Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) APELAÇÃO CÍVEL (201290511861) APELANTE: APELADO: DPVAT S/A RELATOR: CÂMARA: Nº 51186-96.2012.8.09.0137 RIO VERDE KATIUCIA SILVA DE OLIVEIRA MAIA SEGURADORA LÍDER DOS CONSÓRCIOS DO SEGURO MARCUS DA COSTA FERREIRA JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU 6ª CÍVEL RELATÓRIO E VOTO Cuida-se de Apelação interposta à sentença de fls 28/30, proferida nos autos da ação ordinária de cobrança de seguro obrigatório DPVAT, proposta por KATIUCIA SILVA DE OLIVEIRA MAIA, já qualificada e regularmente representada, em desfavor de SEGURADORA LÍDER DOS CONSÓRCIOS DO SEGURO DPVAT S/A, pessoa jurídica de direito privado, pela qual indeferida a inicial e decretada a extinção do processo sem resolução de mérito, ex vi do art. 295 III c/c o art. 267 VI, ambos do CPC. Na origem, a autora, clamando os benefícios da assistência judiciária gratuita, relata ter sido vítima de acidente de trânsito em 23/12/2011, e que em razão desse acidente sofreu lesões graves no membro superior esquerdo, que comprometeu seu pleno movimento e o exercício das atividades laborais diárias, resultando em invalidez parcial permanente. Promoveu a ação de cobrança objetivando o recebimento de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), valor 1 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) máximo indenizável, argumentando a desnecessidade de se considerar a extensão da invalidez permanente, bastando a demonstração do acidente, da debilidade experimentada e do nexo causal entre aquele e este. Alfim, pugnou fosse atribuído à ação rito sumário, imposta a condenação da seguradora na forma requestada, e aos ônus de sucumbência. Documentos acostados às fls. 07/16. Processado, foi determinada emenda da inicial no prazo legal, providência que restou atendida às fls. 20/21, e empós, determinada a comprovação do prévio pedido administrativo, sob pena de indeferimento da inicial. Sem providências da parte autora, sobreveio a sentença de fls. 28/30 indeferindo a inicial sob o fundamento de que o requerimento administrativo prévio constitui requisito essencial para o ingresso da demanda judicial. Inconformada, apela a autora, clamando a cassação da sentença, fundada no art. 5º XXXV da CF/88, tendo em vista que a exigência de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento da ação indenizatória securitária DPVAT constituir ilegal restrição ao princípio da inafastabilidade ou indeclinabilidade da prestação jurisdicional. É o relatório. Passo ao voto. Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade recursal, do apelo impende conhecer. 2 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) Insta cassar a sentença recursada, porque o interesse processual emerge da necessidade da parte ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela puder trazer alguma utilidade do ponto de vista prático para o demandante, de modo que é dispensável a prévia solicitação da indenização securitária DPVAT perante a Seguradora. Na hipótese, nada obstante a autora não tenha demonstrado a solicitação da indenização securitária DPVAT decorrente do acidente de trânsito sofrido, que lhe resultou invalidez parcial permanente, junto à Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT, que está autorizada a efetuar o pagamento de indenizações dessa natureza, voluntariamente (Lei nº 11.945/2009), tem-se que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º XXXV da CF/88). É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o dispositivo constitucional tem aplicabilidade plena e imediata, não havendo necessidade de esgotamento das vias administrativas para que aquele que se sinta lesado ou ameaçado de sofrer lesão recorra ao Poder Judiciário. Acionar o Poder Judiciário é um direito garantido constitucionalmente a qualquer pessoa e seria um contra-senso ser punido por exercitar um direito. PEDRO LENZA ensina que “em decorrência do princípio em análise, não mais se admite no sistema constitucional pátrio a chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso 3 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) forçado, conforme se verificava no art. 153, § 4º, da CF/69, na redação dada pela EC n. 7, de 13.04.1977. Para se ingressar (“bater às portas‟) no Judiciário não é necessário, portanto, o prévio esgotamento das vias administrativas”.1 CINTHIA ROBERT declara que “o acesso à Justiça está incluído no rol dos Direitos Humanos. A atividade protetiva do Estado, aliado ao princípio da isonomia, transforma o acesso à Justiça em acesso ao próprio Direito, o que não é preocupação exclusiva do Estado Brasileiro, constituindo-se em preceito constitucional em outros Estados democráticos de Direito”.2 Traz-se também o pensamento de ALEXANDRE CESAR no sentido de que “a garantia de efetivo acesso à Justiça também constitui um Direito Humano e, mais do que isto, um elemento essencial ao exercício pleno da cidadania, já que, indo além do simples acesso à tutela jurisdicional, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário”. 3 Nesse contexto, tem-se que passou a ser incompatível com a Constituição vigente, a exigência de esgotamento de instâncias administrativas como condicionante do exercício do indivíduo de ter a sua questão examinada pelo Poder Judiciário. Nessa ótica, ao julgar o Mandado de Segurança n. 23.789-PE4, 1 a Ministra Ellen Gracie, em seu voto, destacou que in Direito constitucional esquematizado. 11ª. ed. 2007, p. 723 2 In Direitos Humanos, Teoria e Prática, Lumen Juris, 1999, p.12. 3 - in Acesso à justiça e cidadania, Ed. UFMT, 2002, p. 46. 4 - Julgamento em 30-6-05, Plenário, DJ de 23-9-05. 4 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) “condicionar a possibilidade do acesso ao Judiciário ao percurso administrativo, equivaleria a excluir do Judiciário uma possível lesão a direito individual, em ostensivo gravame a garantia do art. 5º, XXXV da Constituição Federal”. Conclui-se, então, que a obrigatoriedade de se esgotar a instância administrativa para só depois buscar o Judiciário, fere o princípio da jurisdição una, adotado pelo ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, entende o STJ nos seguintes julgados: “Apresenta-se clara a existência do interesse em agir, de vez que desnecessário o prévio requerimento na via administrativa para ensejar o ingresso na via judiciária.”5. “A contestação da União demonstrando contrariedade ao mérito da demanda, não apenas alegando a necessidade de exaurimento da via administrativa, faz surgir o interesse processual. Mostra-se desnecessário, assim, percorrer a via administrativa antes do ingresso em juízo.”6 No mesmo sentido, encontram-se vários julgados desta Corte, confira-se: APELAÇÃO CÍVEL. ESGOTAMENTO PROCESSUAL. DA AÇÃO VIA AUSÊNCIA DE COBRANÇA ADMINISTRATIVA. DO INTERESSE SECURITÁRIA. EXTINÇÃO DE AGIR. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. 1Por ser o acesso ao Judiciário um direito fundamental previsto na 5 - STJ – 5ª Turma, REsp 270.518/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 02.12.02, p. 331. 6 - STJ – 5ª Turma, REsp 328.889/RS, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 01.10.01, p. 244. 5 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) Constituição Federal de 1988, não cabe impor a alguém a obrigação de propor processo administrativo, ante a ausência de tal exigência em lei. 2- o interesse processual de agir será avaliado segundo a necessidade e interesse que tem o autor de pleitear, com fundamentos razoáveis e devidos, a tutela jurisdicional invocada. APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA CASSADA.7 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INVALIDEZ PERMANENTE. INDEFERIMENTO DA AUSÊNCIA DE ADMINISTRATIVO. PRÉVIO DE COBRANÇA. REQUERIMENTO SEGURO DPVAT. INICIAL POR INADMISSIBILIDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. I Desnecessário o esgot -amento da via administrativa para se ter acesso ao Poder Judiciário, conforme interpretação dada ao preceito constitucional inserto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição Federal, que afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. IIConfigura-se o interesse processual quando a parte tem necessidade de buscar a tutela jurisdicional para a obtenção do resultado pretendido, independente da legitimidade ou legalidade da pretensão. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.8 Agravo Regimental em Apelação Cível. Ação de cobrança securitária DPVAT. Repetição dos argumentos invocados no apelo. Ausência de fato novo. Decisão mantida. I – Omissis. II Esgotamento da via administrativa. Desnecessidade. Interesse processual configurado. De acordo com o entendimento desta Corte de Justiça e do STJ, não se faz necessário o esgotamento da via administrativa para o ingresso em juízo pleiteando indenização securitária, sob pena de ofensa ao inciso XXXV do artigo 5º, da Constituição Federal. III – Ilegitimidade passiva. Inocorrência. 7 - TJGO, 6ª Câmara Cível, ApCível nº 176810-82.2011.8.09.0011, Rel. Des. NORIVAL SANTOME, j. 15/05/2012, DJe 1073 de 31/05/2012. 8 - TJGO, 6ª Câmara Cível, ApCível nº 220257-23.2011.8.09.0011, Rel. Des. JEOVA SARDINHA DE MORAES, j. 08/05/2012, DJe 1066 de 21/05/2012. 6 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) Afigura-se legítima para compor o polo passivo da ação de cobrança securitária DPVAT qualquer seguradora credenciada a operar com seguro obrigatório de veículo automotor e pertencente ao consórcio de seguradoras instituído pelo art. 7º da Lei nº 6.194/74. IV - Inclusão da Seguradora Líder como litisconsorte necessário. Desnecessidade. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres pode ser cobrado de qualquer seguradora que opere no complexo, de modo que a inclusão da Seguradora Líder dos Consórcios de Seguro DPVAT S/A, como litisconsórcio passivo, é medida desnecessária. V – X - Omissis. Agravo Regimental conhecido e desprovido.9 Como visto, a sentença recursada merece ser cassada por manifesto o impedimento de acesso a justiça para reclamar indenização securitária DPVAT, por desnecessária a prévia solicitação do pagamento no âmbito administrativo, junto à Seguradora Líder dos Consórcios de Seguro DPVAT. DIANTE DO EXPOSTO, conheço do apelo e lhe dou provimento para cassar a sentença recorrida, determinando o retorno dos autos à origem para rejulgamento da causa. É o voto. Goiânia, 26 de março de 2013. MARCUS DA COSTA FERREIRA Relator 9 - TJGO, 2ª Câmara Cível, ApCível nº 42292-88.2010.8.09.0174, Rel. Des. CARLOS ALBERTO FRANCA, j. 08/05/2012, DJe 1068 de 23/05/2012. 7 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) APELAÇÃO CÍVEL (201290511861) APELANTE: APELADO: DPVAT S/A RELATOR: CÂMARA: Nº 51186-96.2012.8.09.0137 RIO VERDE KATIUCIA SILVA DE OLIVEIRA MAIA SEGURADORA LÍDER DOS CONSÓRCIOS DO SEGURO MARCUS DA COSTA FERREIRA JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU 6ª CÍVEL EMENTA: APELAÇÃO. SECURITÁRIA AÇÃO DPVAT. DE COBRANÇA INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. SENTENÇA CASSADA. DESNECESSIDADE DE SOLICITAÇÃO DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA. 1. Ao contrário do que restou declinado na sentença, não há exigibilidade de prévia solicitação do pagamento da indenização securitária DPVAT no âmbito administrativo como condição para ajuizamento da ação, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição e da garantia fundamental do acesso à justiça insculpido no art. 5º, inc. XXXV, da CF/88. O ingresso com demanda judicial, antes de esgotada a via administrativa não resulta em falta de interesse processual capaz de obstar o prosseguimento do feito. APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. 8 Gabinete do Desembargador CAMARGO NETO 51186-96-AC(10) ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as retro indicadas. ACORDAM os integrantes da Primeira Turma Julgadora da 6ª Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer do Apelo e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. A sessão foi presidida pelo Desembargador Fausto Moreira Diniz. Votaram com o Relator o Desembargador Jeová Sardinha de Moraes e o Desembargador Fausto Moreira Diniz. Presente a ilustre Procuradora de Justiça Doutora Sandra Beatriz Feitosa de Paula Dias. Goiânia, 26 de março de 2013. MARCUS DA COSTA FERREIRA Relator 9