Ginia W00l
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ORGanização, tRadução e notas leonaRdo fRóes
O valoR do Riso e outRos ensaios viRGinia wOOlf
7 Apresentação
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Músicos de rua
O valor do riso
As memórias de Sara Bernhardt
Louise de La Vallière
O diário de Lady Elizabeth Holland
Veneza
Thoreau
Ficção moderna
Como impressionar um contemporâneo
O leitor comum
Jane Austen
Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes
Como se deve ler um livro?
Sobre estar doente
Poesia, ficção e o futuro
Batendo pernas nas ruas: uma aventura em Londres
Geraldine e Jane
2 70 Mulheres e ficção
2 84 Quatro figuras
2 84i. Cowper e Lady Austen
2 96ii. O Belo Brummel
3 07iii. Mary Wollstonecraft
319iv. Dorothy Wordsworth
331 “Eu sou ChRistina Rossetti”
3 43 CaRta a um jovem poeta
3 68 Isto é a Câmara dos Comuns
3 79 Por quê?
3 89 A arte da biografia
4 03 Resenhando
4 27 A torre inclinada
4 64 Pensamentos de paz durante um ataque aéreo
4 72 A morte da mariposa
4 77 Sobre a autora
481 Sugestões de leitura
4 88 Índice de nomes e obras
O
valoR
do
riso
um ingrediente necessário – não seja tão comum como foi
na época de Shakespeare, e assim a era atual teve de providenciar um substituto decoroso que dispensa o sangue e as
adagas, tendo sua melhor aparência quando de sobrecasaca
e cartola. A isso nós podemos chamar de espírito de solenidade e, se os espíritos têm gênero, não há dúvida de que
esse é masculino. Ora, a comédia é do sexo, das graças e das
musas e, quando aquele cavalheiro solene se adianta para
render-lhe homenagens, ela olha e ri e olha de novo, até que
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A
a risadaria irresistível a domina e ela foge para esconder sua
velha ideia era que a comédia representava as fra-
alegria no regaço das próprias irmãs. É assim muito raro que
quezas da natureza humana e a tragédia retratava os
o humor venha ao mundo, e dura é a luta da comédia por ele.
homens como maiores do que eles são. Para pintá-
O riso puro, tal como o ouvimos nos lábios das crianças e de
-los de um modo verdadeiro será preciso chegar a um
mulheres bobas, anda em descrédito. É tido por ser a voz da
meio-termo entre as duas; o resultado é algo muito
tolice e da frivolidade, não se inspirando nem em conheci-
sério para ser cômico, muito imperfeito para ser trágico, e
mento nem em emoção. É um riso que não passa mensagem,
a isso podemos chamar de humor. O humor, como a nós foi
que não transmite informação; é um som inarticulado como
dito, é negado às mulheres. Trágicas ou cômicas elas podem
o latido de um cão ou o balir de um carneiro, e exprimir-se
ser, mas a mistura específica que constitui um humorista é
assim é indigno de uma espécie que se dotou de linguagem.
para encontrar-se somente em homens. As experiências no
Mas há coisas que estão além das palavras, e não por baixo
entanto são coisas perigosas e, ao tentar atingir o ponto de
das palavras, e uma delas é o riso. Pois o riso é o único som,
vista do humorista – equilibrando-se naquele pico tão alto
por inarticulado que seja, que nenhum animal pode produzir.
que é negado às suas irmãs –, não é raro que o ginasta macho
Se no tapete da lareira o cão geme de dor ou late de alegria,
tombe ignominiosamente para o outro lado e, ou bem mer-
entendemos o que ele quer dizer, e não há nada de estranho
gulha de cabeça nas palhaçadas, ou bem desce para o chão
nisso; mas e se o cão resolvesse rir? E se ele, quando você en-
duro do lugar-comum muito sério, onde, justiça lhe seja feita,
trasse no quarto, não expressasse uma alegria legítima, com
sente-se inteiramente à vontade. Pode ser que a tragédia –
o rabo ou a língua, por estar vendo você, mas estourasse em
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pérolas de riso – dentes arreganhados –, sacudindo-se nos
capazes de escalar o pico de onde a totalidade da vida pode
lados e exibindo todos os sinais costumeiros de diversão ex-
ser contemplada como num panorama; mas a comédia, que
trema? Seu sentimento seria então de horror, dando a você
anda pelas estradas, reflete o trivial e acidental – os erros
vontade de afastar-se, como se ali uma voz humana tivesse
desculpáveis e as peculiaridades de todos os que passam por
falado pela boca do bicho. Também não podemos imaginar
seu reluzente espelhinho. Mais do que qualquer outra coisa,
que seres num estado superior ao nosso riam; o riso parece
o riso preserva nosso senso de proporção; lembra-nos sem-
pertencer essencial e exclusivamente aos homens e às mu-
pre que somos apenas humanos, que não há homem que seja
lheres. O riso é a expressão do espírito cômico que existe
um herói completo ou inteiramente um vilão. Tão logo nos
dentro de nós, e o espírito cômico se interessa pelas esqui-
esquecemos de rir, vemos coisas fora de proporção e perde-
sitices e excentricidades e desvios do padrão reconhecido.
mos nosso senso de realidade. Felizmente os cães não podem
Seu comentário é feito no riso súbito e espontâneo que vem,
rir, porque eles mesmos se dariam conta, se pudessem, das
mal sabemos nós por quê, e não podemos dizer quando. Se
terríveis limitações de ser um cão. Homens e mulheres estão
tivéssemos tempo para pensar – para analisar a impressão que
na devida altura, na escala da civilização, para que, tendo re-
o espírito cômico registra –, sem dúvida constataríamos que o
cebido o poder de conhecer as próprias falhas, fossem agra-
que é superficialmente cômico é fundamentalmente trágico
ciados com o dom de rir delas. Mas estamos ameaçados de
e, enquanto houvesse nos lábios o sorriso, em nossos olhos
perder esse precioso privilégio, ou de esmagá-lo quando fora
haveria água. Isso – as palavras são de Bunyan1 – já foi aceito
do peito o externamos, por uma massa de conhecimento pe-
como definição de humor; porém o riso da comédia não traz
sado e indigerido.
o peso das lágrimas. Ao mesmo tempo, muito embora sua
Para ser capaz de rir de alguém você tem, antes de tudo,
função seja relativamente modesta se comparada à do ver-
de ser capaz de o ver como ele é. Toda a capa de riqueza e
dadeiro humor, o valor do riso na vida e na arte não pode ser
posição e saber que uma pessoa possui, na medida em que
superestimado. O humor é das alturas; só as mentes raras são
é uma acumulação superficial, não deve embotar a lâmina
afiada do espírito cômico, que opera ao vivo. O fato de as
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Alusão a The Pilgrim’s Progress (1678), de John Bunyan (1628-88), livro
no qual ocorre a frase “So she smiled, but water stood in her eyes” [Ela
crianças terem um poder mais certeiro que os adultos para
conhecer os homens pelo que eles são é um lugar-comum, e
assim sorriu, mas havia água em seus olhos]. [Todas as notas são do
acredito que o veredicto que as mulheres exararam sobre o
organizador, exceto quando identificadas de outra forma.]
caráter não será revogado no dia do Juízo Final. As mulheres
O
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do
riso
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e as crianças, então, são os principais ministros do espírito
é uma faca que ao mesmo tempo poda e instrui e dá simetria
cômico, porque nem seus olhos foram toldados pela eru-
e sinceridade aos nossos atos e à palavra escrita e falada.
dição nem seu cérebro obstruído pelas teorias dos livros, e
assim homens e coisas preservam ainda os fortes contornos
Publicado pela primeira vez em 16 ago. 1905 no Guardian, jornal de
originais. Todas as excrescências horrendas que invadiram
orientação anglocatólica no qual Virginia Woolf colaborou várias
nossa vida moderna, as pompas e convenções e solenidades
vezes durante a primeira década do século xx.
maçantes, nada temem tanto quanto o brilho de um riso
que, como o relâmpago, as faz tremer e deixa os ossos expostos. É porque o riso das crianças tem essa característica
que elas são temidas por pessoas que estão conscientes de
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afetações e irrealidades; e é provavelmente pela mesma ra-
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zão que as mulheres são vistas com tal desfavor nas profissões liberais. O perigo é que elas possam rir, como a criança
em Hans Andersen que disse que o rei estava nu, quando os
mais velhos adoravam a esplêndida indumentária que não
existia. Na arte, como na vida, todos os piores tropeços surgem de uma falta de proporção, e a tendência de ambas é ser
exageradamente séria. Nossos grandes escritores desabrocham em púrpura e progridem por frases majestosas; nossos
escritores menores multiplicam seus adjetivos e regalam-se
no sentimentalismo que, num nível mais baixo, produz o
anúncio sensacionalista e o melodrama. Vamos a enterros
e à cabeceira dos doentes com muito mais disposição do que
a casamentos e festas, e não conseguimos tirar da cabeça a
crença de que há algo virtuoso nas lágrimas e de que a roupa
preta é a que assenta melhor. Não há nada tão difícil como o
riso, de fato, mas nenhuma característica é mais valiosa. Ele
O
valoR
do
riso
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