Página 8
São Paulo, terça-feira, 27 de outubro de 2015
Especial
Fotos: Divulgação / Imagens: Reprodução
As particularidades da
linguagem humorística brasileira
Amanda Oliveira/Agência USP de Notícias
E
m sua percepção, o humor é inerente à vida cotidiana. O comediante apenas compila os aspectos
da realidade brasileira, que em si já é engraçada,
por isso é difícil reconhecê-lo como objeto de estudo. Saliba menciona que uma das características da
linguagem humorística brasileira é ser abrangente e
inclusiva. Para o pesquisador, ela é compreendida por
todas as classes sociais e em geral atende os gostos
da maioria da população. Porém, nem sempre alguns
grupos sociais, principalmente os pertencentes às
camadas mais eruditas, aceitam esse tipo de humor.
A linha de pesquisa do historiador explora o campo
humorístico a partir de diferentes abordagens. Na
neurologia, por exemplo, estuda-se quais reações as
piadas provocam no cérebro. Já no campo cultural, a
antropologia busca compreender a função do riso nos
diferentes povos e culturas. “A história do humor é
um estudo interdisciplinar”, relata Saliba.
A ética emocional
Em 2002, o professor publicou o livro Raízes do Riso,
resultado da sua tese de livre-docência. A obra capta
como se constrói a linguagem humorística brasileira e
quais são suas particularidades. Seu estudo abrange o
final do século 19, período conhecido como “Belle Époque”, momento em que a imprensa moderna (jornais
e revistas semanais) emergiu no Brasil. Esse cenário
provocou o crescimento dos espaços dedicados às
sessões humorísticas.
O advento do rádio,
nos anos 1950, também
proporcionou um campo fértil para a expansão
do humor. De acordo
com o pesquisador, a
partir do seu amplo
poder de penetração,
inclusive entre analfabetos, esse veículo,
encontra nos humoristas um panorama propício para construção de uma
linguagem rápida e concisa.
Wikimedia Commons
Levar o humor a sério não é uma tarefa fácil. Sua característica trivial acaba o tornando uma espécie de “patinho feio”
da academia, que muitas vezes ignora sua contribuição histórica para a sociedade. Com intuito de mostrar um novo
olhar sobre esse campo de estudo, o professor Elias Thomé Saliba, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP, realizou diversas pesquisas referentes à história cultural humorística no Brasil
Em uma alusão à obra
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda,
o livro do professor conceitua o humor dentro
de uma ética emocional.
Segundo ele, os brasileiros tendem a olhar esse
campo com muito sentimentalismo. Um cenário
típico de uma sociedade
em que as leis não funcionam, ressalta Saliba.
As pessoas perderam os
seus padrões morais para
dizer o que é permitido
ou não. Isso acaba se
Historiador explora o campo humorístico a partir
tornando um problema,
de diferentes abordagens.
pois muitas modalidades
humorísticas trabalham
com foco em um alvo e esse, muitas vezes, pode
Um produto mutável
sentir-se ofendido, afirma o pesquisador.
O tempo provoca profundas transformações na so“Os limites são dados constitucionalmente”: essa ciedade. Alteram-se os hábitos, visões valores e até
é a visão do historiador quando se discute às res- mesmo as formas de governo. O historiador expõe
trições aos humoristas. que o humor acompanha essas mudanças. Ele é produzido historicamente,
Para ele, não se deve
cada momento possui sua
impor muitos limites,
linguagem humorística.
pois o humor que coloca
Piadas de sucesso, antigao outro em uma posição
mente, dificilmente teriam
de inferioridade, freo mesmo impacto hoje.
quentemente, possui
piadas muito pobres e
Em sua pesquisa atual,
consequentemente é
para
estudar algumas corepelido pelo público.
letâneas antigas, ele reuniu diversos dicionários
Muitos desses humorishumorísticos e exprestas buscam nos estereótisões populares. Recenpos já formados na mente
temente, o pesquisador
das pessoas maneiras de
está trabalhando com
levar a plateia ao riso.
o roteiro do programa
O professor aponta que
“Histórias das Malocas”,
existem diversos clichês,
principalmente entre povos diferentes. Os portugue- que era apresentado pelo compositor e humorista
ses, por exemplo, sempre são alvos de piadas entre Adoniran Barbosa. “O humor é uma das formas mais
os brasileiros. “Faz parte da identidade de um povo universais de comunicação, ele se difunde muito”,
fazer piada com outro, para ele se sentir perto da sua conclui Saliba.
identidade” declara Saliba. O problema é quando eles
são usados apenas para agressões fora de contexto.
O humor dos palcos
Nos últimos anos, o stand-up comedy conquistou um
espaço significativo na agenda cultural dos brasileiros.
Dispensando cenários e acessórios, nesses espetáculos,
os comediantes se apresentam de pé, na maioria das
vezes descaracterizados. Segundo o professor, apesar
de ser uma atração muito comentada atualmente, esse
tipo de show já era realizado pelos humoristas de rádio
nos anos 1950.
Eles faziam apresentações em boates com um humor
tipicamente verbal. Em sua visão, os shows de standup, em geral, se tornam muito apelativos. Para ele, o
melhor humorista é aquele que ao fazer uma piada,
colocando o outro em
posição de inferioridade,
imediatamente faz outra
se situando na mesma
posição.
O desaparecimento da figura do comediante interpretando diversos personagens também é uma das
questões levantadas pelo
professor. Chico Anysio,
por exemplo, incorporou
diferentes papéis, tanto a
mulher como o machista.
De acordo, com Saliba,
isso possibilita um distanciamento maior do alvo,
porque é o mesmo humorista representando inúmeras personalidades.
Download

Página 8