CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de
Mobilidade Urbana, Transporte e Trânsito
Brasília , Novembro de 2013
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
SUMÁRIO
O Crepop – Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas............ 3
Eixo 1 – Dimensão ético-política da área............................................................................. 6
Eixo 2 – Psicologia do Trânsito, a área em foco............................................................... 21
Eixo 3 – Desafios ante a (i)mobilidade urbana proeminente ......................................... 30
Referências ............................................................................................................................. 40
ANEXO -1- Da importância do cuidado com a dimensão humana ................................ 47
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e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
O Crepop – Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas
O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop)
é um projeto permanente do Sistema Conselhos de Psicologia que, dando
continuidade ao projeto Banco Social de Serviços em Psicologia 1, desde 2006,
sistematiza e divulga informações acerca da prática profissional da(o) psicóloga(o)
nas políticas públicas.
O objetivo deste centro é promover a ampliação e a qualificação da atuação
profissional de psicólogas(os) que atuam na esfera pública, oferecendo referências
para atuação profissional nesse campo, identificando oportunidades estratégicas de
participação da psicologia nas políticas públicas e promovendo sua interlocução com
espaços de formulação, gestão e execução em políticas públicas. Trata-se, portanto,
de uma estratégia de consolidação da presença da profissão nas políticas sociais
brasileiras.
Metodologia
Por meio da diretriz Investigação Permanente em Psicologia e Políticas
Públicas, o Crepop realiza pesquisas multicêntricas que permitem investigar
nacionalmente o fazer das(os) psicólogas(os) diante das especificidades regionais e
servem como subsídio para a produção de referências ao trabalho dessas(desses)
profissionais nas políticas públicas.
A metodologia do Crepop se divide em três circuitos: o primeiro é o
levantamento de campo, com o objetivo de delimitar o campo de investigação; o
segundo trata da investigação da prática, com a aplicação, pelas unidades do
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O Banco Social de Serviços foi um projeto do Sistema Conselhos de Psicologia, lançado em Maio
de 2003 e executado até agosto de 2005, por meio do qual a psicologia pode apresentar à sociedade
e ao Estado práticas profissionais pouco visíveis na sociedade brasileira, participando em políticas
que visavam melhorar as condições de vida em nosso país, abrindo novos canais de negociação com
o Estado sobre as demarcações e possibilidades de atuação da(o) psicóloga(o) e contribuindo na
formação dos psicólogas(os) para atuação na área social. O projeto foi desenvolvido com o
estabelecimento de parceria com órgãos públicos – ministérios, secretarias executivas, poder
judiciário – e a partir da dedicação voluntária de psicólogas(os), que escolhiam em qual dos projetos
pretendiam trabalhar, assinavam um termo de adesão ao trabalho voluntário e desenvolviam as
intervenções nas instituições parceiras do Banco Social, seguindo orientações e diretrizes do projeto
no qual se inscreveram.
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Crepop nos Conselhos Regionais, dos instrumentos definidos para o campo a ser
pesquisado; e, o terceiro, produção de referência, que consiste na elaboração do
documento de referências técnicas.
Com o objetivo de fazer com que a elaboração do documento de referências
seja um processo democrático e transparente, o circuito produção de referências
prevê a realização de consulta pública. Trata-se de uma modalidade de consulta
criada e utilizada em várias instâncias, inclusive governamentais, com o objetivo de
auxiliar na elaboração e coleta de opiniões da sociedade sobre temas de
importância. Para o Crepop, a ferramenta de consulta pública abre a possibilidade
de uma ampla discussão sobre a atuação da(o) psicóloga(o) na rede de
atendimento, permitindo a participação e contribuição de toda a categoria na
construção sobre o fazer desta(e).
A pesquisa “A atuação da(o) psicóloga(o) em Políticas Públicas de Mobilidade
Urbana, Transporte e Trânsito”
O tema a ser investigado em uma pesquisa do Crepop é eleito a partir de
determinados critérios, a saber: tradição na Psicologia; abrangência territorial;
existência de marcos lógicos e legais; e o caráter social ou emergencial dos serviços
prestados. A escolha do tema Mobilidade, Transporte e Trânsito como área de
atuação profissional de psicólogas(os) nas políticas públicas emerge de uma
demanda da categoria observada no VI Congresso Nacional da Psicologia2,
realizado em 2007. Esse tema aparece em teses do VI CNP que apontavam para o
Sistema Conselhos a necessidade de maior qualificação e orientação para a prática
nos serviços de trânsito, especialmente aqueles voltados para concessão da
Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Vale ressaltar que Mobilidade, Transporte e Trânsito é um tema de grande
relevância para o Sistema Conselhos e de pauta recorrente desde o ano 2000, com
a publicação da Resolução CFP nº 14, que institui o título profissional de especialista
em trânsito. Durante todo esse período, foram criadas comissões e realizados
eventos relacionados a essa temática – Desafios da Psicologia na Interface do
2
O Congresso Nacional da Psicologia (CNP) é a instância máxima que discute e delibera políticas
prioritárias para a gestão dos Conselhos Regionais e do Federal.
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Trânsito com a Mobilidade, em 2009; Avaliação psicológica no trânsito, em 2010.
Tais ações incentivaram o debate sobre a atuação da Psicologia nesse campo e
culminaram com a realização do Seminário Psicologia do Trânsito em Trânsito pelo
Brasil, em 2012, e a publicação do relatório desse evento, em 2013.
A pesquisa do Crepop “A atuação da(o) psicóloga(o) em Políticas Públicas de
Mobilidade Urbana, Transporte e Trânsito” foi realizada em 2009 e contou com a
utilização dos seguintes instrumentos: questionário disponibilizado online, reuniões
específicas, grupos fechados, entrevistas e questionários. À época da pesquisa,
existiam 17 unidades regionais do Crepop, tendo cada uma delas conduzido a
investigação em seu território de abrangência.
O questionário online foi respondido por 221 pessoas. Nas reuniões, grupos,
entrevistas e questionários realizados pelas unidades regionais foi registrada a
participação de cerca de 275 pessoas, entre psicólogas(os), outras(os) profissionais
atuantes no campo e gestoras(es).
É necessário destacar a predominância, entre as(os) psicólogas(os) que
participaram da pesquisa, a atuação na avaliação psicológica – 76,7% dos
respondentes do questionário online disseram desenvolver atividades voltadas para
exame de avaliação psicológica para obtenção de CNH. Fato que se relaciona aos
principais desafios apontados para o trabalho nesse campo, quais sejam: a inserção
de psicólogas(os) em outras áreas da Política Pública de Mobilidade Urbana,
Transporte e Trânsito e a necessidade de políticas públicas locais que possam
responder a demandas de cada município relacionadas a essa temática.
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e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Eixo 1 – Dimensão ético-política da área
Discutir Psicologia e Políticas Públicas de Mobilidade Urbana, Transporte e
Trânsito pressupõe analisar a relação entre esses elementos. Mas, que relação?
Que política? E que psicologia? Essas perguntas dão indício da nossa difícil tarefa
neste eixo 1, e nortearão a exposição. Ainda que enveredemos em uma análise
parcial, aceitamos o desafio de contribuir com a reflexão dos nossos colegas
psicólogos sobre o seu fazer e os aspectos sociais e políticos que nele interferem.
Aqui, propomos uma pausa para uma importante reflexão. Os(as) leitores(as)
devem ter observado que a proposta inicial do Centro de Referência Técnica em
Psicologia e Políticas Públicas (Crepop) foi de construir um caderno de Referências
técnicas para a prática de psicólogos(as) em Políticas de Mobilidade Urbana,
Trânsito e Transporte. Só que no desenvolvimento da pesquisa online, nos marcos
lógico-legais e em toda discussão que ora se apresenta, o(a) leitor(a) irá perceber
que a atividade principal dos profissionais da área está na avaliação psicológica de
motoristas, portanto, na política de habilitação de condutores. Tal prática é
reconhecida em lei e arriscamos dizer, a partir do que nos foi apresentado como
respostas dos participantes, que a área da avaliação psicológica de motoristas é,
ainda, a área de maior concentração de psicólogos(as) do trânsito. Nesse sentido, o
grupo que se reuniu com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), por meio do
Crepop, sugere uma mudança na nomenclatura da referência, que ela possa ser
substituída, desde que autorizado pelos participantes das consultas públicas, por
Referências técnicas para a prática de psicólogos(as) na política pública de
habilitação de condutores. Ficará claro, durante a leitura dessa referência, que
mesmo a proposta sendo da investigação de prática profissional de psicólogos(as)
na política de mobilidade urbana, o que foi dado como respostas foram referências
às práticas da área de avaliação de motoristas. Para esse grupo ad hoc, o mais
correto é adequar o nome da referência e aproveitar a riqueza das respostas ao
invés de manter um título que não condiz com o conteúdo e gerar uma polêmica
desnecessária. O ideal é, a partir desse constructo, discutir a necessidade de outra
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referência, provavelmente para os gestores, que traga o dialogo entre a Psicologia e
a mobilidade urbana, apontando possíveis caminhos a serem descobertos.
Começaremos, então, discutindo (1) “Que política?”, buscando identificar as
necessidades sociais expressas em uma variedade de políticas, leis, resoluções,
dentre outros marcos legais referentes à mobilidade urbana, isto é, a “interação dos
deslocamentos de pessoas e bens com a cidade” (BRASIL, Lei 12.587/2012, p. 1).
As demandas (possíveis) decorrentes, reais e potenciais para a psicologia e o
psicólogo serão abordadas a partir da pergunta (2) “Que psicologia?”. Em seguida,
discutiremos (3) “Que relação?”, tentando caracterizar a natureza dessa articulação,
isto é, a que temos e/ou queremos ter. Por fim, as implicações para a Psicologia são
discutidas.
1. Que política?
No alvorecer do século passado, os primeiros automóveis e caminhões
começaram a transitar no Brasil, esboçando um novo modelo de deslocamento que
se tornaria hegemônico nas cidades, baseado no transporte rodoviário. O
surgimento deste paradigma, isto é, de pensar os deslocamentos na cidade, não
aconteceu sem razão: foi fruto de uma série de fatores econômicos, políticos e
sociais atuantes. Dessa forma, além do apelo simbólico do automóvel, relacionado
ao status, poder e prestígio que ele proporcionava. A mudança ocorreu também por
opções de políticas urbanas na esfera federal e estadual, assim como da pressão
das
elites
da
época
que
apoiavam a
indústria
automobilística
do
país
(LAGONEGRO, 2008). Com isso, as cidades se expandiram e foram sendo
“moldadas” por vias calçadas ou asfaltadas; as pessoas foram morar cada vez mais
longe do trabalho; os órgãos de trânsito, por sua vez, se (re)organizaram para dar
conta de gerenciar o crescente volume de veículos e de habilitações; as sinalizações
viárias começaram a fazer parte das paisagens e das rotinas dos usuários do
trânsito.
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O que vemos hoje, todavia, nem sempre foi assim. A locomoção nas cidades
era feita de outras maneiras; andava-se muito de bondes e trens, e muito pouco de
ônibus e automóvel (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - Ipea,
2010). No interior, por sua vez, andava-se de charrete, cavalo e bicicleta. Essas
formas de locomoção, então, foram sendo gradativamente substituídas pelo uso em
massa do automóvel e, recentemente, de maneira mais intensa, pelo uso da
motocicleta. A título de exemplo, muitas cidades do interior, atualmente, têm pistas
asfaltadas para dar suporte à frota de veículos cada vez maior. As motos, inclusive,
substituíram os cavalos, burros e jumentos usados pelos homens do campo para
tanger o gado, evidenciando que parece ser mais barato pôr gasolina e revisar a
motocicleta do que comprar a ração e cuidar do animal.
Essa expansão do transporte motorizado no Brasil produziu sérios problemas
de segurança e saúde pública decorrentes dos acidentes de tráfego que, já na
década de 1940, começaram a se transformar em preocupação (ANTIPOFF, 1956).
Em busca de solução, as autoridades desenvolveram e implementaram medidas
para tentar barrar ou diminuir tal revés que não tinha precedentes. Afinal, esse era
um problema novo para a época. As primeiras políticas públicas de segurança no
trânsito começaram, então, a ser articuladas (veremos alguns exemplos na próxima
seção)3. Além disso, as várias áreas do saber começaram a ser convocadas a
colaborar com a árdua tarefa de evitar a acidentalidade, seja: (1) na concepção,
adoção ou implementação de normas e códigos de conduta no trânsito; na sua
fiscalização, por meio de convênios com a polícia; (2) no planejamento e na
intervenção junto às vias a partir da engenharia (e.g., instalação de sinalização
vertical e horizontal); e (3) como também na seleção e formação de motoristas e de
cidadãos para conviver no trânsito, com os assistentes sociais, médicos e,
posteriormente, nós psicólogos.
3
O Portal de Psicologia do Trânsito (Portalpsitran) pode ser utilizado para acessar diversas
publicações técnicas e científicas relacionadas a essa temática: www.portalpsitran.com.br
A leitura de Souza (2006) pode ser interessante para uma revisão sobre o tema Política Pública (PP)
no âmbito geral. O artigo aborda o conceito de PP; como e por que surgiu a área de PP; o papel dos
governos, das instituições e regras na decisão e avaliação da PP; além de modelos de formulação e
análise de PP.
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Essa breve caracterização da evolução dos transportes no Brasil nos oferece
elementos para identificar muitas demandas sociais para as diversas áreas do
saber, dentre elas a Psicologia.
1.1 Avaliação
psicológica
de motoristas na década de 1940 e anos
subseqüentes
A primeira legislação de trânsito em nosso país data de 1910. Temos,
portanto, mais de 100 anos de regulamentações nesse contexto, muitas delas com
foco exatamente na segurança viária (Departamento Nacional de Trânsito Denatran, 2010).
Um dos primeiros marcos legais que estabeleceu as bases para a futura
prática do psicólogo foi o Decreto-Lei n° 2.994, de 28 de janeiro de 1941, que
instituiu o nosso primeiro Código Nacional de Trânsito. De acordo com ele, o futuro
motorista deveria se submeter aos exames fisiológico ou médico, propriamente dito,
e psicológico. O candidato poderia ser “recusado” por não apresentar o mínimo perfil
psico-fisiológico exigido. A partir daí, vieram outros códigos e foram instituídos
decretos-lei, leis e resoluções que, de alguma forma, impactaram a sociedade e a
psicologia, como não poderia ser diferente.
No Brasil, tivemos ao todo três códigos de trânsito (ver Tabela 1, para
visualizar um breve histórico dos Códigos de Trânsito instituídos e suas alterações).
Tabela 1
Histórico dos Códigos de Trânsito Instituídos no Brasil e suas Alterações
Presidência da República
Código
de
(1941)
Nacional
Trânsito
Decreto-lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941: Institui o Código Nacional de
Trânsito;
Decreto-lei nº 3.651, de 25 de setembro de 1941: Dá nova redação ao Código
Nacional de Trânsito;
Decreto-lei nº 9.545, de 05 de agosto de 1946: Dispõe sobre a habilitação e
exercício da atividade de condutor de veículos automotores ;
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Código
de
Nacional
Trânsito
(1966)
Código
Lei nº 5.108, de 21 de setembro de 1966: Institui o Código Nacional de Trânsito;
Decreto nº 86.714, de 10 de dezembro de 1981: Promulga a Convenção sobre
Trânsito Viário. O Brasil aderiu à Convenção sobre trânsito viário de Viena;
de
Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997: Institui o Código de Trânsito Brasileiro;
Trânsito
Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998: Dispõe sobre legislação de trânsito e dá
Brasileiro (1997)
outras providências (com a queda do veto, esta lei inclui novamente a
obrigatoriedade da avaliação psicológica no processo de habilitação);
Lei nº 10.350, de 21 de dezembro de 2001: Altera a Lei nº 9.503, de 23 de
setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, de forma a obrigar a
realização de exame psicológico periódico para os motoristas profissionais .
Fonte: Tabela organizada pela Comissão Ad-hoc de especialistas do CFP.
A promulgação do atual Código de Trânsito Brasileiro, em 1997, foi outro
marco legal relevante. A repercussão social do “novo” código foi tão forte que se
verificou uma queda na taxa de acidentes nos anos seguintes à sua implantação
(FUNDAÇÃO
GETÚLIO
VARGAS
–
FGV,
2007).
Porém,
antes
de
sua
regulamentação, quando ainda era um projeto de lei, existiu um fato que mexeu com
a categoria de psicólogos. O então Presidente da República Fernando Henrique
Cardoso vetou o artigo que indicava a obrigatoriedade do exame psicológico ao
candidato à habilitação. Isso gerou uma forte mobilização e articulação política do
Conselho Federal de Psicologia e seus Regionais, garantindo que o veto fosse
derrubado, demonstrando a força política das (os) psicólogas (os).
Com a queda do veto, entrou em vigor a Resolução do Conselho Nacional de
Trânsito (Contran) n° 51, de 21 de maio de 1998, que dispunha sobre os exames de
aptidão física e mental e os exames de avaliação psicológica. Foi exigido aos
psicólogos que fizessem o Curso de Capacitação para Psicólogo Perito Examinador,
com carga-horária de 120 horas (ver Tabela 2, para visualizar um breve histórico das
resoluções do Contran que incidem no trabalho do psicólogo perito em trânsito).
Essa Resolução foi alterada, posteriormente, pela Resolução Contran n° 80/1998,
que estabeleceu novos elementos a serem avaliados pelo psicólogo. Além disso, a
avaliação psicológica passou a ser exigida nos casos de mudança de categoria de
habilitação, quando, por exemplo, um candidato quer mudar da motocicleta (A) para
o automóvel (B). Os cursos de capacitação continuaram sendo exigidos, sendo
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requerida, também, experiência mínima de um ano com avaliação psicológica. A
resolução estabeleceu a criação de uma junta especial de saúde para avaliar as
solicitações dos candidatos considerados inaptos.
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Tabela 2
Histórico das Resoluções que Incidem no Trabalho do Psicólogo Perito em Trânsito
Conselho Nacional de Trânsito (Contran)
Res. nº 51, de 21
Dispõe sobre os exames de aptidão física e mental e os exames de avaliação
de maio de 1998
psicológica a que se refere o inciso I, do art. 147 do Código de Trânsito Brasileiro
e os §§ 3º e 4º do art. 2º da Lei 9.602/98;
Res. nº 80, de 19
Altera os Anexos I e II da Res. no 51/98-CONTRAN, que dispõe sobre os
de novembro de
exames de aptidão física e mental e os exames de avaliação psicológica;
1998
Res. nº 168, de
Estabelece Normas e Procedimentos para a formação de condutores de veículos
14 de dezembro
automotores e elétricos, a realização dos exames, a expedição de documentos
de 2004
de habilitação, os cursos de formação, especializados, de reciclagem e dá outras
providências;
Res. nº 267, de
Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o
15 de fevereiro de
credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e
2008
§§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro;
Res. nº 283, de
Altera a Res. nº 267, de 15 de fevereiro de 2008, do CONTRAN, que
01 de julho de
dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o
2008
credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e
§§ 1º e 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB;
Res. nº 300, de
Estabelece procedimento administrativo para submissão do condutor a novos
04 de dezembro
exames para que possa voltar a dirigir quando condenado por crime de trânsito,
de 2008
ou quando envolvido em acidente grave, regulamentando o art. nº 160 do Código
de Trânsito Brasileiro.
Fonte: Tabela organizada pela Comissão Ad-hoc de especialistas do CFP.
Concomitantemente no âmbito da profissão, o Conselho Federal de
Psicologia (CFP) promoveu em 1999, um importante debate para pensar sobre os
seus rumos na área de trânsito, o I Fórum Nacional de Psicologia do Trânsito, cujo
objetivo era elaborar diretrizes para as políticas e normatizações internas na área. A
articulação entre psicologia e políticas públicas de trânsito e transporte começou a
ser institucionalizada explicitamente, levando em conta especialmente o potencial da
área em planejamento urbano e educação (CFP, 2000).
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
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Ainda
que
essa
proposta
não
represente
efetivamente
as
práticas
consolidadas da maior parte dos psicólogos, ela tem um valor pedagógico
importante para indicar aos estudantes e profissionais o que se pode fazer, além da
tradicional avaliação psicológica de candidatos à Carteira Nacional de Habilitação
(CNH), como forma de participação em política pública.
Em fevereiro de 2008, o Contran aprovou a Res. n° 267/08, atualmente em
vigor, alterada pela Res. Contran n° 283/08. Tal alteração foi feita em apenas um
artigo (Art. 18), sendo que os demais continuam em voga, e estabelece que, para se
credenciar, o psicólogo deverá ter, no mínimo, dois anos de formado e o título de
especialista em Psicologia do Trânsito. Esta última exigência está prevista para
entrar em vigor em 15 de fevereiro de 20134. Atento às mudanças, o CFP lançou a
Res. nº 007/2009, instituindo normas e procedimentos para a avaliação psicológica
no trânsito (Ver Tabela 3).
Tabela 3
Histórico de Resoluções do CFP Referentes à Avaliação Psicológica em Motoristas
e Avaliação Psicológica de Modo Geral
Conselho Federal de Psicologia
Avaliação psicológica em motoristas
Res.
nº
012/2000
Institui
o
Manual
Avaliação psicológica de modo geral
para
Avaliação
Psicológica de candidatos à CNH e
Res.
nº
025/2001
condutores de veículos automotores;
Define teste psicológico como
método de avaliação privativo
do psicólogo e regulamenta sua
elaboração,
comercialização e
uso;
Res.
007/2009
nº
Revoga a Res.
publicada
no
CFP
nº
012/2000,
DOU do dia 22 de
Res.
n°
002/2003
Define e regulamenta o uso, a
elaboração e a comercialização
dezembro de 2000, Seção I, e institui
de testes psicológicos e revoga
normas
a Res. CFP Nº. 025/01;
e
procedimentos
para
a
avaliação psicológica no contexto do
Trânsito;
4
Discute-se, atualmente, dentro da Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente do Contran, uma
alteração desse prazo, ampliando-o para 2015. Contudo, ainda não existe qualquer alteração formal
da normativa.
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Res.
nº
009/2011
Altera
a
Res.
CFP
nº
007/2009,
publicada no DOU, Seção 1, do dia 31
Res.
nº
Altera a Res. CFP n.º 002/2003;
006/2004
de julho de 2009;
Res.
nº
016/2002
Dispõe acerca do trabalho do psicólogo
Res.
nº
na avaliação psicológica de candidatos
005/2012
Altera a Res. CFP n.º 002/2003,
que define e regulamenta o uso,
à Carteira Nacional de Habilitação e
a
elaboração
condutores de veículos automotores;
comercialização
e
de
a
testes
psicológicos.
Res.
nº
006/2010
Altera a Res. CFP Nº 016/2002. Dispõe
acerca do trabalho do psicólogo na
avaliação psicológica de candidatos à
Carteira
Nacional
de
Habilitação
e
condutores de veículos automotores
Nota
Nota técnica sobre atenção;
técnica
nº
001/2011
Fonte: Tabela organizada pela Comissão Ad-hoc de especialistas do CFP.
Existem outros documentos importantes que a (o) psicóloga (o) do trânsito
deve conhecer e que, de certa forma, expressam as políticas do CFP para a área ou
dão subsídios para suas futuras formulações (e.g., relatórios e textos geradores de
discussão), conforme a Tabela 4.
Tabela 4
Outros Documentos Importantes Sobre a Prática da Avaliação Psicológica
Conselho Federal de Psicologia
Pesquisa exploratória sobre o processo de avaliação psicológica para a obtenção da carteira
nacional de habilitação (CFP, 2006);
Cartilha sobre a avaliação psicológica (CFP, 2007);
Avaliação psicológica: Diretrizes na regulamentação da profissão (2010);
Ano da avaliação psicológica: Textos geradores (2011).
Fonte: Tabela organizada pela Comissão Ad-hoc de especialistas do CFP.
Em resumo, vimos nesta seção alguns exemplos de políticas públicas de
habilitação de motoristas que visaram a segurança no trânsito, na Psicologia e no
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
trabalho cotidiano dos(as) psicólogos(as)5. Temos clareza de que a avaliação
psicológica de motoristas não está diretamente relacionada à segurança no trânsito,
mas sim à necessidade de verificar quem possui minimamente um “perfil” adequado
ao exercício da condução segura. Tal como veremos no eixo 3. A seguir,
discutiremos outra demanda social para a nossa profissão, na qual a mobilidade é
um dos elementos fundamentais, a qualidade de vida urbana.
1.2 Que psicologia?
O papel do psicólogo durante muito tempo permaneceu – como ainda hoje
permanece – associado exclusivamente à demanda por segurança no trânsito.
Inicialmente, o motorista foi, e ainda é, o principal foco de intervenção por meio da
aplicação de instrumentos e técnicas psicológicas. Os comportamentos de risco do
motorista, a sua propensão ou não a se envolver em acidentes, também foram alvos
de estudos e intervenções (CAMPOS, 1978a, b).
Para uma atuação qualificada, foi necessário, na década de 1950, que a
psicologia desenvolvesse pesquisas para fundamentar a sua prática e para
responder à demanda social de tentar ajudar as autoridades a “garantir” a segurança
no trânsito. Nessa época, as indagações eram: O que avaliar? Como medir? Quais
os parâmetros? É o que sabíamos ou podíamos fazer à época com os
conhecimentos de que dispúnhamos.
A história nos conta que começamos a enfrentar as primeiras críticas nessa
tarefa, sendo relacionadas, por exemplo, ao seu elevado custo e ao prejuízo
causado com o afastamento do motorista do seu meio de vida, sem direito ao
recebimento de aposentadoria, quando considerados inaptos (VIEIRA, PERERIRA &
CARVALHO, 1953).
5
Não foi objetivo explicitar todas elas, nem analisar com profundidade seus impactos, o que vai além
do escopo deste trabalho. Para isso, recomendamos a publicação de outros trabalhos com esse
propósito, a exemplo do que tem sido feito com as políticas sobre álcool e direção (NASCIMENTO &
GARCIA, 2009) ou em outras áreas da Psicologia (e.g., YAMAMOTO & OLIVEIRA, 2010).
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
A resposta à questão “Que psicologia?” passa pela análise da natureza dos
problemas oriundos da mobilidade urbana e do quão bem conhecemos as teorias e
conceitos das diversas áreas da Psicologia (social, ambiental, cognitiva etc.).
Dificilmente
responderemos
às
demandas
sociais
provenientes
dos
congestionamentos, por exemplo, em uma abordagem individualizada, evidenciando
o limite do paradigma da avaliação psicológica usada na habilitação, isto é, a sua
não aplicabilidade. Se quisermos desenvolver ações mais amplas, temos de buscar
entender os aspectos psicológicos dos problemas associados ao trânsito, ao
transporte, ao deslocamento e consequentemente da mobilidade urbana. Ou seja,
precisamos de uma atuação mais contundente no que tange à formulação,
implementação e avaliação das políticas públicas de transporte e trânsito.
Outros
conceitos
têm
subsidiado
conhecimentos
relevantes
para
a
implementação e eficácia das políticas de gerenciamento do trânsito em países da
Europa, América do Norte e da Ásia, principalmente nos últimos dez anos
(GÄRLING, GÄRLING, & LOUKOPOULOS, 2002). As medidas podem variar desde
a elaboração de campanhas de publicidade à orientação na construção de
infraestrutura de transporte urbano. A título de exemplo, eis alguns temas de
pesquisa e intervenção sobre aspectos da mobilidade que têm sido estudados pelo
mundo a fora, com potencial para ser desenvolvido e/ou aprofundado também no
Brasil, conforme sugerem Silva e Günter (2009b), ver Tabela 5.
Tabela 5
Temas de Pesquisa e Intervenção em Mobilidade no contexto Internacional
Temas

Identificar o impacto das mudanças na estrutura viária e de transporte no aumento ou
diminuição do uso do transporte público;

Avaliar o nível de satisfação dos usuários com os serviços de transporte coletivo, assim como
os aspectos que o influenciam;

Prever o comportamento de uso do transporte público ou da bicicleta (atitude, hábito,
possíveis diferenças de gênero etc.);

Elaborar campanhas para estimular a adoção de modos de transporte sustentáveis,
buscando conhecer as características dos indivíduos que provavelmente seriam melhores
16
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
alvos;

Identificar possíveis soluções estruturais para os congestionamentos nas cidades a partir da
ótica dos usuários (e.g., conhecer a vontade das pessoas que viajam de carro de casa para o
trabalho para financiar melhorias no transporte público);

Compreender
a
efetividade,
aceitabilidade
e
viabilidade
política
de
estratégias
de
gerenciamento da demanda de viagens para reduzir o uso do carro particular, especialmente
de cobrança de taxas para o trânsito de automóveis;

Conhecer as barreiras psicológicas das pessoas em relação às tentativas para reduzir a
utilização do automóvel ou para mudar para o transporte público;

Prever possíveis consequências psicológicas da redução do uso do carro;

Investigar padrões de deslocamentos diários, potencial para mudanças e motivadores que
afetam decisões dos diversos usuários (e.g., universitários, trabalhadores) nos seus
deslocamentos;

Estudo do hábito de optar sempre por um modo de trans porte (e.g., o carro, ainda que seja
para distâncias muito curtas).
Fonte: Tabela organizada pela Comissão Ad-hoc de especialistas do CFP.
1.3 Que relação?
Após caracterizarmos as políticas como expressão das demandas sociais e a
atuação do psicólogo frente a elas, é oportuno pensarmos agora sobre a natureza
dessa relação. Podemos analisar a questão sobre o seguinte prisma: a relação que
temos e a que queremos ter ao oferecer respostas à sociedade.
No caso das políticas de habilitação, a relação que temos coloca, muitas
vezes, a Psicologia em um lugar de atender às expectativas geradas a partir de
estereótipos de quem é o psicólogo e o que ele faz, isto é, que apliquem testes
psicológicos em motoristas. Um exemplo disso, foi a inserção do(a) psicólogo(a) nos
Departamentos Estaduais de Transito (Detrans) na década de 1960, que expressou
mais uma demanda social/institucional a partir da criação dos departamentos de
psicotécnica desses órgãos, do que uma articulação política da psicologia, uma vez
que a profissão havia sido recém-regulamentada em 1962.
Isto não ocorre sem razão. No seio dos Detrans, os(as) psicólogos(as) do
trânsito construíram seu espaço, a sua forma de atuar, enfim, a sua identidade
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
profissional. Esse percurso parece sugerir, então, que a relação que temos com a
política pública de trânsito ocorre mais de cima para baixo do que o contrário, isto é,
lidamos mais na execução delas do que na sua formulação.
O movimento de baixo para cima, ou seja, de algo que surge a partir da
Psicologia e atinge a formulação de políticas pública de mobilidade urbana,
transporte e trânsito, já existiu em algumas situações, como no caso da queda do
veto presidencial discutido anteriormente. Isso pode ser considerado um indício do
potencial da Psicologia para fazer valer suas propostas.
Existem outros exemplos para ilustrar nossa colaboração enquanto gestores
ou consultores na elaboração e/ou implementação de políticas públicas. Temos
conhecimento
de psicólogos(as) que atuaram/atuam junto ao Departamento
Nacional
Trânsito
de
(Denatran), especialmente
na
Coordenação-Geral de
Qualificação do Fator Humano no Trânsito; às câmaras temáticas do Contran (e.g.,
Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente, onde o Conselho Federal possui
representação atualmente, e a Câmara Temática de Educação para o Trânsito e
Cidadania, onde o CFP já possuiu representação entre 2003 e 2007); e junto à
direção de órgãos municipais e estaduais de trânsito (e.g., Detran do Distrito
Federal, quando, na década de 1990, o psicólogo Luis Miura, então diretor desse
órgão, articulou o movimento de implantação da fiscalização eletrônica e faixas de
pedestres que diminuiu as mortes e iniciou a cultura de parar antes da faixa, modelo
para todo o Brasil ainda hoje). Há, ainda, profissionais que têm colaborado na
produção de conhecimento para subsidiar políticas públicas para inibir o uso de
álcool e outras drogas por motoristas (CUBAS, 2009; PECHANSKY, DUARTE, & DE
BONI, 2010). EsSes foram alguns exemplos que indicam que existe a possibilidade
e a capacidade para agirmos de maneira mais sistemática na formulação, gestão e
avaliação de políticas públicas de mobilidade urbana, transporte e trânsito, tentando
inclusive anteciparmo-nos às demandas sociais, ou seja, propor ações antes mesmo
que algo se torne um “problema”.
Conforme discutido neste eixo, a Psicologia do Trânsito está estritamente
ligada à política de habilitação de condutores e muito pouco atua com as políticas de
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
qualidade de vida urbana e transporte. É forçoso reconhecer que, se outrora, no
início do século XX, enveredamos pela segurança no trânsito (era preciso separar o
“bom” do “mau” motorista), e, hoje, continuamos fazendo parte dessa política, é
imperativo ampliarmos agora nosso horizonte para enfrentar novos desafios, abertos
às novidades e devidamente capacitados. Nesse sentido, é importante pensarmos
coletivamente a respeito da relação que temos e/ou queremos ter com essas
políticas – como parece ser este o caso com a elaboração desta referência técnica –
, a fim de ajustarmos o movimento político da Psicologia em direção ao nível de
relação mais próxima do que acreditamos ser a desejada. Em geral, em nossa área,
em se tratando de políticas públicas, reagimos mais às mudanças do que as
provocamos. Também deve ser pensado como construir ou modificar essa relação
rumo ao nível desejado.
Resumindo, desde o início, o trabalho da (o) psicóloga (o) no contexto do
trânsito por meio da avaliação de condutores tem sido orientado por decretos-lei,
leis, resoluções e portarias provenientes de várias instituições com vistas à
concretização da Política Nacional de Trânsito. Nos Detrans e nas clínicas, a
Psicologia construiu o seu espaço e segue seu itinerário, cujas bases foram
lançadas na década de 1940, época do primeiro código de trânsito (C RISTO, 2011;
SILVA & GÜNTHER, 2009a). A vocação do psicólogo, salvo algumas exceções,
parece ser a de executar, na linha de frente, habilitação de motoristas junto com os
centro de formação de condutores.
Finalizamos
o
eixo
1, discutindo
três
elementos
que
consideramos
importantes para a atuação do psicólogo nas políticas públicas de mobilidade
urbana, transporte e trânsito (“Que política?”, “Que psicologia” e “Que relação”). A
partir disso, buscamos identificar as necessidades sociais expressas nas diversas
políticas, assim como as demandas decorrentes (reais e potenciais) para a
Psicologia e o nosso trabalho no dia a dia. Sugerimos que essa relação deve estar
clara para podermos avaliar se a que temos é a que, de fato, queremos ter.
Esperamos, assim, ter proporcionado reflexões úteis para você. Mas, na prática,
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
como tem sido a atuação do psicólogo no âmbito dessas políticas? Essa e outras
questões serão discutidas no próximo eixo.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Eixo 2 – Psicologia do Trânsito, a área em foco
Neste eixo, discute-se o papel do psicólogo que atua na área do trânsito,
notadamente nos serviços específicos ligados ao tema. Para isso, em um primeiro
momento, será definida a área, apresentando o amplo contexto das possibilidades
de atuação. Posteriormente, será analisada a situação histórica e atual da (o)
psicóloga (o) do trânsito no Brasil e, por fim, novos desafios para a área serão
propostos.
A Psicologia do Trânsito, entendida “como uma área da Psicologia que
estuda, por meio de métodos científicos válidos, os comportamentos humanos no
trânsito e os fatores e processos externos e internos, conscientes e inconscientes
que os provocam ou os alteram” (ROZESTRATEN, 1988, p.9), tradicionalmente, tem
seu foco de atuação na avaliação psicológica no processo de obtenção, renovação,
mudança ou adição de categoria da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Em que pese essa tradição do profissional da área no Brasil, o campo de
atuação do psicólogo deveria ser considerado em todo o seu potencial de
abrangência. Nesse sentido, o Conselho Federal de Psicologia, na Resolução nº
013/2007, ao definir as especialidades a serem concedidas pela autarquia indica
uma série de atribuições do Especialista em Psicologia do Trânsito (ver Tabela 6).
Tabela 6
Atribuições do especialista em Psicologia do Trânsito
Atribuições

Procede ao estudo no campo dos processos psicológicos, psicossociais e psicofísicos
relacionados aos problemas de trânsito;

Realiza diagnóstico da estrutura dinâmica dos indivíduos e grupos nos aspectos afetivos,
cognitivos e comportamentais;

Colabora na elaboração e implantação de ações de engenharia e operação de tráfego;

Desenvolve ações socioeducativas com pedestres, ciclistas, condutores infratores e outros
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
usuários da via;

Desenvolve ações educativas com: diretores e instrutores dos Centros de Formação de
Condutores, examinadores de trânsito e professores dos diferentes níveis de ensino;

Realiza pesquisas científicas no campo dos processos psicológicos, psicossociais e
psicofísicos, para elaboração e implantação de programas de s aúde, educação e segurança
do trânsito;

Realiza avaliação psicológica em condutores e candidatos à carteira de habilitação;

Participa de equipes multiprofissionais no planejamento e realização das políticas de
segurança para o trânsito;

Analisa os acidentes de trânsito, considerando os diferentes fatores envolvidos para sugerir
formas de evitar e/ou atenuar as suas incidências;

Elabora laudos, pareceres psicológicos, relatórios técnicos e científicos; desenvolve estudos
sobre o fator humano para favorecer a elaboração e aplicação de medidas de segurança;

Elabora e aplica técnicas de mensuração das aptidões, habilidades e capacidades
psicológicas
dos
condutores
e
candidatos
à
habilitação,
atuando
em
equipes
multiprofissionais, para aplicar os métodos psicotécnicos de diagnóstico;

Dialoga
com
os
profissionais
da
área
médica
e
da
educação
(instrutores
/professores/examinadores) por meio de estudos de caso de candidatos à Carteira Nacional
de Habilitação;

Desenvolve estudos de campo e em laboratório, do comportamento individual e coletivo em
diferentes situações no trânsito para sugerir medidas preventivas ;

Estuda os efeitos psicológicos do uso de drogas e outras substâncias químicas na situação
de trânsito; presta assessoria e consultoria a órgãos públic os e privados nas questões
relacionadas ao trânsito e transporte;

Atua como perito em exames de habilitação, reabilitação ou readaptação profissional .
Fonte: Tabela organizada pela Comissão Ad-hoc de especialistas do CFP.
Com base na Tabela 6, percebe-se que a amplitude de campos de atuação e
o que pode se esperar do profissional da área vai muito além do foco quase
exclusivo para a testagem psicológica. Isso, contudo, desde os primórdios, vem
representando prioritariamente a atuação desse profissional no Brasil.
Vários fatores colaboram para que essa tradição seja mantida, mas as causas
principais talvez sejam que a própria prática nasceu do processo avaliativo, quando,
no ano de 1951, o Departamento Estadual de Trânsito do Rio de Janeiro realizou a
contratação de psicólogos com o objetivo de estudar o comportamento dos
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
condutores e diminuir os acidentes de trânsito. Por sua vez, em 1953, o Conselho
Nacional de Trânsito determinou que todos os candidatos à profissão de motorista
se submetessem ao exame psicotécnico (antiga denominação da atual avaliação
psicológica pericial). Em 1962, esse exame tornou-se obrigatório para todos os
candidatos à obtenção da CNH, em um processo semelhante ao que ocorre nos dias
de hoje.
Em que pese às disposições da Res. CFP nº 007/2009, uma boa parcela das
(os) psicólogas (os) que trabalha com avaliação para CNH percebem ou relatam
sobre o seu trabalho como sendo de realização de entrevista, aplicação de testes
(individuais e/ou coletivos) e devolutiva, quando necessário, segundo relato dos
informantes. Nesta mesma pesquisa, alguns psicólogas(os) alegam que fazem
pesquisa, referindo-se à “aplicação de testes psicológicos para pesquisa em relação
à melhoria do trânsito”. Todavia, ainda precisa ser demonstrado de que forma estão
ocorrendo as possíveis melhorias decorrentes desses estudos promovidos, ao que
parece, de forma não acadêmica.
Na área de educação, tem sido desenvolvido um trabalho que também está,
na sua maioria, relacionado ao processo de avaliação psicológica, pois o tempo
dedicado à entrevista devolutiva, muitas vezes, é visto como uma forma de processo
educativo. Nesse aspecto, a Res. CFP nº 007/2009 diz: “Fica o psicólogo obrigado a
realizar a entrevista devolutiva, apresentando de forma clara e objetiva, a todos os
candidatos, o resultado de sua avaliação psicológica”, sendo essa a única
recomendação sobre entrevista devolutiva mencionada pela Resolução. Vale
destacar que o processo de educação para o trânsito é de suma importância, porém,
assim como na questão referente às pesquisas, o profissional também parece não
conseguir olhar para a sua prática “fora” da área de avaliação psicológica e o
processo que envolve a CNH.
Dessa forma, observa-se que o trabalho das (os) psicólogas (os) em políticas
públicas de transporte e trânsito ainda é incipiente, e, no caso da mobilidade urbana,
é ainda menor, praticamente inexistente.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Por outro lado, destaca-se que cada Departamento Estadual de Trânsito
(Detran) possui um setor técnico cuja coordenação (tanto de médicos quanto de
psicólogos) é dada a um profissional da saúde. Observa-se que em muitos Detrans
esse setor é coordenado pelos profissionais da Psicologia concursados e em outros
locais
por
cargos
comissionados.
Os
coordenadores
de
Detrans,
que
operacionalizam o trabalho das clínicas ou das psicólogas (os) credenciadas (os),
usualmente, são psicólogas (os) que exercem variadas funções, que abarcam desde
a própria avaliação até a fiscalização às clínicas credenciadas. Há aqueles também
que, em conjunto com os Centros de Formação de Condutores, realizam avaliação
psicológica dos instrutores de trânsito, examinadores e diretores de ensino. Em
suma, essas colocações profissionais da Psicologia poderiam dar ensejo a ações
mais amplas do psicólogo do trânsito dentro da política pública.
Quanto às dificuldades relatadas pelos profissionais entrevistados, observa-se
uma série de desafios impostos no trabalho, que vai desde a relação com os colegas
de profissão até a relação com os órgãos responsáveis pela execução do trânsito.
Um fato que chama atenção é a quantidade de ponderações sobre as condições de
trabalho e o trabalho da (o) psicóloga (o), tais como: o salário ser incompatível com
o trabalho desenvolvido, a desvalorização do trabalho, estrutura inadequada em
algumas clínicas ou espaços de trabalho, instrumentos que não são apropriados a
todos os perfis socioculturais que se apresentam no dia a dia dessas (desses)
psicólogas (os), ou mesmo profissionais mal preparados para lidar com os
instrumentos psicológicos.
Observa-se ainda que, em 2010, a Assembléia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU) proclamou a Década de Ações para Segurança no Trânsito
mostrando ao mundo o destaque que o tema trânsito tem tomado na agenda política
mundial como nunca visto nos últimos tempos. No Brasil, ações da Psicologia
precisam ser articuladas no sentido de contribuir com esse compromisso, o que
deve ser pensado em um curto prazo. Falta à Psicologia um projeto que busque
propor ações em nível nacional, capaz de mobilizar as (os) psicólogas (os), tendo
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
em vista que o comportamento seguro dos usuários da via é um dos pilares (pilar
quatro) para ação no nível nacional do Plano Global para a Segurança no Trânsito.
Muitos desafios são colocados pelas (os) psicólogas (os) que atuam na
política de habilitação. Nas relações com os órgãos públicos responsáveis pelo
trânsito no Brasil, observam-se relatos de falta de orientação do órgão legislador de
trânsito, tais como:
a) a ausência do perfil psicológico e profissiográfico de motorista de modo a
orientar a avaliação psicológica desses motoristas (profissionais ou não);
b) a falta de cursos de atualização na área seja em educação para o trânsito,
cidadania, subjetividade, que sejam promovidos pelo órgão de trânsito; as
relações com os Centros de Formação de Condutores (CFC) que, muitas vezes,
possuem uma perspectiva de aprovação de maior número de candidatos
possível, não levando em consideração a segurança no trânsito ou a importância
de condutores melhor preparados para desenvolver essa habilidade. Alguns
CFCs antiéticos e descomprometidos com o trânsito seguro adquirem as
respostas dos testes psicológicos e mostram às (aos) seus alunas (os) para que
tenham um conhecimento prévio sobre o instrumento a ser aplicado;
c) dificuldade em demonstrar para os gestores da área de trânsito que a (o)
psicóloga (o) de trânsito pode atuar na perspectiva da saúde, da mobilidade,
epidemiologia, pesquisa, educação e cidadania, realizando outras atividades
para além da avaliação psicológica de motoristas;
d) dificuldade de trabalhar com os motoristas considerados inaptos (temporários ou
definitivos)
na
avaliação
psicológica,
pois
esses
não
entendem
os
encaminhamentos adotados pelo profissional de Psicologia, entendimento
reforçado pela postura inquisitorial, e de aprovação máxima de candidatos, dos
centros de formação de condutores e de algumas Circunscrições Regionais de
Trânsito (Ciretran). A impossibilidade de acompanhamento dos motoristas
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
considerados inaptos ou inaptos temporários também é um desafio, e esta não
está prevista como obrigatoriedade na política pública de trânsito.
Muitos respondentes ponderaram que os coordenadores de Detrans que
operacionalizam o trabalho das clínicas ou das (os) psicólogas (os) credenciadas
(os), usualmente são psicólogas (os) que exercem variadas funções, que abarcam
desde a própria avaliação até a fiscalização às clínicas credenciadas. Há aqueles
também que, em conjunto com os Centros de Formação de Condutores, realizam
avaliação psicológica dos instrutores de trânsito, examinadores e diretores de
ensino.
Em síntese, os desafios relacionam-se: (1) ao financiamento e produção de
pesquisas para estabelecimento o perfil psicológico (in)desejado do motorista, o que
deve ser estimulado a partir de articulações entre entidades profissionais e as
universidades; (2) à articulação junto às associações de autoescolas para tentar
abordar o problema do uso indevido dos testes psicológicos e as pressões feitas
pelo resultado rápido dos candidatos; (3) ao esclarecimento sobre as atividades da
(o) psicóloga (o) nas diversas instituições de trânsito e transporte, possibilitando o
rompimento com os estereótipos sobre seu papel (e.g., testólogo), e a participação
em instâncias decisivas da política pública, demonstrando, na prática a versatilidade
da Psicologia; e (4) à proposição de políticas junto aos órgãos de trânsito a respeito
dos candidatos inaptos.
2.1 Pouco investimento do setor público no trabalho social
Os gestores públicos, estaduais ou municipais, muitas vezes são pouco
capacitados em relação à demanda do trabalho social que é feito pelos profissionais
que atuam dentro das prefeituras municipais. A falta ou pouco investimento do setor
público em programas e projetos dirigidos à mobilidade urbana torna mais difícil o
trabalho educativo e formador de um trânsito/transporte eficiente, uma vez que a
obra pública se sobrepõe ao trabalho social realizado por alguns psicólogas (os) no
que tange, até mesmo, a sustentabilidade de uma comunidade.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Em relação às políticas de habitação, por exemplo, o diálogo com a equipe de
engenharia, arquitetos e outros profissionais é um importante passo na articulação
da rede local, inclusive, quando da necessidade da remoção de famílias de uma
comunidade para outra. A subjetividade presente nesse transitar, a saúde dessa
comunidade, o respeito às redes sociais formadas, a manutenção da identidade
desse grupo devem ser metas prioritárias nesse sentido.
Assim sendo, a atuação da (o) psicóloga (o) do trânsito em serviços
específicos deve sofrer mudanças, não só no que se refere à prática e
regulamentação profissional, mas também no que diz respeito a políticas públicas
que permitam a inserção, de fato, nesses serviços. Nesse contexto, algumas
medidas sugeridas são:
a) Inserção da (o) psicóloga (o) em contextos educacionais: (a) em escolas, com
projetos que apresentem interface com as diversas matérias lecionadas, a fim
de que conceitos da Psicologia do Trânsito sejam abordados nas diferentes
disciplinas; (b) em universidades, inserindo a disciplina Psicologia do Trânsito
(ou similar); (c) em parceria com organizações não governamentais e
prefeituras, no desenvolvimento de projetos voltados para a educação da
população em geral e (d) no próprio aperfeiçoamento do psicólogo do trânsito,
oferecendo formação continuada, para além do processo de avaliação
psicológica.
b) Promover o trabalho de interface do profissional psicólogo com outros
profissionais
do
ambiente
trânsito
(engenheiros,
médicos, arquitetos,
ambientalistas, antropólogos, dentre outros). Dessa forma, a formação
interdisciplinar deve ser priorizada, possibilitando ao psicólogo o acesso a
conhecimentos proporcionados por profissões afins.
c) Promover a realização e participação em projetos e grupos de pesquisa,
pensando em estudos longitudinais, que possam contribuir para identificar os
aspectos que de fato merecem atenção no processo de avaliação.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
d) Realizar parcerias com órgãos oficiais de trânsito em campanhas de
educação e prevenção de acidentes.
e) Prestar assessoria e consultoria em órgãos públicos e privados.
2.2 Diretrizes e desafios no trabalho
Como ao (o) psicóloga (o) de trânsito pode contribuir para planejar, organizar,
implementar, executar, avaliar as políticas públicas de trânsito e transporte dentro do
contexto da mobilidade urbana a partir de sua capacitação técnica específica?
A contribuição da Psicologia nesse aspecto se amplia e se torna mais
complexa na medida em que são compreendidos os processos subjetivos de ser e
estar no mundo, considerando todo o aparato que hoje se apresenta, haja vista a
arquitetura, a cidade, o espaço urbano, o deslocamento, o sujeito.
A Psicologia tem muito a contribuir na discussão sobre a subjetividade
presente no ato de transitar, de quem “passa” e de quem “vê passar”, dos
transeuntes, nas representações sociais de status, poder, virilidade e consumo, às
questões de gênero e comportamento de risco, entre tantas outras discussões
possíveis dentro da temática da mobilidade.
A (o) psicóloga (o) no papel de gestora (gestor) encontrará muitos desafios,
entre eles, nos encontros gerais, intersetoriais, dando voz à comunidade com a qual
se pretende trabalhar, convidando-a a ser protagonista da política. Também pode
atuar na mediação dos conflitos que poderão surgir, entendendo que mediar
significa expor os conflitos para que se possa chegar a um consenso na formulação
ou mesmo na implementação das políticas.
A Psicologia não pode compactuar com a ideia de que todos e todas devem
possuir a carteira de habilitação, ou um veiculo automotor (carro ou moto). Isso
gerará em curto prazo, graves transtornos socioambientais. A Psicologia precisa
estar consciente de seu papel na promoção da qualidade de vida, de discussão
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
sobre outras formas de locomoção, privilegiando o homem, o humano. O trânsito e o
transitar precisa e deve ser abordado por suas várias facetas. O trânsito é parte de
um
complexo
e
intrínseco
sistema
continuamente
e
influenciam
nosso
de
modo
variáveis
de
que
agir
no
se
inter-relacionam
ambiente, que
é
predominantemente coletivo. É um desafio político e cultural de romper com a lógica
da venda irrestrita de automóveis particulares; de romper com a ideia de que
transporte público (ônibus, trem, metrô) é para “o operário”; de promover ações em
prol do crescimento e da intervenção em políticas públicas de trânsito que visem o
bem-estar de todas (os); de promover um ambiente público percebido efetivamente
como um espaço verdadeiramente democrático e não submetido aos interesses de
montadoras ou de empresas privadas que arrecadam milhões em multas de trânsito.
Isso posto, discutiremos, no próximo eixo, esse fazer de fato e o fazer “de
direito” que ora se apresenta para a Psicologia do Trânsito brasileira.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Eixo 3 – Desafios ante a (i)mobilidade urbana proeminente
Apesar do aumento crescente no número de automóveis, 69,6% dos
deslocamentos nas grandes cidades são realizadas a pé, por bicicleta e transporte
público, tal como se pode observar no Relatório de Mobilidade Urbana 2010 6:
A maior parte das viagens foi realizada a pé e por bicicleta (40,5%),
seguidos dos meios de transporte individual motorizado (30,3%) e do
transporte público (29,1%). Quando as viagens são classificadas por porte
dos municípios, percebe-se que a participação do transporte público gira em
torno de 20%, à exceção das cidades acima de 1 milhão de habitantes, nas
quais ela atinge 36%. A participação dos autos é maior nas cidades entre
500 mil e 1 milhão de habitantes (31%), decrescendo com a diminuição da
população. As viagens a pé são sempre dominantes, mas na maioria das
vezes têm sua participação diminuída à medida que aumenta a população.
Tanto as viagens de moto como as viagens de bicicleta aumentam
significativamente nos municípios menores. Do ponto de vista da relação
entre transporte não motorizado e transporte motorizado, vê-se que o
primeiro é dominante (mais de 50% das viagens) nas cidades com
população entre 60 e 100 mil habitantes. (RELATÓRIO DE MOBILIDADE
URBANA 2010, Item 1.3. Divisão Modal, p.06)
Interessante
observar
que
a
infraestrutura
viária
urbana
privilegia
majoritariamente os automóveis particulares em detrimento de outros modais. Esse
fato nos leva a pensar que os gastos públicos são alocados em vias e configurações
urbanas que reforçam o espaço público como submetido aos interesses privados,
tanto quanto o são a saúde, educação, segurança e afins.
No relatório qualitativo do Crepop (2009), os dados expõem claramente que
as práticas psicológicas estão bem demarcadas na aplicação dos testes psicológicos
para obtenção da CNH – dentro da lógica da obtenção do automóvel particular
portanto - , ações de esclarecimento e orientações em entrevistas devolutivas,
atividades educacionais em órgãos de trânsito municipal ou estadual, algumas
poucas intervenções pontuais em áreas específicas de planejamento urbano e em
projetos vinculados à área da saúde. O maior grau de conhecimento relatado pelos
entrevistados sobre a legislação ou documentos relevantes às práticas profissionais
6
Sistema
de
Informações
da
Mobilidade
Urbana,
ANTP,
disponível
em:
http://portal1.antp.net/site/simob/Lists/rltgrl10/rltgrlc.aspx?AspXPage=g_14BE83073639449F9062D13
003765899:%2540%255Fx0069%255Fd1%3D1.
30
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
nesse campo também são relativos à avaliação psicológica para obtenção da CNH.
Dos documentos e legislação listados na pesquisa, referentes especificamente à
mobilidade urbana, apenas 25% afirmou conhecer e ter lido. Se por um lado há
poucos documentos de referência sobre mobilidade urbana no Brasil, por outro, o
que há também é pouco conhecido pelos psicólogos que afirmam atuar na área.
A análise detida sobre o assunto expõe a fragilidade e a conseqüente
necessidade de maiores esforços da Psicologia aliada a outros saberes e práticas
que possam lutar pela efetivação dos direitos e das políticas de mobilidade urgentes
para o país.
Vejamos, em 2014, o Brasil sediará a Copa do Mundo de Futebol. As cidadessede dos jogos se comprometeram em criar condições urbanas de recepção dos
visitantes, oferecendo equipamentos e serviços de segurança pública, hotelaria,
gastronomia, lazer e, sobretudo, mobilidade e acessibilidade. No entanto, tais
serviços, independentemente de se prontificarem para o evento da Copa do Mundo,
deveriam ser prioritariamente oferecidos à população do país. As condições dignas
de viver e conviver nos espaços urbanos e rurais e a garantia de melhores
condições de mobilidade, para além do urbano, precisam referir-se ao humano.
3.1 . Desafios para a psicologia do trânsito na lógica da mobilidade urbana
O trânsito se configurou em um dos campos de atuação do psicólogo desde
quando foi reconhecida como profissão, em 1962. Ainda assim, alguns psicólogos
dizem que a Psicologia do Trânsito é uma “área nova” em relação às demais áreas
da Psicologia.
Com o passar dos anos, e paralelamente às discussões sobre segurança,
também começaram a ser discutidos os problemas da mobilidade urbana, com
impacto na qualidade de vida das pessoas. As autoridades políticas e científicas de
vários países têm sugerido a adoção de políticas que visam reduzir o uso do veículo
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
particular e estimular o uso de transportes coletivos e não motorizados, a fim de
reduzir as emissões de poluentes no ar e os congestionamentos nas cidades.
Esse cenário sugere a necessária ampliação do foco de intervenções da (o)
psicóloga (o) no âmbito do trânsito e transporte, outrora preocupado exclusivamente
com o triângulo homem, veículo e via. No nosso caso, precisamos avançar nas
pesquisas sobre mobilidade urbana, incorporando conhecimentos de outras áreas
afins. Consideramos, aqui, que uma intervenção qualificada para colaborar com a
proteção ao meio ambiente e a qualidade de vida nas cidades pode advir do
conhecimento das relações recíprocas entre as pessoas e o ambiente físico e social
(ALTMAN, WOHLWILL, & EVERETT, 1981; EVERETT & WATSON, 1987; GELLER,
WINETT, & EVERETT, 1982; NUNES DA SILVA, 2005).
Do ponto de vista das políticas públicas, a Psicologia ainda está “aprendendo”
a participar de maneira decisiva e proativa nas instâncias de decisão.
Alguns exemplos de espaço de discussão das políticas públicas de trânsito
são os Seminários de Psicologia e Políticas Públicas, organizados pelo CFP, com
destaque para o II Seminário, que discutiu o protagonismo social da Psicologia no
campo da circulação humana (CFP, 2003), - terminologia inclusive já descartada
pela Psicologia, que investe esforços na discussão da mobilidade humana e não na
circulação urbana - e o Seminário Nacional Psicologia e Mobilidade: Espaço Público
como Direito de Todos (CFP, 2010), que abordou diversos temas relativos à
Psicologia, mobilidade e políticas públicas.
No Brasil, a (o) psicóloga (o) ainda não tem referências puramente brasileiras
ou latino-americanas que apontem métodos e técnicas apropriadas para a lide com
os desafios e demandas específicas da área de trânsito e transporte. Ainda se faz
necessário conhecer o que colegas nossos têm feito em outros países, e que seja
aplicável ao nosso contexto com a necessária adaptação. Precisamos compreender
mais a dinâmica das pessoas que transitam na cidade; entender melhor a relação
que temos com o automóvel e o transporte público; perceber os impactos que a
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
escolha de determinada matriz de transporte tem na exclusão espacial, na
desigualdade social, na produção de subjetividades e nos problemas ambientais.
Como podemos observar, a indústria automobilística comemora a cada ano
os recordes de vendas de veículos, mesmo em tempos de crise, como ocorreu no
final de 2008. Naquele ano, em plena crise econômica mundial, o governo brasileiro
adotou várias medidas para superá-la, dentre elas, uma política de redução do
Imposto sobre Produto Industrializado, o IPI. Consequentemente, a venda de
automóveis cresceu 12,9% no ano seguinte, um pouco acima dos 11% observado
em 2008 (FEDERAÇÃO NACIONAL DA DISTRIBUIÇÃO DE VEÍCULOS
-
Fenabrave, 2009). Soma-se a esse cenário o aumento do poder aquisitivo das
classes mais baixas, contribuindo para manter as expectativas de crescimento das
vendas de veículos nos anos seguintes (Fenabrave, 2009). A venda de automóveis
é uma importante estratégia para a economia brasileira, isso não há como se negar.
Em 2010, a frota brasileira aumentou 8,4%, totalizando quase 65 milhões de
veículos (www.denatran.gov.br). Como conseqüência, o Brasil é atualmente (1°
semestre de 2011) o quinto colocado no mundo em número de emplacamentos
(1.495.683), ficando atrás, respectivamente, da Alemanha, Japão, Estados Unidos e
China, que ocupa o primeiro lugar (Fenabrave, 2010). Isso significa que cada vez
mais pessoas estão “motorizadas” para os seus compromissos.
O estímulo à indústria automobilística, todavia, tem ocorrido em detrimento do
transporte público, que é, paradoxalmente, o meio de transporte mais usado pelas
pessoas para se deslocar nas cidades. Um estudo do Ipea de 2011 evidenciou que
39% dos brasileiros consideram o transporte público ruim ou muito ruim; além disso,
muitas pessoas consideram esse transporte precário (ausência completa; falta de
linha no horário necessário) e muitos não se sentem seguros: 32,6% dos brasileiros
não se sentem seguros nunca ou se sentem raramente.
Quais as implicações disso?
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
A primeira é que estamos habituando nosso povo a dirigir, mesmo que para
pequenas distâncias, e isso gera repercussões em nossa saúde. Veja o
sedentarismo. Existem ainda, as implicações ambientais como poluição atmosférica
e sonora, causando doenças pulmonares e cardíacas, alterações no sono, dentre
outros transtornos, notadamente para aqueles que moram ou trabalham em vias
movimentadas (MIEDEMA, 2007; STEG & GIFFORD, 2007; VAN WEE, 2007). Por
essas e outras coisas, o automóvel tem sido considerado uma ameaça à qualidade
de vida urbana, a despeito de muitas “vantagens” que ele proporciona tais como,
conforto, agilidade, rapidez, segurança.
As pesquisas que dão suporte às políticas na redução do trânsito de
automóveis têm sido consideradas urgentes do ponto de vista da promoção da
saúde. Isso porque o transporte público, a bicicleta e o deslocamento a pé também
contribuem para produzir atividade física, com impacto positivo na melhora geral do
bem-estar das pessoas. A redução do volume de tráfego e o incentivo de modos
alternativos de transporte comporiam assim, uma política integral de promoção de
saúde a ser incorporada no movimento de cidades saudáveis, assim como nas
políticas de transporte e na política econômica em geral (TAPIA-GRANADOS, 1998).
Constitui-se um desafio para a Psicologia desenvolver, por exemplo,
estratégias de uso do automóvel de forma mais eficiente; colaborar para direcionar
as políticas de melhoria de infraestrutura de transporte urbano público; estimular os
indivíduos a adotarem alternativas menos poluentes (GÄRLING & STEG, 2007) e
exigir do poder público que essas melhorias sejam efetivadas. Estudos sugerem que
o
nosso
país
deverá
discutir
políticas
mais
incisivas
de
tarifação
dos
estacionamentos públicos, de rodízios, dentre outras medidas de cobrança de taxas
(Ipea, 2010). Uma das poucas ações ocorre em São Paulo, em que se efetua o
rodízio. Os veículos podem ou não trafegar em algumas ruas e avenidas da cidade
de acordo com o final de placa e o dia da semana (http://www.cetsp.com.br/). Essa
medida, contudo, não impede a ocorrência de congestionamentos. Em maio de
2008, São Paulo teve o maior engarrafamento da história da cidade, chegando a 266
quilômetros. A implantação do sistema de rodízio também está sendo discutida sob
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
a forma de projeto de lei em outros estados, como no Distrito Federal (Projeto de Lei
n° 197/2011), sob a justificativa de tentar diminuir os índices de dióxido de carbono
(CO2) na atmosfera.
Quando em 2004, foi promulgada a Política Nacional de Trânsito, fruto de
discussões entre o governo e a sociedade (BRASIL, 2004), pudemos acompanhar o
interesse pela segurança como sendo ainda um importante objetivo nessa política;
todavia, chama a atenção, a inserção nessa política dos temas mobilidade,
qualidade de vida e cidadania como marcos referenciais.
A política aborda, por exemplo, a relação entre mobilidade e qualidade de
vida; transporte público versus transporte privado; sustentabilidade; uso do espaço
público e ocupação do solo. A política esclarece que “A mobilidade do cidadão no
espaço social, centrada nas pessoas que transitam e não na maneira como
transitam, é ponto principal a ser considerado (...)”; e ainda:
Sob o ponto de vista do cidadão que busca melhor
qualidade de vida e o seu bem estar social, o trânsito toma nova dimensão.
Deixa de estar associado, de forma preponderante, à idéia de fluidez, de ser
relacionado apenas aos condutores de veículos automotores e de ser
considerado como um fenômeno exclusivo dos grandes centros urbanos,
para incorporar as demandas de mobilidade peculiares aos usuários mais
frágeis do sistema, como as crianças, os portadores de necessidades
especiais e os idosos (Brasil, 2004, p. 16).
Outro instrumento que reforça esta idéia de que as (os) psicólogas (os) do
trânsito ainda podem contribuir e muito com o desenvolvimento urbano e qualidade
de vida é a Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que Institui as Diretrizes da Política
Nacional de Mobilidade Urbana. Seu objetivo é contribuir para o acesso universal à
cidade, por meio do planejamento e gestão do Sistema de Mobilidade Urbana.
Fecharemos esta referência indagando quais problemas estão sendo
demandados a nós pela sociedade? Convém destacar as contradições, muitas
vezes, existentes entre as políticas públicas, evidenciando um campo de disputas
sociais e interesses conflituosos; por exemplo, quando estimulam, por um lado, o
uso em massa do automóvel particular, oferecendo incentivos econômicos e, por
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
outro, quando estabelecem que o trânsito deva ser centrado na pessoa que transita
em vez do modo como o faz. É necessário, portanto, ter clareza em identificar qual
política estamos vinculados ou aquelas às quais queremos nos vincular e contribuir
socialmente; assim como, saber qual o nosso papel na execução da política. Por
isso, no início do texto defendemos a mudança de nome da referência. Para nós,
está claro que estamos histórico-legalmente instituídos na política de habilitação de
condutores. Nos perguntamos se é apenas nesse lugar que queremos estar.
Quando trazemos pontos de discussão que abrangem o indivíduo, seu modo de ser
e estar, o espaço público, a mobilidade (urbana, humana que seja), estamos dizendo
que também podemos e queremos ocupar outros espaços de atuação para a
Psicologia.
Como no caso das políticas públicas, acompanhar movimentos políticos de
parlamentares, influenciando e construindo alianças, é uma ação decisiva para a
Psicologia contribuir com a formulação de políticas públicas. Nesse sentido,
destacamos algumas instâncias que podem ser interessantes buscar articulações,
como a Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro 7, que apoiou a
deflagração da década de ação pela segurança no trânsito no Brasil8. Parlamentares
dessa frente têm colaborado na elaboração de políticas públicas, dentre elas o Plano
de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Projeto de Lei 5.525/2009) 9, e atuado
em grupos de trabalho, como o Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde,
Segurança e Paz no Trânsito, que estuda atualmente propostas de alterações ao
Código de Trânsito Brasileiro. Existem também as comissões permanentes da
Câmara dos Deputados, dentre as quais: a Comissão de Viação e Transportes, a
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e a Comissão de
Desenvolvimento Urbano. Essas comissões são órgãos técnicos constituídos por
7
É possível conhecer melhor esta iniciativa no sítio: http://www.frentetransitoseguro.com.br/.
Sítio oficial desta iniciativa da Organização das Nações Unidas: http://www.decadeofaction.org/.
Outros
documentos
sobre o assunto podem ser acessados
aqui: http://www.viasseguras.com/documentacao/documentos_temas_d_a_e/doc_decada_de_acoes_de_seguranca_do_tr
ansito_2011_2020/. Veja a proposta preliminar do Plano Nacional de Redução de Acidentes
e
Segurança
Viária
para
a
Década
2011
2020:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/plano_nac_reducao_acidentes _comite_proposta_6611.p
df.
9
Acesse
o
PL
em:
http://www.camara. gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=440469.
8
36
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
deputados, cujo objetivo geral é discutir e votar as propostas de leis apresentadas à
Câmara10. Seminários, audiências públicas, dentre outros eventos, acontecem com
frequência nesta casa.
Tendo identificado então as relações (atuais e potenciais) que temos e a que
queremos ter com a política, é possível pensar em pelo menos três implicações que
podem ou devem ocorrer a curto ou médio prazo. Essas implicações podem ser, por
exemplo, de natureza acadêmica, política interna da própria Psicologia e
científica/profissional:
Implicações acadêmicas: na formação profissional, seja na graduação ou na
pós, incentivando o conhecimento e o debate das leis, resoluções, dentre outros
instrumentos das políticas públicas de mobilidade urbana, transporte e trânsito. No
desenvolvimento
de
competências
dos
alunos
para
trabalhar em equipes
multiprofisisonais e estreitar relações intersetoriais junto às organizações que lidam
com a política em foco. Construir articulações é essencial, notadamente quando não
estão consolidadas; até porque os órgãos de trânsito e transporte sofrem influência
política externa a eles que, de fato, acontece bastante na prática, desestimulando as
melhores iniciativas (e.g., ALCHIERI, SILVA & GOMES, 2006). A implicação
acadêmica, pode gerar uma outra demanda, a demanda de profissionais que
retornam para os bancos acadêmicos, para fazer pós-graduação stricto sensu
(mestrado e doutorado), com a finalidade justamente de desenvolver pesquisas,
criar/aperfeiçoar procedimentos e transformar resultados em prática profissional. A
esse respeito, cabe mencionar que temos poucos grupos de pesquisa no país,
estudando a dimensão psicológica do comportamento na mobilidade urbana,
transporte e trânsito; também temos poucos mestrandos e doutorandos. Ainda que a
quantidade de cursos de especialização em Psicologia do Trânsito esteja crescendo
rapidamente no país, decorrente de uma determinação legal do Contran, é oportuno
reconhecer que esse não tem sido um espaço de produção de conhecimento com
impacto na área, como o que tem sido feito no âmbito do mestrado e/ou doutorado.
10
Conheça mais detalhes da função dessas comissões em: http://www2.camara.gov.br/atividadelegislativa/comissoes/comissoes-permanentes.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Implicações políticas internas da própria Psicologia: Na criação e manutenção
de grupos de discussão ou de trabalho 11, associações científicas e profissionais da
Psicologia. Atualmente, não existe, uma Associação Brasileira de Psicologia do
Trânsito e Transporte, embora não falte interesse e iniciativas desde a década de
198012. As associações são importantes para representar a categoria nas instâncias
de decisão, tendo maior possibilidade dos psicólogos obterem êxito em suas
propostas. Por meio da criação dessas associações, é possível buscar articulação
junto às outras entidades nacionais, fortalecendo a Psicologia como um todo nas
diversas áreas (e.g., FÓRUM DE ENTIDADES NACIONAIS DA PSICOLOGIA
BRASILEIRA – FENPB13, no qual a área de trânsito e transporte não tem
representação). Outra possível implicação é o fortalecimento da representação da
área no CFP, colaborando na elaboração de políticas internas específicas. No plano
científico, as associações podem possibilitar o intercâmbio com profissionais e
pesquisadores de outros países, organização de eventos, cooperação em atividades
diversas etc. Embora as associações tenham um papel importante, isso não exclui a
participação individual dos psicólogos nos fóruns, conferências e discussões sobre a
formulação, acompanhamento ou avaliação das políticas públicas de mobilidade
urbana, transporte e trânsito. Além de ser uma atuação estratégica, ela serve como
atualização a respeito do andamento das políticas e do que está sendo ainda
planejado para o futuro.
Caso essas duas implicações que acabamos de expor sejam traduzidas em
ações concretas, acontecerá (ou poderá acontecer) um movimento de retorno
(feedback) para (re) discutir a relação que temos e queremos ter com a política de
11
Um exemplo de grupo de discussão, criado em julho de 2011, é a Rede Latino-Americana de
Psicologia do Trânsito (Relapsitran), cujo objetivo é fomentar o intercâmbio de conhecimentos,
informações e ideias entre profissionais e pesquisadores de Psicologia e de outras áreas de
conhecimento, contribuindo na disseminação da Psicologia do trânsito nos países latino-americanos.
Conheça a Relapsitran: www.portalpsitran.com.br
12
Veja, por exemplo, o Relatório do II Congresso de Brasileiro de Psicologia do Trânsito (Rozestraten
1984a, b) e a Carta de Campo Grande, elaborada no VI Congresso de Brasileiro de Psicologia do
Trânsito, disponível em: http://www.conpsitran.com.br/carta_campogrande.pdf. Sobre associações
internacionais da área, acesse a Divisão de Psicologia do Trânsito e Transporte da Associação
Internacional de Psicologia Aplicada: http://www.iaapsy.org/division13/
13
Conheça a FENPB: http://www.fenpb.org/portal/entidades.aspx
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
trânsito e transporte urbano, em um movimento de interrelação. Esse movimento de
retorno dificilmente acontecerá se não consolidarmos os espaços de discussão e se
não possibilitarmos aos profissionais e estudantes conhecerem e debaterem as
políticas. Trata-se de uma ação potencial de longo prazo, porém com efeitos mais
duradouros, posto que atuará na formação de uma massa crítica e consciente de
psicólogos, o que sabemos leva tempo.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
ANEXO -1- Da importância do cuidado com a dimensão humana
[...] o pensamento nunca chega à luz do dia espontaneamente, per se, na
imanência dos seus princípios; o que nos incita a pensar é sempre um encontro
traumático, violento, com um real exterior que nos impõe brutalmente, pondo em
causa as nossas maneiras habituais de pensar. Um pensamento verdadeiro,
enquanto tal, é sempre descentrado: não pensamos espontaneamente, somos
forçados a pensar.
(Slavoj Žižek, A Sub jectividade por Vir, 2006, p. 11)
MOBILIDADE (DESUMANA) NOSSA DE CADA DIA: RASTROS E EVIDÊNCIAS
Sim, somos forçados a pensar. Diante de nós, cenários urbanos e de
mobilidades densos com cerca de 195 países no mundo 14, uma população estimada
de 7 bilhões de pessoas (segundo dados da ONU)15, 1 bilhão de carros16, outros
tantos de bicicletas e motocicletas, aviões, trens, ônibus, embarcações e outras
formas de deslocamento, que viabilizam nosso cotidiano de idas e vindas.
Mobilidade não é mais um assunto de alguns técnicos. Tomou proporções amplas,
uma vez que atravessa nossas vidas e os espaços que ocupamos (ou não).
Complexa, requer análises e ações nas quais geografia humana, sociologia urbana,
urbanismo,
antropologia
urbana,
psicologia
(e
suas
múltiplas
abordagens),
economia, história, política, dentre outras, passam a compor uma rede de saberes
entrelaçados e forçados (como aponta Slajov Žižek) a pensar no que as mobilidades
contribuem ou não à nossa forma de interagir com os espaços, conosco e com os
outros, que formas são essas e o que significam. Isso implica em compreender o
volume e proporção de movimentos, demandas e necessidades sociais, assim como
14
15
16
http://pt.wik ipedia.org/wik i/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses .
http://www.onu.org.br/populacao-mundial-chegara-a-sete-bilhoes -em-31-de-outubro/.
http://londrina.odiario.com/veiculos/noticia/474911/pes quisa-estima-frota-de-1-bilhao-de-veiculosno-mundo/.
47
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
as implicações políticas e econômicas das escolhas de investimento e prioridades
de modais de transporte.
No Brasil, dados do Denatran (dez/2011) revelam que a quantidade de
automóveis impera, contabilizando 56,47% da frota nacional (Tabela 1a). A frota
nacional de ônibus e micro-ônibus juntas somam 1,10%. Relatórios mensais
divulgados pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores
(Fenabrave), mostram que em janeiro/2012 mais de 255 mil veículos novos foram
vendidos no Brasil, superando as vendas de janeiro/2011, com expectativas de
crescimento de 4% para o ano de 2012. Efetivamente, comparada à 2011 a frota de
veículos até junho/2012 já mostra um aumento de 3,6% no total, 3,1% em
automóveis e 4,3% em motocicletas. Com poucas ações de melhoria das condições
do transporte coletivo e não motorizados, eis porque o Brasil vive o crescimento da
frota nacional de veículos ao longo do tempo.
Tabela 1a – Percentagem de veículos, por tipo segundo o Brasil – DEZ/2011
Brasil
%
TOTAL 2011
AUTOMÓVEL
MOTOCICLETA
ÔNIBUS
MICROÔNIBUS
70.543.535
39.832.919
15.579.899
486.597
296.761
22,09% 0,6898%
0,4207%
100%
56,47%
Fonte: Ministério das Cidades, Denatran – Departamento Nacional de Trânsito, RENAVAM-Registro
Nacional de Veículos Automotores
17
Por outro lado, mesmo com o aumento da frota, cerca de 69,6% dos
deslocamentos nas grandes cidades são realizadas a pé, por bicicleta e transporte
público, segundo Relatório de Mobilidade Urbana 2010 18 (RMU, 2010), elaborado
pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
A maior parte das viagens foi realizada a pé e por bicicleta (40,5%),
seguidos dos meios de transporte individual motorizado (30,3%) e do
transporte público (29,1%). Quando as viagens são classificadas por porte
dos municípios, percebe-se que a participação do transporte público gira em
torno de 20%, à exceção das cidades acima de 1 milhão de habitantes, nas
quais ela atinge 36%. A participação dos autos é maior nas cidades entre
500 mil e 1 milhão de habitantes (31%), decrescendo com a diminuição da
17
18
Frota 2011, Denatran disponível em: http://www.denatran.gov.br/frota.htm.
Sistema de Informações da Mobilidade Urbana, ANTP, disponível em:
http://www.mobilize.org.br/midias/pesquisas/sistema-de-informacoes-da-mobilidade-urbana--antp.pdf.
48
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
população. As viagens a pé são sempre dominantes, mas na maioria das
vezes têm sua participação diminuída à medida que aumenta a população.
Tanto as viagens de moto como as viagens de bicicleta aumentam
significativamente nos municípios menores. Do ponto de vista da relação
entre transporte não motorizado e transporte motorizado, vê-se que o
primeiro é dominante (mais de 50% das viagens) nas cidades com
população entre 60 e 100 mil habitantes. (RMU, 2010, p. 6)
Em outro relatório da ANTP 19 sobre Custos dos Deslocamentos (2010),
podemos quantificar um pouco melhor o quanto se onera o espaço público e as
pessoas com o uso dos individuais motorizados (Gráfico 1).
Observa-se inicialmente que o automóvel é a tecnologia que consome mais
espaço e energia por passageiro transportado, estando em segundo lugar
nos itens emissão de poluentes e custo de acidentes. Observa-se também
que o uso da motocicleta implica em consumos de espaço viário e de
energia (por passageiro transportado) muito maiores do que o uso do
ônibus. Seu uso implica, também, em valores extremamente mais elevados
quando se trata de emissão de poluentes e custo de acidentes (neste último
caso, refletindo uma realidade verificada em grande quantidade de países
no mundo). Em consequência, pode ser verificado que o uso do ônibus – o
veículo de transporte coletivo mais universal no Brasil e em todo o mundo –
implica nos menores consumos e impactos dentre as tecnologias
analisadas. (Idem, p. 3)
Gráfico 1. Consumos e impacto relativos com uso de ônibus, motos e autos em
cidades brasileiras.
Fonte: Relatório da ANTP
19
20
sobre Custos dos Deslocamentos (2010)
Sistema de Informação de Mobilidade Urbana, Custos dos Deslocamentos, 2010. Disponível em :
http://portal1.antp.net/site/simob/Downloads/Custos%20da%20Mobilidade%20%20mar%C3%A7o%20de%202010.pdf, pág. 4, acessado em 29/08/2012.
49
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Já a pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira: Locomoção Urbana 21
(CNI/IBOPE, 2011) realizada em 144 municípios do Brasil mostra que, nas capitais
brasileiras, apenas 26% da população tem como principal meio utilizado no
deslocamento o transporte individual. Desses, 17% utiliza o automóvel particular. A
grande maioria (74%) utiliza os meios de transportes coletivos ou não motorizados,
sendo 39% em ônibus/vans, 3% em metrôs/trens/mototaxi e 32% se deslocando a
pé ou de bicicleta. Outra evidência confirma que pessoas com renda acima de 10
salários mínimos são as que mais optam pelo transporte individual motorizado
(63%). Com renda entre 1 e 2 salários mínimos, 46% usam o transporte público e
26% andam a pé. Isso reforça a tese de que o portador de um automóvel possui
melhores condições econômicas que os demais. Sobre o índice de satisfação com
os meios de transporte escolhidos, cerca de 94% consideram “ótimo” ou “bom” o uso
de suas motocicletas e automóveis. No caso do uso do ônibus, 24% o consideram
“ruim” ou “péssimo”. Mesmo assim, 45% declaram-se satisfeitos com o ônibus e o
consideram “ótimo” e “bom”.
Os números apenas quantificam o que já sabemos por outros meios. No
Brasil, há uma supervalorização do transporte individual motorizado, associando-o a
melhores condições financeiras e status, enquanto que o transporte público, a
caminhada e bicicleta estão associados aos que possuem menor renda. Claramente,
uma questão de valor e hierarquia social, o uso do transporte individual motorizado é
também uma forma de mercantilização e privatização do espaço público, uma vez
que tem sido muitas vezes tratado pelo poder público, iniciativa privada e população,
como espaço de passagem, lugar de não permanência, espaço de todos e de
ninguém. Os modos escolhidos ou induzidos para trespassar espaços e lugares, diz
respeito à forma como nos relacionamos com os espaços não apenas do ponto de
vista pessoal, mas sobretudo político, uma vez que ocupados/utilizados por
muitos/outros. Por isso mesmo, os modos escolhidos/induzidos de mobilidade são
20
21
Sistema de Informação de Mobilidade Urbana, Custos dos Deslocamentos, 2010. Disponível em :
http://portal1.antp.net/site/simob/Downloads/Custos%20da%20Mobilidade%20%20mar%C3%A7o%20de%202010.pdf, pág. 4, acessado em 29/08/2012.
Confederação Nacional da Indústria (CNI)/IBOPE. Disponível em : http://www.ib ope.com.b r/ptb r/conhecimento/relatoriospesquisas/Lists/RelatoriosPesquisaEleitoral/OPP%20110004%20 %20CNI%20Locomo%C3%A7%C3%A3o%20urb ana.pdf, pág.12, acessado em 29/08/2012 .
50
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
também modos de subjetivação imbuídos em manter a sociedade em economia
estável por meio do estímulo ao consumo. Nas palavras de Ludd (2004):
Falamos de um sistema econômico e de um sistema de locomoção que
matam necessariamente e sem intenção em larga escala. Falamos, que
fique bem claro, de um sistema econômico capitalista e de um sistema de
locomoção capitalista. Sistemas instituídos que encarnam e expressam
determinados valores, significações. Que tornam objetivo um mundo de
subjetividades. (Ludd, 2004, p. 18)
Por isso mesmo, estudar mobilidade é de grande importância, uma vez que é
central para o que significa ser humano. Diante da ubiquidade dos estudos sobre
mobilidade, podemos destacar que, para além dos deslocamentos, mobilidade “É
uma faceta geográfica fundamental de existência e, como tal nos oferece um terreno
rico, no qual narrativas – e também ideologias – podem ser, e têm sido,
construídas22” (Cresswell, 2006, p. 1).
Estamos diante, então, de uma compreensão sobre mobilidade em sua direta
relação com a vida humana e suas múltiplas significações, atravessadas por
ideologias, componentes dos mais arraigados em nossas subjetividades. Vale nos
indagar sobre o tipo de processo de subjetivação atuante, a quem ou a que
interesses de fato se prestam e qual a implicação da Psicologia nesse contexto.
Nosso
trabalho
contribui
de
que
forma?
A
quem
beneficiamos
quando
disponibilizamos nossas ações? Que concepções de urbano e cidade possuímos?
Tais questões nos colocam diante de escolhas éticas e políticas, que estão acima
das concepções teóricas ou abordagens psicológicas. Refere-se à identificação das
matizes ideológicas do pensamento psicológico e quais visões de mundo e de
homem representam.
No que tange à mobilidade, como campo de conhecimento e ação, a infusão
dos pressupostos mercantilistas estão fortemente enraizados e confundem-se às
nossas escolhas de estilo de vida, portanto de relações sociais, e de como os
espaços evidenciam essas escolhas.
Esse tipo de dinâmica se apresenta sobre um espaço público, comum; tratase, portanto, de uma demonstração pública. Compreendemos dessa forma
22 Tradução livre: It is a fundamental geographical facet of existence and, as such, provides a rich terrain from
which narratives – and, indeed, ideologies – can b e, and have b een, constructed.
51
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
que o espaço público é também o instrumento onde são sinalizados
conteúdos da vida social urbana. Isso corresponde a dizer que esse espaço
permanece sendo um terreno de comunicação social até mesmo quando os
conteúdos das práticas traduzem uma negação do estatuto fundamental do
espaço público, como um terreno normativo de convivência e de respeito
social entre diferentes. (Gomes, 2002, pp. 190-191)
Se observarmos os espaços urbanos, por exemplo, em cidades de pequeno,
médio e grande porte, a forma de ocupação dos espaços é distinta tanto quanto são
as relações que estabelecemos com a cidade, com as pessoas e conosco. A cidade
tem a nossa “cara”, uma vez que a teia de conexões revela também as
configurações urbanas, nossos percursos e como fazemos para percorrê-los. A
relação que estabelecemos entre nós mesmos e com os espaços fica expressa em
suas formas físicas, portanto, territoriais e geopolíticas. Há, então, um indissociável
elo que nos posiciona e nos situa, dando o sentimento de pertença ou segregação.
Somos constituintes e constituídos da/pela realidade. No entanto, o que entendemos
por realidade não é algo naturalmente dado, mas construído por todas/os, o que
tornam as análises mais complexas, uma vez que diversas e entrelaçadas.
Portanto, pensar mobilidade humana nesse contexto é concebê-la como
resistência à mercantilização da vida, dos espaços e do aparelhamento sustentável
prioritariamente para a estabilidade econômica e política das sociedades. Na
contramão, o Brasil ainda titubeia em relação à Política de Mobilidade Urbana (Lei nº
12.587), que passou a vigorar em abril de 2012. Nesse mesmo período, o governo
brasileiro reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI, para sustentar a
indústria automotiva com o argumento de manter a economia estável. O paradoxo
revela que os problemas decorrentes do uso prioritário do transporte individual
motorizado (engarrafamentos, acidentes, estresse) tendem à depauperação do
espaços urbanos e humanos nas cidades brasileiras, rodovias, estradas e zonas
campesinas. Aqui, sustentabilidade econômica se sobrepõe à sustentabilidade
ambiental e da vida humana. Assim, a palavra “sustentabilidade” pode vir agregada
a diferentes perspectivas ideológicas sem implicar necessariamente priorização dos
mesmos valores ou dos mesmos públicos. Daí a adjetivação humana à palavra
mobilidade, como uma forma de enfatizar que nosso olhar se dirige às melhorias de
condições da vida humana no tocante à mobilidade, que possibilita diretamente a
participação das pessoas nas dinâmicas dos espaços públicos.
52
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Apesar das adversidades no trânsito, que é um termômetro da mobilidade, o
cotidiano nos impele ao movimento constante das mais variadas formas. Estudiosos
(BERGMANN e SAGER, 2008) falam em hipermobilidade como um grande campo
de deslocamento de toda sorte. Ao mesmo tempo, podemos encontrar grupos e
comunidades que vivem pequenos deslocamentos e poucas conexões com o
ambiente externo aos seus. Indagar sobre como e porquê fazemos escolhas que
desqualificam o bem-viver coletivo ou mesmo aceitam passivamente o que nos vêm
sendo imposto como natural ao desenvolvimento urbano e de que forma nos
relacionamos com os espaços de mobilidade, pode ser uma das atribuições da
Psicologia nessa seara.
Diante
da
abrangência
do
tema
e
das
dificuldades
inerentes
de
estabelecermos uma relação direta entre mobilidade humana e psicologia, vale
algumas distinções do termo, mais como cartografia de um campo de tensões do
que como respostas, definições ou conceitos.
C ONCEPÇÕES SOBRE MOBILIDADE
Amplamente discutido por Sheller (2008), mobilidade expandida de uns
parece limitar a de outros tantos, considerando o equívoco de pensarmos liberdade
como mobilidade irrestrita de irmos a todo e qualquer lugar a qualquer momento
quando bem entendermos. No entanto, apesar dos esforços contínuos para aumento
da liberdade individual de mobilidade, essa ainda é bastante desigual e está
associada a formas de poder que negam a alguns a mobilidade que outros possuem
(SHELLER, 2008, p. 28). Sheller argumenta ainda que o grau de relação entre
liberdade cívica, democracia, política e mobilidade fica evidenciado em função do
quão acessível está para uma população ou sociedade a efetiva participação no
espaço público disponível ou não pela mobilidade. Aqui, fazer-se cidadão é, ao
mesmo tempo, estar livre para participar da esfera pública da vida e ter a mobilidade
como rede de conexões e intercâmbios que facilitem essa imersão cívica no tecido
social. Estar no espaço público é, a um só tempo, poder participar política e
socialmente e redimensionar o convívio social no espaço público. Sim, é de
cidadania, em uma perspectiva conflitante e paradoxal de constantes inovação nas
respostas ao conviver, que Sheller trata. Mobilidade é necessária por possibilitar a
53
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
sustentação de comunidades políticas, uma vez que os acessos aos espaços
públicos viabilizam o livre encontro, a reunião dos grupos e coletivos para ações
políticas. Tanto
mais privatizados sejam os espaços públicos, tanto mais
empobrecida a liberdade cívica de mobilidade (civic freedom of mobility).
Portanto, discutir mobilidade é também compreender a relação das pessoas
com o espaço, considerando que a complexa teia de deslocamentos é um desenho
também subjetivo dos traçados urbanos. Subjetivo, mas não menos reprodutor, das
lógicas mercantis, uma vez que, para o poder econômico (e agora também político),
somos todos consumidores.
A mobilidade é um emaranhado de movimento físico, de s ignificado e de
prática. Cada um destes elementos da mobilidade é, em meu entender,
político. Mobilidade é também movimento social. Combina o movimento (de
pessoas, de coisas, de ideias) com os significados e as narrativas que os
circundam. (CRESSWELL, 2009, p.25)
Nesse emaranhado, podemos desafiar a Psicologia no que ela tem a dizer e a
fazer com as dimensões de mobilidade que nos atravessam e as quais construímos.
Os já conhecidos reflexos da mobilidade contemporânea no trânsito e em nós
mesmos parecem maquiar uma indagação ainda densa e pouco explorada: de que
forma o movimento nos afeta? Pergunta particularmente endereçada à Psicologia,
uma vez que pouco tem se debruçado sobre os modos de subjetivação engendrados
nas formas de transitar ou de como essas formas se colocam como processos de
subjetivação afinados como os modos de produção e de desqualificação humana,
quando ao sermos transportados, ao invés de sujeitos, somos assujeitados e
divorciados de nós mesmos, dos outros e do que nos rodeia.
Pareadas com as indagações, ainda área nebulosa para muitos saberes,
conceber os significados de mobilidade é também estabelecer uma rede de
conexões e concepções. Mesmo assim, na fusão de saberes em ebulição,
mobilidade se apresenta plural e acima de tudo humana, em concordância com
Cresswell (2009), que pretende “[...] desenvolver uma abordagem de mobilidade
humana que considere o movimento, os significados a este associados e as práticas
experienciadas de movimento” (p.27). Para ele, a tarefa consiste em identificar
diferentes aspectos do movimento presentes na mobilidade, cada um com seu papel
54
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
específico no que constitui as mobilidades hierárquicas e em suas políticas. Dessa
forma, mobilidade se torna política e suscita seis aspectos a ser considerados e as
políticas específicas para cada um deles:
1.
Porque uma pessoa ou coisa se movem?
2.
A que velocidade?
3.
A que ritmo?
4.
Que caminho toma?
5.
Qual a sensação ao se mover?
6.
Quando e como termina?
[...] a mobilidade, tal como o lugar e o território, envolve uma política da
hierarquia, da inclusão e da exclusão. Com efeito, seguindo Zygmunt
Bauman, argumentaria que a mobilidade pode muito bem ser o ponto-chave
da máquina de produçãoo da diferença da nossa época.” (CRESSWELL,
2009, p.36)
Por isso mesmo, é necessário que façamos algumas análises do significado
da política de mobilidade em questão e seus marcos legais perpassados pelos
compromissos éticos-políticos do que podem vir a ser políticas públicas voltadas pra
mobilidade urbana (e humana). Pensaremos ainda de que forma a psicologia
brasileira pode contribuir para a melhoria das condições de mobilidade de nossos
tempos e prospectar as utopias necessárias para o mundo que queremos e estamos
comprometidos em construir.
QUE POLÍTICA PARA QUE MOBILIDADE
PASSEIO PELO C ONTEXTO
É necessário pontuar, antes de adensarmos o documento em questão, que as
Referências técnicas para a prática de psicólogos(as) em Políticas de Mobilidade
Urbana, Transporte e Trânsito são muito recentes e pouco conhecidas pela
categoria. De todo modo, estamos fazendo alusão a um lugar (ou lugares) onde
possam estar ancoradas e façam sentido as supostas práticas psicológicas nas
55
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
áreas destacadas. Falamos de um U-Topos (não lugar), um lugar desejável à
Psicologia em sua relação com mobilidade. O Estatuto da Cidade (EC, 2000), a
Política Nacional de Trânsito (PNT, 2002), o Plano Diretor de Transporte e da
Mobilidade (PlanMob, 2007) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012) é o
que existe de mais concreto de políticas públicas, até o momento, que considerem a
mobilidade urbana, transporte e trânsito, na forma de lei. Incipientes também são os
coletivos ou instâncias de controle social de tais políticas, estejam elas no papel ou
ativadas pelas ações cotidianas das gestões públicas em nível federal, estadual e
municipal. Como forma mais próxima de controle social dos aspectos urbanos, vale
a referência ao Conselho Nacional das Cidades, sobretudo ao trabalho mais
sistemático do grupo de mobilidade urbana, que produziu importante documento
embrionário do Projeto de Lei 1687/2007, discutido mais adiante.
De forma menos orgânica, movimentos internacionais como o Massa Crítica,
o movimento nacional Tarifa Zero, Movimento Nacional pela Democratização dos
Transportes Públicos (MNDTP), Movimento Mobilidade Humana, grupos (às vezes
vinculados ao Massa Crítica) de organização da Bicicletada, para citar os mais
relevantes, realizam ações que chamam atenção aos problemas enfrentados na
atualidade pela prioridade dada ao transporte individual motorizado no Brasil e no
mundo. Tais movimentos, se é que podemos chamá-los assim, operam como
resistência ao excesso de motorização e já conseguem avanços com as gestões
públicas de mobilidade quando deflagram mudanças na organização do espaço
urbano com prioridade diferenciadas. Entidades não governamentais, associações,
blogues, sítios e páginas em redes sociais também encorpam a lista de interessados
e preocupados com as questões da mobilidade, transporte e trânsito. Citemos, aqui,
a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), o Instituto Rua Viva (grande
precursor e organizador no Brasil do Dia Mundial Na Cidade Sem Meu Carro) a
ONG Viva Criança e as associações de ciclistas de São Paulo e Florianópolis, como
exemplo.
Em meio a isso, há, portanto, uma indagação persistente: de que formas a
Psicologia pode se configurar como práticas e saberes no campo da mobilidade
urbana, transporte e trânsito? Nesse contexto, discutir, propor e atuar requer uma
56
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
imediata disponibilidade para dialogar com vários campos de saber e ainda se
apropriar das referências e marcos legais que podem facilitar (ou dificultar) o
trabalho da Psicologia tanto em seu próprio domínio como na interface com os
demais. Mesmo que de forma não claramente delineada, ao analisarmos a
mobilidade no Brasil e no mundo, estamos também cartografando marcos
ideológicos e a Psicologia não está divorciada deles. Em território turvo, os sentidos
e as escolhas éticas fazem toda a diferença no que respalda as ações da psicologia
na contemporaneidade.
Até como forma de evidenciar a tensão de forças presentes, passemos então
para uma breve análise dos marcos legais.
MARCOS LEGAIS E CAMPO DE FORÇAS
As práticas psicológicas na seara da mobilidade, transporte e trânsito, ou se
irmanam com o desejo de uma atuação que coloque o ser humano como prioridade
ou está entrelaçada majoritariamente com as práticas de avaliação psicológica para
obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e, em menor escala, ações
vinculadas ao campo da educação.
É o que aponta a pesquisa realizada em 2009 sobre as práticas dos
psicólogos no campo em questão. No relatório apresentado ao Crepop, os dados
expõem claramente que as práticas psicológicas estão bem demarcadas na
aplicação dos testes psicológicos para obtenção da CNH, ações de esclarecimento e
orientações em entrevistas devolutivas, atividades educacionais em órgãos de
trânsito municipal ou estadual, algumas poucas intervenções pontuais em áreas
específicas de planejamento urbano e em projetos vinculados à área da saúde. O
maior grau de conhecimento relatado pelos entrevistados sobre a legislação ou
documentos relevantes às práticas profissionais nesse campo também são relativos
à avaliação psicológica para obtenção da CNH. Dos documentos e legislação
listados na pesquisa referentes mais especificamente à mobilidade urbana, apenas
7,3% afirmou conhecer e ter lido. Se por um lado há poucos documentos de
referência sobre mobilidade urbana no Brasil, por outro, o que há também é pouco
conhecido pelos psicólogos que afirmam atuar na área.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
A análise detida sobre o assunto expõe a fragilidade e a consequente
necessidade de maiores esforços da Psicologia aliada a outros saberes e práticas
que possam lutar pela efetivação dos direitos e das políticas de mobilidade urgentes
para o país. Em 2014, o Brasil sediará a Copa do Mundo de Futebol. As cidades
sede dos jogos se comprometeram em criar condições urbanas de recepção dos
visitantes, oferecendo equipamentos e serviços de segurança pública, hotelaria,
gastronomia, lazer e sobretudo mobilidade e acessibilidade. No entanto, tais
serviços independentemente de se prontificarem para o evento da Copa do Mundo,
deveriam ser prioritariamente oferecidos à população do país. As condições dignas
de viver e conviver nos espaços urbanos e rurais e a garantia de melhores
condições de mobilidade, para além do urbano, precisam referir-se ao humano. É o
que está colocado nos marcos legais a serem aqui analisados.
Para além dos acordos e tratados internacionais que contemplam diretrizes
mundiais de segurança no trânsito, preservação do meio ambiente e/ou educação,
direitos humanos e saúde, nos quais o Brasil é signatário, especifica e
concretamente alguns documentos sinalizam os embriões de políticas públicas de
mobilidade urbana, como dispositivos legais. Apresentamos, a seguir, (em ordem
cronológica de publicação) os que consideramos mais relevantes para o contexto e
os trechos considerados significativos em relação ao tema:

Código de Trânsito Brasileiro 23 (CTB), Lei nº 9.503, de 23/09/1997.
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1ºO trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional,
abertas à circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais,
isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada,
estacionamento e operação de carga ou descarga.
[...]
CAPÍTULO III
23
Texto extraído integralmente da Lei nº 9.503, de 23/09/1997
58
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA
Art. 26.
Os usuários das vias terrestres devem:
I - abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de
veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades
públicas ou privadas;
II - abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou
abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro
obstáculo.
[...]
CAPÍTULO IV
DOS PEDESTRES E CONDUTORES DE VEÍCULOS NÃO MOTORIZADOS
Art. 68.
É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens
apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para
circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da
calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.
[...]
CAPÍTULO VI
DA EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO
Art. 74.
A educação para o trânsito é direito de todos e constitui dever
prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito.
§ 1º É obrigatória a existência de coordenação educacional em cada órgão ou
entidade componente do Sistema Nacional de Trânsito.
Em todo o texto do CTB, a palavra mobilidade não aparece nenhuma vez.
Trânsito para essa legislação não incorporou ainda a necessária relação com
mobilidade. Os artigos citados mostram claramente contradições com a realidade,
evidenciando que a legislação, embora exista e pretenda contemplar todos os
usuários das vias, ainda está prioritariamente voltada para os veículos automotores
individuais. A Psicologia é convocada a essa cena, de fato e por lei, na avaliação
psicológica para obtenção da CNH.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.

Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
Violências24, Portaria GM/MS nº 737 de 16/05/01, publicada no DOU Nº 96
Seção “1E”, de 18/05/01.
Os princípios básicos que norteiam esta Política Nacional são:

a saúde constitui um direito humano fundamental e essencial para o
desenvolvimento social e econômico;

o direito e o respeito à vida configuram valores éticos da cultura e da
saúde e

a promoção da saúde deve embasar todos os planos, programas,
projetos e atividades de redução da violência e dos acidentes.
A presente Política enfatiza os fundamentos do processo de promoção da saúde
relativos ao fortalecimento da capacidade dos indivíduos, das comunidades e
da sociedade em geral para desenvolver, melhorar e manter condições e
estilos de vida saudáveis. Esse fortalecimento inclui a criação de ambientes
saudáveis, a reorganização dos serviços de saúde, o reforço da ação
comunitária e o desenvolvimento de aptidões pessoais.
Nesse sentido, esta Política setorial prioriza as medidas preventivas, entendidas em
seu sentido mais amplo, abrangendo desde as medidas inerentes à promoção
da saúde e aquelas voltadas a evitar a ocorrência de violências e acidentes,
até aquelas destinadas ao tratamento das vítimas, nesta compreendidas as
ações destinadas a impedir as seqüelas e as mortes devidas a estes eventos.
Aqui, percebemos a preocupação do Ministério da Saúde com o impacto dos
acidentes e violências, nos quais estão inseridos os prejuízos à saúde pública que o
trânsito no Brasil tem produzido. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Aplicada
(Ipea), o Brasil gasta cerca de 4,5 bilhões de reais por ano com acidentes de
trânsito.

Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 25.
CAPÍTULO I
24
25
Texto extraído integralmente da Portaria GM/MS nº 737 de 16/05/01.
Texto extraído integralmente da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
60
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
Diretrizes Gerais
Art. 1ºNa execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único.
Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade,
estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem -estar
dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Art. 2ºA política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e
futuras gerações;
[...]
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos
adequados aos interesses e necessidades da população e às características
locais;
Art. 3ºCompete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:
[...]
IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;
[...]
CAPÍTULO III
Do Plano Diretor
Art. 41.
O plano diretor é obrigatório para cidades:
§ 2º No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser
elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano
diretor ou nele inserido.
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.

Projeto de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito –
Mobilizando a Sociedade e Promovendo a Saúde, Portaria nº 344, de 19
de fevereiro de 200226.
Objetivo geral
Implementar, em aglomerações urbanas selecionadas, ações de promoção da
saúde e de prevenção de acidentes de trânsito, mediante a mobilização do
setor saúde, prefeituras e sociedade civil organizada, no sentido de promover
mudança de hábitos, atitudes, valores culturais e situações ambientais que
interferem na ocorrência dos acidentes de trânsito, melhorando a qualidade
da informação e reduzindo as taxas de morbimortalidade por esses eventos.

Política Nacional de Trânsito, Resolução CONTRAN Nº 166 de 15 de
setembro de 200427.
2.1.
Marco Referencial
A Política Nacional de Trânsito é instrumento da Política de Governo, expressa no
Plano Brasil para Todos e que tem por macro-objetivos:
a)
O crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente
sustentável e redutor de desigualdades regionais.
b)
Inclusão social e redução das desigualdades sociais.
c)
Promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia.
[...]
2.1.3. Mobilidade, Qualidade de Vida e Cidadania
A mobilidade do cidadão no espaço social, centrada nas pessoas que transitam e
não na maneira como transitam, é ponto principal a ser considerado, quando
se abordam as questões do trânsito, de forma a considerar a liberdade de ir e
vir, de atingir-se o destino que se deseja, de satisfazer as necessidades de
trabalho, de lazer, de saúde, de educação e outras.
Sob o ponto de vista do cidadão que busca melhor qualidade de vida e o seu bem
estar social, o trânsito toma nova dimensão. Deixa de estar associado, de
forma preponderante, à idéia de fluidez, de ser relacionado apenas aos
26
27
Texto extraído integralmente da Portaria nº 344, de 19 de fevereiro de 2002.
Texto extraído integralmente da Resolução CONTRAN Nº 166 de 15 de setembro de 2004.
62
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
condutores de veículos automotores e de ser considerado como um
fenômeno exclusivo dos grandes centros urbanos, para incorporar as
demandas de mobilidade peculiares aos usuários mais frágeis do sistema,
como as crianças, os portadores de necessidades especiais e os idosos.
[...]
2.1.3.2.
A cidadania, a participação e a comunicação com a sociedade
O conceito de cidadania implica conflitos, já que, de um lado, está a idéia
fundamental de indivíduo, e de outro, regras universais – um sistema de leis
válido para todos em todo e qualquer espaço social. Assim considerando, é
fundamental destacar a dimensão de cidadania inserida no trânsito, uma vez
que este configura uma situação básica de diferença, diversidade, eqüidade,
tolerância e de direitos humanos.
Priorizar e incentivar a participação da sociedade e promover a produção e a
veiculação de informações claras, coerentes e objetivas, significa, assim,
construir um ambiente favorável à implantação de uma nova cultura, orientada
ao exercício do trânsito cidadão e da qualidade de vida.

Plano Diretor de Transporte e da Mobilidade (PlanMob), Resolução
Conselho das Cidades nº 34, de 01 de julho de 200528.
O artigo 41, § 2º do Estatuto das Cidades estabeleceu a obrigatoriedade das
cidades com mais de 500 mil habitantes elaborarem um Plano de Transporte
Urbano Integrado, compatível com o seu plano diretor ou nele inserido. Para a
atuação da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana
(SeMob), do Ministério das Cidades, a Resolução nº 34, de 01 de julho de
2005, do Conselho das Cidades, regulamenta as orientações para os planos
de mobilidade urbana.
Essa Resolução tem como princípios e diretrizes gerais:
I.
Garantir a diversidade das modalidades de transporte, respeitando
as características das cidades, priorizando o transporte coletivo, que é
estruturante, sobre o individual, os modos não motorizados e valorizando o
pedestre;
28
Texto extraído quase na íntegra do Caderno PlanMob (Ministério da Cidades, 2007)
63
Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
e Trânsito - VERSÃO PRELIMINAR PARA CONSULTA PÚBLICA - Novembro de 2013.
II.
Garantir que a gestão da Mobilidade Urbana ocorra de modo
integrado com o Plano Diretor Municipal;
III.
Respeitar às especificidades locais e regionais;
IV.
Garantir o controle da expansão urbana, a universalização do
acesso à cidade, a melhoria da qualidade ambiental, e o controle dos
impactos no sistema de mobilidade gerados pela ordenação do uso do solo.
O PlanMob é um instrumento da política de desenvolvimento urbano, integrado ao
Plano Diretor do município, da região metropolitana ou da região integrada de
desenvolvimento, contendo diretrizes, instrumentos, ações e projetos voltados
à proporcionar o acesso amplo e democrático às oportunidades que a cidade
oferece, através do planejamento da infra-estrutura de mobilidade urbana, dos
meios de transporte e seus serviços, possibilitando condições adequadas ao
exercício da mobilidade da população e da logística de distribuição de bens e
serviços.

Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), Lei Nº 12.587 publicada
no DOU em 4/1/2012, seção 1, edição 3, pág. 1
Sancionada em 3 de janeiro de 2012, a Lei Nº 12.587 institui as diretrizes da PNMU.
Em importante interface com o Estatuto da Cidade e com o PlanMob, a PNMU
torna-se forte instrumento legal de mudança dos paradigmas de mobilidade
urbana, hoje adotadas no Brasil, cujo foco persiste nos transportes individuais
motorizados. Explicita as prioridades
[...]
Seção II
Dos Princípios e Diretrizes da Política de Mobilidade Urbana
Art. 5º A política de mobilidade urbana está fundamentada nos seguintes princípios:
I – acessibilidade universal;
II – desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e
ambientais;
III – eqüidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo;
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
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IV – eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte
urbano;
V – transparência e participação social no planejamento, controle e avaliação da
política de mobilidade urbana;
VI – segurança nos deslocamentos das pessoas;
VII – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes
meios e serviços; e
VIII – eqüidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros.
Art. 6º A política de mobilidade urbana é orientada pelas seguintes diretrizes:
I – integração com as políticas de uso do solo e de desenvolvimento urbano;
II – prioridade dos meios não-motorizados sobre os motorizados, e dos serviços de
transporte coletivo sobre o transporte individual motorizado;
III – complementaridade entre os meios de mobilidade urbana e os serviços de
transporte urbano;
IV – mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de
pessoas e bens na cidade;
V – incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias
renováveis e não-poluentes; e
VI – priorização de projetos de transporte coletivo estruturadores do território e
indutores do desenvolvimento urbano integrado.
À guisa de considerações.
Podemos perceber, ao longo desse breve ensaio, que pensar sobre
mobilidade humana é complexo e amplo e nos impulsiona às muitas relações com
saberes afins. Nos coloca o desafio de pensar nas pessoas e em como ocupam os
lugares de existência no mundo, tendo como fio condutor a mobilidade. Também fica
evidente que mobilidade é plural e está definitivamente atrelada a quem ou o
quepossui maior grau de importância (hierarquia) como valor social e econômico
expresso na forma como ocupamos os espaços. Evidencia que os espaços são
nossos reflexos e possui ideologias em suas formas, que também nos constitui e
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Referências técnicas para a prática de psicólogas(os) em Políticas de Mobilidade Urbana, Transporte
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institui uma forma de estar no mundo e dele fazer (ou não fazer) parte. Assim, é de
política que estamos falando e o foco no indivíduo e suas potencialidades ou
limitações de se colocar em movimento, seja conduzindo um veículo motorizado,
andando a pé, de bicicleta, de ônibus e afins, acoberta o assujeitamento e tensões
de nossas fronteiras em relação a nós mesmos, aos outros e aos espaços por onde
passamos, estabelecemos relações ou simplesmente ignoramos.
O que pode a Psicologia em meio a isso? Como se posicionar eticamente
diante do pacto mercantilista que hierarquiza e exclui as pessoas ao proporcionar
mobilidades sem equidade? Qual o nosso compromisso ambiental, social, político e
humano com as desigualdades que também desqualificam uma forma de mobilidade
da outra? Há respostas ou há disposição para o enfrentamento dos problemas de
mobilidade humana? Diante do exposto, cabe a nós, psicólogos e psicólogas, a
incrível tarefa de cuidar das pessoas tanto quanto de seus movimentos e espaços a
ocupar.
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