BIBLIOTECA ISSN 2179X Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XII - N° 69 - JAN-FEV 2011 CLASSIFICADA NO DUOS NA CATEGORIA B5 REPOSITURIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça — N° 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1 a Região — N° 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2 a Região — N° 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3' Região — N° 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4' Região — N° 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5' Região — N° 10/2007 DIRETOR Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Maria Liliana C. V. Polido EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Athos Gusmão Carneiro, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alex Perozzo Boeira, Bruno Campos Silva, Caio Sérgio Paz de Barros, Demócrito Reinaldo Filho, Denis Donoso, Eduardo Ribeiro Augusto, Estefânia Lima Maia, Gislene Barbosa da Costa, Hugo Evo Magro Corrêa Urbano, Iara Rodrigues de Toledo, Lucas Carlos Vieira, Magno Federici Gomes, Sávio de Aguiar Soares Seção Especial — Jurisprudência Comentada nieeeeaeeeee Pena Cominataria — Astreinte — Juros de Mora — Descabimento da Imposição de Juros Moratórias nas Astreintes Decorrentes de Cominação no Âmbito das Obrigações de Fazer GISLENE BARBOSA DA COSTA Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós-Graduada em Administração Legal pela Fundação Getúlio Vargas, Advogada Integrante do Escritório LO Baptista Advogados Associados, em São Paulo. 6476 EMENTA Impugnação à execução. Decisão que rejeitou a impugnação apresentada pelo agravante e determinou a expedição de guia de levantamento em favor dos credores. lnadmissibilidade. Descabimento da imposição de juros moratórios nas astreintes decorrentes de cominação no âmbito das obrigações de fazer. Cominação diária que, implicitamente, já tem embutida a mora pelo descumprimento da obrigação. Necessária exclusão da incidência de juros de mora para se evitar a dupla cominação. Agravo provido. (TJSP — Ag 994.09.292534-3 — 6 CDPriv. — Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia — J. 04.02.2010) COMENTÁRIOS É fato que a efetividade do processo tem como inimigo mais nefasto a demora com que se dá a prestação jurisdicional. No intuito de mitigar os efeitos nocivos que a delonga de um processo judicial acarreta, não só às partes de um processo, mas a todos os profissionais nele envolvidos, o Legislativo tem se dedicado à elaboração de normas legais que mais aproximem as decisões do Judiciário da tão almejada "melhor distribuição da justiça". Em outras palavras, a justiça prestada com eficácia é aquela que atende ao trinômio qualidade-rapidez-eficiência. Entre estes três, a demora com que se efetiva a prestação jurisdicional é, sem dúvida, o ponto mais vulnerável. É o verdadeiro "calcanhar de Aquiles" do nosso Poder Judiciário. fIDC N° 69 —Jan-Fev/2011 — SEÇÃO ESPECIAL—JURISPRUDÊNCIA COMENTADA 223 E em atenção a este cenário foi criada a multa processual, ou pena cominatória, como forma de induzir o devedor ao implemento de uma ordem judicial para cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer. E o mais importante: estimula o rápido cumprimento, haja vista que as multas são, geralmente, fixadas por dia de atraso. Em nosso ordenamento jurídico, esta multa, também denominada pena astreinte em homenagem à sua origem francesa, encontra-se disposta no art. 461, § 4, do Código de Processo Civil e, muito embora não tenha sido criada no intuito de conferir maior celeridade ao processo, mas, sim, dotar a decisão judicial de maior efetividade, acaba por atender aos dois desideratos, pois a efetividade da jurisdição e a celeridade processual guardam estreita relação entre si na medida em que, para que se obtenha a efetividade da jurisdição, é forçoso que se criem mecanismos processuais que garantam o cumprimento das decisões judiciais de forma rápida. E a pena astreinte atende a esta necessidade. Toda espécie de multa, seja ela de índole compensativa, moratória, cominatória, fiscal, penal ou penitenciai (arras), tem natureza reparatória, ou seja, sua aplicação se justifica como forma de reparar eventual dano. Não obstante caráter essencialmente reparador da multa, devem ser considerados, ainda, seus efeitos repressivo (para que não se estimule o descumprinnento da norma) retributivo (que a punição sirva de exemplo à sociedade). Porém, com relação, especificamente, à natureza jurídica da pena astreinte, há divergência na doutrina e na jurisprudência. O consenso reside no entendimento de que a pena astreinte não é, definitivamente, dotada de natureza indenizatória. Neste sentido, o Ministro Moreira Alves, na ocasião do julgamento do Recurso Especial n294.966-6 (RT 560/255), assim decidiu: [...] pena pecuniária, a título de astreintes, não tem o caráter de indenização pelo inadimplemento da obrigação de fazer ou não fazer, mas o de meio coativo de cumprimento da sentença, como resulta do expresso na parte final do art. 287 do CPC, consequentemente, não pode essa pena retroagir à data anterior ao do trânsito em julgado da sentença que a cominou. Vale dizer, segundo este entendimento, o real propósito da pena cominatória é tão somente estimular o devedor ao rápido cumprimento da decisão judicial. E, para tanto, impõem-se uma penalidade pela mora no adimplemento da obrigação. Os juros moratórios, por sua vez, decorrem - como sugere a nomenclatura - da mora e esta, conforme definição de Agostinho Alvim, nada mais é que "não pagamento culposo, bem como a recusa de receber no tempo, lugar e forma devidos". Tratando-se de juros decorrentes do atraso no cumprimento da obrigação, têm os juros moratórios natureza propter moram, ou seja, são fundados em 224 RDC N° 69 —Jan-Fev/2011 — SEÇÃO ESPECIAL—JURISPRUDÊNCIA COMENTADA uma demora imputável ao devedor de dívida exigível. Por esta razão, este tipo de juro se funda em dois elementos dominantes: a existência de uma dívida exigível; a demora no seu pagamento, imputável ao devedor. Não obstante a natureza jurídica distinta da pena astreinte e dos juros de mora, há um traço comum entre eles, que é a sua aplicabilidade fundada no decurso de tempo no cumprimento da obrigação. Ou seja, ambos têm como ponto comum o intuito de desestimular o descumprimento da obrigação. Porém, cada um deles tem aplicabilidade distinta, pois, se descumprida a obrigação contratual ou judicial de pagar certa quantia, os juros de mora terão o condão de desestimular o atraso no pagamento. Já no caso de uma obrigação de fazer ou dar coisa certa, a garantia da efetividade do cumprimento da obrigação se dá com a aplicação da multa diária. No momento em que se executa a multa diária, ela não perde a sua característica de penalidade, sendo que a aplicação de juros de mora seria indevida, pois esta cumulação representaria um bis in idem, que é a incidência de duas penalidades sobre um mesmo fato gerador. Uma vez inadimplida a obrigação de fazer ou não fazer estipulada na decisão judicial, nasce para o credor o direito à execução da pena cominatória, geralmente fixada pelo juiz por dia de atraso. Para dar início à execução da pena, o credor apresenta o cálculo de seu crédito, mediante cômputo dos dias de atraso. E, invariavelmente, ao cálculo também aplica juros de mora, tendo como marco inicial o primeiro dia da mora. Assim, o débito é geralmente composto pelo valor da pena cominatória, acrescidos de correção monetária e juros de mora. No entanto, como já defendido no tópico anterior, tal entendimento fere o princípio que veda o bis in idem, pois há, especificamente nestes casos, uma correlação, ainda que leve, entre a pena cominatória e os juros moratórios, pois tanto na pena cominatória diária quanto nos juros está embutido o conceito de mora, esvaziando a necessidade das duas penalidades pela mesma demora no cumprimento da obrigação. Ainda que em um grau leve, esta correlação já impede a aplicação de juros moratórios na cobrança de pena cominatória. E seguindo este correto entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu pelo descabimento da imposição de juros moratórios nas astreintes decorrentes de cominação no âmbito das obrigações de fazer.