EVARISTO DE MORAES
Por Antonio Carlos Flores de Moraes•
Antônio Evaristo de Moraes, filho de Basílio e de Elisa de Moraes, nasceu a 26 de
outubro de 1871 – dia de São Evaristo -, na cidade do Rio de Janeiro, Capital do Império, à
rua Larga de São Joaquim, atual Avenida Floriano. Sempre teve uma infância pobre, miserável mesmo. Matriculado como aluno gratuito em 1883 no Colégio mantido pelos monges
do São Bento, não dispunha de dinheiro nem para a passagem.
Numa entrevista à imprensa, em 1924, demonstrou toda a sua gratidão a um professor benemérito, que muito o ajudou: “No Mosteiro de S. Bento havia frei Bento de Trindade Cortez, a mais bela figura de brasileiro que até hoje tenho visto. Era um santo, criatura
de uma bondade infinita, afetivo, carinhoso, enfim, o protetor das crianças pobres. Foi o
meu grande protetor lá dentro, no Mosteiro. Fornecia-me livros, níqueis, às vezes até roupa”.
Nos anos de 87 a 89 torna-se professor do próprio Colégio São Bento, de Português,
Geografia e História. Em 1890, teve como companheiro nestas duas últimas cadeiras Carlos de Laet, que os monges acolheram, por haver sido afastado do magistério oficial pelo
movimento vitorioso de 15 de novembro. Laet voltaria ao Colégio Pedro II somente em
1915, sendo nomeado seu diretor em 1917.
Evaristo de Moraes viveu intensa, resoluta e belamente aquele momento de mudança social e política entre nós. Jovem adolescente, de 16 a 18 anos, fez-se soldado da abolição e da República, com a paixão e os exageros próprios da idade. Evaristo não chegou ao
jacobinismo, mas foi um florianista ardente, falando todos os anos nas comemorações do
Centro Cívico Floriano Peixoto, do qual foi diretor e seu amigo Brício Filho. Ao falecer
repentinamente em 1939, deixou inédita uma conferência que iria proferir no dia do seu
sepultamento, Sábado, 1 º de julho, exatamente de elogio a Floriano Peixoto.
Dividindo-se entre o jornalismo e o ensino particular, passou Evaristo a praticar
como rábula, no escritório dos Drs. Silva Nunes, pai e filho, e Ferreira do Faro, “três monarquistas intransigentes, tão admiradores do almirante Saldanha quanto eu era do marechal
Floriano”, escreveu em “Reminiscências de um Rábula Criminalista”.
No ano em que estréia, 1894, publica Evaristo o seu primeiro livro O Júri e a Nova
Escola Penal, dois anos mais tarde volta a defender o tribunal do júri, como irá fazer pelo
resto da vida. Uma de suas defesas mais famosas, é conhecida como a Tragédia da Estrada
de Santa Cruz, sendo que a vítima chamava-se, nada mais, nada menos, do que Euclides da
Cunha, o admirado escritor de Os Sertões e que acabara de ser nomeado professor de Lógica no Colégio Pedro II, depois de memorável concurso. O seu assassino era um jovem
Tenente do Exército, Dilermando de Assis. O crime se dera a 15 de agosto de 1909. A opinião pública e a imprensa colocaram-se contra o Tenente, tido como protegido e aparentado
de Euclides. O que não era verdade, como provou Evaristo, inocentando-o em memorável
julgamento a 4 de setembro de 1910. Três anos mais tarde, em novo júri, Dilermando é
mais uma vez absolvido.
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Em 4 de julho de 1916, Euclides da Cunha Filho, encontrando-se no Foro com Dilermando, tenta vingar a morte do pai e atira, ferindo o seu alvo. Dilermando, apesar de
atingido em várias partes de seu corpo, revida o ataque, vindo-se a fazer uma segunda vítima na família de Euclides. Evaristo, chamado novamente para defender Dilermando, absolve-o por legítima defesa. Neste mesmo ano, de 1916, Evaristo, já aos 45 anos de idade,
torna-se Bacharel, diplomado pela Faculdade de Direito Teixeira de Freitas, de Niterói,
tendo iniciado o seu discurso de formatura, com uma certa dose de ironia: “Ei-nos, enfim,
bacharéis – como toda gente”. (grifo do próprio orador)
Outra questão famosa foi a defesa de Mendes Tavares, acusado de mandante do
assassinato de Lopes da Cruz. O acusado era membro do Conselho Municipal do Rio de
Janeiro e o motivo do crime, segundo se alegava, era o interesse de Tavares afastar do seu
caminho o marido (Lopes da Cruz) da mulher com que mantinha um caso. Acontece que
Mendes Tavares fora adepto da candidatura de Hermes da Fonseca, vitorioso, contra Rui
Barbosa, ao qual se filiava Evaristo e por ela havia pugnado ardentemente. Vendo-se em
dificuldade, porque Tavares hoje seu adversário político, havia sido seu colega de S. Bento,
Evaristo dirige uma carta a Rui Barbosa, consultando-o a respeito. A resposta veio, por
coincidência, no dia do seu aniversário, 26 de outubro, e logo publicada, a 3 de novembro,
no Diário de Notícias, sob o título O Dever do Advogado, tornada clássico de imediato.
Dizia Rui, embora intimamente convencido da culpabilidade de Tavares, que qualquer réu
merece defesa, por mais tenebroso tenha sido o seu crime.
Anos mais tarde, com o mesmo entusiasmo da juventude abolicionista e republicana, Evaristo é dos primeiros a se alistar na Aliança Liberal, que em 1929 e 30 aglutina toda
a oposição contra Washington Luiz. Vitorioso o movimento, é nomeado Consultor Jurídico
do novo Ministério do Trabalho em fins de janeiro de 1931, tendo Evaristo dele se afastado
desgostoso em março de 1932, junto com Lindolfo Collor e com ele solidário, a despeito da
calorosa carta que lhe faz, instando que fique, o Ministro interino, Afrânio de Melo Franco.
Em 17 de outubro de 1931, registra Humberto Campos que já o encontrou desencantado
com o novo regime, “uma pândega”, “um saco de gatos”, no qual “vivem todos se hostilizando, se mordendo, se desmoralizando”.
Em 1933, participa Evaristo da fundação da Sociedade Brasileira de Criminologia,
tendo sido eleito cinco anos mais tarde para a Academia Carioca de Letras.
Às 11 horas da noite de uma Sexta-feira, 30 de junho de 1939, é fulminado por um
edema pulmonar agudo longe de casa a caminho de uma festa em homenagem a Josefina
Baker, convidado por Assis Chateaubriand. Dia 1 º de julho, todos os jornais, sem exceção,
abriram manchetes de primeira página sobre a sua morte. Parecia que Evaristo era imortal
a sua morte repentina a todos surpreendera. O seu nome chegava às raias do mito e da lenda, com uma série de histórias sobre sua atuação no júri, umas verdadeiras, outras falsas.
Perante o mausoléu falaram dez oradores, sendo o primeiro Mário Bulhões Pedreira,
grande advogado e grande orador. Dera o mote dos discursos que se lhe seguiram. Começou assim, no silêncio da noite de lua cheia: “Senhores! Colegas da advocacia criminal
delegaram-me a missão de interpretar o sentimento comum, nesta tarde angustiosa de des-
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pedida, ao fechar-se o túmulo de um dos mais valiosos exemplares humanos que o Brasil há
produzido, daquele que foi o maior de nós todos.” (...) “Não perturbemos o silêncio religioso desta hora crepuscular, quando as sombras descem sobre a terra e a melancolia nos invade os corações. Este silêncio é uma homenagem. Dos homens e da natureza. A mais expressiva das homenagens. Porque morreu o primeiro tribuno criminal brasileiro; porque
emudeceu para sempre aquela voz inigualável da Defesa.” (...) “Não desaparece, com Evaristo de Moraes, o maior de nossos criminalistas-advogados, como de Carrara disse Ferri;
mas também, e principalmente, com ele deixa de existir o mais humano dos advogados brasileiros”.
Bibliografia de Evaristo de Moraes (1871/1939)
Sem incluir centenas, senão milhares, de artigos escritos diretamente para a imprensa (jornais e revistas), eis a relação de obras e dos opúsculos, de Evaristo de Moraes, como
ele próprio costumava dizer:
O Júri e a Nova Escola Penal, 1894; Estudinhos de Direito: o Júri, 1896; A Questão das Prostitutas, 1897; Estudos de Direito Criminal, 1898; Marcelino Bispo (Estudos
de Psicologia Criminal), 1898; A Criminalidade das Multidões, 1898; O Processo de Abel Parente, 1901; La Teoria Lombrosiana Del Delincuente, 1902; Médicos e Curandeiros, 1902; Crianças Abandonadas e Crianças Criminosas, 1902; Apontamentos de Direito Operário, 1905; O Crime das Degoladas, 1907; A Moral dos Jesuítas, 1911; Um Caso
de Homicídio por Paixão Amorosa, 1914; Criminalidade da Infância e da Adolescência,
1916; 2 ª edição, 1927; Extinção do Tráfico de Escravos no Brasil, 1916; A Lei do Ventre
Livre, 1917; Os Acidentes no Trabalho e a sua Reparação, 1919; Problema de Direito
Penal e da Psicologia Criminal, 1920; 2 ª ed., 1924; Ensaios de Patologia Social, 1921;
Reminiscência de um Rábula Criminalista, 1922; Brancos e Negros, 1922; Prisões e Instituições Penitenciárias no Brasil, 1923; A Campanha Abolicionista, 1924, premiada pela
Academia Brasileira de Letras; Minhas Prisões e outros Assuntos Contemporâneos, 1927;
Criminalidade Passional, 1933; Embriaguez e Alcoolismo, 1933; A Escravidão Africana
no Brasil, 1933; Um Erro Judiciário: o Caso Pontes Visgueiro, 1934; Cárceres e Fogueiras de Inquisição. Processo contra Antônio José, o Judeu, 1935; Da Monarquia para a
República, 1936; O Testemunho perante a Justiça Penal, 1939; Os Judeus (Póstuma),
1940.
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escrito em 2002
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