O GLOBO
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O PAÍS
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PRETO/BRANCO
PÁGINA 19 - Edição: 2/01/2011 - Impresso: 1/01/2011 — 21: 31 h
Domingo, 2 de janeiro de 2011 • 2ª edição
O PAÍS
O GLOBO
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De Silva para
Rousseff
Aécio: ‘Faremos oposição leal ao Brasil e vigorosa’
Senador mineiro vai apresentar proposta de reformas política e tributária. Serra defende colaboração entre governos
Carlos Rhienck / Jornal Hoje em Dia
Adauri Antunes Barbosa,
Cristiane Jungblut e Maria Lima
SÃO PAULO e BRASÍLIA. Político
mais aplaudido na celebração
da posse do governador Antonio Anastasia (PSDB), o ex-governador e senador eleito Aécio
Neves (PSDB) prometeu fazer
uma oposição “atenta e vigilante” ao governo da presidente
Dilma Rousseff (PT), mas disse
que espera o apoio de senadores da base do governo para
construir uma agenda de reformas de interesse do país.
— Como brasileiro, desejo a
ela sorte em sua gestão, mas
repito: não há governo forte
sem oposição forte. Faremos
uma oposição leal ao Brasil e
aos brasileiros, mas vigorosa
em relação às ações do governo — disse Aécio, acrescentando que deve concluir, em
até dois meses, um esboço de
uma agenda de reforma política e tributária do país, além de
medidas que julga necessárias
ao fortalecimento de estados e
municípios.
Aécio afirmou já ter mantido conversas com senadores
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SENADOR AÉCIO Neves: “Não há governo forte sem oposição forte”
da base da presidente e estar
otimista em relação à construção das reformas, para
que o Congresso não seja
“caudatário de uma agenda
de interesse exclusivo do Poder Executivo”.
— Isso apequena o Congresso e é o que tem acontecido ao longo dos últimos
anos — afirmou.
Perguntado a respeito da
ascendência do presidente
Lula sobre Dilma e a influência do petista no novo governo, Aécio disse esperar que o
ex-presidente cumpra a promessa de ter um comportamento exemplar:
— O presidente Lula disse
algumas vezes que demonstrará na prática como deve
agir um ex-presidente da República. Vamos aguardar e observar qual é a forma que ele
compreende que seja a mais
adequada.
Aécio disse esperar que
Minas não sofra discriminação por parte do governo federal. O tucano criticou a escolha do primeiro escalão do
governo Dilma, por contar
com apenas um representante de Minas Gerais, o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel (PT).
— Como ele entra numa cota pessoal, vejo que do ponto
de vista político Minas ficou
excluída do atual governo —
disse.
O ex-governador de São
Paulo José Serra (PSDB) afirmou, durante a posse do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que a população quer a cooperação entre
os governos federal, estadual
e as prefeituras:
— O que a população sempre espera é cooperação entre
governos. Nós governamos assim em São Paulo. O Covas governou assim, o Alckmin também, eu governei assim e o Alckmin vai continuar governando assim.
Em rápida conversa com jornalistas, Serra se limitou a dizer
que, daqui para a frente, vai “ganhar a vida” já que “não tem renda”, mas não abandonará a atividade política:
— Na atividade política, eu
sempre estive e vou continuar.
Já em Brasília, num plenário
dominado por aliados que gritavam palavras de ordem elogiosas, alguns integrantes da
oposição marcaram presença
na cerimônia de posse de Dilma, no Congresso. O deputado
Bruno Araújo (PSDB-PE) chegou a ficar inquieto com a ausência de colegas da oposição:
— Fiquei sozinho no ninho!
Aos poucos, outros foram
chegando, e o deputado Antônio Carlos Magalhães (DEMBA) sentou-se ao lado de Dilma, porque é integrante da
Mesa Diretora. Questionados,
os parlamentares respondiam
que cumpriam uma obrigação
constitucional.
— Estou cumprindo meu dever constitucional — defendeu
José Carlos Aleluia (DEM-GO).
Já o senador Demóstenes
Torres (DEM-GO) não perdeu a
chance de criticar o longo discurso de Dilma.
— Ela fez um discurso horroroso, para agradar todo mundo.
Ela estendeu a mão para a oposição, e nós também lhe estendemos a mão. Mas não bastam
só palavras — disse. ■
‘Dilma tem enviado sinais de independência’
Pesquisadora Julia E. Sweig diz que petista vai impor estilo de governar e definir onde Lula será útil politicamente
Apesar de admitir que os
bons resultados econômiJulia E. Sweig
cos e a extrema popularidade com os quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva termina o seu governo o tornam uma figura fundamental no cenário político dos próximos anos, uma das
maiores especialistas em Brasil nos EUA, Julia E. Sweig,
considera sexistas os comentários que colocam a presidente Dilma Rousseff como marionete e seu governo
como um mero interregno nos planos de Lula de voltar
ao poder. Julia, diretora de Estudos da América Latina
ENTREVISTA
Gilberto Scofield Jr.
SÃO PAULO
O GLOBO: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido inconstante em seus pronunciamentos
sobre o nível de atuação política
que terá durante o governo de Dilma Rousseff, ora afirmando que
vai ajudá-la politicamente, ora dizendo que não pretende interferir. Como a senhora vê o grau de
independência do governo de Dilma diante de um ex-presidente
que ajudou a elegê-la e com índices de popularidade tão altos?
JULIA E. SWEIG: Dilma e Lula
vêm trabalhando juntos por um
longo tempo na cúpula do governo brasileiro em diferentes
projetos, especialmente no front
doméstico, e ela concorreu pelo
PT. Então obviamente seu projeto doméstico em termos de
prioridades será mais continuidade do que mudança, e isso estava claro em sua campanha.
Mas, ao mesmo tempo, ela é a
presidente e como tal tem enviado sinais de independência e
opinião própria, como no caso
da prisioneira iraniana Sakineh
Ashtiani. Então acho que o estilo próprio deve se revelar com o
tempo. Um ex-presidente de
qualquer país, seja no Brasil ou
nos EUA, tem que definir seus
próximos passos, e acho que
Lula está neste exato momento
definindo qual será o seu papel
no Brasil e internacionalmente.
Ao mesmo tempo, Dilma é uma
pessoa extremamente vigorosa,
pragmática e forte que não pretende, abruptamente, tirá-lo do
caminho. Ela vai decidir onde
ele será politicamente útil, tanto
do ponto de vista doméstico
quanto internacional, bem como na aprovação de reformas e
nos difíceis tópicos que precisará administrar no Congresso. Se
ele pode ser útil, por que ela não
o usaria? Não fazer isso seria totalmente ilógico.
e do Global Brazil Initiative do Council on Foreign Relations — um dos mais influentes centros de estudos
estrangeiros de Washington — não enxerga Dilma apenas como uma tecnocrata e diz que ela também contribuiu para o sucesso do governo que acaba hoje.
Julia afirma que, como prometido na campanha presidencial, o governo de Dilma será de continuidade, o
que não impedirá que a nova presidente tenha uma
personalidade própria, fenômeno já percebido após
seus comentários condenando o apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani. Em recente artigo sobre o BraDivulgação
Muitos afirmam desde a corrida eleitoral que Dilma foi
uma criação de Lula e seu governo, parte do projeto político do próprio presidente.
JULIA: Eu vejo esses comentários como sexistas. Assumem
que ela não será capaz de ter o
seu próprio governo de forma
independente. Ela claramente
terá. É uma mulher forte e independente, e não tenho dúvidas
de que ela vai governar o Brasil
com suas próprias visões. Dilma
não emerge de um vácuo. Ela
emerge de uma parceria, especialmente no segundo mandato
do presidente, quando ela foi extremamente importante para o
país e para o sucesso do próprio
Lula. Então, quando se fala em
continuidade, eu vejo como a
continuidade de um governo
bem-sucedido do qual ela fez
parte e foi arquiteta.
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Você se refere a que exatamente? Ao PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento)?
JULIA: Ao PAC, à implementação dos programas sociais e de
redistribuição de renda e mesmo ao exercício político. Dilma é
uma figura importante, inclusive
internacionalmente. Ela tem ótima reputação na indústria de
energia, na comunidade financeira internacional e é vista por
gente de fora como uma profissional séria, uma gerente muito
pragmática. E acredita-se que
ela continuará a ter esse perfil,
só que como presidente.
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● Muitos enxergam nisso um
defeito, afirmando que ela está mais para tecnocrata do
que para estadista.
JULIA: Quando ela estava negociando a nova legislação do présal ou quando participava dos
vários conselhos criados por
Lula, entre outras tarefas, ela
não estava sendo somente uma
técnica. Ela estava fazendo polí-
JULIA SWEIG: “Dilma vai decidir onde Lula será politicamente útil”
tica. O fato de ter sobrevivido
politicamente no Brasil da forma como ela sobreviveu é uma
prova de suas habilidades políticas. São habilidades diferentes
das de Lula. Ninguém pode repetir o carisma do ex-presidente
ou sua habilidade de se conectar com as pessoas, afinal, ele é
Lula. Eu tampouco acho que ela
tentará ser como Lula, o que seria um desapontamento para todos. Dilma terá que desenvolver
sua própria identidade como
presidente. De novo, neste início
de governo, acho as críticas de
fundo sexista. Se Dilma fosse um
homem, acredito até que a pergunta não seria formulada dessa
maneira. Seria: “Como o presi-
dente deve controlar e aproveitar Lula como um ativo e um recurso para governar no futuro?”
De qualquer forma, esse é um
preço a pagar por se trabalhar
com Lula, porque ele tem enorme personalidade e é grande, inclusive no cenário internacional.
Então também é legítimo questionar como ele vai estruturar
sua fase pós-Presidência e qual
será seu papel no cenário político do país, não importa se o
novo presidente é homem ou
mulher.
Em recente entrevista, o presidente Lula afirmou que Obama não conseguiu mudar a relação entre os EUA e a América
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sil publicado na última revista “Foreign Affairs” — intitulado “A new global player: Braziĺs Far-Flung Agenda” (Um novo jogador global: a ampla agenda do Brasil) e no qual não se menciona o governo Dilma —, ela
observa que, apesar da ambição por ter mais influência
nas discussões internacionais, o Brasil segue prenhe
de desafios, como ser ainda o décimo país mais desigual do mundo (apesar de os progressos no combate à
miséria), a má qualidade da educação e o baixo investimento em ciência e tecnologia. São alguns dos problemas vitais para a nova presidente administrar.
Latina, e que a visão dos americanos sobre a região continua
basicamente a mesma. Você
concorda?
JULIA: Concordo. A América
Latina não é uma prioridade para o presidente Barack Obama.
Mesmo que ele e a secretária de
Defesa, Hillary Clinton, tenham
tentado dizer que possuem uma
nova política para a região, eles
têm sido muito lentos na implementação dessa nova visão. Eu
acho que é porque eles estão
simplesmente ocupados com
outras coisas, como Afeganistão, Iraque, Irã, Rússia e agora
com o WikiLeaks, um problema
enorme. Curiosamente, o primeiro semestre de 2009 foi muito bom com a Conferência das
Américas em Trinidad e Tobago,
a reunião da OEA em San Pedro
Sula (em que Clinton reafirmou
a disposição do governo Obama
de estreitar relações com o continente), a reunião do G-20 em
Londres em que Lula prometeu
ajudar com o Irã, e Obama o
chamou de “o cara”. Mas no segundo semestre ocorreram o
golpe em Honduras, a crise das
bases na Colômbia e uma série
de desentendimentos, deliberados e acidentais, incluindo temas como o Irã, em que a relação dos EUA com a região e com
o Brasil piorou. A política externa dos EUA para a América Latina é muito vulnerável à política
doméstica e a ideologias dentro
dos EUA. É mais fácil para os diplomatas americanos focar em
um ou dois grandes temas e deixar a briga ideológica continuar.
Há muitos focos de desconfiança que precisam ser discutidos.
● Trabalhando no Council on
Foreign Relations em
Washington, você deve ter conhecido o novo ministro das
Relações Exteriores, Antônio
Patriota, que era nosso embaixador na capital dos EUA.
JULIA: É claro que conheço
bem Patriota. Eu diria que o
considero um amigo e tenho
muito respeito por ele, que é
uma pessoa muito madura
para lidar com essas pendências.
● E com que tipo de EUA o futuro governo Dilma vai ter
que lidar?
JULIA: Nos próximos dois anos
a Casa Branca vai estar focada
na reeleição do presidente,
além de ter que lidar com temas domésticos importantes,
inúmeros problemas econômicos como uma taxa de desemprego acima de dois dígitos.
Acredito que certa rivalidade
por influência na região vá continuar. Eu gostaria que a abordagem do Brasil fosse feita como prioridade e até acredito
que haja muitas oportunidades,
porque Washington sabe que o
Brasil é parte da América Latina, mas muito maior do que ela.
Existem pessoas na administração americana dispostas a conversar seriamente, como o embaixador americano no país,
Thomas Shannon. Ele conhece
o Brasil muito bem e entende
completamente o valor de uma
relação séria com o país, não
apenas bilateralmente, mas nos
temas globais que fazem parte
da agenda. Mas isso não é universal. Quando Washington diz
“nós queremos parceria com
potências emergentes”, como o
Brasil, eu não acredito que eles
saibam o que esta palavra significa. Ela quer dizer “nós vamos ser legais quando conversarmos contigo, mas esperamos que faça o que dissermos
no fim do dia”? Ou significa “estamos prontos para algum tipo
de negociação em que daremos
de um lado e perderemos de
outro”? Eu não acho que haja
uma resposta para essa pergunta por hora.
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Julia E. Sweig