A QUESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NOS EVENTOS DESPORTIVOS E A RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Cel. PM ref. Wilson Odirley Valla
1. INTRODUÇÃO
No dia 8 de dezembro do corrente ano, torcedores do Atlético-PR e do Vasco-RJ promoveram
uma pancadaria no estádio da cidade de Joinville, em Santa Catarina, por ocasião da última rodada do
campeonato brasileiro. Embora ninguém tenha morrido, a brutalidade das duas torcidas foi suficiente para
pôr-se mais uma vez em alerta as estatísticas da violência no futebol. Com trinta mortes nos estádios, o
Brasil bateu um recorde de sangue em 2013, mantendo-se invencível na liderança das estatísticas de
violência do futebol mundial.
Essa estatística mostra que nada evoluiu desde 2009 quando aconteceu, nesta cidade de Curitiba, a
brutal invasão de campo do estádio Couto Pereira, protagonizada pela torcida do então rebaixado Coritiba
futebol clube, tendo como uma das causas, segundo comentários da mídia na época, o pequeno efetivo responsável pelo policiamento ostensivo, particularmente no interior do campo. Somente estes motivos, sem
maiores considerações sobre as disposições da legislação específica, já seriam suficientes para uma autoridade comprometida com a missão, fazendo uso apenas do bom senso, perceber que a presença do Estado,
através dos órgãos de segurança pública, seria e é indispensável para preservar a ordem pública, tanto fora
quanto no interior dos estádios de futebol.
Além do mais, a experiência tem demonstrado que as multidões não apavoram apenas os
ditadores e os partidários dos regimes totalitários. O comportamento imprevisível dos grandes aglomeados de pessoas já causou tragédias em eventos esportivos, culturais e até em encontros religiosos. Há
anos os cientistas tentam explicar que um indivíduo sozinho, em geral, toma decisões mais sóbrias, mas,
na multidão, passa a fazer parte de uma massa com vontade própria e às vezes desordenada. Um bom
profissional de segurança pública jamais poderá olvidar disso.
Para fugir das responsabilidades, como artimanha, pela ausência do policiamento ostensivo no
interior do estádio, tentou-se justificá-la em razão de um mal-entendido entre autoridades locais, ou seja, de
que tais eventos são de natureza privada e assim a segurança, no interior dos estádios, seria de responsabilidade do promotor do evento, mediante o emprego de segurança privada. Aliás, um equívoco grosseiro.
Antes de tudo, é bom começar pelos ensinamentos de Caio Tácito1:
Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, em
relação a cada função pública, a forma e o momento do exercício das atribuições do
cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A
competência é, sempre, um elemento vinculado, objetivamente fixado pelo legislador.
1
TÁCITO, Caio. O Abuso do Poder Administrativo no Brasil (Conceito e Remédios), coedição do
Departamento Administrativo do Serviço Público e Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas. Rio
de Janeiro, 1959, p. 27.
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Assim, qualquer medida ou decisão administrativa tem de estar de acordo com a lei, de modo a
não configurar de um lado, abuso de poder e, de outro, omissão do Estado. Infelizmente, por parte de algumas Polícias Militares percebe-se certo afastamento de suas missões em relação ao dever do Estado,
mediante o emprego do Poder de Polícia, garantir o direito à incolumidade física das pessoas e do respectivo patrimônio em eventos (espetáculos, exposições e competições), conforme imposições do art. 144,
caput, da CF e da legislação federal específica.
Com a devida vênia, em certos casos, a omissão tem sido tamanha, em relação à segurança das
pessoas e do patrimônio em eventos, que só falta alguma autoridade atribuí-la às vítimas que infelizmente
sofreram ferimentos ou faleceram em consequência dos tumultos, talvez por não terem sido ágeis o suficiente para evitarem o infortúnio.
O autor desse escrito, um tanto ácido sente-se à vontade para discorrer sobre os lamentáveis
fatos, pois sempre foi um daqueles profissionais que aprendeu no passado e, também, ensina, no presente,
que a missão atribuída às Polícias Militares deve ser cumprida com prioridade absoluta e a qualquer custo,
obviamente observados os princípios e limites fixados na lei.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS E A
SEGURANÇA PÚBLICA
Assim dispõe a Constituição Federal de 1988 sobre a temática:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos
seguintes:
I - ...................................................................................................................................
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião, anteriormente convocada pelo mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente.
Art. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos é exercida pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. [Grifou-se].
O ilustre desembargador do TJSP, Álvaro Lazzarini2, em palestra no I SEMINÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA DA AMAZÔNIA – “A Prevenção da Criminalidade” -, em comentário ao artigo 5º, caput,
da Constituição, no que diz respeito à importância capital da polícia, assim se manifestou: “Verdadeira
cláusula pétrea, o artigo 5º, caput, da Constituição de 1988 impõe a inviolabilidade, à segurança e à
propriedade nas condições que explicita nos seus incisos, que cuidam dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. A polícia, assim, tem importância capital para o respeito desses direitos e garantias
fundamentais da cidadania e, portanto, para a realização do bem comum.” [Grifou-se].
Nos devidos termos, em continuidade, bem expressa o eminente conferencista: “A norma constitucional tutela de forma expressa e irrestrita, os direitos individuais e coletivos e, quando se refere de forma
específica à segurança, não o faz levando-se em consideração, apenas, ao elemento material de proteção”.
[Sem o grifo no original].
Portanto, a segurança deve ser entendida como um valor supremo, necessário e imperativo à
convivência humana, em prol da realização pessoal de cada indivíduo e no interesse maior do bem comum,
2
LAZZARINI, Álvaro. As Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares como Instrumento
de Defesa da Cidadania. Revista A Força Policial, São Paulo, nº 1, jan-mar 1994. p. 29.
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juntamente, com os demais direitos essenciais ali alinhados, e somente podem ser garantidos pelo Estado,
segundo o que se infere da invocação expressa no próprio preâmbulo da Constituição da República Federativa
do Brasil. Consequentemente, sem a manifestação do Estado-membro, através da polícia ostensiva de preservação da ordem pública, é impossível também a concepção do exercício da cidadania, expresso no inciso II,
do art. 1º, da CF, como um dos fundamentos do Estado democrático de direito.
É importante, também, ressaltar que a mesma norma constitucional autoriza a reunião pública,
desde que se realize com fins pacíficos, sem armas, e não conflite com outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local aberto ao público. Na generalidade, impõe apenas a recomendação de PRÉVIO AVISO À AUTORIDADE COMPETENTE - para que possam ser tomadas todas as precauções que
da reunião dependam, em especial de providências para garantir a incolumidade dos participantes e do
respectivo patrimônio. No caso em particular, a segurança dos participantes é da polícia administrativa
ou de preservação da ordem pública. No Brasil, esta competência cabe primeiro às Polícias Militares.
Conforme alerta o consagrado professor José Afonso da Silva3, para se exercer o direito de
reunião não é preciso permissão, bastando prévio aviso à autoridade competente: “Agora apenas cabe
um aviso, mero aviso, à autoridade que terá o dever de ofício de garantir a realização da reunião.”
Assim, também não há espaço, na CF ou na legislação específica, para que se possa delegar tal atribuição, nem tampouco às guardas municipais, muito menos à iniciativa privada.
Quando o preceito constitucional se refere em se reunir em locais abertos ao público, quer dizer
que as REUNIÕES PRIVADAS são amplamente livres, por que estão amparadas por outros direitos fundamentais. Caso o constituinte não desejasse a intervenção obrigatória da autoridade competente, nas reuniões em
locais abertos ao público no sentido de assegurar o direito individual e coletivo de segurança, teria simplesmente usado a expressão “locais públicos” e deixado os detalhes para os interpretadores do Direito.
Na continuidade, ao atribuir a segurança pública como dever do Estado, mediante cláusula
fechada em relação aos órgãos policiais que a compõem, a CF não cogita, tão somente, da segurança do
próprio Estado ou da segurança da comunidade como um todo, mas sim de modo especial, da proteção, da
garantia e da segurança de cada pessoa, abrangendo o que a própria CF denominou de segurança pública, tanto no sentido coletivo quanto no sentido individual como dever de proteção do Estado. Quando este
dever do Estado estende-se a cada pessoa, nesta deve estar incluída a pessoa física como, também a
pessoa jurídica, tanto a de natureza privada como aquela de natureza pública.
3. A EXTENSÃO DO CONCEITO DE REUNIÃO PREVISTO NO INCISO XVI, ART. 5º, DA CF
No conceito de reunião de que trata o inciso XVI, art. 5º, da CF, segundo o entendimento de
diversos constitucionalistas, não apenas estão incluídas as passeatas e manifestações nos logradouros
públicos, como também a celebração de uma festa, a realização de um show ou de uma atividade esportiva,
a comemoração de um acontecimento, a expressão de uma homenagem ou de uma reivindicação.
No espírito da norma superior está implícito o dever do Estado, no caso, através do poder de polícia de ordem pública, para proteger o princípio democrático da reunião, livre e pacífica, sem qualquer outra
contrapartida, em especial, de indenização ou taxa de ressarcimento, para a proteção do exercício dos
direitos individuais e da própria cidadania. Publicistas do Direito Administrativo consideram, como será mostrado um pouco mais adiante, com vistas a não conspurcar a amplitude do direito de reunião assegurado
pela Constituição e o dever de proteção pelo Estado, inclusive, irrelevante o prévio aviso à autoridade
competente, considerando que a divulgação pela mídia ja é o suficiente para que a autoridade tome as
providências necessárias.
“A função primeira da polícia não é perseguir criminosos, mas evitar o crime”, assegura William J.
Bratton. É, portanto, dever de ofício da polícia de garantir a realização de reunião em local aberto ao público,
independente se em local público ou privado. Entender de maneira diversa é, na verdade, se contrapor ao
dever profissional imposto pela lei, além de dificultar, pela vinculação burocrática ou ideológica, o exercício
3
SILVA, Afonso José da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 238 e 239.
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do poder de polícia, a segurança da coletividade, a própria defesa do Estado e, sobretudo, consoante ao
que já foi enfatizado, a defesa da supremacia do direito pela garantia do cumprimento da lei.
Os locais podem ser classificados, quanto à acessibilidade ao povo, em públicos e abertos ao
público. Por local público entende-se aquele que é aberto e franqueado ao público, onde cada indivíduo
pode permanecer e exercer o seu direito de “ir e vir” livremente e onde a polícia exerce rotineiramente suas
ações. São exemplos destes locais a via pública, a praça, o largo, a praia, a rua, o parque e outros locais
similares. Já, segundo o renomado constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva4, considera que na
expressão “locais abertos ao público”, enquadram-se aqueles que, embora privados, são eventualmente
abertos para o uso público em geral, a exemplo de um terreno particular aberto, um estádio, um clube ou um
teatro liberados ao público, um templo, além de outros enquadrados no mesmo gênero.
Por isso, esse entendimento equivocado de que A COBRANÇA DE INGRESSO caracteriza um
evento de natureza particular ou privado, pelo qual se procura justificar a ausência de policiamento estatal
no interior dos estádios de futebol e outros congêneres, não exime e nem diminui a responsabilidade do
Estado na ausência ou na omissão de intervenção policial, particularmente em locais em que se presuma
ser possível o comprometimento da ordem. Essa intervenção policial, segundo detalhamento mais adiante,
“deve ser de ofício”, isto é, de iniciativa própria da polícia, no sentido de garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio, até para justificar a finalidade principal da polícia ostensiva, cuja razão maior está
fundamentada na prevenção do crime e de ilícitos administrativos.
4. A DOUTRINA SOBRE AS AÇÕES DA POLÍCIA PREVENTIVA
A polícia preventiva, no entender de Mário Masagão5, é: “Típico exemplo de uma função ativa
espontânea, que a Administração Pública delibera e executa a deliberação, independente de solicitação de quem quer que seja”. Em outras palavras, ainda conforme o administrativista, “o estado tem de
exercê-la, sob pena de faltar a seus deveres.” E, mais uma vez, frise-se, o realce de uma atividade
jurídica do Estado, assim é indelegável ao particular qualquer atividade de preservação da ordem pública.
O que equivale dizer, na precisa lição de Álvaro Lazzarini6: “A atividade policial de preservação da ordem
pública, objeto de segurança, como estado antidelitual. Se o Estado falha nesse seu verdadeiro dever,
omitindo-se, nada mais justo de que suporte o risco, reparando o dano que o deficiente serviço policial possa ter causado ao administrado.” [Grifou-se].
Não é conceptível querer buscar a eficiência dessa atividade jurídica do estado, ou dificultá-la
na sua prestação via interpretações equivocadas ou excêntricas, o que na verdade, repita-se, não exime
a responsabilidade do Estado. Pelo contrário, a amplia. Mais adiante, o insigne desembargador, assim
assevera, implacavelmente, em relação à omissão policial: “[...] que a omissão policial, causadora de
danos aos administrados, deve gerar responsabilidade civil do Estado, mesmo que a autoridade
policial, seja a da Polícia Civil, seja da Polícia Militar, não tenha sido solicitada.” [Grifou-se]. Conforme reiteradas decisões dos tribunais, nas diferentes instâncias, para a responsabilização do Estado,
com base no texto constitucional (art. 37, § 6º, CF 88)7, basta a existência do nexo causal entre a ação e
a omissão do Estado e o respectivo evento danoso. A questão de solicitação ou não é irrelevante.
A extensão dessas responsabilidades encontra suporte no conceito de poder de polícia proposto pelo desembargador Álvaro Lazzarini8, ao afirmá-lo como a manifestação jurídica do Estado, cujo
enunciado vem sendo festejado por diversos constitucionalistas brasileiros:
Poder de polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão de ela existir, é
um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público e inde4
SILVA, José Afonso da. Idem(3). p. 235.
MASAGÃO, Mário. Curso de Direito Administrativo. Tomo I. São Paulo, Editora Max Limonad, 1959. p. 52.
6
LAZZARINI, Álvaro. Idem(2).. p. 74.
7
BRASIL. Constituição Federal. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem
a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
8
LAZZARINI, Álvaro. Idem(2). p. 29-30.
5
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legáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum e incidentes
não só sobre elas, como também, em seus bens e atividades.
Tomando-se por base o § 5º, art. 144, da CF, combinando-o com as disposições expressas no
caput do art. 3º, alínea “a”, do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, com as modificações introduzidas pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, tais preceitos impõem o seguinte:
C F - Art. 144 –...................................................................................................................
V – Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;
aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.
DECRETO-LEI 667/69 - Art. 3° - Instituídas para a manutenção da ordem pública e
segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade,
ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a
manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; [Grifou-se].
Naturalmente, a polícia ostensiva manifesta-se pela exteriorização do policiamento ostensivo.
Este, por sua vez, concretiza-se através de atuações preventivas e repressivas, conforme bem definem
as alíneas “b” e “c”, da legislação específica, acima destacada: “b) atuar de maneira preventiva, como
força de dissuasão, em locais e áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da
ordem; c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual
emprego das Forças Armadas”. Na primeira hipótese a dissuasão dar-se-á pela presença e pela demonstração de força, enquanto, na segunda, pela utilização do “poder de contenção”, vedando abusos de
direitos individuais ou impedindo o exercício antissocial desses mesmos direitos em função do interesse
coletivo pela boa ordem publica, como razão última do Estado e da sociedade.
Quanto à expressão “locais e áreas específicas” abrange todos os lugares nos quais as pessoas ou as propriedades públicas e privadas possam vir a sofrer quaisquer tipos de ameaças. As propriedades públicas, independentemente, se pertencentes aos municípios, ao Estado ou à própria União,
aliás, como se depreende do próprio conceito de perturbação da ordem, previsto na alínea 25, artigo 2º
do Decreto Federal nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, assim entendidas:
Art. 2º.............................................................................................................................
1) ...................................................................................................................................
25) Perturbação da ordem - abrange todos os tipos de ação, inclusive os decorrentes de
calamidade pública que, por sua natureza, origem, amplitude e potencial possam vir a
comprometer, na esfera estadual, o exercício dos poderes constituídos, o cumprimento
das leis e a manutenção da ordem pública, ameaçando a população e propriedades
públicas e privadas. As medidas preventivas e repressivas [...]. [Grifou-se].
Aí está, pois, bem nítida a missão geral: manter a ordem pública, ou no dizer da CF 88, preservação da ordem pública. O Estado preserva a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do
patrimônio público e privado com os instrumentos policiais próprios e com o monopólio do emprego da
força. Por isso, o emprego da Polícia Militar, como polícia ostensiva e de preservação da ordem pública,
deve estar centrado naquelas ações que, por sua natureza, origem, potencial e amplitude, possam ameaçar ou comprometer a ordem pública.
De acordo com prestigiados administrativistas, alguns já citados, a CF de 1988 notabilizou o
principal elemento da “ordem pública”, qual seja, a “segurança pública”. Procurou, ainda, resguardar a
correta grandeza entre a ordem pública e a segurança pública, sendo esta exercida em função daquela,
como seu aspecto, seu elemento e causa. Em outras palavras, almejar a ordem pública sem a presença
de instrumentos ou de órgão de segurança pública é mera fantasia. Em síntese, a ordem pública é o
objeto da segurança pública.
Assim o emprego da Polícia Ostensiva e de Preservação da Ordem Pública é imperativo sempre que haja alguma ameaça à população e propriedades, independentemente se públicas ou privadas,
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ou se naturais ou jurídicas, desde que haja presunção de afastamento de uma reta imaginária de normalidade, provocadas pela inobservância natural de convivência, desvios de conduta, infrações administrativas, acidentes e sinistros e, por isso, interferem na tranquilidade pública. No caso em discussão, a possibilidade de ocorrência de incidentes entre as torcidas organizadas eram previsíveis, conforme provocações veiculadas e instigadas pelas redes sociais. Com base nessa linha de raciocínio, mesmo um culto
religioso ou uma sessão de teatro, ou outro evento qualquer em local aberto ao público, caso presumida
alguma forma de ameaça que possa prejudicar ou conturbar a expectativa da iniciativa pela boa ordem e
tranquilidade, o Estado tem o dever de intervir sob pena de ser responsabilizado pela omissão.
Portanto, a ação preventiva, mediante o emprego do Poder de Polícia, é um dever indelegável do
Estado e que jamais poderá ser executado por empresas ou equipes de segurança particular ou privada, sob pena das autoridades serem permissivas com o crime de usurpação do exercício de função pública,
previsto no art. 328 do Código Penal. Tudo o mais, com o devido respeito, são discursos e opiniões dissonantes do dever profissional, podendo a autoridade responsável transitar, inclusive, nos meandros do crime
de prevaricação.
Ora, a multidão de pessoas que seriam reunidas em local aberto ao público, qualquer
leigo, inclusive pelos inúmeros exemplos já ocorridos em várias localidades, inclusive aqui no
Estado do Paraná, estimulada pelas presenças de torcidas organizadas antagônicas, sem maior
acompanhamento e controle, poderia terminar em desordem, como infelizmente ocorreu. Tanto é
verdade, que o efetivo da Polícia Militar, da cidade de Joinville, empregado fora do estádio teve de atuar
repressivamente a posteriori para retomar a normalidade. Caso tivesse agido preventivamente ter-se-ia
evitado mais este lamentável fato veiculado pela imprensa do mundo inteiro. Será que tudo isso não é do
interesse público e da razão de ser da própria polícia?
5. O ESTATUTO DO TORCEDOR E A SEGURANÇA PÚBLICA
A Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, mais conhecida como Estatuto do Torcedor, alterada
pela Lei nº 12.299, de 27 de junho de 2010, tem como objetivo maior prevenir e reprimir a violência nos
eventos esportivos, além de incluir vários dispositivos que obrigam o uso de agentes de segurança do
Estado, em particular nos estádios ou arenas de futebol.
O artigo 1º, da citada lei, por exemplo, estabelece que o poder público é o primeiro responsável pela prevenção da violência nos esportes. Na continuidade do referido dispositivo, na medida que
estende, também, responsabilidade às confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades
esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem
como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos
esportivos, naturalmente submete tal responsabilidade ao princípio da reserva legal.
Corroborando com o dito, o eminente professor de Direito Público e Ciência Política, Diogo de
Figueiredo Moreira Neto9, ao analisar a segurança pública na Constituição, assim concluiu:
A prestação administrativa dessa atividade, função do Estado, é, portanto, um poderdever, tal como, enfaticamente, o confirma a Constituição no artigo 144, caput. A
sociedade, embora transferindo ao Estado o monopólio da coerção, tem, ainda assim,
o dever de colaborar ou, pelo menos, de não estorvar aquela prestação estável da
segurança pública. A Constituição a torna ‘responsabilidade de todos (art. 144,
caput)’ mas, é claro, sempre nos termos da lei, pois ‘fazer ou deixar de fazer alguma
coisa’ é liberdade individual que se submete ao princípio da reserva legal.
Assim, em relação à obediência ao princípio da reserva legal, o artigo 14, do Estatuto do Torcedor, determina expressamente que cabe ao mandante do jogo solicitar ao poder público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela
segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios. Em momento algum o referido Estatuto faz
referência a segurança de empresa particular ou privada, aliás, como não poderia fazê-lo, sob pena de
9
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Segurança Pública na Constituição. Revista A Força Policial, São
Paulo, nº 3, jul.-set. de 1994. p. 43-44..
A Questão da Segurança Pública nos Eventos Desportivos e a Responsabilidade do Estado
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conflitar com a reserva constitucional destinada aos estados pela responsabilidade de prover segurança
aos cidadãos e com o monopólio exclusivo do emprego da força.
Ao contrário daqueles que entendem que eventos, a exemplo dos desportivos, são de natureza
particular e, como tal, o Estado não deveria estar presente no interior dos estádios, deixando-se a cargo
da segurança privada, tropeça não somente com o que diz a lei, mas, também, com a jurisprudência. O
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 22/02/2012, por unanimidade, que o Estatuto do Torcedor respeita a Constituição do Brasil em todos os seus artigos. A ministra Rosa Weber afirmou em
seu voto: “É dever do Estado fomentar práticas desportivas como direito de cada um de nós, de cada
torcedor”. E, complementou dizendo: “Que a lei visa assegurar ao torcedor o exercício de sua paixão com
total segurança”.
Na continuidade, no próprio artigo 1º, acima citado, a outros entes foram atribuídas responsabilidades em contribuir para com os órgãos de segurança pública, porém sempre observado o princípio da
reserva legal, cujas responsabilidades estão expressamente definidas nos artigos 13A, 14, 16, 17, 18, 23
e 25 do próprio Estatuto do Torcedor, merecendo destaque, além do que já foi realçado, as disposições
que seguem:
Art. 17. ..........................................................................................................................
§ 1o Os planos de ação de que trata o caput serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática
desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública,
transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se
realizarão as partidas da competição. [Grifou-se].
Art. 23. A entidade responsável pela organização da competição apresentará ao
Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, previamente à sua realização,
os laudos técnicos expedidos pelos órgãos e autoridades competentes pela vistoria
das condições de segurança dos estádios a serem utilizados na competição.
Portanto, diante do que prescreve o Estatuto do Torcedor, nenhum dispositivo, na forma expressa ou implícita, dispensa a presença do poder-dever do Estado em locais onde são realizados eventos esportivos mediante o emprego de agentes integrantes dos órgãos de segurança pública. Ao contrário, conforme está contido no artigo 13, a ênfase é que o torcedor tem direito a segurança nos
locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas. Daí, a razão da responsabilidade do mandante do jogo solicitar ao poder público competen-
te a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela
segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios.
Embora a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo seja da entidade
de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, elas estão relacionadas e restritas às medidas de segurança material que podem interferir na ordem pública, a exemplo de não
colocar a disposição do público ingressos em número superior à capacidade do estádio, facilidade de
acesso, dependendo da capacidade do estádio, a instalação de câmaras de monitoramento e, principalmente, apresentar a situação do estádio em condições satisfatórias, mediante inspeções regulares e
apresentação de relatórios às autoridades competentes.
6. A LEI N° 12.663, DE 05/06/2012 (LEI GERAL DA COPA) - E A SEGURANÇA PÚBLICA
A ordem pública em dia de eventos é assegurada integralmente pelos órgãos competentes de
segurança pública. No entanto, o Regulamento de Segurança da FIFA estabelece um modelo diferenciado de realização, com atribuições específicas para a segurança pública e segurança privada e que foi
aceito pelo Governo Federal. Por outro lado, não parece adequado entender que um evento esportivo
que implica na mobilização de imensos recursos materiais e humanos na sua parte externa, que beiram
preocupações e ações típicas de defesa nacional, a mobilização de multidões para as áreas internas
possa ser considerado fora do conceito de segurança pública. Mesmo a despeito disso, restringiu-se a
presença da polícia preventiva – do interior das arenas, reservada sua atuação quando há grave tumul-
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to e se faça necessária a manutenção da ordem pública, ou quando necessário o emprego do poder de
polícia, ou seja, só atua dentro das instalações esportivas sob demanda, permanecendo de sobreaviso.
Para tanto, invoca-se como fundamento o § 1°, art. 68, da Lei Geral da Copa, os quais se referem ao Estatuto do Torcedor e assim dispostos:
Art. 68. Aplicam-se a essas Competições, no que couberem, as disposições da Lei no
10.671, de 15 de maio de 2003.
§ 1o Excetua-se da aplicação supletiva constante do caput deste artigo o disposto
nos arts. 13-A a 17, 19 a 22, 24 e 27, no § 2º do art. 28, nos arts. 31-A, 32 e 37 e nas
disposições constantes dos Capítulos II, III, VIII, IX e X da referida Lei.
Somente para lembrar, o artigo 14, do Estatuto do Torcedor, excetuado da aplicação supletiva,
é aquele que determina expressamente que cabe ao mandante do jogo solicitar ao poder público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios.
Por outro lado, em momento algum a Lei Geral da Copa faz qualquer exceção ao que dispõem
as alíneas “a” e “b”, art. 3º, do Decreto-lei nº 667/83, bem como à alínea 25, art. 2º, do Decreto federal nº
88.777/83, cujas particularidades já foram expostas anteriormente, na página 5.
Logo, a norma geral sendo complementada sem resvalar para a ilegalidade e respeitando-se a
sua limitação, imposta pela norma especial, é fenômeno que está disciplinado pela Lei de Introdução ao
Código Civil, no § 2º, do artigo 2º: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior." [Grifou-se].
Assim, a Lei Geral da Copa, pela sua natureza, é lei nova de caráter geral sobre os eventos da
Copa do Mundo, abordando-os em todos os seus aspectos, enquanto os dispositivos legais, que versam
sobre as competências das Polícias Militares, quando tratam do policiamento ostensivo fardado, fazem-no
de forma especial, vez que se destinam a disciplinar, concomitantemente, outros assuntos. Por isso, ao
abordar sobre disposições gerais ou adentrando as disposições especiais, ao lado das já existentes no
Ordenamento Jurídico, a lei posterior não revoga a lei anterior naquilo que é de sua especificidade. Como
decorrência, foram mantidas intactas as responsabilidades das Polícias Militares a elas atribuídas pela legislação específica e, em especial, a alínea “b”, art. 3º, do Decreto-lei 667/83, determinando expressamente
que, além da exclusividade do policiamento ostensivo, devem atuar de maneira preventiva, como força de
dissuasão, em locais e áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem.
Da mesma forma, já existem precedentes no Supremo Tribuna Federal a respeito da presença
da Polícia Ostensiva – preventiva – em eventos esportivos e até em particulares. Ao contrário daqueles
que entendem que eventos, a exemplo dos desportivos, são de natureza particular e, como tal, o Estado
não deveria estar presente no interior dos estádios, deixando-se a cargo da segurança privada, tropeça
não somente com o que diz a lei, mas, também, com a jurisprudência.
Segundo o STF, em várias manifestações, destacou que policiamento dos estádios de futebol é
atividade estatal geral e genérica, que não depende de autorização, mas tão somente de comunicação à
autoridade competente. [...] dirigido a todos os cidadãos indistintamente, seja o local da reunião de propriedade privada ou de propriedade pública, bastando apenas que seja aberto ao público, [...], para que o
dever-poder do Estado de prestar segurança pública esteja presente. Ora, tais precedentes fortalecem a
necessidade da presença do policiamento ostensivo em eventos abertos ao público, como responsabilidade exclusiva das Polícias Militares.
Empresa privada não detém poder de polícia e não pode, segundo a Constituição Federal, substituir os órgãos policiais. Como já foi expresso anteriormente, poder de polícia, como poder público, é
indelegável aos particulares.
Na continuidade o art. 70, da Lei em referência, estabelece que a prestação dos serviços de segurança privada nos Eventos obedecerá à legislação pertinente e às orientações normativas da Polícia Federal
quanto à autorização de funcionamento das empresas contratadas e à capacitação dos seus profissionais.
A Questão da Segurança Pública nos Eventos Desportivos e a Responsabilidade do Estado
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Com base nisso, a Polícia Federal deveria observar, através da orientação normativa, que o fundamento último de uma diligência investigatória ou de uma ação de policiamento ostensivo é o que dispõe a
Constituição e não como se posicionou no PARECER: Nº 694/2013 - DELP/CGCSP, como mostra o primeiro
parágrafo e, no decorrer do documento, avalizando, mediante hipótese e sem base em reserva legal, o objeto
da consulta e o próprio emprego da segurança privada no interior e nas imediações das respectivas arenas,
não submetendo a qualquer exame as responsabilidades constitucionais das Polícias Militares.
De fato, há que se ater que não há legislação categórica acerca da legalidade ou não
da revista privada realizada pelos vigilantes a serviço de empresas de segurança privada, no entanto, essa prática é adotada rotineiramente em todos os estabelecimentos
em que haja aglomerados de pessoas ou onde haja a necessidade de segurança mais
rigorosa, por se tratar de decorrência lógica da própria natureza da atividade de
segurança privada. [Grifou-se].
Em outras palavras, na esteira do pensamento de Caio Tácito citado anteriormente, Afonso Arinos de Melo Franco10 enfatiza que é da investidura que deriva a autoridade, assim lecionando: “Que é a
investidura e a limitação imposta pela lei”. Um pouco mais adiante reafirma: “A autoridade, já o dissemos, é
precisamente essa investidura legal, que habilita uma pessoa a exercer sobre frações da coletividade social,
ou sobre toda ela, em certos casos, o poder soberano do Estado.” Assim, não há espaço para empresas de
segurança privadas. É conveniente, também, trazer à memória que o policial-militar tem a sua investidura e
competência funcional derivada do parágrafo 5º e caput, do artigo 144, da Constituição Federal, complementada pela legislação federal específica e estadual própria.
Ainda, nesse particular, cabe trazer à colação a afirmativa segura do saudoso professor Teófilo Cavalcanti Filho11, manifestada nestes termos: "E quando se trata de matéria de competência, não se
ignora, tem-se que levar sempre em conta o que a norma legal dispõe".
Ora, a lógica do citado parecer deveria ser no sentido da ilegalidade da atuação dos vigilantes
a serviço das empresas de segurança privada, segundo o que impõe o art. 144, da CF. Se não existe
legislação categórica a respeito, não existe espaço para atuação dessas empresas privadas. Por sua vez,
baseado na atual Constituição Federal, em reiteradas decisões, o STF entendeu que em espetáculos
coletivos públicos "é dever do Estado promover a segurança dos cidadãos." As atividades próprias do
Estado são indelegáveis, pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do
poder de polícia de segurança pública. Empresa de segurança privada não se trata de órgão policial. Não
é atribuição das empresas de segurança privada, segundo a Constituição Federal, realizar nem investigação criminal nem ações preventivas de policiamento ostensivo.
Se o poder de polícia de segurança pública e suas exteriorizações, dentre estas o policiamento
ostensivo, pelas razões enunciadas e à evidência são próprias do poder público e nos limites da lei, isto
é, da reserva legal e qualquer tentativa de delegá-lo a particulares só poderá ser considerada ilegal, sujeitando-se a autoridade que a praticou à responsabilidade penal, civil e administrativa.
Seja qual for o prisma pelo qual se analise o § 1º, do art. 68, da Lei Geral da Copa, exsurge
cristalina sua inconstitucionalidade e total inadequação ao sistema jurídico brasileiro.
Em prol da realização da Copa, o Brasil conseguiu, além de outras questões polêmicas que
foram submetidas ao STF, pelo Procurador-Geral da República, em Ação Direta de Inconstitucionalidade,
riscar o parágrafo 5º, do art. 144, da Constituição Federal, ao permitir, ao arrepio da lei, que empresas de
segurança privada substituam as Polícias Militares, no interior dos estádios de futebol, em suas missões por
ela tuteladas. Talvez em outros países tal prática seja permitida, aqui no Brasil ainda não.
10
MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Direito Constitucional – Teoria da Constituição – As
Constituições do Brasil. Editora Forense, 2ª edição, Rio de Janeiro: 1981. p. 24 e 39-40.
11
CAVALCANTI FILHO, Teófilo. Boletim do Interior, v. 29, publicação da Fundação Prefeito
Faria Lima – CEPAM, p. 31.
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7. CONCLUSÃO
Cabe aqui, antes das considerações finais, lembrar que ao discorrer sobre o aspecto da ordem
pública como objeto da segurança pública, o constituinte de 1988 priorizou-a, no Capítulo III do Título V,
que cuida da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, como: um dever do Estado e, assim, é
um direito de todos. Com isto o constituinte quis dizer que a providência policial não deve ser em benefício de um ou de alguns indivíduos, segundo as conveniências e opiniões das autoridades ou dos próprios governantes, mas sim de todos.
A ação pública, como característica do policiamento ostensivo, enfatiza seu exercício visando
preservar o interesse geral da segurança pública nas comunidades e nos locais específicos, resguardando o
bem comum em sua maior amplitude, mesmo que o interesse e local sejam privados. Assim, a atividade da
Polícia Militar é prioritariamente preventiva, posto que sua função principal é impedir qualquer tipo de ameaça à população e às propriedades públicas e privadas. Só quando a perturbação se concretiza é justificada a
atuação repressiva. Ora, não se concebe a polícia repressiva sem o pressuposto da existência real ou
potencial do ato perturbador. A repressão, portanto, é consequente da falta de ações ou mesmo de omissões no plano da prevenção. A omissão das autoridades, levadas por questões de opiniões pessoais, deixou sem segurança as vítimas da pancadaria entre torcedores do Atlético paranaense e do Vasco da Gama
em Joinville, no dia 8 de dez, na rodada de encerramento do Campeonato Brasileiro.
No caso focado a Polícia Administrativa omitiu-se no aspecto mais importante de sua missão,
ou seja, a prevenção (não impedindo que o evento esportivo fosse realizado sem as condições mínimas
de ações preventivas no interior do estádio de futebol, isto é, não se fazendo presente “em força”, assim
deixando a Polícia Ostensiva de cumprir com o seu dever constitucional. Tanto é assim, que justificou o
seu emprego repressivo a posteriori e no interior do referido estádio. Tais atitudes, infelizmente, expuseram o Estado catarinense à responsabilidade, que, segundo já citado, exsurge tanto dos atos lícitos,
quanto dos atos ilícitos da Administração, posto que a disposição tanto contempla a responsabilidade
subjetiva (sem culpa), como a objetiva (com culpa).
Mesmo em se tratando de um evento de natureza particular, o espetáculo passa a ser assunto
de segurança pública a partir da reunião de milhares de pessoas que, de repente, atingem um ponto sem
retorno, explodindo em comportamentos violentos. Isso, portanto, não é problema de alcance e nem
atividade para ser exercida por segurança particular. Pensar de forma diferente é assumir, publicamente, a responsabilidade objetiva da culpa. É, outrossim, revelar-se pequeno demais diante da grave
responsabilidade da missão.
Diante da situação, no caso de omissão de autoridades civis, a hipótese mais provável é a prática
do crime de prevaricação, expresso no art. 319 do Código Penal. Já, para os militares, as hipóteses são
mais abrangentes. Além da prevaricação também prevista no art. 319 do Código Penal Militar, tem como
agravante as disposições do art. 324 do mesmo diploma legal, cuja norma alcança a inobservância de lei,
regulamento ou instrução, pois, quando se permitiu que apenas a parte externa do referido estádio fosse
resguardado por frações da Polícia Militar catarinense, assumiu-se a responsabilidade pelas consequências,
deixando-se, inclusive, de observar os parâmetros existentes e aceitos para a fixação de efetivos em serviços extraordinários, isto, sem levar em conta a imprudência em razão da decisão tomada.
Agora, em relação à Copa do Mundo, dá a transparecer que se colocou o governo, nas suas
várias esferas, a serviço da FIFA – tudo para assegurar sua realização neste ano no país – mesmo que
desconsiderando as instituições, a exemplo das Polícias Militares em relação às suas missões
definidas em lei, as quais, repita-se, não foram suspensas pela Lei Geral da Copa.
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