cildo meireles 02 nov — 26 jan 2014 Inauguração Oficial 14 NOV Amerikkka, 1991/2013 (pormenor). 20.050 ovos de madeira pintados com laca de poliuretano, c. 40.000 balas, madeira, metal Instalação: dimensões variáveis. Coleção do artista. Fotografia: Joaquín Cortés/Román Lores, cortesia MNCARS, Madrid Português O artista, como o garimpeiro, vive de procurar aquilo que não perdeu. Cildo Meireles1 Esta exposição de Cildo Meireles (Rio de Janeiro, 1948) é uma ocasião única para, através de um conjunto de trabalhos novos e de outros menos vistos, descobrir aspetos diferentes de uma obra que redefine a arte concetual a partir da sua relação com a experiência sensorial do espectador, do seu uso crítico de sistemas de circulação ideológicos e antropológicos e de uma atitude ética com o mundo que fundamenta uma permanente interpretação crítica desse mesmo mundo. Há obras de Cildo Meireles que só existem se o espectador se decidir a agir, fazendo-as acontecer. Cada uma das suas obras constitui a possibilidade de redescobrir o mundo através das ideias que a propósito desse mundo uma obra de arte nos permite formular. Nessa medida, este trabalho convida o espectador a experienciar e interpretar a vida através dos materiais e das formas utilizados pelo artista. A experiência sensorial e cognitiva do mundo através da mediação da obra de arte é para Cildo Meireles um instrumento de libertação e consciencialização do espectador. Os primeiros trabalhos mais relevantes do artista, como Cantos ou Espaços virtuais: Cantos (1967– 68) (sala 1), desafiam o modelo euclidiano do espaço e ampliam essa receção brasileira muito particular das linguagens abstratas da arte concreta europeia, “libertando-as” da sua bidimensionalidade ou da sua objetualidade, para as projetar no espaço e numa interação com o espectador, como acontece nas obras de Lygia Clark, Hélio Oiticica ou Lygia Pape. Uma boa parte da obra de Cildo Meireles (por exemplo, as suas grandes instalações) constitui um desafio ao próprio dispositivo da exposição. Muitos dos seus projetos de maior dimensão requerem uma sala especificamente construída para o efeito. Eles suscitam o seu próprio espaço, as suas paredes, chão e teto, originando arquiteturas específicas que, numa exposição, terão de ser combinadas e associadas módulo a módulo. Em consequência das relações funcionais que estabelecem com as suas configurações espaciais, os percursos possíveis e o reconhecimento e a experiência dos seus materiais, as obras de Cildo propõem a “imersão” do visitante no espaço. Assim, por exemplo, em Abajur (1997/2010) (sala 1), o objeto designado no título é materializado numa 1 Cildo Meireles em entrevista a Frederico Morais, publicada originalmente no jornal O Globo, em 16 de março de 1977 e reeditada in Felipe Scovino (org.), Encontros | Cildo Meireles: Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2009, pp. 46–51. estrutura cilíndrica de enormes dimensões, acionada pelo trabalho2 de quatro pessoas: é graças a este que a luz que ilumina o “abajur” se acende e movimenta em sentidos opostos várias películas sobrepostas de Cybachrome que representam o oceano, gaivotas e um veleiro a navegar no mar alto. O ruído das gaivotas difundido na sala converte-a num teatro que envolve o espectador nas condições de representação que lhe oferece. As condições de construção dessa representação tornam-se visíveis quando se avistam os quatro atores acionando um dínamo, num movimento rotativo que lembra uma nora ou uma roda do leme, transfigurada em imagem dessa roda da história que, na sequência das viagens marítimas dos veleiros europeus, colonizou e explorou outras culturas e outros territórios, subitamente aproximados pelas suas travessias oceânicas. A obra de Cildo convoca muitas vezes o contexto da realidade social e geográfica sua contemporânea, sem com isso diminuir a produção da ambiguidade indispensável à liberdade de interpretação que uma obra de arte possa oferecer. Uma das estratégias utilizadas pelo artista para a construção dessa ambiguidade reside na escolha de materiais passíveis de serem simultaneamente interpretados como “matéria e símbolo”. Com efeito, a escolha e a utilização de determinados materiais convoca sentidos e linhas de interpretação advindas da convencionalidade simbólica desses mesmos materiais numa dada cultura e sociedade. Em obras como Olvido (1987/89) ou Amerikkka (1991/2013) (sala 2), os materiais utilizados constroem uma densa constelação de referências simbólicas, intersetando uma interpretação ideológica da história com a assemblagem formal dos seus elementos. As três toneladas de tíbias de bovino que integram Olvido não deixam de ser interpretáveis como símbolo da devastação e da morte originadas por uma história colonial. A sua disposição no interior de um círculo formado por 70 mil velas evoca indubitavelmente o papel da religião nessa história. A tenda característica da representação do índio norte-americano, forrada de notas de banco de todos os países das Américas com população índia, indicia o lucro e a construção de valor no decurso desta história. O carvão vegetal que preenche o chão da tenda é um símbolo claro da devastação da floresta que o originou, ideia reforçada pelo som de uma motosserra proveniente da abertura da tenda. A própria configuração espacial da peça sugere um alvo circular, no centro do qual se encontra a tenda índia. Dinheiro, religião, os pastos de uma colonização agrícola são assim convocados 2 O artista assume nesta obra o trabalho na aceção da física: uma medida da energia transferida pela aplicação de uma força ao longo de um deslocamento. pela materialidade e a quantificação dos materiais utilizados. A economia e a cultura de um território colonizado surgem, através destes materiais, enunciadas como a equação que o artista refere para estes trabalhos: “poder material mais poder espiritual é igual a tragédia”. Em Amerikkka (sala 2), os 3 k com os quais se escreve o título da obra prenunciam já a conhecida violência racial da história dos Estados Unidos. O trabalho configura-se num elemento constituído por um “tapete” de mais de 20 mil ovos de madeira “em pé”, aos quais se associa de imediato a célebre história do ovo de Colombo. Sobre esse tapete, encontra-se suspenso um outro elemento, perfurado por mais de 70 mil balas de dois calibres (para pistola e metralhadora). Como é sabido, a história norte-americana é constantemente perpassada por guerras de dimensão planetária, através das quais os Estados Unidos têm também construído a sua posição dominante na cena internacional. Os dois tabuleiros por onde ovos e balas se distribuem encontram-se pintados de vermelho e azul, respetivamente, reconstituindo as cores e a forma retangular da bandeira norte-americana. A particular poética da significação que advém da utilização de certos materiais na obra de Cildo Meireles, ganha densidade e consistência com o uso que o artista faz da natureza contável desses materiais. Uma peça como Camelô (1998) (sala 5) encontra o seu fundamento no desejo do artista de criar uma obra que materializasse o número 1 milhão. A partir da recordação do seu espanto de criança perante o facto de haver quem sobrevivesse como vendedor ambulante vendendo numa rua do Rio de Janeiro apenas alfinetes ou barbatanas de colarinho de camisa, Cildo produz um múltiplo de mil caixas, em cada uma das quais se encontra uma marionete de borracha representando o vendedor ambulante, dois tabuleiros de madeira para apresentação de mil alfinetes e mil barbatanas especialmente produzidos para esta obra, perfazendo assim a produção total de 1 milhão de alfinetes e 1 milhão de barbatanas. Cildo encontra na linguagem a possibilidade mais radical de libertação da obra de arte em relação ao conceito de autor. Os jogos de palavras são frequentes nos seus trabalhos, como acontece na série de Objetos semânticos (1970–74/em curso), que nesta exposição é ampliada com Pares ímpares (2011/13) e Esfera invisível (2012) (sala 3), ou como acontece na ironia de certos títulos: Entrevendo (1970/94) (sala 4) propõe uma perceção sensorial da obra de arte que mobiliza não apenas a visão mas também sensações térmicas e gustativas. Figuras de estilo características do uso textual da linguagem assomam frequentemente numa obra que sempre se posicionou contra a manifestação do estilo na obra de arte3. O quiasmo, uma das figuras retóricas mais frequentes na obra de Cildo, talvez pelas suas possibilidades de sugestão dialética, surge manifestado nos cruzamentos de significantes e significados em obras como Entrevendo (o quente e o frio, o doce e o salgado) ou Para Pedro (1984/93) (sala 6) — a tela branca pintada de negro, a tela preta pintada de branco, a direção cruzada das imagens em movimento. Também as consequências na nossa sociedade do conceito económico e cultural de valor se encontram presentes na obra de Cildo Meireles. Como expor o valor, como diferenciar valor de troca e valor de uso, como interpretar o valor simbólico são questões pouco frequentes no mundo da arte, que se recentra sempre mais na questão do valor da obra dentro de um mercado tanto mais restrito quanto cada vez mais globalizado. Cildo começa por aí, num trabalho como Árvore do dinheiro (1969) (sala 7): um maço de notas de um cruzeiro4 dobradas e atadas por um elástico é colocado em cima de um plinto para uma escultura, com o texto: “Título: cem notas de um cruzeiro. Preço: dois mil cruzeiros”. Em apresentações posteriores, este texto desaparece, tornado irrelevante pela própria natureza cada vez mais óbvia do mercado de arte. Cildo utiliza o dinheiro enquanto matéria e enquanto representação. Enquanto representação, o dinheiro transforma-se numa falsificação, metamorfose ainda mais curiosa quando tal é uma consequência do tradicional problema da representação mimética na obra de arte. Zero cruzeiro, Zero centavo, Zero dollar e Zero cent (todos de 1974–78) (sala 7), aos quais acresce agora Zero real (2013), são simultaneamente representações e apropriações, pela redução do valor monetário a zero e pela inclusão de imagens críticas que se reportam à sociedade brasileira ou ao imperialismo norte-americano. Enquanto matéria, o dinheiro surge acumulado simbolicamente nas mais de 6 mil notas de Olvido (sala 2), ou ainda apresentado como dilema em Ocasião (1974/2004) (sala 6). Neste trabalho, cujo título é uma sinédoque dessa frase invisível “a ocasião faz o ladrão”, o visitante vê-se confrontado com uma bacia de esmalte cheia de notas e moedas instalada no centro de uma sala branca com um espelho em cada parede. Um destes é um falso espelho, funcionando como janela numa sala escura contígua. Será esta uma 3“ O estilo […] é uma anomalia.”, escreve Cildo Meireles em depoimento escrito em 25 de abril de 1970 e publicado pela primeira vez na revista Malasartes (novembro de 1975); reed. em Encontros | Cildo Meireles, p. 23. 4 Unidade monetária então em uso no Brasil, sujeita a uma grande desvalorização no contexto da inflação na economia brasileira da década de 1970. das situações mais radicais onde Cildo confronta o espectador com a sua inação tradicional, ao apresentar-lhe deste modo a questão de agir ou de não agir, transformada em dilema moral (roubar ou não roubar, denunciar ou não denunciar). O valor monetário ou económico é uma instância problematizada frequentemente por Cildo neste conjunto de obras, do mesmo modo que a sua irrisão é manifesta em projetos como Ouro e paus (1982/95) (sala 6) ou Fio (1990/95) (sala 4), onde caixas e paletes de madeira são construídas com pregos de ouro ou fardos de palha com uma agulha de ouro escondida são também envoltos em fio de ouro, numa revisitação de um outro provérbio característico da tradição oral: “procurar agulha em palheiro”. Como se sabe, um valor implica sempre um circuito em função do qual ele é aferido, sendo esse circuito, em muitos casos da sociedade contemporânea, um circuito ideológico. Cildo revoluciona a utilização duchampiana de objetos encontrados no quotidiano enquanto obra de arte ao considerar a sua função num determinado circuito ideológico ou antropológico, o que o levará a duas séries de trabalhos: as Inserções em circuitos ideológicos (1970) (sala 7) e as Inserções em circuitos antropológicos (1971). Cada uma das inserções é um exemplo daquilo que todos poderão fazer a partir da deteção dos circuitos ideológicos e antropológicos reconhecíveis numa sociedade. Estas séries constituem assim uma radical superação da questão do autor ou do estilo. O artista exemplifica com o seu trabalho a obra de arte que poderá ser realizada e transformada por qualquer pessoa que para tal tenha sido alertada pelo contacto com esta possibilidade de agir sobre a sociedade. Arte e ativismo encontram aqui uma tão discreta quanto eficaz síntese. Os três projetos de Inserções em circuitos ideológicos — Projeto jornais; Projeto cédula; Projeto Coca-Cola (sala 7) — têm entre si algo em comum: a inserção é sempre a inscrição de um texto. No caso das inserções em jornais, descontinuadas por força da pressão da censura, Cildo alugou o espaço dos anúncios classificados para aí inserir uma área em branco (uma “clareira”, título significativo deste projeto) ou então um anúncio sem qualquer forma verbal, simulando uma venda de terrenos, de modo a poder ser interpretado como um anúncio de venda de um território imenso como a Amazónia. No caso das inserções em notas de banco (“cédulas”), o artista inscreveu mensagens que questionavam a realidade política do Brasil submetido à ditadura, como a pergunta “Quem matou Herzog?”, pondo assim em causa a versão oficial do suicídio na prisão “por enforcamento” do jornalista e ativista político assassinado pelos militares. No caso das inserções em garrafas de Coca-Cola, foram inscritas mensagens de vários tipos, desde o slogan “Yankees go home!” até às instruções de fabricação de um coquetel Molotov. Quer as notas de banco quer as garrafas de Coca-Cola, eram identificadas enquanto projeto juntamente com o apelo a gravar numas e noutras “informações e opiniões críticas e devolvê-las à circulação”. De certo modo, cada unidade destas inserções transporta consigo as instruções que permitirão a sua proliferação. A interrogação da definição histórica, política e geográfica de um “território” foi também desde sempre uma questão presente em muitos dos trabalhos de Cildo Meireles, nomeadamente naqueles que constituem a série à qual o artista deu o nome Arte física (sala 2). Muitos destes projetos não foram realizados, sendo apenas documentados por um conjunto de desenhos e colagens de 1969 e anos seguintes. Outros foram executados enquanto ações individuais solitárias, documentadas por fotografias, mapas ou então por caixas, que de certo modo subvertem o modelo duchampeano da boîte en valise, guardando resíduos das ações realizadas; num dos casos como urnas fechadas para sempre (Caixas de Brasília/Clareira, 1969). Em obras como Mutações geográficas: Fronteira Rio/ São Paulo ou Cordões/30 km de linha estendidos e recolhidos (sala 2), também de 1969, as caixas onde se guardam amostras da terra recolhida, ou dos quilómetros de linha assemelham-se a malas de viagem ou a caixas de utensílios de viagem, reminiscentes de um imaginário de expedições geográficas. A questão da mensurabilidade de um território manifesta-se também no uso de materiais como os metros de carpinteiro que o artista utiliza pela primeira vez numa obra realizada para a Documenta de Kassel como Fontes (1992), esse penetrável de mais de 6 mil unidades de metros de carpinteiro, de quatro modelos diferentes, três deles distorcendo as medidas “reais” convencionadas pelas unidades de medida. Esses metros, ou melhor, as suas “sobras”, serão reciclados como material de suporte para novas séries, dando origem aos jogos formais que encontramos em Metros i e ii (1977/93), 0 a 9 (1996) e Jogo da velha (1993–97) (sala 6). A declinação formal das possibilidades de variação em série do desenho de uma escada que encontramos em Descala (2003) (sala 4) tem por sua vez origem num projeto realizado em Siena, Viagem ao centro do céu e da terra (2002), que começou por ser o projeto de uma escada enterrada quarenta metros no solo e erguida em direção ao céu outros quarenta. Nesta exposição em Serralves, uma nova peça produzida e instalada no exterior do museu amplia as possibilidades de expressão desta “arte física”. Nós, formigas (1995/2013) (Parque), faz convergir estruturalmente a perceção da altura com a da profundidade, intersecionando diferentes planos espaciais: uma grua de gigantescas proporções é instalada no Parque de Serralves, suspendendo um cubo de pedra sobre uma câmara subterrânea escavada no solo. Uma vez debaixo dessa pedra, o espectador descobrirá, acima do seu olhar, um observatório de insetos de grandes proporções, fixado na base da pedra e preenchido com terra onde se abrem os minúsculos canais e percursos que desenham toda a vida social de cerca de 100 mil térmitas aí instaladas. Inverte-se a relação habitual entre seres humanos e insetos: o visitante encontra-se, como uma formiga no chão, debaixo das térmitas, e não sobre elas, nessa inversão de expectativas tão peculiar e frequente na obra de Cildo. Cildo é também autor de esculturas sonoras que aproveitam as possibilidades da gravação em estúdio, como os sons dessas ondas sinusoidais em Mebs/Caraxia (1970–71) ou as oito pistas utilizadas nessa imensa polifonia do Brasil que é Sal sem carne (1975) (ambas sala 8), assumindo o som como um material que amplia as possibilidades da escultura no espaço, em consequência de programas conceptuais particularmente precisos. O som é também a expressão de uma interação numa peça como Tres sonidos (1977) (sala 8), na qual Cildo oferece novamente ao espectador a possibilidade de realizar a obra, calçando luvas de borracha coladas a folhas de lixas de diferentes espessuras — grossa com fina, fina com fina, grossa com grossa — cuja fricção origina os três sons referidos no título. A escultura sonora rio oir (2010/11) (sala 8) é um dos projetos sonoros mais ambiciosos, manifestando-se como o resultado de um jogo de linguagem, neste caso o palíndromo advindo do emparelhamento da palavra ‘rio’ (que em português e castelhano — as línguas coloniais dominantes na América do Sul — tanto pode ser a primeira pessoa do presente do verbo ‘rir’ como a designação da cidade do Rio de Janeiro, onde o artista vive) e a palavra ‘oir’, infinitivo do verbo castelhano com o significado de “ouvir”. A partir deste reflexo especular entre duas palavras, uma vasta geografia converge com uma irónica polifonia: o som das águas que correm emparelha também com o som de múltiplas risadas, masculinas e femininas. Cildo e várias equipas constituídas para o efeito partiram em busca da gravação de sons de cachoeiras e nascentes, assim como de “águas humanas”, águas residuais, sons esses que depois foram editados de modo a possibilitarem a sua montagem estereofónica com os sons das gargalhadas gravadas. A representação da água encontra-se também em Marulho (1991/97) (sala 9), uma obra que proporciona uma experiência sinestésica, que transporta o visitante para longe do lugar onde está, num curiosíssimo exercício da representação em instalação espacial. No interior do espaço pintado de azul, surge um cais de madeira iluminado, à beira do oceano. A representação surpreende pelo fato de este oceano ser um “mar de livros”. Com efeito, mais de 17 mil livros de três tamanhos diferentes (uma sugestão tridimensional?) “ondulam” pela sala fora, abertos em páginas escolhidas. Como o som das águas, o “marulho” é perceptível através do som gravado e equalizado de mais de cem vozes de homens, mulheres, crianças e idosos que murmuram a palavra ‘água’ em inúmeras línguas. Marulho é também exemplar desse confronto da singularidade humana com a incomensurabilidade do mundo, o qual institui a arte como uma sua interrogação que ultrapassa a mera função da representação. Qualquer pessoa que tenha a possibilidade de se encontrar com a obra de Cildo protagonizará esse garimpeiro com quem Cildo compara o artista na sua procura de tudo o que não perdeu e que a arte lhe devolverá à vida: um modo mais livre de viver e de experimentar o mundo. Uma obra como Atlas (2007) (sala 8) exemplifica a sugestão dessa experiência do mundo sempre singular, porque só a partir da sua singularidade, um sentido coletivo poderá ser partilhado. Tudo quanto uma biblioteca nos ensinará sobre esse Titã que confrontou os deuses e por eles foi castigado, condenado à imobilidade com a qual carrega o mundo aos seus ombros, é subvertido pelo Atlas dinâmico e bem-humorado interpretado por Cildo Meireles. Fazendo o pino sobre o célebre pedestal do mundo de Piero Manzoni, do mesmo modo que subverte toda a tradição que atribui à obra de arte uma excecionalidade que a separa da vida, Cildo liberta o Atlas do seu sofrimento, aproximando o mundo e o trabalho do artista através da emancipação de todas as convenções que os separaram. Excertos editados do ensaio de João Fernandes, “Cildo Meireles: Em busca de tudo o que não foi perdido”, no catálogo da exposição Cildo Meireles, Porto: Fundação de Serralves e São Paulo: Cosac & Naify, 2013 (no prelo). 5 Sala Sala 4 Sala 3 Sala 1 Sala 2 Entrada Exposição Livraria Entrada Piso 3 Sala 6 Parque Sala 7 Sala 8 Sala 9 Piso 1 CONVERSAS COM O ARTISTA 15 NOV 2013 (Sex), 18h30 Galerias do Museu Cildo Meireles em conversa com João Fernandes (curador da exposição) e Marta Moreira de Almeida (curadora do Museu) 22 JAN 2014 (Qua), 18h30 Auditório Cildo Meireles em conversa com Guy Brett (curador e crítico de arte) Visita guiada 07 DEZ 2013 (Sáb), 15h00 por Marta Moreira de Almeida (exclusiva para Amigos de Serralves) LEITURA DA EXPOSIÇÃO por Marcelo Evelin (coreógrafo brasileiro) 24 JAN 2014 (Sex), 18h30 Galerias do Museu BIBLIOGRAFIA Cildo Meireles, cat. exp., Porto: Fundação de Serralves e São Paulo: Cosac & Naify, 2013 (no prelo). Ensaios de João Fernandes, Sergio B. Martins e Guilherme Wisnik e textos do artista. Apoio institucional Apoio Mecenas Exclusivo do Museu Mecenas da Fotografia Seguradora Oficial: Fidelidade — Companhia de Seguros, S.A. Apoio: Sugestões & Opções — Catering de Eventos Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 . 4150-417 Porto / www.serralves.pt / [email protected] / Informações: 808 200 543 PARQUE Entrada pelo Largo D. João III (junto da Escola Francesa)