à O Shutterstock GEST Segurança para crescer Proteger a propriedade intelectual é realidade não apenas de grandes organizações, mas também de pequenas empresas inovadoras A driane A lice Pereira 38 Locus • Outubro 2008 O que fazer quando se tem uma grande idéia? Ganhar dinheiro com ela seria a resposta da maioria. Para a arquiteta e ex-aeromoça Célia Jaber de Oliveira, o primeiro passo foi proteger a sua criação. Em 1996, ela depositou a patente da Agillisa, uma máquina para alisar roupas usando vapor. Após três anos de absoluto sigilo, a patente foi expedida e a Agillisa tornou-se oficialmente a primeira alisadora de roupas do Brasil. Com a patente expedida, Célia elaborou um projeto, abriu uma empresa e, em 2001, abrigou o negócio no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), em São Paulo. “A patente nos deu a segurança para investir no desenvolvimento do produto”, destaca. No Cietec, Célia desenvolveu o protótipo da Agillisa e depositou outra patente para incorporar as alterações ao projeto original. Registrou também a marca e o desenho industrial, além de depositar uma patente para o magneto – acessório para facilitar o alisamento de roupas sociais. Quando saiu da incubadora, em 2005, a empresa estava com o produto pronto, com local para a produção de pilotos e com seu conhecimento protegido. “O brasileiro é muito criativo, mas precisa entender melhor como proteger as suas criações. Hoje as pessoas têm uma boa idéia, testam o projeto, vendem o produto e perdem tudo para outro que copia”, avalia Célia. Divulgação Menescal de Macedo, de Fortaleza, depositou a patente do Robô SACI – Sistema de Apoio ao Combate de Incidentes, em maio de 2004. Resultado do seu trabalho de conclusão de curso de graduação na Universidade de Fortaleza (Unifor), o Acima, o equipamento desenvolvido pela Agillisa e abaixo o robô SACI: duas inovações protegidas Divulgação Assim como no caso de Célia, a preocupação com a proteção da propriedade intelectual deveria ser uma das prioridades de empresas nascentes, em especial as que possuem desenvolvimento tecnológico. “Um desenvolvimento não protegido poder ser usado por qualquer outra empresa, torna-se domínio público”, explica a presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), Juliana Viegas. “Ao perder a sua idéia, a empresa perde o seu diferencial e a sua competitividade”, reforça. Para evitar esse prejuízo, a orientação é definir, desde o início da empresa, uma política de proteção. “Muitas vezes a propriedade intelectual – a competência e o conhecimento dos empreendedores – é o único ativo de uma pequena empresa, que não pode deixá-lo desprotegido”, afirma o assessor da presidência do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Sérgio Medeiros Paulino de Carvalho. Com essa visão, o pesquisador Roberto Locus • Outubro 2008 39 à Divulgação GEST O SACI foi registrado antes mesmo da apresentação do projeto à banca avaliadora. Poucos meses depois, Macedo criou a Armtec Tecnologia em Robótica, que foi convidada a ser a primeira empresa a ingressar na incubadora da Unifor. Juliana, da ABPI: proteção de conhecimento envolve aprendizado gradual Curvas de aprendizado Desde o primeiro depósito de patente até hoje, a Armtec já registrou no INPI cinco produtos. Nos próximos quatro anos, a previsão da empresa é alcançar 19 pedidos de patente, registros de modelos de utilidade, software ou marcas. “Não existe um único produto da Armtec que não esteja protegido”, afirma Macedo. Com alto desenvolvimento tecnológico, a Armtec criou uma estrutura de propriedade intelectual que a mantém protegida. “Todos os funcionários, pes- Saiba mais A Propriedade Intelectual se divide em duas categorias: 1) Direito Autoral – se refere a obras literárias e artístiscas. A proteção nasce com a obra e o registro é opcional. 2) Propriedade Industrial – serve para patentes, marcas, desenho industrial, indicações geográficas e transferência de tecnologia. Nesses casos, a proteção só existe após o registro ser validado pelo órgão competente. Para softwares é diferente O software é obra intelectual. Por esse motivo, o direito sobre o software deve ser equiparado ao direito autoral. “Portanto, mesmo sem registro, um software é um bem tutelado desde o momento de sua codificação”, explica o advogado especialista em direito da informática, Alexandre Pesserl. Mesmo condicional, o registro de software tem duas finalidades. “A primeira é a emissão de um certificado de titularidade daquelas porções específicas de códigos-fonte. Isso é muito útil, especialmente se houver uma situação de conflito potencial, como uma discussão contratual entre cliente e fornecedor, ou durante uma prospecção por investidores. A segunda finalidade, não menos importante, é a proteção ao nome do software. O registro deve ser feito junto ao INPI”, explica Pesserl. 40 Locus • Outubro 2008 quisadores, bolsistas, consultores e fornecedores assinam termo de confidencialidade”, explica Macedo. A presidente da ABPI, Juliana Viegas, lembra que as empresas passam por curvas de aprendizado no processo de proteção do conhecimento. “No início da organização, proteção é considerada um custo nãoessencial. No segundo movimento, passa a ser um ativo intelectual importante. Por último a empresa passa a receber recursos desse conjunto de ativos”, explica. De acordo com Juliana, grande parte das pequenas empresas brasileiras estaciona na primeira “curva”. “A maioria dos empresários ainda não conseguem aferir as vantagens de proteger seus ativos imateriais”, diz. Mas, segundo ela, o custo do processo não pode ser usado como desculpa, já que é um importante investimento. As microempresas possuem, por exemplo, redução de algumas taxas na tabela de preços do INPI. A taxa de depósito de um pedido de patente é de R$ 140,00, mas cai para R$ 55,00 no caso de microempresas. O pedido de exame de invenção com até 10 reivindicações custa R$ 400,00, mas sai por R$ 160,00 para MPEs. “Em um mercado que exige cada vez mais contingências, as empresas estão usando a inovação para competir e as pequenas não são exceção”, afirma o assessor do INPI. Muitos dos ativos de uma pequena empresa não são patenteáveis ou passíveis de registro, mas podem ser mantidos como segredos empresariais, sem custos. “A empresa pode proteger seu conhecimento de forma interna. Para isso basta tomar atitudes simples como proteção de documentos e contratos de confidencialidade”, explica Juliana. No ambiente de incubadoras essa preocupação é importante também em caso de visitas às empresas. Por serem ambientes voltados ao empreendedorismo inovador, as incubadoras são muito visadas pela concentração de novas idéias – se não estiverem bem protegidas, essas idéias podem ser colocadas em prática por visitantes. É controlando o acesso a sua tecnologia que a Pam Membranas Seletivas, empresa da Incubadora da Coppe/UFRJ, protege seus ativos intelectuais. A Pam não exige contratos de sigilo, mas não abre para funcionários e parceiros a totalidade das fórmulas e procedimentos que originam as membranas de microfiltração, principal inovação desenvolvida pela empresa. A diretoria realizou diversas discussões para avaliar também a necessidade de registro de patente, o que não se mostrou adequado para a Pam Membranas. “Para chegar ao nosso produto há uma série de variações. Ao registrar esse processo em uma patente estamos expondo o nosso conhecimento e outras pessoas podem mudar apenas uma das variáveis e registrar como um novo produto”, explica o diretor da empresa, Ronaldo Nóbrega. “Por enquanto estamos mais protegidos sem a patente”, conclui. As discussões sobre a necessidade de patentear ou não o produto foram encaminhadas junto à incubadora. “A coordenação da incubadora fica à disposição das empresas para orientar sobre propriedade intelectual”, diz a gerente da Incubadora da Coppe/UFRJ, Regina Fátima Faria. Atualmente as empresas incubadas na Coppe já depositaram cerca de 20 patentes. O tema é discutido com os empreendedores desde o início do processo de incubação. “Ainda no processo seletivo, na capacitação oferecida aos candidatos, um dos cursos ministrados é sobre propriedade intelectual. Nossa preocupação é internalizar os conceitos nas empresas para que elas saibam como usar”, completa Regina. No caso da Pam Membranas, a incubadora auxiliou também no contrato de transferência de tecnologia que a empresa assinou com a UFRJ, já que o desenvolvimento do produto iniciou na universidade. As incubadoras assumem um papel decisivo para disseminar a importância da propriedade intelectual e para auxiliar as empresas nesse processo. “O apoio da incubadora encurta o caminho. Com a orientação que recebemos ficamos mais seguros para escolher a melhor opção. Sem o auxílio da incubadora demos algumas cabeçadas”, conta Célia, inventora da Agillisa. Divulgação Sem patente Paulino, do INPI: conhecimento é ativo que não pode ficar desprotegido Auxílio estratégico Para a Versis, incubada da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnonologia de Campinas (SP), o apoio da incubadora foi fundamental para o depósito da primeira patente da empresa, em 2007, e do primeiro pedido internacional, nos Estados Unidos, feito neste ano. A empresa pleiteia o registro do Smart, um sistema para testes de circuitos eletrônicos. A incubadora ofereceu apoio financeiro para o pagamento da consultoria e do processo de depósito da patente. “Para Conhecimento protegido Pedidos de Patentes e Desenhos Industriais 1997 20.388 1998 21.593 23.947 1999 24.192 2000 2001 23.707 2002 24.098 24.872 2003 22.359 2004 21.187 2005* 21.314 2006 24.107 2007 Patentes Concedidas e Desenhos Industriais 3.156 5.925 8.185 9.259 7.576 8.864 10.179 7.047 2.833** 2.785 1.855 *A partir de 2005 os pedidos de Desenho Industrial passaram a ser considerados para efeitos de estatística pela Diretoria de Transferência de Tecnologia. De janeiro a dezembro de 2005 foram solicitados ao INPI 5.142 registros de Desenho Industrial. **De janeiro a dezembro de 2005 foram registrados 4.886 Desenhos Industriais. Fonte: INPI Locus • Outubro 2008 41 à O uma empresa pequena como a nossa, mas com grande custo de desenvolvimento, sem o apoio da incubadora levaríamos muito mais tempo para registrarmos nosso produto”, afirma o diretor-presidente da empresa Gilberto Possa. Para as empresas que não contam com o apoio de incubadora, se informar e procurar um escritório de consultoria de confiança e com experiência na área de propriedade intelectual é o primeiro passo. “Se você teve a idéia, teste o produto. Se ele for passível de industrialização procure um escritório e busque orientação. Não deixe de procurar livros sobre a legislação da propriedade intelectual. Tudo para não perder uma boa idéia”, ensina a empreendedora Célia de Oliveira. Divulgação GEST Millan, da UFMG: coordenadoria da universidade apóia pesquisadores e empreendedores no processo de proteção intelectual Universidades na liderança A instituição responsável pelo maior número de depósitos de patentes no Brasil é uma universidade: a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de acordo com levantamento do INPI realizado entre 1999 e 2003. Desde 1984, foram 579 famílias de patentes depositadas pela universidade, 70 delas concedidas. “A Unicamp é a universidade com maior nível de produtividade científica no Brasil, responsável por 15% de toda a produção científica do país”, diz Marcelo Menossi, diretor de Propriedade Intelectual da Unicamp. Por ano são depositadas em média 50 patentes pela universidade. A Unicamp desenvolve uma política de inovação desde 1984, quando foi constituída a CPPI – Comissão Permanente de Propriedade Industrial. Em 2003 criou a Agência de Inovação (Inova). “A partir da criação da Inova tornou-se possível a avaliação das tecnologias da universidade sob o ponto de vista técnico e comercial. Todas as tecnologias passaram a ser submetidas a um rigoroso processo de exame interno”, relata Menossi. Aproximadamente 80% das invenções comunicadas para a Inova são aprovadas após o exame interno. Antes da Inova Unicamp, os pedidos de patentes redigidos pelos próprios pesquisadores eram submetidos somente a uma verificação de formatação do texto (margens, figuras etc.). Em outros casos, quando o pesquisador apresentava apenas a descrição da tecnologia, sem um documento formal de pedido de patente, o documento era enviado a escritórios terceirizados para avaliação e redação das tecnologias. Segunda na lista das instituições de ensino que mais depositam patentes, décima no ranking geral dos depositantes brasileiros e primeira universidade no número de patentes internacionais, a Universidade Federal de Minas Geras (UFMG) conta com uma estrutura multidisciplinar para fomentar a sua propriedade intelectual. Com 260 patentes depositadas no Brasil e 15 no exterior, o destaque da UFMG é a área de biotecnologia, que concentra 51% dos depósitos. O desempenho da universidade é subsidiado pelo trabalho da Coordenadoria de Inovação e Transferência Tecnológica (CT&IT ), que envolve cinco grandes áreas: redação e acompanhamento dos processos de patentes, avaliação das tecnologias, apoio jurídico, depósitos internacionais e incubadora de empresas. “A coordenadoria dá o apoio completo ao processo de inovação, da proteção ao licenciamento e até a incubação”, diz o diretor da CT&IT, Rubén Dario Sinisterra Millan. Atualmente três contratos de transferência de tecnologia estão sendo negociados entre a UFMG e empresas incubadas. 42 Locus • Outubro 2008