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A CRIANÇA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO
I
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. M~~ia Helena
Hen~ique~
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Vi~i~a
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A CRIANÇA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO
Maria HeZena Henriques Vieir=
Dissertação submetida como requisite
parcial para a obtençio .do grau
de
mestre em Educaçio
.
Rio de Janeiro
Fundação GetGlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação
Departamento de Psicologia da Educação
1985
RECONHECIMENTO E GRATIDÃO
À
Dra. ANGELA VALADARES DUTRA DE SOUZA CAMPOS
foi minha orientadora' na execução
Seu conhecimento'
acad~mico
desse
tr~balho,.
que
aliando o
comum calor human? sincero,
con'
seguindo manter em mim a vontade, a confiança e o entusiasmo
necessários para levar avante meu objetivo.
Esta dissertação é q resultado de um grande esforço
que nao teria sido poss'ível realizar-se sem a aj uda da Mestra
MARIA LOCIA DO EIRADO SILVA cuja enorme
experi~ncia
me
pude
beneficiar revelando-se decisiva na execuçao do meu trabalho.
Dirijo,também, os meus agradecimentos a todas
as
"garotas" e c rianças. da R.D. a quem devo uma das expe ri~ncias
,
mais releiantes em minha vida.
~
,
- 111 -
.~. ,."
.'.'-" ..... "'".,"-,,'
'-'~
Aos meus pais:
• Armando Henriques Vieira
Marietta Dias Vieira
- IV -
e
S U MÁ R I O
Pago
1. INTRODUÇÃO •••
•••••••••
4
••••••••••••••••••••
........ -
01
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA •••••••••••••••••••••••••••••• -
03
3. FUNDAMENTAÇÃO TEdRICA •••••••••••••••••••••••••••••• -
08
3.1 -'Fatores sociais do desenvolvimento ..••......• -
08
3.2 - O papel da mae no referente aos aspectos psico16gicos do deserivolvimento .•.•...........•. -
11
24
, 3.3 - Aspectos institucionais ••..•.•....•...
4 . PESQUISA ••••
4.1
s.
............................. ... '
27
Metodologia ................................... ',.-
2,·S'·
4 • 1 . 1 - S'u j e i tos •• ••' •••••••.• ~ ••••••••••• ~ ••• ~ -
28
4.1.2 '- Instrumentos e procedimentos ......... -
31
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ••••••••••••••••••••••••••• -
33
5.1 - A vivência da criança na relação com o representante da Instituição ...•.........•..•....• -
53
....................................... -
73
6. CONCLUSÃO •••
r
BI BL IOGRAFI A •••• -•••••••
•
•
•
•
ANEXOS (1 e 2)
- V, .;.
•
•
•
•
•
•
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•
•
•
•
•
•
•
•
I"
•••••••••• -
77
·R E S U M O
o presente trabalho visa a uma abordagem do
relacib
namento mãe-filho nos primeiros anos de vida e sua importância
para o desenvolvimento do indivíduo e seu ajustamento poster10r.
Na fundamentação teôrica destacam-se os estudos fei
tos principalmente por Freud, Spitz e Bowlby. Conforme esses
autores as primeiras relações enfre mae e filho são essenciais
para um desenvolvimento sadio da criança:
o tema deste estudo é justamente investigar os
efei
tos de uma situação especial onde tais relações sao pr~coc~
mente rompidas, passando a criança a viver numa instituição.
Esta investigação ·exigiu·primeiramente um le~antam~n
to da literatura existente sobre o assunto, objetivando ·uma
fundamentação t~ôrica no referente ao processo de desenvolvimento social e i importância dd papel materno neste desenvol
vimento.
Por conseguinte, este trabalhb nao trata apenas de
simples reflexões pessoais, mas, de leituras sobre diversas
teorias que tratam do assunto e.m pauta e de uma pesquisa com
criançás que vivem em instituições e, portanto, afastadas do
convívio familiar,no sentido de buscar uma confirmação, em
nosso meio, das afirmações feitas na~ teorias r~visadas~ assim como de evid~nciar a especificidade do processo de aband~
no e insti tucionalização, com sua origem num contexto familiar
e efetivação numa determinada instituição.
- VI ...
.
.
o
texto da diss~rtação inicia-se pela justificativa
do trabalho realizado, definindo-se o problema do estudo como
sendo o questionamento .tanto da situação de abandono e separ~
ção da mãe, quanto d'a insti tucionalização em idade precoce.
Este problema ~ analisado i luz da revisão bibliogr!
fica de estudos feitos por autores brasileiros na d~cada de
75 a 85 e ainda i luz de teorias que tratam dos fatores
sociais do desenvolvimento, da relação mãe-filho sob o ingulo
psicológico e do papel institucional, em termos da substituiçao da mãe.
..
A pesquisa realizada no Educandário Romão Duarte
e
ap,resentada do pon.to de vista de sua metodologia (estudo
de
caso). definindo-se os sujeitos, os instrumentos e procedime~.
tos.
Em seguida, os resultados foram discutidos sob dois
pontos de vista: análise da problemática da criança e do con
texto institucional; análise discursivá do depoimento de quas
funcionárias da R.D ..
Finalmente apresentam-se· as conclusões, onde se configuram as '''diferenças'' que a 'separação da mãe e a instituição'
. produzem na criança, mostrando-se as implicações psicológicas
desses efeitos.
- VII -
"REsUME"
Le présent travail se propose d' élucider la relation
mere-enfant dans les premiere années de vie, de considérer
son importance pour le dévelopement de l'individu ainsi que
pour son ajustement postérieur.
Du fondemen t théorique on détache les études de Spitz)
de Bowlby et principalement de Freud. D'apr~s· ces auteurs
les premiers contacts entre la mere et son enfant sont indis
pensables ao sain dêvelopement de l'enfant.
Le themede cette êtude est precisément l'·investig~
~ion des effets d'un~ situation spéciale ou les relations en
question sont precocementrbmpues, -1' enfant passant à v:ivre
dans une institutioti.
Cette investigation a exig~ d'abord une recherthe
dans la li ttérature eXlstante sur le sujet, dont l'.objGt serait
une théorie fondamentale en rapport au' procedé de dévelopement
·social et à l'importance du rôle maternel dans ce dêvelopement.
11 s'est ddncfait nécessaire tout d'abord le prélevement de
la littérature existante sur le sujet dont l'objet serait un
fondament thêorique pour le plan social de l'individu, ainsi
que pour l'importance du rôle maternel pour le sain dêvelop!
ment emotional e social de l·~enfant.
.
.
Par consêquent, ce travail ne s'accupe pas seulement
de simples réflexions personelles, m~is d' études sur les diverses théories qui traitent du sujet en question
et dun
"survey" avec des enfants qui vi vant dans les institution sont
pourtant à l'écart de la vie familiale, afin de chercher une
confirmation dans notre milieu, d~~ théories etudiées .et,
d' ainsi, rendre evidente 'la spécification du prócedé d' abandoll
et d'institucionalisation dont l'origine serait le contexte
familiale et l' effectivation dans uné insti tution dêterminée •
- VIII -
La dissertation commence par justifier le trav.Ji1
realizé établissant le probleme de l'étude comme le que:;t jOnement aussibien de la si tuation d' abandon et de séparau on
de la mere que de l'internement précoce.
Ce probleme est analysé sous l'~gide de la revis)on
bibliographique d'études faits par des auteurs brésiliéns en
tre 75 e t 85 et aussi à la clarté de théories quitraitcnt
du facteur social, du dévelopement de la relation mere-enfant
sous I' aspect psychologique et du rôle de I' inst.itution comme
capable de ~emplacer la mere.
Le travail réalisé dans l'Institut Romão Duarte est
présenté sous le point de vue méthodologique (étude de cas)
englo~ant sujets, instruments et procédés.
Ensuite, des résultats ont été discutés sous deux
points de v~e: analyse des problemes de l'anfant et de
la
réalité institutiohelle; analyse des déclarations ·de
deux
employés de R.D.
Finalemerit les conclusions sont présentées, oü 5urgissent les "différences" que la séparation de la
mer.e. et
l'institution ~r6duisent sur l'enfant, focalisant les implications de tels effects.
~
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i
!
- IX·-
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade o estudo, atra
vés da observação direta, do menor que foi institucionalizado
no começo de sua vida, objetivando mostrar as conseqUências
que a privação materna total pode ocasionar no de?envolvimen
to e no ajustamento emocional dá criança.
A iniciativa de realizar tal estudo surgiu a partir
de uma visita feita a uma das instituições da FUNABEM desti
nada a menores do sexo feminino. Nessa instituição encontram-se adolescentes que foram apanhadas, na rua, pela polícia, cometendo algum delito ou, então internadas pela pr6pria família, por falta de ·r'ecursos· financeiros, ou outros pr~
blemas. Como havia muitas adolescentes grávidas na institui
ção, e, quando indagado, um funcionário informou-nos que, uma
semana depois do nascimento' os' bebes seriam separados ,de sua!)
mães e encaminhados para uma creche pertencente, também, a
FUNABEM, permanecendo suas mães na primeira instituição. Po
de-se verificar, então, nesta ati tude, uma clara repetição do
ciclo de abandono do menOT. Embora tendo mãe, esse menor f!.
ca abandonado numa creche com pessoas estranhas para cuidar
dele. A estrutura da instituição não permite que a mãe fi
que com seu filho para amamentá-lo, cuidá-lo e tê-lo sempre
perto de si. Esse fato fez e~ergir o tema escolhido para o
presente trabalho.
A infância e seus problemas,constituem preocupaçoes
que vem sendo abordadas, atualmente, sob vários aspectos. Um
deles, estudado por diferentes pesquisadores é a da importâ~
cia da presença e da convivência com a mae ou substituta.
,
,
Considerando a importância do relacionamento mãe-fi
lho e a dependência do bebê ao nascer, delimitou-se o assunto como tema do trabalho pretendendo-"se fazer uma abordagem
somente daquele menor que foi institucionalizado precocemen-
2
te, ficando portanto , privado do convívio materno totalmente,
isto.~, no caso da privação total com a mãe.
Virias sao as pesquisas ~xistentes neste campo e os
investigadores como Spitz e Bowlby, estre outros, são.unânimes em afirmar que a presença e a convivSncia com a mae sao
fundamentais para a vida da criança. Foram observados quais
os efeitos causados, pelo afastamento da mãe no desenvolvimepto emocional das crianç~s.
o
naméro de menores abandonados ~ muito grande e p~
demos notar que muitos deles vivem perambulando pelas ruas,
principalmente nas gr~ndes cidades, dando origem a marginal!
dade e a delinqUSncia que se alastra por todas as_ partes. A
imprensa tem explo!ado o as~unto atrav~s de reportagnes sensacionalistas e at~ o cinema tem aproveitado o tema para. ro
teiro de filmes. Tudo ~sto ~ sinal de que a consciSncia da
sociedade esti'despert~ndo para tão' grave problema que tem
desafiado as autoridades na busca de soluções. A institucio'
nalizaçio, na primeira infância, iriclui-se entré estas' solu
ções, cabendo no entanto questionar se os benefícios que pr~
porciona compensamos prejuízos proviveis, tais como os inves
tigados neste trabalho.
~
possível delinear o quadro decorrente do abandono
do menor, em'seus efeitos sobre o indivíduo e nos efeitos da
sua conseqUente institucionalização, atrav~s de uma revisão
bibliogrifica dos estudos relativos ao -tema, dando-se preferSncia a autores brasileiros, na d~cada de 75 a 85.
3
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Diversos estudos sobre o menor foram realizados. nos
últimos tempos denotando a importância do tema. Dos estudos
feitos sobre algumas instituições que se destinam a abrigar
e educar esse menor, destacar-se-ão com maior ~nfaseaqueles
que abordam o menor sob um ângulo onde se analisam o relacio
namento entre mãe-filho. uma vez que este é o assunto do pr~
sente estudo.
Isabel M.Martins Considera (1982) em sua dissertação
de mestrado "A maternidade, as relações mãe-filho e o incoil~.
ciente" es tuda a vi v~ncia maternal' em função da mulher como
ser psíquico & s~a relação com o filho. O trabalho é narrado e discutido sob o ponto de vista psicanalítico; ,?obretudo."
a abordagem do problema est5 limitada a fatorés psicológicos
e principalmente aos aspectos afetivos e inconscientes. Res~
me-se na discussão teórica do problema, abordando o interes~'
se das diferentes correntes da psicologia com refer~ncia is
relaçõ~s entre pais e filhos. mostrando, também, como são im,
portantes t para o desenvolvimento. as relações da primeira i~
fância. A autora considera "o ser humano como uma unidade ps!
cológica em um meio sócio-cul tural em que as relações nos pr!.
.
meiros anos de vida'são fundamentais". Conclui que, sendo a
mae o primeiro objeto CDm o qual o beb~,se relaciona. representa um agente determinante para a saúde das futuras geraçoes. A mãe deve, nas primeir~s relações com o filho,. fazer
com que as experi~ncias boas predominem sobre as más.
Todo
indivíduo está sujeito a frustrações e a criança deve trans
por essas frustrações ajudada pela mãe ,através do contato que
manterá com o filho', fazendo-o sentir o mundo como bom. A mãe
poderá ser bem ou malsuce~ida em sua tarefa dependendo
de
suas próprias viv~ncias emocionais inconscientes corresponde~
tes ~ sua infância.
,
,
,
~
Ressaltando as relações sociais, Fróes (1983),
em
4
"O choque da inserção sócio-cultural de crianças institucio
nalizadas", estuda o problema de crianças que foram abandon~
da.s por suas famílias e qu'e passam, assim, por um processo de
afastamento do convívio social. Estas crianças quando atin
giam a idade de escolarização e precisavam freqUentar uma esco
la da comunidade, apresentavam uma grande dificuldade de ada~
tação e, também. um relacionamento social dif~cil. n~o conse
guindo entender e nem obedecer as ordens e limitações impostas, não ~espeitando as imposições de início e término
das
atividades, não se comportando conforme os padrões comuns d!
sejados. O relacionament.o com as professoras e com as demais
crianças era repleto de dificuldades, além das crianças
da
instituição se isolarem do restante da turma formando um gru
po à parte. O trabalho visava detectar a causa deste impasse
ocorrido entre as crianças da instituição e as escolas da co
munidade. Esse im.passe nada mais é do que o início de -um c~
minho de conflitos e choques q~e a ~ria~ça.deveri enfrentar.
uma vez que a instituição impõe limites inerentes ao seu pr~
prio sistema, que não são condizentes com·os impostos pela s~
,ciedade em que as crianças deverão ser devolvidas e reintegr!
das um dia.
Moraes (1982) em "O desenvolvimento verbal e motor
da criança institucionalizada e posteriormente adotada". vo!
tando-~e para questõ~s mais específicas, estuda a car~ncia da
criança institucionalizada avaliando o atraso verbal e motor
que a mesma sofre por súa situação de institucionalização e
a sua recuperaçao no caso de ser adotada. Para a realização
do objetivo do trabalho. foi feita uma pesquisa onde observou
se o comportamento motor de crianças institucionalizadas e a
sua recuperação posterior ao ser adotada. Concluiu-se que os
pro~lemas da irea v~rbal foram ~ais significativos, em termos
de recuperação,nos meninos. Não foram totalmente exclarecidas as razões dos prejuizos da ,parte motora podendo ser por
motivos de bloqueios, orjginados por causas cong~nitas ou p!
rinatais. O autor destaca, ta~bém, que o d~ficit resultante
da institucionalização não foi tão pregnante quanto se esperava.
'. !
, .
r
5
Gui rado (1980), em "A c riança e a FEBEM" faz uma des
crição e uma anilise do trabalho de atendimento feito
pela
FEBEM. Para tanto baseou-se nos trabalhos principalmente de
Bowlby, Rutter e Tizard. Estes estudos permitiram, à autora,
uma melhor compreensão do atendimento oferecido às crianças
nas instituições destinadas a esse fim. O atendimento é relatado pela autora destacando os diversos aspectos envolvidos
nas relações que são mantidas com a criança e a família das
mesmas, citando alguns dos estudos ~ais conhecidoi sobre os
problemas decorrentes da separação mãe-filho e da interação
da criança com a initituição. O trabalho aborda os fatores
psicológicos e institucionais na determinação da carência afe
tiva e detecta o início de um processo que pode levar ã marginalidade e delinqUência.,
Um ou tro ângulo do abandono é visto por Meunier (1977
- "Os moleques de Bogoti"). Descreve ,"os, gaminos" (termo or!
ginado do francês fIles gamins") que são meninos na faixa et~
ria de cinco a quinze anos. O sistema de organização dos g!
'-j minos era o "gaminismo" formado pela ,"gallada", que 'eram gr~
pos de doi,S, três, dez meninos pois assim se sentiam mais for
tes, reagrupando-se diante da adversidade e da repressão. Fo,
gem da autorid~de e das pancadarias dos pais como também da
doença, da monotonia, da desgraça de terem nascido
pirias. LEles tentam romper o círculo vicios~ da miséria. Vivem pelas
ruas de Bogoti a procura de um golpe a aplicar para ter o que
comer. Mendiga~, fumam, bebem, 'riem, cheiram gasolina, como
viciados, poi suas virtudes alucinógenas. Possuem como códi
go de honra o seguinte: "Não gostamos que nos humilhem"
e
'''Entre nós, é preciso ser correto". Quem se insurgisse contra esses princípios estava sujeito a severas sançoes. Conforme o progresso vai avançando, vai terminando com os gami
nos, embora, alguns consigam sobreviver espalhados pela'cida
de sem s'e reunir, entrando numa decadência acelerada que vai
até a extinção.
As representações tecidas em 'torno do abandono e da
institucionalização sao discutidas por Campo~ (1984 - "O me-
6
nor institucionalizado, um desafio para a sociedade"). Rela
ta o estudo feito sobre o menor que tem mais de dez anos de
institucionalização, fazendo uma abordagem de como esse menor
ve a instituição, o que sente como indivIduo marginaliz~do,
os diferentes tipos de relacionamento que o menor. tem com os
membros da instituição como diretor, professores, inspetores
e at6 mesmo com os outros menores. Conforme relata a autora
"O processo de socialização vivido dentro da instituição não
permite a pos~ibilidade do encontro com o outro, perdurando,
assim, o estado de alienação". Relata que a maioria dos menores são provenientes de famIlias socialmente desestruturadas .por diversos motivos. Os alunos, quando deixam a insti
tuição para viverem fora, nao conseguem se inserir na sociedade por diferentes fatores, entre os quais o preconceito de
ser um "ex-aluno da FUNABEM".
Em outros estudos, as pr6prias instituiç6es
estio
em questão.· Baeta (1980), em "Estudos· de ·instituiçõe.s
de
atendimento ao menor desassistido na perspectiva de· seus obj~
tivos, metodologia, recursos humanos e da possibilidade
de
integração desse menor no mercado de trabalho", propõe-se a
. estudar os fins visados pelas instituições executoras. dos p~.
gramas de atendimento do menor, confrontando os mesmos com as
diretrizes que "informam a polItica do Bem-Estar do Menor pr~
posta pela FUNABEM; caracteriza essas ag~ncias; verifica
a
qualificaçã6 dos recursos humanos e caracteriza o Menor. Con
cluiu que os fatores externos sao decisivos para a integração do Menor na sociedade, e, "que apesar de 14 anos de atu~
çao, a FUNABEM não elaborou uma sistemática de ação eficiente
.e eficaz no atendimento a sua clientela".
Duarte (1978) realizou. estudos sobre "Menores, marginalidade e educação". Analisa o problema do menor carente
ou abandonado no Brasil, relacionando-o a teorias correntes
de marginalidade social e·is características da política edu
cacional e social do paIs. Examina as condiç6es atuais das
instituiç6es oficiais e priv~das que comandam e executam a
política do bem-estar do menor principalmente em tr~s áreas
7
metropolitanas: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
Esttida as virias acepções vigorantes sobre marginalidade so
cial, referindo-se' a menores infratores e a comportamentos j~
venis desviantes. Coifronta o ~roblema do Menor com a atual
política educacional, sugerindo alternativas de ação.
Demo (1,978), em "Menor abandonado: algumas questões
do ,ponto de vista político social", aptesenta questões relativas ao menor abandonado sob o ponto d~ vista da política s~
cial. Analisa o impacto da Comissão Parlamentar de Inquérito -- CPI - sob're o Menor, instalada em abril de 1975, de.s
tacando as definições de."Menor carenciado" e "Menor abandonado". Aborda alguns' elementos de política social, procura~
do inserir o menor abandonado na rede de ensino e no mercado
d'e trabalho. Faz' 'algumas críticas à ação pedagógica.
o
gra~de n~mer~
de estudos realizados ultimamente,
sobre o menor, vêem evidenciar a importância do tema. O intuito deste trabalho não é realizar um levantamento exaustivo desses estudos. Pretende-se apresentar, apenas, uma contribuição para o estudo do problema' dando ênfase ao menor que
foi institucionalizado em idade precoce e procurando fazer re~,.
saltar o tipo de educação que recebe, os efeitos snbre sua
socialização, seu desenvolvimento emocional e sua reintegra-·
ção à sociedade de onde foi retirado. ao ficar privado do co~
vívio com .a mãe, não recebendo os estímulos a que tem direito para o seu pleno desenvolvimento.
Pela revisão bibliográfica, pode-se concluir que os
mecanismos sociais para equacionar o problema do menor, sobretudo no Brasil, levam em' consideração apenas a necessidade.
evidente de "abrigar" os abandonados. Em que sentido esses
mecanismos,' concretizadOs pe.las insti tuições de amparo ao m~
nor, lidam com a ausência da mãe, do pai, da família e. das
relações sociais reais?
8
3. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA'
3.1 - Fatores sooiais do desenvoZvimento
Sabemos através da etologia que, entre os animais,
o filhote ji nasce equipado com urna s6rie de comportamentos
que são usados para conservara proximidade da mãe, com6 pbr
exemplo agarrar~se a ela, correr a seu lado, segui-la, nadar
junto dela etc.. A função principal desses comportamentos é
a preservação do indivíduo e também da própria espécie.
O homem, ao contriri0 1 nasce desprovido desses meca
n.ismos comportamentais e demora bem mais tempo para adquirílos, urna vez que riasce totatmente dependente, sendo entre to
das as esp€cies o m~is imaturo e o' mais dependente, nao con
seguindo sobreviver so~inho .tend6 necessidade, portanto, dos
cuidados da mãe ou de outra pessoa que a substitua para que
possa crescer e alcançar seu pleno desenvolvimento.
O ser humano, quando nasce, conta apenas com seu cho
ro corno 6nico meio para chamar o "a~u1to para perto de si .. En·
tão, estar sozinho, privado de estímulos táteis, visuais
e
auditivos ~ em especial com outros seres humanos representa 'pa'
ra o beb~ um. desconforto semelhante a estar com frio ou com
fome. portanto, o bebê usa seu choro para poder manter a pr~'
ximidade com o adulto. A criança tem necessidade de estar"
perto de alguém conhecido, de alguma pessoa que sej a "seu obj~
to de apego, a quem ela esteja ligada afetivamente para se
sentir segura.
Nas palavras de Schneider (1978): "O recém-nascido,
que nao tem experiência social, reage aos estímulos novos in
ternos e externos com as respos tas herdadas, cong~ni tas'
e
adqu~r.idas no a~biente uterino, como reflexos faciais e"motr!
zes, ou a agitação motqra generalizada e descoordenada, ou o
choro esboçado ou pleno, resultantes de um processo evolutivo filogenético ou ontogenêtico de adaptação ao meio.
Tais
9
reaçoes tendem a suscitar o amparo dos pais ou seus substitu
tos, apoio ambiental que ~ a garantia ~nica da sobreviv~ncia
no caso humano e de numerosas esp6cies.
Reage, pois? o recém-nascido como dependente do meio
e consegue assim o amparo materno' subitamente rompido com o
nascimento. Continua a faz~-lo instilltiva,reflexa, congenitamente e numa possível aprendizagem simples e rudimentar fe
tal, com movimentos de cabeça, braços e pernas a esmo, antes
de qualquer aprendizagem social, mas em função de'uma necessária assist~ncia social".
o
desenvolvimento social e afetivo da criança e a
sua capacidade de amar tem seu início na relação que o beb~
estabelece com a figu'ra materna. Quando se fala em figura ~
terna substituta, trata~se daquela' pessoa"que assumiu a responsabilidade de cuidar do beb~ como se fosse a própria mae~
ou seja, a mãe adotiva. Não são' consideradas figuras mater
.
nas as pessoas que eventualmente ~uidam da criança, como en-"
fermeiras, freiras, babás etc. de insti tuições que abrigam m~
nores abandonados. Essas pessoas não podem ser consideradas
como substitutas maternas pela grande rotatividade, uma vez
que se revesam constántemente, não atendendo a criança
em
sua~ necessidades afetivas, ocasionando, assim, uma s6rie de
distúrbios como os que iremos descrever no decorrer do traba
lho.
,
A relação mãe-filho sendo a primeira relação social,
torna-se~ por isso muito importante, pois dela dependem
as
futuras relações sociais e todo o desenvolvimento social do
ser humano: Diversos sentimentos são deslocados para a rel~
çao mãe-filho a partir do momento em que fica estabelecida .
.
A mãe exerce um papel importante' em termos de expectativas,
satisfação de necessidades e frustrações para a criança. Po
demos observar, desde o nascimento, respostas de agrado e de
sagrado no beb~.
.
,
A mae satisfaz as necessidades básicas da
criança;
,i
10
como alimentação, alI~io de dores, proporcionando conforto e
estimulação tâtil. Algumas dessas satisfações são fornecidas
quando a mãe alimenta o seu bebê dando-lhe calor e aconchego.
Portanto, a presença da mae ~ associada ~ satisfação de necessidades; logo, a criança aprende a procurar a mãe sempre
que se sentir em situação de desconforto. Caso a mãe atenda
prontamente ~s necessidades da criança, estarâ recompensando
as reaçoes de aproximação que logo se repetirão.' Quando as
reações de aproximação são positivas, natur~lmente, se este~
derão às demais pessoas, isto é, a criança'desenvolverá ati
tudes sociaisfavorâveis em relação aos outros. agindo de mo
do amistoso e expansivo. Sendo, assim, .as interações . entre
a mãe e a criança formam a base para as suas futuras relações
sociais, (Mussen, 1972).
Mussen (1972) citando Erik Erikson que considefa o
primeiro ano de vida do bebê como sendo um período para o de
senvolvimento da confiança em ou~ras pessoas; logo, o bebê
.,
que não recebe amor e carinho suficientes durante esse perl~
do poderâ, em conseqUência, não adquirir confiança e conservar-se-â permanentemente incapaci tado para as relações sociais.
Uma criança que. não consegue desenvolver a sua auto-confiança e a confiança nos demais, durante os seus primeiros anos
de vida, provavelmente será um indivIduo emocionalmente ins
tável e desajustado durante a sua vida.
.
I
A estimulação ambiental tem grande influência
na
aprendizagem social levando-se em consideração que muitas das
necessidades e motivàções importantes das crianças e adultos
são aprendidas em conseqUência da experiência, como a necessidade de amor materno, de posição social e de realização de.
sucesso financeiro. A fome e a sede são necessidades biol5
gicas básicas de um bebê que não são satisfeitas automaticamente. Sendo assim, ~ preciso para sua satisfação o auXílio
de outra pessoa. Caso' essas necessidades não sejam logo ate!!
didas as tensões do bebê tornar-se-ã~ intensas e dolorosas.
Essas experiências iniciais são muito importantes para o bebê. e podem ter efeitos duradouros sobre o desenvolvimento da
11
personalidade.
'Georges Simmel, interessou-se por pesquisas sociolá
gicas no grupo mãe~fiiho, subli~hando que ~ neste relacionamento que se poderá encontrar a semente de todo o desenvolvi
mento ulterior das relações sociais. O meio cultural tamb~m
influi' sobre a çriança desde o seu nascimento. Este fato não
se pode negar, pois estamos cientes, t'ambém, "que em nossa cul
tUra ~ a mãe quem transmite i criança os valores soci~is e
culturais atrav~s da relação mãe-filho. A mãe é a representante do ambiente que a 'criança vai assimilando.
Quando.a
c~iança não conta com o afeto da ~ãe ou de figuras
estáveis
como a substituta, is·to ~ -- nao pode contar com os elementos
que todo ser humano encontra em sua família -- pode se estabe
l"ecer um desvio violento com relação ao seu. ambiente natLlral.
Isto indu~, evidentemente, a um desvio no desenvolvimento da
capacidade de .formar ví~c~los afetivos, como ~ o caso
das
c"rianças de orfanato que, embora estej am alimentadas, vesti
das, limpas, sofrem a falta da pessoa a quem p~ssam ligar-seafetivamente. Falta-lhes o vínculo afetivo bisicopara o ~!
..
senvolvimento afetivo-social do in~ivíduo adulto. Essa lig!
çao afetiva da criança depende de sua maturidade neurológica,.
uma vez que só ocorre depois de certa idade, aproximadamente
dos 7 meses aos 3 anos, mais .ou menos. Em todo ser
humano,
existe uma programação gen~tica de instinto e uma de aprend!
zagem. Sabemos assim que todo ser humano nasce com a predi!.
posição. para S& relacionar com outros seres humanos, caracte
rizando-se como um ser essencialmente social.
3.2 - O pape"l da mae no 'referente' aos aspeatos psiao "lóg,i-.
aos do desenvo"lvimento
Freud foi um dos primeiros a salientar a importância
da relação mãe-fi~ho, pois s~gundo ele, ao nascer, o indivíduo é incapaz de manter-se vivo por seus próprios meios sen
do o recém-nascido basicamente instint'o. De certo modo, o
homem nasce "prematuro", isto é, com os instintos menos dife
12
renciados do que os dos outros animais; logo, ao nascer,
bebê acha~se em um estado de total dependência da mae.
o
Para Freud os cinco primeiros anos de vida sao fundamentais para a estruturação da personalidade. As fantasias típicas encontradas pela pSicanálise levaram-no a fonnular
a existência de esque~as inconscientes que transcendem ã vi
vência individual, uma vez que o indiv!duo já nas~e' com eles
- sao "conhecimentos a priori", prévios ao na,scimento do s~
j ei to, que seriam herd'ados filogeneticamente: as "protofant~
sias". Os conheciment'Os "a posteriori" são adquiridos ao 10~
g~ da ex~stência do indivíduo ~ são as experiências, enquanto
que esses "esquemas" já nascem com o sujeito, podendo estar
em conflito com a experiência~ Virios textos reservam lugar
para coÍl. teúdos filogenéticos que tons ti tui riam o ",núcleo do
inconsciente", sob a forma de "fantasias, originirias" incon~
cientes, pré-verbais a que Freud chamou de "inconsciente uni
versal"', de certa forma equivalente ao "i'nconsciente coletivo" de Jung. Embora o recém-nascido já traga cons igo as pr~
tofantasias, acha-se em um estado indiferenciado e todas' as
suas funções, inclus i ve as ins t int i vas, i Tão se diferenciando
a seguir por meio de um processo que terá origem na maturação
e na aprendiz agem,.,
<',
'
'
Freud também foi o primeiro a estudar a sexualidade
infantil e a cha,mar atenção para seu grande significado e pa
ra o que ela representa na vida do indivíduo~ Sublinha, ai~
da, o papel que a ~ãe representa para a criança durante esse
per!odo do desenvolvimento sexual, uma vez que a mãe é o pri
meiro objeto da libido. Dois fatores contribuiram, prepond~
rantemente, para que se ignorasse' a sexualidade infantil: por'
um lado, a época vitoriana em que as pessoas viviam, cercadas por tabus culturais e, por outro, a amnésia que faz com
que desapareça da memória, da maior parte das pessoas, os pri.
meiros anos de experiên~ias sexuais infantis. Essas experiên
cias se tornam recalcadas l • Freud considerou o organismo i~
termo "recalcad~s" é usado por Laplanche/Pontalis, em lugar de "repr.!.
mídas" usado pela Edição Standard Brasileira.
lO
13
fantil como uma central de energias sexuais e
agressivas.
Mostrou que a sexualidade se desenvolve por etapas a que ch!
mou de fases ou estigios. Chegou ã conclusio da exist~ncia
de organizações pré~genitais da vida sexual infantil, através
da anilise de seus pacientes neur6ticos. Usou o nome de pr!
genitais para essas organizações porque estio em desenvolvi~
mento, quando as zonas genitais nio assumiram ainda o seu p!
pel principal, que é a funçioreprodutora.
Para alcançar a maturidade sexual, o indivíduo deve
passar pelas diversas fas~s do desenvolvimento sexual. e pr~
ciso que a cri~nça, em seu desenvolvimento, ultrapasse as fa
.
.
ses oral, anal, filica e entre, entio, num período
a
que
Freud chamou de "período de lat~ncia", para assim alcançar a
Gltima fase que é a genital. Quando ocorrem fatores que in~
terf3rem no de~envolvimento de uma das fases, a libido pode.
se fixar ou desviar na'escolha do objeto sexual,
causando
~ranstornos na vida adulta do indivíduo.
A primeira fase é usualmente designada por estigio
oral, onde o seio materno é o objeto de de~ejo sexual do beb~.
Além da satisfaçãose~ual a criança satisfaz
primeiro
uma outra pulsão 1 que é a fome. Portanto ,. nesta fase a ativi
dade sexual esti associada a ingestão de alimentos. Em prin~
cípio o bebê se s~nte gratificado pela a~imentaçio, mas logo
percebe que a p~6pria'sucçio lhe causa prazer e, entio, pode
substituir o seio mat~rno pelo seu polegar, desligando. as~
sim, a atividade nutritiva da atividade sexual. O beb~ subs
titui o objeto estranho
o seio materno ~- por outro situa
do em seu pr6prio corpo
o seu polegar. Quando passa a usar
seu próprio corpo para obter prazer, sua conduta ê auto~eró~
tica. Nesta fase .a libido esti situada na mucosa da boca;
sendo assim, a b'oca e ·os libios constituem as zonas erógenas.
e uma fase.incorporativa; pois o beb~ incorpora alimentação
podendo sugar e ingerir líquido~ apropriados. Começa também
I •
t
t
If
I
I
I.
t,
lI'pulsão" ê usado por Laplanche/Pontalis, em lugar de "instinto"
pela Ediçãº.Standard Brasileira.
"
usado
t·
I.
,t·
14
a "incorporar", com os olhos, todo objeto que se apresenta em
seu campo visual, principalmente o rosto materno na· hora da
amamentação, (refere-s:e"a fase ~rall).
K.Abraham fez uma subdivisão da fase em .orall
e
oral2,. Sendo a primeira fase chamada "de sucção" e a segunda de "oral sádica", a qual começa quando aparecem os dentes
e a ·atividade de morder, sentindo a criança prazer em m6rder
e devorar, o que implica numa destruição do objeto. Os olhos,
que at6 então ~aziam parte de um sistema passivo, isto 6, de
apenas receber impressões de objetos, agora já sabem enfocar
e isolar objetos que.emergem de um fundo nebuloso e at6 açom
panhá-los. A audição tamb6m começa a discriminar os sons, a
lpcalizã-lose a criança passa at6 a tomar posições mais ade
quadas como por eiemplo, livantar a cabeça ou o tronco,
em
busca da fonte sonora. Os braços já se estendem e as maos ~
g~m objetos de um mrido mais .intericiona1.
Para M.Klein o sadismo oral é o momento culminantedo sadismo ·infantil. Embora conteste-K.Abraham quando ~ste
faz a di~tinção em f~se oral de sucção e fase oral canibal!!
tica, ela considera a fase oral co~o sendo uma fase oral sá-o
dica porque as tendências sádicas intervêm imediatamente, 'ao
contrãrio . de K.Abraham que considera o sadismo como uma seg~
da etapa.
A "agressividade", para Klein, faz parte da relação'
mais precoce da criança com o seio materno, embora ne.ssa fase
ela ainda não se manifeste pela mordedura.
A segunda fase de evolução 1ibidinal é a fase anal,'
caracteriza.da pela libido na zona erôgena anal.
A criança
aprende que existe outra fonte.de prazer relacionada com a
excreção-retenção. de urina e. fezes. Nesta fase já existe unia
opos.1ção em termos de uma dicotomia que perdura durante'toda
a vida sexual: se cons~itui na polaridade "atividade-passiv!,
dade". "Atividade" coincide com o sadismo, representado pelo
15
instinto de domínio, por meio da musculatura somática; e a
passividade coincide com o erotismo anal representado
pela
membrana mucosa anal. Os objetos não são idênticos existindo para cada pulsã6 uma fonte distinta.
Na fase anal, a defecação representa o modo de rela
cionamento da criança com o mundo, sendo sua primeira exper!
ência com o controle de uma pulsão. A princípio a criança e~
pele suas fezes e urina de maniera mais ou menos automática
e, gradualmente, vai sendo "educada" pela mãe. E induzida a
renunciar a satisfação na excreção.' A criança se preocupa
com ,os sentimentos e'em~ções, agradáveis relacionados com os
processos de retenção e expulsão das fazes. O prazer erótico anal pode ser complicado por crises de ansiedade causadas
pela pressão externa, isto 6, a maneira como a mãe vai agir
durante {) treinamento da criança será fundamental no desenvol
vimento do caráter anal.
J
Certos traços relativos ao caráter anal têm como con
seqUência a maneira como o bebê se relaciona com o' 'objetq
que ~ representado pela mãe ou s~a 'substituta. Sendo a mae
,muito rigo~osa e r~pressiva, exigindo muita higiene d~ cria~ ,
ça, cedo demais, pode le~á-la mais ~acilmente a reter as fezes; ou frente a medidas repressivas intensas, a criança p~
de reagir com a expulsão das fezes em horas impróprias.
Os traços de caráter de retenção anal estão ligados
a acumulação de coisas, especialmente de dinhei ro, ã avareza.
Os traços ,expulsivos estão ligados a crueldade. destrutivid~
de etc. Da mesma maneira que o sadismo corresponde, na fase
oral, ã tendência que o bebê tem de morder e destruir com os
dentes, decorrente da frustraçãp do desmame, na fase anal o
sadismo anal 6 decorrente da repressão das manifestações de
indisciplina na defecação.
Abraham propBs, tamb~m, a 'divisão da fase anal-sádi
ca em dois.períodos, onde distinguiu dois tipos de comportamento opostos ao objeto: primeiro o erotismo anal está liga-
16
..
..
do a evacuaçao·e a pulsão sádica a destruição do objeto; se
gundo, o erotismo anal está ligado a retenção e a pulsão sadica ao controle possessivo. Todo procedimento relativo
a
evacuação se torna agradável por causa da sensação de bem es
tar que se segue. No começo da vida, essa sensação deve co~
pensar as tensões que o beb~ experimenta antes que os intestinos consigam·cumprir sua tarefa.
~
..
Após as fases oral e anal, ternos a tercei·ra fase pr.§.
genital que é a fase fálica. E um período de desenvolvimento
sexual infantil marc~dopelo interesse associado ao falo. A
orientação sexualé· fálica e se desenvolve com o interesse cen
trado no órgão genital masculino.
A fase fálica é caracterizada pela zona erógena pr~
domina~t~mente l~calizada nos órgãos sexuais. Quando
ess~
terceira fase é alcançada, as zonas genitais, propriamente d!
tas, contribuem com sua 'parcela para a determinação da vida.
sexual do indivíduo. E nessa fase que a criança coineça a pe.!,
ceber a diferença anatõmica entre os sexos e, ao tornar conhe
cimento de~sa dIferença passa por mais um confli to: no menino
. desenvolve-se o medo da castração e na menina a inveja do p~
nis. O .próprio Freud. admi te haver 'insufici~ncia de conhecimentos com relação ao desenvolvimento sexual da menina, uma
vez que não ficou muito bem explicado o desenvolvimento femi
nino na fa'se fálica. Até aqui a relação da criança com o mun
do foi através da figura materna, sendo a relação de depend~n
cia, por parte da criança, muito forte, levando-se em consideração que a mãe representa a fonte maior de satisfação das
necessidades da criança. A partir daí a criança toma conhecimento de seus órgãos sexuais, da diferença entre os sexos
e da figura. do p.ai corno ri vaI no amor da mae. Tem início o
complexo de Edipo. Por essa época.já se desenvolve, no meni
no, um desejo sexual com relação ã mãe e um desejo de morte
do ri va.l que é o pai. Quándo o menino descobre a falta do p~
nis na menina, conclui que e~te lhe foi tirado por causa de
seus desejos incestuosos com relação ã' mãe, e então, apodera
se dele o complexo de castração. Conforme o menino cresce,
17
seus desejos "edípicos" aumentam e sao expressos através de
desejos de dormir com a mãe, de casar com ela, de estar presente na hora de sua toalete. Esses desejos levam a diversas
fantasias que manifestam à violação e ao assassínio, resu~trul
do daí um" grande sentimento de culpa.
Diferentes fatores provocam o declínio do Complexo
de ~dipo. No menino a ameaça de ser castrado pelo pai coloca-o diante da alternativa "possuir um falo ou ser castrado";
então, prefere renunciar ao objeto incestuoso. Chega, desse
modo, o final do Complexo de ~dipo que marca a entrada no p~
ríodo de ·lat~ncia.
Esses tr~s primeiros estágios sao, para Freud,
os
principai~ na estruturação da personalidade, sendo também as
fases e~"que a figura materna torna-se muito importante", por.
ser ela o principal agente externo a atuar junto à criança f~
cilitando ou dificultando as viv~ncias'con~lituosas
pelas
Podemos
quais a criança passará até alcançar a maturidade.
notar a importância da mãe como nutriz durante a fase' oral
(objeto oral). Para o menino durante a fase fálica no Compl~
"xode ~dipó (objeto fálico); corno modelo de identificaç~o (obj~ "
to perdido) .
Spitz (1973) considera as relações entre maee filho
corno sendo d~ urna depend~ncia completa por parte da criança,
durante o decorrer do primeiro ano. O beb~ passará por um
estado de simbiose com a mãe e terminará num estado em que ~
relações hierárquicas se desenvolvem. Outro aspecto que, tam
bém deve ser considerado na relação mãe-filho, está na diferença profunda entre a estrutura psíquica da mãe e a da cria~
ça, pois segúndo Spitz "os dois. fatores em interação, consi~
tem portanto em urna mãe com urna individualidade formada e um
filho .com uma individualidade em formação".
Spitz (1973) estudou as alterações que a car~ncia
afetiva produziu em 91 crianças residentes em orfanato, com
" privação total do convívio materno. Essas crianças
foram
18
criadas com suas maes amamentando-as durante os tr~s prime!
rosmeses de idade, no fim dos. qU,ais foram desmamadas. Duran
te esse p~ríodo, désenvolveram-se.normalmente conforme a m~­
dia das crianças normais. Ap6s o terceiro m~s ficaram sob a
responsabilidade de uma enfermeira que tinha 19 crianças, ou
às vezes mais, aos seus cuidados. As crianças recebiam tratamento físico s.atisfat6rio como nutrição, acomodação, cuid~
dos de higiene' etc. Por~m, a parte emoc ional' era de car~ncia
cómpleta, levando-se em cons ideração o g.rande número de' crian
ças para uma s9 pessoa cuidar.
..
Depois da s~paraçao da mae. as crianças passavam por
um período em que apresentavam certas características a que
Spitz chamou de "depressão.anaclítica". pela semelhança que
a~resent~vam com ~ quadro clínico da depressão do adulto. A
depressão anaclítica determina perturbações caractero16gicas
graves, chegando a t~ a' inval idez' co.mpl eta da capacidade
de
aàaptação social. Quando a privação ~aterna se di antes dos
seis meses de idade, a criança responde com o q~adro da depressao anaclítica.
São os seguintes os sin~o~as da depressão anaclí~i-.
ca descritos por Spitz (1973): no primeiro m~s ap6s' a separ~
çao a criánça torna-se chorona, exigente, agarra qualquerpe~'
soa que entra em contato com ela. No segundo m~s de separação, os choros se transformam em guinchos e a criança perde.
peso.Hi parada no seu desenvolvimento. No terceiro m~s a·
criança reCU6a contatos, permanecendo grande parte do tempo
deitada sobre o ventre. t~m insônia, a perda de peso continua
e hi 'uma tend~ncia a contrair doenças, uma generalização· do
retardamento motor, rigidez' da expres~ão facial. Ap6s o ter·
ceiro mês estabelece-se a rigidez do rosto e o choro ~ substituido por gemidos, aumenta o retardamento motor e ocorre a
letargia.
Logo depois desse período de "depressão anaclítica"
notava-se um retardo motor evidente e as crianças eram tomadas de uma grande passividade, ficando prostradas em suas ca
19
mas, com o rosto sem expressão, com um ar de imbec'ilidade, fi
cando a coordenação ocular, geralmente, defeituosa, Passavam
a movimentos desordenados dos dedos como os movimentos cata
t6nicos ou dos portadores ,de lesão cerebral, A resist~ncia
dessas crianças às infecções diminuia consideravelmente e a
deterioração progressiva conduzia-as ao marasmo e à morte em
'elevada porcentagem.
Segundo Spitz (1973), essas crianças, afetivamente
carentes por estarem privadas de relações objetais,
entram
em depressão anaclítica e, então, pode-se observar que a co~
seqU~ncia desta aus~ncia das relações objetais, é um retardo
no des~nvolvimento de todos os aspectos da personalidade.
Sabendo-se do importante papel das relações objetais
no desenvolvim~nto, entende-se como a privação total do rela
cionamento com a mãe impede a formação dessas relações, esta
belecendo-se a privação do prazer com o outro. de tal
modo
que as crianças voltam a agressão contra si mesmas, pois es-'
te é o único objeto que lhes resta. Todas as suas atividades
auto~er6ticas cessam, inclusive o chupar o dedo.
Poder-se-ia
dizer que a criança volta ao narcisismo primário: nem se quer
pode u~ar'seu"pr6prio corpo como objeto, como acontece
no
auto-erotismo.
" A depressão anaclítica e o hospitali~
mo demonstram que a' aus~ncia de relações objetais e a car~n­
cia afetiva det~m o desenvolvimento em todos os setores
da
personalidade. Quando não existem relações objetais, a descarga dos impulsos agressivos torna-se impossivel, e a criàn
ça volta a agressão ~ontra si mesma', Torna-se incapaz de as
similar a comida, "torna-se vítima de ins6nia, ataca a si mes
ma dando cabeçadas contra as grades do berço, arrancando seus
pr6prios cabelos. Essas crianças sofrem uma deteriorização
progressiva de todat as'suas atividades e são levadas ao marasmo e a morte. A impressão que se tem das crianças que e~
tão no'marasmo ~ que seus impulso~ libidinais são desviados
para manter a sua' força vital que vai se debilitando.
Muitos ou'tros autores falam dos efeitos sofridos
p~
"
k
~
f
l
,t
'
20
las crianças em situaç5es especialmente prejudiciais ao seu
desenvolvimento. O "institucionalismo psicológico" descrito
por Bettelheim e Sylvester, síndrome de car~ncia
emocional
observada em crianças de orfanatos, decorre de relações emo-_
cionai~ distantes e impessoais entre as crianças e as pessoas
que cuidam das mesmas. Essas pessoas são vistas como regul~
dores e controladores do comportamento e não como modelos a
imitar e incorporar.
Nas instituições há sempre um clima de submissão que
~ recompensado-e qualquer reaçao .ou iniciativa são
tolhidas
pois são comportamentos vistos como perturbadores da ordem e
passíveis de punição. A vida na instituição ~ monótona e r~
tineira, resume-se a só cumprir ordens, horários e
tarefas
propostas e controladas, to~na-se. portanto, desumana e fora
da realidade da vida em família.
Anna Freud em suas obseryações feitas em crianç~p~
quenas educadas em orfanatos e cuidadas por várias ~nfermei~
ras que se revesavam constantemente, verificou -que essas crian
ças nãb se ligavam a uma pesso~ maternal, mas havia uma tendência a formar .o que Sp~tz chamaria de "gang" maternal.
Margareth Mead, ao descrever a cultura dos Samaas,
fala sobre o modo de educar as crianças, onde há multiplicidade de -pe'ssoas para cuidar dos beb~s, podendo-se por
isso
mesmo observar que aí existe Uma difusão das relações objetais.
Mussen (1963) quando fala sobre o desenvolvimento da_
fala infantil e cita como exemplo os bebês abaixo de seis me
ses vivendo, em amb-iente não estimulante de orfanato, compar~
dos com os que vivem no seio da família, mostrando como tendem a atrasar-se -na freqUência, na quantidade e tipos de"sons
emitidos. Esses efeit6s podem persistir. Foi comprovada a
restrição da capacidade verbal em cr~anças que passaram
os
três primeiros anos em orfanatos, só sendo superável após um
.
período de escolaridade normal, de vida familiar e de expe"
21
riências comunitirias.
Bowlby (1981) ,.tamb~m estudou os efeitos da separ!
çao materna em crianças, numa idade precoce, chegando a resul
tados descri tos por virios. pesquisadores. Descreveu sua obser
vação em crianças com privação total, como ~ o caso das crian
ças in~titucion~lizadas.
Segundo este autor a privação total' pode
provocar
graves conseq~ências. Para ele, ~ essencial i sa~de mental
do bebê que esté tenha com sua mae uma relação calorosa, ínt~ma e contínua.
Deve ser uma relação complexa, rica e com
pensadora na qual ambos, mãe e filho, encontrem satisfação e
prazer. Os c'asos desc ri tos por Bowlby ."são de crianças que
sofrem a privaçãó' total, sendo abandonadas, emocionalmente e
ficam sem.receber atenção. Faltou-lhes exatamente o ti~o de
cuidados que uma mãe di.sem pensar. Essas crianças forampri
vadas de todas as carícias
brincadeiras, da intimidade da
amamentação através da qual a criança conhece o conforto docorpo materno, dos rituais do banho e- do vestir com os quais,
atrav~s do orgulho e carinhos ~aternos para com os
pequenos
membros,.o bebê apreende seu próprio valor. O amor e o pra-,
zer que a mãe tem com ele representam seu alimento espiritual.
Uma mae pToporciona as substâncias alimentícias necessárias·
em seü próprio leite, exatamente na combinação correta, sem
ter que recorrer a fórmulas químicas" Cp. 17).
e
Bow1by (1981) denomina "privação da mãe" a situação
em que o bebê não encontra o.tipo de relação descrito acima,
abrangendo um grande n~mero de casos diferentes. Pode ocorrer essa privação, at~ com'crianças que vivam com suas maes.
ou mães substitutas, quando estas são incapazes de proporci~
nar o amor necessário aos filhos. Bowlby descreve a "priv!
ção parcial", que são os casos de c rianças que freqUentam cr~
ches residenciai~, ou ctlanças hospitalizadas que recehem a
visita da mae, e a "privação total" quando a criança ê abandonada em instituições' ficando privada, totalmente, do convi
vio materno, sem ter uma pessoa determinada para cuidar dela,
22
com quem possa se sentir segura. Essa privação total poderi
resultar em distúrbios nervosos e numa personalidade instavel,
podendo afetar a capacidade de estabelecer relações com outras
.
pessoas. Dependend~ da resposta' d~ criança, em face da priv!
çao, ela podera reagir a essas perturbações. Como exemplo Bowlby
cita um estudo feito com 102 infratores reincidentes de uma
escola pública inglesa, onde os sujeitos estavam na faixa eti
ria entre 15 e 16 anos. Através deste .estudo,
verificou-se
que as angústias provocadas por relações de desamor napriffiei
ra infância predispõe as crianças a reaçoes anti-sociais fre~
te às tensões.' Foi constatado que grande parte das situações
de angústia precoce, entre
os sujeitos pesquisados, tinham ~o,
.
mo aspecto específico'. a privação materna no princípio da vida,
quando os sujeitos eram ainda bebês. Bowlby lembra também um
outro estudo feita. com sere~ humanos e animais, durante o período feta~, onde foram observadas provas de que mudança,s pre·
judiciais no ambiente podem provocar pertubações no crescimen
to e desenvolvimento do feto', iguais is que eram atribuidas i
hereditariedade.
,
19ualmente Freud,em sua teoria, atribui as origens
de distúrbios mentais a acontecimentos do princípio da vida do
indivíduo~
Sabemos da influ~nci~ negativa de fatores heredi~
tarios no ,desenvolvimento do ser'humano, através de diversas
descobertas. Da mesma forma, as, experiênclas emocionais
em
determina~os'períodos da vida bastante precoce podem acarretar
efeitos danosos e duradouros. Podemos observar também compor
tamentos em animais como passaros que ficam afeiçoados a quem
cuida deles logo que nascem, tornando-se profundaménte apega~
dos a essas pessoas. Os etologistas descreveram 6 comportamen
to de patinhos recém-nascid.os que seguem o primeiro objeto mó
vel' que passa por eles. ~ o fenômeno chamado de "imprintmg"'.
Assim tamoém as experiências feitas por Harlow com macacos cria
dos com a "mãe de veludo" contribuem para podermos
concluir
que até os animais passam a se ligar afetivamente ao objeto,
mesmo que ele nio alivie nem reduza sua dor, fome ou desconforto. Este fenômeno pode ser explicado em razão de cada es
pécie ji nascer equipada com uma série de respostas que seriam
23
eliciadas logo após o naseimento. O bebê também possui esses
"reflexos complexos" em resposta aos estímulos do meio.
Os
objetos que eliciam as r.espostas,passam efetivamente a ser
.
.
objeto de ligação afetiva, isto é, objeto de "apego". Portan
to, tudo que acontece com um b~bê nos primeiros anos de sua v!
da pode ter efeitos profundos e duradouros. Bowlby (1981) e~
ti con~encido da absoluta necessidade que a criança tem
dos
cuidados contínuos de uma mae ou substituta, rios três p~ime!
rds anos de vida. Este autor resume assim as evidência~ que
fundamentam ta~ convicção:
"São inúmeras as .fontes que dão provas de que a pr:iv~
çao do amor materno, na primeira infância, pode ter
efeitos
duradouros sobre a saúd~ mental e o desenvolvimento da person~lidade nos seres' humanos.' Podemos classifica-las em três ti
pos principais:
a) Estudos, através' da observação direta,.da saúde
mental e do desenvolvimento em crianças de insti-_
tuições, hospitais e lare~ substitutos; chamados
aqui de estudos. diretos~
b) Estudos que investigam 'a história pregressa de' ado
lesómtes ou adul tos que desenvolveram problemas.
psicológicos; chamados aqui de estudos retrospectivos.
c) Estudos que acompanham grupos de crianças que sofreram privação em seus primeiros anos de ·vida,. com
ri objetivo de determinar seu estado de saúde mental; a estes chamamos estudos de acompanhamento",.
(Bowlby, 1981, p. 21).
Tais estudos foram realizados por pessoas de várias
naço~s e de diferentes ~speci~lizações, desconhecendo os
resultados umas das outras; porém, todos foram unânimes em suas
conclusões, havendo poutas divergências.
24
Bow1by (1981) foi categórico ao afirmar que: "Os es
tudos diretos são os mais numerosos. Eles deixam claro que,
quando uma criança é privada dos cuidados maternos, o seu de
senvolvimento é quase sempre retardado -- física, inte1e~tual
e socialmente - e que podem aparecer sintomas de doença físi
ca e mental" (Bowlby, 1981, p. 22).
Podem-se observar vârios sintomas. Entre eles consta
tou-se que a criança, sofrendo privação precoce, pode deixar
de sorrir para o rosto humano. Pode, também dei~ar de reagir
quando alguém brinca. com ela, tem inapetência ou mesmo quando
se alimenta bem não aum~nta o seu peso, costuma terins6nia e
nao possui iniciativa.
Em um estudo feit6 com bebês que se achavam interna- .
foi
dos em 'orfanato desde o seu nascimento ate seis meses,'
observado seu choro e balbucio, constatando-se que vocalizavam
menos que os bebês que viviam com suas' famílias. Este atraso.
pode ser notado antes mesmo dos dois meses.
Seria possível continuar a relatar uma serie de resul
tados de pesquisa que confirmam os efeitos decisivos da priv~
ção de cuidados maternos, na infância, sobre o desenvolvimento e a personalidade da criança. No presente trabalho, o in
teresse é destacar como conclusão principal que a privação t~
tal da mãe. interfere praticamente em todos os planos de dese~
volvimento infantil - físico, c,ognitivo, verbal, social, af~
tivo -- produ~indo uma organização da personalidade de tal m~
do precári.a que e impossível deixar de esperar desajustamentos
graves na adolescência e na idade adulta.
(
'I
3.3 -,Aspectos institucionais
Erente a estas constatações, passam a ser extremame~
te problem~ticas as soluções'de atendimento pelas instituições
que recebem crianças abandonadas na primeira infância. Encar
25
regadas de cuidar de individuos sem familia, ou cuj~ familia
~ incapaz de assumir a responsabilidade de crii-Ios, atribuem
se uma função social de grande relevância, mas ocupam um lu~ar ji, desde Q inicio, marcado por essa condição tão crítica,
~ue.6 a falta da mãe.
Inevitalvemente, instituições como
a
~studada no presente trabalho (Romão Duarte) terão que enfren
:ar duas "missões": abrigar as crianças que, sem elas, correriam o risco de morrer por falta de alimentação (sem" falar de
,:utras "fal tas") e cuidar das crianças no sentido de preencher
o vazio deixado pelo afastamento da mãe. No entant~, sao jU!
:amente estas instituições que simbolizam a privação total da
~ãe, ao mesmo tempo em que a sociedade lhes delega a
missão
~e cuidar de quem 6 abandonado pela familia e"m última anilise, de quem "não tem mãe", mesmo quando têm mãe, mesmo qua!!
':0 não é .órfão.
"
"
A separação da mae é confirmada, assim pela própria
existência desse tipo de "instituição. N~o se pode dizer qu~
a instituição, ou as pessoas que t-rab-alha'm "na insti tuição, s~.
jam "figuras maternas substitutas", como já se discutiu ante
riormente (p. 9)
Al6m disso t-ra"tando- se "de "ins t i tuições totais", is
to é., locais onde os "internos" ficam excluidos radicalmente
das" relações sociais que constituem a "sua" sociedade, o am':"
biente que oferecem às crianças acentuará sem dúvida os
pr~
juízos advindos da separação da mae.
~
desse modo que, como se viu no item anterior,
as
instituições tais como os orfanatos constituem o campo "privi
legiado" dos estudos sobre os efeitos psicológicos da privação
total da mae. ~ ai, nessas instituições, que se descobre, de
.
modo até cruel, que as crianças chegam a morrer, ao serem afas
tadas da mãe e ao não receberem qual<1.uer compensaçao afetiva
por esse afastamento.
Relendo estes estudos, feitos sob' um ponto de vis
" • ta sobretudo psicológico; é possivel retratar a instituição
"
,
~
I
.
26
vendo-a atrav~s de suas caracteristicas pr6prias, caracteris
ticas capazes de reforçar (e não compensar) os efeitos da separação da mãe: como por exemplo relaç6es emocionais distantes e i~pessoais como as citadas por Bettelheim e Sylvester;
,o grande número de crianças para uma só pessoa cuidar, leva~
do a uma car~ncia emocionalco~pleta (Spitz); vida mon6tona e
rotineira, tornando-se desumana e fora da realidade da
vida
em familia; há quase sempre um clima de contr'ole constante e
uma submissão que ~ reforçada e ~stimulada, onde as iniciativas sao reprimidas como perturbadoras da ordem.
gpossivel dizer que, nas instituiç6es encarregadas,
'pela sociedade, de cuidar das crianças abandonadas pela mae,
se estabelece permanentemente um esvaziamento e um controle de
fo.rtes necessidades da, criança -- resultantes do seu "desejo"
para sempre insati?feito -- levando; por isso, a se redobrarem
os efeitos do afastamento da mãe. Esta situação pode~ia ser
entendida como o início de' um processo de exclus-ão para manter, "ã margem" da sociedade aqueles' que são produtos de umtél
desorganização da pr6pria sociedade, cujas causas e cuja efetiva solução esta sociedade não "pretende" enfrentar?
,
,
27
4. PESQUISA
A presente pesquisa foi realizada com crianças inter
nas no Educandário Romão Duarte situado em Botafogo, Rio de
Janeiro. Foi escolhida esta instituição por ·ser típica, des
tinando-se a abrigar crianças menores carentes. e abandonadas
a ela encaminhadas ainda bebês, aí permanec~ndo até 12 anos
quando, então, são transferidas para a FUNABEM, onde permanecem até a maior idade.
A instituição foi construida em um terreno
elevado
sendo um antigo casar~o cujo acesso se dá por meio de uma escadaria dividida em dois pa t·amares ladrilhados e com mui~á v~
getação pelas encostas. A instituição é mantida financeirame~
te pela Sa~ta Casa que paga as furicionárias e é diriglda pela~
irmãs de Caridade. A OMPE(Organização Mundial do Pré-.Escola;r)
fornece alimentação, brinquedos, material didático e pedag6g!
co.
Nesta instituição. as crianças foram divididas em dois
grupos: creche, com crianças na faixa etária de zero a cinco
anos que ocupam o terceiro andar, e crianças de seis à treze
anos que ocupam o segundo andar.
A pesquisa foi feita com as crianças da creche cuja
faixa etária correspo~de a realidade visada pelo estudo propo~
to. Foi observado o comportamento das crianças· em relação às
pessoas encarregadas de cuidar delas, dando ênfase ao seu pr~
cesso de desenvolvimento físico e emocional.
.
,
Na creche, as crianças eram sub-divididas por grupos
de acordo com a faixa etária; porém, há algum tempo foi intr~
duzida uma nova modalidade para a formação destes sub-grupos,
isto.é, quando chega uma criança pará ser internada, ela é co
locada em qualquer turma onde .haja vaga, independente de sua
28
faixa etiria. Sendo assim, existem criança~ que ficam agrup!
das com outras de diferentes idades. Esta inovação foi intro
duzida pela supervisora da "Escola", alegando que, desse modo
os grupos se assemelhavam melhor ab ~rupo familiar
uma vez
,que existem crianças de várias idades neste grupo. As profe~'
soras não aprovaram essa nova maneira de formação dos agrupamentos, argumentando' que, quando entra uma criança com menos
idade num grupo de crianças mais velhas, este sofre uma regre~
são, porque as crianças maiores passam a imitar aquela criança menor em seu comportamento, como por ex~mplo fazendo os
mesmos rabiscos e até chegando mesmo a voltar a urinar na roupa.
,
4.1 -
Metodo~ogia
Trata-se de um estudo de caso, tendo em vista que $e
oDservou uma situação 'peculiar, den~ro de uma única instituição com caracterís,ticas pr6prias e atendendo a crianças ~are~
tes, e procurou-s~ estabel~cer relações de observação; enfatizando aspectos qualitativos.
4.1.1 .: Sujeitos
Os sujeitos da pesquisa compõem-se de crianças de ze
ro a cinco ,anos de idade ínternadas na instituição, assim co
mo de funcionárias que estavam direta ou indiretamente em con
tato com as crianças (professoras, "garotas", funcionárias 'con
tratadas, Irmãs). A pr6pria instituição foi considerada, tam
bém, como, objeto' de estudo.
"
,
As "garotas" ,são adolescentes na faixa etária de 10 a
17 anos que moram na própria instituição. Algumas sao egressas da FUNABEM que vêm prestar serviços, recebendo por isso
uma espécie de mesada (10 mil cruzeiros) por mês. Estudam du'
rante uma parte do dia (manhã ou tarde) em escolas do Município cursando o 1 9 grau. Todas, de um modo geral, estão muito
atrasadas em escolaridade, com relaç~o i idade crono16gica. A
função destas "garotas" ê cuidar das crianças durante todo o tem
po, ficando em contato com as mesmas o dia inteiro e exercendo
todos os cuidados básicos tais como: banho, alimentação, ficar'de "guarda"l na hora do repouso, da recreação, na sala de
e
I
lEsta palavra
usada na instituição; por outro"lado a função desempenhada pelas "garotas" corresponde realmente a'de guardas".
.
29
aula junto com a professora, rio dormit6rio durante i
noite,
enquanto as crianças dormem. As atividades das garotas
incluem cuidar da. higiene das crianças, pentei-Ias, vestf-Ias,
calçá-las, orientá-las no uso do banheiro, levá-las a enferma
ria pata curativos quando necessário etc.
As funcionárias cuidam mais da limpeza e da higiene
da casa, ou seja, limpeza dos banheiros, do dormit6rio, lavagem das roupas etc. As irmãs supervisionam tudo na institui
çao.
Com as professoras o contato das crianças se dá em
sala de aula. Durante a realização do estudo, observou-seque
todas as professoras têm curso de especialização em jardim de
infincia ou mat~rnal~· s6 são admitidas na instituição se .fizerem o curso que .é ministrado pela' própria superv~sora da i~
tituição. Existe uma grande rotatividade por parte d~s pro~
fessoras, sendo que ~ mais' antiga ~stá na instituição há três
anos e a mais recente há al~un~ meses. Parece que elas
nio
se sentem valorizadas pela direção da casa e também discordam
de algumas maneiras das irmãs agirem. tada professora perma~ece fixa na mesma série sempre,e as turmas é que mudam cada
ano; portanto as crianças' ficam sempre, com uma professora diferente. Trabalham de 08:00h até is 14:00h com as c~ianças,
tendo intervalos sempre que as.garotas assumem as crianças p~
ra higiene~ refeição, repouso etc. Cada professora
auxili~
da por duas garo~as que fica~·na sala de aula ajudando durante o desenvolvimento dos trabalhos com as crianças, como pin
turas, colagem, desenhos de ,diferentes técnicas.
&
Existem também profissionais técnicos como: um pedi~.
tra, um neu~o-pediátra, um clfnico geral (que atende mais as
funcionárias) além de dois dentistas e uma nutricionista, porém, não se teve ,oportunidade de nenhum contato com esses pro
fissionais, uma vez que' nunca foram vistos na insti tuição.
.
,
A creche possui
sei~
salas de aula que também soo usa
30
das corno sala de refeições, para onde a comida ~ levada
por
meio de um carrinho. Possui, tamb~m, seis dormit6rios, seis
terraços, urna enfermaria, chuveiros frios e salas para visitas. O~ grupos não se misturam entre si, possuindo cada um,
,suas pr6prias dependências, todas separadas, ficando as crian'
ças de um grupo sem nenhum contato com as de outro.
Formam
departamentos estanques. Os objetos de uso pessoal e individual são apenas sapatos, escova de dentes, to~lha de
banho,
sendo os demais de uso coletivo. Quando alguma criança fica
doente ~ logo separada das demais separando~se tamb~m as rou.pas de uso pessoal, e em caso mais grave a criança ~ internada
em um hospital:
Conforme informação das professoras, as crianças de
vem chamá-las pelo nome pois "não possuindo família elas nao
podem ter tias".; mas p6de-se· observar que diversas
cri~riças
tratavam-nas por "tia" e qualquer adulto tamb~m ~ assim cham~
do. As pr<:>fessoras e as "garotas", quando' estão juntãs
com
as crianças, conversam sempre entre 'si, mas nunca se ~irige}Il
ãs crianças, a não ser para chamar atenção, repreender, zangar, censurar. 'Não existe quase diálogo entre a criança. e o
adulto. O adulto aparece corno algu~m repressor que está sempre zangando •. Foi observada, tamb~m, a falta de iniciativa,
por parte das crianças, pois estão sempre obedecendo e não s~
licitam o adulto para nada; quando não têm condições de exec~
tar urna tarefa, não pedem a ningu~m mas permanecem paradas ã
espera de que algu~m as ajude •. As crianças não pedem para ir
ao colo' das pessoas da instituição, mas o fazem com os estranhos. Mesmo nos pass~ios fora da instituição, as crianças bem
pequenas vão e voltam andando, por distâncias razoáveis, mas
.
não solicitam para ir ao colo. Todas as quartas-feiras
sao
permitidas visitas de pessoas estranhas ãs crianças,
14:00h ãs 16:00h e também tOdos os domingos, na parte da ma
as
nhã, das 09:00h ãs II:OOh e na parte da ta~de das 14:00h
16:00h. Estas vi'sitas são permitidas com excessão dos terc~!
ros domingos de cada mês, porque este fica reservado para
a
visita das mães que têm.filhos na instituição •
-
..
.
,
31
Existem muitos brin~uedos, por~m, estio todos enfei
tando as camas, os dormitórios etc., nio podendo ser manipul~
dos pelas crianças, porque "elas destroem e quebram tudo" -segundo informaçio de uma das Irmãs. Nos pátios existem ap~,
nas alguns pneus velhos para as crianças brincarem, masnenh~
ma delas parece in teres sar':'se por eles. Exis tem, tamb~m, brin
quedos nas salas de aula com os quais as crianças brincam du
rante a ,hora de ati vidades livres. Há uma grande preocupaçao
por parte das professoras em cumprir o horário deixado pela
supervisora com todas a~ tarefas predeterminadas; por6m, suprimem algumas. alegando que nio,há tempo suficiente e outras
vezes dizendo que nio há material (como vitrolinha para a ho
ra de música~ ritmo, expressa0 corporal etc.).
Duran te o período de f6rias das professoras, as crian
.
çaspassam o dia ,todo com as "garotas" no terraço., nio haven
do as a ti vidades em sal a de aul a, a nio ser as refeições, pois.
sio sempre servidas'nesta' sala. .Após
o almoço as crianças
.
v~em televisio sentadas 'sobre uma lona estendida no'chio
~
aí dormem durante uma hora.
,
'
4.1.2 - Instrumentos e procedimentos
Para as crianças foi feita a observaçio direta. Os
resultados foram analisados qualitativamente eapr~sentados
descritivamente·. Para os adHltos foram usados questionários
e entrevist~s semi-estruturadas.
,
I
Durante a realizaçio das entrevistas e observações,
ocorreram algumas dificuldades colocadas por parte da direçio
do Educand~rio, tendo sido espalhado ,entre as funcionárias e
"garotas" que a pesquisadora seria uma reporter que iria col~
car as entrevist,as, que foram gravadas e posteriormente ,tran~
cri tas, no j ornaI. Este' problema, por6m foi solucionado
'a
medida em que era explicado o motivo. do trabalho, verificando-se, inclusive um grande interesse por parte das !'garotas. u
em participar.
32
Todos os dados obtidos foram analisados qualitativ~
mente, procurando-se organizar categorias de conteúdo em tor
no das quais fosse possivel interligar os resultados, independentemente da forma particular de observação de que eram
provenientes. O processo de análise teve a intenção de. entre
laçar, sempre que possível ~ os "dados" empíricos e a interpr~
tação, à luz das teorias e os resultados de pesquisa discuti
dos na revisão biblibgráfica e na fundament~ção te6rica. No
te-se que, em função do valor expresso por certos resultados
emplrlcos, foi necessário remeter a discussão, eventualmente,
a contribuições te6ricas não .previstas de início •
.
,
33
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Ao discutir os resultadOs da. pesquisa, procurou-se
percorrer dois grande tópicos: a insti tuição e a criança.
Pri
meiro, coloca-se o contexto institucional, p~ra em seguida p~
sar i anilise da problemitica da criança, sempre ietomando es
te contexto, a nível dos efeitos propriamente individuais.
Na ocasião em que o trabalho de pesquisa foi inici!
. do, a instituição em questão possuia um determinado número de
"garotas" e funcionarias, porém, no decorrer do desenvolvime~_
to do mesmo observou-se que virias destas pessoas foram dis
pensadas de seus empr'egos,. !,?endo su.bs ti tu idas por novas - con
tratadas. Notou-se, desde então, que ha quase que, um permane~
te rodízio das pessoas para cuidar das crianças.
,
Uma das "garotas" entrevistadas relatou a s'eguinte
informação: "Não é sempre a mesma pesso.a encarregada do mesmo
grupo de crianças. Diversas ve2es modifica. Uma 'garota'que
t~ numa-saLa pa~sa pra o~tra saLa ... a que ~~ na outra, saLa
passa pra esta~ entendeu? Sempre reve~ando. As vezes ocorre
o fato da faLta de 'garota'~ entendeu? At~ tira d'aqui p;roa b9,.
t~ L~~ ou então~ tira de L~ pra botá aqui.
Sempre o caso é
essa faLta de 'garota'. Bem, nesta saLa aqui~ quando eu cheguei~ tinham. cinco 'garotas', todas as cinco foram embora~
a
única que ficou foi eu~entendeu? At~ vai mudando~ vai muda::..
do. At, quando chega um certo tempo, vai mudando~ vai embora. As vezes eLas vão embora é porq~e eLas querem mesmo~ as
vezes é porque faz aLguma coisa errada... At~ a irmã vai aju!!.
tando~ at~ tem uma hora que eLa manda embora". 1
.
I
lManteve-se, ao longo de todo o texto, a linguagem dos entrevistados, sem
alterar o seu modo de falar, isto é, repet~ndo-se exatamente sem deturpar os seus depoimentos, inclusive conservando ate as incorreções exis
tentes.
34
A psicanálise provou que a intimidade da criança com
a mae, com todas as suas implicações afetivas, possibilitará,
mais tarde, o estab~lecimento daquilo que se denominou relações objetais, isto ~, ,r~lações do sujeito com os outros
S!
res humanos, e, conseqUentemente, o modo pelo qual saberá apr!
ciar a realidade objetivado mundo. Como poderão estruturarse as relações objetais dessas crianças, sem a intimidade da
mae e com esta permanente substituição de figuras "substituti
va$"?
AI~m
dessa troca de funcionárias, pBde-se notar, t~m
b~m, que as pessoas encarregadas de cuidar das crianças, isto
é, 'as "garotas" não ficavam permanentemente com as mesmas, - h~
vendo um revesamento entre elas, pois em cada espaço de tempo
pe-rmanece, geralme-r:tte, apena,s uma "garota" ou duas com as crian
ças, enquanto as outras descansam ou saem para freqUentar aulas fora di instittiiçã~~ Sendo a~sim, as crianças ficam pr!
vadas de umà f{gura está~el e constante para o seu
convivio
diário, tendo, provavelmente, dificuldade na formação do que
M.Klein chama de relações objetais.
Tamb~m
Ribble aborda aspectos importantes no trato
com as crianças que são as sensações que elas sentem e as tea
ções emociqnais que as impelem na' direção do relacionamento
mãe-filho. Este vinculo existe para que a criança possa ser
alimentada e protegida durante a sua infância. Ribble afirma,
ainda, que "o bebê que é tratado impessoalmente, por mais bem.
alimentado e limpo que esteja, ~ definitivamente prejudicado
no desenvolvimento de sua personalidade e na sua
cap'acidade
inicial de confiar e corresponder a outras pessoas. No principio da vida tal atitude impessoal prepara o caminho para inu,
meros problemas de comportamento e hábitos irregulares futuros". O primeiro cuidado materno "consiste na continuação das
li~ações do estado pré-natal ~om o fator adicional
do toque
ou tato". O rec~m-nascido "precisa ainda ser embalado suavemente como o era dentro do corpo de sua mãe, necessita, tamb~m, ser carregado em intervalos regulares, até que possa se
mover e coordenar seu próprio corpo. Esta atitude ajuda
a
35
fortalecer seu senso de equilíbrio e a lhe dar sua primeira
sensação de pertencence.r a alguém". (Ribble, 1975).
A criança tem necessidade inata de ter um relaciona
mento afetuoso cOm alguém. Conforme Ribble afirma os recémnascidos t~m dificuldade de se adaptarem i vida duran~e seus
primeiros dias de nascidos, uma vez que o seu sistema nervoso esta incompleto e seu cérebro ainda não esta apto para f~
cionar no controle do comportamento. O beb~ humano, ao contrário dos outros mamíferos, não dispõe de um comporta~ento
instintivo diferenciado para o proteger tendo necessidade de
algué~ para ajuda-lo, cuida~lo ~ ama-lo.
Segundo observação da autora, durante todo o período
em que o trabal~o de pesquisa se ~esenvolveu não foi visto
em nenhum momento as crianças serem colocadas no colo ou emb~
ladas. Foi notado sempre. que as crianças ficavam em seus ber
ços ora dormindo, ora chorando~ s6 eram levadas ao colo na
hora da mamadeira que era "dada rapidamente pois haviam outros
beb~s esperando para serem alimentados também.
Pode-se deduzir esta situação também do depoimento
de uma das "garotas" quando di s Se: "Ten to pegar todo mundo. Se
eu pego uma .•• eu nem gosto de pegar 3 ponho todo mundo no chão
porque se eu pego e fica um no chão fica oZhando ••• com cara.
triste •.. at eu ponho todo mundo no chão 3 desço todos ao mes
mo tempo".
Segundo o ponto de vista da autora o.papel da inst!
tuição tem sido apenas o de prover a criança dos cuidados bá
sicos materiais necessários ã sobreviv~ncia. Por outro lado,
não propicia um desenvolvimento psico-?ocial destas crianças
que lhes permitiriam um~ reintegração na sociedade.
Conforme os depo imen tos .das funcionarias, es te papel
da instituição tr.ansparece pela imagem principal que se cap
tou: mostra a esp~ctativa de que a instituição, representada
36
por elas, funcion~rias,' substitua os pais, nio s6 em termos
dos cuidados necess~rios·a sobreviv~ncia, corno tamb~m em rela
çao a amor e carinho, por~m, tal função de substituiçãonao
parece ser cumprida a nio ser nos cuidados materiais, embora
algumas entrevistadas declarem que "suprem" essas necessidades afetivas no contato com as crianças, ou que ficar' na ins
tituiçio ê melhor do que com os pais "( ••. ) acho meZhor
tá
aqui do que com os pais~ né? Os pais não querem cuidar~ nem
nada. t meZhor assim. No coLégio interno tem carinho pra'dâ~
tem comida, Zugar pra dormir". A aus~ncia, principalmente, da
figura materna, marca as fal~s corno algo inevit~vel, ou seja,
a instituição, ainda que fosse bem preparada para este papel
substitutivo, nao poderia proporcionar senio compensaçoes pa
,ra esta falta por si mesma insubst~tuível da mae.
Aliás as
entrevistadas ~eixaram claro que a presença da mae, no caso
das crianças internadas 'que a possuem', ~ fator de garantia des
sas compensações do ponto 'de vista material ("por exempLo, quan
do as crianças que têm mãe... quando aqui tem... e como é que,
se diz... é... uma mae que tem um fi Lho e que co Loca aqui~ 's~
be? 'Tem umas que faZa que a mae que tem fiZho aqui quer que
a gente cu,ide bem,. e que as crianças que não têm mae, sabe?
sei Lá.' .. eu acho que não, que é meLhor cuidar das crianças.
,que não têm mãe do que. das que têm mãe. Aaho que todas, assim, que tem mãe ... ' que tem mãe, eu noto uma diferença: são pi::..
racentas, não obedece •.• quando a mãe vem buscar eZas, at depois quando a mãe'traz de voZta, começa a chorar, sei Lá. As
'garotas' ficam 'atacadonas'. Agora os' que não têm mãe, eu
acho tudo a mesma coisa"). Assim,,~ esta a imagem da insti
tuição vista pela' maior parte das entrevistadas: um lugar on
de a criança recebe todos os cuidados báSicos materiais para
a sobreviv6ncia~ porém, falta o amor e o carinho da mae, um
,lar, liberdade. Os seguintes depoimentos das entrevistadas
deixam tal imagem bem clara.
Pergunta: Como voce vê a criança internada?
Respostas:
- "Internada?.. Ve}o como criança
sofrida
mesma,
"
~
37
criança que necessita de carinho do pai 3 da mãe
não tem".
"ui ...
m~u Deus 3 ah!
Eu tento fazer o
elas ficarem alegres porque eu acho
qu~
mais
elas
e
sao
um pouco tristes".
"Ah! Eu sinto muito amoP3 muito carinho 3 eu queria
da um pai 3 uma mãe 3 que elas tivessem sempre
um
pai 3 uma mãe 3 pra gostar delas 3 pra ficá
delas pra .dá muito carinho a elas".
..
---I
do
lado
Portanto, pode-se supor que falta às crianças a par
te afetiva, e, que nesse campo a criança está
desprotegida,
ficando totalmente com um déficit de amor. Realmente nao se
percebeu,· na instituição, uma estrutura capaz de pelo ~menos
contornar essas fàltas básicas. Não se consideram, pelo menos na devida conta, os problemas que surgem para a
criança
quando esta acha-se. impossibilitada de conviver com.a·
mãe, seri
.
do afastada do convívio social, como é o caso da criança ins
titucionalizada,- onde se ve obrigad~ a viver numa rotina seme
lhante a "caserna" (onde há horário rígido para tudo; ver ane
xo 1). Conforme o relato das entrevistadas, na instituição'
não existem normas negativas, as instituições nao são danosas.
Desse modo, a criança passa a ser v~sta como culpada de tudo
que contraria as' normas previstas socialmente como certas, quan
do na verdade el~ deve ser entendida como vítima por. ter sido
afastada das condições, comumente, consideradas como normais.
Não podemos ignorar a difereriça entre uma assist~ncia individual, feita com amor de mãe e outra "massificada" ou mesmo até
individual e bem intencionada, porém, com "amor pré-fabricado".
Um é natural,. aut~ntico, instintivo, uma vez que pode-se úbser
vá-lo até m~smo dos animais, o ~utro é, de certo modo, artifi
cial, substituto. Ora, se existe o natural, este deve t~r a
prefer~ncia; somente, na a~s~ncia absoluta compreende-se
ou
melhor tolera-se a substituição, porém, de forma
consciente
com os limi.tes desta substituição e prC?porcionando as condições que a tornem favorável à criança. Não se percebeu,
na
~
38
instituição estudada, este clima favorável. Um fato signifi
cativo desse despreparo ocorre com as crianças filhas de mães
que trabalham na pr6pria instituição. Estas crianças nao podem ficai junto de suas mães, pois t~m que participar de todas as atividades como qualquer uma das outras internas,
p~
rém, foi observado que a qualquer descuido das.pessoas que es
tão tomando conta, a criança "foge", corre até o lugar onde a
mae está, ficando um pouquinho junto dela como se fosse i'rea
bastecer afetivamente".
Uma criança -s6 pode expandir-se no ambiente privile
. giadp de sua mae nutriz. Separada dela e cercada de influ~n­
cias que parecem hostis a sua sensibilidade, tais como contro
le através da repressão, aus~ncia total da mãe, afastamento do
convívio social, falta de liberdade, tendo que cumprir horários rígidos, expõe-se a se tornar tímida, inibida, triste, ~
se contrair cada vez mais e a se fechar ao mundo que a cerca.
Esta situação expõe a criança a correr'o risco de cair na in.
.
diferença afetiva sem possibilidade de recuperação para cont~
tos sociais. Assim sendo, o relacionamento da criança com a
mãe ou sua substituta, isto é, um~ figura estável, constante
.e permanente, é determinante para o amadurecimento emocional
posterior. Se este relacionamento for de uma comunhão profu~
da em que a sub~tincii do ser infantil possa impregnar-se des
se amor, essa experi~ncia feliz de relacionamento afetivo ma!
cará toda a evolução futura da personalidade. Porém, se for
deficiente, resulta~á, para a criança, numa grande frustração
de amor que causará em seu ser um vazio quase impossível
de
ser preenchido, tornando-a um indivíduo incapaz, também,
de
amar mais tarde.
Quanto
. aos
. aspectos fÍ~icos e materiais a criança re
cebe, talvez, até mais do que se estivesse com a mae, devido
ao seu estado de total car~ncia de recursos materiais para man
ter a família. A partir dessa circunstincia, a instituição
exerce um ·certo poder sobre as crianças e as funcionárias. As
funcionárias sentem-se dependentes da instituição para poder
sobreviver, pois apesar de acharem-se exploradasCtrabalham muito
39
e ganham pouco" metade do salário mínimo) acham que a institui
çao "lhes dá muito" e o que ganham representa um bom salário
por ser livre de despesas "pois têm tudo na instituição".
Foucault coloca muito bem o problema da ~elação esp!
cífica de poder que sofrem os indivíduos enclausurados, onde
a instituição utiliza uma têcnica própria de controle a que
chamou de "disciplina" ou "poder disciplinar". Este poder di~
ciplinar funciona como uma rede, não se limitando a fronteiras, pois ê uma têcnica, um dispositivo, um mecanismo, um ins
trumento de 'poder. A disciplina das instituições ê usada co
, ----':,~ mo "método que permit'e o controle minucioso das reações somáticas que asseguram a submissão constante das forças físicas
do sujeito e lhes impõe uma relação de docilidade, utilidade,
submissão. Foucault fala ainda, sobre as características bá
sicas da 'disciplina que é primeiro, um tipo de organização do
espaço físico que os sujeitos devem ocupar, isto ê, trata da
distribuição dos sujeitos num espaço iridividualizado, classificatório, combinatório. Esta organização do espaço
físico
fica bem nítida na instituição objeto de estudo. Há,um lugar
para as crianças, outro para as funcionárias, outro para
as
,irmãs; atê'mesmo eritre as próprias crianças existe esta separação do espaço, uma vez que estão separadas em grupos por fai
xa etária. Cad~ um d~sses grupos (crianças, funcionárias, i!
mãs) têm seu espaço próprio para dormir, para refeições, para
higiene etc.' São compartimentos estanques. Em segundo lugar
existe um controle de tempo. pois os sujeitos se submetem ao
tempo ond~ estão programadas atividades de meia em meia hora
e, is vezes, até de quinze em quinze minutos. Em terceiro lu
gar tem-se uma vigilância que ê um dos principais instrumentos
de controle. Uma irmã supervisiona tudo no andar ocupado pela creche. além de existir, ain~a em alguns grupos, outras ir
mãs para vigiar as "garotas" e as funcionárias, e nos grupos
onde não ,há irmã, existe sempre uma funcionária mais antiga e,
geralmente, mais idosa que tambêm exerce essa função~ Os obj!
tivos da disciplina são tornar o institucionalizado "útil e
dócil", isto é, fácil de ser'manipulado. Para tanto, organiza-se uma hierarquia de subordinação, ficando a criança no
40
"esc~lão"
inferior.
A probl~matica da criança·institucionalizada,
pode
ser compreendida, a nível individual, à luz de teorias psicol6gicas. Para Klein as perdas sofridas pela criança durante
o primeiro ano de vida são patogênicas e estão ligadas à amamentação e ao desmame. Considera, tamb~m, a agressao como ex
pressão do instinto de morte e a ansiedade como resultado da
sua projeção; por~m, Bowlby critica esta ·posição, uma vez que
nao a acha coeren.te, pois para ele o obj eto mais s ignificativo que pode ser perdido pela criança não ~ o seio, mas a pió
pri~ mãe, e o períodd·vulrierivel não ~ apenas o primeiro
ano
de vida, mas prolonga-se por virios anos durante a infincia
(Bgwlby, 1981, p. ~8). A perda di origem à ansiedade
e
i
agressão, cuja função desempenha um papel importante que.~ re~ .
lizar a reunião. o comportamento do tipo agressivo desempenha
um papel decisivo na manutenção de vínculos afetivos.
Todavia, os pontos de vista de Klein e Bowlby;
sao
substanciais, tarito na irea de d{scordincia corno na irea ··ae
concordincia. Ambos concordam que o processo de perda·
que
ocorre nos primeiros anos de vida 'são mais marcantes do que·
aqueles que possam ocorrer nas outras fases da vida, podendo
acarretar um desencadeamento patológico no indivíduo e, portanto, podendo deixi-lo com urna predisposição maior do que os
outros, a responder de modo anilogo a novas perdas.
Bowlby cita, para reforçar seus pontos de vis·ta, os
casos onde Freud fala sobre a ~ivisão do ego, os
casos
de
Stengel sobre desvio compuls,ivo. Abraham sobre os pacientes d~
pressivos, Klein sobre os pacientes com desvio de cariter e os
numerosos estudos das Gltimas d~cadas, mostrando que ~
bem
maior do que no resto da população, a incidência de paciente~
portadores de doenças psiquiátricas e desvio de caráter
nos
casos de indivíduo~ que sofreram perdas na infincia.
Estas marcas apontadas pelos autores citados,
trans
41
parecem nos depoimentos das entrevistadas:
Pergunta: Você vê alguma diferença entre as crianças
internadas. e as outras crianças?
Respostas:
"Onica coisa que eu acho, parece que as outras crian
ças são mais assim...
internas, só.·..
Como posso' dizer? ..
Ah! .•. um ... o fato delas
presas num lugar, e nao 'tando' com a
Essas
'tarem'
famtlia
Zas; eu sinto que elas são mais quietas ..•
é ... inibidas, mais tristes que as outras.
tras podem ser pobres mesmo.
de
mais
As
ou
A gente vê, encontra
muito mendigo.ai pelo meio da rua, né? Criança.me!
diga e ·tudo, né? 'tão' alegres, brincando.
Cbm o~
daqui ~arece que param, assim, fica parado)
. tem. .. não reage, nao b.rinca.
nao
Acho que a diferen-
ça é esta: a tristeza que eles sentem que 'tão' núm
lugar que não é o lugar deles, porque acho que por
ser mais pobre que s?ja uma casa, sendo da famil,ia
da ge~te, por ~ais pobre, a gente 'ta' melhor
ali
. do que num grande colégio, num lugar que tenha todo conforto, né?
A gente 'tá' melhor com carinho,
perto da mãe da gen~e, dos pais da gente do que .••
. Não precisa ter nada, assim, pra •.. pobrezinho só,
'tá" "melhor muito me"thor.
Pelo menos eu,
.no
meu
entender, acho que é melhor do que a gente no colé
gio internb~ porque no meu entender eu penso'
as-
sim" .
"Esses internados, só o fato deLes
~um
'tarem'
presos'
lugar e não'tando' com os pais deles, eu acho
que eles são mais tristes, mais infelizes
que
as
outra~ cria~ças".
.
,
Conforme a autora pode observar as crianças apresentavam-se sempre qu.ietas, sem tomar iniciativa, obedecendo sem
42
pre as ordens, até mesmo as crianças bem pequenas, entre um e
dois anos ficavam s~ntadas nas cadeirinhas que existiam em vo!.
ta d.a sala sem se levan:tàrem, enquanto' aguardavam a única fun
cionária que naquele'momento tomava conta deles, trocar a fral
da de todos e depois servir-lhes um mingau na caneca onde cada um segurava com sua própria mão, tomando-o sozinhos.
Assim, as crianças, sendo institucionalizadas, subme
tidas ao poder disciplinar, perdem as possibilidades de se ex
pressarem, fica'n~o sua problemática impedida de se manifestar,
cerceada e, portanto, sem condiçõe~ de serem atendidas. Embo
ra 'esta problemática centralmente afetiva não tenha possib~l!
dadede ser adequadamente atendida dentro da instituição, as
p~ssoas encarrega~as de lidar com as crianças percebem-na
de
algum modo e, em seus depoimentos, deixam transparecer q~e os
cuidados ma"teriais ,proporcionados são irrelevantes em relação
i falta afetiv~. R~conhecem,que há ,necessidade de preencher
as carências de amor e identificam-se com as próprias' crianças
neste sentido, tirando certa gratificação do contat9 com
as
mesmas. Uma das entrevistadas fói bem-clara a cerca dest~,po~
to. Perguntada pelo motivo de haver escolhido este tipo
de
trabalho, 'declara: "Por necessidade, e tamÚ'ém por ter tanto. c~:
,
,
rinho pra dar e não ter ninguém p'ra. 'dar e' eu achei que...
carinho que eu tinha dentro dd
mim~
eu necessitava dar pra
'o
~t'
guém e essas ·crianças necessitam muito".
Pode-sé entender tal identificação quando se analisa
as relações de dependência frente i instituição, por çarência
econ6mica das famílias das entrevistadas, (ver p.28 caracterização das "garotas"). Todas moram na instituição, partici
pando, portanto, da situação de internação das crianças, me~
mo quando têm família. ,Nota-se que algumas são menores abandonadas, criadas, na própria'instituição e assumindo, no momen
to, a função de cuidar das c~ianças, repetindo-se, assim;
o
ciclo de abandono 'e 'institucionalização. Estão dando is crian
ças o mesmo que receberam e continuam a receber, o que se re
flete na atitude das entrevistadas que tentam constantemente
43
justificar a instituição. Neste sentido destaca-se a história
de uma das "garotas" que tem 13 anos de idade, estuda na 3a.
série do 1 9 grau, ainda vai ser matriculada pois está há
um
m~s trabalhando aqtii na instituição.
Tem pai e mãe que m~ram
em Mesquita. Veio através da mãe de uma "garota" .que também
vive na instituição. Conforme as palavras da própria entrevistada temos: .'ITem uma menina aqui e a mãe dela falou que e!
te coLigio era bom~ ni? E o meu pai tava querendo bota a gen
te num coL~gio interno porque ..• porque •.• ~le separou da minha mãe~ ni? At~ botou a gente aqui~ no coligio .interno.
A
moça tinha. faLado qUG este colégio aqui era bom~ né? A filha
. dela. tav~ boa aqui e ~udo. At~ mando a gente pra ca".
Esta
"garota", embora tenha treze anos, apresenta um comportamento
regredido, pois sempre que fica distraída está com o polegar
na boca c~upando-o como um beb~.
Desse modo, justificando a instituição por um lido
e, identificando-se com as car~ncias afetivas das
crianças,
por outro lado, como v~em seu papel e sua atuação no trabalho?
Constatou-se que centralizam suas funções nos cuidados higi~~
nicos, de alimentação e recreação •. ]j possível que algumas fun
.cionárias tentam estabelecer relações mais afetivas
com as
crianças, mas parecem bastante despreparadas para tanto
e,
além disso são impedidas pelas irmãs que as controlam. Uma de
las ao responder a uma pergunta sobre o que deveria sermelho
rado. afirma' que "( •. . )a gente podia ter mais liberdade de da:za
mais carinho pras crianças". Continuando a seguir sua suge!
tão diz: "porque a gente não pode ••. às vezes a gente nao po
de da tanta atenção prauma criança que necessita; não porpr~
ferência mas por necessidade. Nós. não podemos fazer isto por
que as irmãs vê como se tivesse dando 'chamego' por preferência. Não é i~so" .
.Talvez por essas circunstâncias, os mecanismos
de
controle do comportamento das crianças, de modo geral, conotem
uma ~nfase. na imposição de autoridade: ficar zangado ... , bater •.• , pegar o chinelo e ameaçar •..• falar sério .•. , dar cas
tigo, deixar sentada ou tomar o brinquedo da criança.
44
As crianças sofrem punições, ameaças e castigos con
forme o depoimento de uma "garota" que, quando perguntada so
bre como se desenvolve o seu trabalho com essas crianças, dis
se: "Deixa a gente maZuca ... "(riso).
(Por' que?)
"Sei Z~ •.. as vezes a gente tem paciinci~ com essas
crianças., mas., a 9 vezes a gente faZa.,. as crianças não
obedece., sabe? Só pegando., assim ... sabe? coZocando
num tugar pra ti paciincia., mas eu gosto muito
detas" •
(E quando você perde a paciência? •• )
"Ah! bate no bumbum., devagarinho., né? Etas choram um
pouco" •
Outra ainda disse: "A,h!. o'. ,de vez. enquanto eu bato.
,
Quando eZas faz coisa errada eu bato. Ah! eu bato no bumbum
deZas., um at j~'quebrou o vaso. Eu batp na mao detas".
.
,
Segundo, Geiser todos que cuidam de crianças têm melhor êxito' ignorando os comportamentos' indesejáveis e recompensando os desejáveis. Conforme este autor existem 'efeitos
colaterais negativos da punição uma vez que desperta, freqtie~
temente, fortes emoções na criança castigada, sendo que a mais
comum é o me~o que pode ser associado ã situação punitiva ou
ao agente punidor. Realmente foi observado~ pela autora, du
rante uma das visitas feitas ã instituição, que crianças
de
um a dois anos ficavam quietas sentadas na cadeira enquanto a
funcionária mudava as fraldas para depois servir-lhes o lanche; .
porém quando a funcionária se afastava para lavar alguma cri~
ça que se sujara, as crianças que estavam sentadas se levanta
vam e rodeavam a 'ob servadora, agarrando-se as suas pernas; mas
assim que a funcionária' percebia o que se passava, dava apenas um grito; "senta: n e todas corriam e sentavam em seus lu
gares. Isto se repetiu por virias vezes.
45
Esta reaçio i~ediata indica, com muita clareza,
um
condicionamento anterior, com efeitos decisivos sobre a liber
dade, e at~ sobre os mo~imentos das ~rianças, que s~ podem ma
nifesta~-se na aus6ncia dafuncioniria.
Para Geiser "a punição conduz, em geral, à fuga ou à
esquiva e, caso nao seja cuidadosamente controlada, esse com
portamento pode ser reforçado, evitando-se o castigo". Embora
o castigo interrompa, temporariamente, o comportamento indese
jivel, pode reforçar mei~s para evitar a punição, tais
corno
·mentiras, fugas ou dissimulação . . A criança aprende a distin.gUir quando não ~ seguro executar o comprirtamento proibido se
o punidor estiver por perto. Quando a autora ficava só .. com
as crianças. na sala, ~ois às vezes a funcioniria se afastava
pór alguns minutos, as crianças apr~sentavam os comportamentos
proibidos.
Cbnforme Geiser afirma, ~ punição nao pode nunca es,
tar associada a um reforço. Corno por exemplo gritar cbm urna.
criança pode ser um castigo, mas se isso ê a única ocasião que
lhes dão atenção, isto passa a ser um reforço. Sendo,· assim,
o comportamen to ~ndesej ivel pode aumentar com a punição em vez
de diminuir.
A punição também pode ser tornada corno um caso de modelagem negativa de comportamento. Urna criança que foi espa!!
cada aprende a ~aternos própti6s filhos. Outro efeito da p~
nição ê que ela pode conduzir a agressão. A punição ~ um pr~
cesso muito complexo e, ~ necessário saber bastante a seu res
peito, principalmente, no que se refere a aplicação em crianças. Pode ser eficaz, mas quando usado em excesso pode
toro
nar-se prejudicial, não surtindo efeito em casos de real necessidade.
..
Foi observado,· tamb~m~ o problema de medo imotivado
nas crianças, o que pode-se constatar. segundo o depoimento de
urna "garota" onde ela diz o seguinte: "As aFianças d'aqui têm
46
muito medo de fogos. E como ·têm! ... IncZusive na passagem do
ano a irmã até mandou prepara um chá .•. eZa mandou prepara um
caZmante~ at nós demos; eZas dormir~m tranquiZas.
Mas sempre
é assim ... NataZ~ Copa~ então ..• Na Copa do Mundo as
crianças( ..·.l".
Segundo afirma Erikson é na infância que a criança
é assaltad~ por medo~ e ansiedades, sendo im~ossrvel para ela
discriminar, por causa da inefici~ncia de seu·equipamento im~
turo que não lhe permite distinguir perigos· internos e externos, reais e imaginários, havendo necessidade da interferência
do adulto na orientação correta, precisa. e tranquilizadora p~
ra que a criança possa aprender esta diferenciação.
Jercild relata que para a criança entre dois a cinco
anos de idade existe um número de situações bem claras
que
despertam m~do e entre estas está o ruído e eventos associados
a ruídos.
As pes~oas que cuidam das crianças procuram, durante
estas situações de medo, soluções que façam desaparecer a re~
~ão ou seja, que coloquem as crianças numa situação de nao en
frentar o prohle·ma (preparar calmamente ... fazê-las·
dormir
tranquilamente ••• ) em vez de procurarem estabelecer, Qbjetiv~
mente o que está acontecendo ,considerando as necessidades ps!
cológicas para um amadurecimento maior. Assim, não .aproveitam as oportunidades concret~s para trabalharem esses
medos
infantis.
.
,
me~anismos de controle
Os aspectos punitivos
exercidos pelas "garotas" sobre as crianças contrastam com a
relação "amorosa"
entre . as entrevistadas e as crianças, des.
cri ta por aquelas, onde deixam bem claro o sentimento de ambi
valência pois ao mesmo tempo que relatam os castigos impostos
is crianças, falam també~ de amor e carinho que sentem
por
elas. Esta posição ambivalente poder~a ter sua origem em várias peculiaridades da relação, entre as entrevistadas e as
crianças, que já vêm sendo abordadas pela autora. Em primei!o
47
lugar as irmãs proibem contatos afetivos mais espontâneos da
parte das. "garotas", em relação a necessidades surgidas
no
trato com as crianças.: }lor outro lado , os depoimentos mostram
de maneira evidente'que as "garotas" sentem constantemente o
problema central das crianças, ·que é a ausência da mãe e' ficam mobilizadas no sentido de compensar essa ausência. Mas es
tão impedidas de'substituir a mae, no sentido de uma relação
mais individualizada de proteção e afeto. Devem ser
"mãés"
de todas as crianças e não a mãe para cada uma; assim
devem
ser uma figura'q~e se reparta entre muitas e, portanto,
que
s6 pode ser de ninguém. Como agem nesta situação, para
dir
conta das exigências afetIvas das crianças e das exigênc-ias
proibitivas d~ instituição? ~ possível que estas circunstânctas da relação com as c~ianças propiciem um clima de ambivalência, onde. as "garotas " tentam, ao mesmo tempo, compensar c~.
rências af~tivas e exercer um contiole punitivo, para manter
limites dá for~a que, ~ata elas, 'é a mais eficiente em termos
de tornar mais suave o seu trabalho.
As' espectativas dos dirigentes e funcionarios é". "de
manter as crianças num clima de passividade e obediência, tan
to assim que as entrevistadas esperam que as crianças não cho"
rem muito, não sujem, comportem bem~ sejam obedientes. Estes
tipos de comportamentos são estimulados e recompensados. Por
outro lado consideram defeitos das crianças, chorar muito, f~
zer birra, 'não gostar de tomar banho, fazer pirraça, não obe-'
decer. fazer Mbagunça", ser agressivo, "bater nas outras cria~
ças, brigar, 'ser teimosa. Esses são tipos de comportamentos
indesej aveis e. portanto, reprimidos. como também qualquer ini
ciativa por parte da criança é considerada como indisciplina
e portanto passível de castigo. Pode-se notar, nitidamente,
Referem-se ao
a dicotomia~ qualidades .opostas aos defeitos.
grau de exigências feitas pelas entrevistadas em relação
às
crianças.
Um outro aspecto de contradição observado, a nível
da pr6pria instituição, é a organização dos dias de visitas
que sao: quarta-feira à tarde, sábados e domingos pela manhã
48
e i tarde, sendo as visita~ permitidas apenas as pessoas
ex
tranhas is crianças. São pessoas que gostam de "fazer carid!
de" e visitar crianças :de asilos. :.Dur·ante toda a discussão
dos resultados, ficou claro que a ausência da mae é um probl~
ma central reforçado pela pr6pria instituição que aliis
s6
existe em função da impossibilidade da mãe assumir seu filho.
No entanto, as visitas são programadas de modo que as mães s6
podem ver seus filhos uma vez por mês que é no terceiro domin
go, ao passo·que.a instituição abre as portas, franqueando p!
ra visitas de qualquer extranho, que queira visitar as crianças. Sendo assim a instituição age para dissolver o "vínculo
mãe-filho" que neste caso' j i não esti tão solidificado dev.ido
o afastamento. A instituição toma, assim, de certo modo,
o
l~gar do "pai" para quebrar' esse vínculo afetivo da mãe com o
filho. Alguns fat6s observ~dos ilustram esta possibilidade •.
Por exemplo, ( ... )coriseqUência da visita das mães( ... ) pertu!
bação da ordem,. ruttira do esquema(.~.) Uso da chupeta proibi,
do, s6 sendo permitido no caso de crianças que têm mãe moran
do e trabalhando na instituição como funcioniria. Ligação cornos pais reais implica em privilégios do ponto.·de vista da,'±n~
ti tuição ( ~ .• ) "garota não pode dar carinho quando a criança ne
cessita porque é. visto como 'chameg,o"'. (ver p. 43)
Se a instituição deveria ter função substitutiva 'da'
família, por.que, então, usa 'formas de controle?
estabelece
normas proibindo as gratificações afetivas a que a criança tem,
necessidade devído i fase de desenvolvimento que está atrave5
sando (oral)~
Sintetizando os resultados ji. discutidos e os dados
de Qbservação direta pode-s~ formar uma imagem das crianças
institucionalizadas durante a primeira infância como sendo de'
indivíduos abandonados não só pelas mães mas também dentro da
pr6pria instituição pelas pe~soas encarregadas de cuidar· dcilas.· Notou-se, assim, que há um contraste flagrante entre a
limpeza do ambiente ond.e até as plantas são bem cuidadas
a
ponto de suas folhas serem brilhantes e transparecerem vigor
49
e limpeza l - - e' a sujeira em que se encontr-am as crianças, cons
tantemente com ·cheiro de urina, fraldas encardidas, roupas su
j as. As fraldas' são usadas, até, como pano de chão quando as
crianças defecam ou urinam no chão •.
Embora custem mais para adquirir certas 'habilidades
pr5prias de sua idade, como controle de esfIncter, em compensação adquirem, rapidamente, outras habilidades que, normal
mente, as crianças criadas com a familia levam mais tempo (c~
mo o manejo da colher), passando a comer com suas próprias mãos
em idade bastante precoce como se o seu instinto'de sobrevivên
cia estiv~sse ameaçado •. Comem rapidamente e não deixam restos ~o prato e até algumas ainda, aproveitando umdiscuido
das "garotas", tiram pedaço do bife do prato do colega.
As
"garotas" apenas servem o p-rato, não podendo
auxiliar cada
crianç~ a'comer, pois ficam tomando conta de todas e ap!oveitain também para almoçar junto com as crianças. Desse modo,o
habilidade de come~ sozinha parece depende~ do fato de preci~
sarem ficar sozinhas durante a alimentação. De certo' modo, f.!,
ca mais uma vez clara a situação de abandono, com a c~nseqUên
cia de comer exagerada e sofregamen.te·.
Ao mesmo tempo, a:s
crianças são afastadas de seus brinquedos, sendo proibidas de
.manuseá~los pois são utilizados como enfe i tes decorativos, des·
tinados a tornar o ambiente mais agradável ã vista. Inclusive
há algumas honecas que já estão enfeitando o dormit5rio há cin
co anos e este fato foi relatado ã autora por uma das irmãs
como motivo de orgulho por terem sido preservadas da "ação de~
truidora". das crianças. Observa:"se, então, que o e·stado
de
abandono a que está submetida a criança se repete dentro da
instituiçãO sob a forma dos efeitos de um controle obsessivo
sobre a ação da criança. Como se vê, além de ser abandonada
emocionalmente,
também o é em termos dos cuidados de higiene
,pessoal e a 1sso·se acrescenta úm controle permanente, o que
resulta em afastá-la das fontes de prazer que lhe são ac~ssi­
veis, a que tem direito e ·são suas. g significativo not~r que
algumas visitas, ao levarem brinquedos, fazem questão de en-
a
lUma funcionária da portaria quando em uma conversa informal com a autora
referindo-s~ as plantas disse que uma criança havia morrido na instituição e não foi possível avisar a mãe e, que quando esta voltou a institui
ção para visitar o filho'soube que este havia morrido~ sofreu uma crise
nervosa indo diretamente nos vasos de plantas quebrando-os e destruindo
uma boa parte delas.
50
tregi-los na mao da pr6pria criança, sendo esse gesto critica
do p~los dirigentes da instituição.
Despojadas de ~ossiveis' fontes de compensaçoes para
suas car6ncias, apegam-se a qua~quer pessoa estranha que apareça na instituição como a~onteceu com a pr6pria autora qua~
do de suas visitqs. Esse sentimento é expresso de diferentes
maneiras; fantasias com relação a ser adotado,' agarrar-sé com
as'pessoas p~las pernas, tentar impedir que as pessoas se vao,
pedir para serem levadas com as pessoas.
Esta necessidade.de preenchimento afetivo foi observadotambém no relacionamento com as professoras, alias, ele
mento~ q~e não' são carentes, não moram af, representando, por
taÍlto ~o elemento de ligação" entre a criança ·e o mundo "li fo
ra" . ~ por. isso, p.rovavelmente, que as crianças se sentem mais
felizes durante, o periodQ de aulas ~ela conviv6ncia que
t6m
com as professoras. Estas trazem para ~s crianças coisas no~
vaso estimulações que renovam e quebram a monotopia da vidainstitucional a que esti sujeita a criança. A' sala de aula·é
o Gnico lugar onde a criança pode manusear brinquedos"havendo varias ~'cantinhos" como o "Cent.r~ do lar" onde existe tudo.
que possui uma casa e as criançast~m prefer6ncia por este lu
gar onde gostam de vestir-se com roupas e sapatos de adultos
'gostando prin~ipalmente das roupas femininas mesmo os garotos.
Outro "cantinho", também, preferido, é o da construção
onde
as crianças constroem com peças de madeira imitando ,tijolos, .
telhas e mate~iais de construção. Segundo o depoim~nt~
de
uma professora as crianças são, amigas uma das outras, mas gO!
tam muito de dar queixa dos coleguinhas e quase nao solicitam
a ajuda da professora.
A compensaçao d~ car~ncias afetivas expressa0-se nao
s6 no apego pelos estranhos ~ pelas professoras, como
aindà
pelas'crianças maiares. Nas.,ocasiões em que se reunem um gru
po de crianças maiores com um grupo de menos idade, as crianças menores sempre procuravam ficar no colo das maiores, passando o tempo todo sendo carregadas no colo e, no momento em
51
que os grupos se separavam, as crianças menores choravam e se
recusavam a ir embora.
Como se v~ ~ possível descr~ver essas diferentes si
tuações de apego nas pr6prias palavras de Bowlby: "O oomp~rt~
mento de apego
i
oonsiderado uma atasse de oomportamento
oiat de importânoia equivatente
mento e do parentat.
à do oomportamento de
sb-
aoasat~
Sustenta-se que tem uma função biotógi~
oa que the éespeotfioa e que até agora tem sido p~uoo
oonsi
Ele considera que existe um estágio do desenvolvimento dos sistemas comportamentais responsáveis pelo
apego,
onde a meta fixada ~.a p~oximidade com a mae. Considera, tam
bém, os padrões de comportamento de sugar, seguir, chorar
e
sorrir como comportamentos que contribuem para o apego,
derada".
'0 vínculo da criança. com a mie ~ o resultado d~ atividade de sistema's comportamentais que t~m como finalidade con
servar a proximidade com a mae. Por~m', no ser humano a ont'o-'
genese desses sistemas ~ lenta e.complexa sendo seu. aesenvol
vimento muito variado durante o primeiro ano de vida da crian
ça.
Quando a criança começa a ~ndar, por volta dós doi~
anos, o comportamento de apego pode ser observado de modobas
tante típico. Quando por exemplo a. mie se afasta ou a crian
ça se assusta os sistemas comportamentais do apego sio ativivados.
Todas as tentativas das crianças se livrarem da viv~ncia de àbandono, estabelecendo. contatos afetivos até corp~
rais, remetem ao contato que ~ criança teria normalmente com
~ mie.
No <fntanto, ~ gratificação ~ este nível primário·, com
os possíveis substitutos da mãe, ~ quase impossível na institi tuiçio., ficando em seu lugar uma série de controles. ~ in
. teressante'notar que a "vigilância", por ser tão característi
ca das relações institucionais com a criança, surgeat~ mesmo
durante a~ aulas, lugar mais ~ivre e ~fetivo, embora em dose
muito menor. Por exemplo, quando ,a professora impede que um
menino vista mais de' duas vezes roupas femininas, durante as
52
-
brincadeiras na sala, achando 'que isto pode levá-lo ao homos
sexualismo posteriormente. A presença do controle institucio
nal concretiza-se ainda mais pela presença de uma "garota" du
rante todo o tempo de atividades na sala de aula.
vê-se ~ presença simultânea do abandono ~ do controle em quase todos os momentos da rotina da criança. A lingu~
gem institucional reflete bem esta vigilância:. Ar:, "garotas"
referem-se, a "estar de guarda'" quando estão tomando conta das
crlanças. Durante o repouso, depois do almoço, as
crianças
,são obrigadas ~ ficarem deitadas no chão forrado com uma lona
grande ond~ cabem todas, ficando amontoadas durante o periodo
de uma hora. Mesmo que não queiram ou não gostem de dormir
sao obrigadas a permanecerem deitadas sob a "guarda" de
uma
das "garotas" que ao, menor movimento de alguma das
crianças
faz um "ps iu" e tudo vol ta 'a' normal idade.
Para ilus trar, mais concretamente, o que aqui se anali
sou, apresenta-se, a seguir, o depoimento de duas funcionáriás
da Romão Duarte~ apenas comentado para ressaltar como ê viven
ciada a criança pelas mesmas.
,
.
53
5.1 - A vivincia da criança na
relaç~ocom o representante
da Ins -ti tuiç~o
Logo de intcio, começa a esboçar o quadro das neces
sidades e car5ncias das crianças em relação a afeto, rel~cio­
nando-as à falta da inae. E carinho, o que precisam receber das
pessoas que cuidam delas, vendo nessas pessoas "a mãe que elas
não têm". A palavra "ITlamãe" aparece "sem mais nem menos, sem
ninguém ensinar nada l l , como que associada desde sempre e imediatamente a carinho e amor. Esta percepçao provoca, nela,
tristeza ~ pena, pois revela como as crianças sao
"desprez~
,das", "uma coisa assim" jogada fora".
é um sentimento errado ("n~o se deve ter pena
dos outros n~o ... "),' ~as a entrevistada não pode evitar sen
tir pena, porque, 'quando consegue parare,pensar, e~quanto as
crianças estão dormindo, v,e a situação 'de abandono pela mãe c~
mo uma situação radical, além ,dos ·limites até animais .("e até
,
um animal tem carinho com o fiZhinho dele") e diante desta si
tuação, "a gente só dá aqui lo que e les precisam" o necessário,
tudo".
Ou seja a frase paradoxal "a gente só dá tudo, o necessário" traduz:-se como: nao damos o essencial que está fora
do regime da necessidade, nao damos o que a criança realmente
dese j a, damos "tudo" que equivale a dar "nada". E as s im" só
resta sentir pena por aqueles que, tendo tudo, nao tem coisa
alguma.
A
pen~
'A entrevistáda diz ainda: "A-í" eu fico t~o assim" qu~
rendo ser a m~e pra todos eles, né?" -- mas nao 'pode de fato,
e sente pena por isso.
,
,
Por outro lado, esta situação, que descreve "o estar
internado"? parece ser "melhor do que do jeito que .•• tá na
rua ou com a m~e mesmo", A mãe rea! não pode dar o que a ins
tituição dã:, comida? dormida, assistência. O estar "melhor",
é claro, é relativo ao como se define· aquilo de que as crianças precisam mesmo. ("talvez é dis.so que eles tavam prec.isando
mesmo" né?").
Em outras palavras: o que adianta ter a mae cor
S4
rendo o ris.co de morrer de fome, de adoecer'? O que adianta ter
uma mae que não pode "olhar por eles?" Entre perder a mae e
perder a vida coloca-se um dilema tão sério que "não dá para
entender bem". Achando que "não teria coragem de fazer isso
com uma criança minha"; parece criticar as mães que abandonaram seus filhos, por não terem uma outra "coragem".
Essas crianças, agora já sao "diferentes", pela "tri!!..
teza que eles sentem que tão num lugar que não é o lugar de
les". Estão "presos", são "mais quietos", "inibidos" do que
os outros. Distingu~ esta condição. como resultante da inter·nação, mostrando como· mesmo pobres, largados no meio da rua,
mendigando, os "outros" (não internados) "tão alegres brinca!!:..
do". E assim o dilema entr~ os riscos de nao sobreviver e nao
ter amor se resolve: "Porque acho q~e por ser mais pobre que
seja ... pobrezin~Q s6, t~ muito melhor".
Estas crianças,· em relação às quais foi decidido de.
uma vez para sempre o que é "melhor", chegam às mãos· dela geralmente sem nome e sem idade, sem certidão de nascimento. Nes
ses casos, a internação representa um ato de identificação no
tempo e no espaço social: o nome é dad6 e a idade é calculada·
pela instituição. De certo modo, este ato é simbólico de uma
passagem direta para o mundo das normas, sem a experiência co~
creta das relações pai/mãe/filhos qu~, do ponto de vista psico15gico, prepara esta entrada no mundo do social. S um munvivido
pela
do parado, enigmatico, pré-codificado, onde o
criança não encontra ressonância senão na vivência do abandono. "Aqui ·amanhece o dia, anoitece o dia; t~ a mesma coisa" •
Ela não sabe explicar qual a difer~nça entre trabalhar
com
crianças ·que repartem a vida entre a família e a escola, e tra
f
balhar com essas .crianças, mas s'abe que "no meio de las ... . : me
"sinto assim as
vezes deprimida".
Também nao escolh~u vir trabalhar na instituição R.
D. Acha que veio "mesmo é obrigada·. . , por causa do meu filho."
porque nio tinha um lugar onde pude~se trabalhar junto dele, ea instituição aceitava "mãe junto com f~lho".
Até pr~
ss
feriria trabalhar com velhinhos e doentes, pois pelo menos já
"passaram alguma coisa boa na vida", sendo assim, para ela. me
nos penoso trabalhar com "maiores infelizes do que com menores". Retoma neste sentido o tema da experiência central das
crianças internadas ...- "sofre mesmo e já nasce sabendo ... não
foram .aceitas desde o nascimento" -- e da sua tentativa
de
procurar dar "0 máximo .. , pra eles". Sente~se que esta tenta
tiva refere-se tanto às crianças de modo geral, q~lanto ao seu
filho. Por isso, compreende-se melhor porque ve o estado atual
das crianças nos termos contradi tórios de um sofrimento tão. ir
reparável (falta da mãe, como seu filho sentiria se ela nao
trabalhasse lá) e de uma situação de felicidade, pelo que r~
. cebem da instituição, (aquilo que ela não poderia ter dado ao
seu filho, sem ajuda da instituição): " . .• acho que aqui eles
não sao infelizes não.; pelo menos aqui são bem tratados e tu
do" .
.
Morando na· insti tuição; pode ficar mais tranquila do
que "lá fora", mesmo tendo· vontade de arranj ar um outro empr~
go ("Eu gostaria de arranjar um ou tl'O emprego". mas pensando em
mim" né? .. aqui mesmo"). De certo modo, esta opção a disti~
·gue das outras pessoas que reaiizam o trabalho de cuidar de
crianças •.
]j muito instável a permanência das "garotas'!
junto.
às crianças. O que é constante é a sua substi tuição por novas
"garotas" . . I sto é vi s to pe~a· en t revis tada como conseqUência
do confronto entre os motivos que as levam.a trabalhar na ins
tituição e as condiç~es de trabalho vigentes aí.
"Às. vezes muita gente pensa qUB quel' trabalhar" sabe?
sei ·lá" nao por amor .. nao" acho que é mais por comodidade d!!...
las" chega aquive que nao pode sair quando quer" nao pode
ter um pouquinho assim ••. de •• ~ tem que ter hora
pra
.
,
chegar e tudo.. né? t~m que ter um pouco mais de dia
ciplina que elas nãó querem aceitar" então" elas vão e~
bOl'a. Às vezes nao aceitam nem as crianças e acham que estão
ganhando pouco prei trabalhar muito." então" elas ... Eu acho que
56
também tem que tê mui to é~.. tem mais é vocaçao e caridade pra
trabalhar. com crianças do que por intenç50 de dinheiro~ porque isson~o tem muito J ~~o".
Existiria assim, uma ilusão por parte das "garotas".
Buscam "comodidade" e "ganhar dinheiro", mas encontram exigê~
cias de disciplina e de aceitação das crianças. exigências que
rejeitam por que, além de não haver compensação financeira,
não ·têm a "vocaç.ão" e a "caridade" necessárias para este tipo de trabalho~ A entrevistada, como se vê, expressa uma re
presentação do trabalho com as crianças nos termos de uma r~
lação bastante idealizada. opondo uma necessidade tão "mate
rial" e tão comum em nossa sociedade -- que é a de receber um
s~lário pelo trab~lho realizado -- a uma opção de vida centr~
da na caridade. t possrvel· que esta represehtação esconda a
sua real "opção" de vida·, que é ter vindo trabalhar "obrigada pe lo meu fi Zho" , . sendo a .vocação. pela caridade no
fundo
uma expressão da sua finica sarda no sentido de não abandonar
seu filho totalmente, levando-a a transpor essa· solução para
todas as crianças: "A gente procura.dá o máximo que a gente
pode pra eles".
Ao entrarem na instituição, aliis, todas as crianças
passam por ela. :E ela quem cumpre a tarefa de "saber o nome.,
a idade ... ",. fazendo o regis tro de sua chegada. Esta circuns
tãncia.col~ca-a, segundo seu depoimento, em condições de co- .
nhecertodas as crianças, de "saber tudo" a respeito delas,'
enquanto que" as "garotas" só sabem "as sim., o primeiro. nome"
apenas daquelas crianças com quem trabalham. Além disso, o~
tra forma de conhecimento é apontada pela entrevistada quando diz que "dá para conhecer" cada criança em particular., "po!:..·
que tem sempre alguém que chama atenç50~ né? .. ou tendo um
modo muito ... se a criança é· muito~ assim dada., muito inteli
gente; muito alegre.,· tudo J nqo sendo muito parada., sempr~ dá
pra gente perceber".
Esta outra forma de conhecimento implica de certo m~
do o conhecimento de um fundo "mui to parado", consti tuido por
57
um conjunto de crianças "muit,o paradas", que possibilite, por
contraste, o aparecimento de figuras mais individualizadas,
mais ativas, crianças que se destacam por diferenças de ~~
portamentos. Essas diferenças se dão no plano do contato das
crianças com as pessoas respons~yeis por cuid~-las, ficando
no entanto anuladas quando se investiga sua origem e o modo
de chegar i instituição. A hist6ria. então, ~ sempre ames
ma: O abandono pelos pais, o encaminhamento i ins,tituição.
Se o personagem central ~ a mae que' abandona o filho,
supoe-se que esta tamb~m seja algu~m abandonada, na sua missão
de criar o filho. Aparece sozinha at~ no ato de entregar seu
'filho ("mas a maior parte" mesmo" são as mães que entregam"
-- seja ao juiz, seja i instituição -- "ou abandonam no hospital"). Em tórno desse personagem central ~ que se estabelece o centro da relação entre a en'trevistada e as crian·ças:
"As crianças aceitam a gente assim como ... sei l~ •.. aceita
e via gen~e como s~ foss~ no lugar da mã~ dele~ ... "Mas' ~ um
"lugar" de substituição impossívei. por onde passa a maiordi
ficuldade do seu relacionamento com elas: "Eu sei pelos g~a~
des (crianças maiores) •. . nao tim ninguém que gosta da gente
~esmo" entendeu?"
Não h~ uma melhor maneira de lidar com as
crianças porque '"tanto faz porque não tem ninguém mesmo", nao
tem mae mesmo", não tem ninguém... 'A gen te poderia faz er isso" mas voci (referindo-se a uma possível conversa com um me
, Ah.' mas você não é minha '!Iãe", não
nino) não quer aceitar'.
é nada meu", não,tem nada coma minha vida' •. "
Assim a dificuldade de relacionamento nao estaria, p~
ra ela, localizada propriamente numa. desobedi~ncia por parte
das crianças, e sim numa impossibilidade de estabelecer uma
aut~ntica relação afetiva, que seria a base efetiva para que
.
as crianças a ouvissem, quando, querendo o bem delas, alerta
para as conseqU~nc ias de seu compor.tamento. Jj o que fica· mais
evidente em suas palavras:
,
I
" •.• eu· fui falar com um deZes (um dos maio'res)) 'não muito maiores, de seis anos em
diante' que estava jogando pneu por
cima
dos peque~ininhos~ ele veio logo com palavrao pra mim.
Olha~
lho ~
a gen te fa la, .. qué
você é. ,"
escuta
aqui~
meu
ensina,
as coisas pra ~ocê depois voc~ mais
vai sofrê na FUNABEM.
chegarem
fitarde
Depois quando vocês
la ••. vocês n50 gQstam de ir
pra
la, vocês ja falaram aqui que se come casca de laranja . ••
tudo is s o.
t
men tira~ ag~
ra se vocês se comportam muito mal é claro
que tem que fazer isso.
lou, assim pra mim:
'Ah!
Ai ele~ então
mas tanto
Ninguém gosta da gente mesmo',
f~
faz.
Ai eu dis-
se: n50 •.. ninguém gosta, n50,; porque a m5e
de vocês.n50 puderam ficar com vocês, e·tu
'do~
e vocês ja acham que ta tudo'
perdido;
,mas voc~s devem' procurar fazer com -que
as
pessoas gostem de ,vocês como se fosse
m5e de você s ~
a
,
A gente faz, por onde.' Aí" ..
Eu acho que eles n50 aceita, né?
Acho que
é preconceito, deles porque a m5e deixo~né?
quer di,zer., n50 quis saber 'deles"
en't50."
eles nao querem sabe'r de ninguém".
A questão da disciplina e da obediência precisa,
tão, ser colocada de uma forma bastante
relativa~
en
As crian-
ças obedecem melhor quando se' fala com elas do que quando se
bate nelas; conclui isto pelo que observa e ao ouvir das crian
ças coisas assim: "também todo mundo bate na gente por isso
que a gente fica assim. ,.
faz assim, '•• todo mundo só sabe ba
Como às vezes "as meninas perdem a paciências e dá uns
tapas e tudo •.. e les consegue ver ••• " e aí, conseqtlentemente,
ter".
"um monte de crianças deste daqui basta falar com eles
tas vezes ficam oaladinho,s, quietinhos .•• "
Por outro
mui-
lado,
"eles" (as crianças) são "t50 danadinhos •.. os, que vem da rua
v50 ensinando .•• aos 'outros ... se quer uma coisa, vai morder
,
I
- agressivos desde pequenos".
o outro .•. esses s,ao
Assim,
é
59
muito difícil lidar com as crianças, embora elas obedeçam às
orderis, bastando falar para que deixem brinquedos e televisão
imediatam~nte, estindo muito condicionadas "oom aquele horario ... todo dia a mesma ooisa ..• não tem nada de diferente~
não" .
Estas dificuldades sao repetidamente associadas pela
entrevistada ao problema da substituiçao da mãe: "Falei pra
um menino (com mais de 6 anos): vooi.i assim~ meu filho~ vo
oe i revoltado.porque sua mãe te deixou aqui~ mas vooe
nao
faz por onde outras pessoas tomarem o lugar de sua mae. A ge!!;.
te ,poderia fazer isso~ mas vooi não quer aoeitar".
~
No entanto, a fal ta da mae, segundo ela, é sentida di
f~rentemente; alg~mas crian~as são mais afetadas, outras menos, algumas passa~até a nao falar mais com ninguém,
para
outras "d~ no mesmo ..• ·t~ oom a mãe~
oom a tia ou se
t~
oom outros estranhos ... " A organizaçãb da rotina di5ria das.
crianças em sua opinião não é um fator importante quanto
aproblemática das .crianças: "Aoho que não influi nao.
Aoho
que não i'isso não ... não faltar.ia nada não ... " sob esse as
pecto (pois a falta é outra). Ma~ fica claro para ela
que
não se adaptam fora da rotina. Por exemplo, ao estGdarem nu
ma escola fora da R.D.: "Não sei se i a oriança que enoontra
difiouldade~ ou se são os professores que enoontram ... um mo~
te de orianças que foram daqui estudaram no Imaoulada ... na
metade do ano foram expulsos de
porque
nao
aguentaram
eles ... Numa· tUY'ma de 60~ esoolheram só 5 para oontin71-aY' estudando~ os outros eram inoapaoitados e quenao
adiantava
não" .
ta
la
..
A possibilidade da criança ser a culpada de seu pro"
prioinfortGnio aparece 'quando procura explicar o que havia
acontecido com essas crianças,: "tem muitas orianças aqui·qui
são ~evottadas são. da reoaZoadas mesmo e ... nao quer
mesmo
nada não •.• a oY'iança quando tem que ser da i boa desde pequena . .. " Do, ponto de vista, portanto, se a falta da mãe é
o essencial na situação, se a impossibilidade de preencher es
60
ta falta conduz a reaçoes .de nao aceitação dos outros, ã in
diferença afetiv'a e se, apesar disso, ou por isso, há crianças para quem é indiferente estar com a mae ou com estranhos,
e outras que consequem ainda ser "boas", então, o principal
fator para explicar estas diferenças, surgidas dentro da mesma situação de abandono e "tratamento" institucional, só p~
deria ser a "natureza" de cada criança.
Vê-se também um apelo ã explicação pelas . diferenças
individuais, (talvez para evitar suspeitas relativas ao tratamento d~do pela in~tituição), quando a entrevistada afirma
que ·as crianças rara~ente morrem: "85 aquelas que tem mesmo
de morri~ sabi?
J~
vem de casa desnutrida que n~o
d~J
que
já chegam aqui doen tes. •• .Mas não morre J n~o.
Tem muita
criança que l~ uma vez ou outra que ••. mas aqui dentro nao;
leva pro hospita~.
Leva J no hospital i que morre".
-
Nas próprias pâlavras da entrevistada, percebe-se o.
perigo para a instituição que de~orre da morte de uma criança. A culpa que é atribuída ã mãe, p.elo mal trato, pelo aban
dono da crJançi, recairia sobre a instituição:
" •• • teve uma criança aqui que chegou .pra cá
no segundo dia de
nascido~
a{ com oito dias
que estava aqui J · a cl·iança. começou
mal.
a passar
Foi pro hospital e morreu.A{J dizem
que foi o' pro'b lema da m~e na gravidez" que
ela tinha morrido.
Ela estava no pronto
socorro J que nao deu tempo de estudar
(
'i
,I
a
criança direito" então J foi saber~ então~
essa mãe queria rebentar a Fundação. Todo
dia vinha aqui e queria .quebrar tudinho;
.quebrou
taria~
l~
em baixo tanta coisa l~ na po~
cadeira e tudo porque e la queria que.
o fi lhó de la nao tinha nada. Agora e la so:!..
segou.
Veio saber que era problema dela
na gravide.z porque 'e?-a fumava e bebia mui:..
to.~
é isso que causou o pr,oblema na crian
61
ça. . Depois. que fez isso a'Í., é que ela sos
segou um pouco porque ela achava que a ge~
te é que tinh~ matado, era aqui".
Assim? é preciso que a morte ocorra no hospital,
o
que já afasta um pouco a culpa e a acusação, e, além disso.
é melhor que a causa da morte não esteja associada diretame~
te ao motivo da internação no hospital: " ... Mas a maior parte morre mesmo no hospital .•. fica um tempão lá no hospital.,
então, aquilo que internou, quer dizer não causou a morte. As
vezes, interna por desidratação, geralmente é por diarréia e
vômito, a'Í ••• consegue ficar boa·lá no hospital,; da'Í a pouco
eles falam que a criança morreu de ... sarampo ... falam
até
que morreu por infecção hospitalar".
De modo geral, a morte nao 'se deveria à fal ta da, mãe,
mas a entrevistada Sabe que isso pode acontecer:
"Tinha uma aqui que eu achava,; a criCl:nça mo~
reu mesmo por causa da mãe. Até que eu:f~
lava que era minha filha, Simone. t, essa
mamava, porque a criança que chega a mamar
namãe·já sente mais, quando a mae deixa,
do que quando, assim que já nasceu, a mae
deixa de uma vez sem dá o peito, né'? Porque
tinha um que a gente encostava nela e ela
,
começava, ~s8im, como se tivesse procura~
do o pe-ito da mãe,; ficava assim, desesper~
da., A'Í e la foi começou a não aceitar nada.
A-í e las trocavam o leite. Pensavam que fo!!...
se a mamadeira mas não adiantou. Essa a'Í
internou. Essa menina morreu. Eles
achavam que morreu de paixão. E a gente l~
vava pro médico e chegaba lá ela não tinha
nada,e·o médico ficava olhando pra cara da
gente. Um dia ela amanheceu roxinha, essa
garota, levamos prb cardiologista, ele di!!...
'se que a menina não tinha nada, que devia
,
62
ser frio que ela estava sentindo.
Um dia ela deu uma crise
aqui~
descanso~ me chamaram
e disseram:
lá
eu estava M
a
criança esta com asma,
Eu faZei: o pior que t.sso nao é asma nao~
é problema cardÍ-aco~ então~
eu estava
fa-
zendo nebulização na criança antes de levar
hospital~
pro o
porque a cpiança estava
r~"
xinha e aquel~s lábios meioesverdeados~ aÍnada.
Num instante pegamos a criança e
vamos pro Miguel Couto.
saiu logo.
levou~
A moça que
Não levou nem meia hora estava
no Migue l Couto.
dÍ-aca~
A criança deu a parada car
aÍ- quando foram ver, examt.nar
criança~
a
e tudo" esta com o coração grande.
Já por ~r5s vezes já tinha ido ao
médico~
nada~
e o médico disse que não tinha
nê?
quer dizer que não era culpa "da gente.
médico disse que a menina não ia
muito
l~
tempo~
nao.
criança ia morrer.
O
q.emoraíl'
De qualquer maneira . a
AÍ- apareceu a mãe
da
criança e achava que n5s tinhamos matad; a
filha dela",
Duas foram, então, as causas dOa morte: palxao por fa,!.
ta da mãe e doença cardíaca, não diagnosticada a tempo.
Um
.
.
terceiro fator crítico -- de· caráter sócio-econômico - é ain
da apontado,· no sentido de relativizar as ocorrenClas de mor
te:
"
"Mas é difÍ-cil morrer" sabe?
mesmo.
Muito difÍ-oil
Pela quantidade de criança que tem:·
Porque eles chegam tão •.. assim •..
tridas~
desnu-
que a gen.te acha que não vão durar
muita coisa.
Muitos vem tão ruinzinhos que
dá pena~porque chegam tão ruim~ com sarna~
com ferida e
.
I
·do~
anémicos~
tudo~'
pra todo
pio7.,hos~
hi~
lado~
de8nutri
piolho já. não é
mais novidade~ nao,
chega ruim~
cheio de verme" né? então" até
.
qUr;
reage" né? ao tratamenio"
mas tem '".4
.
coitados •.. Tem um aqui que chegou ...
~~
je em dia nem se conhece o garoto
Quando chegou ..• ele foi
encontrad~
ra de Petr6polis~ jogado
la
mal" com três irmãozinhos.
chegou . .. que
~
igualzi~,
Tinha
Ur'!
s6 tinha ... com dois an.é,.
igual a uma criança de sete meses" s~
nha olho grande e barriga.
and~
Não
déitado assim ... com aquela barriga
~~
me e as perninhas tão ... perninhas
i; ..
zinho aquelas crianças que a gente ve
sim" da seca do nordeste, criança des::tada.
Tomou ... e os pés inchados.T-::.- .
remédio de verme" sei la~
fez
efeito
acho' que era tanta quantidade que
00:: •• :
fez
le troço na barriga de le que não' saia
jeito nenhum.
vulsão.
Fo~
pro hospital
co~
~,
C~~~
Ficou mui to tempo internado . . '..
gou aqui agora; é Um menino tão fo~te; ~.
tem nada.
Dos três ... este era o menor:~
les".
Mu{tas das colocações desta primeira entrevistada ~
petem-se num segundo depoimento :feito por uma "garota" de 15
anos que cuida das criançashã cinco.anos e estuda em uma es
cola municipal (6a. s€rie). Ela tem mãe~ mas mora na R. D..
e embora tenha pai e saiba quem 6~ este nunca viveu com
~
mae.
(
'I
Transcrevem-se, aqui) trechos do. seu depoimento, ten
tando recompor o quadro que desenhou tão expressivamente.
"Eu vejo. estas crianças com falta de cari-nho, falta de alguém que possa compre en -=-.
J
J
de-las porque melhor do que nos so . ..
so
64
mente os pais deles~ porque isso que
tá
dizendo melhor do que n6s, s6 os pais
de-
les.
Umas crianças carentes.
,Carência de
carinho de uma mae e pai.
Tem muita diferença~ as criançàs lá de f~
ra são umas crianças mais
meigas~
enten-
porque a mãe tá ensinando carinho t~
deu?
do dia~ tá dando carinho pra ele~~ agora~
as nossas crianças daqui~ alim de ser mui
tas~
pega~
a ,gente não pode tá toda' hora
do no colo~ fazendo denguinho~ mas lá fo-
ra não~
lá de fora têm mãe~ tem pai
pra
fazer outras coisas e ... eles num vê ... as
crianças' lá de fora num vê as coisas
que
estão passando, aqui dentro nem os daqui de
dentro vê as coisas que estão passando l.á'
fora~
e~
tem diferença sim de criança
zá
,de fora pras daqui de dentro.
Assim~
que eles ve a mae dos
outr9s~
falam: Mamãe ... mamae ... e tal~
carinho~
eZes
querendo
assim~
querendo qualquer coisa
que amae deles ~ão pode dar.
- você ia falar sobre a criança
aqui~
que tem
adotada
por exemplo.
- Eu não concordo muito em adotar criança
já deste
tamanho~
entendeu?
Popque .•. Eu
não concordo muito porque a criança
já
vi~ o mundo dela
aqui
viu ... já
tá ... já
dent!>o que i sem ,pai~ sem mãe~ criança sem
r
ninguim~
rente~
e lá fora ela já ve o mundo êife
brinq~edo
s6
pra ela~ entendeu?
praela~
aqui~
quartinho s6
Ela j~ vê
não.
o mundo diferente do que ve lá fora~
por
isso que eu não concordo de adotar criança
nem de levar pra passar o fim de
Porque quando a criança chega
semana.
aqui~
ela
65
fez uma coisa Zá na casa da mãe~ por exe~
pZo~ tem aqueZe quartinho só pra eZa~ tem
aqueZe pratinho ~6 deZa~ tem o brinquedo
só deZa~ a caminha só deZa~ entendeu? .EZa
só vi aqueZe mundo só deZa e aqui eZa tem
que compartiZhar e~ eu não 'acho uma
boa
Zevá a criança pra eZa vê um mundo zá fora que eZa não pode viver sempre se é
o
daqui que eZa tem' de viver.
Essa criança que vai ser adotada~ vai mudar de mundo~ vai passar a viver
aqueZe
mundo Zá de fora... en ·tão ~ mas... tem cer
tas criança que nao se acostumam; por exem
pZo nós temos um caso aqui~ da Luana~ uma
criança que a gente vê que é super carente~ quando a visita chega aZi ... quero ci
Zo~
quero beiJo. Ela é uma criança supir
. carente porque o simples fato deZa' ter vi!!..'
to o mundo Zá. fora~ porque e Za Já foi ad~
tada" se eu nao me' engano, umas tl>ês vezes:
Mas ai a criança Zá fora ... a criança me!!..
ma se. reJeita~ ao vê o mundo Zá de' fora"
ai começa a fazer •.. taZ~ não querer comer" a{ voZta.
Tem que ter um certo Jeito pra eZes.
Eu
gosto de Zidar com crianças desse
tipo"
mas mesmo se fosse pra mim trabaZhar
Zá
fora eu também iria me adaptar porque eu
gosto muito de.crianças.
(
'I:
As crianças Zá de fora têm um pai" uma mae"
uma compreensao e a daqui de dentro nao.
~
por mais que nós cuidamos deZes damo~ uma
medida certa de compreensão~ de carinho~
precisá mais" o mais fundamentaZ mesmo dis
so tudo é .a mãe e o pai porque nõs não p~
demos substituir. Bem~ pode-se dize~ que
foi por.um motivo de
necessidade~
qu.e foi
66
nao~
que i ati hoje~ por motivo de
sidade que estou
aqui~
nece~
entendeu?
Porque
minha mae trabalha e eu sou filha
Minha mãe e eu.
única.
Minha mãe trabalha lá. na
t
Tijuca e eu trabalho aqui.
um motivo de
necessidade porque s enquanto ela vai trabalhando lá eu tô trabalhando e estudando
aqui.
O meu grupo i de crianças de 3 a 4
anos.
são crianças na faixa de 3 a 4 anos.
Na
minha. sala o total de crianças
sao
30
porque são 30 cadeiras~ 30
ca-
crianças~
mas.
Uma "garota" que tá numa sala passa
pra outra sala ... a que tá na outra passa
pra
essa~
entendeu?
Sempre~
assim~
reve-
Al tira a "garota" daqui pra bo~á'
sando.
lá ou~ entao J
aqui~
tira 4e lá pra botá
Sempre o caso i
essa falta de "garota~
A·
gente tá com eles quase o dia inteiro J ni?
pouco tempo que a gente se separa·dele~.··
Todos os casos sao um diferente do outro.
Tem os casos que. a po llcia encontra'
no apartamento sozinhos.
teve um caso desqes al J
nou, sabe?
Outro dia mesmo
que a mãe abando-
Sao casos todos diferentes um
Mu~to diflci l
do outro.
eles
ter um igual. Eu
acho essas crianças daqui~ não vamos J
sim usar o termo de totalmente'
as-
felizes
porque e las seriam mais fe lizes ao lado de
pai e mãe J mas tirando o pai e a mae
les, pra eles..
... eu acho que eles
daqui porque~ entendeu?
~ratamento,
de-
gos~am
porque têm
um
não vamos dizer igual ao
do
pai e d.a mãe porque isso já e mentir. Eles
tem um tratamento que a gente, na
medida
do posslv.el,J que a gente pode fazer . com
eles.
t
um tratamento bom e eu acho
que
67
eLe~ gosta~
daqui. Eu nao vou viver avi
da inteira aqui" ni? Eu dou estudar
e
quando aparecer um emprego melho~.,.
eu
vou embora, Bem" satisfeita" temos que e~.
tá porque não· é .. ,. nós nao temos nada pra
pagar" ~é? só comprar uma roupinha"
e
tal •.. mas nao Vamos dizer que é uma gra~
de' coisa porque realmente não~;
l5 mil
cruzeiros não dá pra nada" 'mas na medida
do possivel a gente vai ~ontornando
as
coisas como' dá mesmo. Cada um ganha
um
tanto ... tanto que mé;roece •.. pelo tanto que
trabalha na sala" pela ajuda na sala.
- Como é que nós obtemos a disciplina das
crianças? 2 ... Bem" a gente tenta eduoar
eles" entendeu? mas" têm uns qu~ são difi
qeis educar porque a gente vai
ensinar" .
por exemplo" têm certas crianças" quando,
chegam aqui~ nao nessa fa-ixa" mas nas outras" chegam aqui não sabe comer" quer c~
mer com a mão deLes" ai a gente vai ensinar dil'eitinho" ai faz aquela pirraça. Mas
aos poucos" aos poucos" ela vai
olhando
pros outros na mesa e vê que. .. e l'e tá. sen
do o único, ele ai" se comporta na medida
do possivf3L. Quando suja o Chão,,' faz 'x:!:..
xi' no chrio a gente ensina" pega o
pano
vai limpar, não é aqui q'ue faz 'xixi'" é
no banheiro •••
Cada 'garota' tem um tipo diferente de t~
mar conta dessas crianças. Umas vão já ...
t~ faze~do alguma coisa errada" chega pe~
to e fa la. Pode, até
diz er que
e.ssas
te,...
crianças., p;roa umas ' garo tas' ". elas
se
nham . .• pode-se dizer: falou, falou, obede
ceu mas pra outras nao" porque além
de
ser nOVa na sala" eles nao obedecem; tem
-
I
69
Quando eu estudava aqu1.:" e.ra assim: ~que­
ria aprendel'" respondia ~ professora
e
ta~" saiq dasa~a.
Pe~o ménos aqui.
Se
desse tamanho e~es ja est50
enóontrando
dificu~dade"
né? ~a fora ... as dificu~­
dades sera maiores. Depende também .muito de~es. Mas e~es sai ..• sai pe~a cabe
ça de~es" entendeu? Ah! responde a pr~
fessora e talo .• às vezes a pl~ofessora ch~
ga perto de~e e pergunta0 que é que e~e
tem ..• at voLta pra saZã.
As crianças daqui não
fa~am
direitinho"
nao. A Luana" por exempZo; a Luana" eZa
gagueja" outros não pronunciam a pa~avra
direito.
são poucos os que fa~am bem. Ne
nhum deLes usa chupeta.
E~es comem soz~"'?
mas at na vida rttmica
deZes
·n h os" ne.
quando e~es tão quietos" não que:fT comer;
é porque aconteceu aZguma coisa" mas ge,
ra~mente" todo mundo come bem"
que eZes
come com a mao deLes e até repete.
EZes
só choram quando acontece aLguma. coisa com
e~e8.
Quando aZguém bateu" aZguém brigou
com e~es. Sempre que e~es t50
brigando
tem que separa porque ta na fase
mesmo"
né? muita criança junta ... Muita criança vai jun~ando baru~ho" os gritos e taZ.
Na hora da refeição não fazem baruZho po~
que chegou aqui no matérnaL a gente faZa:
fiquem quietos e comam tudo; eZes
ficam
quietos e comem tudinho. Tudo que se man
da eZes faz.3m na hora que a gente faLa sé
rio" ~~es obedecem.
- Dependendo dç que a criança tem" pegamos no coZo. Né? quando a criança
ta".
assim" de pirraça nao pegamos" nao. Mesmo
as·sim" a gente
pega uma.'
vez ou outra"
70
pra fazer um carinho porque não dá pra p~
ga todo mundo de uma vez~ né? Fazendo ca
rinho e tal e ~ outro~ •. ou eles mesmo se
oferecem e pedem colo.
- Se não t~m ningu~m aqui na sala~ a primeira co'isa que eles fazem" vão pra 'con!!..
trução ' ". vão pra 'casa da" bone,ca' desarru
ma tudo. Mexe em tudo.
o
banho das meninas ~ diferente" é separ~
do do banho dos meninos. Lá no
terraço
são 8 privadinhas e aqui dentro temos
4
privadinhas li um chuveiro. Um· chuveiro só •.
g o banho das meninas i assim:
primeiro
as" meninas e depois os meninos. Quando é
lá fora" a gen te faz as sim: bo tçz os m'eni-:nos sentados e.dá banho nas meninas" en-,
tendeu? No te~raço" quando está muito ca
lor" ai veste as meninas" bota as meninas
sentadas e dá banho nos meninos" ai etes
vão observando que os órgãos de les. sao um
diferente do outro~ entendeu? mas nao as
sim.) de menino nu e menina nua tomando banho jun"l;o.
Têm umas crianças que
mexendo~
~ntendeu?
às vezes ficam
mas a gente chega
tO e a primeira coisa que eles fazem
se
pe~
0#
e
isso aqui" né? dá aquele ... como se tives
se tomado um susto. A gente •.. menina~ a
gente põe a calcinha e põe o short. Nunca
deixa só de ehort porque elas se mexem me~
mo e os· meninos a mesma coisa" a
gente
poe a cueca e poe o short.
Os grandes a
gente, fala que não pode mas os pequenini-"
"
,
nhos" porque. a senhora vê" né? no
meio
dos "g~andes tem pequenos. A gente chega
perto dos pequenos e diz que não pode mexer ali e tal" manda olhar pra televisão.
71
Isso acontece muito na hora da televis50.
Os meninos n50 est50 nem a{~ mas a gente
tem que falar~ entendeu? Alim da irm~ j~
proibiu. N50 quer que as crianças fiquem
se mexendo~ nao quer que as cr~anças
v~
ao banhei:t'o um junto do out,ro" tudo separado. Acontece quando a gente nao
está
olhando" observando" ni? mas~ quando nós
estamos obse:t'vando n50 acontece~ nao. Mas
pela vontade deles~ eles fazi~m. A irm5
s~mpre tá orien tando a gen te.
Ela viu aqui.
lo de' errado" observou~ a{ chega perto da
criança~ a{ chega perto da gente e
fala:
Olha~ fica de olho naquela criança~
nao
deixa essa criança fazep isso~ nem isso,
- deixa as me~inas ir junto dos meninos.
nao
,pro banheiro. N50 quero os meninos
um
atrás do outro na fi la pr'a toma banho, nem
Porque
'as meninas uma ~tr~s da outra.
eles ficam mexendo no órg50 do outro~ entendeu? ela não quer. Ela chega
perto
da gente e faZa •.
- Dias antes do Natal teve a festinha organizada pelas professoras. O teatrinho
delas l~em cima~ •. As crianças ficaram~
entendeu? radiantes.
Viram o Papai Noel
e tal~. a{ 'uma' das professoras se vestiu de
J
Papai Noel" distribuiu presente~ pra eles.
isso foi o teatro~ e depois passaram pra
festinha deles~ A{~ teve comida~ bebida ...
pra eles. No dia do Natal ... não teve na
da ppaeles~' não.
f
- Na passagem do ano a irm5 me falou que
as cri~nças ficam com medo dos fogos, que
acordam
noite,gritando .•. Nesse dia ela
até mandou preparar um chá" e la mandou pr~
para um calmante~ a{ ~ós demos~ eles dor
a
72
miram. ,tranqu-iZos.
NataZ~
Copa~
Mas sempre é
então~
assim ...
na Copa do Mundo~
,criar;ças ficaram afobad{ssimas.
Tem
as
uns
até que não 'tem medo~ mas os que tem passa pros que nao tem.
festajunin~~
De
noite~
quando tem
eZes dão de cara por
que tem Z~ em cima.
morro
EZes dormem~ mas dão
de cara pro morro que te~·Za em cima. ~{;
o morro é todo pintadinho J
Zuz de noite.
mos~dizendo
entendeu?
de
EZes acordam apavorad{ssique era
baZão~
medo incr{veZ de balão.
eles têm
um
Esse medo •.•
t~o dia uma menina acordou assim ...
oZhou
prum Zado e pro outro ... oZhou aqueZe
Zuzinha~
te de
lão~
gritou
be~
alto: OZha o
a{ acordou todo mundo .•. todo
com. medo grit.ando •.. o baZão~
Saiu todó mundo'peZo corredor.
acordei~
o
ou
mo~
b~
mundo
baZão:
A{~
eu
botei todo mundo pra dei,tar e fo _
ram dormi.
Mas o que tem medo passa pr.os
ou tros que não têm.
Porque os que têm mãe~
a mãe ensina~ entendeu?
aquiZo é
baZão.
N6s também ensihamos mas eles não compreendem.
De d~a ~uando eZes vêem balão~ tu,
do bem~ eZesnão se assustam porque ta cl~
ro~
mas de noite eZes imaginam mil e
uma
coisa.
são umas crianças que a gente tem que ter
uma certa paciência porque se for fala ca
-
Za a boca" eZes vao prendendo o medo pra
.,
si~ a1, depois mais tarde pode se que eles·
tenham um probZema.
73
6. CONCLUSÃO
A noção a respeito da cria~ça i?stitucionalizada em
idade precoce que fi~a mais clara, a pa~tir da discussão dos
resultados, é a de que esta criança se torna "diferente". Su
põe-se que a sepatação da mae e a institucionalizaç;o produ~
zam essa "diferença" -- o qu.e pode ser demonstrado tanto pelos estudos teóricos e· empíricos vistos neste trabalho.qua~
to pelos resultados'do presente estudo, obtidos através
de
observação direta e depoimentos. Tal "diferença" é vista nao
só na criança, eomo no ambiente, quando confrontados com outras crianças e ambientes.
A criança fica menos familiarizada com o ~otidiano,
sabe muito pou~o'ou quase nada a respeito da vida fora da ins
tituição, uma vez que não tem acesso as informações sobre os
acontecimentos ficando com sua experi~ncia mais restrita. Ou
tra forma· de restrição das ~xperi~ncias ,é determinada pela ro
tina repetitiva do cotidiano denti~ da instituição, em
contraste com a variedade de experi~ncia no ambiente familiar. A
criança torna-se tímida, ,parada, inibida, sem iniciativa, fre~
te a este ambiente estático, sem estimulação, sem novidade.
Ao lado dessa restrição de experiências
desde pr~
senciar o preparo das atividade~ cotidianas, mais comuns (pr~
parar comida, arrumar cama etc.) aprender hábitos sociais, de
f~zer visitas, de passear, de tomar uma. condução -- que afeta
evidentemente a criança em seu desenvolvimento cognitivo e s~
cial, ocorre no seu ambiente um rodíiio permanente das pessoas
encarregadas de cuidá-la, em contraste com o ambiente familiar
normal, onde existe uma constincia das figuras paternas, dos
irmãos, ou pessoas substitutas. Este aspecto gera uma impossibilidade de apegar-se a algu6m, o que se expressa na necessi
dade compensatória de "agarrar-se" ~s pesso.as estranhas (como
por exemplo as visitas que recebem), numa tentativa compulsi-
,
,
va de preencher a 'car~ncia decorrente da aus~ncia de relações
estiveis gratificantes. Por este ãngulo, ~ possfvel compree~
der a sua proble,mitica quanto ã formação de relações objetais.
A falta de contato físico da criança com quem a' cui
da 6 outro aspecto que caracteriza sua vida institucional. xâ~
~ colocada no ~olo, não ~ embalada; nem acariciada, não recebe qualquer gesto de carinho e amor. Pelo contririo, dar :a
rinho 6 ,visto, li dentro, como causa de manha, levando a evitar-se "privilégios" afetivos. Em reação a tal condição,
criança torna-se tri~t~, sofrida --'caracterfstica que ê vis
ta muitas vezes pelas próprias entrevistadas como a "diferença" primordial em comparação com a criança não instituçional~
zada. inclusive mesmo em comparaçao com o menor abandonado na
rua. A tristeza revela, a~sim, uma' f~lt~ afetiva, um dêfici:
de amor para sempre,' que não seri preenchida, cuj os' efei tos :'3.
vida psicológica da criança são bem conhecidos, destacando-~~
entre eles a indiferença afetiva e a perturbação da capacida~
de estabelecer relaçõ~s tom as outras pessoas (Bow1by, 1981).
Alguns desses efeitos ji ~ão seritidos, dentro da própria lns
tituição, entre os "maiores", acima de seis anos (segundo dis
cutido no capftul0 S, p~59).
;l.
A instituição esti constantemente reforçando e co=pensando, com coisas materiais, a falta de afeto e i falta ~3.
mae. Fica claro que a presença da mãe re~l na instituição &!
rante outras compensações ã criança, ou seja, que as compens~
ções puramente materiais não compensam de,fato a parte afetiva,' e assim reforçam a aus~ncia da mãe. Quando esta apare.:;;
para visitar ou quando'ê funci~niria, a instituição fica ame~
çada pela demanda afetiva que novamente emerge na criança. ~~
palavras da instituição, esta presença incentiva "a manha",;;;
rando um dist~rbio na ordem institucional, q~ebrando a sua es
trutura. ~ esta ameaça que faz ser tão importante o rompime~
to do vínculo com a mãe. Isto ê demonstrado pela organizaç~J
dos dias de visita das mães (apenas uma vez por m~s, ao passJ
que os estranhos podem ir duas vezes por semana). ~ necess~­
rio afastar ao miximo a mãe do filho. Como se v~, a insistê:l
,
'
/
i\
75,
<~
cia em afastar a mae, em que~rar o vfnculo mãe-filho reforça
a falta afetiva e seus efeitos nega~ivos, ao mesmo tempo
em
que provoca uma divisã~ entre as próprias crianças da institui
çao -- as que têm mãe (dentro ou fora) e as qUe não têm;
as
primeiras sao as "pirracentas", as "manh?sas", choram quando
a mãe se despede, dão mais trabalho às "garotas"; as maes exi
gem, cobram um, cuidado maior com a criança, sendo vistas por
isso como "culpadas" pelo não cumprimento das ordens. No entanto, entre as crianças, "não ter mãe" é uma ofensa, vendose isto na hora em que brigam ('t seu bobó~
voae.:
não
tem
mãe • •• "). Lo"go, o sentido da pres en"ça da mãe é um para a ins
tituição, e outro para a criança. Para esta última, significa ,um "status" de privilégio, porque, tend,o a mãe, tem o que
os outros nao têm
pelo menos a esperança da real gratific~
....
çao afetiva. Para a instituição, pelo contrario, significa uma
perturbação da ordem a ser evitada de muitas maneiras.
"
..
L
\
I
I
i
"
'
o
controle institucional iricide'também sobre o esp~
ço ~ o tempo da c~iança e ordena as relações entre as pessoas
que li vivem (hi~rarqui? de subordinação). Estas formas
de
controle "a disciplina" segundo Foucai.ll t -- cerceam a liberda
de da criança ao ponto de ser 'condicionad'a a obedecer automaticamente a qualquer ordem. Em conseqUência, torn~-se dócil,
submissa, ficil de ser mani~ulada, quieta, sem iniciativa
e
medrosa, em contraste marcante, com as crianças no ambiente fa
miliar, na mesma faixa etiiia. Ilustrando esse c~ntraste
a
autora relembra aqui afalt~ de choro no berçirio dos bebês e
a passividade dai crianças na maior parte de seu ambiente.
Os cuidados afetivos de que a criança necessita sao
substituidos por estes controles, o'que implica mais uma vez
na condição de falia afetiva., Ser d6cil, submissa, manipul~­
vel, interessa apenas à insti tuição (/lpreservar a ordem"), que
s6 vê o presente da ,criança, $em' tomar consciência dos prováveis prejuízos futuros para' o desenvolvimento emocional da me~
ma. Mais uma vez ressalta o risco desses processos institucionais provocarem, na cr~ança, uma acentuação dos efeitos do
abandono afetivo. Jj acolhida na instituição do ponto de vis
,
_.,....
76
-
ta material, e disciplinada, mas continua abandonada
mente.
afetiva
I
I
A frustração por falta de amor~, assim, a experi~_n
i
cia central da c riança na insti tuiç-ão, Jcomo se pode verificar
atrav~s dos depoimentos e observações feitas, onde ficou claro ser quase impossível a gratificação afetiva, a um nível pri.
mário, com os possíveis substitutos da mã.e que lá se encontram.
As possibilidades de reorgariizar as relações objetais primárias são, portanto, muito precárias, sendo provável que
a.
criança institucionalizada torna-se, posteriormente, incapaz
de amar e de es~abelecer contatos sociais adequados, do mesmo
modo que as crianças estudadas pelos diversos autores citados
na "Fundamentaçã.o Teórica". Já aflo'ravam, no momento da realização deste estudo, alguns sintomas dos futuros d~sajustame~
tos. Tentou-se apreender a expressão de ·tais sintomas analisando, aqui, as "diferenças" que caracterizam a crianc, insti
tucionalizada.
o
que pode esperar esta criança? Na realidade,
o
seu futuro assim como o seu presente na instituição, será uma
incessante repetição do abandono. Sua "dife'rença" será o fator determinante da marginalização futura, que, sendo um pr~
cesso de exclusão do indivíduo "diferente" no plano
social,
faz reviver o primeiro abandono -- abandonada pela família, se
rá tamb~m abandonada pela sbci~dade.
Neste estudo, a conclusão principal ~ que a repetição
futura da si tuação de abandono e a consolidação dos efei tos n~
gativos deste abandono começam no prQcesso de institucionali
zação.onde, em síntese, em vez de se atenuar ou compensar .p~
sitivamente a falta da mãe, torna-se sempre presente
a sua
ausência.
j
JI
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Paulo, PUC/SP, 1981. Dissertação de·Mestrado.
ANEXO .I
A rotina diária dos grupos que pertencem à creche
a seguinte:
-
e
06:00h
levantam e começam a higiene como escovar os dentes
e tomar banho frio.
07:00h
caf~da
manhã, indo depois pa~a o terraço onde permanecem com uma das "garotas" at~ as professoras che
garem •
...
08:00h as. 08:30h
a turma toda vai para a sala de aula onde
fazem uma rodinha sentados no chão e cantam com as
garotas e com a professora.
08:30 às 09:00h- a metade da turma perma'nece
na sala de au.
.
la com a ~rofessora e faz~m trabalhos de criativid!
de como pintura, colagem etc., enquanto a outra me
tade v.ai para. a ti vidade externa com uma das
"gar~
tas".
09 :OOh ·às 09: 10h - todos tomam um suco e fazem odes locamento, isto é, troca· dos grupos e então permanecem até
às 10:00h.
IO:OOh às 10:15h .;.,- atividade de estimulação diversificada COIl
a professora qued~ m5si~at ritmo, expressão corpor.aI etc., com o grupo todo. Es tá a ti vidade nao e
realizada pois segundo as professoras nio há tempo
suficiente.
10: l5h às 10: 30h -. J:1.igiene
almoço.
lavar as maos e o rosto para o
10:30h às 11:OOh .;.,- almoço ~ue é. serviço na prôpria sala
de
aula por todas as "garotas", a professora, a funcic
nária e a irmã respons~vel p~lo grupo.
2
11:00h às 11:30h ro •
higiene -
escovar dentes e ir ao
banhei
..
11:30h as 12:30h
repouso na sala onde fica 'a TV ligada
e
as crianças deitam no chão sem nenhuma proteção
e
...
alo devem dormir, pore~ alguns nao o fazem, mas sao
obrigadas a permanecerem deitadas.
-
..
..
as
12:30h as 13:00h
13:00h
..
levantam, vao ao banheiro.
-
13:30h
ficam em area externa da. própria institui
çao com a presença da professora.
-
13:30h as 14:00h
historinha e brincadeiras. ~.s l4:00h as
professoras deixam as turmas entregues às "garotas"
com as, q.uais permanecem até a hora de dormi r.
14:00h
lancham e vao para o p~tio externo onde ficam
até
às 16:00h quando começam a rotina do banho e assis
tem TV até às 16:30h e vão para o jantar, depois hl
giene e às 17:00h fazem uma oração, brincam no teT
raço até .18 : O'Oh quando então tomam um lanche, vão ac
banheiro e às i8:30h d~itam para dormir. Dúrante~·
noi te apenas uma pessoa. fica respons~vel por todo c
grupo. Todas as quintas-feiras as crianças que j~
sabem andar são levadas para um passeio em algum d03
parqrtes da redondeza, vão todos andando a p~. pela
rua mesmo aqueles bem pequenos.
,
crianç~s
Quantas
3
sao em cada grupo?
R) são l2.
Doze em cada grupo?!
.
',.I
I'.
•
..,
~ 1i1r
""
Sempre é a mesma pessoa encarregada do mesmo grupo?
R) ~ sempre a mesma pessoa.
Por que?
R) Porque ela já tem habilidade com as crianças.
Cada uma tem
habilidade com cada grupo.
Dá para conhecer cada criança do seu grupo?
R) Conheço todas por dentro e por fora.
Conheço todas.
Quais as atividades que voce tem aqui com as crianças?
R) Atividade ~ somente ~'dar o caf~ deles~ o almoço e em geral
a comidinha deZes~ em geral.~. ~ tamb~m fico com eles qua~
do tem necessidade; fico com ~~es no maternal~ ajeito o ma
ternal deles." Essa ~ a atividade que eu tenho com eles.
Como essas crianças chegam aqui?
R) R o juiz'de menor que manda ,as crianças pra cá.
o
que
vo~~
acha das crianças d'aqui da Romio Duarte?
R) Acho 'que são crianças que precisam de amor ... são crianças
, carentes.
Voc~
gostaria de arranjar um outro tipo de emprego?
R) Eu já tentei mas por gostar tanto deles eu voltei'd~ novo.
'Voc6 está satisfeita com o ieu ordenado?
R) As vezes eu fico 8a~isfeita~ mas eu acho que dá pra mim vi
ver porque s5 tem
eu~
sozinha mesmo.
,
68
que ter muita •.• como se diz ... tem
que
ser ... tem que ter o jeito certo pra podi
toma conta das crianças pra elas aprenderem a
obedecer~
levadinhQs~'
sao.
Tem que falar sério mesmo.
mas que sao
Bota pra vi televisão~ at começa a
aquela bagunça porque o
norma~
de criança
en tão ~
i a criança ficar agitada e tal~
elas são desse jeito.
crianças~
fazer
são como todas
as
nesse ponto eles são iguais. Eu
tento me iguai~ a eles~ entendeu?
Porque
se acaso eles tão brincando e eu falo assim: não~ não é isso.
Eu tento me igualá
a. eles" quando tão brincando eu brinco tcun
bim junto, quando tá cantando eu canto ju~
to.
o
sentimento
q~e
eles despertam em mim
a carência mesmo, porque quem chega
logo vê~ ni?
mente
oi
e
aqúi
que essas cri~nças são real
caren~es,
muito carentes mesmo.
Quandp eu cheguei aqui tinham 5
'garotas~
todas as 5 foram e~bora, a anica que
fi-
cou foi eu~ en tendeu?
A t vai mudàndo, vai
mudando~
Às vezes é
vai mudando.
porque
e las querem. mesmo~. às vezes é porque
faz
alguma coisa errada .. at a irmã vai ajuntando~
ajuntando, at tem uma hora que ela
manda embora.
- A criança quando sai daqui para uma escola encontra dificuldade; eu tiro
aqui~
por
por essa escola aqui, que quando eu
já estudei l~ e~baixo, sabe?
estudava lá embaixo sabe?
quando . e u
é um tipo de en
sino que tem que tê muita paciência
com
eles porque eles são naquela mania de afo.
,
bado naoquerem aprender.
5
Quais os sentimentos que elas despertam em vocês?
R)
Carinho~
muito oarinho:
Você nota. alguma diferença entre as. cria,nças?
-
,I
R) Não noto nada; sao orianças normais pensam do jeito que tE!...
das crianças pe. nsam ; bagunça tamb,êm fazem
são todas iguais.
igua~
.a
todas.
Mas por exemplo, voçê acha que uma é melho'r do que a outra? ...
R) Methor do que a outra?
E 'se tem alguma preferência, alguma
coi~a
assim?
R) Não.
Umas sao melho!eS? .•
R) Não; nao tenho mesmo.
Uma que você 'acha que é melhor que a outra, que atende mais ou
que gosta mais de você? Por exempl?, você acha que tem alguma criança que não gosta de você?
Eu acho que tem ... Todas e~as sao iguais a nao ser co
migo~ assim ... que faz ela diferente" mas etas são
todas
iguais. Acho que todas gostam. de mim. ,Eu vejo porque e~as
sentem saudade quando eu vou pra minkacasa. Eu acho que
~~as gostam de mim mesmo.
R) Não.
'Você acha que deveria haver alguma modificação no ritmo do tra
balho?
R) Eu'acho que deveria sim.
Qual? Por exemplo no trabalho, como é que você acha?
é que você acha que deveria melhorar?
R) Eu acho que... a gente podia ter mais
. carinho pras crianças.
~iberdade
O que
de dar mais
6
Como assim?
R) Porque a gente nao pode. "
às vezes a gente nao pode ... dá
tanta atenção pra uma que necessita~ não por
preferência
mas por necessidade.' Nós não podemos fazer isso porque as
Irmãs vê como se tivesse dando "chamego" por preferência.
Não é isso.
vdc6 acha que a criança quando sai d'aqui para freqUentar uma
escola
lá
fora, ela
encontra
"alguma dificuldade?
R) Encontra sim.
Encontra? •.
R) Encontra porque pode ir pra outro Zugar.
pode
Conforme"
ir pra FEEM. ' 'Acho que Zá nao tem tanta .. .. tanta . .. prova
de amor ·que a gente dá aqui. A gente dá muito carinho. Pe
1,0 menos eu semp:re dei carinho. ' Eu brigo também" se
bem
que se tem que. aumentar a voz um pouquinho~ mas acho
que
'e 1,as têm bas tan te carinho aqui dentro.
-
Voc6 acha que lá na FEEM hio
~
assim? ..
R) PeZo·que eu ouço" ou escuto né.que . .'~ Têm Umas .que
quando saem
d'aqui~
Com que idade as crianças saem d'aqui?
R) Bem exatamente" eu nao s·ei.
choram
\.
Dissertação apresentada aos Senhores:
Nome dos
Componentes da
Banca Examinadora
Visto e. permitida a impressão
Rio .de Janeiro, /6
Coordenador Gera
de
.
U~(
de
/~/1985
EnSlno
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a criança e a institucionalização