V Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 17 a 19 de setembro de 2009, UFPA, Belém (PA) Grupo de Trabalho (GT-8) "Culturas e Territórios Indígenas, Quilombolas e Ribeirinho" A TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS E DIFUSOS NO USO DE TERRENOS MARGINAIS AMAZÔNICOS Maurício da Silva Borges Universidade Federal do Pará, Instituto de Geociências (IG-UFPA) A TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS E DIFUSOS NO USO DE TERRENOS MARGINAIS AMAZÔNICOS. RESUMO Este trabalho aborda o meio ambiente dos terrenos marginais aos grandes cursos fluviais Amazônicos. Volta sua atenção para as funções geológico-paisagística e ecológica. Apresenta o direito positivo existente para estas regiões do espaço. Inclui os terrenos marginais entre os ecossistemas afetados pelas mudanças climáticas e destaca o papel da preservação dos mesmos no combate ao aquecimento global. Busca as bases constitucionais para garantir a preservação dos terrenos marginais e apresenta a problemática de seu uso e ocupação. O trabalho encerra indicando a existência de uma colisão de direitos fundamentais decorrentes do uso destes terrenos. 1. AS MUDANÇAS GLOBAIS ATUAIS Existe no presente momento, uma grande preocupação por parte de vários segmentos técnicos e científicos, ao redor do mundo, acerca das mudanças globais. Vários países têm sido afetados, dentre os quais os Brasil. Lovelock (1979; 1988; 2006) e Margulis & Lovelock (1989) lançaram a hipótese Gaia, na qual a Terra se comportaria como um organismo vivo e que poderia adoecer ao ser profundamente agredida. Sagan (1980) nos apresentou a preocupação do futuro do nosso planeta, do que viria a ser da água, atmosfera e biosfera, dentro de um processo de aquecimento global, vinculado a um efeito estufa decorrente do aumento da produção dos GEE (Gases do Efeito Estufa - CO2, CO, NOX, N2O, CH4 e NMVOC), face o uso em larga escala de combustíveis fósseis e das queimadas das florestas tropicais, bem como do avanço das fronteiras agrícolas. Para este pesquisador, raciocinando-se com a planetologia comparada, o paradigma seria a comparação da Terra, com os membros extremos representados por Marte, sem fluxo de água livre e Venus, com sua atmosfera extremamente densa e corrosiva. A questão das mudanças globais, no que concerne, a consideração mais científica do potencial nocivo do CO2 na atmosfera terrestre, iniciou nos anos 50, do século XX. As percepções deste potencial nocivo, e da influência antropogênica no processo, se devem quase totalmente ao Geólogo e Oceanógrafo Roger Randall Dougan Revelle. Ele contratando o colega químico/geoquímico Charles David Keeling, iniciou a elaboração de uma base de dados espetacular, acerca do acúmulo de CO2 na atmosfera (FIGURA 01). FIGURA 01 – Curva Rovelle-Kelling evidenciando o incremento do CO2 na atmosfera com o passar dos anos. Compilado de Oliveira Filho e Saraiva (2008). Considerando divulgações científicas mais atuais, a apresentação do documento AR4, pelos pesquisadores do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças do Clima (IPCC) indicou que o aquecimento global tem vínculo com a atuação humana (FIGURA 02) e proporcionará, neste século, uma elevação de temperatura de 1,8 0 C a 40 C, e do nível do mar entre 18 a 59 cm (Core Writing Team, Pachauri, R.K. & Reisinger, A, 2007). Este trabalho do IPCC associado à atividade em defesa da Ecologia de Gore (2006) concedeu-lhes o Prêmio Nobel da Paz de 2007. “An Inconvenient Truth” (GORE, OP. CIT), dirigido por Davis Guggenheim, também ganhou o “Academy Award” (OSCAR), na categoria documentário, em 2007, e teve repercussão internacional. Nesta obra foi popularizada a Curva de Rovelle-Kelling (FIGURA 01) FIGURA 02 – Elevação da Temperatura da Terra entre 1850 e 2000 (Compilado de Oliveira Filho e Saraiva (2008). De acordo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - Combatendo a Mudança Climática: Solidariedade Humana Num Mundo Dividido - haverá um mundo cada vez mais segmentado entre nações ricas altamente poluidoras e países pobres (FENSTERSEIFER, 2009). O mesmo se podendo prever nas diferentes regiões existentes nos Estados Modernos, dentre os quais o Brasil e nele a Região Amazônica. Em nosso país as secas, chuvas torrenciais, enchentes, furacões, processos gravitacionais em encostas, perdas patrimoniais e extrapatrimoniais, perda da saúde e da qualidade de vida, mortes, desabrigados, dentre outros têm assolado a população. Na Amazônia, a rede de drenagem portadora dos recursos hídricos (FIGURA 03) tem sido profundamente afetada, pelas mudanças globais, influenciando na qualidade de vida da população ribeirinha e mesmo as urbanas que habitam próximas, ou nos terrenos marginais aos importantes leitos fluviais. FIGURA 03 – Rede de drenagem exibindo os elementos de mais alta ordem da Bacia Amazônica. Compilado de Torres (2009) Assim, este trabalho representa uma tentativa de abordar a questão do uso dos terrenos marginais na Amazônia e a importância da Ordem Jurídica Constitucional na disciplina deste uso, posto que interfere no meio ambiente, sendo este por sua vez um Direito Fundamental Coletivo e Difuso. 2. ASPECTOS JURÍDICOS DOS TERRENOS MARGINAIS O Art. 20 da Constituição da República Federativa do Brasil apresenta um rol daquilo que é considerado como seus bens (BRASIL, 1988). A parte final do Inciso III, do mesmo artigo, faz referência sobre “(...) os terrenos marginais (...)” (BRASIL, op. cit.), incluindo-os, portanto, na lista de bens de uso comum (grifo nosso). O Art. 13, VI da Constituição do Estado do Pará, também discorre sobre “(...) os terrenos marginais (...)” e os inclui entre os bens do Estado do Pará, vinculando-os aos “(...) lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio e (...)” aos “(...) rios que têm nascente e foz em seu território (...)” (grifo nosso). Um importante acréscimo a esta lista de bens é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, face a redação apresentada pelo Art. 225, CF, “(...) meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum (...)”, devendo assim, manter-se este preceito/bem observado, quando da disposição dos terrenos marginais ao uso, por parte da União. Foi durante o período do Segundo Reinado do Império do Brazil, através da Lei nº 1.507 datada de 26 de Setembro de 1867, em seu Art. 39 (SENADO FEDERAL, 2009 a), é que se definiu uma faixa “reservada para a servidão pública nas margens dos rios navegáveis”, conforme apresentado abaixo: "Art. 39. Fica reservada para a servidão pública nas margens dos rios navegáveis e de que se fazem os navegáveis, fóra do alcance das marés, salvas as concessões legítimas feitas até a data da publicação da presente lei, a zona de sete braças contadas do ponto médio das enchentes ordinárias para o interior, e o Governo autorizado para „concedêl-a‟ em lotes razoáveis na forma das disposições sobre os terrenos da marinha" (Grifo Nosso). Um documento importante acerca da matéria, também do período do Segundo Reinado, foi o Decreto n° 4.105, de 22 de Fevereiro de 1868 (SENADO FEDERAL, 2009 b; MADEIRA, 2000), que tratou estas áreas do meio físico como “terrenos reservados” (Art. 10, § 20), conforme descrito abaixo, embora por vezes os confunda com terrenos de marinha no § 1 0 do mesmo artigo. Aproveita-se para destacar o § 40 do Art. 10, que faz menção a Geologia como critério expresso de aplicação do dispositivo. Assim: “Art. 1º (...)” “§ 1º (...)” “§ 2º São terrenos reservados para a servidão pública nas margens dos rios navegáveis e de que se fazem os navegáveis, todos os que banhados pelas águas dos ditos rios, fóra do alcance das marés, vão até a distância de 7 braças craveiras (15,4 metros) para a parte de terra, contadas desde o ponto médio das enchentes ordinárias (Lei nº 1507 de 26 de Setembro de 1867, art. 39)”. “§ 3º São terrenos accrescidos todos os que natural ou artificialmente se tiverem formado ou formarem além do ponto determinado nos §§ 1º e 2º para a parte (...) ou das águas dos rios (Res. de Cons. de 31 de Janeiro de 1852 e Lei nº 1114 de Setembro de 1860, art. 11 § 7º)”. “§ 4º O limite, que separa o domínio (...) fluvial para o effeito de medirem-se e demarcarem-se (...) 7 braças (...), será indicado pelo (...)ou qualquer outro facto geológico, (...)” (Grifo Nosso). Outro documento de referência jurídica a questão é o Decreto Federal n° 24.643, de 10 de Julho de 1934 (MADEIRA, op. cit.), emitido por Getúlio Vargas, então Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, a época, e que ficou conhecido como Código das Águas. Neste as porções da paisagem fluvial em apreço ainda foram tratadas sob a denominação de “terrenos reservados”, tendo sido apresentados dispositivos expressos com relação aos mesmos, encontrados desde o Art. 11 até o Art. 31. Desta forma, foram mantidos como bens públicos: “Art. 11. São públicos dominicais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular; 1º (...); 2º, os terrenos reservados nas margens das correntes públicas de uso comum, bem como dos canais, lagos e lagoas da mesma espécie. Salvo quanto as correntes que, não sendo navegáveis nem flutuáveis, concorrem apenas para formar outras simplesmente flutuáveis, e não navegáveis.” “§ 1º (...).” “§ 2º Será tolerado o uso desses terrenos pelos ribeirinhos, principalmente os pequenos proprietários, que os cultivem, sempre que o mesmo não colidir por qualquer forma com o interesse público” (Grifo Nosso). O Decreto-Lei 9.760 de 5 de Setembro de 1946 (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2009) adota a denominação de “terrenos marginais” para estes segmentos paisagísticos e os inclui como bens da união, conforme apresentado: “Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União: a) (...) ; b) os terrenos marginais dos rios navegáveis, em Territórios Federais, se, por qualquer título legítimo, não pertencerem à particular; c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas na faixa da fronteira do território nacional (...)” (Grifo Nosso). O Decreto-Lei 9.760/1946 ainda conceitua estes “terrenos marginais” (Vide Figura 04), em seu Art. 40, da seguinte forma: “Art. 4º São terrenos marginais os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados dêsde a linha média das enchentes ordinárias” (Grifo Nosso). FIGURA 04. Definição de Terrenos Marginais a partir da linha média de enchentes ordinárias (SAULE JÚNIOR et al., 2006). É oportuno destacar, que a demarcação das terras interiores, ou seja, as de natureza intra-continental, em território brasileiro, de acordo com o Art. 15 do DecretoLei 9.760/1946 fica à cargo do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U), de acordo com o disposto: “Art. 15. Serão promovidas pelo S. P. U. as demarcações e aviventações de rumos, desde que necessárias à exata individuação dos imóveis de domínio da União e sua perfeita discriminação da propriedade de terceiros” (Grifo Nosso). 3. A SITUAÇÃO GEOLÓGICA ASSOCIADA AOS TERRENOS MARGINAIS 3.1 Considerações Gerais Acerca das Paisagens Fluviais Este item apresenta uma síntese de conceitos básicos acerca da erosão e agradação dos sistemas fluviais e, por conseguinte, da paisagem nas quais podem se instalar os terrenos marginais. Estes devem ser considerados pelos operadores do Direito, posto que estas regiões sofreram/sofrem forte incidência de processos naturais e geológicos Quaternários. A geomorfologia fluvial concentra suas atenções nos fluxos d’água e nas bacias hidrográficas. Os primeiros governam a dinâmica fluvial bem como as geoformas produzidas (dentre as quais os terrenos marginais), ao passo que a avaliação das bacias hidrográficas trata das propriedades geométricas da rede e do condicionamento do regime hídrico como um todo. Destaca-se que estes ambientes são extremamente dinâmicos. Estão para o continente como as veias estão para o corpo humano. São os cursos de água que transportam nutrientes, oxigênio dissolvido, organismos e vida aos lugares mais interiores das plataformas. São frágeis. Por isso devem ser protegidos com o máximo de cuidado. Tomando em consideração, que desde tempos imemoriais as várias populações se estabeleceram, sobretudo, às margens dos rios da Amazônia, torna-se notório o importante papel que a geomorfologia fluvial desempenha no processo de ocupação humana da região. O aumento progressivo da população ao longo do tempo implica necessariamente no estabelecimento/cumprimento de normatividade para o uso sustentável destas regiões. 3.2 O Sistema Deposicional Fluvial Na paisagem Amazônica se destacam os leitos fluviais, os quais são representados por canais entalhados pela atuação dos rios, os quais servem para o escoamento da água e dos materiais geológicos (sedimentos) (FIGURA 05). A atuação destes influirá sobremaneira nas formas dos vales, das vertentes e em alguns casos, até mesmo nos níveis de topo e por obvio nos terrenos marginais. FIGURA 05 – Paisagem fluvial ao longo da Calha do Amazonas. Nestas regiões encontram-se importantes terrenos marginais. Compilado de Bemerguy (1997) Dependendo das freqüências das descargas e das inclinações dos talvegues, os leitos fluviais podem variar e serem agrupados em três categorias distintas: 1. braided, com inúmeras canalizações, presença de numerosas barras arenosas, algumas alcançando o status de ilha, e com planície de inundação ausente. 2. anastomosado, também com inúmeras canalizações interbarras e interilhas, apresentando planície de inundação bem desenvolvida. A calha do Rio Amazonas é um exemplo de grande porte. 3. meandrante, que apresenta apenas um único canal altamente sinuoso, com áreas laterais periodicamente inundadas (planície de inundação). São comuns na Amazônia. 3.3 Erosão, Transporte e Sedimentação A erosão fluvial desempenha papel importante na dinâmica fluvial, uma vez que são os rios que transportam a maior parte dos sedimentos siliciclásticos gerados pelo intemperismo das unidades rochosas, em ambiente intra-continental. Na Amazônia tem grande distribuição espacial, pois toda a região é cortada por rios. Os fluxos importantes nos ambientes intracontinentais e transicionais da Amazônia podem ser visualizados nas Figuras 06 e 07, e dizem respeito sobretudo a fluxos unidirecionais, os quais em regiões de estuários podem interagir complexamente com fluxos bi-direcionais (CRUZ et al., 2003). FIGURA 06. Representação do fluxo unidirecional do processo de erosão fluvial. Conforme Cruz et al. (2003). FIGURA 07. Representação de um fluxo unidirecional associado a um fluxo bidirecional. No detalhe, a região mais crítica. Conforme Cruz et al. (op. cit.). Ao longo dos rios três processos são freqüentes, alternados espacialmente e dispostos na mesma linha cronológica, os quais são a erosão, o transporte e a deposição os quais incidirão sobre os terrenos marginais, sendo controlados pela velocidade e o regime de fluxo ao longo dos leitos. A granulometria da carga sedimentar também contribuir de forma importante. Os processos erosivos podem manifestar-se por abrasão, cavitação e corrosão. De acordo com Suguio e Bigarela (1990) e Cunha (1994) a variação na velocidade e na turbulência, ao longo da seção transversal do canal, estabelecem as regiões de incidência da erosão e da sedimentação (Figura 08). FIGURA 08. A: distribuição das velocidades numa seção do Rio Klarälven, na Suécia (Sundborg, 1956). B: distribuição de velocidades e turbulências máximas. C: caso dos canais assimétricos. I = eixo de alta velocidade; II = intensa turbulência e velocidade moderada; III = áreas laterais de turbulência e velocidades baixas; m.t = máxima turbulência. Nas margens de baixa velocidade ocorrem os fenômenos de deposição e nas margens de mais alta velocidade concentram-se os processos erosivos. Conforme Suguio & Bigarela (1990). 3.4 Capacidade, Competência e Carga de Transporte De acordo com Suguio & Bigarela (op. cit) a competência do rio baseia-se na granulometria do material que o fluxo pode transportar. A capacidade é estimada com base no volume da carga transportada. A carga representa os materiais geológicos em suspensão, rolamento ou saltação, transportados pela corrente unidirecional. As velocidades de transporte das cargas são apresentadas na Figura 09. FIGURA 09. Velocidade de transporte e tipos de cargas detríticas. Conforme Suguio & Bigarella (1990). Deve-se destacar que as áreas ligadas aos leitos fluviais, portanto, as que abrangem os terrenos marginais, são consideradas pela Geologia como de risco natural, podendo ser palco de catástrofes, ligadas a inundações ou atuações de enxurradas. 4. AS IMPLICAÇÕES ECOLÓGICAS E JURÍDICAS DO USO DOS TERRENOS MARGINAIS Atualmente, estas áreas, de extrema dinâmica geológica e de fundamental importância para a vida aquática continental, têm sido desapropriadas, e parte delas usadas para fins de ordenamento territorial, incluindo reforma agrária, ensejando certa preocupação (SZLAFSZTEIN, 2006 a, b; OLIVEIRA, 2009). A SÚMULA STF Nº 479 prescreve que: “As margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”. De acordo com esta autora, encontram-se terrenos marginais desapropriados para reforma agrária nos Município de Marabá, em trecho da margem direita do Rio Tocantins, no Município de Bom Jesus do Tocantins, também na margem direita do Rio Tocantins e no Município de Xinguara na margem esquerda do Rio Araguaia. A preocupação com o uso destes espaços se fundamenta em dois motivos: o primeiro de natureza técnica, posto que os terrenos marginais interagem com os ecossistemas aquáticos, e em cuja dinâmica natural tem-se elevado risco (enchentes); o segundo motivo, de natureza jurídica, é o comando normativo existente no Art. 225 da CF, que determina, o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” é um Direito Fundamental. As áreas alagadas adjacentes aos terrenos marginais são caracterizadas pela presença plantas, animais e micro-organismos muito dependentes de água. Integram o ciclo das águas e encontram-se entre os ecossistemas de maior produtividade do planeta sendo de altíssima importância econômica e cultural para a Humanidade (SHINE & KLEMM, 1999). Diante do exposto, a posse e propriedade dos terrenos marginais por quem quer que seja ensejariam situações de colisão entre direitos fundamentais. De um lado direitos sociais e econômicos, e de outro, direitos coletivos e difusos. 4.1 Ordem Técnica a Comprometer o Uso de Terrenos Marginais Como são áreas sujeitas a risco geológico natural, estas regiões sofreram sobremaneira com as inundações catastróficas deste ano de 2009. Segundo a agencia Reuters os seguintes municípios foram atingidos pelas enchentes: Alenquer, Almeirim, Aveiro, Curuá, Itaituba, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Porto de Moz, Santarém e Terra Santa. Sete outros municípios entraram em estado de emergência, sendo eles: Faro, Juruti, Prainha, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão. De acordo com esta agência, na região Norte, no Estado do Amazonas encontram-se 47 municípios atingidos com 46.242 pessoas desalojadas e 10.196 desabrigadas. No Pará foram 34 municípios atingidos com 170.095 pessoas afetadas. O Acre teve dois municípios atingidos, implicando em 2.105 desabrigados e 1.695 desalojados. Segundo a G1(Globo.com) em 07 de maio de 2009, famílias no Estado do Pará temeram ataques de jacarés e cobras a crianças, uma vez que por conta das enchentes estes animais procuraram abrigo nas árvores e casas. Segundo a reportagem a Prefeitura de Almeirim (PA) informou que uma criança em uma das casas atingidas pela enchente foi morta por picada de escorpião. De acordo com a agência, a Prefeitura de Porto de Moz (PA) relatou o afogamento de quatro pessoas, vítimas das enchentes. Três delas eram crianças. Não se descarta a possibilidade da morte de outras pessoas, que por viverem isoladas e sem identificação não constaram das estatísticas oficiais. Não se pode esquecer o período de seca pelo qual a região passou em 2005. 4.2 A Discussão Jurídica com Relação ao Uso dos Terrenos Marginais O ordenamento territorial de modo a viabilizar ainda que parcialmente a ocupação de terrenos marginais não corresponde a uma política pública que tutele satisfatoriamente o meio ambiente como preconizado pelo Art. 225 CF, o qual determina: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Assim, a atuação via ocupação autorizada deste espaço geográfico também contribui com a acentuação dos efeitos do aquecimento global, posto que provoca a degradação das “matas de galeria”. A não atuação estatal de modo a proteger com veemência tais áreas, fere os princípios da prevenção e da precaução, resultando em inconstitucionalidade (FENSTERSEIFER, 2009), violando o interesse de toda a coletividade, inclusive das gerações futuras. Desta maneira, Existe uma multifuncionalidade associada a esse direito fundamental. As áreas alagadas têm sido por vezes descritas como “supermercados biológicos” (SHINE e KLEMM, op.cit; MITSCH e GOSSELINK, 1993) em função da fabulosa biodiversidade e cadeia alimentar que propiciam. Desempenham ainda papel fundamental nos ciclos hidrogeológicos e biogeoquímicos, além da fauna aquática (ESTILIANO, 2009), provendo mecanismos de balanço e atuando também de maneira a influenciar na estabilização do clima. Desta forma, com base em todas estas considerações e refletindo de acordo com o Inciso VI do Art.170 da CF, o princípio de defesa do meio ambiente se impõe inclusive nas questões de ordem econômica e financeira. Determinou o constituinte da seguinte maneira: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI – defesa do meio ambiente, (...)” Portanto, quando se avalia o uso dos terrenos marginais para fins de ordenamento territorial, permitindo seus usos e mesmo instalando assentamentos, para garantir finalidade social as terras públicas, é possível que uma segunda interpretação torne-se emergente, uma vez que se põe em risco a sustentabilidade do ecossistema fluvial e de parte das áreas alagadas, afetando então direito difuso e de toda uma coletividade, que extrapola inclusive os limites nacionais, verificando-se portanto colisão de Direitos Fundamentais, devendo-se portanto aplicar a ponderação dos princípios em colisão (ALEXY, 2001). Outra consideração a ser feita é a de que ao intervir, no sentido de viabilizar o uso desses terrenos, o Poder Público pode lesionar o mínimo existencial que deve ser garantido a todos os cidadãos sob a tutela do Estado Democrático de Direito, qual seja ao direito a um meio ambiente saudável, bem de uso comum, conforme preconiza o Art. 225 CF. Alterações nos ecossistemas fluviais podem proporcionar ainda mais degradação ambiental e contribuir sobremaneira para o aumento do aquecimento global. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoría de Los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Políticos e Constitucionales. Madrid. 2001. ARAÚJO, Rodrigo da Cruz; NOGUEIRA, Raynyer Araujo; BORGES, Maurício da Silva. Aspectos Básicos dos Processos Erosivos e Deposicionais e a Importância Para As Obras de Engenharia. Revista do IESAM. V.1, n. 1, janeiro/junho, 2003. p. 119-127. BEMERGUY, R.L. Morfotectônica e Evolução Paleogeográfica da Calha do Rio Amazonas. 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