,i l~ r A CRIANÇA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO I (7' . M~~ia Helena Hen~ique~ - ! ~ Vi~i~a r -~ A CRIANÇA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO Maria HeZena Henriques Vieir= Dissertação submetida como requisite parcial para a obtençio .do grau de mestre em Educaçio . Rio de Janeiro Fundação GetGlio Vargas Instituto de Estudos Avançados em Educação Departamento de Psicologia da Educação 1985 RECONHECIMENTO E GRATIDÃO À Dra. ANGELA VALADARES DUTRA DE SOUZA CAMPOS foi minha orientadora' na execução Seu conhecimento' acad~mico desse tr~balho,. que aliando o comum calor human? sincero, con' seguindo manter em mim a vontade, a confiança e o entusiasmo necessários para levar avante meu objetivo. Esta dissertação é q resultado de um grande esforço que nao teria sido poss'ível realizar-se sem a aj uda da Mestra MARIA LOCIA DO EIRADO SILVA cuja enorme experi~ncia me pude beneficiar revelando-se decisiva na execuçao do meu trabalho. Dirijo,também, os meus agradecimentos a todas as "garotas" e c rianças. da R.D. a quem devo uma das expe ri~ncias , mais releiantes em minha vida. ~ , - 111 - .~. ,." .'.'-" ..... "'".,"-,,' '-'~ Aos meus pais: • Armando Henriques Vieira Marietta Dias Vieira - IV - e S U MÁ R I O Pago 1. INTRODUÇÃO ••• ••••••••• 4 •••••••••••••••••••• ........ - 01 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA •••••••••••••••••••••••••••••• - 03 3. FUNDAMENTAÇÃO TEdRICA •••••••••••••••••••••••••••••• - 08 3.1 -'Fatores sociais do desenvolvimento ..••......• - 08 3.2 - O papel da mae no referente aos aspectos psico16gicos do deserivolvimento .•.•...........•. - 11 24 , 3.3 - Aspectos institucionais ••..•.•....•... 4 . PESQUISA •••• 4.1 s. ............................. ... ' 27 Metodologia ................................... ',.- 2,·S'· 4 • 1 . 1 - S'u j e i tos •• ••' •••••••.• ~ ••••••••••• ~ ••• ~ - 28 4.1.2 '- Instrumentos e procedimentos ......... - 31 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ••••••••••••••••••••••••••• - 33 5.1 - A vivência da criança na relação com o representante da Instituição ...•.........•..•....• - 53 ....................................... - 73 6. CONCLUSÃO ••• r BI BL IOGRAFI A •••• -••••••• • • • • ANEXOS (1 e 2) - V, .;. • • • • • • • • • • • • • • • I" •••••••••• - 77 ·R E S U M O o presente trabalho visa a uma abordagem do relacib namento mãe-filho nos primeiros anos de vida e sua importância para o desenvolvimento do indivíduo e seu ajustamento poster10r. Na fundamentação teôrica destacam-se os estudos fei tos principalmente por Freud, Spitz e Bowlby. Conforme esses autores as primeiras relações enfre mae e filho são essenciais para um desenvolvimento sadio da criança: o tema deste estudo é justamente investigar os efei tos de uma situação especial onde tais relações sao pr~coc~ mente rompidas, passando a criança a viver numa instituição. Esta investigação ·exigiu·primeiramente um le~antam~n to da literatura existente sobre o assunto, objetivando ·uma fundamentação t~ôrica no referente ao processo de desenvolvimento social e i importância dd papel materno neste desenvol vimento. Por conseguinte, este trabalhb nao trata apenas de simples reflexões pessoais, mas, de leituras sobre diversas teorias que tratam do assunto e.m pauta e de uma pesquisa com criançás que vivem em instituições e, portanto, afastadas do convívio familiar,no sentido de buscar uma confirmação, em nosso meio, das afirmações feitas na~ teorias r~visadas~ assim como de evid~nciar a especificidade do processo de aband~ no e insti tucionalização, com sua origem num contexto familiar e efetivação numa determinada instituição. - VI ... . . o texto da diss~rtação inicia-se pela justificativa do trabalho realizado, definindo-se o problema do estudo como sendo o questionamento .tanto da situação de abandono e separ~ ção da mãe, quanto d'a insti tucionalização em idade precoce. Este problema ~ analisado i luz da revisão bibliogr! fica de estudos feitos por autores brasileiros na d~cada de 75 a 85 e ainda i luz de teorias que tratam dos fatores sociais do desenvolvimento, da relação mãe-filho sob o ingulo psicológico e do papel institucional, em termos da substituiçao da mãe. .. A pesquisa realizada no Educandário Romão Duarte e ap,resentada do pon.to de vista de sua metodologia (estudo de caso). definindo-se os sujeitos, os instrumentos e procedime~. tos. Em seguida, os resultados foram discutidos sob dois pontos de vista: análise da problemática da criança e do con texto institucional; análise discursivá do depoimento de quas funcionárias da R.D .. Finalmente apresentam-se· as conclusões, onde se configuram as '''diferenças'' que a 'separação da mãe e a instituição' . produzem na criança, mostrando-se as implicações psicológicas desses efeitos. - VII - "REsUME" Le présent travail se propose d' élucider la relation mere-enfant dans les premiere années de vie, de considérer son importance pour le dévelopement de l'individu ainsi que pour son ajustement postérieur. Du fondemen t théorique on détache les études de Spitz) de Bowlby et principalement de Freud. D'apr~s· ces auteurs les premiers contacts entre la mere et son enfant sont indis pensables ao sain dêvelopement de l'enfant. Le themede cette êtude est precisément l'·investig~ ~ion des effets d'un~ situation spéciale ou les relations en question sont precocementrbmpues, -1' enfant passant à v:ivre dans une institutioti. Cette investigation a exig~ d'abord une recherthe dans la li ttérature eXlstante sur le sujet, dont l'.objGt serait une théorie fondamentale en rapport au' procedé de dévelopement ·social et à l'importance du rôle maternel dans ce dêvelopement. 11 s'est ddncfait nécessaire tout d'abord le prélevement de la littérature existante sur le sujet dont l'objet serait un fondament thêorique pour le plan social de l'individu, ainsi que pour l'importance du rôle maternel pour le sain dêvelop! ment emotional e social de l·~enfant. . . Par consêquent, ce travail ne s'accupe pas seulement de simples réflexions personelles, m~is d' études sur les diverses théories qui traitent du sujet en question et dun "survey" avec des enfants qui vi vant dans les institution sont pourtant à l'écart de la vie familiale, afin de chercher une confirmation dans notre milieu, d~~ théories etudiées .et, d' ainsi, rendre evidente 'la spécification du prócedé d' abandoll et d'institucionalisation dont l'origine serait le contexte familiale et l' effectivation dans uné insti tution dêterminée • - VIII - La dissertation commence par justifier le trav.Ji1 realizé établissant le probleme de l'étude comme le que:;t jOnement aussibien de la si tuation d' abandon et de séparau on de la mere que de l'internement précoce. Ce probleme est analysé sous l'~gide de la revis)on bibliographique d'études faits par des auteurs brésiliéns en tre 75 e t 85 et aussi à la clarté de théories quitraitcnt du facteur social, du dévelopement de la relation mere-enfant sous I' aspect psychologique et du rôle de I' inst.itution comme capable de ~emplacer la mere. Le travail réalisé dans l'Institut Romão Duarte est présenté sous le point de vue méthodologique (étude de cas) englo~ant sujets, instruments et procédés. Ensuite, des résultats ont été discutés sous deux points de v~e: analyse des problemes de l'anfant et de la réalité institutiohelle; analyse des déclarations ·de deux employés de R.D. Finalemerit les conclusions sont présentées, oü 5urgissent les "différences" que la séparation de la mer.e. et l'institution ~r6duisent sur l'enfant, focalisant les implications de tels effects. ~ r i ! - IX·- 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por finalidade o estudo, atra vés da observação direta, do menor que foi institucionalizado no começo de sua vida, objetivando mostrar as conseqUências que a privação materna total pode ocasionar no de?envolvimen to e no ajustamento emocional dá criança. A iniciativa de realizar tal estudo surgiu a partir de uma visita feita a uma das instituições da FUNABEM desti nada a menores do sexo feminino. Nessa instituição encontram-se adolescentes que foram apanhadas, na rua, pela polícia, cometendo algum delito ou, então internadas pela pr6pria família, por falta de ·r'ecursos· financeiros, ou outros pr~ blemas. Como havia muitas adolescentes grávidas na institui ção, e, quando indagado, um funcionário informou-nos que, uma semana depois do nascimento' os' bebes seriam separados ,de sua!) mães e encaminhados para uma creche pertencente, também, a FUNABEM, permanecendo suas mães na primeira instituição. Po de-se verificar, então, nesta ati tude, uma clara repetição do ciclo de abandono do menOT. Embora tendo mãe, esse menor f!. ca abandonado numa creche com pessoas estranhas para cuidar dele. A estrutura da instituição não permite que a mãe fi que com seu filho para amamentá-lo, cuidá-lo e tê-lo sempre perto de si. Esse fato fez e~ergir o tema escolhido para o presente trabalho. A infância e seus problemas,constituem preocupaçoes que vem sendo abordadas, atualmente, sob vários aspectos. Um deles, estudado por diferentes pesquisadores é a da importâ~ cia da presença e da convivência com a mae ou substituta. , , Considerando a importância do relacionamento mãe-fi lho e a dependência do bebê ao nascer, delimitou-se o assunto como tema do trabalho pretendendo-"se fazer uma abordagem somente daquele menor que foi institucionalizado precocemen- 2 te, ficando portanto , privado do convívio materno totalmente, isto.~, no caso da privação total com a mãe. Virias sao as pesquisas ~xistentes neste campo e os investigadores como Spitz e Bowlby, estre outros, são.unânimes em afirmar que a presença e a convivSncia com a mae sao fundamentais para a vida da criança. Foram observados quais os efeitos causados, pelo afastamento da mãe no desenvolvimepto emocional das crianç~s. o naméro de menores abandonados ~ muito grande e p~ demos notar que muitos deles vivem perambulando pelas ruas, principalmente nas gr~ndes cidades, dando origem a marginal! dade e a delinqUSncia que se alastra por todas as_ partes. A imprensa tem explo!ado o as~unto atrav~s de reportagnes sensacionalistas e at~ o cinema tem aproveitado o tema para. ro teiro de filmes. Tudo ~sto ~ sinal de que a consciSncia da sociedade esti'despert~ndo para tão' grave problema que tem desafiado as autoridades na busca de soluções. A institucio' nalizaçio, na primeira infância, iriclui-se entré estas' solu ções, cabendo no entanto questionar se os benefícios que pr~ porciona compensamos prejuízos proviveis, tais como os inves tigados neste trabalho. ~ possível delinear o quadro decorrente do abandono do menor, em'seus efeitos sobre o indivíduo e nos efeitos da sua conseqUente institucionalização, atrav~s de uma revisão bibliogrifica dos estudos relativos ao -tema, dando-se preferSncia a autores brasileiros, na d~cada de 75 a 85. 3 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Diversos estudos sobre o menor foram realizados. nos últimos tempos denotando a importância do tema. Dos estudos feitos sobre algumas instituições que se destinam a abrigar e educar esse menor, destacar-se-ão com maior ~nfaseaqueles que abordam o menor sob um ângulo onde se analisam o relacio namento entre mãe-filho. uma vez que este é o assunto do pr~ sente estudo. Isabel M.Martins Considera (1982) em sua dissertação de mestrado "A maternidade, as relações mãe-filho e o incoil~. ciente" es tuda a vi v~ncia maternal' em função da mulher como ser psíquico & s~a relação com o filho. O trabalho é narrado e discutido sob o ponto de vista psicanalítico; ,?obretudo." a abordagem do problema est5 limitada a fatorés psicológicos e principalmente aos aspectos afetivos e inconscientes. Res~ me-se na discussão teórica do problema, abordando o interes~' se das diferentes correntes da psicologia com refer~ncia is relaçõ~s entre pais e filhos. mostrando, também, como são im, portantes t para o desenvolvimento. as relações da primeira i~ fância. A autora considera "o ser humano como uma unidade ps! cológica em um meio sócio-cul tural em que as relações nos pr!. . meiros anos de vida'são fundamentais". Conclui que, sendo a mae o primeiro objeto CDm o qual o beb~,se relaciona. representa um agente determinante para a saúde das futuras geraçoes. A mãe deve, nas primeir~s relações com o filho,. fazer com que as experi~ncias boas predominem sobre as más. Todo indivíduo está sujeito a frustrações e a criança deve trans por essas frustrações ajudada pela mãe ,através do contato que manterá com o filho', fazendo-o sentir o mundo como bom. A mãe poderá ser bem ou malsuce~ida em sua tarefa dependendo de suas próprias viv~ncias emocionais inconscientes corresponde~ tes ~ sua infância. , , , ~ Ressaltando as relações sociais, Fróes (1983), em 4 "O choque da inserção sócio-cultural de crianças institucio nalizadas", estuda o problema de crianças que foram abandon~ da.s por suas famílias e qu'e passam, assim, por um processo de afastamento do convívio social. Estas crianças quando atin giam a idade de escolarização e precisavam freqUentar uma esco la da comunidade, apresentavam uma grande dificuldade de ada~ tação e, também. um relacionamento social dif~cil. n~o conse guindo entender e nem obedecer as ordens e limitações impostas, não ~espeitando as imposições de início e término das atividades, não se comportando conforme os padrões comuns d! sejados. O relacionament.o com as professoras e com as demais crianças era repleto de dificuldades, além das crianças da instituição se isolarem do restante da turma formando um gru po à parte. O trabalho visava detectar a causa deste impasse ocorrido entre as crianças da instituição e as escolas da co munidade. Esse im.passe nada mais é do que o início de -um c~ minho de conflitos e choques q~e a ~ria~ça.deveri enfrentar. uma vez que a instituição impõe limites inerentes ao seu pr~ prio sistema, que não são condizentes com·os impostos pela s~ ,ciedade em que as crianças deverão ser devolvidas e reintegr! das um dia. Moraes (1982) em "O desenvolvimento verbal e motor da criança institucionalizada e posteriormente adotada". vo! tando-~e para questõ~s mais específicas, estuda a car~ncia da criança institucionalizada avaliando o atraso verbal e motor que a mesma sofre por súa situação de institucionalização e a sua recuperaçao no caso de ser adotada. Para a realização do objetivo do trabalho. foi feita uma pesquisa onde observou se o comportamento motor de crianças institucionalizadas e a sua recuperação posterior ao ser adotada. Concluiu-se que os pro~lemas da irea v~rbal foram ~ais significativos, em termos de recuperação,nos meninos. Não foram totalmente exclarecidas as razões dos prejuizos da ,parte motora podendo ser por motivos de bloqueios, orjginados por causas cong~nitas ou p! rinatais. O autor destaca, ta~bém, que o d~ficit resultante da institucionalização não foi tão pregnante quanto se esperava. '. ! , . r 5 Gui rado (1980), em "A c riança e a FEBEM" faz uma des crição e uma anilise do trabalho de atendimento feito pela FEBEM. Para tanto baseou-se nos trabalhos principalmente de Bowlby, Rutter e Tizard. Estes estudos permitiram, à autora, uma melhor compreensão do atendimento oferecido às crianças nas instituições destinadas a esse fim. O atendimento é relatado pela autora destacando os diversos aspectos envolvidos nas relações que são mantidas com a criança e a família das mesmas, citando alguns dos estudos ~ais conhecidoi sobre os problemas decorrentes da separação mãe-filho e da interação da criança com a initituição. O trabalho aborda os fatores psicológicos e institucionais na determinação da carência afe tiva e detecta o início de um processo que pode levar ã marginalidade e delinqUência., Um ou tro ângulo do abandono é visto por Meunier (1977 - "Os moleques de Bogoti"). Descreve ,"os, gaminos" (termo or! ginado do francês fIles gamins") que são meninos na faixa et~ ria de cinco a quinze anos. O sistema de organização dos g! '-j minos era o "gaminismo" formado pela ,"gallada", que 'eram gr~ pos de doi,S, três, dez meninos pois assim se sentiam mais for tes, reagrupando-se diante da adversidade e da repressão. Fo, gem da autorid~de e das pancadarias dos pais como também da doença, da monotonia, da desgraça de terem nascido pirias. LEles tentam romper o círculo vicios~ da miséria. Vivem pelas ruas de Bogoti a procura de um golpe a aplicar para ter o que comer. Mendiga~, fumam, bebem, 'riem, cheiram gasolina, como viciados, poi suas virtudes alucinógenas. Possuem como códi go de honra o seguinte: "Não gostamos que nos humilhem" e '''Entre nós, é preciso ser correto". Quem se insurgisse contra esses princípios estava sujeito a severas sançoes. Conforme o progresso vai avançando, vai terminando com os gami nos, embora, alguns consigam sobreviver espalhados pela'cida de sem s'e reunir, entrando numa decadência acelerada que vai até a extinção. As representações tecidas em 'torno do abandono e da institucionalização sao discutidas por Campo~ (1984 - "O me- 6 nor institucionalizado, um desafio para a sociedade"). Rela ta o estudo feito sobre o menor que tem mais de dez anos de institucionalização, fazendo uma abordagem de como esse menor ve a instituição, o que sente como indivIduo marginaliz~do, os diferentes tipos de relacionamento que o menor. tem com os membros da instituição como diretor, professores, inspetores e at6 mesmo com os outros menores. Conforme relata a autora "O processo de socialização vivido dentro da instituição não permite a pos~ibilidade do encontro com o outro, perdurando, assim, o estado de alienação". Relata que a maioria dos menores são provenientes de famIlias socialmente desestruturadas .por diversos motivos. Os alunos, quando deixam a insti tuição para viverem fora, nao conseguem se inserir na sociedade por diferentes fatores, entre os quais o preconceito de ser um "ex-aluno da FUNABEM". Em outros estudos, as pr6prias instituiç6es estio em questão.· Baeta (1980), em "Estudos· de ·instituiçõe.s de atendimento ao menor desassistido na perspectiva de· seus obj~ tivos, metodologia, recursos humanos e da possibilidade de integração desse menor no mercado de trabalho", propõe-se a . estudar os fins visados pelas instituições executoras. dos p~. gramas de atendimento do menor, confrontando os mesmos com as diretrizes que "informam a polItica do Bem-Estar do Menor pr~ posta pela FUNABEM; caracteriza essas ag~ncias; verifica a qualificaçã6 dos recursos humanos e caracteriza o Menor. Con cluiu que os fatores externos sao decisivos para a integração do Menor na sociedade, e, "que apesar de 14 anos de atu~ çao, a FUNABEM não elaborou uma sistemática de ação eficiente .e eficaz no atendimento a sua clientela". Duarte (1978) realizou. estudos sobre "Menores, marginalidade e educação". Analisa o problema do menor carente ou abandonado no Brasil, relacionando-o a teorias correntes de marginalidade social e·is características da política edu cacional e social do paIs. Examina as condiç6es atuais das instituiç6es oficiais e priv~das que comandam e executam a política do bem-estar do menor principalmente em tr~s áreas 7 metropolitanas: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Esttida as virias acepções vigorantes sobre marginalidade so cial, referindo-se' a menores infratores e a comportamentos j~ venis desviantes. Coifronta o ~roblema do Menor com a atual política educacional, sugerindo alternativas de ação. Demo (1,978), em "Menor abandonado: algumas questões do ,ponto de vista político social", aptesenta questões relativas ao menor abandonado sob o ponto d~ vista da política s~ cial. Analisa o impacto da Comissão Parlamentar de Inquérito -- CPI - sob're o Menor, instalada em abril de 1975, de.s tacando as definições de."Menor carenciado" e "Menor abandonado". Aborda alguns' elementos de política social, procura~ do inserir o menor abandonado na rede de ensino e no mercado d'e trabalho. Faz' 'algumas críticas à ação pedagógica. o gra~de n~mer~ de estudos realizados ultimamente, sobre o menor, vêem evidenciar a importância do tema. O intuito deste trabalho não é realizar um levantamento exaustivo desses estudos. Pretende-se apresentar, apenas, uma contribuição para o estudo do problema' dando ênfase ao menor que foi institucionalizado em idade precoce e procurando fazer re~,. saltar o tipo de educação que recebe, os efeitos snbre sua socialização, seu desenvolvimento emocional e sua reintegra-· ção à sociedade de onde foi retirado. ao ficar privado do co~ vívio com .a mãe, não recebendo os estímulos a que tem direito para o seu pleno desenvolvimento. Pela revisão bibliográfica, pode-se concluir que os mecanismos sociais para equacionar o problema do menor, sobretudo no Brasil, levam em' consideração apenas a necessidade. evidente de "abrigar" os abandonados. Em que sentido esses mecanismos,' concretizadOs pe.las insti tuições de amparo ao m~ nor, lidam com a ausência da mãe, do pai, da família e. das relações sociais reais? 8 3. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA' 3.1 - Fatores sooiais do desenvoZvimento Sabemos através da etologia que, entre os animais, o filhote ji nasce equipado com urna s6rie de comportamentos que são usados para conservara proximidade da mãe, com6 pbr exemplo agarrar~se a ela, correr a seu lado, segui-la, nadar junto dela etc.. A função principal desses comportamentos é a preservação do indivíduo e também da própria espécie. O homem, ao contriri0 1 nasce desprovido desses meca n.ismos comportamentais e demora bem mais tempo para adquirílos, urna vez que riasce totatmente dependente, sendo entre to das as esp€cies o m~is imaturo e o' mais dependente, nao con seguindo sobreviver so~inho .tend6 necessidade, portanto, dos cuidados da mãe ou de outra pessoa que a substitua para que possa crescer e alcançar seu pleno desenvolvimento. O ser humano, quando nasce, conta apenas com seu cho ro corno 6nico meio para chamar o "a~u1to para perto de si .. En· tão, estar sozinho, privado de estímulos táteis, visuais e auditivos ~ em especial com outros seres humanos representa 'pa' ra o beb~ um. desconforto semelhante a estar com frio ou com fome. portanto, o bebê usa seu choro para poder manter a pr~' ximidade com o adulto. A criança tem necessidade de estar" perto de alguém conhecido, de alguma pessoa que sej a "seu obj~ to de apego, a quem ela esteja ligada afetivamente para se sentir segura. Nas palavras de Schneider (1978): "O recém-nascido, que nao tem experiência social, reage aos estímulos novos in ternos e externos com as respos tas herdadas, cong~ni tas' e adqu~r.idas no a~biente uterino, como reflexos faciais e"motr! zes, ou a agitação motqra generalizada e descoordenada, ou o choro esboçado ou pleno, resultantes de um processo evolutivo filogenético ou ontogenêtico de adaptação ao meio. Tais 9 reaçoes tendem a suscitar o amparo dos pais ou seus substitu tos, apoio ambiental que ~ a garantia ~nica da sobreviv~ncia no caso humano e de numerosas esp6cies. Reage, pois? o recém-nascido como dependente do meio e consegue assim o amparo materno' subitamente rompido com o nascimento. Continua a faz~-lo instilltiva,reflexa, congenitamente e numa possível aprendizagem simples e rudimentar fe tal, com movimentos de cabeça, braços e pernas a esmo, antes de qualquer aprendizagem social, mas em função de'uma necessária assist~ncia social". o desenvolvimento social e afetivo da criança e a sua capacidade de amar tem seu início na relação que o beb~ estabelece com a figu'ra materna. Quando se fala em figura ~ terna substituta, trata~se daquela' pessoa"que assumiu a responsabilidade de cuidar do beb~ como se fosse a própria mae~ ou seja, a mãe adotiva. Não são' consideradas figuras mater . nas as pessoas que eventualmente ~uidam da criança, como en-" fermeiras, freiras, babás etc. de insti tuições que abrigam m~ nores abandonados. Essas pessoas não podem ser consideradas como substitutas maternas pela grande rotatividade, uma vez que se revesam constántemente, não atendendo a criança em sua~ necessidades afetivas, ocasionando, assim, uma s6rie de distúrbios como os que iremos descrever no decorrer do traba lho. , A relação mãe-filho sendo a primeira relação social, torna-se~ por isso muito importante, pois dela dependem as futuras relações sociais e todo o desenvolvimento social do ser humano: Diversos sentimentos são deslocados para a rel~ çao mãe-filho a partir do momento em que fica estabelecida . . A mãe exerce um papel importante' em termos de expectativas, satisfação de necessidades e frustrações para a criança. Po demos observar, desde o nascimento, respostas de agrado e de sagrado no beb~. . , A mae satisfaz as necessidades básicas da criança; ,i 10 como alimentação, alI~io de dores, proporcionando conforto e estimulação tâtil. Algumas dessas satisfações são fornecidas quando a mãe alimenta o seu bebê dando-lhe calor e aconchego. Portanto, a presença da mae ~ associada ~ satisfação de necessidades; logo, a criança aprende a procurar a mãe sempre que se sentir em situação de desconforto. Caso a mãe atenda prontamente ~s necessidades da criança, estarâ recompensando as reaçoes de aproximação que logo se repetirão.' Quando as reações de aproximação são positivas, natur~lmente, se este~ derão às demais pessoas, isto é, a criança'desenvolverá ati tudes sociaisfavorâveis em relação aos outros. agindo de mo do amistoso e expansivo. Sendo, assim, .as interações . entre a mãe e a criança formam a base para as suas futuras relações sociais, (Mussen, 1972). Mussen (1972) citando Erik Erikson que considefa o primeiro ano de vida do bebê como sendo um período para o de senvolvimento da confiança em ou~ras pessoas; logo, o bebê ., que não recebe amor e carinho suficientes durante esse perl~ do poderâ, em conseqUência, não adquirir confiança e conservar-se-â permanentemente incapaci tado para as relações sociais. Uma criança que. não consegue desenvolver a sua auto-confiança e a confiança nos demais, durante os seus primeiros anos de vida, provavelmente será um indivIduo emocionalmente ins tável e desajustado durante a sua vida. . I A estimulação ambiental tem grande influência na aprendizagem social levando-se em consideração que muitas das necessidades e motivàções importantes das crianças e adultos são aprendidas em conseqUência da experiência, como a necessidade de amor materno, de posição social e de realização de. sucesso financeiro. A fome e a sede são necessidades biol5 gicas básicas de um bebê que não são satisfeitas automaticamente. Sendo assim, ~ preciso para sua satisfação o auXílio de outra pessoa. Caso' essas necessidades não sejam logo ate!! didas as tensões do bebê tornar-se-ã~ intensas e dolorosas. Essas experiências iniciais são muito importantes para o bebê. e podem ter efeitos duradouros sobre o desenvolvimento da 11 personalidade. 'Georges Simmel, interessou-se por pesquisas sociolá gicas no grupo mãe~fiiho, subli~hando que ~ neste relacionamento que se poderá encontrar a semente de todo o desenvolvi mento ulterior das relações sociais. O meio cultural tamb~m influi' sobre a çriança desde o seu nascimento. Este fato não se pode negar, pois estamos cientes, t'ambém, "que em nossa cul tUra ~ a mãe quem transmite i criança os valores soci~is e culturais atrav~s da relação mãe-filho. A mãe é a representante do ambiente que a 'criança vai assimilando. Quando.a c~iança não conta com o afeto da ~ãe ou de figuras estáveis como a substituta, is·to ~ -- nao pode contar com os elementos que todo ser humano encontra em sua família -- pode se estabe l"ecer um desvio violento com relação ao seu. ambiente natLlral. Isto indu~, evidentemente, a um desvio no desenvolvimento da capacidade de .formar ví~c~los afetivos, como ~ o caso das c"rianças de orfanato que, embora estej am alimentadas, vesti das, limpas, sofrem a falta da pessoa a quem p~ssam ligar-seafetivamente. Falta-lhes o vínculo afetivo bisicopara o ~! .. senvolvimento afetivo-social do in~ivíduo adulto. Essa lig! çao afetiva da criança depende de sua maturidade neurológica,. uma vez que só ocorre depois de certa idade, aproximadamente dos 7 meses aos 3 anos, mais .ou menos. Em todo ser humano, existe uma programação gen~tica de instinto e uma de aprend! zagem. Sabemos assim que todo ser humano nasce com a predi!. posição. para S& relacionar com outros seres humanos, caracte rizando-se como um ser essencialmente social. 3.2 - O pape"l da mae no 'referente' aos aspeatos psiao "lóg,i-. aos do desenvo"lvimento Freud foi um dos primeiros a salientar a importância da relação mãe-fi~ho, pois s~gundo ele, ao nascer, o indivíduo é incapaz de manter-se vivo por seus próprios meios sen do o recém-nascido basicamente instint'o. De certo modo, o homem nasce "prematuro", isto é, com os instintos menos dife 12 renciados do que os dos outros animais; logo, ao nascer, bebê acha~se em um estado de total dependência da mae. o Para Freud os cinco primeiros anos de vida sao fundamentais para a estruturação da personalidade. As fantasias típicas encontradas pela pSicanálise levaram-no a fonnular a existência de esque~as inconscientes que transcendem ã vi vência individual, uma vez que o indiv!duo já nas~e' com eles - sao "conhecimentos a priori", prévios ao na,scimento do s~ j ei to, que seriam herd'ados filogeneticamente: as "protofant~ sias". Os conheciment'Os "a posteriori" são adquiridos ao 10~ g~ da ex~stência do indivíduo ~ são as experiências, enquanto que esses "esquemas" já nascem com o sujeito, podendo estar em conflito com a experiência~ Virios textos reservam lugar para coÍl. teúdos filogenéticos que tons ti tui riam o ",núcleo do inconsciente", sob a forma de "fantasias, originirias" incon~ cientes, pré-verbais a que Freud chamou de "inconsciente uni versal"', de certa forma equivalente ao "i'nconsciente coletivo" de Jung. Embora o recém-nascido já traga cons igo as pr~ tofantasias, acha-se em um estado indiferenciado e todas' as suas funções, inclus i ve as ins t int i vas, i Tão se diferenciando a seguir por meio de um processo que terá origem na maturação e na aprendiz agem,., <', ' ' Freud também foi o primeiro a estudar a sexualidade infantil e a cha,mar atenção para seu grande significado e pa ra o que ela representa na vida do indivíduo~ Sublinha, ai~ da, o papel que a ~ãe representa para a criança durante esse per!odo do desenvolvimento sexual, uma vez que a mãe é o pri meiro objeto da libido. Dois fatores contribuiram, prepond~ rantemente, para que se ignorasse' a sexualidade infantil: por' um lado, a época vitoriana em que as pessoas viviam, cercadas por tabus culturais e, por outro, a amnésia que faz com que desapareça da memória, da maior parte das pessoas, os pri. meiros anos de experiên~ias sexuais infantis. Essas experiên cias se tornam recalcadas l • Freud considerou o organismo i~ termo "recalcad~s" é usado por Laplanche/Pontalis, em lugar de "repr.!. mídas" usado pela Edição Standard Brasileira. lO 13 fantil como uma central de energias sexuais e agressivas. Mostrou que a sexualidade se desenvolve por etapas a que ch! mou de fases ou estigios. Chegou ã conclusio da exist~ncia de organizações pré~genitais da vida sexual infantil, através da anilise de seus pacientes neur6ticos. Usou o nome de pr! genitais para essas organizações porque estio em desenvolvi~ mento, quando as zonas genitais nio assumiram ainda o seu p! pel principal, que é a funçioreprodutora. Para alcançar a maturidade sexual, o indivíduo deve passar pelas diversas fas~s do desenvolvimento sexual. e pr~ ciso que a cri~nça, em seu desenvolvimento, ultrapasse as fa . . ses oral, anal, filica e entre, entio, num período a que Freud chamou de "período de lat~ncia", para assim alcançar a Gltima fase que é a genital. Quando ocorrem fatores que in~ terf3rem no de~envolvimento de uma das fases, a libido pode. se fixar ou desviar na'escolha do objeto sexual, causando ~ranstornos na vida adulta do indivíduo. A primeira fase é usualmente designada por estigio oral, onde o seio materno é o objeto de de~ejo sexual do beb~. Além da satisfaçãose~ual a criança satisfaz primeiro uma outra pulsão 1 que é a fome. Portanto ,. nesta fase a ativi dade sexual esti associada a ingestão de alimentos. Em prin~ cípio o bebê se s~nte gratificado pela a~imentaçio, mas logo percebe que a p~6pria'sucçio lhe causa prazer e, entio, pode substituir o seio mat~rno pelo seu polegar, desligando. as~ sim, a atividade nutritiva da atividade sexual. O beb~ subs titui o objeto estranho o seio materno ~- por outro situa do em seu pr6prio corpo o seu polegar. Quando passa a usar seu próprio corpo para obter prazer, sua conduta ê auto~eró~ tica. Nesta fase .a libido esti situada na mucosa da boca; sendo assim, a b'oca e ·os libios constituem as zonas erógenas. e uma fase.incorporativa; pois o beb~ incorpora alimentação podendo sugar e ingerir líquido~ apropriados. Começa também I • t t If I I I. t, lI'pulsão" ê usado por Laplanche/Pontalis, em lugar de "instinto" pela Ediçãº.Standard Brasileira. " usado t· I. ,t· 14 a "incorporar", com os olhos, todo objeto que se apresenta em seu campo visual, principalmente o rosto materno na· hora da amamentação, (refere-s:e"a fase ~rall). K.Abraham fez uma subdivisão da fase em .orall e oral2,. Sendo a primeira fase chamada "de sucção" e a segunda de "oral sádica", a qual começa quando aparecem os dentes e a ·atividade de morder, sentindo a criança prazer em m6rder e devorar, o que implica numa destruição do objeto. Os olhos, que at6 então ~aziam parte de um sistema passivo, isto 6, de apenas receber impressões de objetos, agora já sabem enfocar e isolar objetos que.emergem de um fundo nebuloso e at6 açom panhá-los. A audição tamb6m começa a discriminar os sons, a lpcalizã-lose a criança passa at6 a tomar posições mais ade quadas como por eiemplo, livantar a cabeça ou o tronco, em busca da fonte sonora. Os braços já se estendem e as maos ~ g~m objetos de um mrido mais .intericiona1. Para M.Klein o sadismo oral é o momento culminantedo sadismo ·infantil. Embora conteste-K.Abraham quando ~ste faz a di~tinção em f~se oral de sucção e fase oral canibal!! tica, ela considera a fase oral co~o sendo uma fase oral sá-o dica porque as tendências sádicas intervêm imediatamente, 'ao contrãrio . de K.Abraham que considera o sadismo como uma seg~ da etapa. A "agressividade", para Klein, faz parte da relação' mais precoce da criança com o seio materno, embora ne.ssa fase ela ainda não se manifeste pela mordedura. A segunda fase de evolução 1ibidinal é a fase anal,' caracteriza.da pela libido na zona erôgena anal. A criança aprende que existe outra fonte.de prazer relacionada com a excreção-retenção. de urina e. fezes. Nesta fase já existe unia opos.1ção em termos de uma dicotomia que perdura durante'toda a vida sexual: se cons~itui na polaridade "atividade-passiv!, dade". "Atividade" coincide com o sadismo, representado pelo 15 instinto de domínio, por meio da musculatura somática; e a passividade coincide com o erotismo anal representado pela membrana mucosa anal. Os objetos não são idênticos existindo para cada pulsã6 uma fonte distinta. Na fase anal, a defecação representa o modo de rela cionamento da criança com o mundo, sendo sua primeira exper! ência com o controle de uma pulsão. A princípio a criança e~ pele suas fezes e urina de maniera mais ou menos automática e, gradualmente, vai sendo "educada" pela mãe. E induzida a renunciar a satisfação na excreção.' A criança se preocupa com ,os sentimentos e'em~ções, agradáveis relacionados com os processos de retenção e expulsão das fazes. O prazer erótico anal pode ser complicado por crises de ansiedade causadas pela pressão externa, isto 6, a maneira como a mãe vai agir durante {) treinamento da criança será fundamental no desenvol vimento do caráter anal. J Certos traços relativos ao caráter anal têm como con seqUência a maneira como o bebê se relaciona com o' 'objetq que ~ representado pela mãe ou s~a 'substituta. Sendo a mae ,muito rigo~osa e r~pressiva, exigindo muita higiene d~ cria~ , ça, cedo demais, pode le~á-la mais ~acilmente a reter as fezes; ou frente a medidas repressivas intensas, a criança p~ de reagir com a expulsão das fezes em horas impróprias. Os traços de caráter de retenção anal estão ligados a acumulação de coisas, especialmente de dinhei ro, ã avareza. Os traços ,expulsivos estão ligados a crueldade. destrutivid~ de etc. Da mesma maneira que o sadismo corresponde, na fase oral, ã tendência que o bebê tem de morder e destruir com os dentes, decorrente da frustraçãp do desmame, na fase anal o sadismo anal 6 decorrente da repressão das manifestações de indisciplina na defecação. Abraham propBs, tamb~m, a 'divisão da fase anal-sádi ca em dois.períodos, onde distinguiu dois tipos de comportamento opostos ao objeto: primeiro o erotismo anal está liga- 16 .. .. do a evacuaçao·e a pulsão sádica a destruição do objeto; se gundo, o erotismo anal está ligado a retenção e a pulsão sadica ao controle possessivo. Todo procedimento relativo a evacuação se torna agradável por causa da sensação de bem es tar que se segue. No começo da vida, essa sensação deve co~ pensar as tensões que o beb~ experimenta antes que os intestinos consigam·cumprir sua tarefa. ~ .. Após as fases oral e anal, ternos a tercei·ra fase pr.§. genital que é a fase fálica. E um período de desenvolvimento sexual infantil marc~dopelo interesse associado ao falo. A orientação sexualé· fálica e se desenvolve com o interesse cen trado no órgão genital masculino. A fase fálica é caracterizada pela zona erógena pr~ domina~t~mente l~calizada nos órgãos sexuais. Quando ess~ terceira fase é alcançada, as zonas genitais, propriamente d! tas, contribuem com sua 'parcela para a determinação da vida. sexual do indivíduo. E nessa fase que a criança coineça a pe.!, ceber a diferença anatõmica entre os sexos e, ao tornar conhe cimento de~sa dIferença passa por mais um confli to: no menino . desenvolve-se o medo da castração e na menina a inveja do p~ nis. O .próprio Freud. admi te haver 'insufici~ncia de conhecimentos com relação ao desenvolvimento sexual da menina, uma vez que não ficou muito bem explicado o desenvolvimento femi nino na fa'se fálica. Até aqui a relação da criança com o mun do foi através da figura materna, sendo a relação de depend~n cia, por parte da criança, muito forte, levando-se em consideração que a mãe representa a fonte maior de satisfação das necessidades da criança. A partir daí a criança toma conhecimento de seus órgãos sexuais, da diferença entre os sexos e da figura. do p.ai corno ri vaI no amor da mae. Tem início o complexo de Edipo. Por essa época.já se desenvolve, no meni no, um desejo sexual com relação ã mãe e um desejo de morte do ri va.l que é o pai. Quándo o menino descobre a falta do p~ nis na menina, conclui que e~te lhe foi tirado por causa de seus desejos incestuosos com relação ã' mãe, e então, apodera se dele o complexo de castração. Conforme o menino cresce, 17 seus desejos "edípicos" aumentam e sao expressos através de desejos de dormir com a mãe, de casar com ela, de estar presente na hora de sua toalete. Esses desejos levam a diversas fantasias que manifestam à violação e ao assassínio, resu~trul do daí um" grande sentimento de culpa. Diferentes fatores provocam o declínio do Complexo de ~dipo. No menino a ameaça de ser castrado pelo pai coloca-o diante da alternativa "possuir um falo ou ser castrado"; então, prefere renunciar ao objeto incestuoso. Chega, desse modo, o final do Complexo de ~dipo que marca a entrada no p~ ríodo de ·lat~ncia. Esses tr~s primeiros estágios sao, para Freud, os principai~ na estruturação da personalidade, sendo também as fases e~"que a figura materna torna-se muito importante", por. ser ela o principal agente externo a atuar junto à criança f~ cilitando ou dificultando as viv~ncias'con~lituosas pelas Podemos quais a criança passará até alcançar a maturidade. notar a importância da mãe como nutriz durante a fase' oral (objeto oral). Para o menino durante a fase fálica no Compl~ "xode ~dipó (objeto fálico); corno modelo de identificaç~o (obj~ " to perdido) . Spitz (1973) considera as relações entre maee filho corno sendo d~ urna depend~ncia completa por parte da criança, durante o decorrer do primeiro ano. O beb~ passará por um estado de simbiose com a mãe e terminará num estado em que ~ relações hierárquicas se desenvolvem. Outro aspecto que, tam bém deve ser considerado na relação mãe-filho, está na diferença profunda entre a estrutura psíquica da mãe e a da cria~ ça, pois segúndo Spitz "os dois. fatores em interação, consi~ tem portanto em urna mãe com urna individualidade formada e um filho .com uma individualidade em formação". Spitz (1973) estudou as alterações que a car~ncia afetiva produziu em 91 crianças residentes em orfanato, com " privação total do convívio materno. Essas crianças foram 18 criadas com suas maes amamentando-as durante os tr~s prime! rosmeses de idade, no fim dos. qU,ais foram desmamadas. Duran te esse p~ríodo, désenvolveram-se.normalmente conforme a m~ dia das crianças normais. Ap6s o terceiro m~s ficaram sob a responsabilidade de uma enfermeira que tinha 19 crianças, ou às vezes mais, aos seus cuidados. As crianças recebiam tratamento físico s.atisfat6rio como nutrição, acomodação, cuid~ dos de higiene' etc. Por~m, a parte emoc ional' era de car~ncia cómpleta, levando-se em cons ideração o g.rande número de' crian ças para uma s9 pessoa cuidar. .. Depois da s~paraçao da mae. as crianças passavam por um período em que apresentavam certas características a que Spitz chamou de "depressão.anaclítica". pela semelhança que a~resent~vam com ~ quadro clínico da depressão do adulto. A depressão anaclítica determina perturbações caractero16gicas graves, chegando a t~ a' inval idez' co.mpl eta da capacidade de aàaptação social. Quando a privação ~aterna se di antes dos seis meses de idade, a criança responde com o q~adro da depressao anaclítica. São os seguintes os sin~o~as da depressão anaclí~i-. ca descritos por Spitz (1973): no primeiro m~s ap6s' a separ~ çao a criánça torna-se chorona, exigente, agarra qualquerpe~' soa que entra em contato com ela. No segundo m~s de separação, os choros se transformam em guinchos e a criança perde. peso.Hi parada no seu desenvolvimento. No terceiro m~s a· criança reCU6a contatos, permanecendo grande parte do tempo deitada sobre o ventre. t~m insônia, a perda de peso continua e hi 'uma tend~ncia a contrair doenças, uma generalização· do retardamento motor, rigidez' da expres~ão facial. Ap6s o ter· ceiro mês estabelece-se a rigidez do rosto e o choro ~ substituido por gemidos, aumenta o retardamento motor e ocorre a letargia. Logo depois desse período de "depressão anaclítica" notava-se um retardo motor evidente e as crianças eram tomadas de uma grande passividade, ficando prostradas em suas ca 19 mas, com o rosto sem expressão, com um ar de imbec'ilidade, fi cando a coordenação ocular, geralmente, defeituosa, Passavam a movimentos desordenados dos dedos como os movimentos cata t6nicos ou dos portadores ,de lesão cerebral, A resist~ncia dessas crianças às infecções diminuia consideravelmente e a deterioração progressiva conduzia-as ao marasmo e à morte em 'elevada porcentagem. Segundo Spitz (1973), essas crianças, afetivamente carentes por estarem privadas de relações objetais, entram em depressão anaclítica e, então, pode-se observar que a co~ seqU~ncia desta aus~ncia das relações objetais, é um retardo no des~nvolvimento de todos os aspectos da personalidade. Sabendo-se do importante papel das relações objetais no desenvolvim~nto, entende-se como a privação total do rela cionamento com a mãe impede a formação dessas relações, esta belecendo-se a privação do prazer com o outro. de tal modo que as crianças voltam a agressão contra si mesmas, pois es-' te é o único objeto que lhes resta. Todas as suas atividades auto~er6ticas cessam, inclusive o chupar o dedo. Poder-se-ia dizer que a criança volta ao narcisismo primário: nem se quer pode u~ar'seu"pr6prio corpo como objeto, como acontece no auto-erotismo. " A depressão anaclítica e o hospitali~ mo demonstram que a' aus~ncia de relações objetais e a car~n cia afetiva det~m o desenvolvimento em todos os setores da personalidade. Quando não existem relações objetais, a descarga dos impulsos agressivos torna-se impossivel, e a criàn ça volta a agressão ~ontra si mesma', Torna-se incapaz de as similar a comida, "torna-se vítima de ins6nia, ataca a si mes ma dando cabeçadas contra as grades do berço, arrancando seus pr6prios cabelos. Essas crianças sofrem uma deteriorização progressiva de todat as'suas atividades e são levadas ao marasmo e a morte. A impressão que se tem das crianças que e~ tão no'marasmo ~ que seus impulso~ libidinais são desviados para manter a sua' força vital que vai se debilitando. Muitos ou'tros autores falam dos efeitos sofridos p~ " k ~ f l ,t ' 20 las crianças em situaç5es especialmente prejudiciais ao seu desenvolvimento. O "institucionalismo psicológico" descrito por Bettelheim e Sylvester, síndrome de car~ncia emocional observada em crianças de orfanatos, decorre de relações emo-_ cionai~ distantes e impessoais entre as crianças e as pessoas que cuidam das mesmas. Essas pessoas são vistas como regul~ dores e controladores do comportamento e não como modelos a imitar e incorporar. Nas instituições há sempre um clima de submissão que ~ recompensado-e qualquer reaçao .ou iniciativa são tolhidas pois são comportamentos vistos como perturbadores da ordem e passíveis de punição. A vida na instituição ~ monótona e r~ tineira, resume-se a só cumprir ordens, horários e tarefas propostas e controladas, to~na-se. portanto, desumana e fora da realidade da vida em família. Anna Freud em suas obseryações feitas em crianç~p~ quenas educadas em orfanatos e cuidadas por várias ~nfermei~ ras que se revesavam constantemente, verificou -que essas crian ças nãb se ligavam a uma pesso~ maternal, mas havia uma tendência a formar .o que Sp~tz chamaria de "gang" maternal. Margareth Mead, ao descrever a cultura dos Samaas, fala sobre o modo de educar as crianças, onde há multiplicidade de -pe'ssoas para cuidar dos beb~s, podendo-se por isso mesmo observar que aí existe Uma difusão das relações objetais. Mussen (1963) quando fala sobre o desenvolvimento da_ fala infantil e cita como exemplo os bebês abaixo de seis me ses vivendo, em amb-iente não estimulante de orfanato, compar~ dos com os que vivem no seio da família, mostrando como tendem a atrasar-se -na freqUência, na quantidade e tipos de"sons emitidos. Esses efeit6s podem persistir. Foi comprovada a restrição da capacidade verbal em cr~anças que passaram os três primeiros anos em orfanatos, só sendo superável após um . período de escolaridade normal, de vida familiar e de expe" 21 riências comunitirias. Bowlby (1981) ,.tamb~m estudou os efeitos da separ! çao materna em crianças, numa idade precoce, chegando a resul tados descri tos por virios. pesquisadores. Descreveu sua obser vação em crianças com privação total, como ~ o caso das crian ças in~titucion~lizadas. Segundo este autor a privação total' pode provocar graves conseq~ências. Para ele, ~ essencial i sa~de mental do bebê que esté tenha com sua mae uma relação calorosa, ínt~ma e contínua. Deve ser uma relação complexa, rica e com pensadora na qual ambos, mãe e filho, encontrem satisfação e prazer. Os c'asos desc ri tos por Bowlby ."são de crianças que sofrem a privaçãó' total, sendo abandonadas, emocionalmente e ficam sem.receber atenção. Faltou-lhes exatamente o ti~o de cuidados que uma mãe di.sem pensar. Essas crianças forampri vadas de todas as carícias brincadeiras, da intimidade da amamentação através da qual a criança conhece o conforto docorpo materno, dos rituais do banho e- do vestir com os quais, atrav~s do orgulho e carinhos ~aternos para com os pequenos membros,.o bebê apreende seu próprio valor. O amor e o pra-, zer que a mãe tem com ele representam seu alimento espiritual. Uma mae pToporciona as substâncias alimentícias necessárias· em seü próprio leite, exatamente na combinação correta, sem ter que recorrer a fórmulas químicas" Cp. 17). e Bow1by (1981) denomina "privação da mãe" a situação em que o bebê não encontra o.tipo de relação descrito acima, abrangendo um grande n~mero de casos diferentes. Pode ocorrer essa privação, at~ com'crianças que vivam com suas maes. ou mães substitutas, quando estas são incapazes de proporci~ nar o amor necessário aos filhos. Bowlby descreve a "priv! ção parcial", que são os casos de c rianças que freqUentam cr~ ches residenciai~, ou ctlanças hospitalizadas que recehem a visita da mae, e a "privação total" quando a criança ê abandonada em instituições' ficando privada, totalmente, do convi vio materno, sem ter uma pessoa determinada para cuidar dela, 22 com quem possa se sentir segura. Essa privação total poderi resultar em distúrbios nervosos e numa personalidade instavel, podendo afetar a capacidade de estabelecer relações com outras . pessoas. Dependend~ da resposta' d~ criança, em face da priv! çao, ela podera reagir a essas perturbações. Como exemplo Bowlby cita um estudo feito com 102 infratores reincidentes de uma escola pública inglesa, onde os sujeitos estavam na faixa eti ria entre 15 e 16 anos. Através deste .estudo, verificou-se que as angústias provocadas por relações de desamor napriffiei ra infância predispõe as crianças a reaçoes anti-sociais fre~ te às tensões.' Foi constatado que grande parte das situações de angústia precoce, entre os sujeitos pesquisados, tinham ~o, . mo aspecto específico'. a privação materna no princípio da vida, quando os sujeitos eram ainda bebês. Bowlby lembra também um outro estudo feita. com sere~ humanos e animais, durante o período feta~, onde foram observadas provas de que mudança,s pre· judiciais no ambiente podem provocar pertubações no crescimen to e desenvolvimento do feto', iguais is que eram atribuidas i hereditariedade. , 19ualmente Freud,em sua teoria, atribui as origens de distúrbios mentais a acontecimentos do princípio da vida do indivíduo~ Sabemos da influ~nci~ negativa de fatores heredi~ tarios no ,desenvolvimento do ser'humano, através de diversas descobertas. Da mesma forma, as, experiênclas emocionais em determina~os'períodos da vida bastante precoce podem acarretar efeitos danosos e duradouros. Podemos observar também compor tamentos em animais como passaros que ficam afeiçoados a quem cuida deles logo que nascem, tornando-se profundaménte apega~ dos a essas pessoas. Os etologistas descreveram 6 comportamen to de patinhos recém-nascid.os que seguem o primeiro objeto mó vel' que passa por eles. ~ o fenômeno chamado de "imprintmg"'. Assim tamoém as experiências feitas por Harlow com macacos cria dos com a "mãe de veludo" contribuem para podermos concluir que até os animais passam a se ligar afetivamente ao objeto, mesmo que ele nio alivie nem reduza sua dor, fome ou desconforto. Este fenômeno pode ser explicado em razão de cada es pécie ji nascer equipada com uma série de respostas que seriam 23 eliciadas logo após o naseimento. O bebê também possui esses "reflexos complexos" em resposta aos estímulos do meio. Os objetos que eliciam as r.espostas,passam efetivamente a ser . . objeto de ligação afetiva, isto é, objeto de "apego". Portan to, tudo que acontece com um b~bê nos primeiros anos de sua v! da pode ter efeitos profundos e duradouros. Bowlby (1981) e~ ti con~encido da absoluta necessidade que a criança tem dos cuidados contínuos de uma mae ou substituta, rios três p~ime! rds anos de vida. Este autor resume assim as evidência~ que fundamentam ta~ convicção: "São inúmeras as .fontes que dão provas de que a pr:iv~ çao do amor materno, na primeira infância, pode ter efeitos duradouros sobre a saúd~ mental e o desenvolvimento da person~lidade nos seres' humanos.' Podemos classifica-las em três ti pos principais: a) Estudos, através' da observação direta,.da saúde mental e do desenvolvimento em crianças de insti-_ tuições, hospitais e lare~ substitutos; chamados aqui de estudos. diretos~ b) Estudos que investigam 'a história pregressa de' ado lesómtes ou adul tos que desenvolveram problemas. psicológicos; chamados aqui de estudos retrospectivos. c) Estudos que acompanham grupos de crianças que sofreram privação em seus primeiros anos de ·vida,. com ri objetivo de determinar seu estado de saúde mental; a estes chamamos estudos de acompanhamento",. (Bowlby, 1981, p. 21). Tais estudos foram realizados por pessoas de várias naço~s e de diferentes ~speci~lizações, desconhecendo os resultados umas das outras; porém, todos foram unânimes em suas conclusões, havendo poutas divergências. 24 Bow1by (1981) foi categórico ao afirmar que: "Os es tudos diretos são os mais numerosos. Eles deixam claro que, quando uma criança é privada dos cuidados maternos, o seu de senvolvimento é quase sempre retardado -- física, inte1e~tual e socialmente - e que podem aparecer sintomas de doença físi ca e mental" (Bowlby, 1981, p. 22). Podem-se observar vârios sintomas. Entre eles consta tou-se que a criança, sofrendo privação precoce, pode deixar de sorrir para o rosto humano. Pode, também dei~ar de reagir quando alguém brinca. com ela, tem inapetência ou mesmo quando se alimenta bem não aum~nta o seu peso, costuma terins6nia e nao possui iniciativa. Em um estudo feit6 com bebês que se achavam interna- . foi dos em 'orfanato desde o seu nascimento ate seis meses,' observado seu choro e balbucio, constatando-se que vocalizavam menos que os bebês que viviam com suas' famílias. Este atraso. pode ser notado antes mesmo dos dois meses. Seria possível continuar a relatar uma serie de resul tados de pesquisa que confirmam os efeitos decisivos da priv~ ção de cuidados maternos, na infância, sobre o desenvolvimento e a personalidade da criança. No presente trabalho, o in teresse é destacar como conclusão principal que a privação t~ tal da mãe. interfere praticamente em todos os planos de dese~ volvimento infantil - físico, c,ognitivo, verbal, social, af~ tivo -- produ~indo uma organização da personalidade de tal m~ do precári.a que e impossível deixar de esperar desajustamentos graves na adolescência e na idade adulta. ( 'I 3.3 -,Aspectos institucionais Erente a estas constatações, passam a ser extremame~ te problem~ticas as soluções'de atendimento pelas instituições que recebem crianças abandonadas na primeira infância. Encar 25 regadas de cuidar de individuos sem familia, ou cuj~ familia ~ incapaz de assumir a responsabilidade de crii-Ios, atribuem se uma função social de grande relevância, mas ocupam um lu~ar ji, desde Q inicio, marcado por essa condição tão crítica, ~ue.6 a falta da mãe. Inevitalvemente, instituições como a ~studada no presente trabalho (Romão Duarte) terão que enfren :ar duas "missões": abrigar as crianças que, sem elas, correriam o risco de morrer por falta de alimentação (sem" falar de ,:utras "fal tas") e cuidar das crianças no sentido de preencher o vazio deixado pelo afastamento da mãe. No entant~, sao jU! :amente estas instituições que simbolizam a privação total da ~ãe, ao mesmo tempo em que a sociedade lhes delega a missão ~e cuidar de quem 6 abandonado pela familia e"m última anilise, de quem "não tem mãe", mesmo quando têm mãe, mesmo qua!! ':0 não é .órfão. " " A separação da mae é confirmada, assim pela própria existência desse tipo de "instituição. N~o se pode dizer qu~ a instituição, ou as pessoas que t-rab-alha'm "na insti tuição, s~. jam "figuras maternas substitutas", como já se discutiu ante riormente (p. 9) Al6m disso t-ra"tando- se "de "ins t i tuições totais", is to é., locais onde os "internos" ficam excluidos radicalmente das" relações sociais que constituem a "sua" sociedade, o am':" biente que oferecem às crianças acentuará sem dúvida os pr~ juízos advindos da separação da mae. ~ desse modo que, como se viu no item anterior, as instituições tais como os orfanatos constituem o campo "privi legiado" dos estudos sobre os efeitos psicológicos da privação total da mae. ~ ai, nessas instituições, que se descobre, de . modo até cruel, que as crianças chegam a morrer, ao serem afas tadas da mãe e ao não receberem qual<1.uer compensaçao afetiva por esse afastamento. Relendo estes estudos, feitos sob' um ponto de vis " • ta sobretudo psicológico; é possivel retratar a instituição " , ~ I . 26 vendo-a atrav~s de suas caracteristicas pr6prias, caracteris ticas capazes de reforçar (e não compensar) os efeitos da separação da mãe: como por exemplo relaç6es emocionais distantes e i~pessoais como as citadas por Bettelheim e Sylvester; ,o grande número de crianças para uma só pessoa cuidar, leva~ do a uma car~ncia emocionalco~pleta (Spitz); vida mon6tona e rotineira, tornando-se desumana e fora da realidade da vida em familia; há quase sempre um clima de contr'ole constante e uma submissão que ~ reforçada e ~stimulada, onde as iniciativas sao reprimidas como perturbadoras da ordem. gpossivel dizer que, nas instituiç6es encarregadas, 'pela sociedade, de cuidar das crianças abandonadas pela mae, se estabelece permanentemente um esvaziamento e um controle de fo.rtes necessidades da, criança -- resultantes do seu "desejo" para sempre insati?feito -- levando; por isso, a se redobrarem os efeitos do afastamento da mãe. Esta situação pode~ia ser entendida como o início de' um processo de exclus-ão para manter, "ã margem" da sociedade aqueles' que são produtos de umtél desorganização da pr6pria sociedade, cujas causas e cuja efetiva solução esta sociedade não "pretende" enfrentar? , , 27 4. PESQUISA A presente pesquisa foi realizada com crianças inter nas no Educandário Romão Duarte situado em Botafogo, Rio de Janeiro. Foi escolhida esta instituição por ·ser típica, des tinando-se a abrigar crianças menores carentes. e abandonadas a ela encaminhadas ainda bebês, aí permanec~ndo até 12 anos quando, então, são transferidas para a FUNABEM, onde permanecem até a maior idade. A instituição foi construida em um terreno elevado sendo um antigo casar~o cujo acesso se dá por meio de uma escadaria dividida em dois pa t·amares ladrilhados e com mui~á v~ getação pelas encostas. A instituição é mantida financeirame~ te pela Sa~ta Casa que paga as furicionárias e é diriglda pela~ irmãs de Caridade. A OMPE(Organização Mundial do Pré-.Escola;r) fornece alimentação, brinquedos, material didático e pedag6g! co. Nesta instituição. as crianças foram divididas em dois grupos: creche, com crianças na faixa etária de zero a cinco anos que ocupam o terceiro andar, e crianças de seis à treze anos que ocupam o segundo andar. A pesquisa foi feita com as crianças da creche cuja faixa etária correspo~de a realidade visada pelo estudo propo~ to. Foi observado o comportamento das crianças· em relação às pessoas encarregadas de cuidar delas, dando ênfase ao seu pr~ cesso de desenvolvimento físico e emocional. . , Na creche, as crianças eram sub-divididas por grupos de acordo com a faixa etária; porém, há algum tempo foi intr~ duzida uma nova modalidade para a formação destes sub-grupos, isto.é, quando chega uma criança pará ser internada, ela é co locada em qualquer turma onde .haja vaga, independente de sua 28 faixa etiria. Sendo assim, existem criança~ que ficam agrup! das com outras de diferentes idades. Esta inovação foi intro duzida pela supervisora da "Escola", alegando que, desse modo os grupos se assemelhavam melhor ab ~rupo familiar uma vez ,que existem crianças de várias idades neste grupo. As profe~' soras não aprovaram essa nova maneira de formação dos agrupamentos, argumentando' que, quando entra uma criança com menos idade num grupo de crianças mais velhas, este sofre uma regre~ são, porque as crianças maiores passam a imitar aquela criança menor em seu comportamento, como por ex~mplo fazendo os mesmos rabiscos e até chegando mesmo a voltar a urinar na roupa. , 4.1 - Metodo~ogia Trata-se de um estudo de caso, tendo em vista que $e oDservou uma situação 'peculiar, den~ro de uma única instituição com caracterís,ticas pr6prias e atendendo a crianças ~are~ tes, e procurou-s~ estabel~cer relações de observação; enfatizando aspectos qualitativos. 4.1.1 .: Sujeitos Os sujeitos da pesquisa compõem-se de crianças de ze ro a cinco ,anos de idade ínternadas na instituição, assim co mo de funcionárias que estavam direta ou indiretamente em con tato com as crianças (professoras, "garotas", funcionárias 'con tratadas, Irmãs). A pr6pria instituição foi considerada, tam bém, como, objeto' de estudo. " , As "garotas" ,são adolescentes na faixa etária de 10 a 17 anos que moram na própria instituição. Algumas sao egressas da FUNABEM que vêm prestar serviços, recebendo por isso uma espécie de mesada (10 mil cruzeiros) por mês. Estudam du' rante uma parte do dia (manhã ou tarde) em escolas do Município cursando o 1 9 grau. Todas, de um modo geral, estão muito atrasadas em escolaridade, com relaç~o i idade crono16gica. A função destas "garotas" ê cuidar das crianças durante todo o tem po, ficando em contato com as mesmas o dia inteiro e exercendo todos os cuidados básicos tais como: banho, alimentação, ficar'de "guarda"l na hora do repouso, da recreação, na sala de e I lEsta palavra usada na instituição; por outro"lado a função desempenhada pelas "garotas" corresponde realmente a'de guardas". . 29 aula junto com a professora, rio dormit6rio durante i noite, enquanto as crianças dormem. As atividades das garotas incluem cuidar da. higiene das crianças, pentei-Ias, vestf-Ias, calçá-las, orientá-las no uso do banheiro, levá-las a enferma ria pata curativos quando necessário etc. As funcionárias cuidam mais da limpeza e da higiene da casa, ou seja, limpeza dos banheiros, do dormit6rio, lavagem das roupas etc. As irmãs supervisionam tudo na institui çao. Com as professoras o contato das crianças se dá em sala de aula. Durante a realização do estudo, observou-seque todas as professoras têm curso de especialização em jardim de infincia ou mat~rnal~· s6 são admitidas na instituição se .fizerem o curso que .é ministrado pela' própria superv~sora da i~ tituição. Existe uma grande rotatividade por parte d~s pro~ fessoras, sendo que ~ mais' antiga ~stá na instituição há três anos e a mais recente há al~un~ meses. Parece que elas nio se sentem valorizadas pela direção da casa e também discordam de algumas maneiras das irmãs agirem. tada professora perma~ece fixa na mesma série sempre,e as turmas é que mudam cada ano; portanto as crianças' ficam sempre, com uma professora diferente. Trabalham de 08:00h até is 14:00h com as c~ianças, tendo intervalos sempre que as.garotas assumem as crianças p~ ra higiene~ refeição, repouso etc. Cada professora auxili~ da por duas garo~as que fica~·na sala de aula ajudando durante o desenvolvimento dos trabalhos com as crianças, como pin turas, colagem, desenhos de ,diferentes técnicas. & Existem também profissionais técnicos como: um pedi~. tra, um neu~o-pediátra, um clfnico geral (que atende mais as funcionárias) além de dois dentistas e uma nutricionista, porém, não se teve ,oportunidade de nenhum contato com esses pro fissionais, uma vez que' nunca foram vistos na insti tuição. . , A creche possui sei~ salas de aula que também soo usa 30 das corno sala de refeições, para onde a comida ~ levada por meio de um carrinho. Possui, tamb~m, seis dormit6rios, seis terraços, urna enfermaria, chuveiros frios e salas para visitas. O~ grupos não se misturam entre si, possuindo cada um, ,suas pr6prias dependências, todas separadas, ficando as crian' ças de um grupo sem nenhum contato com as de outro. Formam departamentos estanques. Os objetos de uso pessoal e individual são apenas sapatos, escova de dentes, to~lha de banho, sendo os demais de uso coletivo. Quando alguma criança fica doente ~ logo separada das demais separando~se tamb~m as rou.pas de uso pessoal, e em caso mais grave a criança ~ internada em um hospital: Conforme informação das professoras, as crianças de vem chamá-las pelo nome pois "não possuindo família elas nao podem ter tias".; mas p6de-se· observar que diversas cri~riças tratavam-nas por "tia" e qualquer adulto tamb~m ~ assim cham~ do. As pr<:>fessoras e as "garotas", quando' estão juntãs com as crianças, conversam sempre entre 'si, mas nunca se ~irige}Il ãs crianças, a não ser para chamar atenção, repreender, zangar, censurar. 'Não existe quase diálogo entre a criança. e o adulto. O adulto aparece corno algu~m repressor que está sempre zangando •. Foi observada, tamb~m, a falta de iniciativa, por parte das crianças, pois estão sempre obedecendo e não s~ licitam o adulto para nada; quando não têm condições de exec~ tar urna tarefa, não pedem a ningu~m mas permanecem paradas ã espera de que algu~m as ajude •. As crianças não pedem para ir ao colo' das pessoas da instituição, mas o fazem com os estranhos. Mesmo nos pass~ios fora da instituição, as crianças bem pequenas vão e voltam andando, por distâncias razoáveis, mas . não solicitam para ir ao colo. Todas as quartas-feiras sao permitidas visitas de pessoas estranhas ãs crianças, 14:00h ãs 16:00h e também tOdos os domingos, na parte da ma as nhã, das 09:00h ãs II:OOh e na parte da ta~de das 14:00h 16:00h. Estas vi'sitas são permitidas com excessão dos terc~! ros domingos de cada mês, porque este fica reservado para a visita das mães que têm.filhos na instituição • - .. . , 31 Existem muitos brin~uedos, por~m, estio todos enfei tando as camas, os dormitórios etc., nio podendo ser manipul~ dos pelas crianças, porque "elas destroem e quebram tudo" -segundo informaçio de uma das Irmãs. Nos pátios existem ap~, nas alguns pneus velhos para as crianças brincarem, masnenh~ ma delas parece in teres sar':'se por eles. Exis tem, tamb~m, brin quedos nas salas de aula com os quais as crianças brincam du rante a ,hora de ati vidades livres. Há uma grande preocupaçao por parte das professoras em cumprir o horário deixado pela supervisora com todas a~ tarefas predeterminadas; por6m, suprimem algumas. alegando que nio,há tempo suficiente e outras vezes dizendo que nio há material (como vitrolinha para a ho ra de música~ ritmo, expressa0 corporal etc.). Duran te o período de f6rias das professoras, as crian . çaspassam o dia ,todo com as "garotas" no terraço., nio haven do as a ti vidades em sal a de aul a, a nio ser as refeições, pois. sio sempre servidas'nesta' sala. .Após o almoço as crianças . v~em televisio sentadas 'sobre uma lona estendida no'chio ~ aí dormem durante uma hora. , ' 4.1.2 - Instrumentos e procedimentos Para as crianças foi feita a observaçio direta. Os resultados foram analisados qualitativamente eapr~sentados descritivamente·. Para os adHltos foram usados questionários e entrevist~s semi-estruturadas. , I Durante a realizaçio das entrevistas e observações, ocorreram algumas dificuldades colocadas por parte da direçio do Educand~rio, tendo sido espalhado ,entre as funcionárias e "garotas" que a pesquisadora seria uma reporter que iria col~ car as entrevist,as, que foram gravadas e posteriormente ,tran~ cri tas, no j ornaI. Este' problema, por6m foi solucionado 'a medida em que era explicado o motivo. do trabalho, verificando-se, inclusive um grande interesse por parte das !'garotas. u em participar. 32 Todos os dados obtidos foram analisados qualitativ~ mente, procurando-se organizar categorias de conteúdo em tor no das quais fosse possivel interligar os resultados, independentemente da forma particular de observação de que eram provenientes. O processo de análise teve a intenção de. entre laçar, sempre que possível ~ os "dados" empíricos e a interpr~ tação, à luz das teorias e os resultados de pesquisa discuti dos na revisão biblibgráfica e na fundament~ção te6rica. No te-se que, em função do valor expresso por certos resultados emplrlcos, foi necessário remeter a discussão, eventualmente, a contribuições te6ricas não .previstas de início • . , 33 5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Ao discutir os resultadOs da. pesquisa, procurou-se percorrer dois grande tópicos: a insti tuição e a criança. Pri meiro, coloca-se o contexto institucional, p~ra em seguida p~ sar i anilise da problemitica da criança, sempre ietomando es te contexto, a nível dos efeitos propriamente individuais. Na ocasião em que o trabalho de pesquisa foi inici! . do, a instituição em questão possuia um determinado número de "garotas" e funcionarias, porém, no decorrer do desenvolvime~_ to do mesmo observou-se que virias destas pessoas foram dis pensadas de seus empr'egos,. !,?endo su.bs ti tu idas por novas - con tratadas. Notou-se, desde então, que ha quase que, um permane~ te rodízio das pessoas para cuidar das crianças. , Uma das "garotas" entrevistadas relatou a s'eguinte informação: "Não é sempre a mesma pesso.a encarregada do mesmo grupo de crianças. Diversas ve2es modifica. Uma 'garota'que t~ numa-saLa pa~sa pra o~tra saLa ... a que ~~ na outra, saLa passa pra esta~ entendeu? Sempre reve~ando. As vezes ocorre o fato da faLta de 'garota'~ entendeu? At~ tira d'aqui p;roa b9,. t~ L~~ ou então~ tira de L~ pra botá aqui. Sempre o caso é essa faLta de 'garota'. Bem, nesta saLa aqui~ quando eu cheguei~ tinham. cinco 'garotas', todas as cinco foram embora~ a única que ficou foi eu~entendeu? At~ vai mudando~ vai muda::.. do. At, quando chega um certo tempo, vai mudando~ vai embora. As vezes eLas vão embora é porq~e eLas querem mesmo~ as vezes é porque faz aLguma coisa errada... At~ a irmã vai aju!!. tando~ at~ tem uma hora que eLa manda embora". 1 . I lManteve-se, ao longo de todo o texto, a linguagem dos entrevistados, sem alterar o seu modo de falar, isto é, repet~ndo-se exatamente sem deturpar os seus depoimentos, inclusive conservando ate as incorreções exis tentes. 34 A psicanálise provou que a intimidade da criança com a mae, com todas as suas implicações afetivas, possibilitará, mais tarde, o estab~lecimento daquilo que se denominou relações objetais, isto ~, ,r~lações do sujeito com os outros S! res humanos, e, conseqUentemente, o modo pelo qual saberá apr! ciar a realidade objetivado mundo. Como poderão estruturarse as relações objetais dessas crianças, sem a intimidade da mae e com esta permanente substituição de figuras "substituti va$"? AI~m dessa troca de funcionárias, pBde-se notar, t~m b~m, que as pessoas encarregadas de cuidar das crianças, isto é, 'as "garotas" não ficavam permanentemente com as mesmas, - h~ vendo um revesamento entre elas, pois em cada espaço de tempo pe-rmanece, geralme-r:tte, apena,s uma "garota" ou duas com as crian ças, enquanto as outras descansam ou saem para freqUentar aulas fora di instittiiçã~~ Sendo a~sim, as crianças ficam pr! vadas de umà f{gura está~el e constante para o seu convivio diário, tendo, provavelmente, dificuldade na formação do que M.Klein chama de relações objetais. Tamb~m Ribble aborda aspectos importantes no trato com as crianças que são as sensações que elas sentem e as tea ções emociqnais que as impelem na' direção do relacionamento mãe-filho. Este vinculo existe para que a criança possa ser alimentada e protegida durante a sua infância. Ribble afirma, ainda, que "o bebê que é tratado impessoalmente, por mais bem. alimentado e limpo que esteja, ~ definitivamente prejudicado no desenvolvimento de sua personalidade e na sua cap'acidade inicial de confiar e corresponder a outras pessoas. No principio da vida tal atitude impessoal prepara o caminho para inu, meros problemas de comportamento e hábitos irregulares futuros". O primeiro cuidado materno "consiste na continuação das li~ações do estado pré-natal ~om o fator adicional do toque ou tato". O rec~m-nascido "precisa ainda ser embalado suavemente como o era dentro do corpo de sua mãe, necessita, tamb~m, ser carregado em intervalos regulares, até que possa se mover e coordenar seu próprio corpo. Esta atitude ajuda a 35 fortalecer seu senso de equilíbrio e a lhe dar sua primeira sensação de pertencence.r a alguém". (Ribble, 1975). A criança tem necessidade inata de ter um relaciona mento afetuoso cOm alguém. Conforme Ribble afirma os recémnascidos t~m dificuldade de se adaptarem i vida duran~e seus primeiros dias de nascidos, uma vez que o seu sistema nervoso esta incompleto e seu cérebro ainda não esta apto para f~ cionar no controle do comportamento. O beb~ humano, ao contrário dos outros mamíferos, não dispõe de um comporta~ento instintivo diferenciado para o proteger tendo necessidade de algué~ para ajuda-lo, cuida~lo ~ ama-lo. Segundo observação da autora, durante todo o período em que o trabal~o de pesquisa se ~esenvolveu não foi visto em nenhum momento as crianças serem colocadas no colo ou emb~ ladas. Foi notado sempre. que as crianças ficavam em seus ber ços ora dormindo, ora chorando~ s6 eram levadas ao colo na hora da mamadeira que era "dada rapidamente pois haviam outros beb~s esperando para serem alimentados também. Pode-se deduzir esta situação também do depoimento de uma das "garotas" quando di s Se: "Ten to pegar todo mundo. Se eu pego uma .•• eu nem gosto de pegar 3 ponho todo mundo no chão porque se eu pego e fica um no chão fica oZhando ••• com cara. triste •.. at eu ponho todo mundo no chão 3 desço todos ao mes mo tempo". Segundo o ponto de vista da autora o.papel da inst! tuição tem sido apenas o de prover a criança dos cuidados bá sicos materiais necessários ã sobreviv~ncia. Por outro lado, não propicia um desenvolvimento psico-?ocial destas crianças que lhes permitiriam um~ reintegração na sociedade. Conforme os depo imen tos .das funcionarias, es te papel da instituição tr.ansparece pela imagem principal que se cap tou: mostra a esp~ctativa de que a instituição, representada 36 por elas, funcion~rias,' substitua os pais, nio s6 em termos dos cuidados necess~rios·a sobreviv~ncia, corno tamb~m em rela çao a amor e carinho, por~m, tal função de substituiçãonao parece ser cumprida a nio ser nos cuidados materiais, embora algumas entrevistadas declarem que "suprem" essas necessidades afetivas no contato com as crianças, ou que ficar' na ins tituiçio ê melhor do que com os pais "( ••. ) acho meZhor tá aqui do que com os pais~ né? Os pais não querem cuidar~ nem nada. t meZhor assim. No coLégio interno tem carinho pra'dâ~ tem comida, Zugar pra dormir". A aus~ncia, principalmente, da figura materna, marca as fal~s corno algo inevit~vel, ou seja, a instituição, ainda que fosse bem preparada para este papel substitutivo, nao poderia proporcionar senio compensaçoes pa ,ra esta falta por si mesma insubst~tuível da mae. Aliás as entrevistadas ~eixaram claro que a presença da mae, no caso das crianças internadas 'que a possuem', ~ fator de garantia des sas compensações do ponto 'de vista material ("por exempLo, quan do as crianças que têm mãe... quando aqui tem... e como é que, se diz... é... uma mae que tem um fi Lho e que co Loca aqui~ 's~ be? 'Tem umas que faZa que a mae que tem fiZho aqui quer que a gente cu,ide bem,. e que as crianças que não têm mae, sabe? sei Lá.' .. eu acho que não, que é meLhor cuidar das crianças. ,que não têm mãe do que. das que têm mãe. Aaho que todas, assim, que tem mãe ... ' que tem mãe, eu noto uma diferença: são pi::.. racentas, não obedece •.• quando a mãe vem buscar eZas, at depois quando a mãe'traz de voZta, começa a chorar, sei Lá. As 'garotas' ficam 'atacadonas'. Agora os' que não têm mãe, eu acho tudo a mesma coisa"). Assim,,~ esta a imagem da insti tuição vista pela' maior parte das entrevistadas: um lugar on de a criança recebe todos os cuidados báSicos materiais para a sobreviv6ncia~ porém, falta o amor e o carinho da mae, um ,lar, liberdade. Os seguintes depoimentos das entrevistadas deixam tal imagem bem clara. Pergunta: Como voce vê a criança internada? Respostas: - "Internada?.. Ve}o como criança sofrida mesma, " ~ 37 criança que necessita de carinho do pai 3 da mãe não tem". "ui ... m~u Deus 3 ah! Eu tento fazer o elas ficarem alegres porque eu acho qu~ mais elas e sao um pouco tristes". "Ah! Eu sinto muito amoP3 muito carinho 3 eu queria da um pai 3 uma mãe 3 que elas tivessem sempre um pai 3 uma mãe 3 pra gostar delas 3 pra ficá delas pra .dá muito carinho a elas". .. ---I do lado Portanto, pode-se supor que falta às crianças a par te afetiva, e, que nesse campo a criança está desprotegida, ficando totalmente com um déficit de amor. Realmente nao se percebeu,· na instituição, uma estrutura capaz de pelo ~menos contornar essas fàltas básicas. Não se consideram, pelo menos na devida conta, os problemas que surgem para a criança quando esta acha-se. impossibilitada de conviver com.a· mãe, seri . do afastada do convívio social, como é o caso da criança ins titucionalizada,- onde se ve obrigad~ a viver numa rotina seme lhante a "caserna" (onde há horário rígido para tudo; ver ane xo 1). Conforme o relato das entrevistadas, na instituição' não existem normas negativas, as instituições nao são danosas. Desse modo, a criança passa a ser v~sta como culpada de tudo que contraria as' normas previstas socialmente como certas, quan do na verdade el~ deve ser entendida como vítima por. ter sido afastada das condições, comumente, consideradas como normais. Não podemos ignorar a difereriça entre uma assist~ncia individual, feita com amor de mãe e outra "massificada" ou mesmo até individual e bem intencionada, porém, com "amor pré-fabricado". Um é natural,. aut~ntico, instintivo, uma vez que pode-se úbser vá-lo até m~smo dos animais, o ~utro é, de certo modo, artifi cial, substituto. Ora, se existe o natural, este deve t~r a prefer~ncia; somente, na a~s~ncia absoluta compreende-se ou melhor tolera-se a substituição, porém, de forma consciente com os limi.tes desta substituição e prC?porcionando as condições que a tornem favorável à criança. Não se percebeu, na ~ 38 instituição estudada, este clima favorável. Um fato signifi cativo desse despreparo ocorre com as crianças filhas de mães que trabalham na pr6pria instituição. Estas crianças nao podem ficai junto de suas mães, pois t~m que participar de todas as atividades como qualquer uma das outras internas, p~ rém, foi observado que a qualquer descuido das.pessoas que es tão tomando conta, a criança "foge", corre até o lugar onde a mae está, ficando um pouquinho junto dela como se fosse i'rea bastecer afetivamente". Uma criança -s6 pode expandir-se no ambiente privile . giadp de sua mae nutriz. Separada dela e cercada de influ~n cias que parecem hostis a sua sensibilidade, tais como contro le através da repressão, aus~ncia total da mãe, afastamento do convívio social, falta de liberdade, tendo que cumprir horários rígidos, expõe-se a se tornar tímida, inibida, triste, ~ se contrair cada vez mais e a se fechar ao mundo que a cerca. Esta situação expõe a criança a correr'o risco de cair na in. . diferença afetiva sem possibilidade de recuperação para cont~ tos sociais. Assim sendo, o relacionamento da criança com a mãe ou sua substituta, isto é, um~ figura estável, constante .e permanente, é determinante para o amadurecimento emocional posterior. Se este relacionamento for de uma comunhão profu~ da em que a sub~tincii do ser infantil possa impregnar-se des se amor, essa experi~ncia feliz de relacionamento afetivo ma! cará toda a evolução futura da personalidade. Porém, se for deficiente, resulta~á, para a criança, numa grande frustração de amor que causará em seu ser um vazio quase impossível de ser preenchido, tornando-a um indivíduo incapaz, também, de amar mais tarde. Quanto . aos . aspectos fÍ~icos e materiais a criança re cebe, talvez, até mais do que se estivesse com a mae, devido ao seu estado de total car~ncia de recursos materiais para man ter a família. A partir dessa circunstincia, a instituição exerce um ·certo poder sobre as crianças e as funcionárias. As funcionárias sentem-se dependentes da instituição para poder sobreviver, pois apesar de acharem-se exploradasCtrabalham muito 39 e ganham pouco" metade do salário mínimo) acham que a institui çao "lhes dá muito" e o que ganham representa um bom salário por ser livre de despesas "pois têm tudo na instituição". Foucault coloca muito bem o problema da ~elação esp! cífica de poder que sofrem os indivíduos enclausurados, onde a instituição utiliza uma têcnica própria de controle a que chamou de "disciplina" ou "poder disciplinar". Este poder di~ ciplinar funciona como uma rede, não se limitando a fronteiras, pois ê uma têcnica, um dispositivo, um mecanismo, um ins trumento de 'poder. A disciplina das instituições ê usada co , ----':,~ mo "método que permit'e o controle minucioso das reações somáticas que asseguram a submissão constante das forças físicas do sujeito e lhes impõe uma relação de docilidade, utilidade, submissão. Foucault fala ainda, sobre as características bá sicas da 'disciplina que é primeiro, um tipo de organização do espaço físico que os sujeitos devem ocupar, isto ê, trata da distribuição dos sujeitos num espaço iridividualizado, classificatório, combinatório. Esta organização do espaço físico fica bem nítida na instituição objeto de estudo. Há,um lugar para as crianças, outro para as funcionárias, outro para as ,irmãs; atê'mesmo eritre as próprias crianças existe esta separação do espaço, uma vez que estão separadas em grupos por fai xa etária. Cad~ um d~sses grupos (crianças, funcionárias, i! mãs) têm seu espaço próprio para dormir, para refeições, para higiene etc.' São compartimentos estanques. Em segundo lugar existe um controle de tempo. pois os sujeitos se submetem ao tempo ond~ estão programadas atividades de meia em meia hora e, is vezes, até de quinze em quinze minutos. Em terceiro lu gar tem-se uma vigilância que ê um dos principais instrumentos de controle. Uma irmã supervisiona tudo no andar ocupado pela creche. além de existir, ain~a em alguns grupos, outras ir mãs para vigiar as "garotas" e as funcionárias, e nos grupos onde não ,há irmã, existe sempre uma funcionária mais antiga e, geralmente, mais idosa que tambêm exerce essa função~ Os obj! tivos da disciplina são tornar o institucionalizado "útil e dócil", isto é, fácil de ser'manipulado. Para tanto, organiza-se uma hierarquia de subordinação, ficando a criança no 40 "esc~lão" inferior. A probl~matica da criança·institucionalizada, pode ser compreendida, a nível individual, à luz de teorias psicol6gicas. Para Klein as perdas sofridas pela criança durante o primeiro ano de vida são patogênicas e estão ligadas à amamentação e ao desmame. Considera, tamb~m, a agressao como ex pressão do instinto de morte e a ansiedade como resultado da sua projeção; por~m, Bowlby critica esta ·posição, uma vez que nao a acha coeren.te, pois para ele o obj eto mais s ignificativo que pode ser perdido pela criança não ~ o seio, mas a pió pri~ mãe, e o períodd·vulrierivel não ~ apenas o primeiro ano de vida, mas prolonga-se por virios anos durante a infincia (Bgwlby, 1981, p. ~8). A perda di origem à ansiedade e i agressão, cuja função desempenha um papel importante que.~ re~ . lizar a reunião. o comportamento do tipo agressivo desempenha um papel decisivo na manutenção de vínculos afetivos. Todavia, os pontos de vista de Klein e Bowlby; sao substanciais, tarito na irea de d{scordincia corno na irea ··ae concordincia. Ambos concordam que o processo de perda· que ocorre nos primeiros anos de vida 'são mais marcantes do que· aqueles que possam ocorrer nas outras fases da vida, podendo acarretar um desencadeamento patológico no indivíduo e, portanto, podendo deixi-lo com urna predisposição maior do que os outros, a responder de modo anilogo a novas perdas. Bowlby cita, para reforçar seus pontos de vis·ta, os casos onde Freud fala sobre a ~ivisão do ego, os casos de Stengel sobre desvio compuls,ivo. Abraham sobre os pacientes d~ pressivos, Klein sobre os pacientes com desvio de cariter e os numerosos estudos das Gltimas d~cadas, mostrando que ~ bem maior do que no resto da população, a incidência de paciente~ portadores de doenças psiquiátricas e desvio de caráter nos casos de indivíduo~ que sofreram perdas na infincia. Estas marcas apontadas pelos autores citados, trans 41 parecem nos depoimentos das entrevistadas: Pergunta: Você vê alguma diferença entre as crianças internadas. e as outras crianças? Respostas: "Onica coisa que eu acho, parece que as outras crian ças são mais assim... internas, só.·.. Como posso' dizer? .. Ah! .•. um ... o fato delas presas num lugar, e nao 'tando' com a Essas 'tarem' famtlia Zas; eu sinto que elas são mais quietas ..• é ... inibidas, mais tristes que as outras. tras podem ser pobres mesmo. de mais As ou A gente vê, encontra muito mendigo.ai pelo meio da rua, né? Criança.me! diga e ·tudo, né? 'tão' alegres, brincando. Cbm o~ daqui ~arece que param, assim, fica parado) . tem. .. não reage, nao b.rinca. nao Acho que a diferen- ça é esta: a tristeza que eles sentem que 'tão' núm lugar que não é o lugar deles, porque acho que por ser mais pobre que s?ja uma casa, sendo da famil,ia da ge~te, por ~ais pobre, a gente 'ta' melhor ali . do que num grande colégio, num lugar que tenha todo conforto, né? A gente 'tá' melhor com carinho, perto da mãe da gen~e, dos pais da gente do que .•• . Não precisa ter nada, assim, pra •.. pobrezinho só, 'tá" "melhor muito me"thor. Pelo menos eu, .no meu entender, acho que é melhor do que a gente no colé gio internb~ porque no meu entender eu penso' as- sim" . "Esses internados, só o fato deLes ~um 'tarem' presos' lugar e não'tando' com os pais deles, eu acho que eles são mais tristes, mais infelizes que as outra~ cria~ças". . , Conforme a autora pode observar as crianças apresentavam-se sempre qu.ietas, sem tomar iniciativa, obedecendo sem 42 pre as ordens, até mesmo as crianças bem pequenas, entre um e dois anos ficavam s~ntadas nas cadeirinhas que existiam em vo!. ta d.a sala sem se levan:tàrem, enquanto' aguardavam a única fun cionária que naquele'momento tomava conta deles, trocar a fral da de todos e depois servir-lhes um mingau na caneca onde cada um segurava com sua própria mão, tomando-o sozinhos. Assim, as crianças, sendo institucionalizadas, subme tidas ao poder disciplinar, perdem as possibilidades de se ex pressarem, fica'n~o sua problemática impedida de se manifestar, cerceada e, portanto, sem condiçõe~ de serem atendidas. Embo ra 'esta problemática centralmente afetiva não tenha possib~l! dadede ser adequadamente atendida dentro da instituição, as p~ssoas encarrega~as de lidar com as crianças percebem-na de algum modo e, em seus depoimentos, deixam transparecer q~e os cuidados ma"teriais ,proporcionados são irrelevantes em relação i falta afetiv~. R~conhecem,que há ,necessidade de preencher as carências de amor e identificam-se com as próprias' crianças neste sentido, tirando certa gratificação do contat9 com as mesmas. Uma das entrevistadas fói bem-clara a cerca dest~,po~ to. Perguntada pelo motivo de haver escolhido este tipo de trabalho, 'declara: "Por necessidade, e tamÚ'ém por ter tanto. c~: , , rinho pra dar e não ter ninguém p'ra. 'dar e' eu achei que... carinho que eu tinha dentro dd mim~ eu necessitava dar pra 'o ~t' guém e essas ·crianças necessitam muito". Pode-sé entender tal identificação quando se analisa as relações de dependência frente i instituição, por çarência econ6mica das famílias das entrevistadas, (ver p.28 caracterização das "garotas"). Todas moram na instituição, partici pando, portanto, da situação de internação das crianças, me~ mo quando têm família. ,Nota-se que algumas são menores abandonadas, criadas, na própria'instituição e assumindo, no momen to, a função de cuidar das c~ianças, repetindo-se, assim; o ciclo de abandono 'e 'institucionalização. Estão dando is crian ças o mesmo que receberam e continuam a receber, o que se re flete na atitude das entrevistadas que tentam constantemente 43 justificar a instituição. Neste sentido destaca-se a história de uma das "garotas" que tem 13 anos de idade, estuda na 3a. série do 1 9 grau, ainda vai ser matriculada pois está há um m~s trabalhando aqtii na instituição. Tem pai e mãe que m~ram em Mesquita. Veio através da mãe de uma "garota" .que também vive na instituição. Conforme as palavras da própria entrevistada temos: .'ITem uma menina aqui e a mãe dela falou que e! te coLigio era bom~ ni? E o meu pai tava querendo bota a gen te num coL~gio interno porque ..• porque •.• ~le separou da minha mãe~ ni? At~ botou a gente aqui~ no coligio .interno. A moça tinha. faLado qUG este colégio aqui era bom~ né? A filha . dela. tav~ boa aqui e ~udo. At~ mando a gente pra ca". Esta "garota", embora tenha treze anos, apresenta um comportamento regredido, pois sempre que fica distraída está com o polegar na boca c~upando-o como um beb~. Desse modo, justificando a instituição por um lido e, identificando-se com as car~ncias afetivas das crianças, por outro lado, como v~em seu papel e sua atuação no trabalho? Constatou-se que centralizam suas funções nos cuidados higi~~ nicos, de alimentação e recreação •. ]j possível que algumas fun .cionárias tentam estabelecer relações mais afetivas com as crianças, mas parecem bastante despreparadas para tanto e, além disso são impedidas pelas irmãs que as controlam. Uma de las ao responder a uma pergunta sobre o que deveria sermelho rado. afirma' que "( •. . )a gente podia ter mais liberdade de da:za mais carinho pras crianças". Continuando a seguir sua suge! tão diz: "porque a gente não pode ••. às vezes a gente nao po de da tanta atenção prauma criança que necessita; não porpr~ ferência mas por necessidade. Nós. não podemos fazer isto por que as irmãs vê como se tivesse dando 'chamego' por preferência. Não é i~so" . .Talvez por essas circunstâncias, os mecanismos de controle do comportamento das crianças, de modo geral, conotem uma ~nfase. na imposição de autoridade: ficar zangado ... , bater •.• , pegar o chinelo e ameaçar •..• falar sério .•. , dar cas tigo, deixar sentada ou tomar o brinquedo da criança. 44 As crianças sofrem punições, ameaças e castigos con forme o depoimento de uma "garota" que, quando perguntada so bre como se desenvolve o seu trabalho com essas crianças, dis se: "Deixa a gente maZuca ... "(riso). (Por' que?) "Sei Z~ •.. as vezes a gente tem paciinci~ com essas crianças., mas., a 9 vezes a gente faZa.,. as crianças não obedece., sabe? Só pegando., assim ... sabe? coZocando num tugar pra ti paciincia., mas eu gosto muito detas" • (E quando você perde a paciência? •• ) "Ah! bate no bumbum., devagarinho., né? Etas choram um pouco" • Outra ainda disse: "A,h!. o'. ,de vez. enquanto eu bato. , Quando eZas faz coisa errada eu bato. Ah! eu bato no bumbum deZas., um at j~'quebrou o vaso. Eu batp na mao detas". . , Segundo, Geiser todos que cuidam de crianças têm melhor êxito' ignorando os comportamentos' indesejáveis e recompensando os desejáveis. Conforme este autor existem 'efeitos colaterais negativos da punição uma vez que desperta, freqtie~ temente, fortes emoções na criança castigada, sendo que a mais comum é o me~o que pode ser associado ã situação punitiva ou ao agente punidor. Realmente foi observado~ pela autora, du rante uma das visitas feitas ã instituição, que crianças de um a dois anos ficavam quietas sentadas na cadeira enquanto a funcionária mudava as fraldas para depois servir-lhes o lanche; . porém quando a funcionária se afastava para lavar alguma cri~ ça que se sujara, as crianças que estavam sentadas se levanta vam e rodeavam a 'ob servadora, agarrando-se as suas pernas; mas assim que a funcionária' percebia o que se passava, dava apenas um grito; "senta: n e todas corriam e sentavam em seus lu gares. Isto se repetiu por virias vezes. 45 Esta reaçio i~ediata indica, com muita clareza, um condicionamento anterior, com efeitos decisivos sobre a liber dade, e at~ sobre os mo~imentos das ~rianças, que s~ podem ma nifesta~-se na aus6ncia dafuncioniria. Para Geiser "a punição conduz, em geral, à fuga ou à esquiva e, caso nao seja cuidadosamente controlada, esse com portamento pode ser reforçado, evitando-se o castigo". Embora o castigo interrompa, temporariamente, o comportamento indese jivel, pode reforçar mei~s para evitar a punição, tais corno ·mentiras, fugas ou dissimulação . . A criança aprende a distin.gUir quando não ~ seguro executar o comprirtamento proibido se o punidor estiver por perto. Quando a autora ficava só .. com as crianças. na sala, ~ois às vezes a funcioniria se afastava pór alguns minutos, as crianças apr~sentavam os comportamentos proibidos. Cbnforme Geiser afirma, ~ punição nao pode nunca es, tar associada a um reforço. Corno por exemplo gritar cbm urna. criança pode ser um castigo, mas se isso ê a única ocasião que lhes dão atenção, isto passa a ser um reforço. Sendo,· assim, o comportamen to ~ndesej ivel pode aumentar com a punição em vez de diminuir. A punição também pode ser tornada corno um caso de modelagem negativa de comportamento. Urna criança que foi espa!! cada aprende a ~aternos própti6s filhos. Outro efeito da p~ nição ê que ela pode conduzir a agressão. A punição ~ um pr~ cesso muito complexo e, ~ necessário saber bastante a seu res peito, principalmente, no que se refere a aplicação em crianças. Pode ser eficaz, mas quando usado em excesso pode toro nar-se prejudicial, não surtindo efeito em casos de real necessidade. .. Foi observado,· tamb~m~ o problema de medo imotivado nas crianças, o que pode-se constatar. segundo o depoimento de urna "garota" onde ela diz o seguinte: "As aFianças d'aqui têm 46 muito medo de fogos. E como ·têm! ... IncZusive na passagem do ano a irmã até mandou prepara um chá .•. eZa mandou prepara um caZmante~ at nós demos; eZas dormir~m tranquiZas. Mas sempre é assim ... NataZ~ Copa~ então ..• Na Copa do Mundo as crianças( ..·.l". Segundo afirma Erikson é na infância que a criança é assaltad~ por medo~ e ansiedades, sendo im~ossrvel para ela discriminar, por causa da inefici~ncia de seu·equipamento im~ turo que não lhe permite distinguir perigos· internos e externos, reais e imaginários, havendo necessidade da interferência do adulto na orientação correta, precisa. e tranquilizadora p~ ra que a criança possa aprender esta diferenciação. Jercild relata que para a criança entre dois a cinco anos de idade existe um número de situações bem claras que despertam m~do e entre estas está o ruído e eventos associados a ruídos. As pes~oas que cuidam das crianças procuram, durante estas situações de medo, soluções que façam desaparecer a re~ ~ão ou seja, que coloquem as crianças numa situação de nao en frentar o prohle·ma (preparar calmamente ... fazê-las· dormir tranquilamente ••• ) em vez de procurarem estabelecer, Qbjetiv~ mente o que está acontecendo ,considerando as necessidades ps! cológicas para um amadurecimento maior. Assim, não .aproveitam as oportunidades concret~s para trabalharem esses medos infantis. . , me~anismos de controle Os aspectos punitivos exercidos pelas "garotas" sobre as crianças contrastam com a relação "amorosa" entre . as entrevistadas e as crianças, des. cri ta por aquelas, onde deixam bem claro o sentimento de ambi valência pois ao mesmo tempo que relatam os castigos impostos is crianças, falam també~ de amor e carinho que sentem por elas. Esta posição ambivalente poder~a ter sua origem em várias peculiaridades da relação, entre as entrevistadas e as crianças, que já vêm sendo abordadas pela autora. Em primei!o 47 lugar as irmãs proibem contatos afetivos mais espontâneos da parte das. "garotas", em relação a necessidades surgidas no trato com as crianças.: }lor outro lado , os depoimentos mostram de maneira evidente'que as "garotas" sentem constantemente o problema central das crianças, ·que é a ausência da mãe e' ficam mobilizadas no sentido de compensar essa ausência. Mas es tão impedidas de'substituir a mae, no sentido de uma relação mais individualizada de proteção e afeto. Devem ser "mãés" de todas as crianças e não a mãe para cada uma; assim devem ser uma figura'q~e se reparta entre muitas e, portanto, que s6 pode ser de ninguém. Como agem nesta situação, para dir conta das exigências afetIvas das crianças e das exigênc-ias proibitivas d~ instituição? ~ possível que estas circunstânctas da relação com as c~ianças propiciem um clima de ambivalência, onde. as "garotas " tentam, ao mesmo tempo, compensar c~. rências af~tivas e exercer um contiole punitivo, para manter limites dá for~a que, ~ata elas, 'é a mais eficiente em termos de tornar mais suave o seu trabalho. As' espectativas dos dirigentes e funcionarios é". "de manter as crianças num clima de passividade e obediência, tan to assim que as entrevistadas esperam que as crianças não cho" rem muito, não sujem, comportem bem~ sejam obedientes. Estes tipos de comportamentos são estimulados e recompensados. Por outro lado consideram defeitos das crianças, chorar muito, f~ zer birra, 'não gostar de tomar banho, fazer pirraça, não obe-' decer. fazer Mbagunça", ser agressivo, "bater nas outras cria~ ças, brigar, 'ser teimosa. Esses são tipos de comportamentos indesej aveis e. portanto, reprimidos. como também qualquer ini ciativa por parte da criança é considerada como indisciplina e portanto passível de castigo. Pode-se notar, nitidamente, Referem-se ao a dicotomia~ qualidades .opostas aos defeitos. grau de exigências feitas pelas entrevistadas em relação às crianças. Um outro aspecto de contradição observado, a nível da pr6pria instituição, é a organização dos dias de visitas que sao: quarta-feira à tarde, sábados e domingos pela manhã 48 e i tarde, sendo as visita~ permitidas apenas as pessoas ex tranhas is crianças. São pessoas que gostam de "fazer carid! de" e visitar crianças :de asilos. :.Dur·ante toda a discussão dos resultados, ficou claro que a ausência da mae é um probl~ ma central reforçado pela pr6pria instituição que aliis s6 existe em função da impossibilidade da mãe assumir seu filho. No entanto, as visitas são programadas de modo que as mães s6 podem ver seus filhos uma vez por mês que é no terceiro domin go, ao passo·que.a instituição abre as portas, franqueando p! ra visitas de qualquer extranho, que queira visitar as crianças. Sendo assim a instituição age para dissolver o "vínculo mãe-filho" que neste caso' j i não esti tão solidificado dev.ido o afastamento. A instituição toma, assim, de certo modo, o l~gar do "pai" para quebrar' esse vínculo afetivo da mãe com o filho. Alguns fat6s observ~dos ilustram esta possibilidade •. Por exemplo, ( ... )coriseqUência da visita das mães( ... ) pertu! bação da ordem,. ruttira do esquema(.~.) Uso da chupeta proibi, do, s6 sendo permitido no caso de crianças que têm mãe moran do e trabalhando na instituição como funcioniria. Ligação cornos pais reais implica em privilégios do ponto.·de vista da,'±n~ ti tuição ( ~ .• ) "garota não pode dar carinho quando a criança ne cessita porque é. visto como 'chameg,o"'. (ver p. 43) Se a instituição deveria ter função substitutiva 'da' família, por.que, então, usa 'formas de controle? estabelece normas proibindo as gratificações afetivas a que a criança tem, necessidade devído i fase de desenvolvimento que está atrave5 sando (oral)~ Sintetizando os resultados ji. discutidos e os dados de Qbservação direta pode-s~ formar uma imagem das crianças institucionalizadas durante a primeira infância como sendo de' indivíduos abandonados não só pelas mães mas também dentro da pr6pria instituição pelas pe~soas encarregadas de cuidar· dcilas.· Notou-se, assim, que há um contraste flagrante entre a limpeza do ambiente ond.e até as plantas são bem cuidadas a ponto de suas folhas serem brilhantes e transparecerem vigor 49 e limpeza l - - e' a sujeira em que se encontr-am as crianças, cons tantemente com ·cheiro de urina, fraldas encardidas, roupas su j as. As fraldas' são usadas, até, como pano de chão quando as crianças defecam ou urinam no chão •. Embora custem mais para adquirir certas 'habilidades pr5prias de sua idade, como controle de esfIncter, em compensação adquirem, rapidamente, outras habilidades que, normal mente, as crianças criadas com a familia levam mais tempo (c~ mo o manejo da colher), passando a comer com suas próprias mãos em idade bastante precoce como se o seu instinto'de sobrevivên cia estiv~sse ameaçado •. Comem rapidamente e não deixam restos ~o prato e até algumas ainda, aproveitando umdiscuido das "garotas", tiram pedaço do bife do prato do colega. As "garotas" apenas servem o p-rato, não podendo auxiliar cada crianç~ a'comer, pois ficam tomando conta de todas e ap!oveitain também para almoçar junto com as crianças. Desse modo,o habilidade de come~ sozinha parece depende~ do fato de preci~ sarem ficar sozinhas durante a alimentação. De certo' modo, f.!, ca mais uma vez clara a situação de abandono, com a c~nseqUên cia de comer exagerada e sofregamen.te·. Ao mesmo tempo, a:s crianças são afastadas de seus brinquedos, sendo proibidas de .manuseá~los pois são utilizados como enfe i tes decorativos, des· tinados a tornar o ambiente mais agradável ã vista. Inclusive há algumas honecas que já estão enfeitando o dormit5rio há cin co anos e este fato foi relatado ã autora por uma das irmãs como motivo de orgulho por terem sido preservadas da "ação de~ truidora". das crianças. Observa:"se, então, que o e·stado de abandono a que está submetida a criança se repete dentro da instituiçãO sob a forma dos efeitos de um controle obsessivo sobre a ação da criança. Como se vê, além de ser abandonada emocionalmente, também o é em termos dos cuidados de higiene ,pessoal e a 1sso·se acrescenta úm controle permanente, o que resulta em afastá-la das fontes de prazer que lhe são ac~ssi veis, a que tem direito e ·são suas. g significativo not~r que algumas visitas, ao levarem brinquedos, fazem questão de en- a lUma funcionária da portaria quando em uma conversa informal com a autora referindo-s~ as plantas disse que uma criança havia morrido na instituição e não foi possível avisar a mãe e, que quando esta voltou a institui ção para visitar o filho'soube que este havia morrido~ sofreu uma crise nervosa indo diretamente nos vasos de plantas quebrando-os e destruindo uma boa parte delas. 50 tregi-los na mao da pr6pria criança, sendo esse gesto critica do p~los dirigentes da instituição. Despojadas de ~ossiveis' fontes de compensaçoes para suas car6ncias, apegam-se a qua~quer pessoa estranha que apareça na instituição como a~onteceu com a pr6pria autora qua~ do de suas visitqs. Esse sentimento é expresso de diferentes maneiras; fantasias com relação a ser adotado,' agarrar-sé com as'pessoas p~las pernas, tentar impedir que as pessoas se vao, pedir para serem levadas com as pessoas. Esta necessidade.de preenchimento afetivo foi observadotambém no relacionamento com as professoras, alias, ele mento~ q~e não' são carentes, não moram af, representando, por taÍlto ~o elemento de ligação" entre a criança ·e o mundo "li fo ra" . ~ por. isso, p.rovavelmente, que as crianças se sentem mais felizes durante, o periodQ de aulas ~ela conviv6ncia que t6m com as professoras. Estas trazem para ~s crianças coisas no~ vaso estimulações que renovam e quebram a monotopia da vidainstitucional a que esti sujeita a criança. A' sala de aula·é o Gnico lugar onde a criança pode manusear brinquedos"havendo varias ~'cantinhos" como o "Cent.r~ do lar" onde existe tudo. que possui uma casa e as criançast~m prefer6ncia por este lu gar onde gostam de vestir-se com roupas e sapatos de adultos 'gostando prin~ipalmente das roupas femininas mesmo os garotos. Outro "cantinho", também, preferido, é o da construção onde as crianças constroem com peças de madeira imitando ,tijolos, . telhas e mate~iais de construção. Segundo o depoim~nt~ de uma professora as crianças são, amigas uma das outras, mas gO! tam muito de dar queixa dos coleguinhas e quase nao solicitam a ajuda da professora. A compensaçao d~ car~ncias afetivas expressa0-se nao s6 no apego pelos estranhos ~ pelas professoras, como aindà pelas'crianças maiares. Nas.,ocasiões em que se reunem um gru po de crianças maiores com um grupo de menos idade, as crianças menores sempre procuravam ficar no colo das maiores, passando o tempo todo sendo carregadas no colo e, no momento em 51 que os grupos se separavam, as crianças menores choravam e se recusavam a ir embora. Como se v~ ~ possível descr~ver essas diferentes si tuações de apego nas pr6prias palavras de Bowlby: "O oomp~rt~ mento de apego i oonsiderado uma atasse de oomportamento oiat de importânoia equivatente mento e do parentat. à do oomportamento de sb- aoasat~ Sustenta-se que tem uma função biotógi~ oa que the éespeotfioa e que até agora tem sido p~uoo oonsi Ele considera que existe um estágio do desenvolvimento dos sistemas comportamentais responsáveis pelo apego, onde a meta fixada ~.a p~oximidade com a mae. Considera, tam bém, os padrões de comportamento de sugar, seguir, chorar e sorrir como comportamentos que contribuem para o apego, derada". '0 vínculo da criança. com a mie ~ o resultado d~ atividade de sistema's comportamentais que t~m como finalidade con servar a proximidade com a mae. Por~m', no ser humano a ont'o-' genese desses sistemas ~ lenta e.complexa sendo seu. aesenvol vimento muito variado durante o primeiro ano de vida da crian ça. Quando a criança começa a ~ndar, por volta dós doi~ anos, o comportamento de apego pode ser observado de modobas tante típico. Quando por exemplo a. mie se afasta ou a crian ça se assusta os sistemas comportamentais do apego sio ativivados. Todas as tentativas das crianças se livrarem da viv~ncia de àbandono, estabelecendo. contatos afetivos até corp~ rais, remetem ao contato que ~ criança teria normalmente com ~ mie. No <fntanto, ~ gratificação ~ este nível primário·, com os possíveis substitutos da mãe, ~ quase impossível na institi tuiçio., ficando em seu lugar uma série de controles. ~ in . teressante'notar que a "vigilância", por ser tão característi ca das relações institucionais com a criança, surgeat~ mesmo durante a~ aulas, lugar mais ~ivre e ~fetivo, embora em dose muito menor. Por exemplo, quando ,a professora impede que um menino vista mais de' duas vezes roupas femininas, durante as 52 - brincadeiras na sala, achando 'que isto pode levá-lo ao homos sexualismo posteriormente. A presença do controle institucio nal concretiza-se ainda mais pela presença de uma "garota" du rante todo o tempo de atividades na sala de aula. vê-se ~ presença simultânea do abandono ~ do controle em quase todos os momentos da rotina da criança. A lingu~ gem institucional reflete bem esta vigilância:. Ar:, "garotas" referem-se, a "estar de guarda'" quando estão tomando conta das crlanças. Durante o repouso, depois do almoço, as crianças ,são obrigadas ~ ficarem deitadas no chão forrado com uma lona grande ond~ cabem todas, ficando amontoadas durante o periodo de uma hora. Mesmo que não queiram ou não gostem de dormir sao obrigadas a permanecerem deitadas sob a "guarda" de uma das "garotas" que ao, menor movimento de alguma das crianças faz um "ps iu" e tudo vol ta 'a' normal idade. Para ilus trar, mais concretamente, o que aqui se anali sou, apresenta-se, a seguir, o depoimento de duas funcionáriás da Romão Duarte~ apenas comentado para ressaltar como ê viven ciada a criança pelas mesmas. , . 53 5.1 - A vivincia da criança na relaç~ocom o representante da Ins -ti tuiç~o Logo de intcio, começa a esboçar o quadro das neces sidades e car5ncias das crianças em relação a afeto, rel~cio nando-as à falta da inae. E carinho, o que precisam receber das pessoas que cuidam delas, vendo nessas pessoas "a mãe que elas não têm". A palavra "ITlamãe" aparece "sem mais nem menos, sem ninguém ensinar nada l l , como que associada desde sempre e imediatamente a carinho e amor. Esta percepçao provoca, nela, tristeza ~ pena, pois revela como as crianças sao "desprez~ ,das", "uma coisa assim" jogada fora". é um sentimento errado ("n~o se deve ter pena dos outros n~o ... "),' ~as a entrevistada não pode evitar sen tir pena, porque, 'quando consegue parare,pensar, e~quanto as crianças estão dormindo, v,e a situação 'de abandono pela mãe c~ mo uma situação radical, além ,dos ·limites até animais .("e até , um animal tem carinho com o fiZhinho dele") e diante desta si tuação, "a gente só dá aqui lo que e les precisam" o necessário, tudo". Ou seja a frase paradoxal "a gente só dá tudo, o necessário" traduz:-se como: nao damos o essencial que está fora do regime da necessidade, nao damos o que a criança realmente dese j a, damos "tudo" que equivale a dar "nada". E as s im" só resta sentir pena por aqueles que, tendo tudo, nao tem coisa alguma. A pen~ 'A entrevistáda diz ainda: "A-í" eu fico t~o assim" qu~ rendo ser a m~e pra todos eles, né?" -- mas nao 'pode de fato, e sente pena por isso. , , Por outro lado, esta situação, que descreve "o estar internado"? parece ser "melhor do que do jeito que .•• tá na rua ou com a m~e mesmo", A mãe rea! não pode dar o que a ins tituição dã:, comida? dormida, assistência. O estar "melhor", é claro, é relativo ao como se define· aquilo de que as crianças precisam mesmo. ("talvez é dis.so que eles tavam prec.isando mesmo" né?"). Em outras palavras: o que adianta ter a mae cor S4 rendo o ris.co de morrer de fome, de adoecer'? O que adianta ter uma mae que não pode "olhar por eles?" Entre perder a mae e perder a vida coloca-se um dilema tão sério que "não dá para entender bem". Achando que "não teria coragem de fazer isso com uma criança minha"; parece criticar as mães que abandonaram seus filhos, por não terem uma outra "coragem". Essas crianças, agora já sao "diferentes", pela "tri!!.. teza que eles sentem que tão num lugar que não é o lugar de les". Estão "presos", são "mais quietos", "inibidos" do que os outros. Distingu~ esta condição. como resultante da inter·nação, mostrando como· mesmo pobres, largados no meio da rua, mendigando, os "outros" (não internados) "tão alegres brinca!!:.. do". E assim o dilema entr~ os riscos de nao sobreviver e nao ter amor se resolve: "Porque acho q~e por ser mais pobre que seja ... pobrezin~Q s6, t~ muito melhor". Estas crianças,· em relação às quais foi decidido de. uma vez para sempre o que é "melhor", chegam às mãos· dela geralmente sem nome e sem idade, sem certidão de nascimento. Nes ses casos, a internação representa um ato de identificação no tempo e no espaço social: o nome é dad6 e a idade é calculada· pela instituição. De certo modo, este ato é simbólico de uma passagem direta para o mundo das normas, sem a experiência co~ creta das relações pai/mãe/filhos qu~, do ponto de vista psico15gico, prepara esta entrada no mundo do social. S um munvivido pela do parado, enigmatico, pré-codificado, onde o criança não encontra ressonância senão na vivência do abandono. "Aqui ·amanhece o dia, anoitece o dia; t~ a mesma coisa" • Ela não sabe explicar qual a difer~nça entre trabalhar com crianças ·que repartem a vida entre a família e a escola, e tra f balhar com essas .crianças, mas s'abe que "no meio de las ... . : me "sinto assim as vezes deprimida". Também nao escolh~u vir trabalhar na instituição R. D. Acha que veio "mesmo é obrigada·. . , por causa do meu filho." porque nio tinha um lugar onde pude~se trabalhar junto dele, ea instituição aceitava "mãe junto com f~lho". Até pr~ ss feriria trabalhar com velhinhos e doentes, pois pelo menos já "passaram alguma coisa boa na vida", sendo assim, para ela. me nos penoso trabalhar com "maiores infelizes do que com menores". Retoma neste sentido o tema da experiência central das crianças internadas ...- "sofre mesmo e já nasce sabendo ... não foram .aceitas desde o nascimento" -- e da sua tentativa de procurar dar "0 máximo .. , pra eles". Sente~se que esta tenta tiva refere-se tanto às crianças de modo geral, q~lanto ao seu filho. Por isso, compreende-se melhor porque ve o estado atual das crianças nos termos contradi tórios de um sofrimento tão. ir reparável (falta da mãe, como seu filho sentiria se ela nao trabalhasse lá) e de uma situação de felicidade, pelo que r~ . cebem da instituição, (aquilo que ela não poderia ter dado ao seu filho, sem ajuda da instituição): " . .• acho que aqui eles não sao infelizes não.; pelo menos aqui são bem tratados e tu do" . . Morando na· insti tuição; pode ficar mais tranquila do que "lá fora", mesmo tendo· vontade de arranj ar um outro empr~ go ("Eu gostaria de arranjar um ou tl'O emprego". mas pensando em mim" né? .. aqui mesmo"). De certo modo, esta opção a disti~ ·gue das outras pessoas que reaiizam o trabalho de cuidar de crianças •. ]j muito instável a permanência das "garotas'! junto. às crianças. O que é constante é a sua substi tuição por novas "garotas" . . I sto é vi s to pe~a· en t revis tada como conseqUência do confronto entre os motivos que as levam.a trabalhar na ins tituição e as condiç~es de trabalho vigentes aí. "Às. vezes muita gente pensa qUB quel' trabalhar" sabe? sei ·lá" nao por amor .. nao" acho que é mais por comodidade d!!... las" chega aquive que nao pode sair quando quer" nao pode ter um pouquinho assim ••. de •• ~ tem que ter hora pra . , chegar e tudo.. né? t~m que ter um pouco mais de dia ciplina que elas nãó querem aceitar" então" elas vão e~ bOl'a. Às vezes nao aceitam nem as crianças e acham que estão ganhando pouco prei trabalhar muito." então" elas ... Eu acho que 56 também tem que tê mui to é~.. tem mais é vocaçao e caridade pra trabalhar. com crianças do que por intenç50 de dinheiro~ porque isson~o tem muito J ~~o". Existiria assim, uma ilusão por parte das "garotas". Buscam "comodidade" e "ganhar dinheiro", mas encontram exigê~ cias de disciplina e de aceitação das crianças. exigências que rejeitam por que, além de não haver compensação financeira, não ·têm a "vocaç.ão" e a "caridade" necessárias para este tipo de trabalho~ A entrevistada, como se vê, expressa uma re presentação do trabalho com as crianças nos termos de uma r~ lação bastante idealizada. opondo uma necessidade tão "mate rial" e tão comum em nossa sociedade -- que é a de receber um s~lário pelo trab~lho realizado -- a uma opção de vida centr~ da na caridade. t possrvel· que esta represehtação esconda a sua real "opção" de vida·, que é ter vindo trabalhar "obrigada pe lo meu fi Zho" , . sendo a .vocação. pela caridade no fundo uma expressão da sua finica sarda no sentido de não abandonar seu filho totalmente, levando-a a transpor essa· solução para todas as crianças: "A gente procura.dá o máximo que a gente pode pra eles". Ao entrarem na instituição, aliis, todas as crianças passam por ela. :E ela quem cumpre a tarefa de "saber o nome., a idade ... ",. fazendo o regis tro de sua chegada. Esta circuns tãncia.col~ca-a, segundo seu depoimento, em condições de co- . nhecertodas as crianças, de "saber tudo" a respeito delas,' enquanto que" as "garotas" só sabem "as sim., o primeiro. nome" apenas daquelas crianças com quem trabalham. Além disso, o~ tra forma de conhecimento é apontada pela entrevistada quando diz que "dá para conhecer" cada criança em particular., "po!:..· que tem sempre alguém que chama atenç50~ né? .. ou tendo um modo muito ... se a criança é· muito~ assim dada., muito inteli gente; muito alegre.,· tudo J nqo sendo muito parada., sempr~ dá pra gente perceber". Esta outra forma de conhecimento implica de certo m~ do o conhecimento de um fundo "mui to parado", consti tuido por 57 um conjunto de crianças "muit,o paradas", que possibilite, por contraste, o aparecimento de figuras mais individualizadas, mais ativas, crianças que se destacam por diferenças de ~~ portamentos. Essas diferenças se dão no plano do contato das crianças com as pessoas respons~yeis por cuid~-las, ficando no entanto anuladas quando se investiga sua origem e o modo de chegar i instituição. A hist6ria. então, ~ sempre ames ma: O abandono pelos pais, o encaminhamento i ins,tituição. Se o personagem central ~ a mae que' abandona o filho, supoe-se que esta tamb~m seja algu~m abandonada, na sua missão de criar o filho. Aparece sozinha at~ no ato de entregar seu 'filho ("mas a maior parte" mesmo" são as mães que entregam" -- seja ao juiz, seja i instituição -- "ou abandonam no hospital"). Em tórno desse personagem central ~ que se estabelece o centro da relação entre a en'trevistada e as crian·ças: "As crianças aceitam a gente assim como ... sei l~ •.. aceita e via gen~e como s~ foss~ no lugar da mã~ dele~ ... "Mas' ~ um "lugar" de substituição impossívei. por onde passa a maiordi ficuldade do seu relacionamento com elas: "Eu sei pelos g~a~ des (crianças maiores) •. . nao tim ninguém que gosta da gente ~esmo" entendeu?" Não h~ uma melhor maneira de lidar com as crianças porque '"tanto faz porque não tem ninguém mesmo", nao tem mae mesmo", não tem ninguém... 'A gen te poderia faz er isso" mas voci (referindo-se a uma possível conversa com um me , Ah.' mas você não é minha '!Iãe", não nino) não quer aceitar'. é nada meu", não,tem nada coma minha vida' •. " Assim a dificuldade de relacionamento nao estaria, p~ ra ela, localizada propriamente numa. desobedi~ncia por parte das crianças, e sim numa impossibilidade de estabelecer uma aut~ntica relação afetiva, que seria a base efetiva para que . as crianças a ouvissem, quando, querendo o bem delas, alerta para as conseqU~nc ias de seu compor.tamento. Jj o que fica· mais evidente em suas palavras: , I " •.• eu· fui falar com um deZes (um dos maio'res)) 'não muito maiores, de seis anos em diante' que estava jogando pneu por cima dos peque~ininhos~ ele veio logo com palavrao pra mim. Olha~ lho ~ a gen te fa la, .. qué você é. ," escuta aqui~ meu ensina, as coisas pra ~ocê depois voc~ mais vai sofrê na FUNABEM. chegarem fitarde Depois quando vocês la ••. vocês n50 gQstam de ir pra la, vocês ja falaram aqui que se come casca de laranja . •• tudo is s o. t men tira~ ag~ ra se vocês se comportam muito mal é claro que tem que fazer isso. lou, assim pra mim: 'Ah! Ai ele~ então mas tanto Ninguém gosta da gente mesmo', f~ faz. Ai eu dis- se: n50 •.. ninguém gosta, n50,; porque a m5e de vocês.n50 puderam ficar com vocês, e·tu 'do~ e vocês ja acham que ta tudo' perdido; ,mas voc~s devem' procurar fazer com -que as pessoas gostem de ,vocês como se fosse m5e de você s ~ a , A gente faz, por onde.' Aí" .. Eu acho que eles n50 aceita, né? Acho que é preconceito, deles porque a m5e deixo~né? quer di,zer., n50 quis saber 'deles" en't50." eles nao querem sabe'r de ninguém". A questão da disciplina e da obediência precisa, tão, ser colocada de uma forma bastante relativa~ en As crian- ças obedecem melhor quando se' fala com elas do que quando se bate nelas; conclui isto pelo que observa e ao ouvir das crian ças coisas assim: "também todo mundo bate na gente por isso que a gente fica assim. ,. faz assim, '•• todo mundo só sabe ba Como às vezes "as meninas perdem a paciências e dá uns tapas e tudo •.. e les consegue ver ••• " e aí, conseqtlentemente, ter". "um monte de crianças deste daqui basta falar com eles tas vezes ficam oaladinho,s, quietinhos .•• " Por outro mui- lado, "eles" (as crianças) são "t50 danadinhos •.. os, que vem da rua v50 ensinando .•• aos 'outros ... se quer uma coisa, vai morder , I - agressivos desde pequenos". o outro .•. esses s,ao Assim, é 59 muito difícil lidar com as crianças, embora elas obedeçam às orderis, bastando falar para que deixem brinquedos e televisão imediatam~nte, estindo muito condicionadas "oom aquele horario ... todo dia a mesma ooisa ..• não tem nada de diferente~ não" . Estas dificuldades sao repetidamente associadas pela entrevistada ao problema da substituiçao da mãe: "Falei pra um menino (com mais de 6 anos): vooi.i assim~ meu filho~ vo oe i revoltado.porque sua mãe te deixou aqui~ mas vooe nao faz por onde outras pessoas tomarem o lugar de sua mae. A ge!!;. te ,poderia fazer isso~ mas vooi não quer aoeitar". ~ No entanto, a fal ta da mae, segundo ela, é sentida di f~rentemente; alg~mas crian~as são mais afetadas, outras menos, algumas passa~até a nao falar mais com ninguém, para outras "d~ no mesmo ..• ·t~ oom a mãe~ oom a tia ou se t~ oom outros estranhos ... " A organizaçãb da rotina di5ria das. crianças em sua opinião não é um fator importante quanto aproblemática das .crianças: "Aoho que não influi nao. Aoho que não i'isso não ... não faltar.ia nada não ... " sob esse as pecto (pois a falta é outra). Ma~ fica claro para ela que não se adaptam fora da rotina. Por exemplo, ao estGdarem nu ma escola fora da R.D.: "Não sei se i a oriança que enoontra difiouldade~ ou se são os professores que enoontram ... um mo~ te de orianças que foram daqui estudaram no Imaoulada ... na metade do ano foram expulsos de porque nao aguentaram eles ... Numa· tUY'ma de 60~ esoolheram só 5 para oontin71-aY' estudando~ os outros eram inoapaoitados e quenao adiantava não" . ta la .. A possibilidade da criança ser a culpada de seu pro" prioinfortGnio aparece 'quando procura explicar o que havia acontecido com essas crianças,: "tem muitas orianças aqui·qui são ~evottadas são. da reoaZoadas mesmo e ... nao quer mesmo nada não •.• a oY'iança quando tem que ser da i boa desde pequena . .. " Do, ponto de vista, portanto, se a falta da mãe é o essencial na situação, se a impossibilidade de preencher es 60 ta falta conduz a reaçoes .de nao aceitação dos outros, ã in diferença afetiv'a e se, apesar disso, ou por isso, há crianças para quem é indiferente estar com a mae ou com estranhos, e outras que consequem ainda ser "boas", então, o principal fator para explicar estas diferenças, surgidas dentro da mesma situação de abandono e "tratamento" institucional, só p~ deria ser a "natureza" de cada criança. Vê-se também um apelo ã explicação pelas . diferenças individuais, (talvez para evitar suspeitas relativas ao tratamento d~do pela in~tituição), quando a entrevistada afirma que ·as crianças rara~ente morrem: "85 aquelas que tem mesmo de morri~ sabi? J~ vem de casa desnutrida que n~o d~J que já chegam aqui doen tes. •• .Mas não morre J n~o. Tem muita criança que l~ uma vez ou outra que ••. mas aqui dentro nao; leva pro hospita~. Leva J no hospital i que morre". - Nas próprias pâlavras da entrevistada, percebe-se o. perigo para a instituição que de~orre da morte de uma criança. A culpa que é atribuída ã mãe, p.elo mal trato, pelo aban dono da crJançi, recairia sobre a instituição: " •• • teve uma criança aqui que chegou .pra cá no segundo dia de nascido~ a{ com oito dias que estava aqui J · a cl·iança. começou mal. a passar Foi pro hospital e morreu.A{J dizem que foi o' pro'b lema da m~e na gravidez" que ela tinha morrido. Ela estava no pronto socorro J que nao deu tempo de estudar ( 'i ,I a criança direito" então J foi saber~ então~ essa mãe queria rebentar a Fundação. Todo dia vinha aqui e queria .quebrar tudinho; .quebrou taria~ l~ em baixo tanta coisa l~ na po~ cadeira e tudo porque e la queria que. o fi lhó de la nao tinha nada. Agora e la so:!.. segou. Veio saber que era problema dela na gravide.z porque 'e?-a fumava e bebia mui:.. to.~ é isso que causou o pr,oblema na crian 61 ça. . Depois. que fez isso a'Í., é que ela sos segou um pouco porque ela achava que a ge~ te é que tinh~ matado, era aqui". Assim? é preciso que a morte ocorra no hospital, o que já afasta um pouco a culpa e a acusação, e, além disso. é melhor que a causa da morte não esteja associada diretame~ te ao motivo da internação no hospital: " ... Mas a maior parte morre mesmo no hospital .•. fica um tempão lá no hospital., então, aquilo que internou, quer dizer não causou a morte. As vezes, interna por desidratação, geralmente é por diarréia e vômito, a'Í ••• consegue ficar boa·lá no hospital,; da'Í a pouco eles falam que a criança morreu de ... sarampo ... falam até que morreu por infecção hospitalar". De modo geral, a morte nao 'se deveria à fal ta da, mãe, mas a entrevistada Sabe que isso pode acontecer: "Tinha uma aqui que eu achava,; a criCl:nça mo~ reu mesmo por causa da mãe. Até que eu:f~ lava que era minha filha, Simone. t, essa mamava, porque a criança que chega a mamar namãe·já sente mais, quando a mae deixa, do que quando, assim que já nasceu, a mae deixa de uma vez sem dá o peito, né'? Porque tinha um que a gente encostava nela e ela , começava, ~s8im, como se tivesse procura~ do o pe-ito da mãe,; ficava assim, desesper~ da., A'Í e la foi começou a não aceitar nada. A-í e las trocavam o leite. Pensavam que fo!!... se a mamadeira mas não adiantou. Essa a'Í internou. Essa menina morreu. Eles achavam que morreu de paixão. E a gente l~ vava pro médico e chegaba lá ela não tinha nada,e·o médico ficava olhando pra cara da gente. Um dia ela amanheceu roxinha, essa garota, levamos prb cardiologista, ele di!!... 'se que a menina não tinha nada, que devia , 62 ser frio que ela estava sentindo. Um dia ela deu uma crise aqui~ descanso~ me chamaram e disseram: lá eu estava M a criança esta com asma, Eu faZei: o pior que t.sso nao é asma nao~ é problema cardÍ-aco~ então~ eu estava fa- zendo nebulização na criança antes de levar hospital~ pro o porque a cpiança estava r~" xinha e aquel~s lábios meioesverdeados~ aÍnada. Num instante pegamos a criança e vamos pro Miguel Couto. saiu logo. levou~ A moça que Não levou nem meia hora estava no Migue l Couto. dÍ-aca~ A criança deu a parada car aÍ- quando foram ver, examt.nar criança~ a e tudo" esta com o coração grande. Já por ~r5s vezes já tinha ido ao médico~ nada~ e o médico disse que não tinha nê? quer dizer que não era culpa "da gente. médico disse que a menina não ia muito l~ tempo~ nao. criança ia morrer. O q.emoraíl' De qualquer maneira . a AÍ- apareceu a mãe da criança e achava que n5s tinhamos matad; a filha dela", Duas foram, então, as causas dOa morte: palxao por fa,!. ta da mãe e doença cardíaca, não diagnosticada a tempo. Um . . terceiro fator crítico -- de· caráter sócio-econômico - é ain da apontado,· no sentido de relativizar as ocorrenClas de mor te: " "Mas é difÍ-cil morrer" sabe? mesmo. Muito difÍ-oil Pela quantidade de criança que tem:· Porque eles chegam tão •.. assim •.. tridas~ desnu- que a gen.te acha que não vão durar muita coisa. Muitos vem tão ruinzinhos que dá pena~porque chegam tão ruim~ com sarna~ com ferida e . I ·do~ anémicos~ tudo~' pra todo pio7.,hos~ hi~ lado~ de8nutri piolho já. não é mais novidade~ nao, chega ruim~ cheio de verme" né? então" até . qUr; reage" né? ao tratamenio" mas tem '".4 . coitados •.. Tem um aqui que chegou ... ~~ je em dia nem se conhece o garoto Quando chegou ..• ele foi encontrad~ ra de Petr6polis~ jogado la mal" com três irmãozinhos. chegou . .. que ~ igualzi~, Tinha Ur'! s6 tinha ... com dois an.é,. igual a uma criança de sete meses" s~ nha olho grande e barriga. and~ Não déitado assim ... com aquela barriga ~~ me e as perninhas tão ... perninhas i; .. zinho aquelas crianças que a gente ve sim" da seca do nordeste, criança des::tada. Tomou ... e os pés inchados.T-::.- . remédio de verme" sei la~ fez efeito acho' que era tanta quantidade que 00:: •• : fez le troço na barriga de le que não' saia jeito nenhum. vulsão. Fo~ pro hospital co~ ~, C~~~ Ficou mui to tempo internado . . '.. gou aqui agora; é Um menino tão fo~te; ~. tem nada. Dos três ... este era o menor:~ les". Mu{tas das colocações desta primeira entrevistada ~ petem-se num segundo depoimento :feito por uma "garota" de 15 anos que cuida das criançashã cinco.anos e estuda em uma es cola municipal (6a. s€rie). Ela tem mãe~ mas mora na R. D.. e embora tenha pai e saiba quem 6~ este nunca viveu com ~ mae. ( 'I Transcrevem-se, aqui) trechos do. seu depoimento, ten tando recompor o quadro que desenhou tão expressivamente. "Eu vejo. estas crianças com falta de cari-nho, falta de alguém que possa compre en -=-. J J de-las porque melhor do que nos so . .. so 64 mente os pais deles~ porque isso que tá dizendo melhor do que n6s, s6 os pais de- les. Umas crianças carentes. ,Carência de carinho de uma mae e pai. Tem muita diferença~ as criançàs lá de f~ ra são umas crianças mais meigas~ enten- porque a mãe tá ensinando carinho t~ deu? do dia~ tá dando carinho pra ele~~ agora~ as nossas crianças daqui~ alim de ser mui tas~ pega~ a ,gente não pode tá toda' hora do no colo~ fazendo denguinho~ mas lá fo- ra não~ lá de fora têm mãe~ tem pai pra fazer outras coisas e ... eles num vê ... as crianças' lá de fora num vê as coisas que estão passando, aqui dentro nem os daqui de dentro vê as coisas que estão passando l.á' fora~ e~ tem diferença sim de criança zá ,de fora pras daqui de dentro. Assim~ que eles ve a mae dos outr9s~ falam: Mamãe ... mamae ... e tal~ carinho~ eZes querendo assim~ querendo qualquer coisa que amae deles ~ão pode dar. - você ia falar sobre a criança aqui~ que tem adotada por exemplo. - Eu não concordo muito em adotar criança já deste tamanho~ entendeu? Popque .•. Eu não concordo muito porque a criança já vi~ o mundo dela aqui viu ... já tá ... já dent!>o que i sem ,pai~ sem mãe~ criança sem r ninguim~ rente~ e lá fora ela já ve o mundo êife brinq~edo s6 pra ela~ entendeu? praela~ aqui~ quartinho s6 Ela j~ vê não. o mundo diferente do que ve lá fora~ por isso que eu não concordo de adotar criança nem de levar pra passar o fim de Porque quando a criança chega semana. aqui~ ela 65 fez uma coisa Zá na casa da mãe~ por exe~ pZo~ tem aqueZe quartinho só pra eZa~ tem aqueZe pratinho ~6 deZa~ tem o brinquedo só deZa~ a caminha só deZa~ entendeu? .EZa só vi aqueZe mundo só deZa e aqui eZa tem que compartiZhar e~ eu não 'acho uma boa Zevá a criança pra eZa vê um mundo zá fora que eZa não pode viver sempre se é o daqui que eZa tem' de viver. Essa criança que vai ser adotada~ vai mudar de mundo~ vai passar a viver aqueZe mundo Zá de fora... en ·tão ~ mas... tem cer tas criança que nao se acostumam; por exem pZo nós temos um caso aqui~ da Luana~ uma criança que a gente vê que é super carente~ quando a visita chega aZi ... quero ci Zo~ quero beiJo. Ela é uma criança supir . carente porque o simples fato deZa' ter vi!!..' to o mundo Zá. fora~ porque e Za Já foi ad~ tada" se eu nao me' engano, umas tl>ês vezes: Mas ai a criança Zá fora ... a criança me!!.. ma se. reJeita~ ao vê o mundo Zá de' fora" ai começa a fazer •.. taZ~ não querer comer" a{ voZta. Tem que ter um certo Jeito pra eZes. Eu gosto de Zidar com crianças desse tipo" mas mesmo se fosse pra mim trabaZhar Zá fora eu também iria me adaptar porque eu gosto muito de.crianças. ( 'I: As crianças Zá de fora têm um pai" uma mae" uma compreensao e a daqui de dentro nao. ~ por mais que nós cuidamos deZes damo~ uma medida certa de compreensão~ de carinho~ precisá mais" o mais fundamentaZ mesmo dis so tudo é .a mãe e o pai porque nõs não p~ demos substituir. Bem~ pode-se dize~ que foi por.um motivo de necessidade~ qu.e foi 66 nao~ que i ati hoje~ por motivo de sidade que estou aqui~ nece~ entendeu? Porque minha mae trabalha e eu sou filha Minha mãe e eu. única. Minha mãe trabalha lá. na t Tijuca e eu trabalho aqui. um motivo de necessidade porque s enquanto ela vai trabalhando lá eu tô trabalhando e estudando aqui. O meu grupo i de crianças de 3 a 4 anos. são crianças na faixa de 3 a 4 anos. Na minha. sala o total de crianças sao 30 porque são 30 cadeiras~ 30 ca- crianças~ mas. Uma "garota" que tá numa sala passa pra outra sala ... a que tá na outra passa pra essa~ entendeu? Sempre~ assim~ reve- Al tira a "garota" daqui pra bo~á' sando. lá ou~ entao J aqui~ tira 4e lá pra botá Sempre o caso i essa falta de "garota~ A· gente tá com eles quase o dia inteiro J ni? pouco tempo que a gente se separa·dele~.·· Todos os casos sao um diferente do outro. Tem os casos que. a po llcia encontra' no apartamento sozinhos. teve um caso desqes al J nou, sabe? Outro dia mesmo que a mãe abando- Sao casos todos diferentes um Mu~to diflci l do outro. eles ter um igual. Eu acho essas crianças daqui~ não vamos J sim usar o termo de totalmente' as- felizes porque e las seriam mais fe lizes ao lado de pai e mãe J mas tirando o pai e a mae les, pra eles.. ... eu acho que eles daqui porque~ entendeu? ~ratamento, de- gos~am porque têm um não vamos dizer igual ao do pai e d.a mãe porque isso já e mentir. Eles tem um tratamento que a gente, na medida do posslv.el,J que a gente pode fazer . com eles. t um tratamento bom e eu acho que 67 eLe~ gosta~ daqui. Eu nao vou viver avi da inteira aqui" ni? Eu dou estudar e quando aparecer um emprego melho~.,. eu vou embora, Bem" satisfeita" temos que e~. tá porque não· é .. ,. nós nao temos nada pra pagar" ~é? só comprar uma roupinha" e tal •.. mas nao Vamos dizer que é uma gra~ de' coisa porque realmente não~; l5 mil cruzeiros não dá pra nada" 'mas na medida do possivel a gente vai ~ontornando as coisas como' dá mesmo. Cada um ganha um tanto ... tanto que mé;roece •.. pelo tanto que trabalha na sala" pela ajuda na sala. - Como é que nós obtemos a disciplina das crianças? 2 ... Bem" a gente tenta eduoar eles" entendeu? mas" têm uns qu~ são difi qeis educar porque a gente vai ensinar" . por exemplo" têm certas crianças" quando, chegam aqui~ nao nessa fa-ixa" mas nas outras" chegam aqui não sabe comer" quer c~ mer com a mão deLes" ai a gente vai ensinar dil'eitinho" ai faz aquela pirraça. Mas aos poucos" aos poucos" ela vai olhando pros outros na mesa e vê que. .. e l'e tá. sen do o único, ele ai" se comporta na medida do possivf3L. Quando suja o Chão,,' faz 'x:!:.. xi' no chrio a gente ensina" pega o pano vai limpar, não é aqui q'ue faz 'xixi'" é no banheiro ••• Cada 'garota' tem um tipo diferente de t~ mar conta dessas crianças. Umas vão já ... t~ faze~do alguma coisa errada" chega pe~ to e fa la. Pode, até diz er que e.ssas te,... crianças., p;roa umas ' garo tas' ". elas se nham . .• pode-se dizer: falou, falou, obede ceu mas pra outras nao" porque além de ser nOVa na sala" eles nao obedecem; tem - I 69 Quando eu estudava aqu1.:" e.ra assim: ~que ria aprendel'" respondia ~ professora e ta~" saiq dasa~a. Pe~o ménos aqui. Se desse tamanho e~es ja est50 enóontrando dificu~dade" né? ~a fora ... as dificu~ dades sera maiores. Depende também .muito de~es. Mas e~es sai ..• sai pe~a cabe ça de~es" entendeu? Ah! responde a pr~ fessora e talo .• às vezes a pl~ofessora ch~ ga perto de~e e pergunta0 que é que e~e tem ..• at voLta pra saZã. As crianças daqui não fa~am direitinho" nao. A Luana" por exempZo; a Luana" eZa gagueja" outros não pronunciam a pa~avra direito. são poucos os que fa~am bem. Ne nhum deLes usa chupeta. E~es comem soz~"'? mas at na vida rttmica deZes ·n h os" ne. quando e~es tão quietos" não que:fT comer; é porque aconteceu aZguma coisa" mas ge, ra~mente" todo mundo come bem" que eZes come com a mao deLes e até repete. EZes só choram quando acontece aLguma. coisa com e~e8. Quando aZguém bateu" aZguém brigou com e~es. Sempre que e~es t50 brigando tem que separa porque ta na fase mesmo" né? muita criança junta ... Muita criança vai jun~ando baru~ho" os gritos e taZ. Na hora da refeição não fazem baruZho po~ que chegou aqui no matérnaL a gente faZa: fiquem quietos e comam tudo; eZes ficam quietos e comem tudinho. Tudo que se man da eZes faz.3m na hora que a gente faLa sé rio" ~~es obedecem. - Dependendo dç que a criança tem" pegamos no coZo. Né? quando a criança ta". assim" de pirraça nao pegamos" nao. Mesmo as·sim" a gente pega uma.' vez ou outra" 70 pra fazer um carinho porque não dá pra p~ ga todo mundo de uma vez~ né? Fazendo ca rinho e tal e ~ outro~ •. ou eles mesmo se oferecem e pedem colo. - Se não t~m ningu~m aqui na sala~ a primeira co'isa que eles fazem" vão pra 'con!!.. trução ' ". vão pra 'casa da" bone,ca' desarru ma tudo. Mexe em tudo. o banho das meninas ~ diferente" é separ~ do do banho dos meninos. Lá no terraço são 8 privadinhas e aqui dentro temos 4 privadinhas li um chuveiro. Um· chuveiro só •. g o banho das meninas i assim: primeiro as" meninas e depois os meninos. Quando é lá fora" a gen te faz as sim: bo tçz os m'eni-:nos sentados e.dá banho nas meninas" en-, tendeu? No te~raço" quando está muito ca lor" ai veste as meninas" bota as meninas sentadas e dá banho nos meninos" ai etes vão observando que os órgãos de les. sao um diferente do outro~ entendeu? mas nao as sim.) de menino nu e menina nua tomando banho jun"l;o. Têm umas crianças que mexendo~ ~ntendeu? às vezes ficam mas a gente chega tO e a primeira coisa que eles fazem se pe~ 0# e isso aqui" né? dá aquele ... como se tives se tomado um susto. A gente •.. menina~ a gente põe a calcinha e põe o short. Nunca deixa só de ehort porque elas se mexem me~ mo e os· meninos a mesma coisa" a gente poe a cueca e poe o short. Os grandes a gente, fala que não pode mas os pequenini-" " , nhos" porque. a senhora vê" né? no meio dos "g~andes tem pequenos. A gente chega perto dos pequenos e diz que não pode mexer ali e tal" manda olhar pra televisão. 71 Isso acontece muito na hora da televis50. Os meninos n50 est50 nem a{~ mas a gente tem que falar~ entendeu? Alim da irm~ j~ proibiu. N50 quer que as crianças fiquem se mexendo~ nao quer que as cr~anças v~ ao banhei:t'o um junto do out,ro" tudo separado. Acontece quando a gente nao está olhando" observando" ni? mas~ quando nós estamos obse:t'vando n50 acontece~ nao. Mas pela vontade deles~ eles fazi~m. A irm5 s~mpre tá orien tando a gen te. Ela viu aqui. lo de' errado" observou~ a{ chega perto da criança~ a{ chega perto da gente e fala: Olha~ fica de olho naquela criança~ nao deixa essa criança fazep isso~ nem isso, - deixa as me~inas ir junto dos meninos. nao ,pro banheiro. N50 quero os meninos um atrás do outro na fi la pr'a toma banho, nem Porque 'as meninas uma ~tr~s da outra. eles ficam mexendo no órg50 do outro~ entendeu? ela não quer. Ela chega perto da gente e faZa •. - Dias antes do Natal teve a festinha organizada pelas professoras. O teatrinho delas l~em cima~ •. As crianças ficaram~ entendeu? radiantes. Viram o Papai Noel e tal~. a{ 'uma' das professoras se vestiu de J Papai Noel" distribuiu presente~ pra eles. isso foi o teatro~ e depois passaram pra festinha deles~ A{~ teve comida~ bebida ... pra eles. No dia do Natal ... não teve na da ppaeles~' não. f - Na passagem do ano a irm5 me falou que as cri~nças ficam com medo dos fogos, que acordam noite,gritando .•. Nesse dia ela até mandou preparar um chá" e la mandou pr~ para um calmante~ a{ ~ós demos~ eles dor a 72 miram. ,tranqu-iZos. NataZ~ Copa~ Mas sempre é então~ assim ... na Copa do Mundo~ ,criar;ças ficaram afobad{ssimas. Tem as uns até que não 'tem medo~ mas os que tem passa pros que nao tem. festajunin~~ De noite~ quando tem eZes dão de cara por que tem Z~ em cima. morro EZes dormem~ mas dão de cara pro morro que te~·Za em cima. ~{; o morro é todo pintadinho J Zuz de noite. mos~dizendo entendeu? de EZes acordam apavorad{ssique era baZão~ medo incr{veZ de balão. eles têm um Esse medo •.• t~o dia uma menina acordou assim ... oZhou prum Zado e pro outro ... oZhou aqueZe Zuzinha~ te de lão~ gritou be~ alto: OZha o a{ acordou todo mundo .•. todo com. medo grit.ando •.. o baZão~ Saiu todó mundo'peZo corredor. acordei~ o ou mo~ b~ mundo baZão: A{~ eu botei todo mundo pra dei,tar e fo _ ram dormi. Mas o que tem medo passa pr.os ou tros que não têm. Porque os que têm mãe~ a mãe ensina~ entendeu? aquiZo é baZão. N6s também ensihamos mas eles não compreendem. De d~a ~uando eZes vêem balão~ tu, do bem~ eZesnão se assustam porque ta cl~ ro~ mas de noite eZes imaginam mil e uma coisa. são umas crianças que a gente tem que ter uma certa paciência porque se for fala ca - Za a boca" eZes vao prendendo o medo pra ., si~ a1, depois mais tarde pode se que eles· tenham um probZema. 73 6. CONCLUSÃO A noção a respeito da cria~ça i?stitucionalizada em idade precoce que fi~a mais clara, a pa~tir da discussão dos resultados, é a de que esta criança se torna "diferente". Su põe-se que a sepatação da mae e a institucionalizaç;o produ~ zam essa "diferença" -- o qu.e pode ser demonstrado tanto pelos estudos teóricos e· empíricos vistos neste trabalho.qua~ to pelos resultados'do presente estudo, obtidos através de observação direta e depoimentos. Tal "diferença" é vista nao só na criança, eomo no ambiente, quando confrontados com outras crianças e ambientes. A criança fica menos familiarizada com o ~otidiano, sabe muito pou~o'ou quase nada a respeito da vida fora da ins tituição, uma vez que não tem acesso as informações sobre os acontecimentos ficando com sua experi~ncia mais restrita. Ou tra forma· de restrição das ~xperi~ncias ,é determinada pela ro tina repetitiva do cotidiano denti~ da instituição, em contraste com a variedade de experi~ncia no ambiente familiar. A criança torna-se tímida, ,parada, inibida, sem iniciativa, fre~ te a este ambiente estático, sem estimulação, sem novidade. Ao lado dessa restrição de experiências desde pr~ senciar o preparo das atividade~ cotidianas, mais comuns (pr~ parar comida, arrumar cama etc.) aprender hábitos sociais, de f~zer visitas, de passear, de tomar uma. condução -- que afeta evidentemente a criança em seu desenvolvimento cognitivo e s~ cial, ocorre no seu ambiente um rodíiio permanente das pessoas encarregadas de cuidá-la, em contraste com o ambiente familiar normal, onde existe uma constincia das figuras paternas, dos irmãos, ou pessoas substitutas. Este aspecto gera uma impossibilidade de apegar-se a algu6m, o que se expressa na necessi dade compensatória de "agarrar-se" ~s pesso.as estranhas (como por exemplo as visitas que recebem), numa tentativa compulsi- , , va de preencher a 'car~ncia decorrente da aus~ncia de relações estiveis gratificantes. Por este ãngulo, ~ possfvel compree~ der a sua proble,mitica quanto ã formação de relações objetais. A falta de contato físico da criança com quem a' cui da 6 outro aspecto que caracteriza sua vida institucional. xâ~ ~ colocada no ~olo, não ~ embalada; nem acariciada, não recebe qualquer gesto de carinho e amor. Pelo contririo, dar :a rinho 6 ,visto, li dentro, como causa de manha, levando a evitar-se "privilégios" afetivos. Em reação a tal condição, criança torna-se tri~t~, sofrida --'caracterfstica que ê vis ta muitas vezes pelas próprias entrevistadas como a "diferença" primordial em comparação com a criança não instituçional~ zada. inclusive mesmo em comparaçao com o menor abandonado na rua. A tristeza revela, a~sim, uma' f~lt~ afetiva, um dêfici: de amor para sempre,' que não seri preenchida, cuj os' efei tos :'3. vida psicológica da criança são bem conhecidos, destacando-~~ entre eles a indiferença afetiva e a perturbação da capacida~ de estabelecer relaçõ~s tom as outras pessoas (Bow1by, 1981). Alguns desses efeitos ji ~ão seritidos, dentro da própria lns tituição, entre os "maiores", acima de seis anos (segundo dis cutido no capftul0 S, p~59). ;l. A instituição esti constantemente reforçando e co=pensando, com coisas materiais, a falta de afeto e i falta ~3. mae. Fica claro que a presença da mãe re~l na instituição &! rante outras compensações ã criança, ou seja, que as compens~ ções puramente materiais não compensam de,fato a parte afetiva,' e assim reforçam a aus~ncia da mãe. Quando esta apare.:;; para visitar ou quando'ê funci~niria, a instituição fica ame~ çada pela demanda afetiva que novamente emerge na criança. ~~ palavras da instituição, esta presença incentiva "a manha",;;; rando um dist~rbio na ordem institucional, q~ebrando a sua es trutura. ~ esta ameaça que faz ser tão importante o rompime~ to do vínculo com a mãe. Isto ê demonstrado pela organizaç~J dos dias de visita das mães (apenas uma vez por m~s, ao passJ que os estranhos podem ir duas vezes por semana). ~ necess~ rio afastar ao miximo a mãe do filho. Como se v~, a insistê:l , ' / i\ 75, <~ cia em afastar a mae, em que~rar o vfnculo mãe-filho reforça a falta afetiva e seus efeitos nega~ivos, ao mesmo tempo em que provoca uma divisã~ entre as próprias crianças da institui çao -- as que têm mãe (dentro ou fora) e as qUe não têm; as primeiras sao as "pirracentas", as "manh?sas", choram quando a mãe se despede, dão mais trabalho às "garotas"; as maes exi gem, cobram um, cuidado maior com a criança, sendo vistas por isso como "culpadas" pelo não cumprimento das ordens. No entanto, entre as crianças, "não ter mãe" é uma ofensa, vendose isto na hora em que brigam ('t seu bobó~ voae.: não tem mãe • •• "). Lo"go, o sentido da pres en"ça da mãe é um para a ins tituição, e outro para a criança. Para esta última, significa ,um "status" de privilégio, porque, tend,o a mãe, tem o que os outros nao têm pelo menos a esperança da real gratific~ .... çao afetiva. Para a instituição, pelo contrario, significa uma perturbação da ordem a ser evitada de muitas maneiras. " .. L \ I I i " ' o controle institucional iricide'também sobre o esp~ ço ~ o tempo da c~iança e ordena as relações entre as pessoas que li vivem (hi~rarqui? de subordinação). Estas formas de controle "a disciplina" segundo Foucai.ll t -- cerceam a liberda de da criança ao ponto de ser 'condicionad'a a obedecer automaticamente a qualquer ordem. Em conseqUência, torn~-se dócil, submissa, ficil de ser mani~ulada, quieta, sem iniciativa e medrosa, em contraste marcante, com as crianças no ambiente fa miliar, na mesma faixa etiiia. Ilustrando esse c~ntraste a autora relembra aqui afalt~ de choro no berçirio dos bebês e a passividade dai crianças na maior parte de seu ambiente. Os cuidados afetivos de que a criança necessita sao substituidos por estes controles, o'que implica mais uma vez na condição de falia afetiva., Ser d6cil, submissa, manipul~ vel, interessa apenas à insti tuição (/lpreservar a ordem"), que s6 vê o presente da ,criança, $em' tomar consciência dos prováveis prejuízos futuros para' o desenvolvimento emocional da me~ ma. Mais uma vez ressalta o risco desses processos institucionais provocarem, na cr~ança, uma acentuação dos efeitos do abandono afetivo. Jj acolhida na instituição do ponto de vis , _.,.... 76 - ta material, e disciplinada, mas continua abandonada mente. afetiva I I A frustração por falta de amor~, assim, a experi~_n i cia central da c riança na insti tuiç-ão, Jcomo se pode verificar atrav~s dos depoimentos e observações feitas, onde ficou claro ser quase impossível a gratificação afetiva, a um nível pri. mário, com os possíveis substitutos da mã.e que lá se encontram. As possibilidades de reorgariizar as relações objetais primárias são, portanto, muito precárias, sendo provável que a. criança institucionalizada torna-se, posteriormente, incapaz de amar e de es~abelecer contatos sociais adequados, do mesmo modo que as crianças estudadas pelos diversos autores citados na "Fundamentaçã.o Teórica". Já aflo'ravam, no momento da realização deste estudo, alguns sintomas dos futuros d~sajustame~ tos. Tentou-se apreender a expressão de ·tais sintomas analisando, aqui, as "diferenças" que caracterizam a crianc, insti tucionalizada. o que pode esperar esta criança? Na realidade, o seu futuro assim como o seu presente na instituição, será uma incessante repetição do abandono. Sua "dife'rença" será o fator determinante da marginalização futura, que, sendo um pr~ cesso de exclusão do indivíduo "diferente" no plano social, faz reviver o primeiro abandono -- abandonada pela família, se rá tamb~m abandonada pela sbci~dade. Neste estudo, a conclusão principal ~ que a repetição futura da si tuação de abandono e a consolidação dos efei tos n~ gativos deste abandono começam no prQcesso de institucionali zação.onde, em síntese, em vez de se atenuar ou compensar .p~ sitivamente a falta da mãe, torna-se sempre presente a sua ausência. j JI r I -:7 , BIBLIOGRAFIA -- ABERASTURY, Arminda. Aportaciones aI psicoanalisis de nines. Buenos Aires, Paidós. I' I ! BAETA, Anna M..Bianchini. Es tudos de ins ti tuições de . a tend: mentoao menor desassistido na perspectiva de seus objeti.-~, metodologia, recursos humanos ~ da possibilidade d~ integração .desse menor no mercado d~ trabalho. Rio de Ja.'neiro, FGV/IESAE, 1~80. - BOOTY, Tony~ Psicologia do crescimento em sociedade. Janeiro, Zahar, 1976. Rio BOWLBY, John. Cuidados maternos e saúde mental. Martins F6ntes, 1981. la. edição brasileira. Paulo, São Formação ~ rompimento dos laços afetivos. São Paulo, tins Fontes, 1982. la. 'ediçã6 brasileira. Apego. voY. 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ANEXO .I A rotina diária dos grupos que pertencem à creche a seguinte: - e 06:00h levantam e começam a higiene como escovar os dentes e tomar banho frio. 07:00h caf~da manhã, indo depois pa~a o terraço onde permanecem com uma das "garotas" at~ as professoras che garem • ... 08:00h as. 08:30h a turma toda vai para a sala de aula onde fazem uma rodinha sentados no chão e cantam com as garotas e com a professora. 08:30 às 09:00h- a metade da turma perma'nece na sala de au. . la com a ~rofessora e faz~m trabalhos de criativid! de como pintura, colagem etc., enquanto a outra me tade v.ai para. a ti vidade externa com uma das "gar~ tas". 09 :OOh ·às 09: 10h - todos tomam um suco e fazem odes locamento, isto é, troca· dos grupos e então permanecem até às 10:00h. IO:OOh às 10:15h .;.,- atividade de estimulação diversificada COIl a professora qued~ m5si~at ritmo, expressão corpor.aI etc., com o grupo todo. Es tá a ti vidade nao e realizada pois segundo as professoras nio há tempo suficiente. 10: l5h às 10: 30h -. J:1.igiene almoço. lavar as maos e o rosto para o 10:30h às 11:OOh .;.,- almoço ~ue é. serviço na prôpria sala de aula por todas as "garotas", a professora, a funcic nária e a irmã respons~vel p~lo grupo. 2 11:00h às 11:30h ro • higiene - escovar dentes e ir ao banhei .. 11:30h as 12:30h repouso na sala onde fica 'a TV ligada e as crianças deitam no chão sem nenhuma proteção e ... alo devem dormir, pore~ alguns nao o fazem, mas sao obrigadas a permanecerem deitadas. - .. .. as 12:30h as 13:00h 13:00h .. levantam, vao ao banheiro. - 13:30h ficam em area externa da. própria institui çao com a presença da professora. - 13:30h as 14:00h historinha e brincadeiras. ~.s l4:00h as professoras deixam as turmas entregues às "garotas" com as, q.uais permanecem até a hora de dormi r. 14:00h lancham e vao para o p~tio externo onde ficam até às 16:00h quando começam a rotina do banho e assis tem TV até às 16:30h e vão para o jantar, depois hl giene e às 17:00h fazem uma oração, brincam no teT raço até .18 : O'Oh quando então tomam um lanche, vão ac banheiro e às i8:30h d~itam para dormir. Dúrante~· noi te apenas uma pessoa. fica respons~vel por todo c grupo. Todas as quintas-feiras as crianças que j~ sabem andar são levadas para um passeio em algum d03 parqrtes da redondeza, vão todos andando a p~. pela rua mesmo aqueles bem pequenos. , crianç~s Quantas 3 sao em cada grupo? R) são l2. Doze em cada grupo?! . ',.I I'. • .., ~ 1i1r "" Sempre é a mesma pessoa encarregada do mesmo grupo? R) ~ sempre a mesma pessoa. Por que? R) Porque ela já tem habilidade com as crianças. Cada uma tem habilidade com cada grupo. Dá para conhecer cada criança do seu grupo? R) Conheço todas por dentro e por fora. Conheço todas. Quais as atividades que voce tem aqui com as crianças? R) Atividade ~ somente ~'dar o caf~ deles~ o almoço e em geral a comidinha deZes~ em geral.~. ~ tamb~m fico com eles qua~ do tem necessidade; fico com ~~es no maternal~ ajeito o ma ternal deles." Essa ~ a atividade que eu tenho com eles. Como essas crianças chegam aqui? R) R o juiz'de menor que manda ,as crianças pra cá. o que vo~~ acha das crianças d'aqui da Romio Duarte? R) Acho 'que são crianças que precisam de amor ... são crianças , carentes. Voc~ gostaria de arranjar um outro tipo de emprego? R) Eu já tentei mas por gostar tanto deles eu voltei'd~ novo. 'Voc6 está satisfeita com o ieu ordenado? R) As vezes eu fico 8a~isfeita~ mas eu acho que dá pra mim vi ver porque s5 tem eu~ sozinha mesmo. , 68 que ter muita •.• como se diz ... tem que ser ... tem que ter o jeito certo pra podi toma conta das crianças pra elas aprenderem a obedecer~ levadinhQs~' sao. Tem que falar sério mesmo. mas que sao Bota pra vi televisão~ at começa a aquela bagunça porque o norma~ de criança en tão ~ i a criança ficar agitada e tal~ elas são desse jeito. crianças~ fazer são como todas as nesse ponto eles são iguais. Eu tento me iguai~ a eles~ entendeu? Porque se acaso eles tão brincando e eu falo assim: não~ não é isso. Eu tento me igualá a. eles" quando tão brincando eu brinco tcun bim junto, quando tá cantando eu canto ju~ to. o sentimento q~e eles despertam em mim a carência mesmo, porque quem chega logo vê~ ni? mente oi e aqúi que essas cri~nças são real caren~es, muito carentes mesmo. Quandp eu cheguei aqui tinham 5 'garotas~ todas as 5 foram e~bora, a anica que fi- cou foi eu~ en tendeu? A t vai mudàndo, vai mudando~ Às vezes é vai mudando. porque e las querem. mesmo~. às vezes é porque faz alguma coisa errada .. at a irmã vai ajuntando~ ajuntando, at tem uma hora que ela manda embora. - A criança quando sai daqui para uma escola encontra dificuldade; eu tiro aqui~ por por essa escola aqui, que quando eu já estudei l~ e~baixo, sabe? estudava lá embaixo sabe? quando . e u é um tipo de en sino que tem que tê muita paciência com eles porque eles são naquela mania de afo. , bado naoquerem aprender. 5 Quais os sentimentos que elas despertam em vocês? R) Carinho~ muito oarinho: Você nota. alguma diferença entre as. cria,nças? - ,I R) Não noto nada; sao orianças normais pensam do jeito que tE!... das crianças pe. nsam ; bagunça tamb,êm fazem são todas iguais. igua~ .a todas. Mas por exemplo, voçê acha que uma é melho'r do que a outra? ... R) Methor do que a outra? E 'se tem alguma preferência, alguma coi~a assim? R) Não. Umas sao melho!eS? .• R) Não; nao tenho mesmo. Uma que você 'acha que é melhor que a outra, que atende mais ou que gosta mais de você? Por exempl?, você acha que tem alguma criança que não gosta de você? Eu acho que tem ... Todas e~as sao iguais a nao ser co migo~ assim ... que faz ela diferente" mas etas são todas iguais. Acho que todas gostam. de mim. ,Eu vejo porque e~as sentem saudade quando eu vou pra minkacasa. Eu acho que ~~as gostam de mim mesmo. R) Não. 'Você acha que deveria haver alguma modificação no ritmo do tra balho? R) Eu'acho que deveria sim. Qual? Por exemplo no trabalho, como é que você acha? é que você acha que deveria melhorar? R) Eu acho que... a gente podia ter mais . carinho pras crianças. ~iberdade O que de dar mais 6 Como assim? R) Porque a gente nao pode. " às vezes a gente nao pode ... dá tanta atenção pra uma que necessita~ não por preferência mas por necessidade.' Nós não podemos fazer isso porque as Irmãs vê como se tivesse dando "chamego" por preferência. Não é isso. vdc6 acha que a criança quando sai d'aqui para freqUentar uma escola lá fora, ela encontra "alguma dificuldade? R) Encontra sim. Encontra? •. R) Encontra porque pode ir pra outro Zugar. pode Conforme" ir pra FEEM. ' 'Acho que Zá nao tem tanta .. .. tanta . .. prova de amor ·que a gente dá aqui. A gente dá muito carinho. Pe 1,0 menos eu semp:re dei carinho. ' Eu brigo também" se bem que se tem que. aumentar a voz um pouquinho~ mas acho que 'e 1,as têm bas tan te carinho aqui dentro. - Voc6 acha que lá na FEEM hio ~ assim? .. R) PeZo·que eu ouço" ou escuto né.que . .'~ Têm Umas .que quando saem d'aqui~ Com que idade as crianças saem d'aqui? R) Bem exatamente" eu nao s·ei. choram \. Dissertação apresentada aos Senhores: Nome dos Componentes da Banca Examinadora Visto e. permitida a impressão Rio .de Janeiro, /6 Coordenador Gera de . U~( de /~/1985 EnSlno