Estudo Técnico Anotações sobre a tributação do serviço de conexão à internet em alta velocidade Considerações preliminares O acentuado desenvolvimento tecnológico no campo das telecomunicações desde a edição, em 1997, da Lei Geral das Comunicações - LGT1 vem suscitando intermináveis controvérsias versando sobre a tributação, pelo ICMS, do serviço de conexão à internet em alta velocidade prestado por operadoras de redes de telecomunicações. No centro das discussões sobressai a questão relativa à natureza da atividade de provimento de acesso à internet, pressuposto de fato ainda não integralmente assimilado pelos operadores do Direito, especialmente em razão das transformações tecnológicas ocorridas nas últimas duas décadas e dos impactos por elas acarretados nas conceituações firmadas no contexto da legislação dos anos 90. Sabemos que a interpretação dos conceitos e definições legais precisa ser devidamente contextualizada, o que pressupõe, por necessário, a consideração do estágio de evolução tecnológica existente à época em que formulados esses conceitos e definições. Na verdade, antes mesmo da LGT, que criou a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, o Ministério das Comunicações já havia aprovado, por meio da Portaria 148, de 31 de maio de 1995, a Norma 004/95, editada “com o objetivo de regular o uso de meios da Rede Pública de Telecomunicações para o provimento e utilização de Serviços de Conexão à Internet”. Importante salientar que esse instrumento normativo é conhecido por haver firmado a obrigatoriedade de contratação de provedores dedicados unicamente ao serviço de acesso à internet, excluindo dessa atividade as centrais telefônicas concessionárias de serviços de telecomunicação. Embora teoricamente produzindo efeitos até os dias atuais, as definições e procedimentos instituídos por esse ato se entremostram em visível descompasso com a 1 Lei 9.472, de 16 de julho de 1997. evolução tecnológica iniciada pela implementação dos serviços de conexão à internet em alta velocidade, com a tecnologia ADSL. Nem decorridos cinco anos da edição da Norma 004/95, perceptível já era a defasagem das definições e regras aí contidas, pouco depois retomadas e ampliadas pela LGT em 1997, em relação ao patamar tecnológico alcançado com a conexão rápida à internet em banda larga operada pelas empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. O fato é que o progresso verificado no setor de telecomunicações trouxe implicações profundas ao conceito de provimento de acesso à internet tal como definido ao tempo da edição da Norma 004/95 e da Lei Geral das Telecomunicações, quando a conexão à internet se realizava necessariamente por intermédio de provedores que operavam no fornecimento dos meios lógicos necessários à viabilização da referida conexão, tendo por suporte uma infraestrutura física de telefonia fixa. Nessa época, a conexão era discada e o usuário tinha de permanecer todo o tempo plugado na linha telefônica, que ficava indisponibilizada para a realização e recebimento de chamadas. A evolução tecnológica operou-se em duas frentes distintas. De um lado, a partir das próprias redes de telefonia fixa, com a introdução da tecnologia ADSL, que substituiu a conexão discada pela conexão em banda larga e possibilitou o acesso direto e automático à rede mundial de computadores, tornando a rigor desnecessário o serviço de valor adicionado prestado pelos provedores de acesso tradicionais. De outro lado, por meio das redes de televisão por assinatura, com suporte em cabeamento físico ou ondas de radiofrequência, realizando a transmissão de sinais multimídia em diversas modalidades de serviços, inclusive de provimento de acesso à internet em alta velocidade, quer por meio de suas próprias redes ou mediante cessão de uso a terceiras empresas provedoras. De 2010 para cá, intensificaram-se as propostas e recomendações no sentido de ser revisada e atualizada a Norma 004/95. Naquele ano foi constituído, no âmbito do Ministério das Comunicações, Grupo de Trabalho com a finalidade de reavaliar o modelo de provimento de conexão à internet consagrado no referido instrumento normativo. Pesaram sobremaneira na decisão de formação do referido grupo as dificuldades de operacionalização das definições e regras contidas na Norma 004/05 em face do quadro atual de evolução tecnológica no setor de telecomunicações.2 2 Segundo informações divulgadas pela Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, igualmente contribuíram para reforçar a necessidade de revisão da Norma 004/95 as recomendações ao referido Ministério e à Anatel levadas ao relatório da CPI da Pedofilia, do Senado Federal, no sentido de ser melhor regulamentada e fiscalizada a atividade de prestação de serviços de internet, em face das dificuldades dos provedores em armazenar Em julho de 2011, a Anatel foi instada pelo Ministério das Comunicações a empreender, com a possível brevidade, a atualização da mencionada norma, inclusive para o fim de verificar a manutenção do modelo atual no que respeita à necessidade de separação formal entre a prestação de serviços de conexão lógica à internet, realizada pelos provedores de serviço de valor adicionado, e o fornecimento da infraestrutura de conexão, promovida quer pelas redes de telefonia fixa ou pelas redes de TV por assinatura. Não se tem notícia, até o presente, sobre a conclusão da providência recomendada pelo Ministério das Comunicações. O exame da natureza do provimento de acesso à internet, à luz do atual estágio de desenvolvimento tecnológico no campo das telecomunicações, põe-se como essencial para a interpretação do efetivo alcance da regra de redução de base de cálculo do ICMS instituída pelo Convênio ICMS 78, de 6 de julho de 2001, implementado na legislação do Estado de São Paulo pelo Decreto 46.027, de 22 de agosto de 2001. Como sabido, a referida redução teve por objeto “o imposto incidente na prestação onerosa de serviço de comunicação, na modalidade de acesso à Internet, de forma que a carga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento) do valor da prestação”.3 Para determinação do âmbito de abrangência do benefício fiscal, importa proceder, antes de tudo, à contextualização histórica na qual teve origem a regulamentação da atividade de provimento de acesso à internet, o que requer, por necessário, a adequada compreensão do patamar tecnológico subjacente a essa produção normativa. É o que será a seguir explanado. O provimento de acesso à internet à época da Norma 004/95 A edição da Norma 004/95 precedeu, em três meses, a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 2005, que abriu a possibilidade jurídica de quebra do monopólio estatal no campo das telecomunicações. Mas o objetivo do governo federal, à época, não era apenas viabilizar a privatização das empresas do antigo Sistema Telebrás, mas criar um modelo concorrencial para uma imensa gama de serviços de telecomunicações, a serem explorados comercialmente por empresas privadas. informações sobre o acesso de seus assinantes à rede mundial de computadores, com isso criando problemas para a investigação policial. 3 O benefício vigorou até o dia 31 de março de 2012, como consequência da revogação do citado dispositivo regulamentar pelo Decreto 57.684, de 27 de dezembro de 2011. Nesse contexto se insere a diretriz do Ministério das Comunicações, então comandado pelo Ministro Sérgio Motta, no sentido de impedir o monopólio estatal do serviço de acesso à internet, fazendo com que este fosse explorado em regime de livre competição, num mercado formado por crescente número de empresas prestadoras do serviço de conexão à rede mundial de computadores. Para tanto, tornou-se imprescindível delimitar juridicamente o campo de atuação dos provedores de acesso à internet, que deveria ter natureza distinta da atividade típica das operadoras de telecomunicação. Decidiu-se, então, que as empresas prestadoras de serviços de telecomunicação ficariam com o fornecimento dos meios físicos necessários à conexão dos usuários à internet, enquanto os provedores de acesso, com suporte na infraestrutura de rede oferecida pelas teles, teriam a incumbência de fornecer os meios lógicos para que essa conexão pudesse ser estabelecida. Dentre as definições terminológicas moldadas pela Norma 004/95, até hoje balizadoras da produção normativa voltada para as empresas prestadoras de serviços de conexão à internet, sobressaem os conceitos correlatos de Serviço de Conexão à Internet – SCI e o Serviço de Valor Adicionado – SVA, ambos prestados pelo Provedor de Serviço de Conexão à Internet – PSCI, definido na alínea “d” do item 3 como “entidade que presta Serviço de Conexão à Internet”. O Serviço de Comunicação à Internet – SCI está assim delineado no item 4 da norma: 4.1. Para efeito desta Norma, considera-se que o Serviço de Conexão à Internet constitui-se: a. dos equipamentos necessários aos processos de roteamento, armazenamento e encaminhamento de informações, e dos "software" e "hardware" necessários para o provedor implementar os protocolos da Internet e gerenciar e administrar o serviço; b. das rotinas para administração de conexões à Internet (senhas, endereços e domínios Internet); c. dos "softwares" dispostos pelo PSCI: aplicativos tais como - correio eletrônico, acesso a computadores remotos, transferência de arquivos, acesso a banco de dados, acesso a diretórios, e outros correlatos -, mecanismos de controle e segurança, e outros; d. dos arquivos de dados, cadastros e outras informações dispostas pelo PSCI; e. do "hardware" necessário para o provedor ofertar, manter, gerenciar e administrar os "softwares" e os arquivos especificados nas letras "b","c" e "d" deste subitem; f. outros "hardwares" e "softwares" específicos, utilizados pelo PSCI. Ainda que genérico, o conceito de SCI tem seu âmbito de abrangência limitado à atividade comunicacional desenvolvida pela empresa prestadora de provimento de acesso à internet, não chegando a alcançar a infraestrutura física das redes das concessionárias de telefonia fixa. A alínea “a” descreve os elementos componentes da atividade realizada pelos provedores: (i) os equipamentos indispensáveis ao roteamento, armazenamento e transmissão de informações e (ii) os programas dedicados ao gerenciamento de sua atividade, principalmente os que viabilizam a implementação dos protocolos da internet aos assinantes ou usuários de seus serviços. Esta dualidade bem se estampa na utilização das expressões “hardware” e “software”, de resto retomadas nos itens subsequentes do dispositivo. Com efeito, para poderem realizar sua atividade, os provedores precisam ter por suporte (físico) diversos equipamentos, como servidores, modems e cabos utilizados para a recepção e transmissão de informações, dentre outros dispositivos eletrônicos. Mas também precisam de programas (“softwares”) que realizem a mais importante função do provedor de acesso: fornecer ao usuário um número de IP (“Internet Protocol”). O IP corresponde ao endereço eletrônico do computador do usuário, que dele precisa para ser reconhecido na rede mundial de computadores, para receber ou enviar informações e acessar domínios. É um endereço lógico, não físico, identificado por quatro conjuntos numéricos de 32 bits (ou 4 bytes), podendo ser fixo ou temporário. No Brasil, a entidade responsável pela alocação de endereços IP aos provedores de acesso à internet, bem como pelo registro de nomes de domínio, é o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br, órgão do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br.4 A função típica do provedor de acesso à internet é, pois, a partir das faixas de endereçamentos recebidos do NIC.br, alocá-los a seus usuários, de modo permanente 4 O Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br foi criado pelo Decreto 4.829, de 3 de setembro de 2003, com a missão de gerir e integrar todos os serviços de internet prestados no país. Até dezembro de 2005, a gestão dos serviços de internet estava sob responsabilidade da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. (IP fixo) ou temporário (IP dinâmico). O provedor, por seu turno, está conectado ao tronco central da internet, denominado “backbone”ou "backbone IP", rede principal pela qual transitam os dados de todos os usuários do serviço. O backbone é dividido em várias redes menores para acelerar a transferência de dados, divididos em “pacotes” formados por conjuntos de bits, que não são transmitidos de modo sequencial nem percorrem, necessariamente, uma mesma e única rota. Os roteadores se encarregam de encontrar os caminhos mais curtos para os conjuntos lógicos até o IP do destinatário. Lá chegados, o provedor realiza o ressequenciamento dos pacotes, assim reconstituindo a sequência original dos dados. Retornando aos termos empregados na alínea “a” do item 4.1 da Norma 004/95, verificamos, em resumo, que o procedimento essencial do Provedor de Serviço de Conexão à Internet - PSCI consiste em “implementar os protocolos da Internet”, além de gerenciar e administrar o serviço. A atividade descrita na alínea “b” apenas reforça a dicção da alínea “a”, na medida em que incorpora ao SCI a execução de “rotinas para administração de conexões à Internet (senhas, endereços e domínios Internet)”. Na verdade, tais rotinas constituem um procedimento preliminar, ordenado à identificação, autorização e conexão do usuário ao PSCI, normalmente realizado por meio de “login” e senha. Didaticamente, os provedores de internet, no modelo traçado pela Norma 004/95, realizam três atividades sequenciais: a) Identificam e autorizam o usuário, conectando-o a seus servidores; b) Atribuem ao usuário um endereço IP (lógico), para que possa ser reconhecido no ambiente virtual da internet, e assim enviar e receber dados; c) Conectam o usuário ao tronco central da internet (backbone), por onde trafegam os fluxos de dados na forma de “pacotes”. Seja salientado, por relevante, que, ao teor da configuração desenhada na Norma 004/95, os dados recebidos e transmitidos pelo usuário devem necessariamente transitar pelo servidor (ou servidores) do Provedor de Serviço de Conexão à Internet. As alíneas “c” e “d” da Norma 004/95 indicam serviços de caráter complementar que podem ser prestados pelo PSCI. Basicamente, trata-se do gerenciamento de aplicativos diversos, que representam utilidades adicionais para os usuários de seus serviços. Como exemplos de aplicativos complementares podemos citar: o correio eletrônico, os softwares de navegação na internet (browsers)5, os programas de proteção contra invasões de hackers (firewalls), de vírus (malwares) ou de cookies, os programas de hospedagem de dados e de fornecimento de conteúdos, entre outros. A oferta de tais utilidades, como é óbvio, agrega maior valor à empresa do provedor de internet, que assim se torna mais competitiva no mercado, hoje integrado por 1.934 provedores6. O Serviço de Valor Adicionado na Norma 004/95 e na LGT No intuito de evitar que o serviço de conexão com a internet tivesse sua exploração concentrada nas empresas concessionárias de telecomunicações, o Ministério das Comunicações recorreu à estratégia de qualificar o Serviço de Conexão à Internet – SCI como Serviço de Valor Adicionado – SVA, consoante se verifica da definição do primeiro, nos termos da alínea “c” do item 3 da referida Norma 004/95: Serviço de Conexão à Internet (SCI): nome genérico que designa Serviço de Valor Adicionado que possibilita o acesso à Internet a Usuários e Provedores de Serviços de Informações. Para poderem operar, as empresas de telecomunicações precisam obter autorização oficial, concedida pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. Já os Provedores de Serviço de Conexão à Internet - PSCIs não necessitam de permissão para exercerem sua atividade, uma vez que seus serviços não se definem como sendo de telecomunicações, mas de valor adicionado - justamente porque prestados com suporte numa rede de telecomunicações preexistente, como se vê da definição de SVA na alínea “b” do item 3 da Norma 004/95: Serviço de Valor Adicionado: serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de informações. Esta foi, na verdade, a alternativa jurídica arquitetada pelo governo para enquadrar os Provedores de Serviço de Conexão à Internet – PSCIs num patamar 5 6 Como o “Internet Explorer”, “Mozilla Firefox”, “Google” e outros. Dado fornecido em maio de 2012 pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação – CETIC.br, setor do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br, órgão integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (Link: http://www.cetic.br/usuarios/tic/2011-total-brasil/apresentacao-tic-domicilios2011.pdf) autônomo de atividade, distinto do ocupado pelas redes de telefonia fixa, qualificadas na LGT como prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC. Apenas estas últimas são definidas como prestadoras de serviços de telecomunicações, atividade para a qual se requer autorização oficial, concedida pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. Já os Provedores de Serviço de Conexão à Internet - PSCIs não necessitam de autorização oficial para exercerem sua atividade, uma vez que seus serviços não se definem como sendo de telecomunicações, mas de valor adicionado - justamente porque prestados com suporte numa rede de telecomunicações preexistente, como se vê da definição de SVA na alínea “b” do item 3 da Norma 004/95: Serviço de Valor Adicionado: serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de informações. Como se observa, o SVA pressupõe a existência de um serviço de telecomunicações que com ele não se confunde, na medida em que as utilidades fornecidas pelo PSCI são produzidas numa camada essencialmente lógica, separada da camada física de infraestrutura em que operam as prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC. Dentre as possíveis utilidades a serem oferecidas pelas empresas de conexão à internet, duas são especialmente referidas na transcrita definição do SVA contida na Norma 004/95: a) Utilidades relacionadas ao acesso e movimentação de dados na internet, como identificação e conexão do usuário ao provedor, atribuição de endereço IP e conexão do usuário ao tronco central da internet, utilidades já mencionadas anteriormente; b) Utilidades relacionadas ao armazenamento e recuperação de dados na internet, como hospedagem de informações e provimento de conteúdo. De notar, a propósito das utilidades acima citadas, que a Norma 004/95 estabelece clara distinção entre provedores de acesso à internet e provedores de informações. As utilidades relacionadas ao acesso e movimentação de dados, mencionadas na letra “a”, são aquelas típicas do Provedor de Serviço de Comunicação com a Internet – PSCI, enquanto as utilidades relacionadas ao armazenamento e recuperação de dados na internet, referidas na letra “b”, são aquelas fornecidas pelo Provedor de Serviço de Informações - PSI, assim definido na alínea “e” da citada norma: Provedor de Serviço de Informações: entidade que possui informações de interesse e as dispõem na Internet, por intermédio do Serviço de Conexão à Internet.7 De todo modo, tanto um como outro provedor atuam na camada lógica delimitada pela Norma 004/95, firmando-se ambos como prestadores de Serviço de Valor Adicionado – SVA. Com o advento da Lei Geral de Telecomunicações, editada em julho de 1997, a definição de SVA acabou sendo retomada no caput do artigo 61, a seguir transcrito: Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. § 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição. § 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações. Como se observa, o caput do dispositivo legal aperfeiçoa a definição de SVA versada na Norma 004/95, explicitando que este não deve ser confundido com o serviço de telecomunicações que lhe dá suporte. Às quatro utilidades já referidas na norma, é acrescentada apenas a de “apresentação” de dados. 7 As atividades atribuídas ao PSI na época da Norma 004/95 são atualmente conceituadas como "serviços de conteúdo e informação", um dos campos mais promissores da tecnologia de informação e comunicação, que alcança desde os serviços de oferta de filmes, como Video On Demand (VOD) ou Pay Per View (PPV), passando por sites veiculadores de informações multimídia como, dentre milhares de outros, o popular YouTube, até os moderníssimos serviços de armazenamento e recuperação de dados em servidores remotos denominados "nuvens", na tecnologia conhecida como Cloud Computing ou "Computação em Nuvem", setor hoje experimentando notável expansão no mundo corporativo. Em benefício da clareza, o § 1º explicita que o SVA “não constitui serviço de telecomunicações”, sendo o provedor qualificado como “usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte”.8 O § 2º proclama o direito dos provedores ao “uso das redes de serviços de telecomunicações para a prestação dos serviços de valor adicionado. Em suma, pelo exposto até este passo, e tendo por pano de fundo o sistema de telefonia fixa9, ficou assentado, em primeiro lugar, que, na conformidade das diretrizes do Ministério das Comunicações firmadas em 1995 (Norma 004/95) e 1997 (Lei Geral das Telecomunicações - LGT), para o acesso à internet exigia-se o concurso de dois agentes: (i) um provedor de conexão (PSCI) operando numa camada lógica em que executados serviços de identificação de usuários, de atribuição de endereços IP e de transmissão de dados; e (ii) um prestador de serviços de telecomunicação, operando no fornecimento da infraestrutura física de suporte às atividades do primeiro, formada pela rede de telefonia fixa (STFC). Ficou igualmente assentado, em segundo lugar, que o acesso à internet fazia-se por meio da conexão discada, também conhecida como conexão dial-up, pela qual o usuário fazia contato com o PSCI por meio de programa que efetuava a discagem do respectivo número telefônico. O advento da conexão à internet por meio da banda larga fixa A evolução das telecomunicações não tardou a alterar radicalmente o panorama tecnológico que servira de referência à produção normativa consubstanciada na Norma 004/95 e na Lei 9.472/97 (LGT). A inovação se deu a partir da implementação de modems com a tecnologia ADSL, sigla indicativa de “Asymmetric Digital Subscriber Line”, ou “Linha Digital Assimétrica de Assinante”. Também se utiliza a expressão 8 Vale ressaltar, apenas de passagem, que este último aspecto pesou sobremaneira nas decisões do Superior Tribunal de Justiça que afastaram a incidência do ICMS sobre os serviços de valor adicionado prestados pelos provedores de conexão à internet (Cfr. Súmula 334), no pressuposto de que apenas as operadoras de telecomunicações efetivamente se sujeitam ao tributo estadual. 9 Mais à frente será abordada questão do provimento de acesso à internet efetuado pelas operadoras de TV a Cabo, que se tornou possível com a regulamentação, em 1999, dos Serviços de Valor Adicionado a serem prestados pelas TVs por Assinatura. “DSL” para designar a nova tecnologia, desenvolvida exclusivamente para as operadoras de telefonia fixa (STFC). A tecnologia ADSL possibilita a transmissão de dados em alta velocidade numa linha telefônica comum conectada ao modem, a qual é dividida em duas por um chip denominado splitter, sendo uma para voz e outra para dados; esta última, por sua vez, é dividida assimetricamente em outras duas, uma de maior velocidade para download (ou downstream, na direção provedor/usuário) e outra de menor velocidade para upload (ou upstream, na direção usuário/provedor). As partições nas linhas são possíveis porque a faixa utilizada para a voz, além de não ocupar toda a capacidade de transmissão da linha telefônica, utiliza uma frequência de onda muito baixa, que oscila entre 300 a 4.000 Hz. A tecnologia ADSL ocupa toda a capacidade de transmissão da linha telefônica, utilizando frequências maiores. As especificações do primeiro modelo de ADSL foram ratificadas pela International Telecomunication Union em 1999, com capacidade de transmissão de downstream de até 8 Mb/s (megabits por segundo) e de upstream de até 1 Mb/s. Em 2002 surgiu o ADSL2, com maior velocidade de transmissão, de até 24 Mb/s em downstream. Novas tecnologias estão continuamente a aperfeiçoar os sistemas de transmissão, aumentando consideravelmente a velocidade de tráfego dos dados. Para que se tenha uma ideia do incremento da velocidade de transmissão na tecnologia ADSL, basta considerar que no modem comum de conexão discada a taxa é de apenas 56 Kb/s (kilobits por segundo)10. Tendo por parâmetro esta última taxa de transmissão, de 56 KB/s, um modem ADSL operando com taxa de 2 Mb/s representa incremento de velocidade da ordem de 3.557,14%. Com base na Pesquisa TIC conduzida no período de outubro de 2011 a janeiro de 2012 pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação – CETIC.br, tendo por a amostragem 25.000 domicílios situados em 317 municípios brasileiros distribuídos por todas as regiões do país, apurou-se que em 10% dos domicílios brasileiros seus moradores acessam a internet por meio de conexão discada, enquanto que em 68% dos domicílios por meio de conexão em banda larga fixa.11 10 11 Observe-se que 1.000 kilobytes correspondem a 1 megabyte. Apenas para completar os dados pesquisados, apurou-se na referida Pesquisa TIC que 18% dos domicílios acessam a internet por meio de banda larga móvel, com emprego da tecnologia 3G. Observe-se que esta porcentagem ultrapassa a dos domicílios que se utilizam da conexão discada (10%), como notado. Dados divulgados no Portal Brasil apontam que, ao final de agosto de 2012, foram registrados 18,9 milhões de acessos em banda larga fixa e 62,4 milhões em banda larga móvel, num total de 81,3 milhões de acessos.12 Na verdade, a tecnologia de banda larga fixa permite manter o usuário permanentemente conectado à central telefônica por meio do modem ADSL, em linha dedicada, não sendo mais necessário efetuar a discagem para estabelecer essa conexão e nem pagar por pulsos telefônicos, como ocorria com a internet discada. A central telefônica, por seu turno, por meio de seus roteadores, também se mantém permanentemente conectada com a internet. Assim, sob o aspecto estritamente técnico, resulta totalmente dispensável a utilização de Provedor de Serviço de Conexão à Internet – PSCI, nos moldes definidos pela Norma 004/95. Por isso, é a empresa concessionária de telecomunicações que atua, na prática, como prestadora do serviço de provimento de acesso à internet. Forçoso é reconhecer, no entanto, que nos primeiros anos de implementação das regras fixadas pelo Ministério das Comunicações e pela Anatel, os provedores do serviço de conexão à rede mundial realmente executavam por inteiro as atividades típicas fixadas na legislação pertinente. Em tal contexto, as empresas de telefonia fixa (STFC) e – seja ressaltado por relevante – também as empresas de TV por Assinatura, em especial as de TV a Cabo, se limitavam a fornecer a infraestrutura física de cabeamento que viabilizava a conexão com a internet em alta velocidade (banda larga). Em outras palavras, sua atividade se resumia ao puro e simples transporte de sinais multimídia, aspecto que será adiante retomado a partir da análise das empresas prestadoras de Serviço de Comunicação Multimídia - SCM. Quando muito, as empresas de STFC empreendiam parcerias com empresas provedoras de conexão com a internet13, estruturadas com base no figurino traçado na Norma 004/95 e na LGT. Tais parcerias, no entanto, deram origem a expressivo volume de ações judiciais em todo país, nas quais as empresas de telefonia fixa eram acusadas de empregar artifício popularmente conhecido como “venda casada”. O argumento mais incisivamente sustentado pelos autores é que tal parceria obrigava o consumidor a contratar os serviços de uma empresa de provimento de acesso à internet quando este 12 13 Cfr. link: http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/09/20/acessos-em-banda-larga-passam-de-81-milhoes Como exemplo, a pareceria Speedy/Uol, sendo o Speedy um serviço da Telefônica, operadora de telefonia fixa, e a Uol uma das mais tradicionais e conhecidas empresas do ramo de provimento de acesso à internet. mister poderia ser perfeitamente executado pelas prestadoras de STFC. Provas técnicas acabaram sendo produzidas nos tribunais que, com poucas exceções, prestigiaram as teses esgrimidas pelos autores das ações judiciais.14 Mas o fato é que, com o passar do tempo, as tarefas características dos chamados provedores de SVA, em especial a atribuição de endereçamentos IP ao usuário antes de sua conexão ao tronco central da internet, acabaram sendo absorvidas e implementadas pelas empresas de telefonia fixa fornecedoras de banda larga, seguidas de algumas empresas do ramo de TV a Cabo. Mais do que isso, os dados recebidos e transmitidos pelo usuário passaram a trafegar exclusivamente pelos servidores de tais empresas, exceto na hipótese de correio eletrônico. Com isso, elas passaram a atuar não apenas na camada física, mas igualmente na camada lógica de conexão à rede mundial. Tratando-se do ponto principal de conexão do computador do usuário ao modem ADSL, por exemplo, o acesso à internet se processa automaticamente, sem necessidade de qualquer intervenção específica nesse sentido. Nem mesmo a digitação do login e senha se faz necessária em tal hipótese, em razão de prévia configuração. Estabelecida a conexão tão logo concluídos os procedimentos de inicialização do computador, o usuário já começa a receber mensagens automáticas de aplicativos instalados, como de programas de proteção antivírus. Não se tratando do ponto principal de conexão ao modem, como ocorre quando o usuário tenta acessar seu webmail a partir de outro computador conectado em banda larga à internet, a função do provedor de acesso tradicional (PSCI) limita-se à identificação, autenticação e autorização do usuário, por meio da digitação do login e senha. Nesse caso, a companhia de telecomunicações envia um sinal ao provedor a fim de que este possa habilitar o usuário a ingressar na rede. Convenhamos, pois, que, em decorrência do desenvolvimento tecnológico que viabilizou a internet de alta velocidade, o PSCI acabou tendo suas funções completamente esvaziadas, reduzindo-se a mero simulacro do modelo estruturado na Norma 004/95. A rigor, até mesmo a função de habilitação do usuário poderia ter ficado a cargo das redes de telefonia fixa; isso só não aconteceu pela necessidade de manter-se um nível mínimo de conformidade com a legislação vigente, conquanto defasada. Isso não obstante, a tendência hoje verificada é no sentido de que esse modelo seja mantido, sem embargo da prometida atualização dos conceitos e regras consagrados na 14 Uma das mais importantes sentenças nesse sentido foi a exarada pela 3ª Vara Federal de Bauru. Durante a tramitação do processo comprovou-se que a empresa de STFC local realizava o acesso e a conexão dos usuários com a internet em todo o Estado de São Paulo. Norma 004/95 e na Lei Geral das Telecomunicações.15 A uma porque a conexão discada à internet com suporte nos provedores de acesso tradicionais (SVA) continua sendo utilizada no país, como notado, em especial nas regiões mais remotas e pela população de baixa renda. A duas porque, caso liberada por completo a exigência de contratação de provedor para acesso à internet tornar-se-ia ainda mais acentuada a atual tendência de concentração das conexões nos grandes provedores, assim frustrando o objetivo do governo federal no sentido de incentivar um modelo concorrencial para o setor. Com efeito, a Pesquisa TIC anteriormente referida revela que, num universo de 1.934 provedores de acesso à internet, 78% das conexões se concentram em 6 (seis) grandes provedores de acesso. Pelo que se expôs até o presente, ficou claro que o Ministério das Comunicações e a Anatel sempre relutaram em reconhecer que as concessionárias de telefonia fixa, assim como as empresas de TV por Assinatura, acabaram criando uma nova modalidade de provimento de acesso à internet, de alta velocidade. O Serviço de Comunicação Multimídia – SCM Premida pelos efeitos da evolução tecnológica na área de telecomunicações, estando já implantada a tecnologia ADSL pelas concessionárias de telefonia fixa, em 2001 a Agência Nacional de Telecomunicações decidiu regulamentar as condições de prestação e fruição de uma série de atividades de telecomunicação, agrupando-as sob a denominação genérica de Serviços de Comunicação Multimídia – SCM. Assim é que, por meio da Resolução 272, de 9 de agosto de 2001, a Anatel provou o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, já se referindo, em um dos consideranda, à “possibilidade da prestação de serviços multimídia em banda larga pelos operadores de telecomunicações”. Eis como se define o SCM pelo artigo 3º do regulamento: Art. 3º. O Serviço de Comunicação Multimídia é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço. 15 Em reunião realizada em 16 de setembro de 2011, o Comitê Gestor da Internet no Brasil aprovou a Resolução CGI.br/RES/2011/004/P – Sobre NORMA 004/95, Anatel, pela qual houve por bem “reafirmar que, sem prejuízo de revisões e atualizações sempre necessárias ao estamento vigente, considera os conceitos previstos na Norma 4/95 do Ministério das Comunicações, essenciais para o correto entendimento da natureza dos serviços necessários ao desenvolvimento da Internet”. Importante atentar, por primeiro, para os serviços expressamente excluídos do âmbito do SCM, nos termos do parágrafo único do referido artigo: Parágrafo único. Distinguem-se do Serviço de Comunicação Multimídia, o Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC) e os serviços de comunicação eletrônica de massa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo, o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH). Em resumo, não se incluem no âmbito conceitual do SCM três grupos de serviços de comunicação: 1º grupo: Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC); 2º grupo: Serviço de Radiofusão, prestado pelas emissoras abertas de rádio e TV, que realizam a transmissão de sons (radiofusão sonora) e de sons e imagens (televisão); 3º grupo: Serviço de TV por Assinatura, este último compreendendo: a) Serviço de TV a Cabo (TVC)16; b) Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS), conhecido como Wireless Cable17; c) Serviço Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH)18. As tecnologias atualmente em uso para prestação de serviços de TV por Assinatura foram recentemente rotuladas de Serviço de Acesso Condicionado – SeAC, em regulamento aprovado por meio da Resolução 581, de 26 de março de 2012.19 16 As redes de TV a Cabo realizam a transmissão de dados entre seus servidores e o terminal do assinante por meio de cabos coaxiais, geralmente interligados a fibras óticas, de notável desempenho em termos de velocidade, estabilidade e qualidade. Nas modalidades mais avançadas de transmissão, os cabos de fibra ótica podem chegar até o terminal do assinante; nas mais econômicas, são utilizados apenas nas linhas principais. 17 Este serviço opera geralmente em áreas de baixa densidade populacional, utilizando-se de micro-ondas na faixa de 2,5 GHz. Oportuno lembrar que a faixa de frequência ocupada pelo MMDS passou recentemente a despertar o interesse de grandes empresas de telefonia celular que estão investindo nas tecnologias 4G e WiMax. 18 Abreviatura de “Direct to Home”. Feitas as exclusões, importa reter o alcance do conceito de Serviço de Comunicação Multimídia, definido como aquele que, prestado para assinantes situados em determinada área do país, “possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios”. Em suma, presta SCM a empresa que promove o transporte de sinais multimídia. Visível a amplitude do SCM, não apenas pela possibilidade de ser oferecida a transmissão, emissão e recepção de informações multimídia em geral (como sons, imagens, sons conjugados com imagens, textos e quaisquer caracteres), mas especialmente de poderem ser utilizados quaisquer meios para o tráfego dessas informações. Os serviços de conexão à internet em alta velocidade (banda larga) representam, sem dúvida, os mais importantes oferecidos pelas prestadoras de SCM. Todavia, outras modalidades de serviço também se fazem presentes eu seu âmbito conceitual, tais como: a) Provimento de acesso à internet via radiofrequência, popularmente conhecido como “internet via rádio”, operando em diversas faixas de frequência;20 b) Provimento de acesso à internet via satélite, com comunicação de mão dupla e protocolo de internet, ideal para localidades remotas; c) Serviço de Voz sobre IP (VoIP);21 d) Serviço de fornecimento de sinais de áudio e vídeo, de forma eventual, mediante contrato ou pagamento por evento (pay per view);22 e) Serviços realizados com alarmes e câmeras de segurança, de monitoramento de tráfego de veículos etc. 19 Às três modalidades de serviço de TV por Assinatura do terceiro grupo foi acrescentado um terceiro serviço, o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA), definido pela Anatel como aquele no qual a programadora transmite o sinal até o headend da operadora, que envia a programação ao assinante por meio de sinais UHF codificados, sendo permitida, a critério do poder concedente, a utilização parcial sem codificação. 20 De 2.400 a 2.483,5 MHz e 5.725 a 5.850 MHz. 21 O aplicativo Skype é o mais conhecido serviço VoIP. 22 Sendo este serviço prestado de forma eventual, com fundamento no artigo 67 do Regulamento do SCM, não pode ser confundido com os serviços prestados por empresas de TV a Cabo, MMDS ou DTH, conforme deliberação adotada na Reunião nº 192 do Conselho Diretor da Anatel, em 23/01/2012. As prestadoras de SCM devem necessariamente obter autorização da Anatel para iniciarem suas atividades, segundo prescreve o artigo 10 do Regulamento, sendo dispensadas dessa autorização as prestadoras de Serviço de Valor Adicionado - SVA, consoante notado. O artigo 7º determina que “a Anatel deverá estabelecer regras que assegurem a utilização das redes SCM para suporte ao provimento de SVA, dispondo também sobre o relacionamento entre provedores destes serviços e prestadoras do SCM”. O artigo 8º, por seu turno, firma o direito de as prestadoras de SCM se utilizarem de “redes ou de elementos de redes” de outras prestadoras de serviços de telecomunicações. Importante esclarecer que, quando operam somente como empresas de telefonia fixa, as empresas do setor sujeitam-se às regras do STFC; do mesmo modo, quando operam apenas como empresas transmissoras de sinais de TV por Assinatura, as emissoras sujeitam-se às regras do SeAC. Numa e noutra situação, pois, não se cogita da prestação de serviço de provimento de acesso à rede mundial. Mas, ao revés, quando atuam especificamente como empresas fornecedoras de provimento de acesso à rede mundial, tanto as redes de telefonia fixa como as operadoras de TV por Assinatura se subsumem às regras do SCM. Ao lado das prestadoras de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM e de Serviço de Acesso Condicionado – SeAC, alinham-se as prestadoras de Serviço Móvel Pessoal – SMP, operantes no sistema de telefonia celular, cuja atividade é disciplinada por Regulamento aprovado pela Resolução 477, de 7 de agosto de 2007, pelo Conselho Diretor da Anatel.23 Como se vê, três são os grandes grupos nos quais se concentra a maior parte das empresas de telecomunicações em operação no país: (i) prestadoras de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM; (ii) prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado – SeAC; e (iii) prestadoras de Serviço Móvel Pessoal – SMP. Em termos de volume de conexões com a internet, preponderam as prestadoras de SCM operantes na modalidade de banda larga fixa, consoante Pesquisa TIC 23 Seja observado, apenas de passagem, que as prestadoras de Serviço Móvel Pessoal – SMP, diferentemente das prestadoras de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, não foram compelidas a valer-se do concurso de provedores de SVA para viabilizarem o acesso de seus assinantes à internet – disparidade que configura, no mínimo, tratamento anti-isonômico dispensado a um e outro grupo. anteriormente apontada, realizada em 25.000 municípios do país, que revelou o seguinte quadro: Modalidades de conexão à internet % Conexão em banda larga fixa24 68% Conexão em banda larga por prestadoras de Serviço Móvel Pessoal – SMP (telefonia celular) 18% Conexão mediante acesso discado, em redes de Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC 10% O Provimento de Acesso a Internet no contexto do Serviço de TV por Assinatura Como dissemos, os serviços de conexão à internet em alta velocidade (banda larga) compreendem o filão principal da atividade das prestadoras de SCM. Mas é bom lembrar que, conquanto excluídos do âmbito conceitual do SCM, tanto as empresas prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC como do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), dentre estas as operadoras de TV a Cabo, estão autorizadas pela Anatel a atuar no provimento de conexão à internet, desde que, naturalmente, observados os requisitos e condições estabelecidos pela legislação pertinente. A fim de evitar que os serviços de conexão à rede mundial ficassem concentrados nas empresas de telefonia fixa (STFC), já em 1999 a Anatel houve por bem expedir a Resolução 190, de 29 de novembro daquele ano, com a finalidade de “assegurar o uso de redes de serviços de comunicação de massa por assinatura para provimento de serviço de valor adicionado unidirecional ou bidirecional, regulando os condicionamentos assim como os relacionamentos entre provedores de serviço de valor adicionado (SVA) e prestadores de serviço de comunicação de massa por assinatura (SCMa)”25. Para tanto, prescreveu no artigo 9º, em favor dos provedores de SVA, o “direito ao uso de redes de SCMa, de forma não discriminatória e a preços e condições justos, 24 Depreende-se da pesquisa que teria sido considerada apenas a conexão à internet em banda larga fixa realizada pelas prestadoras de STFC, não tendo sido aparentemente considerada a conexão efetuada por empresas operadoras de TV por assinatura. 25 Art. 1º da Resolução 190/99. razoáveis e isonômicos”, podendo estes, nos termos do artigo 11, “solicitar à prestadora de SCMa a qualquer tempo, por meio de petição escrita, o uso de suas redes”. Como se vê, a mesma composição híbrida ou dual condicionando o provimento de acesso à internet estabelecida para as empresas de STFC, mediante a combinação da infraestrutura física da rede de telefonia fixa com a estrutura lógica dos provedores de SVA, acabou sendo fixada para as prestadoras de SCMa, estas últimas compreendendo, consoante notado, o Serviço de TV a Cabo (TVC), o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH). Tanto que, ao teor do artigo 5º, as prestadoras de SCMa com interesse em prover serviços de valor adicionado, deveriam fazê-lo “por meio de empresa constituída exclusivamente para este fim”. Esta última exigência vem sendo duramente combatida junto ao Poder Judiciário, por ilegalidade e inconstitucionalidade, não apenas porque, sob o aspecto jurídico, não tem por suporte um dispositivo legal expresso, além de configurar tratamento antiisonômico em relação ao serviço de telefonia móvel, mas igualmente porque, sob o aspecto técnico, a conexão com o backbone IP da internet se perfaz sem necessidade da interveniência de um provedor de SVA. Como se vê, as razões são praticamente idênticas às invocadas para atacar a obrigatoriedade de contratação de um provedor de SVA nas conexões realizadas com arrimo na rede de infraestrutura das prestadoras de telefonia fixa (STFC). De todo modo, forçoso é reconhecer que o impedimento para as operadoras de STFC se reveste de maior peso e gravidade, eis que lançado em norma legal expressa, no caso o artigo 86 da LGT, como se vê: Art. 86. A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão. (grifos acrescentados) Na prática, o dispositivo legal implica a proibição, para as concessionárias de telefonia fixa (STFC), de prestação de atividade classificável como Serviço de Valor Adicionado (SVA), típico dos Provedores de Serviço de Comunicação com a Internet PSCI.26 Nem mesmo estão elas autorizadas a explorar a prestação de SVA por intermédio de terceiras empresas controladas. 26 Na nova redação do artigo 86 dada pela Lei n° 12.485, de 2011, a expressão "criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão" foi encurtada para "criada para explorar exclusivamente Já a vedação impingida às empresas de TV por Assinatura não tem por supedâneo norma legal expressa, mas uma disposição de caráter meramente regulamentar, a qual, ainda assim, não exclui a possibilidade de provimento de SVA, desde que por meio de terceira empresa “constituída exclusivamente para esse fim”, conforme prescrito pelo mencionado artigo 5º da Resolução 190/99. Cabe apontar, por fim, distinções de capital relevância envolvendo o modus operandi das empresas de TV por Assinatura, tendo por pano de fundo a disponibilização de conexão à internet em alta velocidade. Algumas empresas de SCMa operaram, por determinado período de tempo, apenas com a atividade de cessão de uso de sua rede a terceiros provedores de SVA, como foi o caso, no passado, da NET Serviços (NET/Virtua).27 Nesse caso, observou-se à risca o modelo estrutural definido na mencionada Portaria 190/99 da Anatel, em que as prestadoras de SCMa atuam como típicas empresas de telecomunicações, tendo como serviço final apenas o transporte de sinais multimídia – e não a prestação direta, ao assinante, do serviço de provimento de acesso à internet. Do mesmo modo, em parte de suas operações, a TVA Sistema de Televisão S.A. igualmente adotou esse figurino - de cessão de sua rede a provedores de SVA. Desnecessário frisar que, nessa hipótese, caracteriza-se, sem qualquer sombra de dúvida, fato gerador do ICMS-Comunicação. Mas a própria TVA, no período de 2003 a 2007, também operou na atividade de provimento de acesso à internet em alta velocidade, fornecido diretamente a seus assinantes como serviço-fim, tendo por suporte uma rede própria que combina fibra ótica e cabos coaxiais, denominada HFC28, nesse caso utilizada à guisa de serviço-meio. O contrato celebrado com os assinantes tinha por expresso escopo “o acesso em alta velocidade à rede mundial internet”. Por todo o exposto, verificamos que o estabelecimento de conexão à internet em alta velocidade processou-se historicamente a partir de duas vertentes serviços de telecomunicações", redução que por certo teve o condão de ampliar a abrangência conceitual dos serviços suscetíveis de serem prestados pelas teles. Com efeito, a nova redação autoriza a interpretação de que quaisquer serviços de telecomunicações poderão ser prestados pelas concessionárias, e não apenas aqueles que tenham sido objeto da concessão. 27 Diferentemente do passado, hoje a NET atua como triple player no mercado, uma vez que também opera no ramo da telefonia fixa, além de prestar serviços de provimento de acesso à internet na modalidade SCM e de TV por Assinatura. 28 Hybrid Fiber Coax, assim chamada por conjugar fibra ótica a cabos coaxiais (metálicos). O termo “coax” é aqui empregado como forma apocopada de “coaxial”. Não sendo uma linha dedicada, como no caso da tecnologia ADSL, pode ser compartilhada tanto para transmissão de sinais multimídia de TV como também para conexão do assinante à internet. distintas: (i) em primeiro lugar, foram as operadoras de redes telefônicas que migraram para o provimento de acesso à internet em alta velocidade oferecendo SCM por meio de conexão em banda larga fixa, com suporte na tecnologia ADSL, e mantendo, ao mesmo tempo, seus serviços de telefonia na modalidade STFC; (ii) depois, foram as operadoras de redes de TV por Assinatura, que também migraram para essa modalidade de provimento, oferecendo SCM por meio de suas redes a cabo ou via sinais de radiofrequência, mantendo, também ao mesmo tempo, seus serviços de conteúdo e informações. Este o fenômeno que se denomina convergência digital, no caso entre redes de telefonia fixa e de TV por Assinatura. O direito das prestadoras de SCM à redução da base de cálculo do ICMS Evidenciada a defasagem entre conceitos e regras legislativas formulados nos anos 90 e o corrente patamar tecnológico, cumpre agora verificar o alcance da regra de redução de base de cálculo do ICMS instituída pelo artigo 23 do Anexo II do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, concernente aos serviços de provimento de acesso à internet. O referido dispositivo regulamentar, na esteira do Convênio ICMS 78, de 6 de julho de 2001, introduziu o artigo 23 no Anexo II do RICMS, a seguir parcialmente transcrito: Artigo 23 - (INTERNET - PROVEDOR DE ACESSO) - Fica reduzida a base de cálculo do imposto incidente na prestação onerosa de serviço de comunicação, na modalidade de acesso à Internet, de forma que a carga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento) do valor da prestação (Convênio ICMS-78/01, cláusulas primeira e segunda). § 1º - O benefício previsto neste artigo: 1 - compreende: a) o provimento de acesso, assim entendido a conexão de usuários à internet, realizada por provedor de acesso; b) os serviços prestados diretamente pelo provedor de acesso aos seus assinantes, desde que incluídos no preço cobrado em relação ao serviço referido na alínea anterior; (grifos acrescentados) Atente-se bem. Na dicção do caput do dispositivo regulamentar, percebe-se que o benefício de redução da base de cálculo é concedido à “prestação onerosa de serviço de comunicação, na modalidade de acesso à Internet”. Ora, justamente essa é a atividade realizada pelas prestadoras de SCM, quer as do ramo da telefonia fixa, quer as empresas de TV por Assinatura, em particular as redes de TV a Cabo. A toda evidência, tem-se aqui a uma típica concessão de benefício fiscal ratione materiae: o que o legislador busca contemplar é a natureza da atividade efetivamente realizada – provimento de acesso à internet – e não a denominação ou referencial legal da pessoa jurídica que realiza essa atividade. Este é o sentido e a razão de ser do conteúdo normativo em questão. É bem verdade que na alínea “a” do item 1 define-se o provimento de acesso como “a conexão de usuários à internet, realizada por provedor de acesso”. Todavia, o texto regulamentar não define o que se deva entender por “provedor de acesso”. Poderia muito bem o legislador ter optado por qualificar a expressão, recorrendo à terminologia “oficial” veiculada na Norma 004/95, editada 6 (seis) anos antes da concessão de redução da base de cálculo do imposto! Mas não o fez. Se o tivesse feito, teria optado pela expressão “Provedor de Serviço de Conexão à Internet – PSCI” e qualificado expressamente sua atividade como “Serviço de Conexão à Internet”, descrito na referida norma como “Serviço de Valor Adicionado que possibilita o acesso à Internet a Usuários e Provedores de Serviços de Informações”.29 Preferiu o legislador empregar, tout court, a denominação genérica de “provedor de acesso”. Além de não especificar se sua atividade deveria ser entendida como serviço de valor adicionado, também não se deu ao trabalho de especificar a qual a modalidade de acesso à internet estava se referindo, se por conexão discada em rede de telefonia ou por conexão em banda larga fixa. De salientar, a propósito, que pouco antes da introdução do benefício fiscal na legislação paulista, por meio do Decreto 46.027 de 22/08/2001, o Conselho Diretor da Anatel havia já aprovado o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia pela Resolução 272, de 09/08/2001, onde se lançou, como anteriormente notado, expressa referência à “possibilidade de prestação de serviços multimídia em banda larga pelos operadores de telecomunicações”. 29 Cfr. Norma 004/95, item 3, alíneas “c” e “d”. Ou seja: o provimento de acesso à internet em banda larga era corrente no mercado de telecomunicações à época em que introduzido o benefício fiscal. Se nenhuma referência se fez à modalidade de provimento de acesso à internet – se em banda larga ou “estreita” – ou à natureza do serviço realizado pelo provedor de acesso – se de valor adicionado ou não – é porque o legislador optou conscientemente por deixar em aberto tais conceitos, com isso desautorizando interpretações restritivas de seu conteúdo normativo. De todo injustificáveis, nesse sentido, as distinções e mais distinções efetuadas onde a norma não distingue, em afronta ao conhecidíssimo brocardo (com o perdão do latim “macarrônico” em que formulado) “Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”, isto é, “Onde a lei não distingue, nós não devemos distinguir”.30 Mas admitamos, tão somente para argumentar, que o legislador, sob influxo da legislação produzida à época – em especial da Norma 004/95 e da Lei Geral de Comunicações – tivesse querido referir-se apenas à modalidade de conexão discada à internet, tendo por beneficiário exclusivo o provedor prestador de Serviço de Valor Adicionado. Ainda assim não poderia prevalecer tal entendimento, à luz da interpretação histórico-evolutiva da norma jurídica. Na lição de Paulo de Barros Carvalho, “o critério histórico-evolutivo requer investigações das tendências circunstanciais ou das condições subjetivas e objetivas que cercaram a produção da norma, esmiuçando a evolução do substrato de vontade que o legislador depositou no texto da lei.”31 De fato, na época em que celebrado o Convênio ICMS 78, em 6 de julho de 2001, o quadro tecnológico dominante ainda era o da internet discada. Portanto, pode-se dizer que essas eram as “condições objetivas” que “cercaram a produção da norma”. No entanto, desde 1999 a tecnologia de padrão ADSL vem se disseminando fortemente no país e nenhuma alteração ou acréscimo foram introduzidos no Convênio ICMS 78/01, vigente até hoje na maior parte das unidades federadas do país. 30 Na mesma linha, a situação sob exame igualmente atrai a aplicação do brocardo “Ubi lex voluit, dicit; ubi noluit, tacuit”, isto é, “Onde a lei quer, diz; onde não quer, mantém-se silente”. Assim, se o legislador tivesse a intenção de circunscrever o benefício fiscal apenas ao provimento discado de acesso à internet, tê-lo-ia dito expressamente; como não o fez – vale dizer, manteve-se silente – não tem cabimento a exclusão do provimento de acesso efetuado por meio de banda larga fixa. 31 In “Curso de Direito Tributário”, 6ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1993, p. 74. Isto posto, a questão é: uma vez alteradas as “condições objetivas” do patamar tecnológico existente à época, mas prevalecendo no contexto normativo a natureza genérica tanto da conceituação do “provimento de acesso à internet” como do perfil tecnológico do provedor de acesso, não se deveria considerar o benefício fiscal aplicável ao serviço de conexão de alta velocidade à internet? A resposta é positiva, sem a menor sombra de dúvida, na perspectiva do critério histórico-evolutivo. Em sua clássica obra “Lições Preliminares de Direito”, Miguel Reale traça com inegável maestria os contornos dessa modalidade exegética, surgida no século XIX na França, como reação à metodologia de interpretação lógico-sistemática, da Escola de Exegese. Foi sob inspiração da Escola Histórica do Direito, de Friedrich Karl von Savigny, que a norma jurídica passou a ser considerada como uma realidade histórica firmada na progressão do tempo. Tomemos as próprias palavras do saudoso mestre: “Uma lei nasce obedecendo a certos ditames, a determinadas aspirações da sociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas seu significado não é imutável. Feita a lei, ela não fica, com efeito, adstrita às suas fontes originárias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. É indispensável estudar as fontes inspiradoras da emanação das leis para ver quais as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá-la às situações supervenientes. Não basta, pois, querer descobrir a intenção do legislador através dos trabalhos preparatórios da legislação, que é mera história externa do texto, pois é necessário verificar qual teria sido a intenção do legislador, e a sua conclusão, se no seu tempo houvesse os fenômenos que se encontram hoje diante de nossos olhos. Que teria resolvido o legislador se, no seu tempo, já existissem tais e quais fatos que hoje constituem uma realidade indeclinável de nossa vida social?"32 (grifos acrescentados) Mesmo reconhecendo com Miguel Reale, na mesma citada obra, que “a elasticidade do texto tem um limite, além do qual começa o artifício da interpretação, 32 Op. cit., 24ª edição, 3ª tiragem, 199, Saraiva, São Paulo, p. 284. conferindo aos termos uma significação que, a rigor não lhe corresponde”33, o fato é que o caráter genérico aplicado na norma regulamentar aos conceitos de “provimento de acesso” e de “provedor de acesso”autoriza perfeitamente a aplicação da interpretação histórico-evolutiva ao conteúdo normativo sob exame. Tudo se passa como se o texto legal fosse comparável a um holofote que ilumina determinados fenômenos da realidade social, fazendo incidir sobre eles os efeitos normativos visados pelo legislador; com o passar dos anos, o texto permanece imutável, mas os fenômenos sofrem transformações. Se tais “situações supervenientes”, para usar a expressão de Reale, se conformam com a natureza finalística da produção normativa, então elas devem ser entendidas como subsumidas à incidência dos efeitos normativos do texto legal. É fora de dúvida, destarte, que os prestadores de SCM realizam de fato a conexão de seus usuários à internet, atribuindo-lhes um endereçamento IP e promovendo a transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, que fluem pelos seus roteadores, circuitos e servidores, informações que, como regra, sequer trafegam pelos servidores dos provedores de SVA, consoante já assinalado. Ora, a atribuição de endereços IP aos usuários da rede representa o cerne do perfil operacional dos provedores de acesso à internet, como aliás, definido na própria Norma 004/95, na alínea “a” do item 4.1, como se recorda: 4.1. Para efeito desta Norma, considera-se que o Serviço de Conexão à Internet constitui-se: a. dos equipamentos necessários aos processos de roteamento, armazenamento e encaminhamento de informações, e dos "software" e "hardware" necessários para o provedor implementar os protocolos da Internet e gerenciar e administrar o serviço; Se grande parte dos provedores de SVA, em se tratando da conexão à internet em alta velocidade, não mais implementam este procedimento elementaríssimo, forçoso é concluir que eles, a rigor, não mais funcionam como provedores de acesso à internet, nem merecem ser definidos como tal. Afinal, simplesmente “logar” o assinante a seu próprio servidor constitui atividade periférica perfeitamente realizável pelas empresas de telecomunicações. Isso é muito pouco, quase nada. Pois prover o acesso do usuário à internet é, em essência, designar-lhe um endereço lógico de conexão. 33 Op. cit., p. 285. Se tal atividade, em função da evolução tecnológica no âmbito das telecomunicações, passou a ser operacionalizada por alguns dos prestadores de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, permitindo o acesso dos usuários à internet de alta velocidade, não se negará àqueles a aplicação do benefício de redução de base de cálculo do imposto, até porque o texto normativo veiculador do favor fiscal não estabeleceu qualquer restrição ou distinção a respeito. Absolutamente indiscutível, em conclusão, que o benefício fiscal em comento deva aplicar-se às empresas que se estruturaram em vista do fim específico de proporcionar a seus assinantes a conexão em alta velocidade à rede mundial de computadores, por meio de “prestação onerosa de serviço de comunicação, na modalidade de acesso à Internet”. Antonio Carlos de Moura Campos