CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS DE QUÍMICA A PARTIR DA INTERAÇÃO ENTRE PROFESSORA E ALUNOS (AS) JOVENS E ADULTOS EM SALA DE AULA Flávia Ferreira Avelar Belo Horizonte (MG) 2014 Flávia Ferreira Avelar A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS DE QUÍMICA A PARTIR DA INTERAÇÃO ENTRE PROFESSORA E ALUNOS (AS) JOVENS E ADULTOS EM SALA DE AULA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFETMG) como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação Tecnológica. Área de Concentração: Educação Tecnológica. Linha de Pesquisa II: Processos Formativos em Educação tecnológica. Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida da Silva Belo Horizonte (MG) 2014 Dedico esta dissertação aos jovens e adultos da Educação de Jovens e Adultos. AGRADECIMENTOS À professora e orientadora Maria Aparecida da Silva, pela dedicação e pela confiança. Com sua ajuda, pude construir conhecimentos e seguir em busca daquilo que pretendia. Agradeço a disponibilidade em orientar e as palavras de incentivo. Seus ensinamentos ficarão marcados como estímulo para estudos futuros. Aos professores do Mestrado, em especial aqueles com quem tive aulas: Adelson Fernandes Moreira, Irlen Antônio Gonçalves, José Geraldo Pedrosa, Maria Rita Neto Sales Oliveira e Suzana Lanna Burnier Coelho. Aos professores Murilo Cruz Leal, Simone Medeiros de Carvalho e Adelson Fernandes Moreira, pela participação e pelas contribuições na banca. Aos companheiros do grupo de pesquisa Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos (EPIEJA): Sandra Maria Glória da Silva, Abelardo Bento Araújo, Flavio Clementino, Luzia Alves e Fabiula Pires, pela troca de experiências e conhecimentos. Ao CEFET-MG, pela oportunidade. Ao amigo e secretário do MET, Fábio Vasconcelos, pela presteza e atenção. À Clara, pelo cordial atendimento. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão da bolsa de estudos. À escola, pela possibilidade de realização da pesquisa. À professora da escola pela confiança. Aos alunos da EJA, por compartilharem suas experiências de vida e por aceitarem participar da pesquisa. Ao Leandro, meu noivo, pelo companheirismo e pelo apoio nas muitas horas difíceis. Sem a sua palavra de incentivo, eu não teria chegado até aqui... A minha família: meu pai, Vander (sempre presente) e minha mãe, Cátia, por me proporcionarem uma vida equilibrada e pela força e coragem, resultantes de seu exemplo de vida. À minha irmã, Fernanda, e minha sobrinha, Maria Luisa, pela paciência e conforto. À minha tia Iêda e às minhas primas, Luisa Maria e Ana Carolina, pela acolhida sincera e pela convivência afetuosa. À minha avó, Luiza, pelas orações. A todos os parentes e amigos pela torcida. A Deus, por iluminar meu caminho. Educar é promover mudanças. É reconhecer-se numa via de mão dupla... É ter a humildade de aprender ao ensinar... É ver o mundo pelo olhar do outro... É facilitar, motivar, instigar, discutir, avaliar... E todos esses verbos conjugados de forma reflexiva... Educar é exercer a incrível arte da transformação... É alquimia! É transformar informação em conhecimento... ... com muito, mas muito talento! Maria Lúcia Mercante Naddeo RESUMO Esta dissertação focaliza a sala de aula e a aprendizagem dos conteúdos de Química, a partir da interação entre professora e alunos da Educação de Jovens e Adultos. Após o levantamento de estudos na Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações da Capes, entre 2007 e 2012, surgiu a seguinte pergunta problema: Como acontece a aprendizagem dos conteúdos de Química a partir da interação entre professora e alunos (as) jovens e adultos em sala de aula? Supôs-se que, durante as aulas, seriam possíveis diferentes interações entre professora e alunos, mediadas pelos conhecimentos de Química. Supôs-se, também, que o tipo de relação que os alunos jovens e adultos estabelecem com os conhecimentos de Química interferiria no processo de apropriação dos conteúdos dessa disciplina. Pretendeu-se verificar a aprendizagem dos conteúdos de Química, a partir da interação entre professora e alunos (as) jovens e adultos em sala de aula. Especificamente buscou-se: i) analisar situações em que professora e alunos se comunicam e se relacionam durante o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula; ii) analisar, por meio do discurso oral/escrito e/ou da postura corporal, as relações entre os alunos e os conhecimentos de Química; iii) analisar, por meio do discurso oral/escrito e/ou da postura corporal, as manifestações do professor em relação aos conhecimentos de Química; iv) analisar as mediações empregadas pelos professores para que os alunos se apropriem dos conhecimentos de Química; v) analisar as estratégias que os alunos adotam para a realização das atividades da disciplina e as formas buscadas para aprender o conteúdo. As observações em salas de aula ocorreram em uma escola pública de Belo Horizonte e as entrevistas foram realizadas com a professora e os alunos desta escola. Concluiu-se que o conteúdo ensinado, ao apresentar sentido aos alunos, por meio do diálogo e da interação, contribui para o processo de aprendizagem e para a apropriação dos conteúdos, principalmente se estes forem articulados aos saberes prévios dos alunos. Constatou-se que o trabalho, para os alunos entrevistados, é considerado modo de sobrevivência e espaço de socialização e construção de identidades. Muitos alunos retornaram à vida escolar, motivados pelas dificuldades enfrentadas no mundo do trabalho, pela necessidade de nele se inserir e permanecer. Para trabalhos futuros, propõe-se investigar como se dá a formação específica de professores para atuar com jovens e adultos, tendo em vista supor haver, na maior parte dos cursos de licenciatura do País, lacunas curriculares no que se refere à preparação da docência para tratar com esses alunos, a partir de seus conhecimentos prévios, oriundos do trabalho. Palavras-chave: Educação. Aprendizagem. Química. Educação de Jovens e Adultos. Trabalho. ABSTRACT This dissertation focuses the classroom and the learning of Chemistry’s contents from interaction between teacher and students of the Youth and Adult Education’s. After of review studies of the Brazilian Library of Theses and Dissertations Capes, between 2007 and 2012, the problem arose following question: As the learning of Chemistry’s contents from the interaction between teacher and students youth and adults in classroom? It was assumed that during the classes would be different possible interactions between teacher and students, mediated by knowledge Chemistry’s. It was assumed also that the type of relationship that the young students and adults have with the knowledge Chemistry’s interfere in the ownership of the contents of this discipline process. It was intended to verify the contents of learning Chemistry, from the interaction between teacher and students (the) youth and adults in the classroom. Specifically we sought to: i) analyze situations in which teacher and students communicate and interact during the process of teaching and learning in the classroom; ii) analyze oral discourse / writing and / or body posture, relationships between students and knowledge of Chemistry; iii) analyze, oral discourse / writing and / or body posture, the manifestations teacher’s in relation to knowledge of Chemistry; iv) analyze the mediations used by teachers for students to take ownership of the knowledge of Chemistry; v) analyze the strategies that students adopt to carry out the activities of the discipline and ways sought to learn the content. The observations in classrooms occurred in a public school in Belo Horizonte and interviews were conducted with the teacher and the students of this school. It was concluded that the teaching that has meaning to students, through dialogue and interaction, contributes to the learning process and ownership of the content, especially if they are articulated to the student’s previous knowledge. It appears that the work for the students interviewed, is considered survival mode and space for socialization and identity construction. Many students returned to school, motivated by difficulties of the work world’s, the need to enter and remain in him. For future work, it is proposed to investigate how the specific training of teachers to work with young people and adults, in order to assume there is, in most undergraduate programs in the country, curricular gaps with regard to the preparation of teaching dealing with these students from their previous knowledge, coming from work. Keywords: Education. Learning. Chemistry. Youth and Adults. Work. LISTA DE SIGLAS BDTD Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações da Capes Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEFET-MG Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais Confintea Conferência Internacional de Educação de Adultos DEJA Departamento de Educação de Jovens e Adultos EJA Educação de Jovens e Adultos Encceja Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos PIPMO Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Industrial Proeja Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos Pronatec Programa Nacional de Acesso do Ensino Técnico e Emprego Secad Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SMED Secretaria Municipal de Educação SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11 1.1 A origem e a delimitação do problema de pesquisa ...................................... 11 1.2 Os pressupostos teóricos .................................................................................. 16 1.3 Os objetivos ....................................................................................................... 17 1.3.1 O objetivo geral .................................................................................................. 17 1.3.2 Os objetivos específicos ..................................................................................... 17 1.4 Os procedimentos metodológicos .................................................................... 18 1.4.1 A observação em sala de aula ............................................................................ 18 1.4.2 As entrevistas ..................................................................................................... 23 2 26 A ESCOLA, A PROFESSORA E OS ALUNOS ........................................... 2.1 A escola pesquisada .......................................................................................... 26 2.2 A professora: entre o afetivo e o profissional ................................................ 29 2.3 Os alunos jovens e adultos: entre os sonhos e a realidade ............................ 35 2.3.1 A visão dos alunos sobre a escola ...................................................................... 3 41 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FORMAÇÃO HUMANA E FORMAÇÃO PARA O TRABALHO............................................................. 44 3.1 Algumas considerações sobre a Educação de Jovens e Adultos ................. 44 3.2 Os programas para a formação integral dos jovens e adultos .................... 48 3.3 O trabalho como formação do homem........................................................... 51 3.4 O ensino de Química na EJA ......................................................................... 55 4 AS INTERAÇÕES NA SALA DE AULA DE QUÍMICA........................... 59 4.1 A interação entre a professora e os alunos .................................................. 59 4.2 O conteúdo de Química como mediador da interação entre professora e alunos ........................................................................................................................ 69 4.3 A professora e os conteúdos de Química ........................................................ 74 4.4 A interação entre os alunos ............................................................................. 82 5 A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS DE QUÍMICA........................... 89 5.1 A linguagem científica e o discurso dos alunos e da professora em sala de aula............................................................................................................................... 89 5.2 Os conteúdos escolares e o currículo na EJA ................................................ 94 5.3 A aprendizagem e o desenvolvimento dos jovens e adultos ......................... 102 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 113 APÊNDICES ...................................................................................................... 121 11 1 INTRODUÇÃO A pesquisa que deu origem a esta dissertação focalizou a sala de aula de Química e a aprendizagem dos conteúdos dessa disciplina, a partir da interação entre professora e alunos (as) da Educação de Jovens e Adultos. O interesse pela realização desta pesquisa partiu da minha experiência como professora e do desafio em ensinar Química na EJA. Esta dissertação está estruturada em seis capítulos. A Introdução apresenta a origem e a delimitação da pesquisa, os pressupostos teóricos, os objetivos e os procedimentos metodológicos. O segundo capítulo mostra as principais características da escola e as particularidades da professora e dos alunos da EJA. O terceiro capítulo compreende as especificidades da Educação de Jovens e Adultos, colocando o trabalho como formação do homem; apresenta os Programas criados pelo governo para a formação integral dos alunos e articula essa formação ao ensino de Química. No quarto capítulo, são apresentadas as interações ocorridas na sala de aula entre alunos e professora, mediadas pelos conteúdos da disciplina Química. O quinto capítulo fala sobre a apropriação dos conteúdos de Química, utilizando como fundamento a linguagem e o discurso dos alunos e da professora em sala de aula. Neste capítulo aborda-se, também, os conteúdos escolares e o currículo de Química no processo da aprendizagem escolar. Nas Considerações Finais, acontece a articulação entre os capítulos da pesquisa e os resultados encontrados, a partir da coleta dos dados, para responder a pergunta-problema. 1.1 A origem e a delimitação do problema de pesquisa Durante o período de 2009 a 2011, lecionei Química na EJA, em escola pública estadual, e verifiquei os interesses e os anseios apresentados pelos alunos diante dos conteúdos dessa disciplina. Verifiquei que as dificuldades referentes à aprendizagem, eram decorrentes da seleção dos conteúdos, repletos de fórmulas, equações e cálculos que não condiziam com a realidade dos jovens e adultos. A relação pedagógica entre professora e alunos também apresentava deficiências, o que acarretava problemas ao processo de aprendizagem. Entretanto, a experiência obtida não foi sistematizada e faltava-me respaldo teórico-metodológico para tratar da questão. Assim, logo que entrei 12 para o mestrado, inteirei-me pela literatura sobre os temas, conforme tratarei nos capítulos a seguir. O levantamento das pesquisas realizadas entre os anos de 2007 e 2012, na Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) da Capes (APÊNDICE A), foi realizado com o propósito de elaborar a pergunta-problema: Como acontece a aprendizagem dos conteúdos de Química a partir da interação entre professora e alunos (as) jovens e adultos em sala de aula? Foram encontradas duas teses e doze dissertações, conforme apresentadas a seguir: QUADRO 1 Teses e dissertações disponíveis no banco de teses da Capes (2007-2012) Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total ______________________________________________________________________ Doutorado - 1 1 - - - 2 Mestrado 3 1 2 1 3 2 12 Total 3 2 3 1 3 2 14 ______________________________________________________________________ Fonte: <http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. Após realizar o levantamento das quatorze pesquisas, selecionei oito dissertações que se relacionavam aos temas da minha pesquisa1. Pereira (2011), Ribeiro 1 Dissertações selecionadas: COSTA, Lorenna Silva Oliveira. Análise da elaboração conceitual nos processos de ensino-aprendizagem em aulas de Química para jovens e adultos: por uma formação integrada. 2010. 100f. Dissertação (Mestrado em Ciências e Matemática). Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2010. DAL MORO, Guilherme Andre. Do trabalho para a escola: olhares de trabalhadoresestudantes e professores sobre as relações entre o saber da prática e o saber da escola. 176 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2012. FONSECA, Ângela Carmem Abreu Fraga. A relação dos sujeitos educandos e educandas do PEPEJA com a apropriação dos conhecimentos de Física. 2011. 215f. Dissertação (Mestrado em Educação Tecnológica), Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011. FRADE SILVA, Daysilane das Mercês. Apropriação por docentes do ensino médio da ideia de integração dos três aspectos constituintes do conhecimento químico: fenômenos, teorias e linguagem. 2012. 143f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de São João del Rei. São João del Rei, 2012. LEITE, Adriana Cristina Souza. Visões de alunos jovens e adultos acerca de suas experiências em aprender ciências. 2007. 84f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007. PEREIRA, Camila Strictar. Um estudo das representações sociais sobre química de estudantes do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos paulistana. 2011. 101f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências) Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. RIBEIRO, Marcel Thiago Damasceno. Jovens na educação de jovens e adultos e sua interação com o ensino de Química. 2009. 152f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2009. SILVA, Alceu Júnior Paz da. A Química na EJA: Ciência e ideologia. 2007. 146f. Dissertação (Mestrado em Educação), Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. 2007. 13 (2009) e Silva (2007) foram selecionadas por pesquisarem a relação entre a EJA e o Ensino de Química; Dal Moro (2012) por discutir o tema Trabalho vinculado à Educação de Jovens e Adultos; Fonseca (2011), Leite (2007) e Costa (2010) por investigarem a aprendizagem dos alunos da EJA frente aos conteúdos das disciplinas das Ciências da Natureza; Frade Silva (2012) por apresentar resultados sobre a apropriação, por docentes do Ensino Médio, de aspectos constituintes do conhecimento químico. A seguir, apresento uma síntese das dissertações escolhidas. O foco da dissertação de Pereira (2011) foram alunos do Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos de uma escola paulistana. As questões que nortearam o seu trabalho se referem às representações sociais que os alunos da EJA atribuem à Química e o que essa representação social indica sobre o atual ensino para esse grupo. O objetivo desse estudo foi observar as relações feitas pelos alunos, entre o conhecimento químico escolar e os saberes adquiridos ao longo da vida. Esta pesquisa vai ao encontro do que discuto em minha pesquisa, a relação entre os saberes escolares e os saberes prévios dos alunos em sala de aula. Ribeiro (2009) tinha como objetivo compreender a realidade dos jovens da EJA e sua interação com os conhecimentos de Química. Os resultados da pesquisa mostraram que o ensino de Química para os alunos é importante, dada a compreensão dos fenômenos e dos avanços científico-tecnológicos da sociedade atual. No estudo de Ribeiro, investigou-se a interação entre os alunos e os conhecimentos. O objetivo da minha pesquisa foi verificar a interação entre professor e alunos, mediada pelos conhecimentos de Química, durante a aprendizagem dos conteúdos desta disciplina em sala de aula. Segundo Silva (2007), o cenário contemporâneo de desemprego e de intensificação da precarização do trabalho, levou para o interior dos cursos de Educação de Jovens e Adultos, o imaginário de que a escolarização para a qualificação profissional resultaria na conquista de melhores empregos. O objetivo da pesquisa foi problematizar o currículo da disciplina Química frente ao interesse destes jovens e adultos em se qualificarem para o mundo do trabalho. O currículo é o foco da pesquisa e, por isso, analisado dentro do interesse dos alunos diante da perspectiva trabalho. Em meu estudo, verifico a escolha dos conteúdos escolares no currículo e se esse currículo influencia a relação entre professor e alunos durante o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. 14 Dal Moro (2012) tinha como objetivo, identificar e estabelecer as relações entre os saberes que os estudantes adquirem no trabalho, de natureza prática e tácita, e os saberes de cunho científico e teórico, principalmente os de Física, aos quais tiveram acesso na escola. Neste estudo, a relação pesquisada aconteceu entre os saberes da disciplina Física e os saberes do trabalho de estudantes da EJA. Em minha pesquisa, reconheço que os saberes prévios, apresentados pelos jovens e adultos, influenciam e contribuem para o processo de desenvolvimento da aprendizagem. O objetivo de Fonseca (2011) foi verificar as relações dos alunos da EJA com a apropriação dos conhecimentos de Física, mediadas pelos conteúdos/métodos desta disciplina. A autora partiu da hipótese de que a dificuldade de apropriação dos conhecimentos de Física pelos alunos decorre do fato de não se estabelecerem vínculos entre os conceitos cotidianos e os conceitos científicos no processo ensinoaprendizagem de Física. Em minha pesquisa o interesse é na relação entre alunos e conteúdos escolares e a interação entre os alunos e o professor que leciona a disciplina Química, para verificar se esta interação interfere na aprendizagem dos conteúdos. O estudo de Leite (2007) investigou as visões dos alunos relacionadas às suas experiências em aprender Ciências em um programa de Educação de Jovens e Adultos. A autora realizou entrevistas e as análises foram feitas considerando-se três eixos: concepções de aprendizagem, concepções de aprendizagem em Ciências e concepções sobre a natureza da Ciência. Na dissertação de Leite, o foco principal foi a aprendizagem a partir da visão dos alunos. Em minha pesquisa, tenho como foco a interação entre professor e alunos, com o objetivo de verificar a apropriação dos conteúdos de Química por jovens e adultos em sala de aula. Costa (2010), na tentativa de sinalizar um currículo diferenciado que criasse um diálogo entre os conteúdos a serem tratados e a vivência do público da EJA, elaborou e implementou uma proposta didática estruturada em eixos temáticos, baseada em Paulo Freire, tendo como tema “A Química dos Alimentos”. Metodologicamente, este estudo se caracterizou como uma pesquisa-ação, em que se utilizou a Análise de Discurso. O diferencial da minha pesquisa se comparada a esta, é a abordagem dos conhecimentos de Química como mediadores da interação entre professora e alunos em sala de aula, não ficando somente na implementação de uma proposta isolada. O trabalho de Frade Silva (2012) apresentou resultados sobre a apropriação, por professores do Ensino Médio, dos três aspectos constituintes do conhecimento químico: fenômenos, teorias e linguagem. Numa perspectiva dialógica, a autora constatou que a 15 apropriação da ideia de integrar esses diferentes aspectos, ocorreu num clima de tensão entre compreensões, convicções e condições de trabalho. Observou também que o processo de colocação em prática de um ensino de Química fundamentado nessa trilogia é percebido como um desafio pelos professores. Analiso, em minha pesquisa, as manifestações, seja por discurso oral ou escrito, seja por postura corporal, da relação do professor com os conhecimentos de Química e as mediações empregadas para que os alunos se apropriem dos conhecimentos. Depois das sínteses dos estudos consultados, falo agora das escolhas e aplicações para a minha pesquisa, que pertence ao campo do ensino de Ciências Naturais, de modo geral, e ao campo do ensino de Química na Educação de Jovens e Adultos, de modo específico. A escolha pelas Ciências Naturais aconteceu por ser esta a minha área de formação2 e por se tratar de uma área importante do currículo, que engloba as disciplinas Física, Biologia e Química, sendo a última de maior interesse nesta pesquisa. Para Delizocoiv, Angotti e Pernambuco (2011), os conteúdos dessas disciplinas são imprescindíveis para compreender e atuar no mundo contemporâneo, privilegiando métodos e atividades que favoreçam um trabalho coletivo dos professores e alunos com o conhecimento no espaço escolar e na sociedade. O interesse pela atuação do professor em sala de aula foi outro motivo pelo qual escolhi pesquisar este tema. Segundo Pozo e Crespo (2009), no ensino de Ciências Naturais, existe a sensação de inquietação e de frustração entre os professores, ao comprovar o limitado sucesso de seus esforços docentes. A maioria dos alunos não aprende a ciência que lhes é ensinada e, por não aprenderem a ciência, não veem sentido no conhecimento cientifico. Essa seria uma crise da educação científica, atribuída às mudanças educacionais introduzidas nos últimos anos nos currículos, de modo específico, na área de Ciências Naturais. A educação científica tem como princípio promover e modificar as atitudes nos alunos, algo que normalmente não acontece. A Química tem como objetivo principal, o estudo da matéria, suas características, propriedades e transformações, a partir de sua composição, que são os átomos e as moléculas. As dificuldades de aprendizagem referentes aos conteúdos da disciplina Química, de acordo com Pozo e Crespo (2009, p. 142) seriam 2 A mestranda é formada em Química, licenciatura, pela Universidade Federal de São João del Rei e possui Pós-graduação lato sensu Especialização em Educação, pela Universidade Federal de Lavras. 16 “determinadas pela forma como o aluno organiza seus conhecimentos a partir de suas próprias teorias implícitas sobre a matéria. Assim, a compreensão das teorias científicas implicaria superar as restrições que as teorias implícitas mantidas pelos alunos impõem, as quais se diferenciam das primeiras em uma série de supostos subjacentes de caráter epistemológico, ontológico e conceitual”. No ensino de Química, a construção do conhecimento é essencial para que os alunos se interessem pela disciplina e, assim, tenham como resultado a apropriação dos conteúdos. As teorias de aprendizagem apresentam importantes fundamentos para subsidiar as análises dos dados coletados. Na Teoria sócio-histórica de Vygotsky, a aprendizagem é um processo social e culturalmente mediado. A influência do ambiente social e cultural nos processos de aprendizagem coloca que a direção do desenvolvimento não vai do individual para o social, mas do social para o individual, destacando que o indivíduo progride pela apropriação da cultura através das interações sociais. A partir destas teorias, pode-se observar que a aprendizagem só acontece e proporciona sentido ao aluno quando esse aluno relaciona o conteúdo estudado ao que ele já estudou anteriormente, ao que ele está vivendo fora da escola, ao que é de seu interesse. O aproveitamento em relação ao ensino só é eficaz se este apresentar um conteúdo com linguagem conhecida para o aluno, despertando-lhe entusiasmo e curiosidade pelos estudos. A sala de aula é o local em que os sujeitos ali envolvidos, professor e alunos, têm a possibilidade de falar e, mediante negociações, chegar a conclusões. O professor ensina o seu aluno, mas esse aluno aprende também com os colegas mais experientes ou que tiverem vivências diferenciadas. A aprendizagem acontece por meio da interação e apoia-se em um conjunto previamente desenvolvido de conhecimentos, que tem origem nas experiências diárias dos alunos. Segundo Oliveira (1993), a sala de aula é caracterizada como espaço de interação pedagógica que pode impedir ou favorecer a efetivação de propostas inovadoras e/ou transformadoras e a construção de sujeitos sociais. 1.2 Os pressupostos teóricos Nesta pesquisa parto do pressuposto de que durante as aulas, ocorram diferentes interações entre professora e alunos, mediadas pelos conhecimentos de Química, tendo em vista a aprendizagem dos conteúdos desta disciplina. Por decorrência, pressuponho 17 que o tipo de relação que os alunos jovens e adultos estabelecem com os conhecimentos de Química interfere no processo de apropriação dos conteúdos selecionados para a disciplina. Do mesmo modo, pressuponho que o tipo de relação que a professora estabelece com os conhecimentos de Química, selecionados para serem desenvolvidos na disciplina, podem interferir na sua forma de ensinar e nas oportunidades de aprendizagem proporcionadas por sua prática educativa. Em suma, pressuponho que o ensino e a aprendizagem de Química apresentam sentido para os alunos quando estes fazem uma relação entre saberes, que podem ser os saberes da experiência de vida, os quais Vygotsky (2008) denomina de saberes prévios, com os conteúdos escolares. 1.3 Os objetivos 1.3.1 O objetivo geral Verificar a interação entre professora e alunos em sala de aula, tendo em vista a aprendizagem dos conhecimentos da Química, mediada pelos conteúdos selecionados para serem desenvolvidos por esta disciplina. 1.3.2 Os objetivos específicos Analisar situações em que professora e alunos se comunicam e se relacionam durante o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Analisar, por meio do discurso oral/escrito e/ou da postura corporal, as relações estabelecidas entre os alunos e os conhecimentos de Química, a partir dos conteúdos selecionados para a disciplina. Analisar, por meio do discurso oral/escrito e/ou da postura corporal, as manifestações da professora em relação aos conhecimentos de Química. Analisar as mediações empregadas pela professora para que os alunos se apropriem dos conhecimentos de Química. Analisar as estratégias que os alunos adotam para a realização das atividades da disciplina e as formas buscadas para aprender o conteúdo. 18 1.4 Os procedimentos metodológicos A metodologia desta pesquisa é qualitativa do tipo exploratória. O propósito da pesquisa exploratória é, primeiramente, proporcionar uma visão geral do fato a ser pesquisado. Por isso, a etapa inicial consistiu em conhecer a escola onde aconteceria a pesquisa, compreendendo seu espaço físico, seus funcionários, seus alunos e seu Projeto Político Pedagógico. A segunda etapa se baseou na definição das turmas de alunos em que a pesquisa iria acontecer. Por ser a Química uma disciplina do Ensino Médio, decidi pelas três turmas finais da EJA, possuindo cada uma, três aulas por semana. As turmas foram definidas como A, B e C. A revisão bibliográfica fez parte da fase exploratória, a partir do levantamento das dissertações e teses na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações da Capes, da busca por artigos em revistas eletrônicas sobre os temas Conteúdos escolares, Didática, Processo ensino-aprendizagem, Educação de Jovens e Adultos e Ensino de Química e de livros relacionados aos temas citados. A revisão bibliográfica prosseguiu, na medida em que a pesquisa se desenvolveu decorrente da necessidade de, em cada etapa, fazer-se uma nova revisão. Como aponta Tura (2003), é imprescindível que se proceda à revisão de literatura constantemente, porque esta acompanha as diferentes etapas do trabalho, possibilitando o acesso ao conhecimento acumulado sobre o objeto em estudo. Para a coleta dos dados foram utilizadas a observação em sala de aula e a entrevista com os alunos e a professora da EJA. 1.4.1 A observação em sala de aula A observação em sala de aula foi um dos principais procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa. Acompanhei as turmas assistindo às aulas de Química e participando de todos os rituais dos alunos dentro da escola, como aplicação de provas, projeção de filmes, hora do lanche, trabalho em grupo, aulas no laboratório e conversas informais nos intervalos. A decisão sobre a extensão do período de observação aconteceu de acordo com a quantidade e qualidade dos dados coletados. Nessa decisão, considerei que, quanto mais curto o período de observação, maior a probabilidade de conclusões apressadas e; um longo período de permanência em campo por si só não garante validade. Levei em conta outros fatores, como a minha habilidade 19 ao observar, a possibilidade de acesso aos dados, a receptividade do trabalho pela professora e pelo grupo de alunos, a finalidade dos resultados, entre outros. Durante as observações em sala de aula, registrei as falas e os acontecimentos por escrito. Os registros foram feitos diariamente, sempre datados, sinalizando os sujeitos envolvidos, o local, a situação observada, a influência da rotina e as normas da escola. Utilizei para os registros o caderno de campo, onde constavam, também, as observações sobre conversas informais, gestos, expressões, comportamentos, hábitos e costumes que se relacionavam ao tema da pesquisa. Para Minayo (1993), o caderno de campo tem como objetivo registrar, em tempo real, atitudes, fatos e fenômenos percebidos no campo de pesquisa. Por meio do registro, estabelecem-se relações entre as vivências da pesquisa e o aporte teórico dado na universidade e/ou adquirido pelo pesquisador, por seu próprio interesse. O pesquisador em educação utiliza o caderno de campo para relatar sua prática de pesquisa e depois refleti-la. A sala de aula é o lugar do aluno. Nela, ele se relaciona com os colegas e com a professora; participa do processo de ensino e aprendizagem. Por isso, o pesquisador se mostra apreensivo ao iniciar a pesquisa neste ambiente. Ao chegar à sala de aula da turma A, cumprimentei os alunos e me apresentei. Falei sobre a minha pesquisa e sobre o que eu faria ali na escola. Notei que os alunos se mostraram receptivos quanto a minha presença ali. Porém, para muitos deles, a presença de uma pessoa estranha em seu ambiente causa insegurança e desconfiança. Segundo Carvalho (2003), no cotidiano da escola, os espaços são estruturados, organizados, previstos e ocupados. Em toda essa estrutura, não há lugar previsto para o pesquisador ou pesquisadora, que não é professor, funcionário, nem pai ou mãe de alunos. Os alunos estranham uma pessoa que não se responsabiliza pela manutenção da disciplina e não pune. Do mesmo modo, os professores também se incomodam com a presença do pesquisador, por ele não ser um “colega” que se dispõe a substituir a professora ausente, ou a ajudar a organizar o material da aula ou da prova. É muito comum as pessoas não se sentirem bem sendo observadas. Para Iturra (1989, p. 157), o método de observação é violento: Violento para quem começa a ser observado; violento para quem observa. É uma relação onde a suspeita etnocêntrica é normalmente introduzida. E, para acabar com a suspeita, o investigador de campo é ritualmente introduzido, pelo grupo que estuda, dentro desse mesmo grupo. 20 De acordo com Tura (2003, p. 195), quando o observador chega ao campo é sempre “gente nova no pedaço” e, como em qualquer situação desse tipo, a forma como irão acontecer as primeiras aproximações é fundamental para a imagem que os alunos irão fazer dele. Qualquer pessoa faz diferença em um ambiente social. Quando o pesquisador permanece um período prolongado em sala de aula, sua presença, incômoda ou não, exige dos professores e dos alunos um espaço em seu cotidiano para o trabalho de observação. No momento da observação, o pesquisador estabelece uma relação de conhecimento com seu objeto de estudo, que é, por sua vez, um fenômeno concreto da vida social, imbricado em relações sociais e de poder, numa rede de significados socialmente compartilhados. Os estudos de André et al (1987) indicam que a observação envolve o pesquisador em múltiplas ações, entre elas o registrar, narrar e situar acontecimentos do cotidiano com uma intenção e atenção especiais. Envolve também a formulação de hipóteses ou questões, o planejamento e a análise do próprio modo segundo o qual o pesquisador olha seu objeto de estudo. O pesquisador ao olhar para seu objeto de estudo, precisa se reconhecer como parte do mundo que estuda, não podendo escapar do senso comum, nem evitar sua interferência no fenômeno que investiga. O pesquisador precisa lidar com o que as pessoas dizem, documentam ou reagem em situações de pesquisa, pois este é o seu material de trabalho. A reflexão sobre suas pesquisas tem como implicação metodológica levar em consideração as interpenetrações entre o senso comum e a teoria social. Assim, em vez de o pesquisador tentar eliminar os efeitos de sua presença no campo de investigação, o importante é buscar entendê-la (TURA, 2003). Considerando as posições dos alunos e da professora diante da minha presença em sala de aula, acredito que consegui manter contato respeitoso e harmonioso com todos. Aconteceram diversas situações em que fui chamada de colega e também de professora. Algumas alunas se sentiam à vontade ao conversar comigo, seja sobre o conteúdo das aulas, seja sobre assuntos diferentes, relacionados à sua vida pessoal ou ao seu futuro profissional. Em uma dessas situações, a aluna Paula perguntou: Oi, você é nova aqui? É seu primeiro dia? (Paula - Caderno de campo, 27/06/13, p. 40) 21 Eu respondi que não era aluna. Comentei sobre a pesquisa que estava realizando na escola. A aluna se interessou, perguntou qual curso eu fazia e em qual universidade. Após responder suas perguntas, ela continuou: Ah, o meu primo faz Engenharia Elétrica no CEFET. Tem que estudar né? Eu não sou prostituta, não sou filha de fazendeiro, não sou traficante, então eu tenho que estudar. Faz bem e sempre é hora, né? (Paula - Caderno de campo, 27/06/13, p. 41) Outro momento em que compreendi que minha presença não era “tão incômoda” na sala de aula, foi quando, depois de alguns dias de férias escolares, cheguei à escola e fui para a sala de aula. Chegando lá, cumprimentei os alunos que me receberam muito bem. A aluna Dona Albertina me abraçou e disse: Oi colega, achei que você não viria mais. Que bom que você veio! (Dona Albertina - Caderno de campo, 06/08/13, p. 55) Sentia também que algumas alunas confiavam em mim ao me contar assuntos pessoais, ao pedir conselhos. Devido à diferença de idade entre os alunos, a troca de experiências estava sempre presente, ajudando aqueles alunos com pouca instrução e sem experiência em relação à vida. Um dia, ao chegar à escola, encontrei-me com Dona Albertina no corredor, que foi logo me cumprimentando com um abraço: Oi colega, tudo bem? (Dona Albertina - Caderno de campo, 29/08/13, p. 103) Eu a cumprimentei dizendo que havia sentido sua falta na aula passada. Ela respondeu que havia faltado porque estava indisposta. No momento em que conversávamos a aluna Júlia saiu da sala chorando. Dona Albertina então, disse: Ela está chorando por causa do namorado que terminou com ela. Falei pra ela que é melhor agora, porque com o tempo ela iria se apaixonar... Vou até o banheiro ver como ela está. (Dona Albertina - Caderno de campo, 29/08/13, p. 103) 22 Nesta situação confirmei o carinho e a atenção entre as colegas. Dona Albertina é uma senhora de 64 anos, por isso, mais experiente. Ela sempre dava conselhos à aluna Júlia, bem mais jovem. A presença do pesquisador na escola pode ser percebida, ou não, por professores, alunos e funcionários da escola. Certo dia cheguei à escola e percebi algo estranho. Não havia alunos no elevador, no corredor e nem nas salas de aula. Percebi então um aluno conversando com o funcionário Carlos. O aluno perguntou o motivo por não ter aula. Ele respondeu: Vocês não leem nenhum recado né? Olha ali! (Apontando um papel na parede ao lado do elevador). (Carlos) Eu não vim à aula ontem. (Ari) Pois é, mas o recado está ali faz tempo. Vou ter que avisar na sala de aula, porque ninguém lê aviso. (Carlos) (Caderno de campo, 22/08/13, p. 83) Ele parecia bastante nervoso. Perguntei então: Bom dia, hoje não tem aula? (Mestranda) Não, você não viu o recado? Ali. Vocês alunos não prestam atenção em recados... (Carlos) (Caderno de campo, 22/08/13, p. 83) Penso que me confundiu com aluna, não sei. Agradeci e fui embora. Em outra ocasião, quando eu estava no corredor, indo para a sala de aula, este mesmo funcionário perguntou quem eu era. Às vezes, penso que minha presença foi mais notada e considerada pelos alunos do que pelos professores e funcionários da escola. Uma professora também me confundiu com aluna, pedindo que eu entrasse para a sala de aula, já que logo começaria a aula. Depois de todo o processo de adaptação e aceitação, por parte dos alunos e da professora, em relação à minha presença em sala de aula, passei então às observações. Verifiquei que os alunos levam para a escola seus saberes, sua cultura e sua realidade, o que permite a troca de experiências em sala de aula, lugar onde acontece a apropriação e a sistematização do conhecimento. A sala de aula é o espaço onde acontecem as 23 interações, em que são definidos os papéis dos sujeitos que ali frequentam. O professor ensina o seu aluno, mas esse aluno também ensina algo a seu professor. O aluno aprende também com os colegas mais experientes ou que tiverem vivências diferenciadas que, no caso da EJA é sempre possível, já que seus alunos possuem histórias e experiências de vida variadas. Após o período de seis meses de observação, passei então à realização das entrevistas. A escolha dos entrevistados foi de início, um desafio, superado com clareza graças ao convívio com os alunos, durante as observações. 1.4.2 As entrevistas As entrevistas foram realizadas com os alunos e com a professora das turmas da EJA investigadas. Elas aconteceram na escola, em uma sala de aula que se encontrava vazia por não haver aulas naquele turno (manhã). Não defini a priori o número de alunos que participariam da entrevista, pois, tudo dependeria da qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrência e divergência destas informações. Foram realizadas sete entrevistas, sendo seis com os alunos e uma com a professora. Quanto à escolha dos alunos para a entrevista, levei em consideração a presença frequente nas aulas que acompanhei e seu grau de interesse e participação nas mesmas. O desempenho escolar dos alunos também foi um requisito considerado para a escolha. Para isso, contei com a ajuda da professora, identificando os alunos com alto e com baixo rendimento escolar. Os alunos entrevistados foram: Armando, Dona Albertina, Elaine, Maria, Júnior e Mariana3. As situações de contato entre a mestranda e os alunos em relação ao convite para a participação nas entrevistas, aconteceu de forma bastante informal. Na própria escola, dentro da sala de aula, ou fora dela, quando finalizado o período das observações, convidei os alunos a participarem da entrevista. Sempre individualmente, perguntei se eles poderiam conversar comigo. Alguns alunos se assustaram, perguntando sobre o que seria a nossa conversa. Eu então expliquei e eles prontamente aceitaram o convite. Senti certa curiosidade pelas perguntas antes mesmo de realizá-las. Alguns pensaram que seria sobre os conteúdos estudados, tipo uma prova ou um questionário, daí o receio dos alunos. Depois da apresentação sobre como seriam as questões, os alunos ficaram 3 Os nomes dos alunos são fictícios. 24 tranquilos. As entrevistas transcorreram com muita facilidade. Claro que alguns alunos ficaram mais à vontade para falar; outros se mostraram tímidos e com isso, o assunto não se prolongou como eu gostaria. Um ponto que merece ser destacado é a gravação das entrevistas. Para facilitar e ajudar na transcrição utilizei um gravador. Antes, porém, de utilizá-lo, pedi autorização aos alunos. Nós vamos conversar sobre o ensino de Química na Educação de Jovens e Adultos. Primeiro, eu gostaria de pedir a sua autorização para gravar a nossa conversa, pra facilitar a transcrição posteriormente. (Mestranda) Ah, claro que pode... (Dona Albertina) (Entrevista, 19/11/13, p. 1) Alguns alunos ficaram preocupados com a voz no gravador. Diziam que a voz era ruim, feia, não adequada para a gravação. Para a nossa conversa, eu gostaria de usar o gravador, você se importa? (Mestranda) A minha voz é muito feia, vai ficar esquisito. (Júnior) Só eu vou ouvir a sua voz, mais ninguém. A gravação é para facilitar, ao passar a nossa conversa para o papel. (Mestranda) Então está bem, pode ser... (Júnior) (Entrevista, 26/11/13, p. 1) Os roteiros com as questões da entrevista (dos alunos e da professora) foram organizados com antecedência. Ao construir um roteiro é preciso decidir o conteúdo da pergunta e saber redigi-la; é preciso definir o lugar da pergunta na sequência apresentada; redigir vários rascunhos; reexaminar e rever as perguntas. Os roteiros devem ser coerentes com os objetivos da pesquisa para o rigor desejado da coleta dos dados (APÊNDICE B). O tipo de entrevista que adotei na pesquisa foi a semiestruturada. A principal vantagem deste tipo de entrevista foi a interação entre a mestranda e os entrevistados, o que favoreceu as respostas espontâneas, de grande utilidade para a pesquisa. Para 25 Duarte (2004b), as entrevistas são importantes quando o pesquisador deseja descobrir práticas, crenças e valores, e quando os conflitos e contradições não estão claramente explicitados. As entrevistas, quando bem realizadas, permitem ao pesquisador coletar indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade, levantando informações que lhe permitem descrever e compreender a lógica que pertence às relações estabelecidas no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados. Como qualquer outra técnica de coleta de dados, as entrevistas apresentam vantagens e desvantagens. As vantagens da entrevista são: coletar informações de pessoas que não sabem escrever; as pessoas têm maior paciência e motivação para falar do que para escrever; maior flexibilidade para garantir a resposta desejada; pode-se observar o que o entrevistado diz e como diz, verificando as possíveis contradições; estabelece uma relação de confiança e amizade entre pesquisador-pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados. As desvantagens da entrevista: o entrevistador afeta o entrevistado; pode-se perder a objetividade tornando-se amigo; exige-se mais tempo, atenção e disponibilidade do pesquisador: a relação é construída num longo período, uma pessoa de cada vez; é mais difícil comparar as respostas; o pesquisador fica na dependência do pesquisado: se quer ou não falar, que tipo de informação deseja dar e o que quer ocultar (GOLDENBERG, 2009). Segundo Duarte (2004b), a realização de uma boa entrevista exige que o pesquisador tenha bem definidos os objetivos de sua pesquisa; que ele conheça o contexto em que pretende realizar sua investigação; a introjeção, pelo entrevistador, do roteiro da entrevista; segurança e autoconfiança; informalidade, sem jamais perder de vista os objetivos que levaram a buscar aquele sujeito específico como fonte de material empírico para a investigação. Após a realização das entrevistas, aconteceu a transcrição. Depois de transcritas, as entrevistas passaram pela chamada conferência de fidedignidade, aquela etapa em que se ouve a gravação tendo o texto transcrito em mãos, acompanhando e conferindo cada frase, entonação, interjeições e interrupções. Ao transcrever e ler cada entrevista realizada foi possível corrigir erros, que poderiam atrapalhar as interpretações. Depois de transcritas, as entrevistas foram editadas. Os dados coletados a partir das entrevistas foram cruzados com os registros decorrentes da observação em sala de aula, possibilitando uma análise mais ampla do universo investigado. 26 2 - A ESCOLA, A PROFESSORA E OS ALUNOS Neste capítulo, apresentarei a escola onde foi realizada a pesquisa e os sujeitos que dela participaram. Descrever a escola, a professora e os alunos é de fundamental importância para compreender o alcance dos objetivos traçados. 2.1 A escola pesquisada A escola escolhida para a realização da pesquisa fica situada em um bairro da região Centro-Sul da cidade de Belo Horizonte4. É uma escola municipal que oferece a modalidade da Educação de Jovens e Adultos, nos turnos manhã, tarde e noite. Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola (2012), seu público é formado por jovens, adultos e idosos, sendo a maioria pais e mães responsáveis pelo sustento da família. A esse público, acrescentam-se adolescentes com idade entre 15 e 18 anos, que não encontraram acolhida nas escolas comuns, em função da disparidade idade-tempo escolar ou em decorrência de posturas inadequadas. Nos períodos iniciais do ano a escola possui cerca de 1400 matrículas. Depois, esse número varia entre 700 e 1000 alunos, devido à rotatividade própria do alunado da EJA, decorrente de empregos temporários, férias e recessos escolares. A constituição da coordenação, do corpo docente e da direção da escola orientase não só por critérios normativos estabelecidos pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Belo Horizonte, como também por aqueles necessários ao trabalho com a modalidade Educação de Jovens e Adultos, definidos pelo coletivo da escola e adequados a seus projetos específicos. Atualmente, todos os profissionais possuem formação em Nível Superior completo, alguns com Especialização, Mestrado e Doutorado. A escola atende a Educação Básica, da Alfabetização ao Ensino Médio. Tem como referência, o total de 2.880 horas de efetivo trabalho com o aluno, sendo 1.920 horas destinadas ao Ensino Fundamental e 960 horas, a carga horária de referência para o Ensino Médio. O tempo mínimo para certificação dos alunos é de 240 horas (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2012). Devido ao perfil dos alunos, cada turno escolar é composto por três horas de aula e mais trinta minutos de intervalo para o lanche. As aulas acontecem de segunda à quinta-feira. As sextas-feiras são destinadas às atividades de formação e 4 O nome da escola não será mencionado. Nem será usado outro nome, fictício, para denominá-la. 27 aperfeiçoamento dos professores. Neste dia, o laboratório de informática, a biblioteca, as salas de aula e demais equipamentos da escola estão disponíveis para os alunos que desejarem desenvolver atividades. O curso termina, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, a qualquer momento. Para isso, o Conselho de Classe se manifesta formalmente, levando em consideração a solicitação do aluno, o seu desenvolvimento, as habilidades e competências adquiridas pelo mesmo. Meu primeiro contato na escola aconteceu no dia 15 de maio de 2013. Ao chegar à escola conversei com o coordenador do turno da tarde e também professor da escola. Ele, porém, pediu-me que voltasse outro dia, pois o diretor da escola não estava presente. Eu assim o fiz, voltei no dia seguinte e conversei com a vice-diretora, já que o diretor estava de licença médica. A vice-diretora autorizou o início da pesquisa e me apresentou a professora de Química das turmas finais do Ensino Médio. Conversamos um pouco, expliquei-lhe o objetivo da pesquisa e a metodologia que seria adotada. Disse também como eu iria atuar durante as observações e durante as entrevistas. Ela se mostrou disposta a participar da pesquisa com seus alunos5. No dia combinado fui para a escola iniciar as observações. Confesso que estava um pouco apreensiva. Apesar da preparação prévia, por meio dos estudos sobre os temas de interesse, eu sabia que era preciso muita atenção a tudo o que aconteceria a minha volta, em cada turma investigada. Durante a observação do trabalho docente e da ação dos alunos em sala de aula, a dúvida mais frequente era aquela relacionada ao o que registar durante a observação. É preciso registrar tudo o que se vê e tudo o que se ouve? Responder essa pergunta não é fácil. Registrar tudo não é possível, é preciso selecionar o que de mais importante está presente ali e o que mais se aproxima da pergunta-problema e dos temas da minha pesquisa. Para iniciar as observações recorri a muitos estudos, porém destaco aqui, os de Candau (2011), Laffin (2007) e Enguita (1989). Para Candau (2011), na escola, é preciso reconhecer e valorizar os diferentes sujeitos ali presentes. Para isso, é importante o diálogo entre os diversos conhecimentos e saberes, a linguagem, as estratégias pedagógicas e recursos didáticos, o combate a toda forma de preconceito e discriminação no contexto escolar. Segundo Laffin (2007), a escola representa o lugar socialmente organizado com a função de trabalhar no processo de desenvolvimento e aprendizagem da cultura 5 Os nomes da vice-diretora, da professora e demais funcionários da escola também não serão mencionados. 28 humana. Na escola, o interesse dos alunos ao procurarem a EJA, é percebido pelos docentes como uma necessidade ligada ao conhecimento de ler e escrever, e não necessariamente com o conhecimento e com os saberes valorizados socialmente. Os alunos da EJA vivenciam em seu cotidiano, desigualdades sociais perante o mundo, no qual se inclui a escola, que também é desigual. Por isso, no processo da EJA, as propostas, ao lidarem com o conhecimento, não podem ser utilitaristas e imediatistas. O importante é selecionar e trabalhar com conteúdos que partam da realidade dos alunos, permitindo avançar no sentido de aprender os conhecimentos ditos do mundo letrado e que possam ajudar o aluno a fazer, como diz Paulo Freire, uma leitura mais ampliada de mundo. Para Enguita (1989), a escola é o cenário de uma trama de relações sociais que organizam a experiência cotidiana e pessoal do aluno com a mesma força ou mais do que as relações sociais de produção o fazem com a experiência do operário na fábrica ou do pequeno produtor no mercado. Muitos alunos vão à escola todos os dias no mundo, permanecem nela seis ou mais horas diárias, cinco dias por semana, trinta ou mais semanas por ano. Mesmo permanecendo tanto tempo na escola, a sombra dela se projeta sobre boa parte das horas não escolares, por meio do estudo, das tarefas, das repetições e indiretamente sobre seu tempo de ócio, como em jogos “educativos” e grupos nascidos das relações escolares. A partir do estudo desses três autores, Candau (2011), Laffin (2007) e Enguita (1989), verifica-se que a escola é constituída por sujeitos com diferentes expectativas e visões acerca do presente e do futuro e, por isso, cautela e respeito são fundamentais para a realização de uma pesquisa neste ambiente. Segundo Pinto (1987, p. 25), A escola é o meio que o aluno vai viver como aluno. É preciso aí estudar a relação entre os aspectos peculiares desse meio – a escola – com os demais. A escola representa a sociedade do aluno para o educador crítico, para o qual a sociedade representa a escola do educador. Quer dizer, a escola é um ambiente e, ao mesmo tempo, um processo. E como tal precisa ser entendida dinamicamente. A escola tem uma função social, pois compartilha com as famílias a educação das crianças e jovens; uma função política, pois contribui para a formação de cidadãos e uma função pedagógica, na medida em que é o local privilegiado para a transmissão e construção de conhecimentos relevantes. A escolarização desempenha um papel fundamental na constituição do indivíduo que vive numa sociedade letrada e complexa. 29 Por isso, a exclusão, o fracasso e o abandono da escola por parte dos alunos são fatores de extrema gravidade. O fato de o aluno não ter acesso à escola significa um impedimento da apropriação do saber sistematizado, de instrumentos de atuação no meio social e de condições para a construção de novos conhecimentos. A escola, entendida como local que possibilita uma vivência social diferente da do grupo familiar, tem um relevante papel, que é oferecer aos alunos a oportunidade de ter acesso a informações e experiências novas e desafiadoras capazes de provocar transformações e de desencadear processos de desenvolvimento e comportamento (REGO, 2005). Depois do estudo sobre a escola, torna-se importante apresentar o perfil e as perspectivas da professora e dos alunos, sujeitos importantes e responsáveis pela existência desta instituição. 2.2 A professora: entre o afetivo e o profissional Começarei este tópico apresentando a professora que participou da pesquisa e contando como se deu o nosso primeiro contato na escola. A professora de Química das turmas de EJA pesquisadas possui graduação em Farmácia e especialização em Metodologia do Ensino de Ciências. Trabalha na Prefeitura de Belo Horizonte desde fevereiro de 1997. Lecionou Química para turmas de primeiro e segundo ano do Ensino Médio, em uma escola comum. Depois, no mesmo ano, conseguiu transferência para a atual escola, onde está atualmente trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos. Meu primeiro contato com a professora me deixou muito tranquila e satisfeita. Antes desse contato, temia encontrar uma professora que talvez não quisesse participar da pesquisa, ou que se mostrasse desinteressada pelo tema. Minha surpresa foi grande diante da gentileza com que fui recebida, pela nossa primeira conversa e pela sua presteza em ajudar no que fosse necessário. Essa maneira de agir não é diferente com os alunos, pois confirmei, durante as observações em sala de aula, o quanto ela é querida e admirada por eles e o quanto sua aula desperta interesse e motivação, conforme mostrarei adiante. Ser professor na Educação de Jovens e Adultos é um desafio, devido a várias circunstâncias. A idade e a experiência de vida dos alunos influencia o processo de ensino e aprendizagem. A diferença de idade dos alunos em uma mesma turma pode ser considerada uma facilidade, na medida em que a experiência de vida maior de uns serve como incentivo para o envolvimento de outros. No entanto, a dificuldade fica para o 30 professor que, ao preparar suas aulas, precisa atender a todas as demandas dos alunos, articulando seus diferentes saberes advindos de suas experiências. Para a professora da pesquisa, a troca de experiências não é um problema e sim um fator favorável para a aprendizagem. Ela me contou que relata assuntos de sua vida pessoal e profissional aos alunos, assim como os alunos também contam suas experiências, referentes ao seu cotidiano e ao seu trabalho. Essa experiência compartilhada é importante para o crescimento dos alunos e da própria professora: O tempo todo, o aprendizado é em mão dupla. Aprendo muito com eles, com exemplos do trabalho de cada um. Levo comigo estes conhecimentos e continuo a compartilhá-los. (Professora – Entrevista, 05/12/13, p. 3) Segundo Simões e Eiterer (2007), a articulação entre os conteúdos escolares e os saberes prévios dos alunos é considerada importante ao observar a prática do professor. Com os conhecimentos levados pelos alunos para a escola, a atitude do professor se altera no sentido de que ele estaria aberto a instaurar uma relação mais democrática com o aluno, ainda que sem abdicar de seu papel de condutor do processo. Ao realizar a entrevista com a professora, perguntei como ela articula os conteúdos escolares com os saberes prévios dos alunos em sala de aula, e se ela via alguma diferença na aprendizagem quando essa articulação acontecia. A professora respondeu: Essa articulação é muito importante. Além dos alunos se sentirem integrados e “importantes” com o conteúdo, é como se eles já usassem aquele conhecimento e só não soubessem dar o “nome” para ele. Por isso é sempre bom uma conversa no início do ano, quando se procura informar sobre o trabalho de cada um ou qual a carreira gostaria de seguir; qual o tempo longe do ambiente escolar… Uma conversa respeitosa, para que eles se sintam acolhidos e percebam que, na sala, existem muitos alunos como ele. (Professora – Entrevista, 05/12/13, p. 3) Um novo conteúdo pode assustar o aluno. Por isso, o professor precisa ajudar seus alunos nessa transição, do desconhecido ao conhecido, explorando seus saberes 31 prévios. O aprendizado pode apresentar sentido aos alunos quando o acesso às atitudes, às experiências e aos saberes desses alunos são vinculados com o que está sendo ensinado. Apesar da importância dessa articulação entre os saberes prévios dos alunos e os conteúdos escolares, os professores precisam se comprometer a tentar colocar o conhecimento científico ao alcance dos alunos. Porém, esse desafio não pode ser enfrentado com as mesmas práticas de tempos anteriores e para a mesma escola. Atualmente está tudo diferente, a quantidade de alunos aumentou, o processo de socialização se transformou, as formas de expressão, as crenças, os valores, as expectativas dos alunos mudaram. É preciso transformar a prática pedagógica, no intuito de atender a diferentes interesses, tanto dos alunos, quanto da sociedade como um todo. Young (2007) fala sobre o conhecimento poderoso. Para ele, esse conceito não se refere a quem tem mais acesso ao conhecimento ou quem o legitima, mas refere-se à aplicação do conhecimento. Os pais esperam, mesmo que às vezes inconscientemente, ao fazerem sacrifícios para manter seus filhos na escola, que eles adquiram o conhecimento poderoso, que não é disponível em casa. O conhecimento poderoso nas sociedades modernas é o conhecimento especializado. De acordo com Young (2011), o conhecimento incluído no currículo deve basear-se no conhecimento especializado desenvolvido por pesquisadores. As disciplinas são as ferramentas que os professores têm para ajudar os alunos a passarem para a experiência ao que o psicólogo russo, Vygotsky, chama de “formas mais elevadas de pensamento”. As disciplinas reúnem objetos de pensamento como conjuntos de conceitos sistematicamente relacionados. Usar os conceitos teóricos de disciplinas e os conceitos cotidianos, resultantes da experiência de vida e de trabalho que os alunos levam para a escola, envolve processos de pensamento muito diferentes. Assim, as escolas acabam precisando de professores com esse conhecimento especializado. Além disso, se o objetivo das escolas é “transmitir conhecimento poderoso”, as relações professor-aluno acabam tendo características específicas em virtude desse objetivo. Acredito ser o conhecimento poderoso muito importante para o aluno se apropriar das informações veiculadas por especialistas, no entanto, se não houver a articulação entre esse conhecimento poderoso e os saberes prévios dos alunos, a aprendizagem não acontece. No caso da EJA, os alunos precisam se reconhecer na construção do conhecimento, precisam se integrar para elaborar, com o professor, um novo saber. 32 O jovem ou o adulto que retorna, depois de vários anos fora da escola, apresenta uma ansiedade para recuperar o tempo perdido, principalmente pelas pressões do mercado de trabalho. Todavia, isso não justifica a oferta de uma escolarização aligeirada, já que a educação básica precisa primar pelo princípio da igualdade de acesso ao conhecimento produzido pela humanidade. Quando a escola atende alunos jovens e adultos, reconhecendo-os como sujeitos de direito à educação, passam a perceber que os seus conhecimentos prévios e o aprendizado acumulado ao longo da vida têm muito a contribuir para o conhecimento produzido pelas diversas áreas da ciência. A perspectiva de reconfiguração do conceito de educação para jovens e adultos, repõe na cena educacional uma questão importante: Para quais alunos estão sendo formados os professores? A formação de professores no Brasil, historicamente, tinha forte influência das chamadas escolas normais até o período da Reforma Universitária de 1968, quando aconteceu a criação das faculdades de educação. O resultado das reformas da ditadura militar foi a convivência entre um curso técnico em magistério, que prepararia os professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental e as licenciaturas plenas, nas universidades, que titulariam os professores para as disciplinas do Ensino Médio. Esse modelo de formação de professores que vigorou até a LDB/96, em seu formato padrão, não previa formação específica para atender os alunos jovens e adultos. Essa realidade, no entanto, não mudou radicalmente. Ainda hoje é notada a ausência de formação específica para atuar com jovens e adultos na maior parte dos cursos de licenciatura do país (MACHADO, 2008). O descompasso entre a formação do professor e a realidade dos alunos na EJA causou, e tem causado ainda, situações de difícil solução. É necessária uma reflexão sobre como lidar com alunos que chegam cansados e dormem durante a aula. É preciso também pensar em como auxiliar os alunos no processo de aprendizagem e em como atender as diferenças de interesse, tendo na mesma sala adolescentes e idosos. O aluno Júnior, durante a entrevista, representou em seu depoimento o fato mencionado acima. A professora sabe que a gente vem do trabalho, que a gente chega aqui super cansado, com sono, às vezes assim, estressado mesmo... Ela, conhecendo a gente como conhece, tenta trabalhar pelo lado psicológico, assim... Eu percebo muito isso nela, em outros professores eu não vejo isso. Muitos professores acham que tem que levar aos trancos e barrancos, daquele jeito, sabe? Eu já prestei atenção na professora, ela é muito paciente com a gente. (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 2) 33 Para Ribeiro e Melo (2009), o professor é um dos responsáveis pela permanência do aluno na escola, por isso sua formação é tão importante. Muitos professores se preocupam em garantir materiais didáticos adequados, conteúdos com significados e metodologias apropriadas para trabalhar com esses alunos que possuem idades e rotinas diferenciadas (estudam e trabalham), porém, se sentem despreparados, pois não tiveram a formação adequada para lidar com essas situações. Os professores que atuam nesta modalidade de ensino possuem a mesma qualificação do professor do ensino diurno e em quase sua totalidade não passaram, em seus cursos de formação inicial por nenhuma disciplina voltada, especificamente, para a problemática da EJA. Tardif (2000) argumenta que os cursos de formação de professores, no âmbito da universidade, não têm conseguido formar professores reflexivos e preparados o suficiente para lecionarem nas diferentes modalidades de ensino, por estarem ainda centrados no saber acadêmico, teórico e científico. Para Silva (2010), questionamentos sobre a formação de professores têm sido pertinentes porque a profissão docente não pode mais ser reduzida ao domínio dos conteúdos das disciplinas e às técnicas para transmiti-los, considerando-se que o significado do saber escolar define-se atualmente, no diálogo com o saber dos alunos, com a realidade objetiva em que as práticas sociais se produzem. No cotidiano da sala de aula, a prática não se dá de forma idealizada como é ensinada nos cursos de formação inicial. São muitas as situações divergentes que, não sabendo como lidar, haja vista que não “aprendeu”, o professor passa a optar por novas formas de agir. Em relação aos estudos de Silva (2010), é interessante apresentar a pesquisa realizada por Almeida (1986). Ao analisar as redações das provas de um concurso para o preenchimento de vagas no magistério do Estado de Minas Gerais, Almeida (1986) constatou que os autores das redações negavam ao professor o compromisso de ensinar, atribuindo-lhes outras responsabilidades. Para os autores das redações, o amor era a grande arma do educador, não raro condição necessária e suficiente para o desempenho de sua tarefa. A formação profissional não tinha muita importância, acreditando que, para desempenhar sua tarefa, o que contava não eram os conhecimentos e habilidades adquiridos e desenvolvidos na escola. Esse discurso dos professores é interessante para o Estado, que se abstém da responsabilidade do insucesso escolar. Nunca se poderá alegar má formação, apenas falta de vocação, já que, se um profissional fracassou, é porque não nasceu para o magistério e porque não ama seus alunos. Nada mais útil e conveniente ao Estado do que divulgar, cada vez mais, esse tipo de pensamento: todos 34 os defeitos da educação explicam-se por deficiências pessoais do professor. É urgente, então, a recuperação do professor focalizada no domínio do conteúdo do saber escolar e dos métodos adequados para transmitir esse conteúdo. Já é hora de os professores se convencerem de que é necessário e indispensável ensinar, sobretudo para as classes populares, que precisam conhecer para lutar contra a discriminação social. Já é hora de se promover a recuperação do professor. Do professor mesmo: daquele que ensina, sem palavras pomposas, sem metáforas. Daquele que, por acreditar possível e necessário ensinar, prepara-se, convenientemente, para isso, procurando tanto dominar os conteúdos e as maneiras mais eficientes de transmiti-los quanto conhecer o aluno. Daquele que, consciente de sua competência profissional, tem o direito de reivindicar condições de trabalho, prestígio, status, reconhecimento, salários (Almeida, 1986, p. 151). Os professores, de acordo com Esteves (2004), constituem a peça-chave da mudança educativa e do aperfeiçoamento da escola, pois eles são responsáveis por desenvolver, definir e interpretar o currículo. O que pensam, acreditam e fazem na sala de aula, é que dá forma ao tipo de aprendizagem oferecido aos alunos. A melhoria do ensino não consiste somente no desenvolvimento de melhores métodos pedagógicos, depende muito mais da formação de professores em novas competências para a gestão da sala de aula. Segundo Machado (2008), fala-se muito dos professores na sua formação inicial, na graduação, no entanto, existe um desafio maior, que é pensar e propor alternativas para o significativo número de professores já graduados, atuando na EJA, nas redes públicas de ensino. A eles, sem dúvida, destinam-se as estratégias de formação continuada, seja no nível de aperfeiçoamento, seja na perspectiva da pósgraduação latu sensu e stricto sensu. Não existem e não podem existir escolas sem professores, também, não pode existir aprendizagem escolar sem ajuda. A ajuda fornecida pelo professor precisa estar associada aos esquemas de conhecimento que os alunos possuem. O ensino deve apontar não para aquilo que o aluno já conhece ou faz, mas para o que não conhece suficientemente, de modo que consiga, depois da ajuda, conhecer. Segundo Antunes (2008, p. 25) Quando um professor ajuda um aluno a atribuir significados, desenvolve um processo que mobiliza em nível cognitivo um contraste entre o que se sabe e o que é novo e esse processo é animado por um interesse e uma motivação, em que se quebra um equilíbrio inicial, provocando nessa ruptura um desequilíbrio que leva a cabo determinadas ações para conseguir um novo estado de equilíbrio. 35 Conseguindo provocar esse processo, terá efetivamente ajudado o aluno a construir significados. A aula, dessa maneira, se situa como uma proposição de problemas, indagações curiosas, contextualizações surpreendentes, sugestões de desafios, estímulos às deduções construídas sobre pistas oferecidas e nunca como a simples passagem de informações. Portanto, ser professor está além do ensinar em sala de aula conteúdos aprendidos na universidade. Ser professor significa dar importância aos saberes da sua própria prática, para que, a partir desses saberes, se faça uma reflexão em busca da melhoria do ensino. Para Gadotti (2002), ser professor hoje, não é nem mais difícil nem mais fácil do que era em algumas décadas passadas, é diferente, ou seja, diante da velocidade com que a informação se desloca, envelhece e morre, diante de um mundo que muda constantemente, a formação continuada do professor torna-se permanentemente necessária. 2.3 Os alunos jovens e adultos: entre os sonhos e a realidade Na escola em que realizei a pesquisa, encontrei alunos jovens e adultos, com origens marcadas pelas desigualdades sociais, econômicas e culturais. Ao conversar com eles, verifiquei que a maioria abandonou a escola para trabalhar e assim, garantir o sustento da família. Algumas alunas me contaram que não frequentaram a escola, porque se casaram muito jovens e logo tiveram filhos, implicando na necessidade de cuidar da casa e da família. Nas turmas observadas, verifiquei também que havia muitos adolescentes e jovens que não obtiveram sucesso no ensino comum e por isso, foram para a EJA. A maior parte dos alunos que frequenta os cursos da EJA está fora do mercado formal de trabalho e sobrevivem de subempregos no mercado informal. Alguns alunos perderam oportunidades no trabalho devido à baixa escolarização, deixaram de ganhar um melhor salário porque não tinham o Ensino Médio completo. Ao me contarem suas histórias, percebi o sentimento de frustração presente em suas palavras. A aluna Maria, de 56 anos, relatou sua situação. Eu tive diversas oportunidades de voltar pra escola, mas eu não pude. Primeiro, porque as crianças eram pequenas; segundo, porque meu esposo não concordava nem que eu trabalhasse, pior seria se eu falasse que ia estudar... (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 2) 36 Eu entrei na escola como auxiliar de serviços gerais, depois trabalhei seis anos na cantina. Saí da cantina por problema de saúde, fui desviada de função e fui trabalhar como auxiliar de secretaria. Depois, eu saí da secretaria e agora trabalho só no “xerox”. Eu perdi várias oportunidades. Em 1998, se eu tivesse o Ensino Médio, eu poderia ter concorrido ao cargo de vicediretora da escola, mas, não foi possível. Aí depois surgiram outras oportunidades que eu poderia estar participando, mas não pude porque não tinha o Ensino Médio. (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 1) O aluno Júnior, de 36 anos, trabalha como vigilante noturno. Tem muita força de vontade, dá importância à sua formação e relata as oportunidades perdidas no emprego, devido à falta de estudos. Venho direto pra escola, hoje inclusive eu estava trabalhando e vim correndo pra não perder a primeira aula. A vontade é ir pra casa dormir, descansar, cuidar dos meus afazeres, mas, tenho que terminar o Ensino Médio. (Júnior - Entrevista, 26/11/13, p. 1) Eu dou valor a escola, a estudar porque a minha vida sempre foi muito sofrida, tinha que trabalhar e estudar, até hoje está assim. Por causa da falta dos estudos, eu perdi muitas oportunidades na vida. (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 4) A importância sempre é o saber mas, é importante também o emprego. Eu preciso mudar de emprego. Eu tive uma promoção no trabalho mas exigia que eu tivesse o Ensino Médio completo, aí eu não fui promovido. Aí o meu superior pediu pra eu estudar, e assim que eu terminar, eu vou procurar ele, pra pedir minha promoção. (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 4) 37 Algumas alunas, de mais idade, não têm como empecilho o trabalho, já que são aposentadas. No entanto, o cansaço e a indisposição relacionada à saúde, prejudicam seu desempenho escolar. Durante o intervalo, fiquei na turma A conversando com Dona Célia e Maria. Conversamos sobre alimentação. Dona Célia disse que está desanimada em vir para a escola porque ontem passou mal o dia todo. Tem problemas de gastrite. Disse que às vezes, tem vontade de desistir. (Caderno de campo, 17/09/13, p. 133) Ah, eu também fico desanimada, com vontade de parar, mas minha filha não deixa, ela fala que eu tenho que terminar. (Maria - Caderno de campo, 17/09/13, p. 133) Os lugares ocupados pelo aluno jovem e pelo aluno adulto na escola estão relacionados com a identidade do curso da EJA. De acordo com Moura (2007), existe a tendência em igualar os objetivos do ensino na modalidade EJA aos objetivos do ensino ofertado aos alunos na idade apropriada. Contudo, os jovens e adultos têm características próprias que devem ser consideradas nas propostas de trabalho. A instituição escolar precisa apresentar sua proposta, em relação às expectativas e modos de ser dos jovens e adultos. O valor da escola para estes alunos vai além das expectativas intelectuais. A sociabilidade que a escola pode oferecer promove a autoestima dos alunos fazendo-os encontrar sentido nos conteúdos escolares. Sobre os conteúdos escolares, notei que para os jovens e adultos da EJA, a ansiedade é ainda maior ao iniciar os estudos. A disciplina Química, foco desta pesquisa, causa insegurança nos primeiros dias de aula. Essa insegurança dos alunos se deve ao pouco tempo de estudo e as muitas responsabilidades financeiras e familiares, pois, como eu disse anteriormente, a grande maioria é trabalhadora e responsável pelo sustento da família. Sua rotina é cansativa e a falta de motivação dos alunos está relacionada com o sentimento de culpa e vergonha por não ter concluído os estudos na época oportuna. Com isso, é preciso priorizar aos alunos, a reconstrução de uma visão de mundo mais articulada e menos fragmentada, proporcionando ao aluno a formação de um pensamento crítico. Para isso, o professor precisa conhecer a realidade do aluno e 38 seus conhecimentos prévios. Agindo assim, rompe-se com aquela tão comum fragmentação dos conteúdos, contribuindo para que o aluno construa seus conhecimentos em Química e perceba que a mesma faz parte do seu dia a dia. Para Naddeo (2005), diante das exigências sociais, pressupostos e finalidades foram realinhados e, com a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), essa discussão passou a se tornar frequente no dia-a-dia dos professores e profissionais da Educação. A escola não pode se mostrar fragmentada, fazendo do conhecimento uma colcha de retalhos. As experiências de vida dos alunos e dos professores são a base para a aquisição de conteúdos relevantes e contextualizados em casa e na sala de aula. Para Budel e Guimarães (2009), a forma intencional de articular o cotidiano com os conteúdos trabalhados em sala de aula possibilita aos alunos maior apropriação dos conteúdos de Química, já que valoriza as suas vivências e oportuniza sua participação. Quando um conteúdo é integrado de alguma forma ao seu contexto histórico e tendo esse conhecimento aplicações práticas, o ato de conhecer ativa a imaginação e o interesse. O aluno adulto é oriundo de um grupo social que ficou durante muito tempo sonhando com o momento de retornar à escola, alimentando desejos e expectativas de concluir algo que teve início na infância ou nem chegou a começar por falta de oportunidade. O aluno jovem, por sua vez, é maioria na EJA que, não conseguindo a aprovação no ensino comum, ingressa nessa modalidade, acreditando que o sucesso escolar estará garantido. O Ensino Fundamental e o Ensino Médio apresentam grande reprovação e repetência entre alunos com idades entre 14 e 17 anos, o que acaba gerando a exclusão desses jovens da escola e a sua transferência para a EJA. A Educação de Jovens e Adultos se transformou em mecanismo de “aceleração de estudos” para adolescentes e jovens com baixo desempenho escolar. Os alunos que participaram das entrevistas formavam um grupo heterogêneo. As idades variavam de 20 a 62 anos. Os jovens entrevistados sonhavam em se qualificar profissionalmente a partir do Ensino Superior. A aluna Mariana, de 20 anos, tinha como desejo se formar em Pedagogia para alfabetizar crianças. Esse desejo foi decorrente de uma experiência de trabalho que teve anteriormente. Aí, se Deus quiser, eu vou estudar de manhã e trabalhar na farmácia à tarde. Depois, pretendo fazer estágio na prefeitura. Porque eu trabalhei lá na região leste, foi onde abriu as portas 39 pra mim... Eu sempre gostei muito de criança, mas eu não tinha noção de que eu pudesse ter uma profissão... Lá eu via as pedagogas da Regional indo trabalhar, a carência das mães e das crianças que iam lá. Lá que abriu mesmo as portas pra mim, minha vontade é essa, trabalhar como as pedagogas que eu via por lá. (Mariana – Entrevista, 12/11/13, p. 4) Elaine, outra jovem aluna de 25 anos, veio trabalhar em Belo Horizonte. Fez a matrícula na escola e hoje é considerada uma das melhores alunas pela professora. Seu sonho é voltar para sua terra natal, Mato Grosso, e cursar Engenharia de Alimentos. Quando eu vim morar com ela (a patroa) pra cuidar da neném, ela disse que a primeira coisa que eu iria fazer era procurar um lugar pra estudar. Aí eu fiquei enrolando... Aí ela disse: “Desse ano não passa!” E ela veio comigo fazer a matrícula. (Elaine – Entrevista, 14/11/13, p. 5) Essa mesma aluna fala sobre a importância dos estudos para a sua vida e do desejo em ter um futuro melhor, se comparado à situação de sua família hoje. Na vida a gente precisa de escola, de estudo. Eu por exemplo, parei quatro anos. Eu estava meio que revoltada (risos). Aí no ano passado, eu pensei: ‘eu quero algo mais pra minha vida’. Minha família é muito humilde, e de todas as pessoas que estão na minha família, hoje eu vejo que eles não têm uma visão de futuro. Ninguém da minha família nunca saiu do Mato Grosso.... Aí eu pensei: ‘Nossa, eu já fiz tanta coisa, tanta coisa legal que ninguém fez, mas eu não tenho faculdade’. Eu fiquei olhando e vi que ninguém da minha família tem faculdade... aí eu falei: ‘Eu quero fazer faculdade’. Não é por eles não terem, é por uma vontade minha, pra ter um futuro melhor. Um futuro melhor do que eles têm agora. (Elaine – Entrevista, 14/11/13, p. 3) Posso dizer que a conversa, durante a entrevista com os jovens alunos, me mostrou que o sonho é fundamental para que uma pessoa siga em frente em busca de 40 seus objetivos. Esses alunos poderiam estar acomodados em seu trabalho, sem estudar. No entanto, apesar da defasagem escolar, enfrentaram os desafios e hoje desejam entrar na universidade e conquistar uma boa colocação no mercado de trabalho. Os adultos, por sua vez, mostram força de vontade em continuar os estudos, em fazer faculdade e em melhorar seu salário no trabalho que possuem. Dona Albertina, de 62 anos, aposentada, queria cursar Serviço Social, por gostar de ajudar as pessoas. Além disso, ela pensa que estudar ocupa o tempo, não a deixa triste e deprimida. Depois que eu aposentei eu passei a ajudar meus vizinhos. Eu tenho uma vizinha que tem Síndrome de Down. Além disso, ela ficou cega e tem 44 anos. A mãe dela já é velhinha, tem lá seus oitenta e poucos anos. Eu falei pra mãe dela que ia cuidar dela. Levei ela no dentista, no médico de visão... Vou ajudar ela. Isso é uma coisa minha, eu gosto de ajudar, faz bem pra mim. Por isso que eu quero estudar pra ter um comprovante de que eu sei fazer aquilo que eu estou fazendo. (Dona Albertina – Entrevista, 19/11/13, p. 1) (...) Vou tentar faculdade. Já estou inscrita na UNA. Vou tentar o curso de Serviço Social, com duração de quatro anos. Eu vou encarar, com a cara e a coragem.6 (Dona Albertina - Entrevista, 19/11/13, p. 4) A aluna Maria trabalha em uma escola e já passou por diferentes funções. Foram vários os motivos que não permitiram a sua volta à escola. Depois de muitos anos, sua filha a incentivou a estudar e hoje é uma aluna dedicada e responsável. Minha filha falou assim “Vamos?”. Eu adiei, adiei por mais um tempo... aí quando ela estava no 1º ano, ela disse: “Agora a senhora vai”... e estou aqui. (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 2) 6 Essa aluna foi aprovada na Universidade UNA, no curso Serviço Social. Entrei em contato com ela por telefone e ela me contou, muito feliz, a sua aprovação. 41 O adulto subsiste se efetua trabalho, mas, por outro lado, só pode fazê-lo nas condições oferecidas pela sociedade onde se encontra, que determina as possibilidades e circunstâncias materiais, econômicas, culturais de seu trabalho. Por isso, na medida em que a sociedade se desenvolve, a necessidade da educação de adultos se torna mais imperiosa. Alguns jovens e adultos já atuam como educados, porém, não em forma alfabetizada e escolarizada. A sociedade se apressa em educá-los não para criar uma participação, já existente, mas para permitir que esta se faça em níveis culturais mais altos e mais identificados com os estandartes da área dirigente, cumprindo o que julga um dever moral, quando em verdade não passa de uma exigência econômica. O aluno adulto é antes de tudo um membro atuante da sociedade. Não apenas por ser um trabalhador, e sim pelo conjunto de ações que exerce sobre um círculo de existência (PINTO, 1987). Portanto, ao caracterizar o aluno da EJA, não importa se ele é jovem ou adulto, o importante é entender a sua situação de excluído, seja pela sociedade ou pela própria escola. Ao procurar a Educação de Jovens e Adultos, os alunos entendem que, por meio dela, é possível sair dessa situação de exclusão. 2.3.1 A visão dos alunos sobre a escola Durante o período em que estive presente nas aulas, para a realização das observações, procurei conhecer o que os alunos pensavam sobre a escola. Verifiquei que alguns alunos se mostravam satisfeitos por estarem ali, outros, reclamavam de uma coisa ou outra. A escola, para os alunos, era um sonho distante, que foi impedido tempos atrás, quando precisaram parar ou nem sequer puderam começar, por conta do trabalho, da família ou outro motivo. Dona Albertina adorava estudar e desejava que outras pessoas pudessem ter a mesma oportunidade que ela teve. Ficou triste ao saber que a EJA poderia acabar pela falta de alunos. A escola ajudou demais. Agora ouvi dizer que eles estão querendo acabar com a EJA, pela falta de interesse. Mas eu espero que não acabe, porque é maravilhoso! Eu acho! Pra mim foi TUDO de bom! (Dona Albertina – Entrevista, 19/11/13, p. 2) 42 Falei que eu vim aqui buscar saber, e eu vou acrescentar muito ao pouquinho que eu já sabia. Eu falo que a EJA pra mim, foi tudo de bom, porque foi o caminho que eu encontrei pra tirar o segundo grau sabendo. (Dona Albertina– Entrevista, 19/11/13, p. 3) Assim como a aluna elogia os estudos na EJA, ela também coloca que a escola ainda precisa melhorar no que diz respeito aos conteúdos de ensino e ao pouco tempo de aula. O problema aqui é o pouco horário, pouco tempo de aula. Não dá pra você pegar muita coisa porque o tempo é pouco, mas, o que a professora ensina, mesmo no pouco tempo que a gente tem, a gente consegue pegar. Dá pra falar que você aprendeu a apostila toda? Não! Porque o tempo é pouco, logo dá o sinal. (Dona Albertina– Entrevista, 19/11/13, p. 2) O tempo é uma regra presente na escola. Por isso, foram definidas para essa escola, por dia, três aulas com duração de uma hora cada. Pensando no currículo, composto por diversos e diferentes conteúdos, e pensando também na dificuldade dos alunos em relação a esta disciplina, o tempo é realmente curto para tantas atividades. A aluna tem razão ao citar este problema. Segundo Oliveira (1999), a escola funciona com base em regras e possui uma linguagem específica, conhecida por todos que nela estão envolvidos. A linguagem e as regras estipuladas pela escola só serão aprendidas no âmbito da escola e não fora dela. Assim como o pouco tempo citado pela aluna, existem outros motivos que causam desconforto aos alunos. O próprio retorno à escola seria um desconforto, devido aos alunos não dominarem a linguagem e as regras desenvolvidas na escola. Aparece também a vergonha, provocada pela idade e pela falta de conhecimento e a insegurança quanto à sua capacidade em aprender. Segundo Oliveira (1999), a escola pode proporcionar aos jovens e adultos um ambiente propício à aprendizagem, desde que esteja preparada para receber esses alunos que não tiveram a oportunidade de estudar na idade apropriada, ou que, por algum motivo, abandonaram a escola antes de terminar a educação básica. A escola, ao promover o acolhimento desse aluno, estará garantindo 43 que ele não a abandone. De acordo com Martins (2007), o aluno quando se sente acolhido na escola, passa a falar, a participar das aulas e a comentar os problemas que afligem o seu cotidiano. O silêncio, que antes parecia ser uma característica inerente, passa a ser visto como algo do passado, na medida em que o educando passa a se ver como sujeito ativo que pensa e modifica o mundo. Galvão (2007) investigou os significados que a escola e o fato de aprender têm para o aluno e verificou que o aluno só adquire saberes se estudar e ele só estudará se a escola e o fato de aprender fizerem sentido para ele. Para os alunos advindos de famílias de baixa renda, a relação com a escola não implica uma relação com o próprio saber, eles vão à escola para mais tarde terem uma profissão e assim um futuro melhor. Eles ligam escola e profissão sem referência ao saber e acreditam que o que a escola ensina não faz sentido em si mesmo, mas vai fazer em um futuro distante. Diante do estudo sobre a escola, os alunos e a professora da pesquisa, julgo importante fazer uma reflexão sobre algumas especificidades da Educação de Jovens e Adultos para melhor compreender a relação trabalho-educação que permeia esta modalidade de ensino, os avanços em relação aos programas de formação integral e o próprio ensino de Química, interligado às características da EJA. 44 3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FORMAÇÃO HUMANA E FORMAÇÃO PARA O TRABALHO A Educação de Jovens e Adultos é definida como uma modalidade da educação que consiste no rearranjo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. É caracterizada por duração de tempo menor e por condensação dos conteúdos. Essa é uma definição incorreta para a EJA. Na verdade, a Educação de Jovens e Adultos é caracterizada pela faixa etária acima da idade do ensino comum, onde se encontram jovens que não obtiveram sucesso na escola formal e adultos que tentam iniciar ou continuar sua formação escolar. Essa, porém, não é sua única característica. No tópico a seguir, serão apresentadas outras considerações a respeito da EJA. A formação escolar dos jovens e adultos é permeada por programas de educação integral que tentam articular a formação humana e a formação para o trabalho. Apresentarei algumas reflexões sobre esta relação no decorrer deste capítulo. Acrescentarei, também, um tópico sobre a Química, para verificar como ocorre o ensino desta disciplina tendo em vista as particularidades da EJA. 3.1 Algumas considerações sobre a Educação de Jovens e Adultos O Brasil está, no século XXI, com milhões de brasileiros sem escolarização básica. Para Machado e Rodrigues (2013), a oferta da educação, ou sua ausência, é resultado de um sistema social e econômico excludente. No contexto educacional, os direitos à EJA, pós-Constituição Federal de 1988, têm se alargado, mas, enquanto políticas públicas têm sido incluídas, de forma precária e marginal pelo Estado, nas fronteiras entre a responsabilidade pública e privada, entre as políticas sociais compensatórias e a filantropia. A inserção da EJA como modalidade da educação básica, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) Lei nº 9.394, de 1996 e nos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é considerada uma conquista. No entanto, a facilidade no acesso de jovens e adultos trabalhadores à escola, não assegura sua permanência em sala de aula nem a sua conclusão com êxito na aprendizagem. Isso acontece devido à repetência e ao fracasso escolar que estão presentes na política educacional, resultado da defasagem idade/série, que tem levado ao abandono da escola, jovens marcados por negativas experiências escolares e adultos que não tiveram acesso 45 à escolarização. Na política da EJA, verifica-se uma alteração na integração entre educação básica e educação profissional, retomando a velha lógica da relação trabalho e educação, com a promessa de treinamento rápido e emprego aos trabalhadores para atender ao mercado de trabalho. Segundo Cunha Júnior e Araújo (2013), os jovens e os adultos que participam do processo de escolarização e têm maior acesso à informação e ao conhecimento, são capazes de garantir a sua seguridade social, de intervir politicamente em suas comunidades e de acompanhar os processos tecnológicos da informação e da comunicação, exercendo sua participação cidadã de forma ativa e plena. Partindo então desse ponto de vista, vê-se a necessidade de se pensar a educação de jovens e adultos em uma dimensão política, com a valorização dos alunos em suas características singulares e plurais, tornando-se assim sujeitos de sua própria dimensão histórica e social. A concepção de aprendizagem ao longo da vida é um dos pressupostos das atuais propostas do governo. Essa concepção começou a se delinear e a se expandir a partir da década de 90, a partir das ideias contidas no documento final da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia. Depois, o desenvolvimento da ideia que situa a educação de adultos dentro de um contexto mais amplo de educação se intensificou no Relatório da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da Educação, conhecido como Relatório Faure. Mais tarde, essa ideia foi retomada no Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, conhecido como Relatório Delors, no qual apresentou os quatro pilares do conhecimento, a saber: i) aprender a conhecer; ii) aprender a fazer; iii) aprender a viver juntos; iv) aprender a ser. A Declaração de Hamburgo, documento síntese da Confintea V, destacou em seu Art. II, que “a educação ao longo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idioma, cultura e disparidades econômicas”, tornando-se fundamental para o exercício da cidadania e para o processo de inclusão social. No entendimento global, a defesa da aprendizagem de adultos ao longo da vida passa, dessa forma, a não se reduzir a um conceito teórico ou a um campo semântico, ela assume a condição de evidenciar a EJA como protagonista de um campo educacional complexo e altamente ligado ao desenvolvimento das sociedades. Todos os anos, muitos alunos desistem de estudar ou abandonam a sala de aula, devido às dificuldades em relação aos conteúdos de ensino e às discriminações sofridas 46 dentro da escola. O processo de exclusão via repetência e evasão expressa o caráter excludente da escola em relação aos alunos provenientes da classe que vive do trabalho7. Assim, são motivos para o abandono dos estudos: i) os problemas como a pobreza, o uso de drogas, a exploração juvenil e a violência; (ii) a necessidade de trabalhar, faz com que muitos deles deixem o Ensino Fundamental e/ou o Ensino Médio antes de concluí-lo; (iii) a dificuldade de conciliar os estudos com o trabalho. Na escola pesquisada, são vários os casos em que esta situação acontece. Presenciei, durante o período de observação, o ir e vir de muitos alunos. Hoje, um aluno foi até a sala de aula se despedir da professora porque concluiu o curso. Aluno parecia emocionado. Professora deu-lhe um abraço e desejou-lhe boa sorte. (Caderno de campo, 28/05/13, p. 16) Enquanto professora e eu conversávamos no corredor, um aluno, chamado Artur, nos interrompeu cumprimentando a professora e dizendo: Oi professora, tudo bem? (Artur) Oi, tudo bem e você? Que bom que você voltou! (Professora) Voltei professora. Fiquei sabendo que as gêmeas (duas alunas da turma C, que estudavam com este aluno) passaram no vestibular. Nossa, eu entrei junto com elas, era pra eu ter terminado também. Eu não deveria ter parado... (Artur) Calma, sempre é hora. (Professora) É, o coordenador falou isso pra mim, que é pra eu parar de ficar pensando no que passou e olhar pra frente. (Artur) Isso mesmo! Boa sorte pra você! (Professora) Obrigado! (Artur) (Caderno de campo, 27/08/13, p. 93) 7 O processo de exclusão via repetência e evasão tem sido objeto de estudo de vários autores. Saviani (2008), em seu livro Escola e Democracia, analisa a exclusão e a repetência como fenômenos históricos. A evasão, a repetência e, por decorrência, a exclusão não são processos naturais, são processos históricos que têm suas raízes na distribuição dos bens materiais (dimensão socioeconômica) e culturais. 47 Durante a explicação da professora sobre o conteúdo da aula, chegou na sala um novo aluno (digo novo, porque está chegando agora, mas ele já havia frequentado a escola um tempo atrás). Seja bem vindo novamente! (Professora) (Caderno de campo, 27/08/13, p. 95) Para mudar a visão dos alunos sobre a EJA, é preciso realizar a reconfiguração dessa modalidade da educação. Para isso, algumas propostas precisariam ser implementadas. Uma delas seria a constituição de uma equipe de professores formados com competências específicas para dar conta das especificidades dos jovens e adultos. A outra seria a possibilidade de as faculdades de Educação criarem cursos específicos de formação para EJA e, por fim, a disponibilização de produção teórica e material didático específicos para essa modalidade educativa. Segundo Arroyo (2007), a mudança de olhar sobre os jovens e adultos, também, seria uma precondição para a reconfiguração da EJA. Para o autor, é preciso ver mais do que alunos ou ex-alunos em trajetórias escolares; é preciso ver jovens e adultos em suas trajetórias humanas, que carregam experiências de exclusão social, que vivenciam a negação dos direitos mais básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à sobrevivência. Para a EJA sair da configuração supletiva e preventiva, os professores e demais sujeitos da escola e fora dela, precisam ver os jovens e adultos como sujeitos de direitos e de deveres do Estado. A EJA, por todos esses motivos, é uma modalidade muito complexa. Dayrell (2007) coloca que na EJA fala-se em educação, e não em ensino, como nos segmentos da educação básica. Além disso, na EJA dá-se nome aos sujeitos a quem se destina, ou seja, jovens e adultos, ao contrário das outras modalidades que nomeiam o seu lugar na estrutura educacional. Ao se referir à “educação”, entende-se que a tradição da EJA sempre foi muito mais ampla que o “ensino”, não se reduzindo à escolarização, à transmissão de conteúdos, mas dizendo respeito aos processos educativos mais amplos relacionados à formação humana. A referência se faz aos sujeitos que estão situados num determinado tempo da vida, possuindo características próprias, pelo lugar que ocupam, pelas realidades que vivem e por apresentarem demandas e necessidades específicas. Para Oliveira (1999), a especificidade etária não é a principal característica da EJA. A questão cultural é mais valorizada, já que os jovens e os adultos não são 48 crianças e apesar das diferenças entre eles, acabam formando um grupo relativamente homogêneo. Essa homogeneidade seria entendida como um grupo de pessoas que foram excluídas da escola e que estão mais envolvidas em atividades de trabalho das quais tiram o seu sustento e o de sua família. O adulto e o jovem estão inseridos no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente da criança e do adolescente e, por isso, trazem consigo uma história de vida mais longa e mais complexa. São portadores de conhecimentos adquiridos em sua vivência e reflexões sobre o mundo em que vivem. Está aí a necessidade de se conhecer o perfil desses jovens e adultos e tentar compreender os seus anseios. Reconhecer os elevados níveis de analfabetismo na população jovem e adulta não se trata apenas de garantir pontualmente a escolarização para aqueles que não tiveram acesso à educação comum ou que são frutos de baixos rendimentos escolares, ou seja, evadidos e repetentes, mas compreender que a aprendizagem dessas pessoas precisa ser valorizada e resignificada ao longo da vida. Adequar o ensino de jovens e adultos, em toda sua especificidade, no âmbito da aprendizagem ao longo da vida, requer compromisso do Estado, traduzido em política pública e mobilização de segmentos sociais (CUNHA JÚNIOR e ARAÚJO, 2013). 3.2 Os Programas para a formação integral de jovens e adultos No intuito de atender ao propósito da educação integral, Programas foram e, ainda, são criados pelo governo, com a intenção de preparar os jovens e os adultos para os desafios do mercado de trabalho. No entanto, segundo Moura (2006), no que se refere à educação básica de jovens e adultos no Brasil, as iniciativas individuais ou de grupos isolados acarretam descontinuidades, contradições e descaso dos órgãos responsáveis. Por outro lado, a cada dia, aumenta a demanda social por políticas públicas perenes nessa esfera. Tais políticas precisam se pautar no desenvolvimento de ações baseadas em princípios epistemológicos que resultem em um corpo teórico bem estabelecido respeitando as dimensões sociais, econômicas, culturais, cognitivas e afetivas do jovem e adulto em situação de aprendizagem escolar. Baseando-se numa perspectiva histórica, é possível afirmar que a última década representou um momento diferenciado para a EJA. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, a EJA passou a figurar como modalidade da Educação Básica, porém, até 2003, teve dificuldades para alcançar visibilidade. Foi a partir de 49 2004, com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) e do Departamento de Educação de Jovens e Adultos (DEJA), que a EJA ampliou sua ação. Alguns Programas ocuparam a pauta do MEC, com destaques para a alfabetização e a escolarização de jovens e adultos tendo em vista a formação profissional. Portanto, neste tópico, focalizarei, apenas, as propostas programáticas a partir de 2005, embora não se ignore a existência na história da EJA de várias outras, como se pode constatar nas referências em nota de rodapé8. Em 2005, foi criado o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), tendo como objetivo oferecer oportunidades educacionais que integrem a última etapa da educação básica a uma formação profissional. Esses cursos têm como destinatários os jovens e adultos que já concluíram o Ensino Fundamental, mas que ainda não possuem o Ensino Médio. O Proeja surgiu com uma dupla finalidade, enfrentar as descontinuidades e o voluntarismo que marcam a modalidade EJA, no âmbito do Ensino Médio. Além disso, o Proeja propunha integrar à educação básica uma formação profissional de modo a contribuir para a integração socioeconômica de qualidade desse coletivo. Um dos grandes desafios do Programa é, portanto, integrar os três campos da educação: o Ensino Médio, a formação profissional técnica de nível médio e a Educação de Jovens e Adultos. Segundo Moura (2006), as intenções explicitadas no Proeja foram coerentes com as políticas públicas para a Educação Profissional e Tecnológica definidas pelo Governo Federal, as quais apontam para a necessidade da EPT articular-se com a educação básica e com o mundo do trabalho e interagir com outras políticas públicas, com o fim de 8 O Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Industrial (PIPMO) tinha como objetivo responder ao crescimento do parque industrial no Brasil com formação de mão-de-obra e treinamento dos trabalhadores que deveriam responder às demandas de postos de trabalho geradas pelo desenvolvimento econômico (MACHADO E GARCIA, 2013). Os Ginásios Vocacionais de São Paulo surgiram em um período em que importantes discussões e debates estavam sendo realizados no Brasil no final dos anos 50 e início dos anos 60. O objetivo era dar aos alunos uma formação geral, além da habilitação profissional no segundo grau. O crescimento dos serviços urbanos e administrativos exigia a presença de profissionais capazes de gerenciar a cidade. A criação de mais um período, o noturno, aconteceu em função da ausência de escolarização para os alunos que trabalhavam, os quais só efetuavam a matrícula, por meio da apresentação de um comprovante de trabalho, como requisito para o ingresso (FERREIRA, BICCAS, s/d). 50 contribuir para a garantia do direito de acesso à educação básica, para o desenvolvimento socioeconômico e para a redução das desigualdades sociais. A implantação do Proeja ocorreu a partir de 2006, nas instituições federais e estaduais, chegando aos municípios, a partir de 2009, pela via de editais de participação. No Proeja, as matrículas na oferta de EJA integrada à educação profissional não acompanharam os recursos aplicados a este Programa e com isso, o resultado foi a impossibilidade do Proeja tornar-se uma política em escala (MACHADO E RODRIGUES, 2013). O Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) surgiu como substituto do Proeja. Foi um Programa recém implantado pelo governo, que teve origem na Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. A proposta do governo federal, com a criação deste Programa, era garantir a oito milhões de jovens e adultos, vagas para a formação profissional até 2014. As instituições que realizam os cursos do Pronatec são a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, escolas estaduais de Educação Profissional e Tecnológica e unidades de serviços nacionais de aprendizagem como o SENAC e o SENAI. A bolsa-formação é a novidade deste programa. A referida bolsa materializa-se na oferta de vagas gratuitas de cursos de educação profissional de formação inicial e continuada (mínimo de 160h) e formação técnica (mínimo de 800h) e em estratégias de permanência destes alunos nos cursos. No caso dos professores, as bolsas são oferecidas desde que não comprometam suas atividades nas instituições em que trabalham. A atuação dos professores não configura vínculo empregatício, demonstrando assim, o grau de volatilidade da participação dos profissionais da Educação Profissional no contexto dessa proposta (LIMA, 2001). O Pronatec foi um retrocesso em termos de propostas curriculares tal como postulado pelo Proeja. No Pronatec exige-se a articulação do Ensino Médio com a Educação Profissional Técnica como pré-condição para a capitação dos recursos. Porém, ao incluir a qualificação profissional, mesmo com a carga horária mínima de 160 horas, não garante a elevação de escolaridade como exigência. Segundo Machado e Rodrigues (2013), a ênfase do Pronatec na oferta de cursos concomitantes no nível médio e técnico representa a não priorização da formação do trabalhador nesses cursos, tendo em vista que a realidade de trabalho não possibilita aos alunos da EJA frequentarem duas instituições e/ou a mesma instituição em horários diferentes. Por outro lado, a oferta dos cursos desvinculada da elevação de escolaridade, não contribui 51 para a formação integral desses sujeitos, retomando a velha lógica da relação trabalho e educação que se pautava na precarização da formação pelo aligeiramento e condicionamento do trabalhador ao ser treinado para executar funções básicas de interesse do mercado de trabalho. Desde a criação do Pronatec, em 2011, passando pelos percalços de sua implantação, que ainda se encontram em processo, há poucos elementos para serem analisados se de fato, o programa terá sustentabilidade na sua base legal, financiamento compatível com a tarefa a que se propõe e ação conjunta que viabilize sua execução (MACHADO E GARCIA, 2013). Tendo como exemplos os recentes Programas implantados pelo governo, Machado e Rodrigues (2013) colocam que os desafios políticos e pedagógicos só alcançam legitimidade a partir da participação social e do envolvimento do governo, ao buscar a construção de uma nova sociedade fundada na igualdade política, econômica e social, em um projeto de nação que vise uma escola vinculada ao mundo do trabalho numa perspectiva radicalmente democrática e de justiça social. Após compreender como se deu a oferta destes Programas e suas consequências, e partindo das ideias de Franzoi e Oliveira (2013), pode-se considerar que, para alcançar a tão desejada formação humana e formação profissional dos jovens e adultos, a educação integrada tem papel fundamental na reversão do modelo hegemônico. O principal objetivo da educação profissional integrada é a ruptura da histórica dualidade entre cultura geral e técnica, por meio da integração do trabalho, da ciência, da técnica, da tecnologia, do humanismo e da cultura geral. A partir da ideia de integração, o desafio que se coloca para a educação profissional é dar um novo sentido à experiência escolar, para que os trabalhadores se apropriem dos conhecimentos socialmente construídos a partir dos seus saberes e de suas experiências de vida e de trabalho. 3.3 O trabalho como formação do homem Na pesquisa realizada com os alunos da EJA, verifiquei que o trabalho é visto por eles como modo de sobrevivência, como espaço para a sociabilidade e para a construção de identidades. Segundo Pereira e Lima (2008), Marx faz três distinções em relação ao trabalho humano: 1- pelo trabalho o homem se diferencia dos animais; 2- o trabalho é uma condição necessária ao ser humano em qualquer tempo histórico; 3- o trabalho assume formas históricas específicas nos diferentes modos de produção da 52 existência humana. Diferente do animal, que vem regulado e programado por sua natureza, e por isso, se adapta e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho, a sua própria existência. Embora o homem também seja um ser da natureza, essa diferença é que o faz criar alternativas e tomar decisões. O trabalho humano não se separa da esfera da necessidade, mas, ao mesmo tempo a supera, criando nela os reais pressupostos da liberdade. A relação entre necessidade e liberdade é uma relação historicamente condicionada e variável e nela percebe-se a centralidade do trabalho como práxis, que cria e recria o mundo da arte e da cultura, linguagem e símbolos, enfim, o mundo humano como resposta às suas múltiplas e históricas necessidades. Duarte (2004a) analisa as diferenças entre a atividade humana e a atividade animal, colocando que o mundo é construído historicamente pelos seres humanos e o que diferencia o gênero humano das espécies animais é o processo histórico de construção da cultura, pois, por meio dessa construção, que o homem humaniza o seu mundo e humaniza a si próprio. O trabalho assume a concepção de princípio educativo. Essa concepção é demarcada por uma ordem ontológica, inerente ao ser humano e, consequentemente, ético-política, que considera o trabalho como direito e como dever. O trabalho como princípio educativo vincula-se à própria forma de ser dos homens. O homem, pela ação vital do seu trabalho, transforma a natureza em meios de vida. O homem ao transformar a natureza, transforma a si mesmo, por meio da atividade prática, considerada ponto de partida do conhecimento, da cultura e da conscientização. Por isso, a direção que a relação educação e trabalho assume nos processos formativos não é inocente. Ela traz a marca dos embates que acontecem no âmbito das relações sociais. A relação educação e trabalho é parte da luta hegemônica entre capital e trabalho (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005). Lukács (1978) desenvolveu os princípios da ontologia do ser social e, com isso, permitiu o pensamento sobre a questão do trabalho e as suas propriedades educativas. O trabalho é parte fundamental da ontologia do ser social. A aquisição da consciência se dá pelo trabalho e pela ação sobre a natureza. O trabalho, neste sentido, não é emprego, não é apenas uma forma histórica do trabalho em sociedade, ele é a atividade fundamental pela qual o ser humano se humaniza, se cria, se expande em conhecimento, se aperfeiçoa. O trabalho é a base estruturante de um novo tipo de ser, de uma nova concepção de história. Diferente dos animais, que agem guiados pelo instinto, de forma 53 quase imediata, o ser humano age por meio de mediações, de recursos materiais e espirituais que ele implanta para alcançar os fins desejados. Saviani (1989) afirma que o trabalho pode ser considerado princípio educativo, por algumas razões, a saber: 1- na medida em que determina, pelo grau de desenvolvimento social, o modo de ser da educação em seu conjunto; 2- na medida em que coloca exigências específicas que o processo educativo deve preencher, em vista da participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo; 3- na medida em que determina a educação como uma modalidade específica e diferenciada de trabalho: o trabalho pedagógico. Segundo o autor, o conceito de politecnia ou de educação tecnológica estaria no segundo nível de compreensão do trabalho como princípio educativo, pois a educação básica, em suas diferentes etapas, deve explicitar o modo como o saber se relaciona com o processo de trabalho, convertendo-se em força produtiva. As pessoas que constroem seu processo de escolarização, acompanhando seu desenvolvimento etário, veem a relação entre conhecimento e atividade produtiva ocorrer de forma mais imediata a partir de uma determinada etapa educacional. Isso ocorre no Ensino Médio em que os jovens estão configurando seus horizontes em termos de cidadania e de vida economicamente ativa. A experiência educativa, nessa etapa, propicia o desenvolvimento intelectual, a apreensão de elementos culturais e a compreensão do processo histórico de transformação da ciência em força produtiva por meio do desenvolvimento tecnológico. O acesso ao conhecimento sistematizado proporciona a formação cultural e intelectual do aluno, permitindo-lhe compreender o significado da ciência, das letras e da arte. Para as pessoas jovens e adultas, que não tiveram sua vida escolar traçada nesta mesma linearidade, a relação entre educação e mundo do trabalho ocorre de forma contraditória. Para os alunos da EJA, o sentido do conhecimento não está em proporcionar, primeiro, a compreensão geral da vida social e, depois, instrumentalizar-se para o exercício profissional. Na realidade, muitas vezes, o acesso ou o retorno à vida escolar ocorre motivado pelas dificuldades enfrentadas no mundo do trabalho, pela necessidade de nele se inserir e permanecer. Por isso, um projeto de educação integral, pressupõe ter o trabalho como o primeiro fundamento da educação enquanto prática social. Para os trabalhadores jovens e adultos, além do sentido ontológico do trabalho, toma especial importância o seu sentido histórico, posto que, para eles, o saber científico relacionado ao processo de trabalho, converte-se em força produtiva (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005). 54 O aluno Armando, entrevistado durante a pesquisa, apontou a importância da relação trabalho-educação no trecho a seguir: Hoje em dia a gente precisa dos estudos pra tudo! Meus pais falam que antigamente era tudo mais fácil. Por exemplo, se ensinava alguém a fazer pão, era daquele jeito e pronto. Hoje tem várias técnicas, várias maneiras, com cursos variados... Então às vezes, você pensa que é o bom, mas vai ver, tem melhores que você. Então tem sempre que estar estudando, sempre se atualizando. (Armando – Entrevista, 26/11/13, p. 3-4) Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) faz parte da vida dos jovens e adultos, a experiência do trabalho duro e precário e a cultura e o conhecimento, negados por resposta a necessidades concretas. A articulação entre trabalho, cultura e conhecimento fornece ao professor da EJA uma rica materialidade como ponto de partida de um método ativo para a construção e a ampliação do saber. O processo educativo responsável pela construção de saberes tem a escola como mediadora. Na educação integral dos trabalhadores determinam-se objetivos e métodos da formação geral e da formação específica. Assim, o trabalho se configura como princípio educativo, reunindo as concepções de conhecimento, ciência e cultura, e se constituindo como contexto, definido pelo conjunto de ocupações que configuram a realidade produtiva enfrentada pelos trabalhadores. Um projeto de educação integral de trabalhadores que tenha o trabalho como princípio educativo articula-se ao processo dinâmico das relações sociais, com a participação ativa dos sujeitos, como meio de alimentar de sentido a ação educativa mediada, dialogada, repensada, renovada e transformada continuamente, dialeticamente. Enfatiza a construção do conhecimento a partir da socialização dos saberes e da realização de um trabalho integrado entre professores e alunos. A organização de conteúdos visa superar a fragmentação e a abstração de currículos lineares e prescritivos, possibilitando a reflexão sobre a origem social, histórica e dialética do conhecimento científico. 55 3.4 O ensino de Química na EJA A ciência Química surgiu a partir da Alquimia9 e, aos poucos, foi dando suporte à medicina e a outras ciências. Hoje, com toda a tecnologia existente, essa ciência modifica vidas, seja por suas aplicações ou por seu uso indiscriminado, causando tragédias. A Química faz parte do cotidiano das pessoas, por meio das inúmeras substâncias já descobertas e pela sua utilização nas atividades diárias. A disciplina Química está integrada na área de Ciências da Natureza e seu principal objetivo é o estudo da matéria, das transformações químicas e das variações de energia que acompanham essas transformações, a partir de sua composição, que são os átomos e as moléculas. Além desta função, a Química pode ser também um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e auxilia na promoção da autonomia para o exercício da cidadania (POZO e CRESPO, 2009). Para Chassot (1993), uma das respostas para a pergunta “Por que ensinar Química?” seria porque a Química é uma disciplina de núcleo comum e é assunto de vestibular. Porém, diante dessa resposta vem o questionamento sobre quantos estudantes realmente vão para a universidade e, mesmo que todos fossem, um ensino de Química voltado para o cotidiano, possibilitaria respostas com bom desempenho, pois seriam elaboradas buscando avaliar não a evocação de fatos, fórmulas ou dados, mas a capacidade de trabalhar com o conhecimento. Há os que defendem o ensino de Química pelo seu aspecto utilitário. O ensino definido como útil, é realmente útil, mas para manter a situação. Só um ensino de Química questionador é que pode se transformar num ensino libertador, rompendo a associação entre o ensino de Química e o processo de dominação e de manutenção do poder por parte das classes dominantes. O ensino de Química deve facilitar a leitura do mundo, e é claro que isso não acontece só conhecendo fórmulas ou decorando reações. É preciso um ensino que desenvolva no aluno a capacidade de “ver” a Química que ocorre nas múltiplas situações reais, que se apresentam modificadas a cada momento. Considerando a Química que se ensina ligada à realidade, quantas vezes os exemplos que se apresentam são vinculados ao cotidiano? O que é mais importante para o estudante da zona rural? A configuração eletrônica dos lantanídeos ou as modificações que ocorrem no solo quando se usa corretivos agrícolas? 9 A Alquimia é uma prática exercida na Era Medieval. Ela une noções de química, física, astrologia, arte, metalurgia, medicina, misticismo e religião. A crença mais difundida é a de que os alquimistas buscavam encontrar a Pedra Filosofal que tinha o poder de transformar metal em ouro e, mais ainda, de proporcionar a quem a encontrava, a vida eterna e a cura de todos os males. 56 E para um aluno da zona urbana? O modelo atômico com números quânticos ou os processos eletrolíticos de purificação de metais ou tratamento da água? O ensino de Química, além de instrumentador para a vida, pode ser um instrumentador para o trabalho. O conhecimento de Química que o aluno constrói na escola deve prepara-lo para a vida, o que inclui o trabalho, o lazer, entre outras dimensões da vida. Atualmente o ensino de Química se apresenta afastado da realidade do aluno por seu currículo conteudista, ou seja, por seu conhecimento essencialmente acadêmico e por sua metodologia que enfatiza a memorização de fórmulas, de conceitos, de regras e de cálculos repetitivos, que parecem só servir para o vestibular e o ENEM. Diante disso, para muitos alunos, aprender Química tornou-se uma verdadeira angústia, por terem que recorrer à memorização de conteúdos que não conseguem entender. Para Luca (2001), o ensino de Química se tornou elitizado, pois somente aqueles considerados mais inteligentes e que têm raciocínio matemático conseguem resolver os exercícios e cálculos químicos, enquanto a maioria se sente impotente, colocando a Química cada vez mais distante do seu dia a dia. Luca (2001) propõe utilizar fatos e conteúdos relacionados com o cotidiano dos alunos para que a Química se torne mais interessante. A ausência de correlação entre aulas teóricas e aulas práticas é um problema frequente no ensino de Química, causando descontentamento e desinteresse nos alunos. A aula prática consiste no manuseio e na transformação de substâncias no laboratório da escola, em nível macroscópico, isto é, visível. A teoria, por sua vez, compõe-se de nível microscópico, ou seja, o estudo da matéria e suas transformações em estado não observável. A ciência consiste em uma troca entre a teoria e a prática, com isso, a separação das duas não é possível quando se deseja promover o ensino de Química com sentido para os alunos. Segundo Pauletti (2012), a dificuldade do ensino e da aprendizagem em Química ocorre devido à falta de compreensão e domínio do universo macroscópico, simbólico e microscópico, já que a transição entre esses três níveis é essencial para a solidificação da aprendizagem. Presenciei várias situações em que os alunos chamavam a professora para ir ao laboratório. No entanto, a professora, na maioria das vezes, dizia não aos alunos, alegando que teriam conteúdo para estudar na apostila. 57 Quando nós vamos para o laboratório? Vamos hoje professora? (Armando) Profa. Juliana avisou que hoje não iriam para o laboratório e voltou ao conteúdo, lendo um texto da apostila. (Caderno de campo, 23/05/13, p. 6) Oi professora, vamos para o laboratório? (Marcos - Caderno de campo, 28/05/13, p. 15) Após os cumprimentos, alunos perguntaram se iriam hoje ao laboratório. Professora disse que não. (Caderno de campo, 04/06/13, p. 17) Professora chegou à sala de aula e os alunos perguntaram se iriam para o laboratório. (Caderno de campo, 25/06/13, p. 29) Perto da sala de aula, ali mesmo no corredor, uma aluna da turma A, abordou a professora e perguntou: “Vamos hoje para o laboratório, professora?” (Caderno de campo, 05/09/13, p. 109) Professora, a gente podia fazer uma reação sair fumacinha. Morro de vontade de fazer isso. Parece legal... (Mariana) Nós vamos tentar fazer. É uma pena a gente não ir muito para o laboratório. (Professora) É uma pena mesmo, porque parece que vendo, a gente aprende mais... (Dona Albertina) (Caderno de campo, 25/06/13, p. 31) A aula de Química é o espaço em que alunos e professor participam em diálogo, ao interrogar, ao escutar, ao responder e ao concordar. O aluno participa com os olhos, os lábios, as mãos, com o corpo todo e com as suas ações. Ao participar desse diálogo, o aluno modifica seu modo de pensar e de falar sobre o mundo. No próximo capítulo, 58 atendendo aos objetivos propostos para essa pesquisa, verificam-se situações de interação, por meio do discurso oral/escrito ou da postura corporal da professora e de seus alunos, durante o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, mediados pelos conteúdos de Química. 59 4 AS INTERAÇÕES NA SALA DE AULA DE QUÍMICA Como recorte desta pesquisa, destaco a sala de aula. Para Mortimer (2002), a sala de aula tem sido objeto de muitas pesquisas na área de Ciências da Natureza, sendo os pontos principais a serem investigados, neste local, a linguagem e a dinâmica das interações. Outro ponto importante para a pesquisa em sala de aula é o entendimento de que os problemas nela abordados não são reduzidos à dimensão cognitiva; a questão da afetividade entre professores e alunos também é foco de pesquisa. Nos tópicos seguintes, abordarei a interação entre alunos e professora, mediada pelos conhecimentos de Química, durante o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Essas interações foram analisadas por meio do discurso oral e escrito e da postura corporal dos alunos e da professora da EJA, durante as observações e as entrevistas realizadas na escola. 4.1 A interação entre a professora e os alunos A construção do conhecimento acontece na dinâmica das interações entre professores e alunos. Durante as observações, meu objetivo foi verificar como acontecem as interações e como elas contribuem para a aprendizagem dos alunos. Ao realizar as entrevistas, perguntei aos alunos e à professora, como acontecia essa interação e quais eram as suas consequências. Ao longo do texto, apontarei depoimentos que representam esta relação. Na sala de aula acontecem diferentes situações, desde alunos engajados na discussão de uma atividade a alunos dispersos discutindo outro assunto. As situações estabelecidas são bastante diversas e vão muito além do controle do professor. Segundo Moreira e Borges (2006), no início de uma atividade, a maior parte dos alunos não apreende os objetivos propostos pelo professor. No entanto, isso não impede o desenvolvimento da atividade pelos alunos, pois, a partir do diálogo, a compreensão dos objetivos propostos evolui. O professor, ao interagir com os alunos, fazendo abordagens de forma adequada, faz com que eles compreendam os objetivos e apresentem indicadores de que esses objetivos propostos foram alcançados. Observam-se diferentes aspectos acerca das interações em sala de aula, no que se refere a elementos discursivos verbais e não verbais; a aspectos afetivos das interações e a construção de espaços intersubjetivos para a construção do conhecimento. Para Santos 60 (2001), analisar as várias dimensões das interações é importante para a compreensão do processo de comunicação do conhecimento em sala de aula. As palavras e as não palavras, como silêncios, ausências, sons articulados ou não, presentes em sala de aula, orientam as relações entre os indivíduos. É impossível não comunicar, pois o corpo é uma mensagem e o comportamento não verbal é extremamente dialógico. As expressões do rosto, as atitudes, os gestos e o movimento corporal podem atuar como emblemas, ilustradores, demonstradores de afeto ou como reguladores e adaptadores da interação. Esse conjunto de comportamentos afeta, em maior ou menor grau, o resto do sistema comunicativo. As reações-respostas e o diálogo corporal entre a professora e os alunos podem ser percebidos nas posturas assumidas de um em relação aos outros. A postura e os gestos utilizados pela professora são rapidamente reconhecidos pelos alunos, aos quais reagem com presteza. Os elementos da comunicação não verbal estão conformados às características das interações, à formalidade ou informalidade das atividades, enfim, às estratégias utilizadas em sala de aula. A interação entre professor e alunos é um aspecto importante da organização da situação didática, tendo em vista alcançar os objetivos do processo de ensino que é a transmissão, construção e assimilação dos conhecimentos. Dois aspectos da interação professor-aluno podem ser ressaltados no trabalho docente: o aspecto cognitivo e o aspecto socioemocional. Durante a interação em sala de aula, o professor, além de transmitir informações, faz perguntas e ouve os alunos, dá atenção e cuida para que aprendam a se expressar, a expor opiniões e a dar respostas. As opiniões e respostas dos alunos mostram como eles estão reagindo à atuação do professor e às dificuldades que encontram na assimilação dos conteúdos. Na sala de aula, o professor exerce sua autoridade, estabelece objetivos sociais e pedagógicos, seleciona e organiza os conteúdos, escolhe métodos, organiza a classe (LIBÂNEO, 2013). A interação entre professora e alunos é muito importante, já que é nesta relação, que acontece o envolvimento humano, marcado por trocas, conflitos e negociações. O ensinar e o aprender são resultados de uma relação recíproca entre afetividade e diálogo. Eu acho a relação entre nós, alunos, e a professora, muito proveitosa. A professora deixa a gente bem tranquilo, ela não é daquelas professoras que você tem medo de perguntar e responder. Aqui a gente tem liberdade pra perguntar... (Armando – Entrevista, 26/11/13, p. 2) 61 Para Panizzi (2004), a sala de aula, além de espaço de construção de conhecimentos, é espaço de convivência e formação de seres humanos. Os professores, em sua prática pedagógica, procuram criar um clima de respeito e amizade com os alunos, na medida em que os trata de forma educada e respeitosa. Ao ouvir seus alunos, ao dar sentido às suas falas, relacionando-as ao conteúdo do ensino e à formação do aluno como pessoa, o professor valoriza os conhecimentos e vivências trazidas por eles. O professor ao estimular seus alunos por meio de palavras e gestos e ao manifestar interesse por eles, delineia novos percursos que rompem com a noção de fracasso e de exclusão vivida por muitos alunos. Portanto, as aulas não são caracterizadas apenas por conteúdos de ensino, as aulas se constituem em relações de afetividade entre professores e alunos. Nessa situação, o diálogo assume o papel de mediador do conhecimento. Para o aluno, o professor que mantém o diálogo, não é aquele preocupado somente com o conteúdo a ser transmitido, é alguém comprometido com a ação que realiza, que percebe o aluno como um ser que possui ideias e sentimentos que podem ser partilhados com ele. Nesse processo de interação humana, o conhecimento estruturado do professor, sua forma de expressão mais formal, seus valores e concepções se misturam aos saberes não sistematizados e empíricos dos alunos e aos seus valores. Esse encontro pode assumir um valor significativo no processo de aprendizagem, propiciando a participação ativa e a mobilização para aquisição do conhecimento. O diálogo pode estimular o interesse dos alunos durante a aprendizagem dos conteúdos escolares. Durante as observações, verifiquei que a professora se importava com o diálogo entre ela e seus alunos. Sempre que corrigia algum exercício, pedia a atenção dos alunos, chamando-os para participar das aulas. O material didático utilizado pelos alunos consistia em textos sobre os conteúdos estudados e para uma maior participação, a professora pedia que os alunos realizassem a leitura desses textos. Durante essas leituras, a professora sempre interrompia para fazer perguntas, as quais, alguns alunos respondiam entusiasmados. Um aluno, ao responder de forma correta uma questão apresentada pela professora, ouviu de outro colega. Tá sabendo... (Marcos) Estou sabendo mesmo! (Júnior) (Caderno de campo, 08/08/13, p. 67) 62 O professor ao valorizar seus alunos, ao se preocupar com suas dificuldades e ao entender que a aprendizagem não ocorre ao mesmo tempo e do mesmo jeito para todos, assume o papel de mediador entre o aluno e o conhecimento. É aqui que entra a teoria de Vygotsky, sobre a importância da intervenção pedagógica e sobre o papel do professor na Zona de Desenvolvimento Proximal dos alunos. Paulo Freire (2002, p. 162) dizia: Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas porque gente, capaz de negar os valores, de distorcer-se, de recuar, de transgredir. Apesar do clima favorável à aprendizagem, a partir da interação com o uso do diálogo e da afetividade entre professora e alunos, as situações de conflito também eram muito comuns em sala de aula. De acordo com Panizzi (2004), os conflitos impedem o exercício das atividades cognitivas. O autoritarismo é um dos motivos para a não efetivação do processo ensino-aprendizagem, a falta de preocupação do professor com os alunos provoca uma reação, que dificilmente será vista por ele como uma resistência a sua atitude, e sim como desrespeito, rebeldia e falta de interesse do aluno, que em nada contribuirá para o encaminhamento de possíveis soluções para os conflitos. A professora da pesquisa não é autoritária ao ponto de gerar conflitos entre ela e seus alunos. Autoritarismo é diferente de autoridade. A autoridade era muito bem exercida pela professora. Os alunos entrevistados citavam e elogiavam a postura da professora. Nunca vi a professora gritar com marmanjo, ela sabe chamar a atenção com educação e o pessoal respeita muito ela. (D. Albertina – Entrevista, 19/11/13, p. 3) A professora é sempre calma e meiga pra chamar atenção. No caso são os mais jovens que conversam, fazem bagunça. (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 3) 63 Para Muller (2002), o professor ao ser autoritário e ao achar que sua palavra é lei, estará falhando na comunicação com seus alunos. Devido a sua carga de conhecimento e experiência, a tendência do professor é pensar que o aluno não sabe nada, o que acaba por complicar a relação professor-aluno. Ao recorrer ao diálogo, o professor transmite o que sabe e aproveita os saberes prévios e as experiências dos alunos. O ensino é ato comum do professor e do aluno; o professor, enquanto ensina, também aprende. O professor, como facilitador do aprendizado, busca a motivação de seus alunos. Não é uma tarefa fácil, pois a falta de motivação pode ter origem em problemas particulares do aluno como cansaço e necessidades afetivas não satisfeitas. No entanto, o professor ao centrar os seus esforços na aprendizagem e ao trabalhar com ela, torna o ensino significativo para o aluno, fazendo-o sentir que a matéria tem significado para sua vida. A conversa entre alunos estava presente nas turmas pesquisadas. A professora sempre fazia pausas em seu discurso à espera do silêncio dos alunos. Essa situação se baseava na postura da professora que cruzava os braços, levantava o rosto e permanecia imóvel o tempo necessário até que os alunos percebessem sua espera pela atenção. Essa foi uma estratégia frequentemente adotada para retomar a disciplina, centrar a atenção dos alunos sobre a sua fala e reforçar a necessidade de respeito à sua autoridade. Nas interações em aula, o silêncio dos alunos também significava algo. Esse silêncio era caracterizado pela dificuldade em emitir alguma consideração a respeito do conteúdo que a professora estava ensinando. Acontecia também do silêncio se manter entre os alunos e então, a própria professora responder ou completar o raciocínio. O silêncio dos alunos, no momento de responder às questões propostas pela professora, também pode significar uma forma de resistência em participar das atividades em classe. A delimitação dos espaços é um importante aspecto das interações em sala de aula. Nas turmas onde realizei a pesquisa, notei que os alunos tinham o costume de se sentarem sempre no mesmo lugar, assim como a mesa da professora, ficava sempre do lado direito da sala, perto do quadro-negro. Em aulas interativas, a organização espacial era diferente, os alunos faziam grupos, dependendo do número de componentes em cada um. Porém, essas aulas interativas, em grupos, raramente aconteciam. A organização básica da sala de aula se baseava em alunos em suas carteiras enfileiradas. Segundo Naddeo (2005), a aula conduzida por professores, assistidos por alunos enfileirados garante a preservação do status quo. Em outras palavras, tem-se nas salas de aula uma realidade incoerente com a vida do século XXI. Enquanto as informações chegam aos 64 alunos em velocidade cada vez maior, em classe elas passam pelo crivo do professor que, por mais criativo e por mais que busque alternativas para a dinâmica das aulas, ainda está confinado a uma sala com paredes e fileiras de carteiras nas quais os alunos permanecem sentados, parados, mas não necessariamente quietos. Na sala de aula, existe outro tipo de organização que resulta em dois pontos que parecem ao mesmo tempo contraditórios e complementares: a otimização do tempo e a sensação de que a aula “voou”, devido ao prazer de quem ensina e de quem aprende. Estabelecer, na classe, as metas a serem atingidas e fazer com os alunos uma negociação clara a respeito dos passos necessários para que o objetivo seja alcançado são fatores fundamentais para que a confiança seja estabelecida e a parceria, com o tempo, seja vivenciada com o sentimento de fazer parte de um grupo, sendo cúmplices dos resultados buscados (NADDEO, 2005). A satisfação dos alunos durante as aulas acontecia a partir da atuação da professora, que dedicava seu tempo a estimular, também, o interesse dos alunos pelo conteúdo estudado. Durante as observações ouvi várias vezes, ao bater o sinal de término das aulas, alunos dizerem: Passa rápido a aula quando é boa. (Dona Albertina) É mesmo! (Fernando) (Caderno de campo, 23/05/13, p. 8) Professora, estava boa a sua aula, viu? (Maria) (Caderno de campo, 23/05/13, p. 11) Quando a gente começa a gostar da aula, ela acaba. (Dona Albertina) Mas hoje tem outra aula, no 3º horário. (Professora) Ah, que bom! (Dona Albertina) (Caderno de campo, 13/08/13, p. 74) O professor ao se preocupar com o relacionamento emocional e afetivo consegue abrandar os conflitos. A afetividade interfere no processo de aprendizagem e o facilita, já que nos momentos informais, os alunos se aproximam do professor, trocam ideias e experiências, expressam opiniões e criam situações para, posteriormente, serem utilizadas em sala de aula. O relacionamento baseado na afetividade é, portanto, um 65 relacionamento produtivo que auxilia professores e alunos na construção do conhecimento, tornando a relação entre os dois menos conflitante, pois permite que ambos se conheçam, se entendam e se descubram como seres humanos em crescimento (MULLER, 2002). A relação afetiva entre alunos e professora no processo ensinoaprendizagem, o exercício do diálogo, o respeito e o saber escutar configuram-se como elementos de fundamental importância para a aprendizagem. A articulação afetividadeaprendizagem é essencial na prática pedagógica. O laboratório, onde aconteciam as aulas práticas de Química, também era um local privilegiado para a interação professora-alunos. Neste local, alunos se mostravam interessados em aprender e o aprender, a partir da prática, motivava os alunos. A professora também se mostrava satisfeita ao ver seus alunos tão entusiasmados. Certo dia, as turmas B e C foram levadas ao laboratório pela professora. Lá, encontraram a professora de Artes, também responsável pelo laboratório, com todo o material sobre a bancada. Alguns alunos se sentaram em volta da bancada, outros ficaram de pé. As professoras usavam avental, touca e máscara. Os alunos estavam empolgados e conversavam bastante. Antes de iniciar o experimento, as professoras apresentaram os ingredientes a serem utilizados e comentaram sobre onde encontrá-los, sobre as quantidades e sobre o risco em manuseá-los. Alunos fizeram perguntas sobre os ingredientes e os procedimentos. O experimento realizado foi o sabão pastoso (Receita – APÊNDICE C)10. A professora iniciou o experimento misturando os ingredientes e explicando a reação química presente ali. Os alunos ficaram admirados com a mudança de coloração da solução. Alguns disseram: É mágica! A professora é bruxa! (risos). (Caderno de campo, 06/06/13, p. 27) Reconhecer que os alunos possuem saberes, advindos de sua experiência de vida, é de fundamental importância para o processo de ensino. Aproveitando esse conhecimento, professores conseguem fazer com que os alunos se interessem pelo conteúdo ensinado. A professora da pesquisa fazia a articulação entre os conteúdos escolares e os saberes prévios dos alunos e dizia para os alunos o valor desta relação. 10 No laboratório, a professora de Ciências da Natureza e a professora de Artes desenvolviam um projeto chamado Frutos da EJA, uma oficina de produtos domissanitários e cosméticos. Havia uma apostila com todas as receitas dos produtos que as professoras e os alunos elaboravam. 66 Não se esqueçam de que, o que vocês trazem da experiência de vida de vocês é muito rico. A gente começa a conversar, estudar alguma coisa, e cada um de vocês tem uma ideia diferente sobre o que a gente tá abordando. (Professora – Caderno de campo, 17/09/13, p. 128). A professora, ao se comprometer com os saberes prévios de seus alunos, é reconhecida por eles como mediadora e colaboradora do processo ensino-aprendizagem. Nas turmas observadas, senti por parte dos alunos, grande afeição pela professora. Alunos falaram sobre o modo como ela organizava as aulas, como se relacionava com os alunos e os funcionários da escola e como facilitava a compreensão dos conteúdos. A partir dos depoimentos dos alunos entrevistados, notei que a professora era realmente muito querida pela turma. Foram vários elogios atribuídos a ela, muitas qualidades ressaltadas pela sua maneira de ser e pela sua maneira de trabalhar. Professora, você faz a diferença, muitos professores demonstram não gostar de dar aulas pra gente. (Mariana - Caderno de campo, 17/09/13, p. 129) Mas a professora ajuda muito. Ela explica tudo de novo pra quem não entendeu. Isso é gostoso. Eu gosto muito da aula dela, é tudo muito “light”. (Dona Albertina – Entrevista, 19/11/13, p. 2) No dia do aniversário da professora, eu trouxe uma flor pra ela, dei os parabéns e disse: ‘Uma flor pra outra flor.’ Falei com ela assim também que, quando ela chegar em casa, ela nem precisa acender a luz, porque ela já é iluminada, sabe entrar e sair de qualquer situação. É muito boa mesmo! (Dona Albertina – Entrevista, 19/11/13, p. 3) Graças a ela, por ser uma professora excelente, que debate e discute os assuntos, a gente aprende. Ela é muito calma, ainda mais por causa da Química, que se não souber falar, se tiver 67 muita pressa, as pessoas não entendem. Principalmente o pessoal que está há muito tempo sem estudar, pra eles é mais difícil ainda. Eu acho que o conteúdo de Química foi bom aqui, apesar de ser EJA, de não ser igual ao ensino regular... Eu acho muito bom porque eu fiz o ENEM e caiu várias coisas lá que a professora ensinou aqui. (Mariana – Entrevista, 12/11/13, p. 1) Olha, do meu ponto de vista a professora é excelente! É muito meiga, procura ajudar a cada um dos alunos, todo mundo gosta muito dela. Ela é muito dedicada à profissão. Ensina com o coração e consegue passar as coisas pra gente. Isso é muito importante. (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 2) Ela é amiga, parece que a gente já conhece ela de muitos anos. Quando tem discussões, essas coisas, ela está presente. Se você tem também algum problema pessoal, ela está sempre ali com uma fala meiga... pronta pra nos ajudar... eu gosto muito da aula dela. (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 3) Apesar de a professora ser amiga e companheira da turma, ela utilizava de seu domínio e influência para cobrar e exigir a resolução de exercícios e a participação dos alunos nas aulas. Vou deixar vocês colocarem a “caixola” pra funcionar. Eu não vou dar a resposta pronta não. Olha que o ENEM cobra esse tipo de questão. (Professora – Caderno de campo, 23/05/13, p. 4) Nesta fala, a professora incentiva o aluno a resolver a questão, utilizando seus conhecimentos. Enfatiza a avaliação e o ENEM, tão utilizado atualmente para o ingresso no ensino superior. A professora, após dizer que não vai dar a resposta pronta, fica em silêncio esperando que os alunos resolvam as questões. Seria como uma concessão de tempo para os alunos organizarem sua argumentação. Esse tempo de espera pela resposta do aluno é muito importante na metodologia adotada nas aulas. Ao 68 usar o silêncio com essa finalidade, a professora permitia a elaboração das respostas e dos comentários dos alunos. Durante a entrevista, a professora também comentou sobre a sua relação com os alunos em sala de aula. Acredito manter um bom relacionamento com a grande maioria dos alunos. Existe muito respeito nas minhas falas e atitudes, além de acolhida sincera. Estou sempre disponível para uma “terapia de corredor” - como a gente diz e brinca. Penso que são atitudes que facilitam o ensino e a aprendizagem, pois limita o medo de perguntar sobre dúvidas e nos coloca num nível mais de amigos. Comento sobre meu trabalho, minha profissão, minha família e estou sempre pronta a ouvi-los sobre seus problemas. Procuro ser bem humorada e não deixar meus problemas interferir no trabalho. Quase sempre eu consigo! Raramente levo alunos para a coordenação. Tem dado certo. (Professora – Entrevista, 05/12/13, p. 3) Segundo Naddeo (2005), um dos maiores desafios enfrentados pelos professores, é encontrar o ponto de equilíbrio entre “autoridade” e “afetividade”. Para que o papel de professor seja reconhecido como fundamental para a formação de seus alunos, não deve ser mais a autoridade o ponto alto das relações em sala de aula. Um processo centrado no aluno será aquele em que a afetividade é o elemento intermediador de um processo significativo e relevante para todos. A afetividade tende a aproximar as pessoas, diminuindo distâncias e favorecendo a falta de limites nas relações. Ao professor então, compete a tarefa de encontrar o ponto de equilíbrio das interações na sala de aula, estabelecendo o ritmo e a intensidade dessas relações. Esse ponto de equilíbrio não é intermediário entre a “autoridade” e a “afetividade”, mas outro ponto que englobe os dois aspectos, chamados de “afetividade com autoridade”, ou vice-versa. A construção do conhecimento acontece quando se percebe o significado do que está sendo vivenciado, quando há a interação dos sujeitos nesse processo. Quando as relações professor-aluno permitem a participação, a argumentação e o respeito pela palavra do outro, consegue-se avanços no processo de aprendizagem. O sujeito aprende quando se envolve ativamente no processo de produção do conhecimento, através da 69 mobilização de suas atividades mentais e na interação com o outro. Portanto, a sala de aula precisa ser espaço de formação e de humanização, onde a afetividade em suas diferentes manifestações possa ser usada em favor da aprendizagem, pois o afetivo e o intelectual são responsáveis pelo desenvolvimento do ser humano (PANIZZI, 2004). 4.2 O conteúdo de Química como mediador da interação entre professora e alunos Durante o período em que estive observando as aulas, verifiquei diferentes situações no que se refere à relação entre os alunos e os conteúdos de Química. Alguns alunos assumem gostar da disciplina a ponto de querer fazer um curso voltado a esta área, outros, no entanto, não se identificam com a mesma. Apesar disso, todos os alunos, nas entrevistas realizadas, percebem a importância desta disciplina em suas atividades diárias. Eu prefiro Física que Química. (Armando) Física é muito complexa. Eu gosto de Química. (Marcos) (Caderno de campo, 28/05/13, p. 14) As dificuldades em relação à aprendizagem dos conteúdos de Química também estão presentes nos depoimentos dos alunos e da professora. Quando os alunos não compreendem o conteúdo ensinado em sala de aula, eu normalmente repito a explicação. Se necessário, volto em conceitos que seriam pré-requisitos para o dito conteúdo. Procuro exemplificar com aplicações do dia a dia. Às vezes, a explicação de um colega que conseguiu entender e fala de uma forma bem simples consegue mais que toda a teoria que aprendi nos livros. (Professora – Entrevista, 05/12/13, p. 2) Que conteúdos de Química a senhora considera mais difíceis? (Mestranda) A Química é toda difícil! (Risos) Mas teve uma matéria de Orgânica, que até caiu no ENEM, que eu achei mais difícil ainda... (Dona Albertina - Entrevista, 19/11/13, p. 2) 70 Essa matéria (Química) é difícil demais! Nem se eu abrir minha cabeça e colocar ela lá dentro, eu aprendo. (Dona Albertina – Caderno de campo, 06/06/13, p. 24) Professora aproveitou a questão para explicar (brevemente) um pouco da Química Orgânica. Porque cada substância tem um nome?(Paula) Porque depende do número de carbonos para usar determinado prefixo: met, et, prop... (Professora) Nossa! É muito difícil! (Paula) No ensino regular, ensinam Química Orgânica o ano todo. (Professora) Eu lembro, estudei o ano passado, mas tomei bomba por causa dessa matéria. (Paula) (Caderno de campo, 05/09/13, p. 122) Pode-se dizer, então, que a aprendizagem dos conceitos científicos, apoia-se em um conjunto de conhecimentos que tem origem nas experiências de vida dos alunos. Esse conhecimento prévio, apresentado pelos alunos, passa a ser o mediador da aprendizagem de novos saberes. Segundo Schnetzler e Aragão (1995), as concepções prévias dos alunos fazem sentido e, por isso, são muitas vezes tão resistentes à mudança que comprometem a aprendizagem dos conteúdos ensinados. Nessa perspectiva, a aprendizagem já não é mais entendida como uma simples recepção de informações vindas de fora, isto é, ditas pelo professor, mas passa a ser encarada como reorganização, desenvolvimento ou evolução das concepções dos alunos. Sobre este assunto, depoimentos dos alunos entrevistados: Muitos alunos trazem exemplos de casa, do trabalho, dos acontecimentos da própria vida, né? Tudo isso ajuda a desenvolver os conteúdos, a matéria. (Mariana - Entrevista, 12/11/13, p. 3) 71 Eu acho que todo mundo tem algum conhecimento que aprendeu em casa e, que quando chegou na escola, relacionou com alguma coisa. Às vezes é 70%, quase igual ao que a professora falou, porque 100% não tem jeito... (Elaine – Entrevista, 19/11/13, p. 2) A professora fica sabendo de nossos saberes, através das nossas conversas, dentro da sala de aula mesmo. O professor, às vezes, não participa da conversa, mas está ali atento a tudo o que a gente fala. Às vezes, a gente conversa sobre trabalho, sobre família, eu tenho dois filhos, sou casado, eu falo muito da minha família... E uma conversa sempre puxa a outra, facilitando o entendimento dos conteúdos... (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 2) Os alunos percebem que possuem saberes provenientes de sua experiência de vida, e que ao relacioná-los com os conteúdos escolares, estes se tornam mais significativos. A aluna Mariana percebe que a professora consegue relacionar os saberes prévios dos alunos aos conteúdos escolares. A aula dela é muito em cima de discussão sobre o que a gente já sabe. Você viu lá. Ela debate muito e o povo adora falar... É muito interessante! Eu comecei a ter até um pouco mais de interesse pela Química por causa dela, por causa da explicação dela, que é muito bacana. Hoje mesmo a gente falou da Floresta Amazônica. O filho da professora já morou em Manaus, aí ela contou que ela foi lá. Então assim, ela traz muita coisa da vida dela também. (Mariana – Entrevista, 12/11/13, p. 2) Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), os alunos participam de um conjunto de relações sociais prévias à sua escolaridade, que permanecem presentes durante o tempo da atividade escolar. As explicações e os conceitos que os alunos formam, em sua relação social mais ampla, interferem em sua aprendizagem. O aluno estabelece relações com seu meio físico e social e o ambiente escolar, a sala de aula, 72 seus colegas e professores, mesmo sendo apenas parte do meio em que o aluno está inserido, contribuem para sua formação. Por não ser um sujeito neutro, os alunos trazem para a escola e a sala de aula seus saberes prévios. Esses conhecimentos é que darão significado aos objetos de conhecimento e de estudo que a escola tem como meta promover. O conteúdo apresentado ao aluno de forma descontextualizada, repleto de fórmulas e equações que o aluno inicialmente desconhece é, na maioria das vezes, rejeitado por esse aluno, pois ele não se interessa pelo que está sendo apresentado. O professor não consegue sempre partir do que o aluno já conhece e sabe, para ensinar outro assunto. O fato de somente partir dos saberes prévios dos alunos e construir o conhecimento em cima desse saber, é incorreto, segundo Young (2007), que acredita que o “conhecimento poderoso”, aquele conhecimento dos especialistas, é que vai fazer com que o aluno alcance sucesso escolar, independente do seu meio social de origem. Durante a entrevista, perguntei à professora, quais ou que tipos de conteúdos despertam o interesse dos alunos e por quê. Os conteúdos que são trabalhados de forma relacionada com o cotidiano dos alunos. Quando se explica um assunto, exemplificando com situações que eles vivem no dia a dia, fica mais fácil sua compreensão. (Professora – Entrevista, 05/12/13, p. 2) Para Ferreira e Moreira (2009), existe hoje no ensino de Ciências, a necessidade de se contextualizar e significar conceitos científicos próprios da disciplina. O caminho para essa aproximação seria desenvolvido de forma coletiva e cooperativa, em diálogos constantes entre professor e alunos. Essa interação possibilitaria destacar as temáticas relevantes, buscando a integração dessas às necessidades básicas do aluno em seu dia a dia na medida em que também fosse relevante ao ensino de Ciências. A linguagem atuou como mediadora da relação entre os alunos e os conteúdos de Química, promovendo a reflexão sobre estes. A professora sempre provocava os alunos quanto à resolução de exercícios. A interdisciplinaridade com as disciplinas Matemática e Física também estava sempre presente. 73 Quantos mols existem em 1368 g de Al2(SO4)3? (Professora) É muita loucura esse trem! (Dona Albertina) É porque agora não é só Química, é Matemática também. (Professora) Ih, credo! (Mariana) (Caderno de campo, 17/09/13, p. 134) No trecho acima, observei que a professora ficou em silêncio depois da primeira pergunta (Quantos mols existem em 1368 g de Al2(SO4)3?). Esse silêncio da professora significava, como eu disse anteriormente, a concessão de um tempo para os alunos organizarem sua argumentação. Esse tempo de espera pela resposta do aluno é muito importante na metodologia adotada nas aulas. Ao usar o silêncio com essa finalidade, a professora permite que os estudantes elaborem suas respostas e comentários. Outro exercício: Quantas moléculas existem em 12 mols de aspirina? (Professora) Muito difícil... (Paula) Vamos pensar: Qual é a fórmula da aspirina? Alguém sabe? (Professora) Não sei. (Armando) A gente precisa da fórmula da aspirina? (Professora) Não. (Mariana) Não, minha relação é entre mol e número de moléculas, não precisa calcular massa molecular. (Professora) (Caderno de campo, 17/09/13, p. 134) Quantas moléculas existem em 0,8 mols de H2O? Qual será a relação?(Professora) Ninguém responde. Mol e número de moléculas, com o número de Avogadro. (Professora) Eu esqueço esse ‘6’ toda hora. Vai ter que abrir minha cabeça e colocar o 6 lá dentro. (Dona Albertina) Ficou fácil, não é?(Professora) 74 Não é fácil, nunca foi e nem vai ser. (Dona Albertina) (Caderno de campo, 17/09/13, p. 135) Quem está aqui e fez os exercícios, ganhou um OK. Posso passar um desafio? (Professora) Aiaiai. (Dona Albertina) Que massa de ‘S’ (enxofre) existe em 490g de H2SO4? Essa é pra pensar um pouquinho. (Professora) (Caderno de campo, 17/09/13, p. 136) Professora concedeu um tempo para os alunos resolverem a questão. Entretanto, tocou o sinal e a professora pediu que os alunos terminassem os exercícios em casa. Este tipo de atividade para casa é importante para os alunos colocarem em prática o que aprenderam em sala de aula. No entanto, alguns alunos, por trabalharem o dia todo, não dispõem de tempo para realizá-los. 4.3 A professora e os conteúdos de Química Ao lecionar na EJA e no ensino comum passei a ter predileção por certos conteúdos de Química, se comparados a outros. Não sei se é devido à recorrência desses conteúdos no currículo, à facilidade com que a aprendizagem acontecia ou ao interesse apresentado pelos alunos. Acredito que cada professor tenha seus conteúdos preferidos dentro de uma enorme variedade na disciplina de interesse. Com a professora da escola pesquisada não foi diferente. Ao lecionar a disciplina Química, ela se mostrava mais preparada e disposta a ajudar o aluno na construção do conhecimento em alguns conteúdos que em outros. Após os cumprimentos, professora conversou um pouco com os alunos e perguntou quem tinha a nova apostila. Alunos que não tinham a apostila foram buscar na sala da coordenação. Todos com a apostila, a professora iniciou a aula. Disse que o conteúdo era “a praia dela – Química”. Parecia confiante e satisfeita. (Caderno de campo, 06/08/13, p. 56) 75 O conteúdo da aula foi sobre o metal ‘Cobre’. Professora aproveitou o tema da aula para relembrar com os alunos outros conteúdos como ‘As propriedades dos metais’, a ‘Tabela periódica’ e algumas características do cobre. (Caderno de campo, 06/08/13, p. 57) Professora, eu estou entendendo melhor essa apostila, está mais fácil. (Elaine) Que bom! Eu também estou gostando mais por ser Química, eu posso ir aprofundando e buscando conteúdos lá de trás. (Professora) (Caderno de campo, 27/08/13, p. 87) Gosto de trabalhar com o conteúdo do primeiro ano do Ensino Médio. São conceitos básicos da Química, como ‘Matéria e energia’, ‘Estrutura atômica’ e outros. Na verdade, na EJA, não dá tempo de aprofundar muito ou seguir os tópicos de um livro. Normalmente, dentro de cada assunto, preciso complementar ou mesmo fazer uma revisão de matemática e trabalhar de forma mais lenta e sem muitas cobranças de exercícios com data marcada. Pela própria característica do nosso público, o jovem e o adulto trabalhador, o conteúdo é ministrado respeitando o tempo dos alunos. Também acho importante o trabalho complementado com aulas práticas que facilitam o entendimento do conteúdo. (Professora – Entrevista, 05/12/13, p. 2) É natural que o professor tenha preferências em relação ao conteúdo que quer lecionar e ao modo como quer ensinar. Naddeo (2005), em sua experiência como professora, percebeu que sempre que preparava as aulas, atividades e tarefas relacionadas aos seus conteúdos favoritos ou ao tipo de aluno com o qual mais gostava de acompanhar, seu nível de motivação era diferente. O trabalho fluía com grande facilidade e ela não sentia o tempo passar. De forma diferente, quando tinha que estudar assuntos não relacionados aos temas favoritos, percebia que considerava tudo como tarefa difícil de ser realizada. Após constatar os diferentes níveis de motivação, a autora 76 passou a trabalhar de forma a mudar o seu modo de ver as coisas. Por um tempo, começou a realizar as tarefas mais difíceis em primeiro lugar, e percebeu que um sentimento de alívio tomava conta dela. Depois de um tempo, chegou à conclusão que o equilíbrio poderia estar na realização das atividades necessárias apenas com o desgaste energético que cada uma requer. No depoimento da professora da pesquisa, observei a sua preocupação com o tempo dos alunos. Ela disse que complementa os conteúdos de forma a não cobrar muito do aluno devido a sua condição de trabalhador. Verifiquei também que a professora relaciona outras disciplinas ao conteúdo ensinado, de modo a facilitar a compreensão. Agora começa a complicar, mas a matemática vai nos ajudar... (Professora – Caderno de campo, 23/05/13, p. 4) A formação inicial do professor também acarreta a predileção por determinados conteúdos. No caso da professora da pesquisa, formada em Farmácia-Bioquímica, ela diz preferir o conteúdo de Química em relação ao de Física, disciplina esta pertencente, também, à área de Ciências da Natureza. A professora comentou que o conteúdo (Calor: condução, convecção e irradiação) pertence ao currículo de Física e falou sobre a sua dificuldade com a Física, relembrando o tempo em que estudava na escola e na universidade. (Caderno de campo, 28/05/13, p. 13) O currículo é uma dificuldade a ser superada por muitos professores da EJA. A professora da pesquisa disse que, por ser um público diferenciado, não é possível aprofundar o conteúdo. Além disso, devido à precariedade do material didático, é preciso complementá-lo, respeitando as características e o tempo dos alunos. Segundo Barcelos (2010, p. 30), a preocupação dos professores com a qualidade da escolarização, se reflete no currículo escolar. Essa preocupação se manifesta na seguinte pergunta: “Deve existir um currículo especial para a modalidade da Educação de Jovens e Adultos?” Por consenso entre os professores, em função das especificidades inerentes ao grupo de alunos desta modalidade, dever-se-ia ter um currículo 77 especialmente pensado para a EJA, pois, verifica-se que, no currículo da Educação de Jovens e Adultos, os professores acabam seguindo as mesmas orientações curriculares das demais modalidades da educação. Parte-se então, de uma visão que prioriza os conteúdos e não a forma de lidar com eles; preocupa-se em valorizar muito mais o quê, em detrimento do como. Os cursos de licenciatura têm sido objeto de críticas em relação à formação de professores. As queixas que antes se referiam apenas a deficiências na metodologia ampliaram-se em relação ao conhecimento das disciplinas, levando o professor à insegurança em relação à classe, à baixa qualidade das aulas e à dependência dos livros didáticos. A quantidade do conteúdo, a organização do mesmo para apresentação nas aulas e a integração com as outras disciplinas ficam a cargo do professor que não se mostra preparado para tais funções. As Secretarias de Educação têm produzido materiais curriculares indicativos, chamados de guias curriculares, compostos por tópicos de conteúdos, por objetivos das disciplinas, por sugestões de atividades para as aulas e por bibliografia. Os professores das disciplinas científicas são responsáveis por definir o livro-texto, que determina por sua vez, a matéria a ser apresentada aos alunos e a metodologia. No entanto, aos livros didáticos é atribuída grande parte das deficiências do ensino de Ciências nas escolas de primeiro e segundo graus. Os livros são elaborados de forma a atender às necessidades dos professores, procurando suprir suas deficiências de formação e atenuar as difíceis condições de trabalho (KRASILCHIK, 1987). De acordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), o livro didático, na maioria das salas de aula, continua sendo o principal instrumento de trabalho do professor, fundamentando a sua prática. Sendo ou não usado pelos alunos, é a principal referência da grande maioria dos professores. Porém, é preciso ter cuidado já que os livros didáticos disponíveis no mercado, além de apresentarem deficiências, estão organizados segundo sequências rígidas de informações e atividades. Por serem usados como único material didático pelos professores, impõem um ritmo uniforme, sendo a memorização uma prática rotineira nas escolas. Na escola onde aconteceu a pesquisa, o material didático utilizado pelos alunos era construído por professores da própria instituição ou por órgãos, estaduais ou federais, responsáveis pela EJA. Algumas apostilas apresentavam informações que não condiziam com a atualidade. Presenciei alunos reclamando com a professora sobre as informações desatualizadas da apostila. Penso que isto influenciava o aprendizado e o interesse dos alunos pela busca do conhecimento. 78 Professora me disse que algumas apostilas são elaboradas por ela, para facilitar a compreensão dos alunos. Outras apostilas vêm prontas para a escola, são do Encceja11. São feitas cópias das apostilas pela escola e distribuídas aos alunos sem nenhum custo. (Caderno de campo, 04/06/13, p. 18) Professora pediu para os alunos abrirem a apostila na página 4. Uma aluna pediu para fazer a leitura e a professora autorizou. Quando a aluna lia a página 5, apareceu um quadro com a idade do cobre, do bronze e do ferro. Para saber o tempo de cada um, foi preciso realizar um cálculo. A partir deste cálculo, a professora percebeu que a apostila é do ano de 2002. Professora justificou que esta apostila é do Encceja. Aluno reclamou, dizendo que as apostilas deveriam estar atualizadas. (Caderno de campo, 27/08/13, p. 95) Eu só acho que as pessoas que fazem as apostilas da EJA deveriam atualizar. Porque às vezes, tem texto que a gente estuda que é desatualizado, os dados não condizem mais ao que está acontecendo hoje. Nós estamos em 2013, às vezes, tem coisas da década de 90 na apostila então assim, perde aí. (Mariana – Entrevista, 12/11/13, p. 2) Segundo Delizoicov, Angotti, Pernambuco (2011, p. 213), “os livros servem como verdadeiras ‘muletas’, minimizando a necessidade do professor de decidir sobre sua prática na sala de aula e preparar seu próprio material didático”. Na escola, 11 Encceja: Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos. Constitui-se em um exame para aferição de competências, habilidades e saberes adquiridos no processo escolar ou nos processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, entre outros. A participação no Encceja é voluntária e gratuita, destinada aos jovens e adultos residentes no Brasil e no Exterior que não tiveram oportunidade de concluir seus estudos em idade própria (INEP, 2011). 79 verifiquei que a professora tinha como principal material didático as apostilas. No entanto, ela levava textos e exercícios diferentes, obtidos de outros materiais, para passar aos alunos, e também complementava ou iniciava a explicação da apostila com conteúdos já vistos, como uma revisão. Ao chegar à sala de aula, professora disse: “Hoje vamos trabalhar com a apostila, página 9, abram, por favor.” Professora leu um texto da apostila e explicou o conteúdo referente ao assunto ‘Isolante térmico’. Depois passou a resposta de uma questão da apostila no quadro. (Caderno de campo, 28/05/13, p. 15) Antes de iniciar o conteúdo da apostila, professora Juliana revisou tabela periódica, átomo e suas partículas (prótons, nêutrons e elétrons), íons (cátions e ânions) e Regra do Octeto. (Caderno de campo, 06/08/13, p. 58) Professora chegou à sala de aula e pediu que os alunos abrissem a apostila na página 8. Depois da leitura de um texto, os alunos discutiram assuntos relacionados ao aquecimento nas telhas das casas, a partir da resposta à questão da apostila dada pela professora. (Caderno de campo, 28/05/13, p. 13) Professora chegou à sala de aula e entregou uma apostila aos alunos intitulada ‘Cadeia de energia elétrica brasileira’. Professora disse: “Vocês já estudaram esse conteúdo, mas eu trouxe essa apostila porque eu achei interessante. Foi feita para o 1º ano, mas é bacana vocês lerem. Foi o professor Ronaldo que elaborou. Vai lendo no ônibus, em casa, vocês vão gostar. (Caderno de campo, 17/09/13, p. 127) Olha gente, eu vou entregar uma apostila sobre o conteúdo que nós estamos estudando, que é Massa (atômica, molar e 80 molecular), Cálculos estequiométricos e Soluções. Completem com o que vocês têm no caderno. (Caderno de campo, 19/09/13, p. 137) Observei que algumas apostilas apresentavam assuntos atuais e importantes para se viver em sociedade. Entretanto, mesmo com conteúdos deste tipo, o desinteresse de alguns alunos ainda é frequente em sala de aula. Professora cumprimentou a turma e apresentou o que iriam estudar naquele dia. Aula na apostila ‘Competência12 22’, página 20, conteúdo ‘Os tipos de energia: eólica, hidrelétrica, fotovoltaica, etc.’. Professora leu o texto da apostila e fez perguntas aos alunos. Alunos interagiram respondendo às questões. Professora explicou a reação da chuva ácida. Segundo ela, “esta reação cai muito no ENEM”. Professora escreveu a reação no quadro e explicou como ela ocorre. Alunos ficaram interessados. (Caderno de campo, 25/06/13, p. 33) Na apostila, ‘Competência 23’, durante a leitura de uma tabela, realizada pela professora, alguns alunos dormiam, faziam exercícios de outra disciplina, observavam o celular e olhavam distraídos pela janela. (Caderno de campo, 25/06/13, p. 34) Para que a falta de interesse dos alunos pelos conteúdos, a partir das apostilas, não se transforme em algo comum em sala de aula, é preciso saber escolher esses conteúdos de forma consciente e pensando no aluno. Paulo Freire (2005) já dizia isso ao enfatizar que, na elaboração de um material didático, os responsáveis pela sua construção, devem levar em consideração a realidade dos alunos. Os princípios básicos para a elaboração desta proposta são a dialogicidade e o tema gerador. A pesquisa de Martins (2007) coloca que a partir do diálogo com os alunos, é possível investigar situações problemáticas do seu cotidiano e propor uma prática pedagógica que leve em consideração as suas dificuldades. Fazendo isso, percebe-se que o aluno supera sua visão de mundo, relacionando o saber popular adquirido em sua 12 Competências se referem às atividades propostas na apostila. Ver Apêndice E. 81 experiência de vida com o conhecimento químico. Normalmente, o ensino de Química apresenta os conteúdos sem nenhuma ligação com a realidade dos alunos da EJA. Ao submeter os alunos a aprenderem algumas fórmulas, constantes, diagramas, equações e tabelas de forma desconexa como são apresentados em muitos livros, não há como o aluno perceber qual a relação de tudo isso com o seu cotidiano. Além desses problemas, a quantidade de conteúdos em um livro tradicional não condiz com a realidade da EJA, que possui um tempo reduzido para o desenvolvimento desses materiais. No entanto, a utilização deste tipo de material é recorrente na EJA o que configura uma abordagem baseada na concepção bancária que visa somente o “depósito” de conteúdos nos alunos. Na educação bancária de Paulo Freire, os conteúdos são depositados nos alunos como se os mesmos fossem ‘tábulas rasas’, ou seja, como se não trouxessem com eles nenhum conhecimento prévio que ajudasse na aprendizagem de novos conhecimentos. Além disso, os conteúdos são transmitidos aos alunos de forma muita rápida, já que a preocupação com o tempo, com o cumprimento do cronograma do currículo, está sempre presente nessa situação. Chegou em sala de aula um novo aluno. Professora o cumprimentou, desejando boas vindas: “Seja bem vindo! Você já tem as apostilas?” O aluno respondeu que não. A professora disse: “Falando em apostila, eu preciso terminar essa apostila até início de outubro... está complicado...” (Caderno de campo, 27/08/13, p. 95) Professora distribuiu uma folha com exercícios que foram resolvidos na última aula e combinou com a turma que não voltaria atrás, corrigindo exercícios, porque atrasaria o conteúdo. Disse que se os alunos precisassem dela, poderia procurá-la depois da aula. (Caderno de campo, 13/08/13, p. 75) Assim como o livro didático serve de apoio à prática docente, o mesmo também aparece como referência de ensino aos alunos. Percebo que os alunos se sentem seguros ao “seguir” o material didático. Ao esquecer uma página, por exemplo, eles logo avisam à professora e pedem que ela reveja o conteúdo esquecido. Muitos alunos também cobram o cumprimento do material, querem estudar todo o conteúdo proposto e se isso 82 não acontece, atribuem a culpa ao professor e não à situação e aos seus próprios tempos e condições de aprendizagem. Após a explicação, a professora perguntou a uma aluna: Está complicado? Isso tem na apostila? (Dona Célia) Ainda não, ainda vou trazer. (Professora) (Caderno de campo, 17/09/13, p. 130) Alunos lembraram a professora de que ainda não terminaram de estudar a apostila sobre o elemento Cobre. Professora então retomou a apostila na página 18, explicou a reação da chuva ácida no quadro e depois leu a apostila na página 20. (Caderno de campo, 17/09/13, p. 132) A apropriação dos conteúdos de Química pela professora interfere no processo escolar ao despertar motivação e interesse pelo ensino desses conteúdos. A relação entre a professora e o material didático é influenciada por outras instâncias além da escola, e isso, às vezes, prejudica o trabalho docente ao apresentar textos descontextualizados e ao se tornarem principais referências ao ensino. Se professores se apoiarem nas ideias de Paulo Freire, ressaltando o diálogo e o tema gerador, as aulas se tornarão mais dinâmicas e interessantes. 4.4 A interação entre os alunos Os alunos da EJA formam, ao mesmo tempo, um grupo homogêneo e heterogêneo. Homogêneo por serem alunos excluídos da escola e por estarem envolvidos em atividades de trabalho das quais tiram o seu sustento e o de sua família. Heterogêneo, por serem jovens e adultos, com idades e experiências de vida muito diferentes. No entanto, apesar dessas características, observei que a interação entre os alunos em sala de aula era muito positiva. Presenciei várias situações em que companheirismo e carinho imperavam nas relações. A preocupação dos colegas mais vividos pelos alunos mais jovens era frequente, e isso era visto por estes com gratidão e respeito. 83 Hoje faltou um monte de gente da minha sala. Veio só eu e mais um colega. O povo está muito desanimado. Quero ver quando chegar o dia da prova, o final do ano, todo mundo querendo formar e não tem jeito. (Dona Célia - Caderno de campo, 29/08/13, p. 104) A professora é muito calma, ainda mais por causa da Química, que se não souber falar, se tiver muita pressa, as pessoas não entendem. Principalmente o pessoal que está há muito tempo sem estudar, pra eles é mais difícil ainda. (Mariana – Entrevista, 12/11/13, p. 1) Eu fico vendo os jovens de hoje, estão tão desanimados, chegam na sala e deitam e dormem, aí eu penso: “Meu Deus, vê se eu vou sair de casa pra chegar na sala de aula e dormir. Cansei de ver os alunos na sala fazerem isso. Eu sempre chamo, falo pra ir lavar o rosto e prestar a atenção na aula... Dormir é em casa.” (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 7) Outra situação que me chamou a atenção e demonstrou a preocupação e o carinho entre os colegas, foi quando a aluna Aline chegou atrasada, dizendo que estava no médico. Disse que estava triste porque descobriu que está com diabetes. Notei que os alunos se comoveram com o problema da colega. Ah não, professora, eu sou muito nova, não vou poder comer um monte de coisas. (Aline) Fica assim não, depois a gente conversa. (Professora) Depois você faz outro exame porque pode dar erro. (Dona Albertina) Ih, que ruim hein... (Armando) (Caderno de campo, 09/07/13, p. 50) Segundo Moreira e Borges (2006), é possível falar que os trabalhos em grupo favorecem a aprendizagem, no entanto, isso nem sempre acontece nas salas de aula. Às 84 vezes, o predomínio do conhecimento de um dos membros do grupo significa aprendizagens incompletas para outros membros. O ambiente de trabalho em grupo pode significar inibição à participação e ao compartilhamento das dúvidas e dificuldades. Por isso, a observação, a escuta e a intervenção do professor são aspectos fundamentais para atuar nesses obstáculos e tornar o trabalho em grupo uma oportunidade real de aprender. O ambiente de atividades em grupo não é necessariamente um ambiente favorável à aprendizagem. Depende do design da atividade e, sobretudo, da intervenção sistemática e inclusiva do professor. Expressa uma dinâmica complexa, retratada pela simultaneidade e diversidade de ações. Segundo Naddeo (2005, p. 125) A prática de realizar atividades em duplas, trios ou grupos pode favorecer o desenvolvimento da mediação entre os alunos. O trabalho em grupo promove a composição entre diferentes estilos e favorece a aprendizagem pela diversidade que apresenta. Ao escutar, respeitar e expressar suas opiniões e pontos de vista, nosso aluno será capaz de integrar suas habilidades e aprender a relatar as discussões do grupo, registrando e avaliando sua participação e suas contribuições no processo de produção do trabalho coletivo. Para Medeiros (1992), as relações cooperativas entre alunos na sala de aula influenciam de modo decisivo as aspirações educacionais e o rendimento escolar. Mais do que as interações de alunos com professores, as interações entre alunos colaboram para a redução do isolamento social, proporcionam o desenvolvimento de habilidades. A cooperação e a competição são conceitos presentes no funcionamento dos grupos de alunos. A cooperação é uma situação social em que os indivíduos estão estreitamente ligados em uma correlação positiva na realização de seus objetivos. Se um aluno alcançar a situação cooperativa, este busca um resultado que é benéfico para todos os participantes. A competição é uma situação social em que os objetivos de cada participante são tão ligados que há uma correlação negativa na realização de seus objetivos. Em uma situação competitiva, o estudante procura não apenas ser bem sucedido como também procura o fracasso dos outros participantes. Nas aulas observadas, verifiquei um maior número de situações de cooperação, se comparadas à competição. Devido ao perfil diversificado dos alunos, em que alguns eram jovens que pararam de estudar há pouco tempo e adultos que nunca estiveram na escola, observei que os jovens ajudavam os adultos em relação aos conteúdos e por sua 85 vez, os adultos, com sua experiência adquirida ao longo da vida, transmitiam seus saberes aos jovens. Era uma relação recíproca, em que cada grupo ajudava, de alguma forma, no desenvolvimento do outro. Um vai aprendendo com o outro, vai falando dentro da sala de aula, às vezes é uma coisa que a gente nem interessa, mas o colega fala e você presta atenção... (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 3) Então você aprende com o colega? (Mestranda) Aprendo muito! Com certeza! Com a experiência de vida das pessoas na sala de aula de mais idade. A Albertina me dá muito conselho, sobre eu não parar de estudar, me incentiva a fazer vestibular... Ela vive falando comigo pra eu não parar de estudar, fazer vestibular... eu estou até pensando nisso também. Então um vai enriquecendo o outro ali, naquele contexto ali. (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 3) Oh, se você quiser copiar do meu caderno, eu te empresto. Já fiz um monte de exercícios. Eu vou fazendo em casa quando eu sei. Não fico esperando não. (Maria – Caderno de campo, 27/08/13, p. 87) Pelo fato da escola estar situada em uma região central da cidade de Belo Horizonte, os alunos vinham de diferentes bairros e com isso traziam histórias, ideias e saberes provenientes desses lugares. Diante dessa situação, percebi que a cooperação também estava presente na troca de informações. Os alunos contavam uns aos outros as oportunidades surgidas em relação a estudos e emprego e com isso, todos tinham as mesmas possibilidades. As interações cooperativas promovem também amizade e aceitação nos grupos, além de refletir de modo importante nos resultados de aprendizagem. Sabe o Wagner? Lembra dele? (Armando) Lembro! (Mestranda) 86 Então, ele que me falou que tinha esse curso técnico em eletrônica, ele também faz curso lá. (Armando – Entrevista, 26/11/13, p. 4) A modalidade de organização das atividades adotadas em sala de aula – cooperativa e competitiva – expressa um fundamento de valor implícito que funciona como um currículo inconsciente. Os professores não reconhecem a poderosa influência que a escolha de uma ou outra estrutura exerce sobre o comportamento dos alunos e criticam as correntes educacionais não-diretivas, por se iludirem com a proposta de uma situação neutra em sala de aula: os alunos simplesmente tendem a reproduzir a organização mais habitual da escola, isto é, a estrutura competitiva (MEDEIROS, 1992). Enquanto a professora lia o exercício, Carol falou para a colega: “Eu que vou falar tá?” (Carol) Quando a professora terminou, a aluna disse: “Letra B?” (Caderno de campo, 23/05/13, p. 4) A escola, mesmo tendo incorporado a seu discurso termos como “solidariedade”, “cooperação” e “trabalho em equipe”, estimula, por todos os meios, a competição entre os alunos. Essa competição acontece por meio das notas. As notas estabelecem uma categorização entre os alunos à qual os professores e eles mesmos associam sua imagem, algo que todos sabem que terá consequências posteriores. A publicação de cada nova rodada de notas supõe uma relocalização simbólica dos indivíduos dentro do grupo. Utilizando as notas para classificar e diferenciar os alunos, a escola reproduz a divisão do trabalho na sociedade. Os sistemas escolares tendem a apresentar algum tipo de divisão entre ensino acadêmico e profissional, “planejados para conduzir os jovens, respectivamente, a postos de trabalho de gravata ou de macacão” (ENGUITA, 1989, p. 200). A escola ao separar o ensino profissional do acadêmico, retrata a cisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Para Enguita (1989), até o mais rotineiro trabalho manual requer o emprego de faculdades intelectuais, e o mais espiritual dos trabalhos intelectuais exige alguma forma de esforço manual ou físico, seja articulando um discurso falado, passando as páginas de um livro ou escrevendo sobre um papel. Esta cisão está presente na organização curricular, mais precisamente na 87 compartimentalização dos conhecimentos e habilidades em matérias. A desconexão entre as matérias “teóricas” e as “práticas” alenta nos alunos a ideia de que trabalho manual e trabalho intelectual são irreconciliáveis. Em lugar de uma formação e uma atividade integrais, encontram-se diante da situação de ter que decidir entre uma teoria irrelevante e uma prática carente de significado, isto é, entre duas opções simetricamente parciais e unilaterais. Segundo Kropotkin (1989), com a divisão do trabalho, separou-se o trabalho intelectual do braçal. Os homens de ciência desprezam o trabalho braçal. Existe uma teoria em que os homens de ciência descobrem as leis da natureza, o engenheiro aplica e o operário executa, trabalha com máquinas inventadas para seu uso. Nesta divisão do trabalho entre cientistas, engenheiros e trabalhadores, o operário especializado perde interesse intelectual pelo trabalho, pela sua capacidade inventiva depois da invenção da fábrica, ficando deprimido pela monotonia do trabalho. Por isso, exige-se a defesa por uma educação a todo ser humano que ligasse o verdadeiro conhecimento científico a outro, também profundo, da arte mecânica e a necessidade da especialização depois da educação geral que deve compreender a ciência e o trabalho braçal. Em vez de uma “educação técnica”, uma educação integral, completa. O trabalho é inerente ao ser humano, a partir dele o homem cria e recria os instrumentos para atuar na natureza e assim satisfazer suas necessidades. Durante a pesquisa em turmas da EJA, verifiquei que são frequentes as situações em que o trabalho dos alunos é verbalizado em sala de aula. Por exemplo, na conversa informal, que ocorre antes do início formal da aula; na conversa concomitante à cópia do conteúdo escrito no quadro; no comentário formal, ilustrativo do conteúdo exposto em aula; na aproximação ao saber escolar abordado em apresentações de trabalho e outras tarefas escolares, como textos elaborados individualmente pelos alunos e, posteriormente, lidos em aula por solicitação do professor. Nos relatos formais, os alunos buscam ilustrar o saber escolar com uma vivência pessoal no mundo do trabalho. Durante as entrevistas, ao perguntar aos alunos sobre a relação entre eles e seus colegas, alguns deles responderam que a relação era boa, que no começo eram mais retraídos, ainda não muito receptivos a convivência e ao relacionamento, mas que com o tempo a relação se transformou. No entanto, são sinceros ao reclamar sobre o comportamento de alguns em relação à bagunça, à conversa e à falta de atenção nas aulas. Para alguns alunos, a conversa atrapalha a aula e o rendimento escolar. 88 Como é a sua relação com os colegas? (Mestranda) É boa! No começo era meio assim... depois, foi perdendo a vergonha, aí acabou. Fui conhecendo todo mundo, não tenho nada do que reclamar. (Armando – Entrevista, 26/11/13, p. 2) E os colegas, tem hora que eles falam muito e começam a atrapalhar. Aí a professora chama a atenção deles, sempre com muita educação, muita calma... (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 3) Mas os colegas, às vezes, devido à falta de interesse, atrapalham a gente. Eles não prestam a atenção na aula e não deixam a gente prestar atenção também. (Dona Albertina – Entrevista, 19/11/13, p. 1) A interação cooperativa em sala de aula promove uma situação que se reflete na sociedade, com alunos se ajudando mutuamente, como indivíduos desenvolvidos em sua capacidade de inter-relacionamento pessoal e em seu comportamento em grupo. O tipo de interação humana cooperativa é aquela que torna possível a constituição da família, do grupo, da organização e da escola. Até na comunicação entre dois indivíduos é necessária a interação cooperativa para o estabelecimento de uma linguagem comum que permita o entendimento e o acordo acerca de normas de comportamento. 89 5 A APRENDIZAGEM DOS CONTEÚDOS DE QUÍMICA A aprendizagem é um processo bastante complexo. Segundo Libâneo (2013), a apropriação de conhecimentos se refere ao processo de percepção, compreensão, reflexão e aplicação, desenvolvida com os meios intelectuais e motivacionais do aluno, sob a direção e a orientação do professor. Esse processo permite entender que aprender é um ato de conhecimento pelo qual o aluno assimila mentalmente os fatos, fenômenos e relações do mundo, da natureza e da sociedade, por meio do estudo dos conteúdos de ensino. Durante o processo de apropriação, acontece o entrelaçamento entre a atividade mental e a linguagem, sendo esta um instrumento que traduz, por meio das palavras, os objetos, os fenômenos e suas relações. No contexto escolar, o processo de apropriação seria a referência básica do processo de ensino baseado nos objetos científicos a serem apropriados e reconstruídos sob a forma de conceito na atividade conjunta entre professores e alunos. A interação sujeito–objeto implica o uso de mediações simbólicas encontradas na cultura e, particularmente, na ciência. A reconstrução do objeto de estudo constitui o processo de interiorização, a partir do qual se reestrutura o próprio modo de pensar dos alunos, assegurando, com isso, o seu desenvolvimento. Este capítulo apresentará os principais instrumentos para o desenvolvimento da aprendizagem. Uma importância maior será dada à linguagem, que atua como mediadora entre professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem e aos conteúdos escolares, especificamente os da disciplina Química, por proporcionarem ao aluno a apropriação e a reflexão sobre os conhecimentos e as informações sobre a nossa realidade. 5.1 A linguagem científica e o discurso dos alunos e da professora em sala de aula O interesse da pesquisa que deu origem a esta dissertação foi a aprendizagem dos conteúdos de Química, a partir da interação entre professores e alunos em sala de aula. Sendo assim, é importante considerar que Vygotsky, ao fazer referência ao desenvolvimento da aprendizagem e à produção do conhecimento, colocou a linguagem como central em sua teoria. Para ele, o desenvolvimento intelectual do homem está ligado às relações sociais, que têm como produto a cultura e o conhecimento. Nesse processo de interação humana, que produz cultura e transforma o homem em ser social, a linguagem é o sistema simbólico fundamental de mediação entre os homens. 90 O processo do conhecimento se estabelece na dinâmica das interações entre professores e alunos. Nessa interação, a atividade cognitiva dos sujeitos vai sendo constituída por meio da linguagem. Segundo Machado (2004), Vygotsky foi o autor que considerou de forma mais adequada os fatores sociais na aprendizagem, explicando a importância da relação entre linguagem e ação quando os alunos aprendem em diferentes contextos sociais. A linguagem facilita a construção dos significados e pode ser utilizada para estimular a atividade cognitiva dos alunos e representar suas compreensões. A linguagem científica possui características próprias, diferentes da linguagem comum, que foram historicamente estabelecidas ao longo do desenvolvimento da ciência, como forma de registrar e ampliar o conhecimento científico. A linguagem química, por possuir as suas características, pode ser entendida como uma dificuldade para os alunos, sendo eles do ensino comum ou da Educação de Jovens e Adultos. Na Química, as transformações, também chamadas de reações, são representadas por equações e as equações, como signos que são, sintetizam e materializam toda uma forma de pensar. As representações sob a forma de equações devem ser concisas e rápidas. O fato de as equações serem esquemáticas implica que ficam muito aquém do conjunto de enunciados que fornecem uma descrição completa dos fenômenos envolvidos. A dificuldade de apropriação dos conceitos científicos pode ser decorrente da linguagem química descritiva e/ou esquemática (MACHADO, 2004). Devido a sua linguagem característica, a Química apresenta conteúdos que exigem memorização. Com o tempo, verifica-se o esquecimento do que se decorou e com isso, a apropriação dos conteúdos não acontece. Perguntei a um aluno o que ele considerava mais difícil ao estudar Química. Ele respondeu: O ruim é que a maioria da matéria é decoreba. Se eu não ficar relendo aquilo, eu acabo esquecendo. No caso, acho que foi o tal do Mol, porque tem muita coisa pra decorar, muito cálculo. Lembrando da fórmula, a gente consegue fazer, mas o problema é lembrar. Se eu tiver que fazer algum exercício agora, eu não sei se consigo. (Armando – Entrevista, 26/11/13, p. 2) Para Santos e Schnetzler (1996), a linguagem química precisa ser vista de maneira simplificada, de modo a permitir ao aluno compreender sua importância para o 91 conhecimento químico, bem como seus princípios gerais, a fim de que ele possa interpretar o significado correspondente da simbologia química tão frequentemente empregada nos meios de comunicação. A linguagem constitui o sistema de mediação, que funciona como instrumento de comunicação e planejamento entre as pessoas. É pela sua função comunicativa que o indivíduo se apropria de fatos, conhecimentos e relações. De acordo com Vygotsky (2008), a linguagem materializa e constitui as significações construídas no processo social e histórico. Para Lucci (2006), quando os indivíduos interiorizam a linguagem, passam a ter acesso a estas significações que, por sua vez, servirão de base para que possam dar sentido às suas experiências, e serão estas significações que constituirão suas consciências, mediando, desse modo, suas formas de pensar e agir. Chassot (1993) coloca que o ensino de Química é um facilitador da leitura do mundo. Quando se sabe ler, as relações no mundo ficam facilitadas. Esse autor apresenta o exemplo de dois cidadãos, um analfabeto e outro alfabetizado, tentando comprar passagens em uma rodoviária da capital. São visíveis as desvantagens do primeiro. Agora, dois alfabetizados, um dos quais conhece Química e outro não, diante de notícias sobre o uso de defensivos agrícolas ou sobre um desastre nuclear. Aqui, o primeiro tem condições de fazer uma leitura mais crítica sobre a informação que lhe é imposta. Ensina-se Química, então, para permitir que o cidadão possa interagir melhor com o mundo. O número de pesquisas em educação que mostram a importância da análise da dimensão discursiva dos processos de ensino e aprendizagem em salas de aula vem crescendo nos últimos anos. Esses estudos apresentam a linguagem como ferramenta fundamental para a construção e apropriação do conhecimento científico e destacam a importância do professor ao estimular a ocorrência de ambientes ricos em interações discursivas e ao exercer seu papel de mediador entre a cultura dos alunos e a ciência como corpo organizado de conhecimentos. Ao levar em conta a natureza social da atividade mental, é importante que o professor estimule a interação discursiva na sala de aula. Alguns professores se mostram habilidosos ao criar ambientes de interação verbal, conseguindo, por meio do diálogo, engajar os alunos em torno de temas da ciência na vida contemporânea. Durante a formulação de perguntas, os alunos ligam os novos conceitos e ideias sobre a ciência aos seus próprios interesses, experiências e conhecimentos. Outra contribuição que provém das perguntas, é que, por meio delas, o professor obtém uma resposta (feedback) dos alunos, o que permite um ajuste do ensino 92 aos interesses, experiências e conhecimentos prévios dos alunos. A argumentação é uma das formas de interação discursiva, que possui a característica de ser uma atividade que potencializa mudanças nas concepções dos indivíduos sobre temas discutidos. O que dá à argumentação um potencial único neste sentido e a diferencia das outras formas do discurso, é a forma como esta desencadeia, nos participantes, um processo de revisão de suas perspectivas a respeito do mundo, físico ou social (AGUIAR Jr., MENDONÇA; SILVA, 2007). Durante a observação das aulas nas turmas que participaram da pesquisa, verifiquei a aplicação das perguntas, realizadas pela professora, e as respectivas respostas dos alunos. Essas conversas possibilitaram a interação entre os sujeitos envolvidos. Ao ler a primeira questão ‘Quais são as substâncias simples?’ Professora perguntou: Vocês lembram o que é substância simples? Tem um elemento. (Mariana) Isso! E o que caracteriza o elemento que compõe a substância é a letra maiúscula, a minúscula só acompanha. O O2 e o O3 são substâncias simples? (Professora) Sim. (Alunos - em coro) Professora lê a segunda questão: “Quais são as substâncias compostas?” Uai, se substância simples tem um elemento, composta tem dois. (Armando) Dois ou mais. Olha a equação no quadro. Aqui tem uma substância simples e aqui uma substância composta. (Professora) Ah tá! (Armando) Entenderam? Podemos ir pra terceira questão? (Professora) Sim. (Alunos) (Caderno de campo, 05/09/13, p. 110) Outra conversa entre os alunos e a professora: 93 Professora leu a seguinte questão: Comparando os produtos e os reagentes, pode-se dizer que os elementos químicos foram alterados durante a transformação? E aí? Sim! (Alunos) Olha gente, os elementos são os mesmos?(Professora) Sim! (Alunos) Então foram alterados? (Professora) Não! (Alunos) Então qual é a resposta?(Professora) Não. (Alunos) Comparando os produtos com os reagentes, pode-se dizer que as substâncias químicas foram alteradas durante a transformação? (Professora) Sim, porque uma coisa virou outra. (Mariana) Isso mesmo! Substâncias reagem e produzem outras substâncias. Todos entenderam? Alguma dúvida? Quer que repita? (Professora) Ninguém respondeu. (Caderno de campo, 05/09/13, p. 112) A fala do professor em sala de aula, os inúmeros recados que transmite aos alunos, não pode jamais reproduzir a mesma fala que mantém com seus colegas na sala dos professores. Ao conversar com adultos, geralmente, empregam-se verbos, proposições, metáforas, exemplos próprios à realidade do adulto. Em sala de aula é essencial uma reestruturação dessa linguagem, para ser a mais clara e a mais explícita possível para gerar uma compreensão entre todos. Por esse motivo, a linguagem pedagógica não pode ser uma extensão da linguagem coloquial e, em sala de aula, é essencial que o professor defina cada conceito que utiliza, solicite aos seus alunos que o repita “com suas palavras” para aferir se ocorreu a compreensão pretendida, demonstre formas alternativas no dizer, exemplifique a partir de diferentes alternativas, crie relações implícitas e, sobretudo explícitas entre os conceitos relatados. Enfim, que o professor adote normas e procedimentos compatíveis com a faixa de idade e o consequente universo vocabular de seu aluno (ANTUNES, 2008). 94 Bachelard (1996) atenta para a importante função do discurso da sala de aula, na construção do conhecimento. Para ele, não é por meio do contato com os fenômenos em si mesmos, mas muito mais do contato com o discurso da sala de aula, que os alunos constroem o conhecimento escolar. Por isso, exercitar o diálogo significa trabalhar na construção da aprendizagem. Essa construção requer que o professor esteja atento às práticas discursivas em sala de aula, ou seja, não só ao que o aluno lê e escreve, mas também ao que ele fala, como e quando fala, o que diz e se escuta os seus colegas. De acordo com Pozo e Crespo (2009), a capacidade de o aluno argumentar e comunicar os próprios conhecimentos é, no mínimo, tão importante quanto a apropriação desses conhecimentos. De pouco serve saber Química se não sabe dizer o que sabe. Diante da ideia de que comunicar é simplesmente dizer o que sabe, entende-se que o ato de explicar ou explicitar o conhecimento também é uma fonte contínua de novas aprendizagens. Portanto, aprender ciência é também aprender a explicar o que sabe e, nessa medida, o professor de ciência também é professor de linguagem, ao ajudar seus alunos a expressar e explicar melhor o que sabem. A linguagem é um aspecto fundamental da aprendizagem, é o instrumento para a formação e expressão do pensamento. As formas de linguagem expressam as condições sociais e culturais da vida das pessoas. É pela linguagem que os alunos assimilam os conhecimentos sistematizados, na forma de conteúdos escolares. 5.2 Os conteúdos escolares e o currículo na EJA A aprendizagem dos conteúdos de Química é o foco desta pesquisa, por isso, a necessidade de se falar especificamente sobre os conhecimentos que, na escola, são selecionados na forma de conteúdos; e sobre o currículo, estrutura maior de organização desses conteúdos. O conhecimento é uma construção histórica e social, produto de um processo dialético complexo no qual interferem fatores culturais, sócio-políticos e psicológicos. É uma construção empreendida por gerações passadas e presentes, permeada por significados a serem interpretados e reativados. São produzidos pelas pesquisas e pela confirmação ao longo da história. O conhecimento quando produzido, respeitando suas marcas histórias e seu desenvolvimento cultural, acarreta para os alunos, um significado maior, se comparado à falta desses pressupostos. Entender como ocorre o processo de construção do conhecimento científico é de grande relevância para a aprendizagem. A professora da 95 pesquisa, na sala de aula, explicou os modelos atômicos de forma histórica, apresentando sua evolução. Com isso, surgiu o interesse dos alunos e o desejo em aprender mais sobre este conteúdo. Devido à pergunta de uma aluna, a professora explicou os modelos atômicos de Dalton a Bohr. Alunos ficaram muito interessados e pediram que a professora explicasse mais: “Fala mais professora, isso é bom!” (Júnior – Caderno de campo, 25/06/13, p. 37) Também sobre a tabela periódica, principal instrumento do ensino de Química, o aluno Armando se mostrou empolgado com a forma como o autor da tabela a construiu. Isso aconteceu porque a professora explicou, em detalhes, como aconteceu essa construção, com a descoberta dos elementos químicos encontrados na natureza, com os elementos sintetizados em laboratório e, depois, organizados na tabela de acordo com suas propriedades. O cara que montou a tabela periódica é fera demais! Que isso! Não tinha mais nada pra fazer, só isso! (Armando) É, ele era muito bom mesmo! (Professora) Eu estou começando a gostar dessa tabela aqui. Vamos ver mais, professora? (Armando) (Caderno de campo, 06/08/13, p. 64) Segundo Libâneo (2013, p. 142), o ensino é tido como atividade específica da escola, em cujo centro está a aprendizagem e o estudo dos conteúdos pelos alunos. Os conteúdos de ensino formam o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social, organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e aplicação pelos alunos na sua prática de vida. Englobam, portanto: conceitos, ideias, fatos, processos, princípios, leis científicas, regras; habilidades cognoscitivas, modos de atividade, métodos de compreensão e aplicação, hábitos de estudo, de trabalho e de convivência social; valores, convicções, atitudes. São expressos nos programas oficiais, nos livros didáticos, nos planos de ensino e de aula, nas atitudes e convicções do professor, nos exercícios, nos métodos e formas de organização do ensino. 96 Para Chassot (1993), os professores deveriam selecionar conteúdos que favoreçam uma melhor leitura da realidade. Entretanto, realizar essa seleção não é fácil. Para muitos professores, é mais fácil “transferir” o que está nos livros-textos e apresentar clássicas desculpas como: “Preciso cumprir o programa!” ou “Preciso preparar meus alunos para o vestibular!” Poucos são os professores que dizem: “Preciso preparar meus alunos para a vida.” Mesmo que o professor tenha dificuldades ao selecionar conteúdos que estejam ligados ao cotidiano e venha a preferir os conteúdos clássicos, por encontrar neles, apoio nos livros-texto, é preciso questionar o que ensinar sobre determinado assunto. No cotidiano da sala de aula, além das dificuldades em selecionar os conteúdos e os métodos de ensino que melhor atendam seus alunos, os professores se deparam, também, com outra situação bastante delicada: a de ter que trabalhar com alunos jovens e adultos, com diferentes necessidades de aprendizagem. Sem excluir nenhum deles, tentando desenvolver um trabalho que atenda às suas particularidades, o professor tem que lidar com o conflito gerado pelo currículo prescrito e pelo que é posto em prática em sala de aula. Na escola pesquisada, verifiquei a preocupação da professora em transmitir o conteúdo aos alunos, considerando a complexidade do currículo para essa modalidade de ensino. A turma de EJA, com sua característica heterogênea, em relação à idade e experiências de vida, deixava a professora apreensiva ao eleger os conteúdos mais relevantes e construir o conhecimento de forma a apresentar sentido aos alunos. Devido à carga horária reduzida e aos conteúdos em elevada quantidade, a professora estava sempre preocupada com o currículo. O plano curricular da turma de EJA do Ensino Médio pode ser visto no APÊNDICE D. Segundo Silva (2006), a palavra currículo possui diferentes significados, derivados dos modos como a educação é concebida historicamente e das influências teóricas que a afetam. O currículo é entendido como: (a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b) as experiências de aprendizagem escolar vividas pelos alunos; (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; (d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino. As discussões sobre o currículo se referem aos conhecimentos escolares, aos procedimentos e as relações sociais, às transformações que se deseja efetuar nos alunos, aos valores que se deseja inculcar e às identidades que se pretende construir. Resumindo, entende-se currículo como as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção da identidade dos 97 alunos. O currículo pode ser associado ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. Enfim, não importa a concepção de currículo adotada, o que importa é sua relevância no processo educativo escolar. É por meio do currículo que as “coisas” acontecem na escola, é pelo currículo que se sistematizam os esforços pedagógicos. O currículo é o coração da escola, o espaço central de atuação de professores e profissionais da educação. O professor é o responsável pela materialização dos currículos nas salas de aula, por isso, a necessidade de discussões e reflexões, na escola, sobre o currículo. O conhecimento escolar é um dos elementos centrais do currículo e sua aprendizagem constitui condição indispensável para que os conteúdos socialmente produzidos possam ser apreendidos, criticados e reconstruídos pelos alunos. Daí a importância da seleção de conhecimentos relevantes e significativos para a inclusão no currículo. Uma educação de qualidade requer a seleção de conhecimentos, que incentivem mudanças individuais e sociais nos alunos, a partir do diálogo com os saberes disciplinares e com outros saberes socialmente produzidos. O conhecimento escolar é um tipo de conhecimento produzido pelo sistema escolar e pelo contexto social e econômico mais amplo, que se dá em meio a relações de poder estabelecidas no aparelho escolar e entre esse aparelho e a sociedade. O currículo constitui um dispositivo em que se concentram as relações entre a sociedade e a escola, entre os saberes e as práticas socialmente construídos e os conhecimentos escolares. Os conhecimentos escolares provêm de saberes e conhecimentos socialmente produzidos nos chamados “âmbitos de referência dos currículos”. Esses âmbitos de referência se referem: (a) às instituições produtoras do conhecimento científico (universidades e centros de pesquisa); (b) ao mundo do trabalho; (c) aos desenvolvimentos tecnológicos; (d) às atividades desportivas e corporais; (e) à produção artística; (f) ao campo da saúde; (g) às formas diversas de exercício da cidadania; (h) aos movimentos sociais. Nesses espaços, produzem-se os diferentes saberes dos quais derivam os conhecimentos escolares. Os conhecimentos oriundos desses diferentes âmbitos são, então, selecionados e “preparados” para constituir o currículo formal, para constituir o conhecimento escolar que se ensina e se aprende nas salas de aula (MOREIRA e CANDAU, 2007). Para alguns professores, a concepção de conhecimento escolar e de currículo ainda está ligada a noções de grade curricular. Essa concepção influencia a seleção dos conteúdos a serem transmitidos aos alunos e demonstra o desconhecimento das discussões atuais sobre o currículo. Muitos professores associam conteúdos a conceitos 98 a serem memorizados e procedimentos a serem reproduzidos. Essa prática dissocia a educação do contexto social, do tempo, dos valores, das condições e dos acontecimentos históricos. A concepção de grade curricular se reflete no livro didático, utilizado por muitos professores e considerado seu principal instrumento de trabalho. Muitos professores utilizam o livro didático como fonte exclusiva de consulta e lhe confere toda a legitimidade. Tem-se a impressão de que o livro didático é utilizado para controlar o currículo e o trabalho docente, pois seleciona os conhecimentos considerados válidos. O livro acaba estabelecendo uma situação de conformidade social. Mesmo reconhecendo que, às vezes, os livros trazem informações equivocadas, o professor continua utilizando o texto proposto (EUGÊNIO, 2005). Martins (2007), em sua dissertação, detectou o quanto é comum o uso de materiais didáticos de forma improvisada com os alunos da EJA, com conteúdos resumidos e fragmentados. Para ele, tanto os professores quanto a escola uniformizam os conteúdos, os materiais e as metodologias, esquecendo a particularidade da modalidade da Educação de Jovens e Adultos. O material didático ao privilegiar os conteúdos relacionados à vida dos alunos e a estrutura conceitual dos currículos da EJA, não leva em conta apenas a aquisição de conhecimentos, se preocupa também com os interesses pessoais e as perspectivas culturais. Os alunos da Educação de Jovens e Adultos, geralmente são experientes no que fazem, eles não conhecem os conteúdos de forma teórica, mas têm um grande conhecimento dos conceitos práticos. No entanto, ainda falta uma base educacional para o desenvolvimento de um pensamento científico (COSTA, 2008). Nas turmas observadas durante a pesquisa de campo verifiquei que os alunos trazem, de suas experiências de vida, vários saberes que, quando relacionados ao conhecimento científico apresentado pelo professor, garantem uma aprendizagem mais rica e permeada de sentido. De acordo com Simões e Eiterer (2007), para o desenvolvimento da teoria científica por parte dos alunos da EJA, alguns professores já adotam estratégias de ensino que requerem maior participação do aluno por meio do diálogo. Entre as novas estratégias estão as atividades em grupo, discussões, debates, pesquisas e conversas, as quais, muitas vezes, geram estranhamento no aluno, pois ele espera que a escola garanta seu acesso aos conteúdos através da transmissão de informações. O aluno entende como legítima a aplicação do modelo que Freire chama de educação bancária e acredita que nada sabe e que deve aprender com o professor. 99 Segundo Young (2007), a transmissão de conhecimentos tem sido duramente criticada por pesquisadores da área da educação. Muitos críticos apreendem ‘transmissão’ a partir do modelo mecânico, passivo e unidirecional de aprendizagem, como colocado por Paulo Freire. Young, no entanto, dá à palavra transmissão um significado bem diferente. Para ele, transmissão pressupõe o envolvimento ativo do aluno no processo de aquisição do conhecimento; argumenta que a transmissão de conhecimento no interior da escola se dá a partir da necessidade de distinguir quais conhecimentos devem ser selecionados para compor o currículo da escola. A delimitação de quais conhecimentos deve ser transmitida contém a ideia, muitas vezes combatida por educadores, de que existem conhecimentos mais valiosos que outros. As escolhas no interior dos currículos devem conectar-se às necessidades educativas de seus alunos que percorreram longos períodos de suas vidas, sem os conhecimentos e as práticas sociais compartilhadas no território escolar. A escolha sobre o que ensinar e como ensinar garante à EJA conteúdos e metodologias próprios. O professor é, na sala de aula, diante do currículo e do material didático, o portavoz de um conteúdo escolar e de um conhecimento científico, é o mediador do processo de aprendizagem do aluno. O aluno é o sujeito da própria aprendizagem, tem expectativas individuais, é portador de saberes e experiências que adquire constantemente em sua vida. Durante o tempo em que estive presente em sala de aula, constatei que os alunos só conseguem se apropriar dos conteúdos selecionados pela escola, quando se interessam por eles e quando veem relação entre os conteúdos, seu cotidiano e seus próprios saberes. Considerando que o aluno é o sujeito da sua própria aprendizagem e sendo um dos objetivos da pesquisa, analisar as estratégias que os alunos adotam para a realização das atividades da disciplina e as formas buscadas para aprender o conteúdo, foi preciso, então, verificar como aconteceu o processo de estudo dos alunos, fora da sala de aula. Para isso, durante as entrevistas, perguntei se os alunos estudavam em casa e como acontecia esse estudo. Eu estudo em casa. Eu gosto de olhar a apostila e passar para o caderno. (Dona Albertina) O ato de copiar te ajuda a gravar? (Mestranda) 100 SIM! Pra eu gravar eu tenho que fazer de novo. Nas redações, os acentos que eu erro, eu copio duas ou três vezes pra aprender. (Dona Albertina - Entrevista, 19/11/13, p. 4) Em casa, eu costumo usar a apostila e quando tenho dúvidas, pesquiso na internet. Mas eu sempre pesquiso em mais de um site, não costumo confiar em só um. Gosto de olhar o caderno, porque eu gosto de anotar tudo. (Armando - Entrevista, 26/11/13, p. 3) A falta de tempo é colocada pela aluna Mariana como justificativa para a não realização de estudos em casa. Eu na verdade não tenho tempo. Eu mal estou estudando para o vestibular. Mas assim, quando eu tenho um tempinho eu pego a apostila, estudo aqui mesmo na escola. Eu gostaria de estudar mais, mas não dá. (Mariana - Entrevista, 12/11/13, p. 3) O trabalho é colocado como lugar de estudos para a aluna Elaine e para o aluno Júnior. Lá eles têm condições de estudar, seja pela tranquilidade, proporcionada pelo lugar, seja pelo incentivo do empregador. A minha rotina é assim: eu pego a neném na escola às 11h30 e levo pra casa. Aí, no horário que ela dorme e eu fico sem fazer nada, eu estudo. Até com ela, que já está grandinha, ela fica com os livrinhos dela e eu com os meus. Minha patroa me ajuda muito. Em dias de prova ela fala pra eu só olhar a neném e não fazer mais nada, pra eu poder estudar. (Elaine – Entrevista, 14/11/13, p. 3) Eu sempre estudo no trabalho. Levo as apostilas e os livros. Por eu ser vigilante, trabalha eu e mais um rapaz, por ser portaria, a gente fica olhando só computador, só câmera de computador, essas coisas. Porque lá é tudo seguro... (Júnior – Entrevista, 26/11/13, p. 2) 101 A professora é sempre lembrada pelos alunos quando estudam os conteúdos em casa ou no trabalho. Quando eu estudo, eu lembro muito da professora explicando. Lembro até dela me xingando quando eu erro alguma coisa (risos). (Dona Albertina - Entrevista, 19/11/13, p. 4) Lembro também da professora falando, explicando a matéria. (Armando – Entrevista, 26/11/13, p. 3) Eu, quando estudo em casa, lembro da professora e falo assim: “Nossa, a professora explicou isso e isso assim pra mim, então é assim que faz...” Aí eu faço igual ela explicou. (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 4) A mediação do professor ou de uma pessoa mais experiente é sempre muito importante no processo da aprendizagem. A aluna Maria conta com a ajuda da sua filha e da sua neta para estudar e resolver as atividades em casa. Eu gosto muito de estudar em casa, apesar do pouco tempo por causa do trabalho. Gosto de levar pra aula tudo pronto, tudo arrumadinho, os exercícios todos prontos. Pra estudar eu tenho a ajuda da minha filha de 16 anos. Quando eu tenho dúvida, eu procuro na internet. Quando eu não tenho tempo de procurar na internet, a minha netinha de 11 anos pesquisa pra mim e me entrega. Aí eu leio a pesquisa e faço as minhas conclusões, os meus exercícios. Na hora que está todo mundo dormindo, tipo meia-noite, eu estou lá fazendo. É puxado! Cada um traz um conhecimento e ao trocar esses conhecimentos com a professora e os alunos, uns ajudam os outros. Assim é em casa, minha filha, minha netinha, todas me ajudam... (Maria – Entrevista, 26/11/13, p. 4) 102 Como visto, a aprendizagem é realmente importante para esses alunos, já que a maior parte deles encontra tempo, seja em casa ou no trabalho, para realizar seus estudos. Para isso, contam com o material de estudo: as apostilas, ao lerem, copiarem e resolverem exercícios; a internet, ao pesquisarem conteúdos diferentes daqueles propostos. A mediação de outras pessoas, como forma de auxílio aos estudos, também é relevante para a aprendizagem. 5.3 A aprendizagem e o desenvolvimento dos jovens e adultos Alunos e professora são personagens importantes no processo da aprendizagem escolar. O aluno é o sujeito da sua aprendizagem. Não há como ensinar alguém que não quer aprender. Ao professor, só é possível mediar e criar condições, facilitando assim, a ação do aluno ao aprender. Os alunos das turmas pesquisadas se mostraram satisfeitos ao perceber que estavam aprendendo os conteúdos de Química, já que acertavam as questões propostas pela professora: Eu nem acredito que eu estou aprendendo isso. (Fernanda – Caderno de campo, 23/05/13, p. 2) Eu estou começando a gostar dessa matéria. Acho que é porque eu estou aprendendo... (Luiza – Caderno de campo, 23/05/13, p. 4) Esse exercício é bem complicadinho. (Professora) Eu fiz! (Fernanda) Que bom! (Professora) (Caderno de campo, 23/05/13, p. 3) Eu estou gostando desse trem. Eu não gostava de Química não, agora eu acho que estou gostando. (Armando – Caderno de campo, 25/06/13, p. 31) A aprendizagem se constrói na interação entre o sujeito e o seu meio social. As pessoas aprendem o tempo todo, instigadas pelas relações sociais ou por fatores 103 naturais, aprendem por necessidades, interesses, vontade, enfrentamento ou coerção. As pessoas aprendem não só tópicos e assuntos, mas também habilidades manuais e intelectuais, a partir do relacionamento com outras pessoas, com a convivência com os próprios sentimentos, valores, formas de comportamento e informações, constantemente e ao longo de toda a vida (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2011). O trabalho docente voltado para a construção do conhecimento deve estar atento ao que acontece com os alunos, observando se a aprendizagem aconteceu, ou não. Na escola, presenciei várias situações em que a professora perguntava aos alunos sobre a compreensão dos conteúdos. Quando algum aluno não entendia o conteúdo, ela repetia a explicação e se mostrava paciente e receptiva a perguntas e indagações. Após terminar a resolução dos exercícios, professora perguntou: É bem fácil, não é? Pra quem sabe é, né professora!? (Paula) Mas agora você sabe. (Professora) Eu vou estudar em casa, professora. (Paula) Vocês querem que eu traga alguns exercícios? (Professora) Sim, eu quero! (Paula) Após a explicação do conteúdo no quadro-negro, professora perguntou a uma aluna: Amanda, tudo bem? Não. (Amanda) Então olha aqui. Reagente está antes da seta e produto depois da seta. Entendeu? (Professora) Sim. (Amanda) (Caderno de campo, 27/08/13, p. 102) A aprendizagem é um processo social e culturalmente mediado. Vygotsky (2008) estudou a influência do ambiente social e cultural nos processos de aprendizagem e colocou que a direção do desenvolvimento não vai do individual para o social, mas do social para o individual. De um processo de natureza interpessoal passase progressivamente para um processo de natureza intrapessoal. Sem deixar de reconhecer a importância fundamental da atividade individual, destaca que o indivíduo progride pela apropriação da cultura através das interações sociais, cuja vivência favorece a sua interiorização. 104 A aprendizagem é influenciada pelas experiências pessoais e pelos fatos da vida diária dos alunos. As concepções prévias, quando trabalhadas a partir de ideias de mudanças conceituais, estabelecem de maneira sistemática uma ligação entre os conhecimentos escolares e o cotidiano, assumindo uma racionalidade científica, na análise de problemas do dia a dia e na tomada de decisões para sanar esses problemas (BUDEL e GUIMARÃES, 2009). Durante as observações em sala de aula, após a leitura de um texto da apostila, a professora relacionou o que foi lido com o cotidiano dos alunos. O conteúdo estudado se referia a ‘Condutor e isolante térmico’. Aluno então perguntou: Posso levar cerveja gelada em caixa de madeira, ao invés de isopor? (Armando) Ah, o isopor ainda é melhor isolante térmico que a madeira. (Professora) (Caderno de campo, 23/05/13, p. 7) Sobre outro conteúdo (Mudança de fase das substâncias), o mesmo aluno afirmou: Naftalina na gasolina aumenta a octanagem do carro, eu já fiz isso. (Armando – Caderno de campo, 23/05/13, p. 7) Verifica-se nos trechos acima, que o aluno possui um saber prévio, de senso comum, que se relaciona ao conhecimento científico apresentado pela professora em sala de aula. Esse saber trazido pelo aluno estimula sua curiosidade diante deste novo conhecimento e faz com que a aula se desenvolva de forma criativa e interessante. Durante o estudo sobre soluções, que inclui soluto, solvente, misturas homogêneas e heterogêneas, Maria, aluna da turma C, exemplificou solução supersaturada como um suco com açúcar no fundo da jarra. Falou também da solubilidade do própolis, que não se dissolve na água, mas somente no álcool. A mesma aluna disse usar gasolina para tirar graxa da roupa do marido. Quantos saberes de senso comum são colocados aqui! A articulação entre os saberes prévios dos alunos e os conhecimentos científicos é importante para a aprendizagem dos conteúdos escolares. 105 O aluno, quando apresentado à ciência, traz consigo uma série de opiniões, já consolidadas sobre si mesmo e sobre o mundo. O aprendizado requer do sujeito a capacidade de reorganizar seus saberes a partir dos conceitos científicos. Bachelard (1996, p. 23) aponta, assim, para a árdua tarefa que se apresenta não só ao cientista, mas também ao educador: Os professores de ciência imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de física com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana. Na escola, o principal objetivo do professor é garantir a unidade didática entre ensino e aprendizagem. Ensino e aprendizagem são duas facetas de um mesmo processo. O professor planeja, dirige e controla o processo de ensino, tendo em vista estimular e suscitar a atividade própria dos alunos para a aprendizagem. A aprendizagem é classificada em casual e organizada. A aprendizagem casual é quase sempre espontânea, surge naturalmente da interação entre as pessoas e o ambiente em que vivem, pela convivência social, pela observação de objetos e acontecimentos, pelo contato com os meios de comunicação, leituras, conversas etc. A aprendizagem organizada é aquela que tem por finalidade específica aprender determinados conhecimentos, habilidades, normas de convivência social. Embora isso possa ocorrer em vários lugares, é na escola que são organizadas as condições específicas para a transmissão e assimilação de conhecimentos e habilidades. Esta organização intencional, planejada e sistemática das finalidades e condições da aprendizagem escolar é tarefa específica do ensino. A aprendizagem escolar é um processo de assimilação de determinados conhecimentos, organizados e orientados no processo de ensino. Os resultados da aprendizagem se manifestam em modificações na atividade externa e interna do sujeito, nas suas relações com o meio físico e social. No processo de ensino são estabelecidos objetivos, conteúdos e métodos, mas a sua assimilação é consequência da atividade mental dos alunos. A aprendizagem efetiva acontece quando, por influência do professor, são mobilizadas as atividades física e mental próprias dos alunos no estudo das matérias. Na aprendizagem escolar há influência de fatores afetivos e sociais, que suscitam a motivação para o estudo, que interferem nas 106 disposições emocionais dos alunos para enfrentar as tarefas escolares, que contribuem ou dificultam a formação de atitudes positivas dos alunos frente às suas capacidades e frente aos problemas e situações da realidade e do processo de ensino e aprendizagem. A aprendizagem escolar tem um vínculo direto com o meio social que circunscreve não só as condições de vida dos alunos, mas também a relação com a escola e o estudo, sua percepção e compreensão das matérias. A consolidação dos conhecimentos depende do significado que eles carregam em relação à experiência social das crianças e jovens na família, no meio social, no trabalho. A aprendizagem escolar se vincula à motivação dos alunos, que indicam os objetivos que procuram. A motivação é intrínseca quando se trata de objetivos internos, como a satisfação de necessidades, a curiosidade, a aspiração pelo conhecimento; é extrínseca, quando a ação do aluno é estimulada de fora, como as exigências da escola, a expectativa de benefícios sociais que o estudo pode trazer, a estimulação da família, do professor ou dos demais colegas (LIBÂNEO, 2013). Um trecho do registro das observações revela o que foi exposto acima. Estou tão desanimada de estudar. Nem peguei nos livros esses dias... (Elaine) Você está fazendo curso técnico?(Professora) Não, estou estudando para o ENEM. (Elaine) Estuda mesmo, você é inteligente! Essa turma é muito boa! (Professora) (Caderno de campo, 05/09/13, p. 124) Segundo Antunes (2008), os alunos não vão à escola apenas para aprender, vão à escola também para construir conhecimentos e se aproximar da cultura estabelecida naquele local. A construção do conhecimento não pode ser realizada solitariamente, o ensino escolar precisa ser visto como um processo conjunto, compartilhado, no qual o aluno, ajudado pelo professor e por seus colegas, pode mostrar-se progressivamente autônomo na resolução de tarefas, na utilização de conceitos, na prática de determinadas iniciativas em inúmeras questões O professor ajuda o aluno na construção, intermedia a relação entre o aluno e o saber, mas é uma ajuda essencial, imprescindível, pois é graças a ela que o aluno, partindo de suas possibilidades, pode progredir na direção das finalidades educativas. Desta forma, o aluno vai construindo sua aprendizagem não só porque possui determinados conhecimentos, mas porque existe a figura do professor e é 107 exatamente na dimensão dessa figura e na estrutura dessa ajuda, que entram as explicações de Vygotsky sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal. Para Davis (2005), a aprendizagem é entendida como aquilo que é apropriado e internalizado nas relações sociais. Para instruir ou ensinar uma criança faz-se necessário conhecer aquilo que ela já consegue fazer sozinha, ou seja, sem a ajuda do outro. A esse patamar evolutivo dá-se o nome de Nível de Desenvolvimento Real (NDR). Há, entretanto, que se considerar outro aspecto: aquilo que a criança ainda não realiza por si mesma, mas que o faz mediante o auxílio do outro. O conjunto de atividades que a criança é capaz de resolver quando conta com a ajuda ou a orientação de pessoas mais experientes, sejam elas adultos ou companheiros de mesma idade, define-se como Nível de Desenvolvimento Proximal (NDP). O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) diz respeito à “distância” entre o Nível de Desenvolvimento Real e o Nível de Desenvolvimento Proximal: entre aquilo que a criança já faz de forma independente e aquilo que, para ser solucionado, requer ainda a ajuda de outros, considerados agentes do desenvolvimento. Esse conceito elucida bem a visão vygotskyana de desenvolvimento: apropriação e internalização de instrumentos proporcionados por agentes culturais de interação, que levam à elaboração de funções psicológicas que estavam próximas de se completar e que, se completando, propiciam novas aprendizagens. Essa definição traz a vantagem de propiciar uma forma alternativa de encarar o desenvolvimento: volta-se para o futuro, para aquilo que ainda nele não ocorreu, mas que, proximamente, ocorrerá. As implicações práticas dessa perspectiva não podem ser menosprezadas: o desenvolvimento humano só pode ser concebido em suas inter-relações com a aprendizagem humana, que, por sua vez, decorre necessariamente da relação com os outros. Nesse sentido, aprendizagem produz desenvolvimento e esse possibilita novas condições para a aprendizagem, sempre em um contexto interativo. A concepção de ensino, associada à Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), proposta por Vygotsky, defende a importância da relação e da interação entre professores e alunos como fundamento dos processos de aprendizagem. Para Vygotsky, o desenvolvimento humano é desenvolvimento social que envolve a interação e a mediação qualificada entre o educador (pai, mãe, avô, avó, irmã, irmão, colega, professor) e o aprendiz. A aprendizagem depende, portanto, do desenvolvimento prévio e anterior, mas depende também do desenvolvimento proximal do aprendiz. Não se coloca apenas as atividades que o sujeito é capaz de realizar de maneira autônoma, mas 108 também as atividades que pode aprender por meio de uma interação. As pessoas que se situam no entorno do aprendiz não são objetos estáticos e passivos, mas companheiros dinâmicos que guiam, regulam, selecionam, comparam, analisam, registram o desenvolvimento. São, pois, agentes do desenvolvimento humano que atuam sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal. A ZDP seria o espaço no qual, graças à interação e à ajuda de outros, uma determinada pessoa pode realizar uma tarefa de uma maneira e em um nível que não seria capaz de alcançar individualmente (ANTUNES, 2008). O papel da aprendizagem como fonte de desenvolvimento se torna esclarecedora ao comparar os processos de aprendizagem da criança e do adulto. Os adultos dispõem de uma grande capacidade de aprendizagem. À luz de algumas teorias, pode-se dizer que não existe diferença essencial entre a aprendizagem do adulto e da criança. Existe um mecanismo que caracteriza a formação de hábitos tanto no adulto como na criança; no primeiro, o processo ocorre mais veloz e facilmente do que na segunda, e reside aí toda a diferença. A aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar matemática, mas já muito antes de ir à escola adquiriu determinada experiência referente à quantidade. O processo de aprendizagem, que se produz antes que a criança entre na escola, difere de modo essencial do domínio de noções que se adquirem durante o ensino escolar. Todavia, quando a criança, com as suas perguntas, consegue apoderar-se dos nomes dos objetos que a rodeiam, já está inserida numa etapa específica da aprendizagem. Aprendizagem e desenvolvimento não entram em contato pela primeira vez na idade escolar, estão ligados entre si desde os primeiros dias de vida da criança (VIGOTSKI, 2012). Os jovens e adultos da EJA que não tiveram escolarização em tempo regular apresentam construções mentais estruturadas nas relações com o meio social e cultural. Por isso, apresentam a expectativa e o esforço pelo domínio e pela posse do saber formal. Segundo Laffin (2007), é de grande importância, uma escola que considera as características e o modo como os jovens e os adultos se identificam ao se inserirem nos processos de escolarização. Enquanto o aluno desenvolve, ou não, ações de aprendizagens com relação a determinados conhecimentos, ele aprende também sobre suas capacidades, ao lidar com o saber e com os modos de enfrentar tais dificuldades. Tradicionalmente, hoje, no ensino de Ciências, o que se ensina são coleções de fatos, descrições de fenômenos e enunciados de teorias. Os alunos não discutem as 109 causas dos fenômenos, nem estabelecem relações. É muito comum também, que não seja dada a devida importância aos eventos e procedimentos que levam às descobertas científicas, ficando o ensino limitado à apresentação dos chamados produtos da Ciência. Sendo assim, aprender Ciências, para muitos alunos, é decorar um conjunto de nomes, fórmulas, descrições de instrumentos ou substâncias, enunciados de leis. Como resultado, o que poderia ser uma experiência intelectual estimulante passa a ser um processo doloroso que chega a causar aversão (KRASILCHIK, 1987). A aversão dos alunos ao conhecimento científico se deve ao fato de não compreenderem como a Ciência funciona. Os alunos aprendem hoje, nas escolas, uma Ciência cheia de conclusões, aprendem justamente o que a Ciência não é. O conceito tradicional de Ciência como uma natureza autônoma e com uma legalidade que se impõe de forma absoluta, do exterior aos seres e às coisas, de sentido autoritário, reducionista e determinista, não tem mais sentido. Para não apresentarem dificuldades de aprendizagem, os alunos precisam dominar algumas técnicas e estratégias. Embora ler um texto, argumentar a própria opinião ou interpretar um diagrama de barras não seja uma atividade específica das aulas de Química, também são tarefas que os alunos devem cumprir para aprender a estrutura e as propriedades da matéria. Os alunos, também, devem ser capazes de adquirir informação, o que requer, por exemplo, desenvolver estratégias eficazes para tomar notas a partir dos textos que lêem e das exposições do professor, selecionando a informação mais relevante e organizando-a de maneira adequada. Os procedimentos para interpretar e analisar a informação são, possivelmente, o núcleo dos procedimentos necessários para resolver problemas de Química (POZO e CRESPO, 2009). Enfim, aprender Química não é só dominar a linguagem e os procedimentos da Química, não é somente articular saberes prévios e conhecimentos científicos, não é somente se apropriar dos conteúdos escolares, requer também dominar a lógica e os procedimentos da aprendizagem, sabendo procurar e incorporar a informação, interpretando-a. Essas habilidades parecem difíceis de serem ensinadas, mas a pesquisa mostrou que melhoram sensivelmente se forem consideradas, durante o processo de ensino e aprendizagem, as relações afetivas entre professores e alunos. 110 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A intenção de investigar a sala de aula e a aprendizagem, a partir da interação entre professora e alunos (as) da Educação de Jovens e Adultos, mediada pelos conteúdos da disciplina Química foi o ponto de partida desta pesquisa. Para a coleta dos dados, adotou-se a observação em sala de aula e as entrevistas com alunos e professora da EJA. A observação em sala de aula aconteceu em três turmas da EJA em escola pública municipal, durante o período de seis meses. As entrevistas, realizadas, também nessa escola, abordaram com os alunos, temas sobre aprendizagem, conteúdos de Química, trabalho, saberes prévios, importância dos estudos; e com a professora, assuntos sobre comportamento dos alunos, atuação docente, ensino e interação em sala de aula. O que se apresenta a seguir é uma busca de responder à questão norteadora da pesquisa. Indagava-se como acontece a aprendizagem dos conteúdos de Química a partir da interação entre professora e alunos (as) jovens e adultos em sala de aula. Todos os procedimentos convergiram para verificar se, de fato, ocorria a apropriação dos conhecimentos de Química, a partir da interação entre alunos e professora, no processo de ensino-aprendizagem, mediada pelos conteúdos desta disciplina. Notou-se que a professora, todos os dias, em sala de aula, enfrentava o desafio de articular a idade e a experiência de vida dos alunos com a aprendizagem dos conteúdos de Química. Esse desafio estava presente por ser o grupo de alunos, composto por jovens, adultos e idosos, trabalhadores responsáveis pelo sustento da família. A visão dos alunos sobre a escola era expressa por palavras elogiosas, demonstrando gratidão por estar ali tendo a oportunidade de estudar e concluir seus estudos. A escola, para os alunos, era um sonho distante, que foi impedido tempos atrás, quando precisaram parar ou nem sequer puderam começar, por conta do trabalho, da família, ou outro motivo. Ao analisar as situações em que professora e alunos se comunicavam e se relacionavam durante o processo de ensino-aprendizagem, confirmou-se a suposição de que o diálogo, com base em linguagem com vocabulário ao alcance do aluno, é importante fator para a apropriação dos conteúdos, ao facilitar a construção dos significados e estimular a atividade cognitiva. Notou-se que a professora propiciava o desenvolvimento deste processo, ao estimular a ocorrência de ambientes ricos em interações discursivas. Desse modo, a professora possibilitava situações em que havia 111 interação por parte dos alunos entre seus conhecimentos prévios e os conteúdos de Química. Durante as aulas, nas turmas que participaram da pesquisa, verificou-se, frequentemente, a proposição de questões pela professora estimulando os alunos a darem respostas. Tais perguntas representavam desafios para os alunos. Neste clima, o diálogo se estabelecia sobre os conteúdos estudados possibilitando a interação entre professora e alunos na construção dos conhecimentos de Química. A apropriação dos conhecimentos de Química por alunos da EJA é conflitante e complexa. O conteúdo que é apresentado ao aluno de forma descontextualizada, repleto de fórmulas e equações que o aluno inicialmente desconhece é, na maioria das vezes, rejeitado por esse aluno, se mostrando desinteressado pelo que vai estudar. Por isso, a construção do conhecimento só acontece quando o aluno percebe o significado do que está sendo estudado. Observou-se que a aprendizagem dos conceitos científicos, apoiava-se em um conjunto de saberes cujas origens estavam nas experiências de vida dos alunos. Analisar, por meio do discurso oral/escrito e/ou da postura corporal, as manifestações do professor em relação aos conteúdos de Química, foi outro objetivo específico da pesquisa. Notou-se que a professora apresentava predileção por certos conteúdos em relação a outros e, ao lecionar determinados conteúdos, mostrava-se mais preparada e disposta a transmiti-los, ajudando o aluno na construção do conhecimento. A apropriação dos conhecimentos de Química pela professora interferia no processo escolar ao despertar motivação e interesse pelo ensino desses conteúdos. O despreparo da professora para fazer uso do material didático, muitas vezes, prejudicava o trabalho docente. Em outras palavras, eram apresentados aos alunos textos descontextualizados que se constituíam na principal referência durante o processo ensino-aprendizagem. Ao analisar as estratégias adotadas pelos alunos para a realização das atividades da disciplina e as formas buscadas para apreender o conteúdo fora da sala de aula, verificou-se que o tempo que os alunos dispõem para estudar representa um problema. Alguns alunos demonstraram interesse em estudar, mas alegaram como impedimento para o estudo, a falta de tempo devido ao trabalho. Outros alunos, no entanto, se esforçaram para estudar, no tempo livre, em casa, ou mesmo no próprio trabalho, quando o empregador lhes concedeu tempo e quando havia local adequado para estudo. As relações entre alunos na sala de aula influenciavam, de modo decisivo, o rendimento escolar. Além disso, a interação entre os colegas colaborou para a redução do isolamento social. Ao promover a interação e a forma cooperativa para a realização 112 das atividades, em sala de aula, os alunos se ajudavam mutuamente. Essas estratégias pedagógicas contribuíram para o desenvolvimento dos alunos e para a capacidade de inter-relacionamento pessoal e grupal. A relação trabalho-educação foi um aspecto apreendido na pesquisa. Notou-se que, para os jovens e adultos, o trabalho é considerado modo de sobrevivência e se constitui como espaço de sociabilidade e de construção de identidades. Partiu-se, nesta pesquisa do pressuposto de que o trabalho se constitui como princípio educativo, demarcado por uma ordem ontológica, inerente ao ser humano, e por uma ordem éticopolítica, que considera o trabalho como direito e como dever. Neste sentido, pode-se afirmar que para os alunos da EJA observados e entrevistados, o acesso ou o retorno à vida escolar ocorreu motivado pelas dificuldades enfrentadas no mundo do trabalho, pela necessidade de nele se inserir e permanecer. A sala de aula foi o ponto central desta pesquisa. Neste espaço, aconteceu a interação entre professora e alunos, mediada pelos conteúdos de Química, tendo em vista a apropriação pelos alunos dos conhecimentos desta disciplina. Sobre a interação entre professora e alunos, dois aspectos importantes podem ser ressaltados, a saber: o aspecto cognitivo, que diz respeito a formas de comunicação dos conteúdos escolares e o aspecto afetivo e emocional, que diz respeito às relações pessoais entre professora e aluno. A relação afetiva entre alunos e professora no processo ensino-aprendizagem, o exercício do diálogo, o respeito pelo outro e o saber escutar configuram-se como elementos que interferiram na aprendizagem. A professora, ao adotar estratégias que mediam a relação entre ela e os alunos para a apropriação do conteúdo, passa a considerar, para a sua formação, os aspectos afetivos e emocionais tão importantes quanto os cognitivos. Portanto a afetividade, expressa no interesse pelo processo de aprendizagem do aluno, pela sua formação humana, é um fator relevante para o bom relacionamento em sala de aula. E isso pode ser constatado pela pesquisa. Para investigações futuras, propõe-se verificar como se dá a formação específica de professores para atuar com jovens e adultos, tendo em vista supor haver, na maior parte dos cursos de licenciatura do País, lacunas curriculares no que se refere à preparação da docência para lidar com alunos da EJA, levando em conta seus conhecimentos prévios, de modo específico, os oriundos do trabalho. 113 REFERÊNCIAS AGUIAR Jr., Orlando G.; MENDONÇA, Douglas Henrique de; SILVA, Nilma Soares da. Análise do discurso em uma sala de aula de Ciências: a postura do professor e a participação dos estudantes. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 6, 2007, Florianópolis, SC. Anais... Florianópolis, SC, 2007. Disponível em: <http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/vienpec/CR2/p843.pdf>. Acesso em: 04 set. 2013. ALMEIDA, Guido de. O professor que não ensina. São Paulo: Summus, 1986. 158p. ANDRÉ, M. A. et al. Dominação e resistência no cotidiano escolar. Relatório de pesquisa. 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O que você faz? 2ª fase: Sobre a interação professora/alunos/conhecimentos 1- Como você, seus colegas e a professora se relacionam em sala de aula, tendo em vista a aprendizagem dos conteúdos de Química? 2- Que conteúdos de Química você considera mais difíceis? De que modo a professora ajuda a você e aos seus colegas a entenderem os conteúdos de Química? Você tem sugestões de como a professora deveria ajudar vocês a compreenderem os conteúdos da Química? 3- Você e seus colegas trazem para a escola saberes da sua experiência de vida e do trabalho. De que modo a professora fica sabendo desses saberes? O que ela faz com estes saberes ao ensinar um novo conteúdo de Química? 4- Quais estratégias você e seus colegas utilizam ao estudarem os conteúdos de Química? 3ª fase: Sobre a importância dos estudos 1- Para você, qual a importância em estudar Química? 2- Dê exemplos de situações em que os conhecimentos de Química contribuem para o seu dia-adia e especificamente para o seu trabalho. 3- O que você pretende fazer depois de concluir os estudos na EJA? 126 Roteiro de entrevista – Professora Apresentação: A pesquisa de mestrado ‘A apropriação dos conteúdos de Química por jovens e adultos e o desenvolvimento da aprendizagem’, tem como objetivo estudar a interação entre professores e alunos em sala de aula, tendo em vista a aprendizagem dos conhecimentos da Ciência Química, a partir da apropriação dos conteúdos selecionados para serem desenvolvidos nesta disciplina. Questões: 1ª fase: Identificação da professora 1) Qual é o seu nome? 2) Qual a sua formação? 2) Há quanto tempo leciona? Há quanto tempo leciona na Educação de Jovens e Adultos? Sempre lecionou a disciplina Química? 2ª fase: Sobre a interação professora/alunos/conhecimento 1) Quais conteúdos de Química você prefere lecionar? 2) Em sua opinião, quais ou que tipos de conteúdos despertam o interesse dos alunos? Por quê? 3) Como os alunos reagem quando não compreendem o conteúdo ensinado em sala de aula? Diante dessa situação, o que você faz para ajudá-los? 4) Como você articula os saberes escolares com os saberes prévios dos alunos? Você vê alguma diferença na aprendizagem dos alunos quando essa articulação acontece? 5) Como você e seus alunos se relacionam em sala de aula? Essa relação facilita o ensino e a aprendizagem? Por quê? 127 APÊNDICE C: Receita do experimento realizado (Sabão pastoso) no laboratório. 128 APÊNDICE D: Plano curricular da turma de EJA da escola pesquisada. 129 130 APÊNDICE E: Modelo das competências (exercícios, atividades) apresentadas nas apostilas das turmas de EJA da escola pesquisa.