/ Imagem.- Reginaldo Frazão tóo Paulo-SP Cr edAAÀXictcrX/, ^VOI^tCr ú> 6v\^A£^vt<XAy CÍe*^tí^ÚX<> d o a s b^Uòs ^UXzix^UyeA/ A l I tzi^sUvuZ' Í4^e&t^iAjíLcr & pedagogia de Dom Bosco em seus escritos CzijA^vOày. da- {Sociedade* t e4^C€A/Lú> II HM H M C | A \ | A de- cSko- fitz*iciòC0'de>çS&b&' / .4TJ<* K W | SIAN A A PEDAGOGIA DE DOU BOSCO em seus escritos EDITORA SALESIANA Sumário O sonho dos 9 anos 5 O Sistema Preventivo na educação dos jovens 8 Carta de Dom Bosco sobre o estado do Oratório (Carta de Roma) ..14 Circular sobre os castigos 23 O SONHO DOS 9 ANOS 1 Nessa idade tive u m s o n h o , 2 que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, n u m a área bastante espaçosa, onde u m a m u l t i d ã o de meninos estava a brincar. A l g u n s r i a m , outros divertiamse, não poucos blasfemavam. A o ouvir as blasfémias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, c o m socos e palavras, fazê-los calar. Nesse m o m e n t o apareceu u m h o m e m venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. U m manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto, p o r é m , era tão l u m i n o s o que eu não conseguia fitá-lo. C h a m o u - m e pelo n o m e e m a n d o u que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: - N ã o é c o m pancadas, mas c o m a m a n s i d ã o e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude. C o n f u s o e assustado, repliquei que eu era u m m e n i n o pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. S e n ã o quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar. Quase sem saber o que dizer, acrescentei: - Q u e m sois vós que me ordenais coisas impossíveis? - Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis c o m a obediência e a a q u i s i ç ã o da ciência. li- - O n d e , c o m que meios poderei adquirir a ciência? . 0 ; - E u te darei a mestra, sob cuja orientação p o d e r á s tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte e m estultice. 1 Cf. M e m o r i a i 2 Escreve L e m o y n e ( M B I, p. 254-256): " A palavra sonho e D o m Bosco s ã o correlativos. É deveras admirável a repetição do Oratório de São Francisco de Sales. S ã o Paulo, Salesiana, 1982, p. 18-21. desse f e n ó m e n o durante setenta anos (...). A bondade do Senhor serviu-se dos sonhos no A n t i g o e no N o v o Testamento, bem /T Felicitações dirigidas por u m a l u n o do O r a t ó r i o ao seu q u e r i d o e a m a d o p a i D o m Bosco. c o m o na v i d a de muitos santos, para confortar, aconselhar c mandar; através deles fez ouvir sua voz profética, ora de ameaça, ora de esperança, ora de premio para os i n d i v í d u o s ou para as nações (...). A vida de D o m Bosco é u m a trama de sonhos tão maravilhosos, que n ã o se compreende sem a assistência d i v i n a direta. Fica, pois, de todo em todo excluída a ideia de que houvesse sido u m estulto, u m i l u d i d o , u m enganador o u u m vaidoso. O s que viveram a seu lado durante trinta, quarenta anos, jamais viram nele o menor sinal de querer conquistar o apreço dos seus, fazendo-se passar por u m privilegiado c o m dotes sobrenaturais. D o m Bosco era h u m i l d e , e a h u m i l d a d e aborrece a mentira". 5 - M a s q u e m sois vós que assim falais? E u era do parecer de m i n h a avó, todavia não pude n u n c a tirar aquele sonho da - S o u o filho daquela que tua m ã e te ensinou a saudar três vezes ao dia. m i n h a cabeça. O que v o u doravante expor dará a isso alguma explicação. M a n t i - - M i n h a m ã e d i z que sem sua licença n ã o devo estar c o m gente que n ã o co- ve-me sempre calado; meus parentes n ã o lhe deram i m p o r t â n c i a . M a s quando, nheço; dizei-me, pois, vosso nome. e m 1858, fui a R o m a para falar c o m o Papa sobre a C o n g r e g a ç ã o Salesiana, ele me fez contar pormenorizadamente tudo quanto tivesse ainda que só a aparência - Pergunta-o a m i n h a m ã e . de sobrenatural. C o n t e i então pela p r i m e i r a vez o sonho que tive na idade de 9 a Nesse m o m e n t o v i a seu lado u m a senhora de aspecto majestoso, vestida de 10 anos. O Papa m a n d o u - m e escrevê-lo literalmente e c o m pormenores, e deixá- u m manto todo resplandecente, como se cada u m a de suas partes fosse fulgidíssima lo c o m o estímulo aos filhos da C o n g r e g a ç ã o , a qual era precisamente o objetivo estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso e m minhas perguntas e respostas, de m i n h a viagem a R o m a . acenou para que me aproximasse e, tomando-me c o m bondade pela m ã o , disse: - Olha. V i e n t ã o que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava u m a m u l t i d ã o de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. - Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-te h u m i l d e , forte, robusto; e o que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos. T o r n e i e n t ã o a olhar, e em vez de a n i m a i s ferozes apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele h o m e m e daquela senhora, c o m o a fazer-lhes festa. Nesse p o n t o , sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque n ã o sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a m ã o em m i n h a cabeça, dizendo: - A seu tempo tudo c o m p r e e n d e r á s . A p ó s essas palavras, u m ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu. Fiquei transtornado. Parecia-me ter as m ã o s doloridas pelos socos que desferia e doer-me o rosto pelos tapas recebidos; além disso, aquele personagem, a senhora, as coisas ditas e ouvidas de tal m o d o me encheram a c a b e ç a que naquela noite não pude mais conciliar o sono. D e m a n h ã z i n h a contei logo o sonho, p r i m e i r o aos meus irmãos, que se puseram a rir, depois à m a m ã e e à vovó. C a d a u m d a r ã o seu palpite. O i r m ã o J o s é dizia: "Vais ser pastor de cabras, de ovelhas e de outros animais". M a m ã e : " Q u e m sabe se u m dia n ã o serás sacerdote". A n t ô n i o secamente: "Chefe de bandidos, isto s i m " . M a s a avó que, de todo analfabeta, entendia m u i t o de teologia, deu a sentença definitiva: " N ã o se deve fazer caso dos sonhos". O SISTEMA PREVENTIVO NA EDUCAÇÃO DOS JOVENS O sistema a p ó i a - s e todo inteiro na razão, na religião e na bondade. E x c l u i , por 3 isso, todo o castigo violento, e procura evitar até as p u n i ç õ e s leves. Parece preferível pelas seguintes razões: 1. O aluno, previamente avisado, não fica abatido pelas faltas cometidas, c o m o sucede quando s ã o levadas ao c o n h e c i m e n t o do superior. N ã o se irrita pela F u i instado várias vezes a expressar, verbalmente o u por escrito, o m e u pensamento sobre o chamado Sistema Preventivo, que se costuma praticar e m nossas casas. Por falta de tempo, n ã o pude ainda satisfazer esse desejo. Querendo agora i m p r i m i r o Regulamento, que até hoje tem sido usado sempre tradicionalmente entre n ó s , julgo o p o r t u n o expor aqui u m rápido e s b o ç o . Isso será c o m o o índice de u m o p ú s c u l o que estou elaborando, se Deus me der v i d a para levá-lo a termo. M o v e - m e a isso apenas a vontade de colaborar na difícil arte da e d u c a ç ã o juvenil. D i r e i , portanto, e m que consiste o Sistema Preventivo, e por que se deve preferir; sua aplicação prática e vantagens. correção feita n e m pelo castigo a m e a ç a d o , o u mesmo infligido, pois a p u n i ç ã o c o n t é m em si u m aviso amigável e preventivo que o leva a refletir e, as mais das ve2es, consegue granjear-lhe o coração. A s s i m o aluno reconhece a necessidade d o castigo e quase o deseja, 2. A razão mais essencial é a volubilidade do m e n i n o , que n u m instante esquece as regras disciplinares e o castigo que a m e a ç a m . Por isso é que, a m i ú d e , se torna u m m e n i n o culpado e merecedor de u m a pena em que nunca pensou, e de que absolutamente n ã o se lembrava no m o m e n t o da falta cometida, e que teria por certo evitado, se u m a voz amiga o tivesse advertido. 3. O Sistema Repressivo pode i m p e d i r u m a d e s o r d e m , mas d i f i c i l m e n t e me- 1. Em que consiste o Sistema Preventivo e por que se deve preferir l h o r a r á os c u l p a d o s . D i z a e x p e r i ê n c i a que os jovens n ã o esquecem os castigos recebidos, e geralmente c o n s e r v a m ressentimento a c o m p a n h a d o do São dois os sistemas até hoje usados na educação da juventude: o Preventivo e desejo de sacudir o j u g o e até de tirar v i n g a n ç a . P o d e m , às vezes, parecer o Repressivo. O Sistema Repressivo consiste em fazer que os s ú b d i t o s c o n h e ç a m indiferentes; mas q u e m lhes segue os passos sabe q u ã o terríveis s ã o as r e m i - a lei, e depois vigiar para saber os seus transgressores e infligir-lhes, quando neces- n i s c ê n c i a s da j u v e n t u d e . E s q u e c e m f a c i l m e n t e os castigos que recebem dos sário, o merecido castigo. Nesse sistema, as palavras e o semblante do superior pais; m u i t o d i f i c i l m e n t e , p o r é m , os dos educadores. H á casos de alguns devem constantemente ser severos e até a m e a ç a d o r e s , e ele p r ó p r i o deve evitar que n a v e l h i c e se v i n g a r a m c o m b r u t a l i d a d e de castigos justos que recebe- toda a familiaridade c o m os dependentes. O diretor, para dar mais prestígio à sua ram nos anos de sua e d u c a ç ã o . O Sistema P r e v e n t i v o , pelo c o n t r á r i o , gran- autoridade, raro deverá achar-se entre os dependentes e quase unicamente quan- jeia a a m i z a d e d o m e n i n o , que v ê n o assistente u m benfeitor que o adverte, do se trata de a m e a ç a r o u punir. Esse sistema é fácil, menos trabalhoso. Serve especialmente para soldados e, em geral, para pessoas adultas e sensatas, que devem, por si mesmas, estar e m condições de saber e lembrar o que é conforme às leis e outras prescrições. quer fazê-lo b o m , livrá-lo de dissabores, castigos e desonra. 4 . O Sistema Preventivo p r e d i s p õ e c persuade de tal maneira o aluno, que o educador p o d e r á e m qualquer lance falar-lhe c o m a linguagem do coração, quer n o tempo da e d u c a ç ã o , quer ao depois. C o n q u i s t a d o o â n i m o do discípu- Diferente e, eu diria, oposto é o Sistema Preventivo. Consiste e m tornar co- lo, p o d e r á o educador exercer sobre ele grande influência, avisá-lo, aconselhá- nhecidas as prescrições e as regras de u m a instituição, e depois vigiar de m o d o que lo, e t a m b é m corrigi-lo, mesmo quando j á colocado em qualquer trabalho o u os alunos estejam sempre sob os olhares atentos do diretor o u dos assistentes. emprego p ú b l i c o , o u no c o m é r c i o . Por essas e muitas outras razões, parece que Estes, c o m o pais carinhosos, falem, sirvam de guia e m todas as circunstâncias, o Sistema Preventivo deve preferir-se ao Repressivo. d ê e m conselhos e corrijam c o m bondade. Consiste, pois, em colocar os alunos na impossibilidade de cometerem faltas. 2. Aplicação do Sistema Preventivo 3 R e g o l a m e n t o p e r ie case delia Socíetà di S a n F r a n c e s c o 99-109. (Transcrito de Constituições e Regulamentos di Sales. d a Sociedade 8 T o r i n o , Tipografia Salesiana, 1877, p. 3-13; O E X X X I X , de São Francisco de Sales. 2 a edição [2003], p. 266-274.) A prática desse sistema baseia-se toda nas palavras de S ã o Paulo: b e n i g n a est, p a t i e n s est; o m n i a suffert, o m n i a sperat, "Charitas o m n i a s u s t i n e t " (A caridade é benigna e paciente; tudo sofre, mas espera tudo e suporta qualquer i n c o m o d o ) . Por isso, somente o cristão pode aplicar c o m êxito o Sistema Preventivo. R a z ã o e Religião s ã o os instrumentos de que o educador deve servir-se; deve inculcá-los, praticá-los ele mesmo, se quiser ser obedecido e alcançar os resultados que deseja. 1. Deve, pois, o diretor consagrar-se totalmente aos seus educandos: jamais assuma compromissos que o afastem das suas funções, Pelo contrário, p e r m a n e ç a sempre c o m seus alunos, todas as vezes que n ã o estiverem regularmente ocupados, salvo estejam por outros devidamente assistidos. 2. A moralidade dos professores, mestres de oficina, assistentes, deve ser n o t ó r i a . Esforcem-se eles por evitar, c o m o epidemia, toda a sorte de afeições o u amizades sensíveis c o m os alunos, e lembrem-se de que o descaminho de u m só pode c o m p r o m e t e r u m instituto educativo. Veja-se que os alunos não f i q u e m jamais sozinhos. Porquanto possível, os assistentes sejam os primeiros e m achar-se no lugar onde os alunos devem reunir-se; entretenham-se c o m eles enquanto n ã o vier u m substituto; nunca os deixem desocupados. 6. Todas as noites, a p ó s as orações de costume e antes que os alunos se recolham, o diretor, o u q u e m por ele, dirija e m p ú b l i c o algumas afetuosas palavras, dando a l g u m aviso o u conselho sobre o que c o n v é m fazer o u evitar. Tire-se a lição moral de acontecimentos do d i a , sucedidos em casa o u fora; mas a sua alocução não deve passar de dois o u três minutos. Essa é a chave da moralidade, do b o m andamento e do b o m êxito da educação. 7. Afaste-se como a peste a opinião dos que pretendem diferir a primeira c o m u n h ã o para uma idade demasiado adiantada, quando em geral o d e m ó n i o já se apossou do c o r a ç ã o dos meninos, c o m incalculável dano da sua inocência. C o n f o r m e a disciplina da Igreja primitiva, costumava dar-se às crianças as hóstias consagradas que sobravam da c o m u n h ã o pascal. Isso demonstra quanto preza a Igreja sejam os meninos admitidos mais cedo à santa c o m u n h ã o . Q u a n d o u m a criança pode distinguir entre Pão e p ã o , e revela instrução suficiente, já não se olhe para a idade, e venha o Soberano Celeste reinar nessa alma a b e n ç o a d a . 8. O s catecismos recomendam a c o m u n h ã o frequente: São Filipe Néri aconselhava-a 3. D ê - s e a m p l a liberdade de correr, pular e gritar, à vontade. O s exercícios cada oito dias e ainda mais amiúde. O Concílio Tridentino diz claro que deseja g i n á s t i c o s e desportivos, a m ú s i c a , a d e c l a m a ç ã o , o teatro, os passeios, s ã o sumamente que todos os fiéis, quando ouvem a santa Missa, façam t a m b é m a meios eficacíssimos para se a l c a n ç a r a d i s c i p l i n a , favorecer a m o r a l i d a d e e c o m u n h ã o . Porém seja a c o m u n h ã o não só espiritual, mas ainda sacramental, a fim conservar a s a ú d e . M a s haja c u i d a d o e m que a m a t é r i a das diversões, as pes- de que se tire maior fruto desse augusto e divino sacrifício {Concílio soas que t o m a m parte, as falas, n ã o sejam r e p r e e n s í v e i s . " F a z e i q u a n t o Sess. X X I I , capítulo V I ) . Tridentino, quiserdes", dizia o grande amigo da j u v e n t u d e , S ã o F i l i p e N é r i , "a m i m me basta n ã o cometais pecados". 4 . A c o n f i s s ã o frequente, a c o m u n h ã o frequente e a missa c o t i d i a n a s ã o as c o l u - 3. Utilidade do Sistema Preventivo nas que devem sustentar u m edifício educativo, do qual se queira e l i m i n a r a Dir-se-á que esse sistema é difícil na prática. Observo que da parte dos alunos a m e a ç a e a vara. N u n c a se o b r i g u e m os jovens a frequentar os santos sacra- torna-se bastante mais fácil, agradável e vantajoso. Para o educador, encerra alguma mentos: basta e n c o r a j á - l o s e dar-lhes c o m o d i d a d e de se aproveitarem deles. dificuldade que, p o r é m , d i m i n u i r á se ele se entregar c o m zelo à sua missão. () Nos exercícios espirituais, t r í d u o s , novenas, p r e g a ç õ e s , catecismos, ponha-se educador é u m indivíduo consagrado ao bem de seus alunos: por isso, deve estar em relevo a beleza, a s u b l i m i d a d e , a santidade da R e l i g i ã o , que oferece meios pronto a enfrentar qualquer i n c ó m o d o e canseira, para conseguir o fim que tem em tão fáceis, tão úteis à sociedade c i v i l , à paz do c o r a ç ã o , à s a l v a ç ã o da alma, vista: a formação cívica, moral e científica dos seus alunos. c o m o s ã o precisamente os santos sacramentos. Dessa maneira, estimulam-se os m e n i n o s a querer, espontaneamente, essas práticas de piedade; h a v e r ã o de cumpri-las de boa vontade, c o m prazer e fruto. 5. Use-se a m á x i m a vigilância para i m p e d i r que entrem no instituto c o m p a n h e i ros, livros o u pessoas que tenham m á s conversas. A escolha de u m b o m porteiro é u m tesouro para u m a casa de e d u c a ç ã o . 10 A l é m das vantagens acima expostas, acrescenta-se ainda o seguinte: 1. O a l u n o c o n s e r v a r á sempre grande respeito para c o m o e d u c a d o r e lembrará c o m gosto a e d u c a ç ã o recebida e c o n s i d e r a r á a i n d a os seus mestres e demais superiores c o m o pais e i r m ã o s . Esses a l u n o s , nos lugares para onde f o r e m , s e r ã o , as mais das vezes, o c o n s o l o da f a m í l i a , c i d a d ã o s prestimosos e bons c r i s t ã o s . 1 1 2. Qualquer que seja o caráter, a índole, o estado m o r a l d o aluno ao ser a d m i t i d o , p o d e m os pais viver seguros de que seu fdho n ã o vai piorar, e considera-se c o m o certo que se alcançará sempre alguma m e l h o r a . Antes, meninos houve que depois de terem sido por m u i t o tempo o flagelo dos pais, e, até, rejeitados pelas casas de c o r r e ç ã o , educados segundo esses p r i n c í p i o s , m u d a r a m de í n d o le e caráter, deram-se a u m a v i d a morigerada, e presentemente o c u p a m p o s i ç ã o distinta na sociedade, tornando-se, desse m o d o , o amparo da família e h o n r a Se em nossas casas se puser ern prática este sistema, creio poderemos alcançar grande resultado, sern recorrermos a pancadarias, n e m a outros castigos violentos. H á quarenta anos, m á s o u menos, que trato c o m a juventude, n ã o me lembra ter usado castigo de espécie alguma. C o m o auxílio de Deus, não só obtive sempre o qiue era de dever, mas ainda o que eu simplesmente desejava, e isso daqueles mesmos meninos dos quais se havia perdido a esperança de b o m resultado. do lugar em que m o r a m . O s alunos que p o r acaso entrassem n u m instituto c o m maus h á b i t o s , n ã o p o d e m prejudicar os seus companheiros. N e m os meninos bons p o d e r ã o ser por eles contaminados, porque não haveria tempo, n e m lugar, n e m o c a s i ã o , pois o assistente, que supomos presente, logo lhes acudiria. 4. Uma palavra sobre os castigos Que n o r m a seguir para dar castigos? Por quanto possível, jamais se faça uso de castigos. Q u a n d o , p o r é m , a necessidade o exige, observe-se quanto segue: 1. O educador entre os alunos procure fazer-se amar, se quer fazer-se respeitar. Nesse caso, a s u b t r a ç ã o da benevolência é u m castigo que desperta e m u l a ç ã o , infunde coragem sem deprimir. 2. Entre os meninos é castigo o que se faz passar por castigo. Observou-se que u m olhar n ã o a m á v e l p r o d u z para alguns maior efeito que u m a bofetada. O elogio quando u m a ação é bem-feita, a repreensão quando h á desleixo, é já u m prém i o o u castigo. 3. Salvo raríssimos casos, as correções, os castigos, n u n c a se d ê e m e m p ú b l i c o , mas e m particular, longe dos companheiros, e empregue-se a m á x i m a p r u d ê n cia e p a c i ê n c i a para que o aluno compreenda a sua falta à luz da razão e da religião. 4. Bater, de qualquer m o d o que seja, p ô r de joelhos e m p o s i ç ã o dolorosa, puxar orelhas e outros castigos semelhantes, devem-se absolutamente banir, porque são proibidos pelas leis civis, irritam sobremaneira os jovens e desmoralizam o educador. 5. Torne o diretor bem conhecidas as regras, os p r é m i o s e os castigos sancionados pelas leis disciplinares, a f i m de que o aluno não possa desculpar-se dizendo: " E u não sabia que isso era mandado o u proibido". 12 13 CARTA DE DOM BOSCO SOBRE O ESTADO DO ORATÓRIO (Carta de Roma) 4 uui.i i c n . i IIKI.I dc vida, movimento, alegria. Quem l o r r i a , quem pulava, quem la/.ia pular. A q u i brincava-se de rã, de bana, ou c o m bola. N u m lugar unia roda de jovens pendia dos lábios de u m padre, que lhes contava uma história. N o u t r o , um clérigo no meio de outros meninos brincava de b u r r o v o a e de Jerônimo. (Ian tava-se, ria-se por todos os cantos e em toda parte encontravam-se padres e cléri M e u s caríssimos filhos e m Jesus C r i s t o , Perto o u longe, eu penso sempre em vós. M e u ú n i c o desejo é ver-vos felizes no gos, e ao redor deles jovens brincando e gritando alegremente. Via-se que entre jovens e superiores reinava a maior cordialidade e confiança. E u estava encantado com tempo e na eternidade. Esse pensamento e esse desejo é que me levaram a escrever-vos esta carta. Sinto, meus caros, o peso do afastamento, e o fato de n ã o vos ver n e m ouvir me aflige c o m o n ã o podeis imaginar. Desejaria por isso escrevervos estas linhas há u m a semana, mas as contínuas o c u p a ç õ e s me i m p e d i r a m . T o davia, embora faltem poucos dias para m i n h a volta, quero antecipar m i n h a chegada ao menos por carta, já que n ã o posso fazê-lo pessoalmente. S ã o palavras de q u e m - Veja, a familiaridade gera o afeto e o afeto p t o d u z confiança. Isso é que abre os corações, e os jovens manifestam tudo sem temor aos mestres, assistentes c superiores, Tornam-se sinceros na confissão e fora da confissão e se prestam docilmente a tudo o que porventura lhes mandar aquele de q u e m t ê m certeza de serem amados. Nesse instante aproximou-se de m i m o outro ex-aluno, de barba toda branca, vos ama carinhosamente e m Jesus C r i s t o e tem o b r i g a ç ã o de falar-vos c o m a liberdade de u m pai. Haveis de permiti-lo, não é verdade? E me prestareis atenção e me disse: e poreis em prática o que v o u dizer-vos. A f i r m e i que sois o único e c o n t í n u o pensamento dc m i n h a mente. O r a , n u m a - D o m Bosco, quer conhecer e ver agora os jovens que atualmente estão no O r a t ó r i o ? — era J o s é Buzzetti. das noites passadas, havia-me recolhido ao quarto, e, enquanto me dispunha a re- - S i m , respondi, porque há já u m m ê s que n ã o os vejo! pousar, tinha c o m e ç a d o a rezar as orações que m i n h a boa m ã e me ensinou. Nesse momento, não sei bem se d o m i n a d o pelo sono o u fora de m i m por uma distração, pareceu-me ver dois dos antigos jovens do O r a t ó r i o virem ao m e u encontro. Um deles aproximou-se e saudando-me afetuosamente me disse: vi o Oratório e todos vós no recreio. Mas já não ouvia gritos de alegria e cantos, não via o movimento e a vida da cena anterior. Nos modos e nos rostos de muitos jovens lia-se enfado, cansaço, m a u h u m o r , desconfiança que me fazia sofrer o coração. V i , é verdade, muitos a correr, b r i n car, agitar-se, c o m feliz d e s p r e o c u p a ç ã o , mas muitos outros estavam sós, encosta- — Sc te c o n h e ç o — respondi. dos às colunas, dominados por pensamentos desalentadores; encontravam-se outros — D e ti e de todos os outros. É s Valfrè e estavas no O r a t ó r i o antes de 1870. — D i g a — c o n t i n u o u Valfrè —, quer ver os jovens que estavam no O r a t ó r i o no tempo? — S i m , mostra-me - respondi - , isso vai dar-nne grande prazer. E n t ã o Valfrè mostrou-me todos os jovens com o mesmo semblante, estatura e idade daquele tempo. Parecia-me estar n o antigo O r a t ó r i o n a h o r a d o recreio. E r a 1 E apontou-os para mim: — D o m Bosco, não me conhece? — E lembra-se ainda de m i m ? - acrescentou o h o m e m . meu o espetáculo. Valfrè me disse então: A t t i dei Capitolo e Regulanvnios Superiore delta P i a Società Salesiana d a S o c i e d a d e de São Francisco de Sales. 1 (192(1) n. 1,24 de i u n l i o , p. 40-48. (Transcrito die Constituições S ã o Paulo, 2'' ídiçSo [ 2 0 l l 3 ] , p . 275-2S7.) 14 pelas escadas e nos corredores o u na sacada perto do j a r d i m para evitar o recreio c o m u m ; outros passeavam lentamente em grupos falando e m voz baixa, lançando ao derredor olhares desconfiados e maliciosos. Sorriam de vez em quando, mas c o m u m sorriso acompanhado de olhares que faziam suspeitar e até mesmo acreditar que S ã o L u í s haveria de corar se andasse e m tal c o m p a n h i a ; mesmo entre os que brincavam alguns havia tão enfarados, que mostravam claramente não achar n e n h u m gosto nos divertimentos. - Viu seus jovens? - perguntou-me o ex-aluno. - Vejo-os - respondi suspirando. - C o m o são diferentes do que é r a m o s nós e m nosso tempo! - exclamou o exaluno. 15 - É pena! Quanta falta de vontade nesse recreio! - Observe os jovens n o r e c r e o , - D e aí é que v e m a frieza de tantos meninos na frequência dos santos Sacra- O b s e r v e i e respondi: mentos, o desleixo das práticas de piedade na igreja e fora; o estar de m á vontade n u m lugar onde a D i v i n a Providência os c u m u l a de todo b e m para o corpo, para a alma, para a inteligência. D e aí não corresponderem muitos à sua v o c a ç ã o ; de aí a i n g r a t i d ã o para c o m os superiores; de aí os segredinhos e as m u r m u r a ç õ e s , c o m todas as demais deploráveis c o n s e q u ê n c i a s . - C o m p r e e n d o , entendo - respondi. - M a s c o m o reanimar estes meus caros jovens, para que retomem a antiga vivacidade, alegria, e x p a n s ã o ? - C o m o amor! - E que h á de especial para ver? - H á j á tantos anos que v i v e a educar os jovens e n ã o entende? O l h e melhor! O n d e estão os nossos salesianos? O b s e r v e i e vi que bem poucos padres e clérigos se misturavam c o m os jovens e b e m m e ã o s ainda eram os cue tomavam parte e m seus divertimentos. O s superiores já n ã o eram a alma do recreio. A maior parte deles passeava conversando entre si, sem ligar ao que faziam os alunos; outros olhavam o recreio sem se preocupar e m absolutamente c o m os jovens; outros vigiavam, mas tão de longe que n ã o - C o m o amor? M a s os meus jovens n ã o são bastante amados? Sabes quanto os amo. Sabes quanto por eles sofri e tolerei no decorrer de b e m quarenta anos, e quanto suporto e sofro mesmo agora. Quantas privações, quantas h u m i l h a ç õ e s , quantas o p o s i ç õ e s , quantas perseguições para dar-lhes p ã o , casa, professores e especialmente para garantir-lhes a salvação da alma. F i z tudo quanto soube e pude p o r eles, que são o amor de toda a m i n h a vida. poderiam perceber se os jovens cometiam alguma falta; u m o u outro avisava, mas e m atitude a m e a ç a d o r a e bem de raro. A i n d a havia u m o u outro salesiano que gostaria de intrometer-se no meio dos jovens; v i , p o r é m , que estes procuravam propositalmente afastar-se dos professores e superiores. E n t ã o m e u amigo c o n t i n u o u : - N o s velhos tempos do O r a t ó r i o o senhor n ã o estava sempre no meio dos - N ã o falo do senhor! jovens, especialmente na hora do recreio? L e m b r a aqueles belos anos? E r a u m - D e q u e m então? D o s que me fazem as vezes? D o s diretores, prefeitos, profes- santo alvoroço, u m tempo que lembramos sempre c o m saudade, porque o afeto é sores, assistentes? N ã o vês c o m o são mártires do estudo e do trabalho? C o m o consomem sua juventude por aqueles que a D i v i n a Providência lhes confiou? - V e j o , sei perfeitamente; mas isso n ã o basta. Falta o melhor. - Que é que falta, então? que nos servia de regra, e nós n ã o t í n h a m o s segredos para o senhor. - Certamente. T u d o então era alegria para m i m . O s jovens c o r r i a m ao m e u encontro, para falar-me; ansiavam por ouvir meus conselhos e pô-los em prática. V ê s , p o r é m , que agora as contínuas audiências, os muitos afazeres e m i n h a s a ú d e não o permitem. - Que os jovens n ã o somente sejam amados, mas que eles p r ó p r i o s saibam que são amados. - E s t á b e m , mas se o senhor n ã o pode, p o r que seus salesianos n ã o o imitam? Por que n ã o insiste, n ã o exige que tratem os jovens c o m o o senhor os tratava? - M a s , afinal, n ã o t ê m olhos? N ã o t ê m a luz da inteligência? N ã o v ê e m que tudo o que por eles se faz é por amor deles? - N ã o , repito, isso n ã o basta. - E u falo, canso-me de falar, entretanto muitos não se sentem dispostos a enfrentar os trabalhos c o m o outrora. - E então descuidando o menos, perdem o mais, e esse "mais" são seus trabalhos. A m e m o que agrada aos jovens e os jovens a m a r ã o o que aos superiores - Que é preciso, então? - Que sendo amados nas coisas que lhes agradam, c o m participar em suas inclinações infantis, aprendam a ver o amor nas coisas que naturalmente pouco lhes agradam, c o m o a disciplina, o estudo, a mortificação de si mesmos; e aprendam a fazer essas coisas c o m entusiasmo e amor. - Explica-te melhor. 16 agrada. E assim ser-lhes-á fácil o trabalho. A causa da m u d a n ç a atual no O r a t ó r i o é que b o m n ú m e r o de jovens não tem c o n f i a n ç a nos superiores. A n t i g a m e n t e os c o r a ç õ e s estavam todos abertos aos superiores, a q u e m os jovens amavam e o b e d e c i a m p r o n t a m e n t e . M a s agora os superiores s ã o considerados c o m o superiores e n ã o c o m o pais, i r m ã o s e amigos; s ã o pois temidos e p o u c o amados. 17 Por isso, se se quiser formar u m s ó c o r a ç ã o e u m a só alma, é preciso que por a m o r de Jesus se r o m p a a barreira fatal da d e s c o n f i a n ç a e se lhe substitua u m a c o n f i a n ç a c o r d i a l . G u i e pois a o b e d i ê n c i a o a l u n o c o m o a m ã e guia o f i l h i n h o ; reinará e n t ã o no O r a t ó r i o a paz e a antiga alegria. - C o m o fazer então para romper a barreira? - Familiaridade c o m os jovens especialmente no recreio. Sem familiaridade não se demonstra afeto e sem essa d e m o n s t r a ç ã o n ã o pode haver confiança. Q u e m quer ser amado deve demonstrar que ama. Jesus Cristo fez-se pequeno c o m os pequenos e carregou as nossas fraquezas. A í está o mestre da familiaridade! O professor visto apenas na cátedra é professor e nada mais, mas se está no recreio c o m os jovens torna-se irmão. Se a l g u é m é visto somente a pregar do púlpito, dir-se-á que está fazendo apenas o p r ó p r i o dever; mas se diz u m a palavra no recreio, é palavra dc a l g u é m que ama. Quantas conversões não provocaram algumas palavras suas ditas ocasionalmente aos ouvidos de u m jovem enquanto brincava! Q u e m sabe que é amado, ama; e q u e m é amado alcança tudo, especialmente dos jovens. A confiança estabelece u m a corrente elétrica entre jovens e superiores. O s corações se abrem e d ã o a conhecer suas necessidades e manifestam seus defeitos. Esse amor faz os superiores suportarem canseiras, a b o r r e c i m e n t o s , i n g r a t i d õ e s , desordens, faltas e n e g l i g ê n c i a s dos meninos: Jesus Cristo não quebrou a cana já partida, n e m apagou a mecha que fumega. Eis vosso modelo. E n t ã o não se verá n i n g u é m mais trabalhar apenas por vanglória; punir somente para satisfazer o amor próprio ofendido, retirar-se do campo da vigilância tão-somente por c i ú m e de temida preponderância alheia; m u r m u r a r É o que acontece necessariamente se faltar a familiaridade. Se se quiser, pois, que o O r a t ó r i o volte à antiga, felicidade, reponha-se e m vigor o antigo sistema: o superior seja tudo para. todos, sempre disposto a ouvir qualquer d ú v i d a o u queixa dos jovens, todo o l h o s para vigiar-lhes paternamente a conduta, todo coração para procurar o bem espiritual e temporal dos que a Providência lhe confiou. E n t ã o , j á n ã o h a r e r á c o r a ç õ e s fechados e n ã o se a l a s t r a r ã o mais certos segredinhos que acabam matando. Somente e m caso de imoralidade os superiores sejam inexoráveis. É m e l h o r correr perigo de expulsar de casa u m inocente, que conservar u m escandaloso. Os assistentes considerem gravíssimo dever de consciência relatar aos superiores tudo o que souberem ser de a l g u m m o d o ofensa de Deus. E n t ã o indaguei: — Qual é o m e i o mais indicado para que reine essa familiaridade, esse amor e "confiança? - A observância exata das Regras da casa. — E nada mais? - O melhor prato de u m jantar é o b o m h u m o r . E n q u a n t o m e u antigo aluno acabava de falar e eu continuava a observar com vivo desprazer o recreio, pouco a pouco senti-me abatido por grande canseira, que ia crescendo cada vez mais. E chegou a tal p o n t o que n ã o podendo mais resistir, estremeci e acordei. dos outros querendo ser amado e estimado pelos jovens, c o m exclusão de todos os Encontrei-me de p é j u n t o à cama. A s pernas estavam tão inchadas e me d o í a m demais superiores, ganhando nada mais que desprezo e falsas manifestações de tanto que não podia ficar de p é . A hora já ia m u i t o adiantada, de m o d o que me carinho; deixar-se roubar o coração por u m a criatura e, para fazei-lhe corte, descuidar deitei resolvido a escrever estas linhas a meus todos os outros meninos; por amor da própria comodidade julgar de somenos importância o dever importantíssimo da vigilância; por vão respeito h u m a n o deixar de advertir q u e m deve ser advertido. Se houver esse verdadeiro amor, n ã o se haverá de procurar senão a glória de Deus e a salvação das almas. Se vier a definhar, então é que as coisas já não vão bem. Por que se quer substituir à caridade a frieza de u m regulamento? Por que se afastam os superiores da maneira de educar que D o m Bosco ensinou? Por que ao sistema de prevenir c o m a vigilância e amorosamente as desordens, se vai substituindo pouco a pouco o sistema, menos pesado e mais c ó m o d o para quem manda, de i m p o r leis que se m a n t ê m c o m castigos, acendem ódios e geram desgostos, e se não se cuida de as fazer observar, geram desprezo aos superiores e causam gravíssimas desordens? 18 filhos. Desejo não ter sonhos assim, porque me cansam demais. N o dia seguinte sentiame todo m o í d o e não via a hora de descansar na p r ó x i m a noite. Eis, porém, que, apenas me deitei, o sonho recomeçou. Reaparecem o pátio, os jovens que atualmente estão no O r a t ó r i o e o mesmo aluno do Oratório. C o m e c e i a interrogá-lo: - C o m u n i c a r e i aos salesianos o que me disseste; mas que devo dizer aos jovens do O r a t ó r i o ? Respondeu-me: — Que r e c o n h e ç a m quanto os superiores, mestres e assistentes trabalham e estud a m por amor deles, pois se n ã o fosse pelo bem deles n ã o haviam de sujeitar-se a 19 tantos sacrifícios; que se l e m b r e m ser a h u m i l d a d e a fonte de toda tranquilidade; que saibam suportar os defeitos dos outros, porque a perfeição não é deste m u n d o , mas somente do paraíso; que deixem de m u r m u r a r , porque as m u r m u r a ç õ e s esfriam os corações; e sobretudo que p r o c u r e m viver na santa graça de D e u s . Q u e m não tem paz c o m D e u s , não tem paz n e m consigo n e m c o m os outros. — Queres dizer então que há entre meus jovens alguns que n ã o estão e m paz com Deus? — E n t r e as causas do mal-estar que D o m Bosco conhece, e n ã o v o u recordar — Pregue a todos, grarudese pequenos, que se lembrem sempre de M a r i a Santíssima Auxiliadora. Que ela os reuniu aqui para tirá-los dos perigos do m u n d o , para que se amassem corno irmãos, e para que dessem glória a Deus e a ela, c o m o b o m proced i m e n t o ; que é Nossa Senhora que lhes providencia p ã o e meios para estudar mediante graças e portentos. Lembrem-se de que estão na vigília da festa de sua Mãe S a n t í s s i m a , e c o m sua ajuda deve cair a barreira da d e s c o n f i a n ç a que o d e m ó n i o soube erguer entre jovens e superiores, e da qual se aproveita para ruína de certas almas. agora, e às quais deve p ô r remédio, esta é a p r i n c i p a l . C o m efeito, n ã o desconfia — E conseguiremos destruir essa barreira? senão q u e m tem segredos a guardar, senão q u e m teme que tais segredos v e n h a m — S i m , certamente, contanto que grandes e pequenos estejam dispostos a so- a ser conhecidos, porque sabe que isso lhes traria vergonha e desgraça. A o mesmo tempo se o coração n ã o está em paz c o m Deus, fica angustiado, irrequieto, rebelde à o b e d i ê n c i a , irrita-se por u m nonada, parece-lhe que tudo vai m a l , e por n ã o ter amor, julga que os superiores não o a m a m . — E n t r e t a n t o , m e u caro, não vês quanta frequência de confissões e c o m u n h õ e s há no O r a t ó r i o ? frer alguma pequena mortificação p o r a m o r de M a r i a e p o n h a m e m prática o que eu disse. Entrementes, eu continuava a olhar meus jovenzinhos, ante o espetáculo dos que via encaminhar-se para a eterna perdição senti tamanho aperto no coração que acordei. M u i t a s coisas i m p o r t a n t í s s i m a s que eu v i gostaria de contar-vos, mas o tempo e as conveniências não p e r m i t e m . — É verdade que é grande a frequência das confissões, mas o que falta r a d i c a l m e n te em muitos meninos que se confessam é a firmeza nos propósitos. Confessam-se, mas sempre das mesmas faltas, das mesmas ocasiões próximas, dos mesmos maus hábitos, das mesmas desobediências, das mesmas transgressões dos deveres. E vai-se para a frente meses e meses, e t a m b é m por vários anos, e alguns chegam assim até o fim do curso secundário. S ã o confissões que pouco o u nada valem; consequentemente n ã o trazem a paz. Se o menino fosse chamado nesse estado ao tribunal de Deus, que desgraça não seria. Vou concluir. Sabeis o que deseja de vós este pobre velho, que gastou toda a v i d a p o r seus caros jovens? N a d a mais do que, feitas as devidas p r o p o r ç õ e s , r e t o r n e m os dias felizes do O r a t ó r i o p r i m i t i v o . O s dias do afeto e da confiança cristã entre jovens e superiores; os dias do espírito de c o n d e s c e n d ê n c i a e toler â n c i a p o r a m o r de Jesus C r i s t o de uns para c o m outros; os dias dos corações abertos c o m toda a s i m p l i c i d a d e e candura; os dias da caridade e da verdadeira alegria para todos. T e n h o necessidade de que me consoleis, d a n d o - m e a esper a n ç a e a promessa de que fareis t u d o o que desejo para o b e m de vossas almas. — E h á m u i t o s assim no O r a t ó r i o ? Não — Poucos, e m c o m p a r a ç ã o c o m o grande n ú m e r o de jovens que se encontram salesiana, para que a V i r g e m S a n t í s s i m a o tome imediatamente debaixo de sua na casa. Veja. E apontava. conheceis suficientemente que felicidade é a vossa de haverdes sido recebi- dos no O r a t ó r i o . D i a n t e de D e u s declaro: Basta que u m j o v e m entre n u m a casa especial p r o t e ç ã o . P o n h a m o - n o s , pois, todos de acordo. A caridade dos que O l h e i e v i os tais jovens u m p o r u m . Nesses poucos, p o r é m , v i coisas que me amarguraram p r o f u n d a m e n t e o c o r a ç ã o . N ã o quero pô-las n o papel, mas q u a n - m a n d a m , a caridade dos que devem obedecer faça reinar entre n ó s o espírito de São Francisco de Sales. 0 meus caros filhinhos, aproxima-se o t e m p o e m que do voltar quero contar a cada u m dos interessados. A q u i apenas vos direi que é me deverei separar de vós e partir para a m i n h a eternidade. { N o t a do secretário: tempo de rezar e de tomar firmes r e s o l u ç õ e s : t o m a r p r o p ó s i t o s n ã o c o m pala- Neste p o n t o D o m Bosco suspendeu o ditado; os olhos se lhe e n c h e r a m dc vras, mas c o m fatos, e demonstrar que os C o m o l o s , os D o m i n g o s S á v i o s , os l á g r i m a s , não por desgosto, mas p o r inefável ternura que ressumava de seu olhar Besuccos e os Saccardis ainda v i v e m entre n ó s . e do t o m de sua voz; depois de alguns instantes c o n t i n u o u . ) Desejo, p o r t a n t o , deixar-vos a todos, padres, clérigos, jovens caríssimos, no c a m i n h o do Senhor, Perguntei p o r fim ao m e u amigo: em que E l e p r ó p r i o vos deseja. — N ã o tens mais nada a dizer-me? 20 21 CIRCULAR SOBRE OS CASTIGOS Para ral fim, o Santo Padre, que v i sexta-feira, 9 de m a i o , vos m a n d a de todo o coração sua bênção. N o d i a da festa de Nossa Senhora A u x i l i a d o r a estarei convosco ante a imagem de nossa a m o r o s í s s i m a M ã e . Quero que essa grande festa se celebre c o m toda a solenidade, e o Pe. Lazzero e o Pe. M a r c h i s i o p r o v i d e n c i e m para «|Ue estejamos todos alegres t a m b é m no refeitório. A festa de M a r i a A u x i l i a d o r a (deve ser o p r e l ú d i o da festa eterna que deveremos celebrar u m dia, todos juntos, M e u s caros BO paraíso. filhos, Chegam-me, c o m frequência, de muitos lugares, pedidos insistentes, para que Vosso afetuosíssimo amigo e m Jesus C r i s t o Sac. João B o s c o exponha aos diretores, e c ô n o m o s e mestres, algumas n o r m a s que os orientem nos casos delicados de ser preciso aplicar a l g u m c a s t i g o . V ó s b e m sabeis e m que tempos vivemos e que a mais pequena i m p r u d ê n c i a poderia trazer consigo gravíssimas consequências. N o desejo, portanto, de atender a tais pedidos e livrar-nos de não leves dissabores, e no desejo, ainda mais vivo, de que se alcance o maior bem possível em favor dos jovens, pela D i v i n a Providência confiados aos nossos cuidados, quero apresentar-vos algumas diretrizes que muito vos p o d e r ã o ajudar na santa e difícil obra da educação religiosa, moral e científica dos vossos alunos, se procurardes pô-las em prática, como espero. O sistema tradicional entre n ó s é o chamado Sistema Preventivo, o qual consiste e m dispor de tal maneira o â n i m o dos a l u n o s q u e , sem n e n h u m a e x t e r n a , se s i n t a m i n c l i n a d o s a o b e d e c e r - n o s . ma, violência Lembrai-vos que, segundo este siste- s ã o reprovadas as medidas coercitivas, às quais sempre e exclusivamente se devem preferir os meios da persuasão e d a caridade. Já que a natureza h u m a n a , demasiado propensa ao m a l , tem por vezes de ser tratada c o m severidade, acho b e m propor-vos alguns meios que, c o m o auxílio de Deus, espero vos c o n d u z i r ã o a u m fim consolador. A n t e s de tudo, se queremos ser considerados c o m o verdadeiros amigos d o b e m dos nossos alunos e levá-los a c u m p r i r os seus deveres, i m p o r t a ter sempre presente que representamos os p a i s desta querida juventude, que foi sempre o terno objetivo das minhas o c u p a ç õ e s , dos meus cuidados, do m e u ministério sacerdotal e da nossa C o n g r e g a ç ã o Salesiana. Ora, para serdes verdadeiros pais dos vossos alunos, o vosso coração deve ser pa- terno e deveis evitar o uso irracional e injusto de repreensão o u do castigo. Se alguma vez tiverdes de castigar, seja c o m o q u e m procede contrafeito e s ó levado pelo dever. Vejamos quais os verdadeiros motivos que justificam as medidas repressivas, 22 os castigos que se devem aplicar e por q u e m devem ser aplicados. 23 quais Parecei-nos-á, n í o raro, que este o u aquele rapaz n ã o tirará proveito da nossa Nunca apliqueis castigo senão depois de esgotados todos os outros meios correção, quando, afinal, no mais íntimo da sua alma, está admiravelmente dis- Quantas vezes, meus caros filhos, através de u m a longa prática educativa, tive de persuadir-me desta grande verdade! E m a i s fácil, sem dúvida, ceder à ira, do que exercitar a paciência: ameaçar u m a criança, do que persuadi-la. Émais cómodo para a nossa impaciência e para nossa soberba castigar os que nos resistem do que corrigi- los: suportando-os c o m benigna firmeza. A caridade que vos recomendo é a que usava São P a u l o para c o m os fiéis recém-convertidos à Religião de Jesus C r i s t o , que muitas vezes o faziam chorar e lastimar-se quando via que n ã o eram d ó c e i s e n ã o correspondiam ao seu zelo. Por isso, l e m b r o a todos os diretores que se deve c o m e ç a r pela c o r r e ç ã o p a t e r n a l , em p a r t i c u l a r , o u , como se costuma dizer, in c a m e r a feita charitatis. Em p ú b l i c o , nunca repreender n i n g u é m a n ã o ser para i m p e d i r o u reparar u m escândalo. Se depois da primeira admoestação n ã o se notar melhoria alguma, é conveniente recorrer à m e d i a ç ã o de outro superior que tenha sobre o culpado algum ascendente. E nunca nos esqueçamos de pedir as bênçãos de Deus. Quereria que o salesiano fosse c o m o M o i s é s , na sua solicitude de aplacar o Senhor, justamente indignado contra Israel, seu povo escolhido. T e n h o verificado que raramente aproveita u m castigo repentino e infligido antes de se empregarem outros meios. N ã o há nada, diz S ã o G r e g ó r i o , que melhor consiga render u m coração, o qual se assemelha a u m a cidadela i n e x p u g n á vel, do que o afeto e a doçura; sede firmes, na p r o s s e c u ç ã o do b e m e em i m p e d i r o m a l . M a s ao mesmo tempo mansos e prudentes. Sede perseverantes e b o n d o - posto asecundar-nos. Seria desastrosa a nossa a ç ã o , se usássemos d u m mal-entendido rigor, pretendendo que o c u l p a d o se emendasse i m e d i a t a e s e r i a m e n t e da sua falta. Dir-vos-ei antes de mais nada, que semelhante falta, para ele, talvez seja menos grave do que vós pensais, e que, se a cometeu, foi mais por irreflexão do que por maldade. M u i t a s vezes, tendo eu mandado chamar alguns destes p e q u e n o s insurretos, e ha- vendo-lhes perguntado, c o m bons modos, por que se mostravam tão indóceis, a resposta foi que p r o c e d i a m assim por terem sido tomados de ponta, c o m o se costuma dizer, o u por serem p e r s e g u i d o s p o r este o u p o r a q u e l e superior. Infor- m a n d o - m e depois, c o m calma, acerca do que se passara, p u d e verificar que a culpa d i m i n u í a consideravelmente e algumas vezes desaparecia quase por c o m pleto. Tenho de confessar, c o m tristeza, que na p o u c a s u b m i s s ã o desses tais nós p r ó p r i o s não e s t á v a m o s n u n c a isentos de responsabilidades. V e r i f i q u e i , muitas vezes, que os mais rigorosos e m exigir dos seus alunos s i l ê n c i o , e x a t i d ã o , obed i ê n c i a p r o n t a e cega, eram precisamente aqueles que n e n h u m caso faziam das salutares a d m o e s t a ç õ e s que eu e os demais superiores t í n h a m o s por dever fazerlhes. E tive de m e convencer que os professores são os m e n o s severos p a r a consigo m a i s intransigentes com os a l u n o s mesmos. Por conseguinte, se q u e r e m o s s a b e r m a n d a r , temos primeiro de s a b e r obedecer, procurando impor-nos mais c o m o a m o r do que c o m o t e m o r . Quando, p o r é m , se tornarem necessárias medidas repressivas, e consequente- mente a m u d a n ç a de sistema, u m a vez que certas índoles só c o m o rigor se podem dominar, cumpre fazê-lo de tal maneira que não apareça o m í n i m o sinal de paixão. sos, e Deus vos tornará senhores até dos corações menos dóceis. B e m sei que esta perfeição n ã o é fácil encontrá-la nos mestres e assistentes, sobretudo novatos. Estes não se resignam a adotar os processos mais consentâneos à índole dos alunos, preferindo a aplicação de castigos físicos, que nada resolvem, ou u m a atitude de indiferença perante a indisciplina. Eis o motivo por que vemos muitas vezes alastrar o m a l , e insinuar-se o descontentamento, mesmo entre os melhores, tornando-se nulo o resultado da correção. Permiti que vos apresente, de novo, o exemplo da m i n h a própria experiência. Deparei muitas vezes c o m feitios tão renitentes, e refratários à mais leve advertência, que já me não davam nenhuma esperança de emenda, e só se me afigurava inevitável o recurso a medidas severas. E, não obstante, consegui rendê-los à caridade. 24 Procurai escolher para a correção o momento oportuno D e acordo c o m o que diz o E s p í r i t o Santo, que "cada coisa tem o seu tempo", diante de alguma destas dolorosas necessidades, impÕe-se t a m b é m u m a grande p r u d ê n c i a , sabendo escolher o m o m e n t o propício. É que as doenças d a a l m a requerem, pelo menos, os mesmos cuidados que as do corpo. N a d a mais perigoso que u m remédio m a l aplicado o u aplicado fora do tempo. U m m é d i c o prudente aguarda que o enfermo esteja em condições de se aproveitar dele, sabendo escolher o m o m e n t o favorável. E nós só aprenderemos a agir de igual m o d o , através da experiência acompanhada de u m a grande bondade. 25 I". preciso, antes de mais nada, que estejais senhores de v ó s mesmos, e n ã o haja (i m í n i m o de m a u h u m o r o u m a u génio, aliás perderíeis a autoridade e o castigo lornar-se-ia nocivo. pede, condena tal m o d o de proceder. Consideremos c o m o E b e m mais significante a famosa observação de Sócrates a u m escravo, não estava, satisfeito: Se não estivesse loi l e i í K i u e csi.i se la/, sentir, menos se dá por isso. () coração paternal, que se nos irado, com quem b a t e r - t e - i a . Esses pequenos psicólogos, filhos aqueles sobre q u e m tenhamos de exercer alguma autoridade. Ponhamo-nos quase ao seu serviço, c o m o Jesus, q u e veio p a r a obedr cer e n ã o para mandar, evitando o m í n i m o assomo de prepotência. que são os nossos alunos, descobrem, à mais pequena e leve alteração do rosto o u da Q u a n t o mais inclinados nos sentirmos a d o m i n á - l o s , tanto mais solícitos de- voz, se foi o zelo do dever o u do ardor da paixão que acendeu em nós aquele fogo. vemos ser e m servi-los. A s s i m fazia Jesus c o m os seus A p ó s t o l o s , suportando-lhes Neste último caso, n ã o seria preciso mais nada para anular o fruto do castigo. E m - a i g n o r â n c i a , a rudeza e a pouca fidelidade. A s s i m fazia c o m os pecadores, a quem bora pequenos, eles descobrem e percebem m u i t o b e m que só a razão é que tem tratava c o m tanta i n t i m i d a d e e carinho, que uns ficavam estupefatos, outros qua- direito de os corrigir. se escandalizados, enquanto e m m u i t o s outros nascia a esperança de obterem o E m segundo lugar, não castigueis n i n g u é m no próprio i n s t a n t e e m que cometeu a falra, para que n ã o suceda que, não podendo ainda confessar sua culpa, vencer a paixão e avaliar toda a i m p o r t â n c i a do castigo, n ã o se exaspere, v i n d o a cometer novas e mais graves faltas ainda. É preciso dar-lhe tempo de refletir, de entrar em si, de medir o alcance do erro, e de sentir, então, que é justo e necessário o castigo. Só assim lhe aproveitará. Sempre me i m p r e s s i o n o u a atitude do S e n h o r para c o m S ã o P a u l o , n u m a altura e m que este se encontrava ainda s p i r a n s i r a e a t q u e m i n a r u m (sob o i m p é rio da ira e da v i o l ê n c i a ) contra os cristãos. Parece-me ser esta a n o r m a que devemos seguir sempre que estejamos diante de certos c o r a ç õ e s recalcitrantes contra a nossa vontade. N ã o é imediatamente que o b o m Jesus o derruba, mas só depois de u m a longa viagem, depois de lhe haver dado t e m p o de refletir sobre os seus atos, longe daqueles que p o d e r i a m incitá-lo a c o n t i n u a r na l u t a contra os cristãos. É só às portas de D a m a s c o que se lhe manifesta c o m toda a sua autoridade e poder, e é u n i n d o a força à m a n s i d ã o que lhe abre a mente e lhe faz conhecer o erro e m que labora. E foi precisamente neste m o m e n t o que se o p e r o u a m u d a n ç a n o espírito de Paulo, passando de perseguidor de cristãos a A p ó s t o l o das gentes e vaso de eleição. des de coração. U m a vez que são nossos filhos, evitemos toda a ira, quando tenhamos de castigar as suas faltas o u ao menos moderemo-la, de maneira que pareça inteiramente d o m i n a d a . N e n h u m a agitação no espírito, n e n h u m desprezo nos olhos, n e n h u m a injúria nos lábios. M a s mostremo-nos compassivos no m o m e n t o da falta e cheios dc confiança n o futuro, e seremos e n t ã o verdadeiros pais, aproveitando-lhes c o m a correção que lhe fazemos. E m casos verdadeiramente graves, é mais proveitoso o recurso a Deus e u m ato de h u m i l d a d e diante dEle, do que u m a e x p l o s ã o de palavras, pois estas, a l é m dc por u m lado sé i n d i s p o r e m a q u e m as ouve, por outro, n e n h u m efeito p r o d u z e m em q u e m as merece ouvir. L e m b r e m o - n o s do nosso D i v i n o Redentor, que perdoou àquela cidade que não quis recebê-lo dentro dos seus muros, não obstante as insinuações de h o n r a ultrajada por parte daqueles dois apóstolos zelosos, que folgariam de vê-la fulminada por u m justo castigo. O E s p í r i t o Santo recomenda-nos esta calma c o m aquelas sublimes palavras dc Davi: I r a s c i m i n i e t n o l i t e p e c c a r e Quisera eu que os meus caros salesianos se formassem à l u z deste d i v i n o exemplo e que, cheios de paciência e de caridade industriosa, aguardassem, e m n o m e de Deus, o m o m e n t o o p o r t u n o p a r a corrigir p e r d ã o de Deus. Por isso nos disse que a p r e n d ê s s e m o s dEle a ser m a n s o s e h u m i l - os seus alunos. (se vos irardes, n ã o pequeis). Se v i r m o s que a nossa ação fica muitas vezes frustrada, e que os frutos dos nossos suores n ã o passam de abrolhos e espinhos, crede, então, meus caros filhos, que a culpa se deve atribuir ao nosso defeituoso sistema disciplinar. A c h o desnecessário deter-me a referir-vos aquele caso em que D e u s quis dar Afastai das vossas atitudes qualquer indício de paixão Q u a n d o se castiga, é difícil manter a calma requerida paraafastaj a suspeita de que se age sob o i m p u l s o de fazer valer o u desafogai a p a i x ã o . E quanto mais 26 u m a lição mestra ao seu profeta Elias, que tinha u m n ã o sei q u ê de c o m u m c o m a l g u m de n ó s , no ardor pela causa de Deus, e no zelo inconsiderado em reprimir o alastrar dos escândalos na casa de Israel. D e i x o aos vossos superiores a o p o r t u n i - 27 dade de vo-lo referirem c o m todos os pormenores, c o m o v e m no L i v r o dos Eu Reis. contento-me c o m sublinhar nele a ú l t i m a frase, que tão b e m enquadra ao nosso ver: N o n in c o m m o t i o n e D o m i n u s (3Rs 19,11), e que Santa Teresa traduzia assim: " N a d a te perturbe". O nosso querido e a m á v e l S ã o Francisco de Sales, Como sabeis, tinha-se i m p o s t o a regra severa de sua língua não proferir se o c o r a ç ã o a g i t a d o . u m a só p a l a v r a enquanto tives- C o s t u m a v a dizer, de fato: " R e c e i o p e r d e r , h o r a , a p o u c a doçura q u e , d u r a n t e vinte anos, n u m q u a r t o de p r o c u r e i entesourar, gota a gota, como o r v a l h o , no vaso d o m e u c o r a ç ã o . U m a a b e l h a emprega vários meses fabricar u m p o u c o de m e l , que u m h o m e m engole, em d u m trago". Sejam esnes meios c o m o que os discípulos que Jesus costumava mandar à sua frente, para lhe prepararem o c a m i n h o . Procuremos fazer ver que só pedimos u m a sujeição razoável e necessária. Esforeerrio-nos p o r que o culpado se condene por si p r ó p r i o , nada mais restando a » educador que mitigar a pena que aquele se impusera. Uma última r e c o m e n d a ç ã o , ainda sobre este assunto tão importante. R e n d i d o este caráter inflexível, peço-vos que não só lhe deixeis a e s p e r a n ç a do vosso p e r dão, mas t a m b é m a c o n f i a n ç a n a possibilidade de apagar c o m u m b o m procedimento a nódoa contraída c o m as suas faltas. E, além disso, de que serve falar a q u e m n ã o quer compreender? T e n d o sido censurado, certa o c a s i ã o , por tratar c o m demasiada d o ç u r a u m m e n i n o que tinha faltado gravemente ao respeito à sua m ã e , respondeu: "Este m e n i n o n ã o estava em c o n d i ç õ e s de aproveitar as m i n h a s a d m o e s t a ç õ e s , porque a sua m á d i s p o s i ç ã o i n t e r i o r o i m p e d i a de raciocinar; u m a c o r r e ç ã o áspera, inútil para ele, só me prejudicaria a m i m , e x p o n d o - m e a fazer c o m o aqueles Procurai deixar ao culpado a esperança do perdão Fia que desfazer a a n g ú s t i a e o temor, motivados pelos castigos, e dirigir u m a palavra de conforto. Esquecer e fazer esquecer os dias tristes e m que se errou, é suprema arte de b o m educador. Não que se afogam, querendo salvar os outros". Estas palavras do nosso a d m i r á v e l Patrono, manso e s á b i o educador de corações, quis sublinhá-las para m e l h o r chamarem a vossa a t e n ç ã o e mais facilmente as recordardes. lemos que o b o m Jesus tenha recordado a M a d a l e n a os desvarios: e foi c o m suma e paternal delicadeza que levou S ã o Pedro a confessar e expiar a sua fraqueza. Semelhantemente, a criança quer ter a certeza de que os seus superiores depositam fundada esperança na sua emenda: e sentir a alegria de novamente ser conduzida pela sua m ã o carinhosa, através do c a m i n h o da virtude. C o n s e g u i r á certo casos, p o d e r á ser útil discorrer c o m outra pessoa, na presença do mais u m olhar de bondade, u m a palavra animadora, que lhe encha o c o r a ç ã o de culpado, sobre a infelicidade daqueles que, ofendendo a razão e a h o n r a , pouco se confiança, do que muitas repreensões cujo resultado é c o m p r i m i r e contrariar a lhes dá de serem castigados; o u retirar-lhes os sinais o r d i n á r i o s de confiança e sua expansibilidade. Este sistema tem operado verdadeiras t r a n s f o r m a ç õ e s que, amizade. M a s logo que se veja que o culpado necessita de c o n s o l a ç ã o , i m p o r t a sem ele, seriam absolutamente impossíveis. Em mudar logo de atitude. G r a ç a s a Deus, fui muitas vezes bem-sucedido c o m este simples artifício. confessaram, que foram deste m o d o atraídos para a nossa C o n g r e g a ç ã o e, portan- N ã o expor ninguém a ser e n v e r g o n h a d o remédios extremos. publicamente, As vezes será conveniente recorrer a u m terceiro a n ã o ser no caso de to, para Deus. Não b e n q u i s t o do c u l p a d o , que avise e lhe diga o que v ó s quereríeis, mas n ã o vos achais e n c o n d i ç õ e s de lhe dizer. T a l pessoa, c o m q u e m o a l u n o pode desabafar as suas penas e abrir o coração mais à vontade do que diante de v ó s , receando n ã o ser atendido o u , pensando, no seu o r g u l h o , que n ã o é obrigado a submeter-se, tal pessoa a j u d á lo-á Seis de alguns dos meus filhos mais diletos, c o m o eles p r ó p r i o s abertamente a vencer o acanhamento e d i s p ô - l o - á a v i r ter convosco. há n e n h u m rapaz que n ã o tenha os seus dias críticos c o m o t a m b é m vós os tivestes. B e m doloroso seria se n ã o p r o c u r á s s e m o s abreviar tais dias e ajudar a passá-los o m e l h o r possível. Às vezes, só o dar-lhes a perceber que n ã o a t r i b u í m o s malícia aos seus atos, é quanto basta para i m p e d i r novas quedas. E se n ã o culpados, desejam que se lhes dê a entender que se n ã o consideram c o m o tais. 28 29 Felizes de n ó s , se soubermos aproveitar de meio tão eficaz para levantar esses corações atribulados. Podeis crer, meus caros filhos, que este processo, aparentemente tão c o m e z i n h o c a m i n h o certos corações que eram e seriam, talvez para sempre, considera- dos incapazes de se corrigirem. n ã o se p o d e r á nunca lançar m ã o de Bem sei, queridos filhos, que o p r ó p r i o Senhor se c o m p a r o u a u m a "vara vigi- Por isso, t a m b é m nós podemos e devemos adotar sóbria e sabiamente a c o n d u t a que Deus quis inculcar-nos c o m tão significativa i m a g e m . Usemos, pois, essa e caridade. c o m o n ã o se cultiva u m a planta tratando-a c o m aspereza e violência, assim n ã o é possível educar a vontade sobrecarregando-a c o m u m jugo pesado demais. triste severo e estado e m que se encontra, e pode levá-lo ao arrependimento e à emenda. em vez de nos desentranharmos em recriminações, façamos-lhe sentir o desgosto que dá aos pais e a recompensa que o espera, no caso de emenda. T e m p o virá em que se há de mostrar reconhecido e até generoso. Se recair, a l u n o , nas aulas, durante u m d i a , mas sem se prolongar p o r mais tempo. Não faltarão outros meios de levar o aluno a dar satisfação pela sua falta. Que dizer-vos acerca da capa de t e m a s corrigidos redobremos de caridade. Passaremos, então, a advertências mais sérias e resolutas. Poderemos, dessa forma, c o m justiça, fazer-lhe ver a diferença entre a nossa atitude para c o m ele e o m o d o c o m o corresponde a tanta condescendência, a tanta solicitude para o salvarmos da desonra e do castigo. Sejam, p o r é m , banidas as expressões h u m i l h a n t e s , dando-lhe, ao invés, a entender que esperamos m u i t o dele e certificando-o de que estamos prontos a esquecer ludo, u m a vez que se decida a portar-se m e l h o r . 5 T a l género de casti- educadores. Se uns aprovam, outros o censuram c o m o coisa inútil e perigosa, tanto para o professor como para o aluno. E esse u m p o n t o que deixo ao vosso critério, advertindo-vos, p o r é m , que no uso de tal castigo, o professor tende a cair em excessos, sem q u e h a j a r e s u l t a d o s p o s i t i v o s , e o aluno t o m a daí ocasião para mur- m u r a r e se arvorar em vítima, d i g n a de ser compadecida, m e r c ê da aparente persão sempre penosos e mortificantes. Sei que u m dos nossos confrades costumava adotar c o m fruto este meio: o o m n i a c o o p e r a n t u r in b o n u m (todas as coisas c o n c o r r e m para o bem) para os que p r o c u r a m Deus, sua glória e a salvação das almas. Esse vosso i r m ã o convertia utilizando esse meio; julgo tal coisa u m a b ê n ç ã o de Deus, e caso mais ú n i c o que raro. E o conseguia porque se demonstrava cheio de bondade. Uma coisa de forma alguma se pode a d m i t i r é o chamado q u a r t o de i s o l a m e n t o ou de reflexão. O vexame e a raiva que tal p u n i ç ã o provoca no aluno, fazem-no sofrer profundamente. O d e m ó n i o sabe tirar daqui m o t i v o para lhe lançar violentamente as garras, e arrastá-lo às maiores loucuras, c o m o para se vingar do autor de tal castigo. Nos castigos, até agora mencionados, tivemos unicamente e m vista as f a l t a s c o n t r a a disciplina colegial. N o s casos dolorosos em que algum aluno fosse causa de grave escândalo, seja imediatamente c o n d u z i d o ao superior que, segundo a sua p r u d ê n c i a , adotará as medidas que lhe parecem mais eficazes e oportunas. M a s se a l g u é m se mostrar surdo a esses sábios meios medicinais, e c o n t i n u a r a dar maus exemplos e e s c â n d a l o , deve ser expulso, Alguns castigos considerados graves, só se permitem cm casos em que a falta é t a m b é m de evidente gravidade. Mas linda nesses casos i m p õ e D o m Bosco cerras reservas. 30 {pensumy. objetivo de maior atenção e algum proveito intelectual. E r a o caso de dizer que do superior, que faz sentir ao culpado, por mais duro que seja, o infeliz Correção p r i v a d a e p a t e r n a l : um estudo de u m trecho de poesia sacra o u profana. Por esse meio útil o b t i n h a o Eis alguns castigos que desejaria fossem os únicos a ser usados entre n ó s . dos meios mais eficazes de repreensão moral é o o l h a r d e s c o n t e n t e , n u n c a s e exponha n i n g u é m ao rigor do sol o u das intempéries de m o d o a seguição por parte d o professor. Castigos c o m o esses n ã o reabilitam n i n g u é m e Tenhamos presente que se a força pune o vício, n ã o cura o vicioso. A s s i m Um Mas G r a v e pode ser t a m b é m o castigo que consiste e m d e i x a r de interrogar castigos*. para nos afastar do pecado, m e s m o pelo temor das penas. "vara", mas c o m inteligência recreio. Procurei i n f o r m a r - m e sobre o que a tal p r o p ó s i t o pensam os mais célebres Mas vigilam), do go n ã o deixa de ser, infelizmente, bastante c o m u m . Quais castigos devem ser aplicados e por quem lante" (virga grave castigo é , p o r exemplo, a privação resultar d a í algum dano para a saúde. e tão p o u c o prometedor, tornará mais eficaz o vosso ministério, c o m o atrair ao bom Um sem remissão, tendo, p o r é m , o cuidado de, tanto quanto possível, salvar a sua h o n r a . 31 Isto cohseguir-se-á, aconselhando o aluno a pedir ele mesmo aos pais que o retirem, o u aconselhando diretamente os pais a m u d a r e m - n o para outro colégio, na esperança de que o filho tenha aí melhor c o m p o r t a m e n t o . U m ato de caridade, c o m o este, costuma dar sempre b o m resultado e deixa, mesmo em circunstâncias penosas, u m a boa i m p r e s s ã o tanto nos pais c o m o nos filhos. Resta-me dizer-vos ainda a q u e m compete determinar a natureza, o tempo e a modalidade do castigo. C o m p e t e sempre ao diretor, tro mas de maneira que passe despercebido. Está den- do seu papel a correção privada, visto que ele, mais facilmente do que n i n - g u é m , pode penetrar e m certos corações menos sensíveis. D e n t r o do seu papel está ainda a correção c o m u m e p ú b l i c a ; c o m o t a m b é m lhe compete aplicação do castigo, sem que todavia deva ele executá-la o u intimá-la ordinariamente. Desejaria, portanto, que n i n g u é m se julgasse autorizado a castigar sem prévio conselho ou a p r o v a ç ã o do diretor, o ú n i c o , repito, a q u e m pertence determinar o tempo, o m o d o e a natureza d o castigo. N i n g u é m se afaste dessa autorizada d e p e n d ê n c i a , n e m tampouco se p r o c u r e m pretextos para i l u d i r o seu controle. N ã o se venha c o m desculpas para fugir a esta regra, que é da m á x i m a i m p o r t â n c i a . Sede, pois, fiéis a esta r e c o m e n d a ç ã o , e Deus vos a b e n ç o a r á e consolará, e m atenção à vossa docilidade. N u n c a vos esqueçais que a obra educativa se dirige particularmente ao coração, sobre o qual n e n h u m poder teremos, se Deus n ã o for o nosso Mestre e n ã o puser ao nosso dispor as chaves de acesso. Procuremos, pois, de todos os modos, i n c l u i n d o a inteira d e p e n d ê n c i a a que acabo de aludir, assenhorear-nos dessa c i dadela cujas portas jamais se abrem à força de rigor. Tornemo-nos a m á v e i s , insinuemos o sentimento do dever e do santo temor de Deus, e veremos, c o m o p o r encanto, franquearem-se as portas de tantos corações, unindo-se a nós para cantar os louvores e as b ê n ç ã o s daquele que quis tornar-se nosso M o d e l o , nossa V i d a , nosso E x e m p l o , em tudo, mas especialmente na educação da juventude. Rezai por m i m e crede-me sempre no Sagrado C o r a ç ã o de Jesus. 29 de janeiro de 1883. Vosso m u i r o dedicado Pai e A m i g o 3? Pe. Jotio liosco