ainda o curso de Pedagogia foi pré- requisito para a ocupação do cargo de
Orientador Pedagógico;
ƒ Foi manifestado que o conhecimento de teóricos estudados no Curso, ofereceu
subsídio para a compreensão de toda a dinâmica social. Os conteúdos e as pesquisas
que tiveram e fizeram sobre o terceiro setor foram de grande valia para o cargo que
ocupam atualmente. O curso de pedagogia “Auxilia em todas as ações” como afirmou
um dos respondentes;
ƒ Os de projetos, na capacidade pessoal de comunicação e ainda em sua organização e
relatos dos que trabalham em empresa demonstram que o curso os auxiliou na
organização e revisão de material didático, no desenvolvimento de treinamento, no
acompanhamento de instrutores, na elaboração de atividades para o desenvolvimento
27
dos multiplicadores de treinamento da empresa, no desenvolvimento de flexibilidade
para atuação profissional.
2.2. Pedagogos que atuam em espaços não escolares: perfil profissional e de
valores
Do estudo desenvolvido, as pesquisadoras deste estudo identificaram indicadores
relativos ao perfil do pedagogo para atuação em espaços não escolares. Indicadores
estes, sinalizados tanto nas Diretrizes Curriculares de dezembro de 2005 quanto pelos
profissionais que atuam em empresas e ONGs, que apresentamos a seguir:
flexibilidade em suas ações; conhecimento e experiências relativos à gestão
participativa; competência e habilidade na busca de
soluções para os impasses
enfrentados, com compreensão do processo histórico, social, administrativo e
operacional em que está inserido; ter competência e habilidade para planejar,
organizar, liderar, monitorar, empreender e desenvolver projetos. Os valores que se
destacaram: comprometimento e envolvimento com o trabalho; ter preparo para
administrar conflitos; zelar pelo bom relacionamento interpessoal; gostar de trabalhar
com pessoas; comunicação eficaz; conhecimento de princípios de educação popular.
(CERONI, 2006)
Após a identificação destes profissionais no mercado, conhecendo suas funções e
atividades, foi traçado o perfil profissional do Pedagogo.
A partir das respostas obtidas por meio do questionário enviado, foi definido o perfil do
pedagogo que atua em espaços não escolares, o que apresenta como resultado a
própria inclusão deste profissional em diferentes oportunidades de atuação no mundo
do trabalho, enfrentando desafios para se tornarem pioneiros de paradigmas para
fazerem a diferença em espaços educativos não identificados como escolar.
Esta pesquisa assegurou o desenvolvimento de uma visão sistêmica voltada à educação,
gestão e trabalho, permitindo às pesquisadoras envolvidas neste estudo e na formação
dos pedagogos estarem atentas a diversos aspectos do perfil
e atuação deste
profissional, cujos valores estão inseridos nos indicadores a seguir:
¾
Comprometimento ético-profissional relativo à responsabilidade social para a
construção de uma sociedade solidária, justa e includente em organizações que
28
dão a oportunidade de atuação na área de Gestão de Pessoas, sobretudo em
Treinamento e Desenvolvimento;
¾
Criatividade para desenvolvimento de projetos educativos que considerem a
diversidade e as inter-relações da sociedade na esfera: cultural, científica,
tecnológica, estética e ética que ocorrem nas diferentes instituições não
escolares.
¾
Espírito de iniciativa para atuação na seleção e treinamento de pessoal em
empresas; em assessoria pedagógica; em serviços de difusão cultural e de
comunicação de massa: jornais, revistas, televisão, editoras, rádio, agências de
publicidade, etc;
¾
Tolerância e compreensão em relação às diferenças para atuação em
instituições educacionais, não propriamente escolares, que atendam crianças,
jovens ou adultos, com deficiência auditiva, mental, ou visual.
Este estudo sinalizou que compromissos devem ser assumidos para a formação do
Profissional da Educação: oferecer oportunidades para que a formação do ser humano
em sua integralidade, seja consolidada, possibilitando uma visão sistêmica voltada à
educação, gestão e sociedade, permitindo aos envolvidos na pesquisa e na formação dos
pedagogos estarem atentos aos diversos aspectos do perfil profissional como: atuação
ético-profissional relativa à responsabilidade social para a construção de uma sociedade
solidária, justa e inclusiva; investigação de situações educativas que ocorrem em
ambientes não escolares; conhecimento e entendimento de projetos educativos que
considerem a diversidade e as inter-relações da sociedade na esfera: cultural, científica,
tecnológica, estética e ética que ocorrem nas diferentes instituições não escolares.
Considerações Finais
As reflexões sobre os valores dos pedagogos que atuam em espaços não escolares e
o perfil profissional requerido nos dias de hoje, sinalizam a necessidade de (re)
pensarmos nas políticas educacionais no Brasil contemporâneo, na responsabilidade
de um comprometimento com a ética, a qualidade social, voltado para a cidadania e
para a inclusão.
Evidenciamos a exigência de um novo perfil de trabalhador, com um nível de qualificação cada vez maior. Esses atributos parecem
enfatizar aptidões cognitivas e conhecimentos teóricos. A valorização recai sobre o raciocínio, capacidade de aprender, capacidade
29
de resolução de problemas e capacidade de tomada de decisão, entre outras, desconsiderando tudo o que leve a tarefas fragmentadas
e repetitivas.
Nesta perspectiva, destacamos neste trabalho a necessidade de pensar na educação, na formação e atuação dos pedagogos nas
organizações não escolares, em concordância com os valores e outros componentes das ações educativas destes profissionais.
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30
OS PADRINHOS DE BATISMO COMO EMPREGADORES DE
MÃO-DE-OBRA INFANTIL DOMÉSTICA
Ruy Ribeiro Moraes Cruz. Psicólogo, CRP: 06-77769, Pós-graduando em Psicologia
Jurídica-SEDES e no Psicodiagnóstico da Prova de Rorschach-Sociedade Rorschach
de São Paulo.
Instituição que representa:
Sociedade Rorschach de São Paulo.
Instituto SEDES Sapientaie.
TEXTO
Quando uma pessoa aceita o convite para ser padrinho de uma criança, se
prontifica por intermédio da fé, pela formação espiritual e crescimento moral do
afilhado. O compromisso que os tornam compadre dos genitores, propicia uma
extensão do vínculo familiar e ampliação da rede de assistência social entre os
adultos.
A criança como representação real desse pacto amadurece aprendendo que os
padrinhos são figuras significativas na sua vida. Eles estão para ajudá-lo e serem
ajudados, principalmente quando as diferenças socioeconômicas afetam a situação
familiar. Pedroso (2003).
Os compadres procuram saciar as dificuldades de maneira mais prática e
coerente possível, no entanto adotam posturas que tornam os afazeres domésticos em
atividades educacional e profissionalizante. Algo visto com naturalidade para
aqueles que justificam que tais atos tem a finalidade de torná-los autônomos antes
dos 15 anos. Marin (2006).
Por sua vez, quando a ajuda em seu lar favorece a migração para a casa dos
padrinhos o trabalho infantil doméstico se estabelece, tanto por modificar o
desenvolvimento global da criança como por expor sua identidade há mãos de
adultos que usufruem da oportunidade para diminuir os gastos mão-de-obra
doméstica. Vivarte (2003).
31
Para entendermos tal prática que envolve várias esferas éticas, religiosas e
sociais é viável o encontro de conceitos, além de formas como os indivíduos usufruíram
dos vínculos sociais e para educar a infância.
Sobre o termo padrinho necessariamente é significante que se busque a
acepção do batizar. A palavra batismo origina-se do grego baptizem ("mergulhar",
"imergir"), conceitos que se distinguem a cada religião, tanto o envolvimento das
pessoas como a própria cerimônia. Lemaître (1999).
Tal diversidade se refere ao sacramento e no personagem padrinho, pois
enquanto algumas religiões chegam a dispensá-los outros lhe valorizam dando-lhes
responsabilidades.
No cristianismo, o entendimento acerca do batismo se traduz pela purificação
do homem frente ao pecado cometido por Adão quando desobedeceu a restrição de não
comer o fruto proibido.
O batismo, portanto serviria para purificar o indivíduo do pecado original,
recuperando assim, a relação entre o homem e Deus, transformando-o em cristão. A
idéia basal de salvação se estende na crença de é necessário batizar enfermos ainda não
purificados do pecado original.
O primeiro a ser batizado foi João Batista com um banho no rio Jordão, tal
ritual submersão ministrado por Jesus o iniciou como seu seguidor. Com o passar dos
tempos e ramificações cristãs, esta cerimônia de aceitação, passou a adquirir outros
costumes, como o de sacramentar o batismo na pia batismal ao invés das águas do rio.
Nos setes sacramentos a Igreja Católica o papel do padrinho vem existir no
batismo, na crisma e casamento, destaque maior ao primeiro, por ser a inauguração do
compromisso firmado pela fé na inclusão, formação espiritual e crescimento moral do
novo membro, sobretudo aos padrinhos caso ocorrer à ausência dos pais.
Conceito que segundo o Dicionário Ilustrado das Religiões de Georg
Schiwikart se origina do latim “pater” e “mater”, ou seja, o padrinho seria o segundo pai
e a madrinha a segunda mãe.
Já Lemaître (1999) vai mais além, ao descrever que segundo as pregações de
Santo Agostinho, os padrinhos são os verdadeiros representantes da comunidade Cristã,
ao apresentar a criança para a Igreja, dando o testemunho da sua fé.
Verdadeiro parentesco espiritual é estabelecido entre os padrinhos e as
madrinhas e seus afilhados. Eles acompanham os catecúmenos no decorrer de
32
sua formação e são responsáveis pela educação religiosa. Eles representam à
comunidade Cristã. (Lemaître: 1999, 229).
Vínculo consagrado no momento em que o padre celebra aos pais e padrinhos
a importância de ali estarem renovando o batismo pessoal e assumindo o zelo pelo novo
cristão na renuncia ás seduções, obras e pecados provenientes do mal que possam vir a
separá-los da identidade cristã.
E’ preciso que de agora em diante vos esforceis para educá-los na fé, a fim
de que esta vida divina possa crescer a cada dia, não obstante o mal que o
cerca. Se animados pela fé, estás disposto a assumir esta responsabilidade.
(CNBB: 1999, 26-27).
Segundo Roberto M.M. (2006) para os cristãos da Igreja Universal o batismo
tem o significado da aceitação do fiel de que Jesus como salvador. A cerimônia é
realizada somente aos treze anos de vida, com a presença dos pais e parentes, sem o
papel do padrinho. Durante o ritual, que ocorre apenas no final do culto de domingo, lhe
é perguntado pelo “batistério” se encontra consciente de sua vontade, por fim é
abençoado por uma breve oração.
O autor cita que Igreja Metodista possui algumas particularidades. Concorda
com o catolicismo ao conceber o batismo como a primeira experiência espiritual da
criança na religião, no entanto, obtém semelhança a Igreja Universal ao não convocar
padrinhos as suas cerimônias, por sua vez, se distingui ao realizá-las não somente aos
domingos.
Percebe-se que as religiões que possuem a participação dos padrinhos
encontram-se implícito o significado de compromisso e responsabilidade. Conceitos
estes salutares para o entendimento do apadrinhamento e suas influências para nossa
sociedade.
Portanto, partindo do pressuposto que o brasileiro tem sua cultura religiosa
estruturada nos conceitos cristãos, relacionar as determinações da coroa portuguesa na
época da colonização se torna relevante pelas influências da catequese dos índios e
escravidão dos negros.
Os índios foram os primeiros a serem batizados, o pressuposto dos jesuítas era
salva-los do pecado original e faze-los adorar apenas um Deus. Civilizar os nativos
sobre o uso de vestimenta e símbolos cristãos nos rituais atendia os desejos de ampliar o
cristianismo mercantilista; “Ide e ensinai a todos os povos; batizai-os em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
33
Mais tarde com a chegada dos negros, Portugal obrigou os senhores à torna
cristã as crianças escravas. As Ordenações Filipinas de1603 determinava que o batismo
fosse efetuado até 10 anos de idade.
As crianças que em nossos reinos e senhorios nascerem das escravas que
das partes de Guiné vierem, seus senhores as farão batizar aos tempos que os
filhos das cristãs naturais do Reino se devem e costumam batizar, sob as ditas
penas. (Lara: 1999, 308).
Com isso, as famílias poderosas ao seguirem os mandamentos religiosos
utilizavam do batismo para nomear as crianças que se encontrava em seu domínio,
colocando neles nomes cristãos e seus sobrenomes. Freitas (1998).
Segundo o autor a oportunidade favoreceu com que muitas crianças
recebessem nomes de santos, tal preferência dos padres da época, ganhou muita força na
sociedade graças à pregação de que assim se evitava com que os descendentes virassem
lobisomens quando mais velhos.
Os pais já naquela época procuravam escolher padrinhos negros que fossem
respeitados na comunidade escravistas ou brancos que pudessem ao criar vínculos de
solidariedade e cooperação econômica além de lealdade política. Arantes (1993).
Os arranjos beneficiaram com que a desagregação familiar fosse compensada
por relações de compadrio. Exemplo que ainda é ser percebido nas comunidades
amazônicas onde os compadres seguem as leis morais e religiosas da consangüinidade.
Pedroso (2003).
As comunidades consideram incestuosos os compadres que porventura vierem
a ter uma relação amorosa. Pedroso (2003) ratificou Wagley (1988) ao descrever que os
compadres só podem ter laços amigáveis, sem qualquer suspeita de conduta sexual.
O autor ao estudar as dinâmicas, mudanças e acomodações das famílias no
Vale do Rio Jarí percebeu que o vínculo batismal torna os pais e padrinhos indivíduos
ligados não somente por seguirem a mesma religião, todos emocionalmente se
permitem aos diálogos íntimos.
Pedroso (2003) ressalta que as afinidades formam um escudo frente a conflitos
e dificuldades da vida social. Muitos padrinhos de batismo são chamados para
desempenharem o mesmo papel em outros momentos religiosos, como na crisma e
casamento.
34
Tal atitude demonstra que a fé renova e evidencia a união parental entre os
envolvidos, que ao participarem das benções divinas tornam-se mais importantes e
atrelados ao dito popular, ‘o que Deus une ninguém separa’.
Como assinalou Pedroso (2003) o estreitado dos vínculos, propícia ganhos
secundários aos pais frente à comunidade, que consideram status poder oferecer ao filho
uma identidade diferente daquela por eles vivida, ter padrinhos com melhor situação
familiar,
É motivo de orgulho. Daí tantas famílias amazônicas convidarem famílias
ilustres para serem madrinhas/padrinhos de seus filhos. A cidadania assim,
aparece vinculada a posse, “encostar a alguém de posse”, “ser
compadre/comadre de alguém que é referência na comunidade, cidade” pode
ser um recurso eficiente para adentrar no mundo dos cidadãos. (OIT 4 : 2006,
184).
Já compromissados a contribuir no desenvolvimento do afilhado os padrinhos
se tornam a opção mais viável aos pais quando já realizam desenvoltura os afazeres que
desde cedo foram modelados pelos preceitos dos gêneros.
Segundo a socióloga Marlene Vaz autora do livro ‘A menina e a casa’ a
demanda do trabalho infantil doméstico inicia-se quando “os meninos precocemente
entram no mercado de trabalho social, enquanto as meninas permanecem mais tempo
em casa assumindo o papel que era destinado à mãe” (Vaz: 1999, 28).
Tal modelo educacional acelera a infância tornando-a adultos em miniatura,
capazes de realizar o trivial, contudo, imaturos para entender as intenções dos adultos.
Segundo Sabóia tal ‘prática cotidiana coletivas dos pobres’ prejudica as crianças ao não
levar “em conta seus direitos; são privados de brincadeiras e atividades sociais, e de
apoio emocional por parte da família e amigos”. (Sabóia: 2000, 23)
Os pais tiram proveito da ingenuidade e filiação religiosa para ofertar um
perfil adequado aos padrinhos, que por sua vez, procuram agregar prestadores de
serviço de confiança, fácil trato e de custo baixo.
Por se tratar de afilhados a gratidão se torna a moeda de cambio entre pais,
padrinhos e sociedade, que concebe tal atitude um donativo aos pobres que vivem em
localidades desprovidas de oportunidades empregatícias.
4
OIT-Organização Internacional do Trabalho.
35
Segundo os dados levantados pelo CEDECA/EMAÚS 5 em Belém 62,7% das
crianças e adolescentes que vão trabalhar como empregadas domésticas são
provenientes do interior, das comunidades do Baixo Tocantins e de cidades do interior
do Maranhão. Lamarão (2003).
Com a migração para a casa dos padrinhos, os afilhados distanciam-se da sua
cidade, amigos e espaço familiar. As crianças passam a dormir nas dispensa, param de
brincar e de estudar, pois os afazeres lhe tomam o dia e as forças para freqüentar a
escola.
A recompensa que recebem pelas tarefas realizadas, são os restos da
alimentação, das roupas e objetos que entraram no desuso, muitas dessas gratificações
são verbalizadas com a maior naturalidade pelos envolvidos como sendo um pagamento
devido. Vaz (1999).
Vivarte (2003) considera que tal tratamento não se difere dos arranjos pósabolicionistas que ocorriam quando crianças filhas de escravas, órfãs ou abandonadas
eram colocadas à disposição pelos juizes. A tutela dessas crianças servia para a
sociedade conservar a mentalidade exploratória de uma mão dócil gratuita até a maior
idade.
Segundo Marin os defensores do escravismo mais astutos usavam do batismo
para alongar o regime serviçal, ao burlar as determinações do Ventre Livre, ao preferir
“não registrar os filhos de escravos ou então batiza-los com datas anteriores à sua
promulgação”. (Marin: 2005, 31).
Atualmente com o aperfeiçoamento do modelo serviçal, o batismo ainda
funciona para firmar um acordo empregatício entre adultos e fugir da fiscalização das
autoridades.
Segundo o Estatuto da Criança e Adolescente a transferência da criança para
casa de terceiros, a guarda deve ser requerida pelos adultos, estes devem seguir as
orientações assistencialistas anunciadas no Art. 33 do ECA. O trabalho só é permitido
aos adolescentes com 16 anos, antes dessa idade sua pratica é considerada uma
atividade prejudicial ao desenvolvimento global.
5
CEDECA/EMAÚS - Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Pará.
36
As sanções só aparecem no Art. 248 6 , quando se referente aos adolescentes
que trabalham como aprendizes. Nesses casos, os empregadores devem comunicar a
presença do adolescente em sua casa.
Omitir o recrutamento é considero um ato de infração administrativa, com
penas vão de multa de três a vinte salários e o dobro desta, em caso de reincidência.
Porém a segundo OIT a legislação não consegue evitar com que 470 mil crianças e
adolescentes estão sendo exploradas no Brasil.
As raízes culturais certamente ainda regem a educação dos gêneros, dificultam
a escolarização e a conquista de empregos que possibilitem o desenvolvimento
monetário das famílias pobres, que por sua vez, não planejam suas família, mas buscam
tirar proveito dos laços religiosos para tornar seu lar um educandário de mão-obra
infantil serviçal.
Os padrinhos ao acolherem seus afilhados, se privilegiam do trabalho prestado
além de serem vistos como bons cidadãos perante as classes sociais que fazem vistas
grossas a “exploração que não se vê, ou não se considera, por se tratar, para muitos, de
uma atividade tradicional.” (Grunspun: 2000, 44).
Arranjos tão habituais que perpetuam os mesmos problemas tornando-os
cíclicos a cada geração que por não aproveitar a fases da vida, expõem as crianças um
trabalho insalubre que mascara a exploração com o véu da gratidão dos vínculos
parentais que o batismo sacramenta.
Aquelas crianças que ao invés de se alimentar de brincadeiras da idade acabam
ao conviver com os padrinhos ficando mercê da finalidade do ambiente onde reside, que
tanto pode tratá-lo como agregados ou empregados do lar, como deixa-lo em condições
de vulnerabilidade.
Contudo, o compromisso firmado na pia batismal favorece com que o
apadrinhamento se transforme em um acordo de compadres que se caracteriza na
migração do afilhado para casa do padrinho com o intuito de que este realize afazeres
domésticos. A criança é recompensada pelo convívio familiar no acesso de melhores
condições do seu lar natural.
6
Art. 248-“Deixar de apresentar à autoridade judiciária de seu domicílio, no prazo de cinco dias, com o
fim de regularizar a guarda, adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico,
mesmo que autorizado pelos pais ou responsável”.
37
Os ganhos podem ser educacionais e empregatícios ou apenas doações de
vestimenta, alimentação e teto durante o serviço prestado, mas as perdas podem ser
irreparáveis se porventura os adultos usufruírem da relação do poder/dever para
coisificar a infância ao negar o seu estado peculiar de desenvolvimento.
Referência
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Colcha de retalhos. 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, v. 1 p. 195-20, 1993.
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PEDROSO, J. S. – Família no Vale do Rio Jarí: dinâmica, mudanças e
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Belém - PA, UFPA, 2003.
SABÓIA, Ana L. - As Meninas Empregadas Domésticas: uma Caracterização
Socioeconômica. Estratégias para combater o Tráfico Infantil para o Serviço
Doméstico. Rio de Janeiro-RJ: OIT/ IPEA, 2000.
SCHWIKART, George - Dicionário Ilustrado das Religiões. Aparecida–SP:
Santuário/Vale livros, 2001.
Editora:
38
VAZ, Marlene. - A Menina e a Casa. A identidade coletiva da empregada
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L8069.htm. Acesso em12 de set.
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MM, Roberto. - Batismos. Gerber, Rio de Janeiro, 12 set. 2006. Disponível em:
<http://www.gerber.com.br/voce/index.jsp?m=200410> Acesso 12 set. 2006.
39
OS PRINCÍPIOS DO PODER ÉTICO NAS EMPRESAS
Milton Pignatari Filho / Ruvin B. J. Sigal / Sílvia C. C. Martins / Sônia Mª Gomes Gerais
A palavra Ética é de origem grega, escreve-se “Éthos” e significa comportamento.
O que é Ética?
•
Ética está relacionada:
- Obrigação moral
- Responsabilidade
- Justiça Social
•
Segundo Aristóteles...
- Termo reflete a natureza ou caráter do indivíduo.
Ética e Ciência – O que é?
•
Quando uma atividade humana provoca discussões a respeito de ser moralmente
boa ou ruim,está se falando de ética daquela ação. De um modo geral, não se
costuma avaliar cada atividade deste ponto de vista, por que a sociedade já
estabeleceu os parâmetros do bem e do mal para a maioria de suas esferas.
- Roubar é considerado um mal, ainda que freqüentemente praticado.
- Ações beneficentes são um bem, mesmo que raras.
•
A ciência está levantando uma série de questões que precisam ser eticamente
avaliadas, por serem decisões que a raça humana nunca enfrentou antes.
•
Avanço da engenharia genética:
- Pais têm direito a abortar um filho caso não corresponda às suas expectativas
físicas e psicológicas?
- É correto criar clones de pessoas para a utilização de seus órgãos?
- É aceitável clonar-se a si próprio?
40
São muitos prós e contras com conseqüências dramáticas para as práticas sociais de
um futuro bastante próximo.
Os 5 princípios do poder ético:
•
•
•
•
•
Propósito
Pundonor (auto-estima)
Paciência
Persistência
Perspectiva
Ser ou não ser...
•
Nas atuais economias nacionais e globais, as práticas empresariais dos
profissionais afetam intensamente a imagem da empresa para a qual trabalham.
•
Se a empresa quiser competir com sucesso nesses mercados, será importante
manter uma sólida reputação de comportamento ético.
O mercado de trabalho competitivo exige:
•
Competência: Pessoal e profissional. Sentir-se feliz e realizado com nós
mesmos; acordar todos os dias motivados para sentir-se eficiente e eficaz,
mantendo a harmonia dos três mundos que nos cerca:
FÍSICO
MENTAL
CRIATIVA
Para desenvolver
qualidades:
ESPIRITUAL
as
INTUITIVA
EQUILÍBRIO
“Pessoas bem-sucedidas sabem que os degraus da vida sobe-se com a cabeça e não
com os pés”.
O Papel do Comunicador
•
Maximiliano pondera: “Seu papel é o de fazer a limpeza e manutenção dos
canais de comunicação entre as pessoas. Ele acalma os ânimos e cria um
ambiente de descontração, ajuda as pessoas a conversarem, ouve as idéias
alheias e ajuda os outros a se exprimirem, leva o grupo ao consenso e estimula
os colegas a participarem.
A comunicação é uma necessidade básica das pessoas, do homem social.
•
Bordenave assim se expressa: “A comunicação confunde-se, assim, com a
própria vida. Temos tanta consciência de que comunicamos como de que
41
respiramos ou andamos. Só percebemos a sua essencial importância quando, por
um acidente ou uma doença, perdemos a capacidade de nos comunicar. Pessoas
que foram impedidas de se comunicarem durante longos períodos,
enlouqueceram ou ficaram perto da loucura”.
•
Um dos obstáculos à eficiência na comunicação é a tendência a avaliar ou
prejulgar o que a outra pessoa está dizendo.
•
Assim, a informação está também sujeita à distorção quando é transmitida por
meio de níveis intermediários de supervisão e quando é interpretada pelo
receptor.
“As Uvas estão verdes...”
A raposa ia passeando pelo bosque quando avistou lindos cachos de uvas caindo pela
parreira. Pulou, pulou, pulou e tentou pegar as uvas com a boca, mas de nada adiantou.
Vários dias se passaram e a raposa continuava tentando agarrar um cacho das uvas.
Como não conseguia, então, desistiu de tentar e com imenso desdém afastou-se da
parreira dizendo:
- Deixa, não quero. As uvas estão verdes.
(Fábula de La Fontaine)
Branca de Neve e os Sete Anões
Era uma vez uma linda menina chamada Branca de Neve, isto por causa de sua pele tão
clara quanto um floquinho de neve. Branca de Neve vivia num castelo com sua
madrasta malvada, que a maltratava desde a morte de seu pai. Sua madrasta possuía um
espelho mágico e, invejosa que era, vivia a perguntar ao espelho:
- Espelho, espelho meu. Há no mundo alguém mais bela do que eu?
Inúmeras vezes o espelho respondeu:
- Claro que não és a mais bela que este mundo já viu.
Porém, um dia o espelho disse:
- Há sim, é Branca de Neve!
A madrasta malvada mandou matar a enteada e arrancar-lhe o coração.
Como a sociedade e as organizações brasileiras estão traduzindo os valores da inveja,
injustiça, ressentimento, ódio e tristeza para o seu cotidiano?
“Quando um dos meus amigos tem sucesso, alguma coisa em mim se apaga.”
(Gore Vidal)
42
PORTUGUESES EM SÃO PAULO:
A FACE FEMININA DA IMIGRAÇÃO
Maria Aparecida Macedo Pascal
43
O TEXTO IMAGÉTICO JORNALÍSTICO COMO INSTRUMENTO
DE PERPETUAÇÃO DA VULNERABILIDADE DO CIDADÃO
FRENTE AO PODER JUDICIÁRIO
Paulo Fraga da Silva 7
Alexandre Huady Torres Guimarães 8
É parte constante do discurso jornalístico a imparcialidade. Entretanto, toda fala,
toda informação sempre trás dentro de si uma ideologia, um discurso.
O mesmo fato ocorre com a linguagem imagética, a qual é constantemente
utilizada, no mais das vezes pelo texto fotográfico, dentro da esfera jornalística. Desta
forma, assim como o texto verbal guarda um discurso, o imagético também o faz,
evidentemente resguardando sua morfologia e sua sintaxe.
A obscuridade científica, por parte da grande massa populacional – pouco
alfabetizada e, mais grave, não letrada cientificamente – é uma constatação e, desta
forma, a divulgação científica do tipo utilitária, dos impactos, dos avanços, bem como o
efeito vitrine, reforçam a promessa do progresso futuro e intensificam a esperança
ingenuamente depositada na ciência, fato este cotidianamente grafado na composição
das imagens fotojornalísticas, de modo a perpetuar as relações de poder entre as esferas
sociais e, dentro destas, a vulnerabilidade do cidadão frente ao poder científico.
Assim sendo, cabe neste momento a discussão sobre a importância da bioética
de proteção como um instrumento de reflexão e, também, a importância do letramento
científico do indivíduo, a fim de que o mesmo não ocupe apenas o papel de objeto
perante o cotidiano jornalístico, mas, sim, possa exercer seus direitos de cidadão pleno.
Para tanto, faz-se mister que se tome o espaço pedagógico como de extrema
relevância para o aprendizado, a discussão e o desenvolvimento da criticidade deste
cidadão, ainda carente do conhecimento tanto da bioética quanto do texto imagético.
7
Doutorando em Educação (Ensino de Ciências) pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo –
FE/USP. Professor de Biologia e Bioética da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Colégio Presbiteriano
Mackenzie.
8
Doutorando em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo –
FFLCH/USP. Professor de Fotografia e Português da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
44
Sob a perspectiva da psicolingüística, a produção de texto e leitura são
processos de significações marcados e determinados historicamente. Assim, não é só
o autor que constrói significações, os sentidos são também produzidos por quem lê,
reproduzindo-os ou transformando-os. Na concepção da análise do discurso, as
condições sociais, políticas, ideológicas num determinado contexto –
espaço, momento histórico – que por sua vez está em diálogo com momentos
anteriores, oferecem condições concretas do que pode ser dito, dos sentidos em jogo
na relação entre os interlocutores. (Orlandi, 1988).
Neste aspecto, não há discurso transparente, leitura neutra – as relações de
poder, as contradições da condição social, jogos de interesse, papéis sociais
condicionam por todo o tempo tanto o discurso do autor quanto do leitor. A análise do
discurso considera, então, que não há transmissão de informações, mas efeitos de
sentido entre os locutores. Portanto não há sentido único, abstrato e abstraído de suas
condições de produção e de formação. (Ibid, 1988)
Neste sentido, para a análise do discurso,
o que define o sujeito não é o mergulho na interioridade na busca de
um ponto fixo, articulador de cada um, mas o lugar de onde ele fala
na relação com os diferentes lugares de uma formação social.
(Orlandi, 1988, p.109).
Assim, ler implica no encontro de duas historicidades: a do texto e a do leitor.
Todo texto, em relação à leitura, possui vários pontos de entrada representados pela
historicidade do texto, suas múltiplas leituras já realizadas e intersecções destas com
a historicidade do leitor e pontos de fuga, isto é, as várias perspectivas de atribuição
dos sentidos conferidas pelo leitor advindas da historicidade do texto.
Com base nestas considerações é que se podem definir, no mínimo da leitura,
três relações que o leitor pode ter com a significação (Orlandi, 1988): o inteligível, na
qual o sentido é atribuído ao texto atomizadamente, ou seja, simplesmente pela
codificação. A relação do interpretável, na qual o sentido é atribuído levando-se em
conta o contexto lingüístico, as relações entre os diversos signos, isto é, a coesão. Por
último a relação do compreensível, na qual o sentido é atribuído considerando-se o
processo de significação em seu contexto, isto é, na relação entre a historicidade do
leitor, a historicidade do texto e os sentidos produzidos. Assim, compreender é ir além
de uma posição fixa de intérprete. Aquele que compreende põe em xeque sua própria
45
posição, reflete sobre as condições de produção, sua historicidade e a historicidade do
texto.
No campo da linguagem já existe uma reflexão sobre as diferenças entre
alfabetização e letramento. Neste aspecto, ser alfabetizado é saber ler e escrever,
mas ser letrado é viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ou seja,
cultivando e exercendo as práticas sociais que usam a escrita (Krasilchik e Marandino,
2004).
Partindo das concepções de alfabetização e letramento, as autoras sugerem
ampliar tal definição para o âmbito da ciência, entendendo-se que ser letrado
cientificamente significa não só saber ler e escrever sobre ciência, mas, também,
cultivar e exercer as práticas sociais envolvidas com a ciência, ou simplesmente fazer
parte da cultura científica. Neste sentido, crê-se que a divulgação científica tem um
papel fundamental para o letramento científico.
“Alfabetização científica”, “ciência, tecnologia e sociedade”, “compreensão
pública da ciência”, “divulgação científica” são hoje expressões comuns na literatura
especializada, quanto nos meios de comunicação de massa. Apesar dos múltiplos
significados e interpretações que cada uma delas possa ter, a sua presença reiterada
indica a importância da ciência e da tecnologia no cotidiano, nas decisões e nos
caminhos que a sociedade pode tomar e na necessidade de uma análise cuidadosa e
persistente que é apresentada ao cidadão (Krasilchik e Marandino, 2004).
Numa definição mais ampla, Hurd (1998) sugeriu que uma pessoa letrada
cientificamente é quem:
1. “distingue teoria de dogma, dados do mito e folclore, evidência da propaganda, fatos de
ficções, e conhecimento de opinião;
2. reconhece as limitações da ciência e da investigação científica; o impacto do meioambiente, social, político e econômico da ciência e tecnologia; e a influência que a
sociedade tem sobre a ciência e a tecnologia;
3. sabe como analisar e processar os dados, que alguns problemas científicos num
contexto social tem mais do que uma resposta aceita, e que os problemas sociais são
multidisciplinares tendo dimensões política, judicial, ética e moral”.
(Hurd, 1998 apud, Yore, Bizanz e Hand, 2003)
Fourez (1995) afirma que é importante que se compreenda a divulgação
científica pelos meios de comunicação sob duas perspectivas. A primeira delas –
46
efeito vitrine limita a mostrar apenas as maravilhas que os cientistas são capazes de
produzir. Esse tipo de divulgação confere um certo verniz de saber, criando
distanciamento, gerando um conhecimento factício, totalmente destituído de poder
para os interlocutores, já que não permite para estes o agir.
Numa segunda perspectiva, a divulgação, pelo contrário, fornece certo poder
às pessoas, permitindo que elas possam dele se servir. Portanto, confere um
verdadeiro conhecimento, no sentido de que a representação do mundo por ele
fornecido permite agir, isto é, permitirá ao cidadão tomar decisões em relação à sua
vida individual e a sua existência coletiva. Este tipo de divulgação ajuda também os
não-especialistas a não se sentirem inteiramente a mercê dos especialistas (Ibid.,
1995).
Importante ressaltar que a divulgação científica tem importantes implicações e,
qualquer que seja a sua perspectiva, não se trata apenas de uma escolha científica,
mas de uma opção sóciopolítica, eventualmente guiada por uma ética.
Uma vez que a divulgação científica se dá numa matriz social, cabe
aqui, uma breve análise sobre o tipo de relação que a Ciência pode estabelecer
com a Sociedade. Neste aspecto, Habermas (1973, apud Fourez, 1995) propõe
que a interação entre a Ciência e a Sociedade pode ser classificada em três
grupos distintos: as interações tecnocráticas, decisionistas e pragmáticopolíticas. Essas três maneiras de ver jamais existem em estado puro, tratam-se
de modelos conceituais que permitem uma representação do que ocorre.
Todavia, no modelo pragmático-político de interação entre a Ciência e
Sociedade, o que se privilegia é a perpétua discussão e negociação existente
entre os especialistas e não especialistas. Nele, pressupõe-se uma negociação
e uma discussão, um debate permanente entre o técnico e o não-técnico, na
qual
os
conhecimentos
e
as
negociações
sociopolíticas
entram
em
consideração. Este modelo insiste sobre o fato de que os meios escolhidos
podem levar a modificações dos objetivos, mas não fornece nenhuma receita
simples a fim de poder haver a decisão: ele remete às negociações, motivo
pelo qual não é denominado somente como pragmático, mas também político.
Neste ponto, há sempre uma relação delicada: a partir de que momento
considera-se, (e quem considera?), que os especialistas compreendem de
47
maneira suficiente a vontade dos não-especialistas para poder trabalhar sem
consultá-los?
No contexto deste modelo é que se destaca o indispensável papel da
divulgação científica, na medida em que, de acordo como é realizada, dará maior ou
menor capacidade de discussão para os não especialistas. Assim seu papel é
fundamental para o exercício de um letramento científico.
A Bioética pode contribuir para a discussão do que o presente trabalho
propõe, na medida em que é um importante instrumento para reflexão e
socialização do debate sobre as tecnociências. As questões bioéticas se
referem às implicações sociais, políticas, econômicas e éticas dos atuais
saberes científicos, principalmente os biológicos, neste sentido, o uso das
células-tronco seria um bom exemplo de temática ora incluída.
É importante ressaltar uma das perspectivas atuais da bioética
conhecida como bioética de proteção (Kottow, 2002). Esta se vale do conceito
de vulnerabilidade, que deve ser remetido a um contexto de uma sociedade
que consome os produtos da biotecnociência, a um público mal orientado, em
se tratando principalmente do contexto brasileiro ou latino americano, onde há
um baixo nível educacional.
Por que a vulnerabilidade constitui uma preocupação da bioética? Uma
resposta simples é que indivíduos e grupos vulneráveis estão sujeitos à
exploração e esta é moralmente errada. Tais indivíduos vulneráveis em certos
ambientes culturais podem tornar-se oprimidos e impotentes tendo às vezes
sua própria saúde prejudicada. As recentes Diretrizes Éticas Internacionais do
CIOMS (Council for International Organizations of Medical Sciences) para a
pesquisa biomédica definem: “pessoas vulneráveis são pessoas relativa ou
absolutamente incapazes de proteger seus próprios interesses”. (Macklin,
2002, p.60).
Alguns autores como Kottow, (2002) vão apontar que a vulnerabilidade
intrínseca da existência humana é até certo ponto protegida pela sociedade.
Por outro lado, o mesmo autor vai reafirmar a existência de uma
vulnerabilidade circunstancial ou secundária. É na realidade a esta idéia de
vulnerabilidade que se refere. Essa vulnerabilidade é decorrência da pobreza,
da falta de acesso à educação, da discriminação, enfim, das condições básicas
48
de exercício da cidadania. A forma derivada de ser vulnerável, neste caso, é na
verdade um estado de predisposição a sofrer mais danos. A bioética tem
preocupação especial com essa vulnerabilidade secundária e circunstancial.
Essa perspectiva de bioética aqui apontada, denominada bioética de proteção,
preconiza que sujeitos vulneráveis devem ser protegidos. Convém ressaltar
que a percepção de uma atitude de proteção não deva ser entendida como
atitude de paternalismo. Lembra-se que a conduta paternal se impõe e silencia
decisões autônomas. O importante é que tais indivíduos vulneráveis precisam
de assistência para remover a causa de sua fraqueza. (Kottow, 2002).
Os artigos analisados, da mídia impressa paulistana, que circularam no
período de março a agosto de 2004, permitiram tecer e levantar algumas
reflexões.
Primeiramente, convém ressaltar que a quantidade de artigos que abordaram
alguma opinião contrária ao uso de células-tronco foi irrisória. Num total de 30 artigos
analisados apenas dois mencionavam alguma opinião contra o uso de células-tronco,
sendo que só um deles com argumentos profundos.
Ao lado da linguagem escrita, analisou-se a linguagem imagética de Alan
Marques, fotógrafo da Folha Imagem, exercendo, também, seu papel discursivo,
reforçando, assim, os aspectos relatados anteriormente.
A presente imagem veiculada no dia 03 de março de 2005 acompanhou o
título: “BIOSSEGURANÇA Deputados aprovam projeto de lei que libera estudo com
células embrionárias e plantio de transgênicos. Câmara autoriza pesquisas com
embrião.”
Como legenda, lia-se: “Deficientes
físicos comemoram aprovação da Lei de
Biossegurança; ao fundo, o ministro
Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia)”
Ao adentrar, especificamente, à
fotografia percebe-se, levando em conta
a peculiaridade de sua linguagem, alguns
elementos
que
compactuam
com
a
análise até então empreendida.
Se se dividir o quadro verticalmente em três partes iguais, nota-se um equilíbrio
conquistado pela composição formada por uma mulher postada de costas, de camisa
49
branca no lado esquerdo; uma mulher de camisa azul, chorando ao centro, e um rapaz
sentado em cadeira de rodas, vestindo uma camisa branca.
È interessante notar que a mulher que ocupa o quadro esquerdo traz em sua
camisa duas palavras cortadas, ou seja, que não tornam possível a leitura, mas traz
também duas palavras que estão evidenciadas, a saber: o verbo ser, conjugado na
terceira pessoa do singular do presente do indicativo e o substantivo no grau plural,
vidas.
Sabe-se que o olhar ocidental percorre a imagem da esquerda para a direita,
assim, a palavra vidas é um dos primeiros, se não o primeiro elemento a se destacar
na imagem. O segundo elemento é justamente a emoção traduzida em choro pela
mulher que ocupa o centro da foto e, ainda em primeiro plano, o rapaz ao lado direito
do receptor, que neste caso fecha a imagem, também emocionado e chorando, e em
sua camisa expõe as palavras: células-tronco e esperança.
Em segundo plano, entre pessoas, dois elementos destacam-se: o ministro da
Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos e o símbolo da Câmara dos Deputados, do
Congresso Nacional, local onde se deu a aprovação do projeto de lei que liberou o
estudo com células embrionárias, o plantio de transgênicos e autorizou pesquisas com
embrião.
É de se notar que a promessa segura do progresso futuro também é um
elemento que compõe a fotografia de Alan Marques. O fotógrafo expõe em primeiro
plano
três
personagens,
duas
personagens claramente emocionadas
e outra evidentemente necessitada e
esperançosa, todavia, o que se inicia,
como
a
manchete
confirma,
é
a
aprovação de uma lei que libera o
estudo,
fato
que
entre
o
mundo
científico não corresponde à certeza de
cura.
Este fato demonstra, ainda, a obscuridade da ciência para a grande parte da
população, ou seja, a notícia é recebida, comemorada, e não analisada, ou seja, não
que haja o sensacionalismo na fotografia, mas, claramente se percebe uma relação
com o efeito vitrine na divulgação da ciência, uma vez que o impacto emotivo é mais
forte para os leitores do jornal.
50
O elemento mais evidente é a esperança depositada na Ciência, pois
não se questiona a importância do início dos estudos, mas o que se sabe é que
estes que emotivamente comemoram a vitória, comemoram por gerações que
virão, pois aqueles que hoje lutaram por esta causa, têm pouquíssimas
probabilidades de usufruir das conseqüências destes estudos.
A divulgação científica do tipo utilitária, divulgação do método, e
divulgação dos avanços ou evolucionistas foram marcas evidenciadas nos
artigos analisados (Barros, 1992 apud Krasilchik e Marandino, 2004). Longe de
ser conquistada está uma proposta de divulgação do tipo cultural, na medida
em que não há qualquer interesse ou preocupação em inserir a ciência num
contexto histórico-cultural. Neste sentido, percebe-se a não contribuição
desses padrões de divulgação no letramento científico do cidadão, pois não se
permite que o mesmo reconheça as limitações da ciência e da investigação
científica, bem como a influência que a sociedade pode ter sobre a ciência e
tecnologia. Destitui-se então, a capacidade do indivíduo de perceber que os
problemas sociais são multidisciplinares com dimensões políticas, éticas,
morais, entre outras. (Yore et alli, 2003)
Na perspectiva da análise do discurso, no que se refere às relações que o leitor
pode ter com a significação, os artigos pouco contribuíram para uma relação do
compreensível, isto é, essa foi raramente observada. Cabe indagar se se poderia
qualificar os leitores como pessoas vulneráveis, na medida em que a escola ou
mesmo a educação científica tem proporcionado pouca, ou quase nenhuma
instrumentalização para mudanças de postura, isto é, maior conscientização.
Ressalta-se que, em um baixo quadro econômico e social, evidencia-se também, um
baixo status econômico e social dos leitores, limitando, assim, seu poder de
negociação e discussão, conseqüentemente acentuando a sua vulnerabilidade. Neste
sentido, atitudes de proteção devem permear programas educacionais em ensino de
ciências. Uma dessas atitudes seria a educação para a bioética, que só pode ocorrer,
dentre várias condições, se os professores estiverem preparados para desencadear
reflexões, diminuindo assim a vulnerabilidade dos estudantes.
Na reflexão desencadeada, voltada principalmente para a relação entre cIência
e sociedade, pode-se perceber a importância de propostas de divulgação científica
que realmente cumpram um de seus principais papéis: o de esclarecimento, educação
51
e/ou orientação. Enfim, é mister conhecer o público e compreender suas reais
necessidades e interesses. Eis aí o desafio a se enfrentar.
Referências Bibliograficas:
BARROS, H.L. Quatro cantos de origem, 1992 apud Krasilchik, M. e Marandino, M.
Ensino de Ciências e Cidadania. São Paulo: Moderna, 2004.
FOUREZ, G. A construção das ciências: introdução à filosofia e a ética das ciências.
São Paulo: Editora da Unesp, 1995.
HABERMAS, J. La science et la technique comme “idéologie”, Paris: Gallimard apud
Fourez, G. A construção das ciências: introdução à filosofia e a ética das ciências.
São Paulo: Editora da Unesp, 1995.
HURD,P.D. Scientific literacy: new minds for a changing world. Science education, 82,
407-16, 1998 apud Yore, Bizanz, Hand – Examining the literacy component of science
literacy: 25 years o language arts and sicence resaerch. International Journal Science
Education, 2003, vol.25, nº6, p.689-725)
KRASILCHIK,M. E MARANDINO, M. Ensino de Ciências e Cidadania. São Paulo:
Moderna, 2004.
KUTTOW, Michael H. Comentários sobre Bioética, Vulnerabilidade e Proteção IN:
GARRAFA, V. e PESSINI, L. (orgs.) Bioética: Poder e Injustiça. São Paulo: Loyola e
Sociedade Brasileira de Bioética, 2003.
MAKLIN, R. Bioética, Vulnerabilidade e Proteção IN: GARRAFA, V. e PESSINI, L.
(orgs.) Bioética: Poder e Injustiça.
São Paulo: Loyola e Sociedade Brasileira de
Bioética, 2003.
PREWITT, K. The public and scienece policy. Science, technology & human values.
39(7), pp.5-14, 1982, apud Krasilchik, M. e Marandino, M. Ensino de Ciências e
Cidadania. São Paulo: Moderna, 2004.
ORLANDI, E.P. Discurso e leitura. Campinas/SP: Editora da Unicamp/Cortez, 1988.
SANTOS, G.T. Três relações do sujeito com a significação. *fragmento de texto
publicado em Língua Portuguesa no Ensino Fundamental: por uma abordagem
enunciativa, PEC pólo 3 SEE/FAEP, 1998. PEC Municípios, p.198-200.
YORE, BIZANZ, HAND. Examining the literacy component of science literacy:
25 years o language arts and sicence resaerch. International Journal Science
Education, 2003, vol.25, nº6, p.689-725.
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