KARINA ROSSA FRITZEN ESTUDO DO SISTEMA CONCEITUAL DE TRIGONOMETRIA CRICIÚMA,2004 2 KARINA ROSSA FRITZEN ESTUDO DO SISTEMA CONCEITUAL DE TRIGONOMETRIA Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em Educação Matemática. Orientador: Dr. Ademir Damazio. CRICIÚMA,2004 3 AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida e pelas oportunidades. Ao professor Dr. Ademir Damazio, orientador deste trabalho, pela dedicação incentivo e apoio. Ao meu marido Márcio Fritzen, pela sua compreensão, paciência e companheirismo. Ao meu filho Matheus Fritzen, pelo jeito carinhoso que me ajudou muito a enfrentar as dificuldades. Aos meus familiares e amigos, pelo apoio e carinho, fundamentais para que eu conseguisse concluir essa especialização. 4 RESUMO Este trabalho tem como objetivo fundamental interligar o conceito de trigonometria no campo aritmética x algébrica x geométrica, fundamentando-se na teoria histórico-crítica que tem despontado nos meios acadêmicos e escolares como uma possibilidade mais efetiva para o progresso e melhoria do processo de ensino e de aprendizagem da matemática. A pretensão foi buscar subsídios para uma reflexão diante das dificuldades pedagógicas e aprendizagem que se apresentam cotidianamente na educação matemática escolar. Especificamente, a preocupação foi identificar e analisar os fatores que contribuiem para superar as dificuldades básicas que os alunos apresentam em relação ao sistema conceitual de trigonometria. Para tal foi proposta uma série de atividades de ensino-aprendizagem pressupondo superar aquelas idéias normalmente apresentadas pelos livros didáticos e que contribuiria para a apropriação das significações referentes ao sistema conceitual. Subsidiou teoricamente o estudo de uma análise das tendências pedagógicas no ensino da matemática em especial sobre as diversas concepções de aprendizagem. Na elaboração das atividades de ensino-aprendizagem foi levada em consideração ação que desenvolvessem, reflexivamente, o pensamento aritmético, o algébrico e o geométrico. A inferência extraída é de que devemos propiciar um processo-aprendizagem da trigonometria de forma integrada com os conceitos matemáticos já elaborados pelos alunos e em consonância com o seu desenvolvimento cognitivo. As ações que o professor propõe deve primar por 5 procedimentos graduais que incitem os alunos a ela transitar por significações que constituem as noções essenciais, produzidas historicamente do conceito. 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 05 1.1 Justificativa 05 1.2 Problema 06 1.3 Tema 07 1.4 Objetivo de Estudo 07 1.4.1 Objetivos Específicos 07 2 APRENDIZAGEM MATEMÁTICA 08 2.1 Tipos de aprendizagem 08 3 TRIGONOMETRIA CONCEITO E HISTÓRIA 12 3.1 Ensino da trigonometria no Brasil 15 3.2 O livro didático predominante na região do extremo sul 16 4 ASPECTOS METODOLÓGICOS 17 4.1 O sujeito da pesquisa 17 4.2 Tipo de investigação 17 4.3 Procedimentos: as atividades propostas aos alunos 19 5 OS ALUNOS: SUAS APRENDIZAGENS E DIFICULDADES 33 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43 7 1 INTRODUÇÃO 1.1 Justificativa A superficialidade em que são desenvolvidos os conceitos matemáticos nas escolas, o descaso com o ensino da trigonometria em nossa formação inicial e as dificuldades que encontramos em abordar tal conceito em sala de aula nos levou a desenvolver o presente trabalho. O princípio norteador é que em toda atividade proposta aos alunos deve-se considerar, além do conceito em si, o sistema conceitual na qual se insere. Assim sendo, ao apresentarmos uma atividade de ensino-aprendizagem, subjacente a qual estão noções e princípios do conceito trigonometria, parece necessária a interligação de significações: 1)geométricas, 2) algébricas, 3) aritméticas. Por exemplo, o aritmético no momento que sugerimos o cálculo das razões trigonométricas; o algébrico, quando generalizamos esses cálculos e o geométrico quando desenvolvemos e visualizamos na circunferência e no triângulo. Contudo, devemos ter a precaução para não adotar a seqüência de muitos livros didáticos que apresentam definições rápidas, seguidas de exercícios de fixação. Outro aspecto a considerar é apresentação de atividades com imagens visuais geométricas como elemento mediador para o processo de apropriação das múltiplas significações do referido conceito. Acreditamos que assim, os alunos vão 8 percebendo e entendendo a lógica dos conceitos e, conseqüentemente, vão elaborando suas próprias idéias e ressignificações dos mesmos. Nossa afirmação tem respaldo em Vygotsky (1989) quando diz que: os seres humanos, não se apropriam de conceitos, mas de significações do conceito. 1.2 Problema Os atuais livros didáticos apresentam o conceito de trigonometria de forma superficial, fragmentada, reduzindo-a fórmulas prontas, desprovidas dos significados produzidos historicamente. Conseqüentemente, essa realidade é reproduzida no processo de ensino–aprendizagem, em todos os níveis de ensino. Tal conceito aparece pela primeira vez nos livros da 8ª série do ensino fundamental, envolvendo as relações métricas no triângulo retângulo. Normalmente, o foco é a noção de seno, cosseno e tangente dos ângulos de 30º, 45º e 60º. O estudo na circunferência de todas as relações (seno, cosseno, tangente, cotangente, secante e cossecante) no o ciclo trigonométrico é apresentado no Ensino Médio que, dependendo do livro didático ou da apostila adotada, aparece em uma das três séries. A preocupação que temos é com a forma simples e restrita de significações que são tratados o referido conceito, com ênfase ao conjunto de fórmulas e indiferente aos processos e as características das idéias que as fundamentam. Como abordar os conceitos trigonométricos de forma significativa, envolvendo o sistema conceitual no qual se insere? 9 Entretanto, demos especial atenção para a elaboração de significações a respeito das razões trigonométricas como valores “zero” ou “não existe”. 1.3 Tema O estudo do sistema conceitual trigonométrico no Ensino Médio. 1.4 Objetivo de Estudo Elaborar e desenvolver atividades de ensino-aprendizagem, abordando a idéia de sistema conceitual trigonométrico, numa visão algébrica, geométrica e aritmética. 1.4.1 Objetivos Específicos - Investigar as dificuldades que os alunos apresentam no processo ensino-aprendizagem da trigonometria. - Estudar o desenvolvimento histórico e as relações da trigonometria no circulo trigonométrico. - Sugerir atividades para o ensino e aprendizagem da trigonometria, baseando-se na teoria histórico-crítica. 10 2 APRENDIZAGEM MATEMÁTICA 2.1 Tipos de Aprendizagem Matemática Segundo Fiorentini (1995), subjacente a cada modo de ensinar, escondese uma particular concepção de aprendizagem, de ensino, de Matemática e de Educação. Para efeito do presente estudo, faremos uma síntese apenas das concepções de aprendizagem nas diversas tendências que se manifestaram no ensino da matemática, no Brasil. De acordo com o referido autor (1995, p. 6-32) são elas: Tendência Formalista Clássica – a aprendizagem do aluno era considerada passiva e consistia na memorização e na reprodução (imitação/repetição) precisa dos raciocínios e procedimentos ditados pelo professor ou pelos livros. O professor transmite e o aluno recebe conteúdos. Tendência Empírico-Ativista – enfatiza as atividades experimentais, o processo, a pesquisa, a descoberta, a resolução de problemas e o método científico.Tem como pressuposto básico que o aluno “aprende fazendo”. Tendência Formalista Moderna – o processo ensino–aprendizagem autoritário, centrado no professor que expõe/demonstra rigorosamente tudo no quadro negro. Aprender significava a apreensão das estruturas da matemática para aplicá-las em todos os domínios do conhecimento humano. 11 Tendência Tecnicista – a aprendizagem consiste, basicamente, no desenvolvimento de habilidades e atitudes computacionais e manipulativas, como forma de habilitar o aluno para resolver, individualmente, exercícios ou problemas-padrão. Tendência Construtivista - a aprendizagem é resultante da ação interativa/reflexiva do homem com o meio ambiente e/ou com atividades; não é tão importante o conteúdo, mas sim, aprender a aprender e desenvolver o pensamento. A apreensão das estruturas de um conceito ocorre pela interação tendo por base as abstrações reflexivas oriundas das relações estabelecidas, inicialmente, com objetos. Tendência Sócioetnocultural - o processo ensino–aprendizagem parte dos problemas da realidade, identificados e estudados conjuntamente pelo professor e pelos alunos. A aprendizagem só é significativa e efetiva se as atividades matemáticas estão relacionadas com o cotidiano e a cultura dos alunos. Enfim, aprender matemática é “compreender e sistematizar o modo de pensar e saber dos alunos”. (p. 26). Tendência Histórico-crítica – O aluno aprende, quando consegue atribuir sentido e significado às idéias e sobre elas é capaz de pensar, estabelecer relações, justificar, analisar, discutir e criar. Tendência Sóciointeracionista-semântica - fundamenta-se no modo como os conhecimentos, signos e proposições matemáticas são produzidos e legitimados historicamente pela comunidade científica ou grupos culturais situados sóciohistoricamente. Aprender é significar as idéias matemáticas por meio do estabelecimento de relações entre fatos e suas representações, signos. Das tendências atuais, uma que parece atender nossas expectativas e colaborar para a reflexão de uma aprendizagem significativa é a tendência histórico- 12 crítica. Acena para caminhos diferentes daqueles propostos pela escola mais tradicional. Nessa tendência, segundo Damazio (2000:45), a Matemática: deixa de ser uma qualidade interna do espírito humano, como advogam os idealistas, bem como uma relação de causa e efeito, como afirmam as teorias mecanicistas. Nessa concepção, o conhecimento matemático é uma forma de refletir a realidade, o qual foi sendo construído ao longo do desenvolvimento sócio-histórico. É na perspectiva sócio-histórica da escola vygotskyana que buscaremos elucidar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Segundo Vygotsky (1989), a aprendizagem tem papel fundamental para o desenvolvimento do saber, do conhecimento. Todo e qualquer processo de aprendizagem é ensinoaprendizagem, incluindo aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre eles. Para explicar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Define como sendo à distância entre os níveis de desenvolvimento potencial - isto é, capacidade do ser humano aprender com outra pessoa - e o nível de desenvolvimento real - adquirido ou formado. A ZDP se constitui nas relações sociais estabelecidas entre sujeitos mais experientes com aquele que está disposto a aprender algo novo. Sendo assim, a ZDP tem sua existência originária em uma necessidade. Trazendo para a pedagogia, significa que sua constituição só ocorrerá se as atividades de ensino-aprendizagem propostas pelo professor fornecer subsídios para desafiar as possibilidades do aluno. Portanto, ela ocorre diante de situações em que o aluno precisa se apropriar de significações conceituais e realidades que se apresentam como novas. A meta é chegar a saberes até então ignorados, por ter um processo interativo, em que o aluno tenha oportunidade de sugerir resposta, analisar e fazer generalizações. É nessa trajetória de diálogo com o professor ou 13 colegas que os alunos fazem elaborações que lhes permitem alcançar novos níveis de conhecimento, informação e raciocínio. 14 3 TRIGONOMETRIA: CONCEITOS E HISTÓRIA A palavra Trigonometria vem do grego TRI – três, GONO – ângulo e METRIEN – medida. Portanto, etimologicamente significa medida de três ângulos. Trata-se, assim, do estudo das relações entre os lados e os ângulos de um triângulo. A origem da trigonometria é anterior à era cristã. No séc V a.C, já se encontrou estudos das relações entre arcos de circunferência e respectivas cordas, constituindo-se num passo importante para a trigonometria no círculo. No séc.III a.C., Arquimedes de Siracusa determinava o perímetro de um círculo, dado o respectivo raio. Calculava o comprimento de grande número de cordas e estabeleceu algumas fórmulas trigonométricas. Apesar dos babilônios e dos egípcios terem utilizado as relações existentes entre lados e ângulos dos triângulos, foi o fascínio pelo movimento dos astros que impulsionou a evolução da trigonometria. Foram importantes os fenômenos astronômicos e geográficos que levou à determinação de eclipses, fases da lua, distâncias inacessíveis e rotas de navegação. As medições e os resultados dos cálculos efetuados pelos astrônomos eram registrados em tábuas. As tábuas babilônicas revelavam algumas semelhanças com as tábuas trigonométricas atuais. Hiparco de Nicéia (180-125 a.C), fortemente influenciado pela matemática da Babilônia, acreditava que a melhor base de contagem era a 60. Não se saiba exatamente quando se tornou comum 15 dividir a circunferência em 360 partes, entretanto, a hipótese mais provável é que se deva a Hiparco. O mesmo ocorre com a atribuição do nome arco de 1 grau a cada parte em que a circunferência ficou dividida, também a divisão de cada arco de 1° em 60 partes obtendo o arco de 1 minuto. Ele construiu o que foi presumidamente foi a primeira tábua trigonométrica, por isso é considerado o pai da trigonometria. Porém, foi Ptolomeu (séc II) que influenciou o desenvolvimento da trigonometria, durante muitos séculos. A sua obra Almagesto contém uma tabela de cordas correspondentes a diversos ângulos, por ordem crescente e em função da metade do ângulo, que é equivalente a uma tabela de senos. A relação da Astronomia com a Trigonometria fez com que esta se desenvolvesse de forma aplicada a triângulos curvos de lados curvilíneos que se formam sobre a superfície esférica. Assim, a Trigonometria Esférica desenvolveu-se anteriormente à Trigonometria Plana, o que se deveu ao fato de a primeira ser muito utilizada nos cálculos astronômicos e na navegação, sendo sistematizada por árabes e hindus até meados do séc .XIII. A contribuição destes novos foi bastante grande, tendo calculado tabelas de senos para intervalos com variação de 15º. É no séc.XV com Johannes Muller Regiomontano,e no seu trabalho De Triangulis Omnimodis Libri Quinque que a Trigonometria liberta-se da Astronomia. O recurso sistemático ao círculo trigonométrico e à aplicação da Trigonometria na resolução de problemas algébricos é feita por Viète– séc. XVI – que estabeleceu também alguns resultados importantes. Contudo, foi Euler (séc. XVIII) que, ao usar sistematicamente o círculo de raio um, introduziu o conceito de seno, e co-seno e tangente como números, bem como as notações atualmente utilizadas. Os conceitos de seno e cosseno foram 16 originados pelos problemas relativos à Astronomia, enquanto que o conceito de tangente, surgiu da necessidade de calcular alturas e distâncias. A palavra seno vem do latim sinus que significa seio, volta, curva, cavidade. Edmund Gunter foi o primeiro a usar a abreviação sen ,em 1624. Num desenho, já o primeiro uso de sen em um livro foi em 1634 pelo matemático francês Hérigone. A palavra cosseno surgiu somente no século XVII, como sendo o seno do complemento de um ângulo. A função tangente tinha idéias associadas a sombras projetadas por uma vara colocada na horizontal. Assim, a tangente e a cotangente vieram por um caminho diferente daqueles das cordas. Foram conceitos desenvolvidos juntos e não foram primeiramente associados a ângulos, mas procedimentos para calcular o comprimento da sombra que é produzida por um objeto. O nome tangente foi primeiro usado por Thomas Fincke, em 1583, enquanto o termo cotangente foi primeiro usado por Edmund Gunter, em 1620. A secante e a cossecante não foram usadas pelos antigos astrônomos ou agrimensores. Surgiram quando os navegadores por volta do século XV, começaram a preparar tabelas. Copérnico sabia da secante que ele chamou de hipotenusa. Viéte conhecia os resultados cot gx.sec x 1 = cot gx = sec x tgx e 1 cos x = = senx . cos .sec x cot gx Percebe-se que foi um longo caminho percorrido pela Humanidade para chegar até a trigonometria que hoje ensinamos aos nossos alunos. Essa pequena referência histórica representa apenas parte dessa trajetória. Entretanto, ela anunciar ao professor que ao ensinar trigonometria, de alguma forma, discuta com 17 os alunos questões que os levem a perceber que o conhecimento matemático não “caiu do céu”, ou surgiu pronto e acabado. Talvez ao reviver a evolução possa trazer subsídios para a aprendizagem. 3.1 Ensino de trigonometria no Brasil O ensino da trigonometria no Brasil foi fortemente marcado, segundo Nacarato (2002,p.29) por três enfoques: - Enfoque geométrico: havia uma total integração entre trigonometria e geometria plana; todos os teoremas eram demonstrados com a utilização da geometria euclidiana. Essa tendência se fez presente até 1929. - Enfoque de geometria vetorial: tendência resultante de um movimento nacional que postulava a necessidade de uma matemática mais experimental e aplicada. A física foi apontada como o grande ponto de aplicação da matemática. Essa tendência dominou dos anos 1930 a 1960. - Enfoque de funções circulares: tendência resultante do movimento da matemática Moderna. Essa tendência dominou até meados dos anos 80. O autor citado anteriormente destaca que nesses três períodos havia uma consonância total entre as orientações curriculares oficiais e os livros didáticos editados. O mesmo não ocorreu a partir do final dos anos 80, quando houve todo redimensionamento do ensino da Matemática, priorizando a resolução de problemas ou propostas interdisciplinares, como consta no atual documento de orientação curricular nacional. No entanto, os livros didáticos destinados ao Ensino Médio não 18 acompanharam esse movimento, priorizando excessivas fórmulas e transformismos algébricos sem nenhum significado histórico e práticos. 3.2 O livro didático predominante na região do extremo sul O livro didático, Matemática Fundamental dos autores José Rui Giovanni, José Roberto Bonjorno e José Rui Giovanni Filho é um dos livros mais utilizado pelos professores da região. Essa preferência talvez se deve ao fato de ser muito utilizado no curso de formação inicial dos professores da região. Os autores apresentam a história, como curiosidade, apenas para introduzir o conceito e não como desenvolvimento das idéias matemáticas. Iniciam com as razões trigonométricas no triângulo retângulo com o enfoque predominantemente algébrico sobre o geométrico e é abordado só nos exemplos. Ou seja, os autores iniciam o conceito em seu nível mais alto de abstração e generalização para posteriormente aplicarem as fórmulas. Após um intervalo de 66 páginas são abordadas as funções trigonométricas. As funções seno, cosseno e tangente são abordados apenas no sentido positivo e para as funções cotangente, secante e cossecante os autores dedicam metade de uma página para as suas definições. Em nenhum momento percebemos a preocupação dos autores em atribuírem significadas as fórmulas apresentadas. Dessa forma, os alunos são levados a memorizarem mecanicamente as mesmas, pois propõem um número expressivo de exercícios repetitivos que enfatizam o fazer em detrimento do pensar. Ou seja, que primam pelo desenvolvimento de habilidade técnicas e algorítmicas. 19 4 ASPECTOS METODOLÓGICOS 4.1 Os sujeitos da Pesquisa A pesquisa, em sua parte empírica, contou com participação de 56 alunos do Ensino Médio de duas escolas: uma de Criciúma e outra de Siderópolis. A escolha dos alunos (as) e das escolas deu em virtude da pesquisadora ter essa atividade profissional diretamente ligada a eles. Da escola de Criciúma participaram 36 alunos assim caracterizados: 16 masculinos e 20 femininos, com a faixa etária compreendida entre 15 e 17anos de idade. Da escola de Siderópolis, estiveram envolvidos: 11 alunos e 9 alunas cujas idades variam de 15 e 17anos. 4.2Tipo de investigação A participação efetiva da pesquisadora e dos alunos para entender o processo de apropriação de significados referentes ao conceito de trigonometria se tornou uma característica fundamental para definir a pesquisa como qualitativa. A preocupação foi com o processo de aprendizagem e não com os aspectos quantitativos. Por isso, na análise dos dados, demos ênfase às manifestações dos alunos que indicavam suas compreensões e suas dificuldades sobre as noções e idéias referentes à trigonometria. 20 A opção pelo referido conceito se deve ao fato de ser o que mais encontramos dificuldades em abordar em sala de aula. Em nossa formação inicial, a trigonometria que estudamos foi aquela que se apresenta nos livros didático de 8ª série do ensino fundamental, como estamos lecionando no ensino médio, sentimos necessidade em aprofundar tal conceito. Nossa preocupação era entender geometricamente o que havíamos decorado algebricamente, como razão entre a medida (lado de um triângulo retângulo) de um segmento com outro. Inicialmente, estudamos o seno, cosseno, tangente, cotangente, secante e cossecante para um ângulo de 45º. Partíamos do pressuposto que entendendo tais relações para o ângulo de 45º, os demais era suficiente aumentar ou diminuir a abertura, uma vez que, as idéias são as mesmas. Tal hipótese foi confirmada em partes, pois, ao diminuirmos a abertura para zero grau ou aumentamos para 90º a visualização geométrica exigia um grau maior de abstração dos conceitos. O ponto de partida para a discussão sobre os conceitos de cada relação trigonométrica foi a figura a seguir: s t A’ N P c B M’’ M O• 45º M’ A N’ P’ 21 4.3 Procedimentos: as atividades propostas aos alunos Na elaboração das atividades tivemos a preocupação de pensar nos detalhes fundamentais que intermediasse nossa interlocução com os alunos para que eles se apropriassem das significações, das noções e propriedades peculiares dos conceitos trigonométricos. Para a construção do ciclo trigonométrico, propomos as ações: - Com o auxílio do compasso e régua construa uma circunferência de raio 1 cm. - Trace dois diâmetros na circunferência, um horizontal e outro vertical que se interceptam nos respectivos pontos médios. - Marque o ponto médio (M) do arco AÕB e trace um segmento de reta do ponto O ao ponto M. - Prolongue os segmentos de reta OM e AO e trace duas paralelas à MM’ interceptando os segmentos prolongados. - Trace um segmento de reta paralelo ao diâmetro BB’ passando pelo ponto A. - Trace um segmento de reta paralelo ao diâmetro AA’ passando pelo ponto B. - Trace um segmento de reta passando pelo ponto M formando um ângulo de 90º ao segmento de reta OM e prolongue o diâmetro BB’ interceptando a reta traçada. O ciclo trigonométrico e o conjunto de retas e segmentos produzidos pelos alunos, intermediado pelo conjunto de nossas proposições ou ajuda, pode ser visto na figura a seguir? 22 t s P N B M M” A’ O• 45° M’ A N’ P’ B’ Depois de construído o ciclo, foi proposto o cálculo das razões entre as medidas dos segmentos de retas que iriam indicar as primeiras significações e idéias dos conceitos de seno, co-seno, tangente, cotangente, secante e co-secante. Nesse momento, nossa preocupação foi evidenciar aspectos fundamentais para que os alunos apreendessem as noções que fundamentam cada um daqueles conceitos: segmento, razão entre medidas dos segmentos e igualdade das razões. Para se ter noção das nossas intervenções e proposições, transcrevemos algumas delas: - Com uma régua meça os segmento: MM’, OM, N’, ON, P’ e OP. - Calcule as razões entre os segmentos MM’ e OM; NN’ e ON; PP’ e OP. MM ' 0,71 = = 0,71 OM 1 NN ' 1,48 = = 0,71 ON 2,08 PP' 1,90 = = 0,71 OP 2,67 Naquele momento, sugerimos que o alunos observassem os resultados numéricos obtidos para as razões obtidas e a igualdades delas independente da 23 medida dos lados do triângulo , porém tendo como constante a medida do ângulo. Em seguida interrogamos? - Qual segmento do diâmetro vertical que tem a medida da constante encontrada anteriormente: - Crie um modelo matemático, uma fórmula, para calcular a medida do segmento OM” de qualquer triângulo semelhante ao triângulo em estudo. Usando a linguagem dos alunos apresentamos a fórmula: OM ' ' = lado em pé lado inclinado Para evitar a rotina de nossas intervenções orais, propusemos uma consulta aos livros: - Pesquise a nomenclatura matemática da razão entre os lados dos triângulos anteriores em relação ao ângulo α, traduzindo o seu modelo matemático. Após a pesquisa, os alunos apresentaram: senα = cateto oposto hipotenusa Essa atividade e outras que a seguiram tiveram por referência a figura apresentada na página seguinte. 24 t s N c B M M A O• 45° M A N P B Proposições similares as anteriores, referentes ao conceito seno de 45º, foram propostas para que os alunos se apropriassem das primeiras noções do conceito de co-seno: - Meça e calcule as razões entre os segmentos: OM , e OM ; ON , e ON ; OP , e OP. Os resultados obtidos pelos alunos foram: - MM ' 0,71 = = 0,71 OM 1 NN ' 1,48 = = 0,71 ON 2,08 PP' 1,90 = = 0,71 OP 2,67 As novas Indicações foram: - Qual segmento do diâmetro horizontal tem a medida da constante encontrada anteriormente? - Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento OM’ de qualquer triângulo semelhante ao triângulo em estudo. 25 Usando sua linguagem espontânea foi feita a seguinte indicação: OM ' = lado deitado lado inclinado Novamente propusemos: - Pesquise a nomenclatura matemática dos lados dos triângulos em relação ao ângulo α e da razão que representa a medida do segmento OM , . Traduza a fórmula anterior para a linguagem matemática. Ou seja, os alunos encontraram no livro pesquisado: cosα = cateto adjacente hipotenusa A síntese anterior foi elaborada tendo por base a análise da figura que segue: t s N c B M M A 45° O• M A N P . B Na seqüência, sugerimos: - Calcule as razões entre os segmentos: MM ,, e OM , ; NN , e ON , ; PP , e OP , . As produções dos alunos foram: - MM ' 0,71 = = 0,71 OM , 0,71 NN ' 1,48 = =1 ON , 1,48 PP' 1,90 = =1 OP , 1,90 26 Em seguida, interferimos com questionamentos dirigidos para o conceito de tangente: - Qual segmento da reta t tem a medida da constante encontrada anteriormente? - Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento AD de qualquer triângulo semelhante aos triângulos em estudo. Na linguagem espontânea: - AD = lado em pé lado deitado Sugerimos, novamente, que pesquisassem a nomenclatura matemática da reta t e traduzissem em o modelo matemático produzido por eles para a linguagem matemática: tgα = cateto oposto . cateto adjacente A figura que aparece a seguir foi alvo de análise para as primeiras idéias do conceito de tangente. P s t N c B M D M’’ 45° M` A A` N, P, B` Nossa próxima proposição visava as noções conceituais de cotangente: - Calcule as razões entre os segmentos: OM , e MM , ; ON , e NN ,, ; OP , e PP ,, . 27 Os alunos apresentaram como solução: -- OM ' 0,71 = = 0,71 MM , 0,71 ON ' 1,48 = =1 NN , 1,48 OP' 1,90 = =1 PP , 1,90 Sucederam os questionamentos e sugestões: - Qual segmento da reta c tem a medida da constante encontrada anteriormente? - Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento BD a partir de qualquer triângulo semelhante ao triângulo focalizado na figura abaixo. A essas alturas, muitos alunos imediatamente, propuseram: BD = lado deitado lado em pé Ao solicitarmos que pesquisassem a nomenclatura matemática correta, encontraram: cot gα = cateto adjacente . cateto oposto Como referência para análise foi adotada a figura: P s t c N B M D M’’ 45° M` A A` B` N, P, 28 Ainda restavam duas relações trigonométricas, ou seja, secante e cossecante, referentes ao ângulo de 45º. Continuamos a propor procedimentos e interrogações semelhantes aquelas até então adotadas. - Calcule as razões entre os segmentos: OM e OM , ; ON e ON , ; OP e OP , . As medidas notações dos alunos foram: - OM 1 = = 1,41 , OM 0,71 ON 2,08 = = 1,41 , ON 1,48 OP 2,67 = = 1,41 OP , 1,90 Em seguida, perguntamos e propomos: - Qual segmento no eixo x tem a medida da constante encontrada anteriormente? - Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento ON’ de qualquer triângulo semelhante aos triângulos em estudo. Eles continuam usando a linguagem adotada para os conceitos já estudados: ON ' = lado inclinado lado deitado Novamente pesquisaram na bibliografia recomendada a nomenclatura matemática que traduz a referida relação matemática, isto e: secα = hipotenusa cateto adjacente O suporte para a análise foi a figura a seguir: 29 t s P N c B M M A O• 45° M A N P . B Para concluir o estudo das relações trigonométricas do ângulo de 45º, reiniciamos nossa indagações visando o conceito de cossecante. - Calcule as razões entre os segmentos OM e MM ,, ; ON e ON , ; OP e OP , . OM 1 = = 1,41 , OM 0,71 ON 2,08 = = 1,41 , ON 1,48 OP 2,67 = = 1,41 OP , 1,9 - Qual segmento de reta do eixo y que tem a medida da constante encontrada anteriormente? - Crie um modelo matemático para calcular a medida do segmento AD de qualquer triângulo semelhante aos triângulos em estudo. A linguagem espontânea: AD = lado inclinado lado em pé Em seguida, com base na pesquisa bibliográfica, os alunos traduziram para a linguagem matemática: cos secα = hipotenusa cateto oposto 30 A base de analise foi à figura: t s N c B M M A O• 45° M A N P B Na seqüência , o estudo voltou-se para a relações trigonométricas para o ângulo de 0º . Inicialmente, para Seno e a sua inversa co-secante. Os quadros a seguir apresentados traduzem a síntese das nossas preocupações e das aprendizagens dos alunos. Observe os quadros nas páginas seguintes. 31 Seno Geometricamente Algebricamente Aritmeticamente Seno 0º = Seno 0º = cateto .oposto hipotenusa Seno 0º = 0 Seno é a projeção do arco até o eixo das ordenadas. Como a abertura do ângulo é 0 a projeção (seno 0º) também será zero. 0 =0 1 0 → abertura é zero 1 → o raio no ciclo trigonométrico mede 1 unidade. Portanto, a medida da hipotenusa para qualquer abertura do ângulo será 1 unidade. Co - secante Geometricamente Algebricamente Nunca vai tocar Co-sec 0º = Co-sec 0º = Co-secante é a linha que sai do centro até encontrar o eixo do seno. Aritmeticamente hipotenusa cateto.oposto 1 = não existe 0 0 → abertura é zero, portanto o cateto oposto será zero 1 → o raio no ciclo trigonométrico mede 1 unidade. Portanto, a medida da hipotenusa para qualquer abertura do ângulo será 1 unidade. 32 Cosseno e a sua inversa secante para um arco de 0º: Co-seno Geometricamente Algebricamente Aritmeticamente co-seno 0º = Co-seno 0º = cateto ⋅ adjacente hipotenusa Co-seno é a projeção do arco até o eixo das abscissas. abertura é Como a zero a 1 =1 1 → medida do cateto adjacente e medida da hipotenusa. Quando a abertura do ângulo for de zero grau, a hipotenusa está sobreposta ao cateto adjacente. 1 projeção (co-seno 0º) do arco será um. Secante: Geometricamente Algebricamente Aritmeticamente secante 0º = secante 0º = Secante é a linha que sai do centro até encontrar a tangente. hipotenusa cateto ⋅ adjacente 1 =1 1 medida do cateto → adjacente e medida da hipotenusa. Quando a abertura do ângulo for de zero grau a hipotenusa está sobreposta ao cateto adjacente. 1 33 Tangente e a sua inversa co-tangente para um arco de 0° Tangente: Geometricamente Algebricamente Aritmeticamente t tangente 0º = tangente 0º = A tangente no ciclo trigonométrico é a projeção do arco até uma linha imaginária que tangencia o ciclo trigonométrico no 0º 0 =0 1 cateto ⋅ oposto medida do cateto 1 → e medida da cateto ⋅ adjacente adjacente hipotenusa. Quando a abertura do ângulo for de zero grau a hipotenusa está sobreposta ao cateto adjacente. 0 → medida do cateto oposto. Co-tangente: Geometricamente Algebricamente c Co-tag 0º = Co-tag. 0º = A co-tangente no ciclo trigonométrico é a projeção do arco até uma linha imaginária que tangencia o ciclo trigonométrico no 90º ( Nunca irá tocar) Aritmeticamente cateto ⋅ adjacente cateto ⋅ oposto 1 = não existe 0 1 → medida do cateto adjacente e medida da hipotenusa. Quando a abertura do ângulo for de zero grau a hipotenusa está sobreposta ao cateto adjacente. 34 Para o estudo das relações trigonométricas dos demais ângulos não há grandes problemas, pois a divisão aritmética é sempre um número decimal que não envolve divisão por zero. Por isso, não trataremos no presente estudo. 35 5 OS ALUNOS: SUAS APRENDIZAGENS E DIFICULDADES Nossa preocupação, como já explicitamos anteriormente, não era atribuir apenas significado geométrico para as fórmulas da trigonometria que são apresentadas nos livros didáticos. Para, além disso, nossa pretensão foi vivenciar uma experiência pedagógica contemplando as significações dos três campos da Matemática: álgebra, aritmética e geometria. Para tal foi necessário o enfrentamento de diversas questões: 1) as nossas limitações, enquanto professores, do conhecimento matemático, de pedagogia, de psicologia 2) a defasagem de conhecimento dos alunos, conseqüência das nossas defasagens apontadas no item anterior; 3) as condições objetivas e subjetivas da escola para propiciar um ambiente favorável a aprendizagem dos alunos. Concebemos a escola como parte de um projeto mais amplo da sociedade que, muitas vezes, atende determinados interesses políticos e éticos que não são aqueles que concebemos na qualidade de professores preocupados com a aprendizagem matemática como uma das conquistas sociais para a formação do aluno cidadão. Enquanto vivenciávamos a experiência do processo de estudo escolar dos conceitos trigonométricos, dificuldades e dúvidas foram surgindo, que se apresentaram como caminhos que não havíamos traçado quando planejamos o presente estudo. Tendo como pressuposto de que aprender significa atribuir 36 significado e sentido as idéias conceituais, elaboramos uma seqüência de atividades que pressupomos essencial para a apropriação das primeiras noções dos conceitos de trigonometria. Tínhamos consciência que era apenas um planejamento e que, assim como o nosso processo de aprendizagem, o dos alunos nos levaria a novas ações, as novas dificuldades de aprendizagem. Estas, por sinal, foram impulsionadoras para que não desistíssemos e voltássemos a rotina do uso do livro didático no trabalho com os alunos em sala de aula. Aplicamos as atividades com os nossos alunos no período regular das aulas. Por isso, estávamos sujeitos a múltiplas determinações didáticas e de tempo. Segundo Pais (1999, p. 32) o processo de ensino aprendizagem é condicionado pelo tempo didático (exigência legal) e pelo tempo de aprendizagem (caracterizado por toda a complexidade do ato de aprender). Pela seqüência de atividades apresentadas na seção anterior pode-se observar que o ponto de partida para estudo da trigonometria se caracterizou com as noções e idéias dos conceitos de seno, co-seno, tangente, cotangente, secante e co-secante do ângulo de 45°. Durante as nossas intervenções e diálogos com os alunos propúnhamos uma série de ações e questionamentos que levavam os alunos a pensar, medir, calcular, estabelecer relações, identificar regularidades, formular e adotar uma linguagem matemática coerente com o conhecimento científico. Foram fundamentais explicações e questionamento do tipo: O que acontece quando a abertura aumenta? Ou então, o que acontece quando a abertura do ângulo diminui? Com o auxílio de duas réguas (uma régua representa a abertura do ângulo e a outra formava um ângulo de 90° com abertura do ângulo – secante e cosecante) movimentávamos o ângulo diminuindo e aumentando sua abertura. 37 Esse processo não foi suficiente e dependendo das perguntas que fazíamos apareciam dúvidas por parte dos alunos, surgindo a necessidade de retomar algumas questões com a sugestão de novos procedimentos e novas análises. Mesmo com o nosso esforço e expectativa de uma participação efetiva dos alunos, nem todos se envolveram nas discussões. Alguns deles não gostaram da forma que apresentamos os conteúdos e resolveram esperar as convencionais aulas de reforço para apenas para “recuperar a nota”. Atitudes desses é comum nas escolas e se constitui num desafio para o professor que pretenda estabelecer uma prática pedagógica reflexiva e participativa. Quando comunicamos que a trigonometria seria o tema do bimestre inteiro, os referidos alunos se envolveram um pouco mais, porém o objetivo não era aprendizagem, mas a nota. Acreditávamos que tudo estava resolvido e com o tempo iríamos fazer com que todos os alunos se envolveriam efetivamente, superando a visão de aprendizagem como conquista de nota. Entretanto, não éramos ingênuos e perguntávamo-nos: O que poderia atrapalhar? Alguns esqueciam os materiais (régua, transferidor e compasso) e os que levaram esses instrumentos para sala de aula, sem exceção, não sabiam utilizá-los. Outro aspecto que dificultou a aprendizagem dos conceitos de trigonometria foi a percepção restrita de número, basicamente, o de número natural. Isso gerava obstáculo, pois a trigonometria se fundamenta em medidas e, conseqüentemente, envolve o domínio dos números reais. Devido as limitações de tempo, vamos nos deter apenas a uma dessas dificuldades, que é a proximidade de significado, entre “zero” e “não existe”. Tal 38 proximidade contribuiu para sedimentar ainda mais os obstáculos para apropriação das razões trigonométricas, principalmente quando seu valor se aproxima de zero e por envolver o conceito de divisão. As dificuldades se acentuam quando se busca o entendimento de que não é possível dividir um número por zero, por exemplo, 1 0 . Depois de muitas tentativa e situações de análise, a explicação mais plausível foi: devemos encontrar um número que multiplicado por zero de um. Isto não é possível, pois o produto de dois fatores, sendo um deles zero, é sempre igual a zero. Criar o zero talvez tenha sido o passo mais difícil e mais importante da história da matemática. E é importante notar que essa dificuldade encontrada pela humanidade em relação ao zero se reflete no aprendizado dos educandos, pois existe quase sempre uma certa dificuldade na aprendizagem de números e operações envolvendo o zero. É uma etapa histórica que reflete na aprendizagem do educado independente de o educador programar seu aparecimento. Aliás, o educador precisa justamente programar seu fazer pedagógico no sentido oposto, no sentido de minimizar essa dificuldade ao máximo, pois se o educando não compreender a função do zero no sistema de numeração, ele não entenderá a lógica desse sistema. (DUARTE, 1987, p. 66). Um dos objetivos ao desenvolver o presente trabalho foi evitar ou minimizar as dificuldades do processo ensino-aprendizagem do sistema conceitual, em relação as experiências de anos anteriores. Por isso, elaboramos um problema de construção geométrica, em que a solução não se limitou exclusivamente a utilização de régua, compasso, transferidor e esquadro. Os alunos também tinham que se apropriar das significações algébricas, geométricas e aritméticas. Além disso, deveriam justificar por meio da linguagem coloquial o porquê dos resultados e a validade de suas respostas. Na inter-relação entre a linguagem matemática e a linguagem coloquial podemos elucidar aspectos fundamentais da aprendizagem dos alunos. A linguagem matemática foi parâmetro para identificar alguns erros e por meio da linguagem 39 coloquial os erros e acertos. O foco passou a ser a análise, o que poderia ter levado os alunos a cometerem tais erros. Como já mencionamos anteriormente nosso olhar se voltou ao seguinte erro: 1 = 0 . Ao interrogarmos os alunos sobre o raciocínio 0 que leva a cometerem tal erro, as justificativas foram do tipo: “como o ângulo diminuiu e o cateto oposto ficou zero e a hipotenusa fica sempre um a co-secante fica zero pois 1 = 0 ” . 0 Mesmo com a visualização geométrica apontando a inexistência de determinadas funções trigonométricas para os ângulos de 0° e 90°, alguns alunos colocaram zero. Percebemos que o significado de zero e não existe estão muito próximos ou se confundem, como se pode perceber nas falas abaixo: A co-tangente de 0° é zero, pois não tem abertura e não tem seno, portanto não tem como o alongamento do ângulo tocar a co-tangente. A fala anterior explicita uma dificuldade ao afirmar erroneamente que cotangente de 0° é zero. Ao justificar sua resposta, enuncia que não tem seno, o que entendemos como sendo que “não existe”. Na realidade o seno existe e é zero. Quanto a cotangente do ângulo de zero grau, alguns alunos, como revela a fala a seguir, a explicitam a idéia de que “não existe”. A co-tangente de 0° não existe, porque é encontrada com a divisão do cateto adjacente pelo cateto oposto, o cateto adjacente é um o cateto oposto não existe, não seria possível dividir algo por uma coisa inexistente. Na fala anterior percebemos que o aluno se apropriou de algumas significações do conceito de tangente. Porém, concebe o zero apenas como ausência de algo e não como localização geométrica. E essa idéia o leva a concluir que o cateto oposto não existe. A mesma idéia pode se apresentar entre alunos das três escolas. Algumas das falas transcrevem a seguir: 40 - Como o ângulo é de 0° não tem inclinação, então o cateto oposto não existe, é zero, e o cateto adjacente um, então a tangente é zero. - Não tem seno, pois o ângulo de 0° não existe cateto oposto, portanto, não tem seno. - O seno não existe, pois não existe abertura no ângulo. - O co-seno é igual a zero, porque não existe, o seno é um. - O seno é zero porque a hipotenusa está reta e vale um, nesse caso, o cateto oposto não existe e é zero 0 1 = 0. Encontramos também, justificativas semelhantes para interpretações diferentes, tais como: A secante não existe, pois um dividido por zero, não vai dividir para ninguém. A secante é um, pois um dividido por zero, não vai dividir para ninguém. Ao questionar o aluno da segunda resposta, ele argumenta: se eu tenho um real e não divido com ninguém, fiquei com um real, dividi um por zero e deu um. Chama-nos atenção a explicação deste aluno, pois ela remete à relação entre o conhecimento matemático prático/cotidiano com o conhecimento científico. O primeiro nos leva a incorrer em compreensões que parecem plausíveis que, cientificamente seria impossível explicar. Dito de outra maneira, praticamente parece correto, dizer que dividir alguma quantidade com ninguém, se obteria como resultado a referida quantidade. Entretanto, tal raciocínio é revelador de equívocos na própria compreensão do conceito de divisão de números naturais. No conceito divisão, o quociente se refere a quantidade que coube, na partilha, ao divisor e não para o dividendo como indica a explicação do aluno. Durante a análise dos dados recorremos a literatura, mas nada encontramos sobre tais equívocos interpretativos. Inclusive duas pesquisas realizadas recentemente no programa de iniciação científica da UNESC, uma que analisa as dificuldades com o conceito específico de divisão e outra com as dificuldades de aprendizagem em matemática. 41 Como trigonométricos, nosso as estudo respostas, estava mesmo diretamente ligado equivocadas, aos eram conceitos justificadas trigonometricamente. Por esse motivo propomos para alguns alunos de outras fases do ensino médio, e que não estavam estudando trigonometria, a seguinte atividade: Resolva a operação abaixo e justifique sua resposta: 1 = 0 No desenvolvimento da operação, percebemos que alguns alunos utilizaram a calculadora. Não proibimos o uso, pois essa atividade estaria, enriquecendo ainda mais o presente trabalho. Alguns alunos responderam que era 1, mas, a grande maioria respondeu que a solução para a operação era zero. Como estávamos investigando o porque do zero como resposta, dirigimos o nosso olhar, para as justificativas mais comuns: - Porque todo número multiplicado ou dividido por zero é zero; - Porque se não é dividido por nada, também vai resultar em nada; - Se uma pessoa tem qualquer coisa e vai dividir com ninguém, ninguém vai ficar com nada, esse dinheiro vai voltar para pessoa; - Se eu tenho uma bala e divido com ninguém, eu fico com a bala, resta um, mas, a lei matemática é que todo número dividido por zero é zero; - Porque esse resultado foi me ensinado na escola, até hoje eu aprendi as contas e os resultados que já vinham pré-estabelecidos A cada sala que propomos essas atividades, após resolverem e entregarem, explicávamos qual era a resposta matematicamente correta utilizando a definição apontada por Caraça 1984:246; “o resultado da divisão do números real a ≠ 0 pelo número real b ≠ 0 , quaisquer, pode ser sempre apontado a priori como um número real único c = a que multiplicado por b da um produto igual a.” b Os comentários que os alunos fizeram nessa etapa foram do tipo: Tá professora, foi inventado quando essa explicação? Ou, mudou quando? Por que nos ensinaram que era zero então? 42 No início não havíamos acreditado que alguns professores estavam realmente equivocados. Porém, ouvirmos o seguinte comentário de um professor: o fulano (aluno) está ferrado comigo, vou fazer as provas de recuperação, mas como zero mais zero é zero e zero dividido por zero também é zero, ele irá com zero na média. Ou seja, nem para os professores de matemática está claro essa questão da divisão pro zero, mesmo sendo zero por zero, como aponta a fala do professor anterior. Houve também um número considerável de alunos que mesmo colocado como resposta zero, explicava em suas na justificativas a idéia da impossibilidade, tais como: - Se quer dividir uma coisa com alguém e não tem ninguém para dividir, não vai ter como; - Por que o zero significa nada, não tem como dividir o zero para nada; - Por que não tem como dividir por zero. Ex: se você tem uma laranja e quer dividir para zero pessoas não tem como, porque zero é neutro; - Por que não tem como dividir uma coisa para ninguém; - Não podemos dividir algo por zero é impossível; - É igual a zero, pois não há divisão, portanto não existe; - O resultado deu zero, porque se eu tenho uma maçã, eu só posso dividir essa maçã com outra pessoa; - Em primeiro lugar, porque a calculadora acusa e em segundo, se eu não tenho ninguém para dividir, vai ser zero, ou seja, eu não tenho ninguém para dividir. Todos os alunos que recorreram a calculadora colocaram zero, mesmo aparecendo ao lado direito do visor o zero e ao esquerdo o E, que os alunos não perceberam ou se perceberam acharam insignificante. 43 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na implementação desta proposta para o ensino da trigonometria, podemos afirmar que o conhecimento somente será internalizado se ele for significativo para o sujeito (aluno). Procuramos estabelecer relações entre o conhecimento que os alunos possuem e os conceitos básicos e relevantes da trigonometria. Além disso, propiciamos a apropriação das significações dos conceitos envolvidos, por meio de atividades que estimulam o pensamento reflexivo ao promovermos a participação ativa dos alunos na exploração de relações, nas perguntas e nos questionamentos. Mesmo com o entendimento geométrico de alguns conceitos, uma questão da qual chamou nossa atenção, foram às várias justificativas que os alunos descreveram em relação ao “não existe”. Por exemplo, quando a abertura do ângulo é zero o cateto oposto não existe, é zero. Tudo bem que esse zero significa a localização no ciclo trigonométrico, mas se tirá-lo do ciclo?ou seja, se levarmos para as relações no triângulo retângulo. Para ser triângulo tem que ter três lados e três ângulos, então existem triângulos para os ângulos de zero e noventa? Essas interrogações só ocorreram como conseqüência da realização da presente pesquisa. Eles não haviam apresentado nem durante a nossa vida como estudante e nem profissional. Isso significa dizer que as atividades ou o modo como conduzimos as aulas propiciaram aprendizagem, não só para os alunos como também para nós. Tal 44 afirmação é respaldada pela reafirmação de nossa concepção de aprendizagem como: apropriação de significados e dar sentido as idéias elaboradas. Isso significa dizer que a aprendizagem é processo que envolvem certezas, dúvidas, erros e obstáculos a serem superados. Diante dessa compreensão vale trazer à tona, um aspecto fundamental da pesquisa. Algumas situações que levam os alunos a concluírem que 1 = 0 são: 0 Quando a abertura do ângulo é zero grau e o cateto oposto não existe, portanto é zero. Quando a abertura do ângulo é noventa graus e o cateto adjacente não existe, portanto é zero. Portanto, a maioria dos alunos que colocaram zero como resposta, concebiam-no como: Não existe; Impossibilidade; Elemento neutro. Embora as respostas não sejam as corretas cientificamente, mesmo assim elas revelam, que os alunos estão em processo de elaboração conceitual. Também nos dá indicativos de novas ações devem ser propostas aos alunos para a superação dos equívocos conceituais. Acreditamos nesta estratégia de trabalho, pois, favorece uma relação amistosa entre alunos e professor. As maiorias dos alunos ficam motivadas e envolvidas, manifestando interesse pela descoberta das relações fundamentais dos conceitos e pela aprendizagem matemática. Contudo, há muitas lacunas a serem preenchidas, entre tantas valem ser destacadas: o aprofundamento teórico sobre aspectos epistemológicos/ pedagógicos/ psicológicos/ matemáticos. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DAMAZIO, A. O desenvolvimento de Conceitos Matemáticos no Contexto do Processo Extrativo de Carvão. Florianópolis: UFSC, 2000. Tese de Doutorado. DUARTE, Newton. A Relação entre o Lógico e o Histórico no ensino da Matemática Elementar. São Carlos: UFSCAR,1987. Dissertação de Mestrado. FIORENTINI,Dario. Alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemática no Brasil.Revista Zetetiké.Campinas,n.4, 1995, p. 1-37. NACARATO,M. O Ensino de trigonometria: tendência e perspectivas. In: VI Reunión de Didáctica de la Matemática Del Cono Sur. Buenos Aires,2001. OLIVEIRA, Martha Kohl de. Vygostsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio- histórico/ Martha Kohl de Oliveira. São Paulo: Scipione, 1997. – (Pensamento e ação no magistério). SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Florianópolis. GOGEN,1998. VYGOTSKY,Lev S. A formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes,1989.